Espaço, representação e luta na América Latina
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APRESENTAÇÃO
FÁBIO MURUCI
Do livro
ESPAÇO, REPRESENTAÇÃO E LUTA
NA AMÉRICA LATINA
de Antonio Carlos Amador Gil
coleção
Tempo Versátil
AVES DE ÁGUA
Explorando temas e conceitos originados tanto na história
como na antropologia, Espaço, representação e luta na
América Latina reúne ensaios que abordam a vida política
na América Espanhola em diferentes momentos, desde a
Argentina de princípios do século XIX até o México con-
temporâneo. Mas não se trata um percurso fragmentado.
Ao contrário, Antonio Carlos Amador Gil encontra a uni-
dade de seu livro na redefinição de categorias-chave para
história política moderna, como espaço público, revolução
e, em uma compreensão acentuadamente política do termo,
etnia, sempre pensando sua adequação como instrumentos
para pensar o espaço político latino-americano.
Nos dois primeiros textos, o autor procura pensar o signifi-
cado político dos movimentos indígenas que marcaram a
história recente do México, especialmente o levante dos
neozapatistas de Chiapas, o qual alcançou alta visibilidade
através do uso dos meios de comunicação, da internet e de
novas concepções sobre as formas de ação disponíveis para
os movimentos sociais no mundo globalizado. Discutindo
com uma bibliografia sobre o tema que é, ao mesmo tem-
po, rica em esforço de esclarecimento conceitual e intensa-
mente engajada nas lutas em curso, Antonio Carlos Amador
Gil confronta interpretações e pontos de vista sem jamais,
felizmente, deixar de tomar posição. Os movimentos indí-
genas contemporâneos, aqui, aparecem como um ponto de
partida interessante para repensar a trajetória política latino-
americana, especialmente a tradição das esquerdas revoluci-
onárias locais.
O autor questiona até que ponto a refutação das formas de
ação e teorias consagradas por essas esquerdas, que priori-
zavam a conquista do Estado como instrumento necessário
para a transformação social, não limitou o tratamento do
tema da democracia social em nossa história. Concentrados
na busca de uma participação efetiva das populações indí-
genas na tomada de decisões, na formação de práticas cole-
tivas de debate político e na redefinição da relação entre
sociedade civil e Estado, os movimentos indígenas contem-
porâneos teriam aberto um novo campo de enfrentamento
político, distinto tanto daquele das esquerdas revolucioná-
rias quanto do liberalismo local. Como tal, a própria nação
precisaria ser repensada a partir da ótica da pluraridade e
não da homogeneização. O cerne do debate proposto por
Antonio Carlos Amador Gil é a formação de uma nova
noção de espaço público para a América Latina.
Assim, faz todo sentido a opção do autor de caminhar para
trás cronologicamente, partindo do mundo globalizado para
repensar, a partir daí, a aplicabilidade do conceito de espaço
público para o momento de redefinições conceituais gera-
dos pelas lutas de independência. Tomando a Argentina das
primeiras décadas do século XIX como exame de caso,
Antonio Carlos Amador Gil questiona a eficácia das inter-
pretações habermasianas sobre a emergência de um espaço
público moderno, baseado no debate livre entre sujeitos
racionais e igualizados, lembrando as diversas formas pelas
quais o debate político pode ser efetivado. Explorando o
clima político da Buenos Aires da época, o autor discute a
importância dos cafés, sociedades literárias e pulperías, cuja
quantidade cresce enormemente nesse período, estimulando
medidas repressivas do governo quanto ao horário de fun-
cionamento e freqüentação. Ali, formas de sociabilidade
diversas se desenvolvem, criando sentimentos de comuni-
dade e relações políticas que não poderiam ser limitadas a
uma noção unificada de espaço público. Contra a idéia de
um modelo padrão de modernidade política, o autor defen-
de que formas tradicionais de solidariedade podiam gerar
agitação política. Além disso, incluíam indivíduos de diver-
sos setores sociais, mas com forte presença de categorias
marginalizadas.
Por isso, Antonio Carlos Amador Gil propõe a necessidade
de pensar em espaços públicos no plural, sugerindo que os
mecanismos de debate racional da esfera habermasiana não
são os únicos que podem gerar processos de mobilização e
autonomização política. Ao contrário, espaços não-
regulados permitem a inclusão de setores populacionais sem
acesso ao espaço público letrado. Novamente, a noção
homogênea de nação não permitiria o entendimento das
diversas formas de solidariedade e inclusão que os movi-
mentos sociais podem gerar.
Um dos méritos a ser destacado neste trabalho é o esforço
em retomar a aplicabilidade de ferramentas conceituais
comumente usadas na historiografia e antropologia sobre a
América Latina. Incluindo referências bastante atualizadas,
o texto apresenta as diversas escolas de interpretação sobre
as idéias de nação e etnia, defendendo a urgência de pensá-
las como categorias políticas, que descrevem construções
produzidas na confrontação entre diversos grupos, cujo
sentido e abrangência estão permanentemente em trans-
formação. Desnaturalizar estes conceitos é um procedimen-
tos fundamental para que repensemos a variedade de for-
mas de fazer política, ao mesmo tempo em que se combate
idéias feitas e preconceitos a respeito das motivações dos
setores sociais pouco reconhecidos, seja pelas políticas
estatais seja pela grande imprensa. Não são raros os exem-
plos em que as ações políticas realizadas por esses setores
são apresentadas como formas de resistência atávica contra
a modernização, sobrevivência de tensões étnicas tradicio-
nais e predomínio de uma mentalidade fundamentalista.
Em todos esses casos, se realiza uma despolitização desses
conflitos, considerados como resquícios de um mundo pré-
moderno. Ao questionar essas explicações e recolocar o
tema no cerne da modernidade, as reflexões de Antonio
Carlos Amador Gil são muito bem vindas.
FÁBIO MURUCI é professor de História da América
da Universidade Federal do Espírito Santo
| 2011 |