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207 RESUMO ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE VIOLENTA: ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS HOMICÍDIOS NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL/PR Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 35, p. 207-230, fev. 2010 Recebido em 31 de maio de 2008. Aprovado em 19 de setembro de 2008. Fernanda Pamplona Ramão Yonissa Marmitt Wadi A pesquisa buscou examinar e compreender a incidência desigual dos homicídios no perímetro urbano da cidade de Cascavel, no Paraná, entre os anos 2000 e 2006. Procurou-se entender porque esse tipo de crime variou de uma unidade administrativa para outra e a relação existente entre esse fenômeno e desigualdades socioeconômicas, de infra-estrutura e serviços urbanos. Partiu-se da discussão sobre o processo de urbani- zação desordenada no Brasil, que favoreceu a emergência e/ou a intensificação de diversas problemáticas, dentre as quais a da criminalidade violenta e a dos homicídios. A cidade de Cascavel apresenta altas taxas de homicídio, sendo que poucas unidades administrativas as concentram. Nesse contexto e com base nas explicações postuladas na literatura de referência, realizou-se uma pesquisa empírica sobre a incidência desigual dos homicídios no referido município e sua associação com indicadores de desigualdade. Utili- zou-se a técnica estatística de Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE), além de uma análise de sobreposição espacial de informações. Constatou-se que o fenômeno em estudo apresentou forte associação com as desigualdades ao longo do espaço urbano. Pode-se afirmar, portanto, que os cenários de “sobreposição de carências”, conseqüentemente de baixa qualidade de vida da população residente, potencializaram a ocorrência de conflitos violentos que resultaram em morte. PALAVRAS-CHAVE: Espaço urbano; desigualdades; violência; homicídios; Cascavel. I. INTRODUÇÃO Esta análise visou examinar e compreender a problemática da distribuição espacial desigual dos homicídios no perímetro urbano do município de Cascavel, Paraná, no período compreendido en- tre os anos 2000 e 2006. Buscou-se entender por que a ocorrência deste tipo de crime variou de uma unidade administrativa urbana municipal para outra e a relação existente entre este fenômeno e algumas desigualdades socioeconômicas, de infra- estrutura e serviços urbanos. A violência e a criminalidade são temas cada vez mais debatidos no cenário regional e nacional, pois com a mesma intensidade com que as socie- dades desenvolvem-se, ambas – violência e criminalidade – crescem, atingindo os mais varia- dos segmentos da população. Em razão disso, faz- se necessário analisar tal fenômeno à luz da litera- tura especializada, para que seja possível refletir sobre estratégias mais eficazes de prevenção e in- tervenção. A criminalidade violenta no Brasil, sobretu- do os homicídios no espaço urbano, tem cres- cido de modo acentuado desde a década de 1960 (CARDIA, ADORNO & POLETO, 2003), mo- vimento sobreposto ao acelerado processo de urbanização vivenciado nas últimas décadas no país. Hoje a criminalidade atingiu patamares acima da média mundial e desperta a atenção e a preocupação generalizada da sociedade. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é um dos países com maior número de homicídio no mundo, tendo liderado o ranking mundial em 2003 (HUGUES, 2004), o que coloca o problema na pauta dos maiores desafios a serem superados no cenário nacional. Muito se tem pesquisado sobre o fenômeno, considerado um dos temas mais candentes da atu- alidade, mas há a supremacia de estudos sobre regiões metropolitanas ou que tomam o municí- pio como unidade de análise. As análises espaciais da criminalidade de natureza intra-urbana são mais escassas e referem-se predominantemente às me- trópoles brasileiras, o que reveste de importância a presente pesquisa, que tem como recorte espa- cial uma cidade média não-metropolitana.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 207-230 FEV. 2010

RESUMO

ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE VIOLENTA:ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS

HOMICÍDIOS NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL/PR

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 35, p. 207-230, fev. 2010Recebido em 31 de maio de 2008.Aprovado em 19 de setembro de 2008.

Fernanda Pamplona Ramão Yonissa Marmitt Wadi

A pesquisa buscou examinar e compreender a incidência desigual dos homicídios no perímetro urbano dacidade de Cascavel, no Paraná, entre os anos 2000 e 2006. Procurou-se entender porque esse tipo de crimevariou de uma unidade administrativa para outra e a relação existente entre esse fenômeno e desigualdadessocioeconômicas, de infra-estrutura e serviços urbanos. Partiu-se da discussão sobre o processo de urbani-zação desordenada no Brasil, que favoreceu a emergência e/ou a intensificação de diversas problemáticas,dentre as quais a da criminalidade violenta e a dos homicídios. A cidade de Cascavel apresenta altas taxasde homicídio, sendo que poucas unidades administrativas as concentram. Nesse contexto e com base nasexplicações postuladas na literatura de referência, realizou-se uma pesquisa empírica sobre a incidênciadesigual dos homicídios no referido município e sua associação com indicadores de desigualdade. Utili-zou-se a técnica estatística de Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE), além de uma análise desobreposição espacial de informações. Constatou-se que o fenômeno em estudo apresentou forte associaçãocom as desigualdades ao longo do espaço urbano. Pode-se afirmar, portanto, que os cenários de“sobreposição de carências”, conseqüentemente de baixa qualidade de vida da população residente,potencializaram a ocorrência de conflitos violentos que resultaram em morte.

PALAVRAS-CHAVE: Espaço urbano; desigualdades; violência; homicídios; Cascavel.

I. INTRODUÇÃO

Esta análise visou examinar e compreender aproblemática da distribuição espacial desigual doshomicídios no perímetro urbano do município deCascavel, Paraná, no período compreendido en-tre os anos 2000 e 2006. Buscou-se entender porque a ocorrência deste tipo de crime variou deuma unidade administrativa urbana municipal paraoutra e a relação existente entre este fenômeno ealgumas desigualdades socioeconômicas, de infra-estrutura e serviços urbanos.

A violência e a criminalidade são temas cadavez mais debatidos no cenário regional e nacional,pois com a mesma intensidade com que as socie-dades desenvolvem-se, ambas – violência ecriminalidade – crescem, atingindo os mais varia-dos segmentos da população. Em razão disso, faz-se necessário analisar tal fenômeno à luz da litera-tura especializada, para que seja possível refletirsobre estratégias mais eficazes de prevenção e in-tervenção.

A criminalidade violenta no Brasil, sobretu-do os homicídios no espaço urbano, tem cres-

cido de modo acentuado desde a década de 1960(CARDIA, ADORNO & POLETO, 2003), mo-vimento sobreposto ao acelerado processo deurbanização vivenciado nas últimas décadas nopaís. Hoje a criminalidade atingiu patamaresacima da média mundial e desperta a atenção ea preocupação generalizada da sociedade. Deacordo com dados da Organização Mundial daSaúde (OMS), o Brasil é um dos países commaior número de homicídio no mundo, tendoliderado o ranking mundial em 2003 (HUGUES,2004), o que coloca o problema na pauta dosmaiores desafios a serem superados no cenárionacional.

Muito se tem pesquisado sobre o fenômeno,considerado um dos temas mais candentes da atu-alidade, mas há a supremacia de estudos sobreregiões metropolitanas ou que tomam o municí-pio como unidade de análise. As análises espaciaisda criminalidade de natureza intra-urbana são maisescassas e referem-se predominantemente às me-trópoles brasileiras, o que reveste de importânciaa presente pesquisa, que tem como recorte espa-cial uma cidade média não-metropolitana.

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O número reduzido de áreas que concentramaltas taxas de homicídio no espaço intra-urbanodemonstra que há diferenças significativas nessaescala, que são desconsideradas quando analisa-das na escala inter-municipal. O resultado de umapesquisa municipal conseguiria explicar com altograu de confiança as variações territoriais na dis-tribuição de distintos tipos de delitos, à medidaque as características do local estão diretamenterelacionadas à ocorrência de crimes.

Não existem muitos estudos sobre a distribui-ção espacial da criminalidade que se preocupemem incorporar a estrutura urbana municipal comoum importante elemento explicativo para a inci-dência desigual do fenômeno. Além disso, quan-do incorporam este elemento, muitos não consi-deram os efeitos espaciais na análise, isto é, ascomplicações causadas pela autocorrelação espa-cial (interação entre os agentes, que faz com queo comportamento de uma unidade geográfica deanálise dependa de seus vizinhos) e pela estruturaespacial (heterogeneidade do espaço). A conside-ração desses efeitos é fundamental, pois acriminalidade urbana violenta comumente apresen-ta padrões de concentração espacial. Uma abor-dagem espacial da violência e da criminalidadeparte do pressuposto de que “[...] crimes nãoocorrem no vácuo, mas sim em contextos espa-ciais concretos, dotados de atributos específicosque favorecem, em boa medida, a ocorrência dosmesmos” (DINIZ & BATELLA, 2006, p. 55-56).Nesse sentido, optou-se por uma técnica estatís-tica de análise espacial, cujo objetivo é associar,direta ou indiretamente, a relação entre planeja-mento urbano, desigualdades sociais e econômi-cas e criminalidade violenta em uma perspectivasociológica.

Parece ser consenso na literatura que a violên-cia e a criminalidade são decorrentes da conflu-ência de múltiplos fatores, tanto individuais comoestruturais. Nesta análise, embora se credite o fe-nômeno a uma associação entre esses aspectos, aanálise centra-se sobre a segunda perspectiva, vis-to que as raízes estruturais da violência são asque podem (e devem) sofrer intervenções do Es-tado por intermédio de políticas públicas. Sendoassim, buscou-se confrontar as idéias e as expli-cações postuladas na literatura de referência so-bre o tema analisado com a realidade empírica atualda cidade de Cascavel. Um problema de pesquisacolocou-se: é possível afirmar que cenários demaior desigualdade socioeconômica e carências

na infra-estrutura e nos serviços urbanospotencializaram a ocorrência da criminalidade vi-olenta, especificamente dos homicídios? A hipó-tese que foi testada é a de que houve uma relaçãoproporcional entre as desigualdadessocioeconômicas e as carências na infra-estrutu-ra e nos serviços urbanos em cada unidade admi-nistrativa municipal com altas taxas de homicí-dio.

De modo similar à Sen (2000), a desigualda-de, nesta pesquisa, foi concebida como o acessodiferenciado às oportunidades econômicas e so-ciais, que implicam também falta de oportunida-des políticas, culturais, de lazer etc. Esse acessodiferenciado às oportunidades materializa-se noespaço urbano1 e limita as escolhas individuais e apossibilidade das pessoas exercerem sua condi-ção de agente, de sujeito.

A técnica de Análise Exploratória de DadosEspaciais (AEDE), com correlação bivariada en-tre a variável dependente (taxa de homicídio) e asvariáveis explicativas, foi utilizada para as infor-mações em formato numérico. De forma com-plementar, realizou-se uma análise de sobreposiçãoespacial de informações para as variáveis obtidasapenas em formato cartográfico. As fontes dessapesquisa foram os dados obtidos nos Livros deLaudos de Necropsia, do Instituto Médico Legal(IML), de Cascavel, Paraná, para os anos 2000 a2006. As demais variáveis foram extraídas doCenso Demográfico de 2000, disponível para con-sulta no sítio eletrônico do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), além de informa-ções sociais, econômicas, demográficas e de infra-estrutura e serviços urbanos, disponibilizadas pelaSecretaria de Planejamento Municipal (SEPLAN),para o ano de 2004.

Para descortinar a temática proposta, o pre-sente artigo encontra-se estruturado em quatro se-ções, além desta introdução. A segunda parte apre-senta uma discussão sobre o espaço urbano e a

1 Por opção metodológica e de operacionalização da pes-quisa, o espaço urbano, uma das categorias centrais destaanálise, foi considerado principalmente em sua dimensãolocacional. Sabe-se, contudo, que o espaço é um conceitomais amplo, um produto social de desigualdades de tem-pos acumulados, ensejados por agentes que produzem ereproduzem esse espaço. Para uma discussão maisaprofundada sobre o espaço, numa perspectiva crítica, verautores como Castells (1983), Gottdiener (1993) e Santos(1996).

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dinâmica recente dos homicídios no cenário naci-onal. A terceira seção consiste na apresentação dealgumas contribuições da literatura especializadasobre o tema da criminalidade urbana, especial-mente os homicídios. Tais reflexões fundamenta-ram o subseqüente teste empírico realizado. Naquarta parte, apresenta-se uma pesquisa empíricasobre a incidência dos homicídios no espaço intra-urbano do município de Cascavel, Paraná, e suaassociação com indicadores de desigualdadesocioeconômica, de infra-estrutura e serviços ur-banos. Por fim, apresentam-se as principais con-clusões provenientes da pesquisa.

II. TRANSFORMAÇÕES URBANAS RECENTESE A DINÂMICA DOS HOMICÍDIOS NO CE-NÁRIO NACIONAL

O processo de urbanização é um elemento-cha-ve para se compreender a configuração espacialbrasileira na contemporaneidade. Para que um paísseja considerado urbano é preciso que a maioriade sua população resida nas sedes urbanas dos

municípios ou em suas vilas. Segundo o InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), noano de 2002, o Brasil atingiu um índice de urbani-zação de 84,14%, configurando-se como umanação amplamente urbana. Ferreira (2000) afir-ma, com base em dados da Comissão Econômicapara a América Latina e o Caribe (CEPAL), queem 2000 a taxa média de urbanização da AméricaLatina era de 75%, sendo esta já considerada alta.

A rápida expansão urbana brasileira é um fe-nômeno relativamente recente. Embora as cida-des fizessem parte do cenário nacional desde operíodo colonial, elas possuíam poucarepresentatividade demográfica. Foi especialmentena segunda metade do século XX que o Brasilvivenciou uma intensa urbanização, inserida numcontexto de transformações econômicas, sociaise políticas na sociedade. No final da década de1960, a população urbana tornou-se maior do quea rural, conforme apresentado no Gráfico 1, oque reforça o caráter relativamente recente doprocesso (BRITO, 2006).

GRÁFICO 1 – EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO RURAL E URBANA NO BRASIL (1950-2000)

FONTE: Fernanda Ramão, a partir de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2007).

Embora o processo de urbanização tenha seestendido por todo o território nacional, tal fenô-meno não foi uniforme. Diferentes regiões sofre-ram impactos desiguais e apresentam um quadrocontrastante na distribuição populacional. Na re-gião Sul, o estado do Paraná sofreu um intensoprocesso de crescimento demográfico e urbani-zação. Em 1950, a população total do estado erade 2,1 milhões de habitantes. Em 1970, já era dequase sete milhões e, entre 1991 e 2000, o Paranáatingiu a cifra de 9,5 milhões de habitantes(MOURA, 2004). Em 2002, de acordo com da-

dos do IBGE, 83,13% da população paranaenseresidia em áreas urbanas.

De acordo com Cunha (2003), ainda que nasduas últimas décadas se possa verificar uma rela-tiva desconcentração populacional ao longo doterritório nacional, não se pode pensar que a redede cidades no Brasil está próxima a uma situaçãode equilíbrio, na medida em que a população estáse concentrando em municípios de maior tama-nho. Segundo o autor, entre os anos de 1970 e2000, os municípios pequenos diminuíram suaparticipação demográfica relativa, enquanto os

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municípios médios foram os que mais aumenta-ram sua participação relativa. Em 1970, as cida-des com mais de 100 mil habitantes já concentra-vam mais da metade da população urbana, sendoaproximadamente um terço só naquelas cidadescom mais de 500 mil habitantes. Dessa forma, aurbanização foi acompanhada de um processo deconcentração demográfica nas médias e grandescidades (BRITO, 2006).

Considerando todos os municípios com mais de100 mil habitantes no ano de 2000, o que representaapenas 4% do total, verifica-se que eles concentra-vam mais de 50% dos habitantes do país (CUNHA,2003). Segundo Stamm, Wadi e Staduto (2005), noperíodo de 1970 a 2000, as cidades de porte médionão-metropolitanas aumentaram consideravelmentesua participação relativa, de 10,29% para 17,31%.

Na perspectiva de Moura e Magalhães (1996), oestado do Paraná foi a unidade federativa que maissofreu os impactos do processo de urbanização nocenário nacional, dada a celeridade e a amplitude dofenômeno. Paralelamente, foi verificado um acentu-ado crescimento da participação demográfica relati-va das cidades de médio porte, como é o caso dacidade de Cascavel, cenário deste estudo. Em 1970,havia só cinco municípios nesta classe de tamanhono estado e, em 2000, já havia 10.

Localizada no oeste do Paraná, Cascavel é con-siderada a cidade pólo-regional (Figura 1). Eman-cipada em 1952, no contexto do movimento co-nhecido como “marcha para o Oeste”2, Cascavelvivenciou, nas últimas décadas, um processo derápido crescimento demográfico e de urbanização.

FIGURA 1 – LOCALIZAÇÃO DA CIDADE DE CASCAVEL3

FONTE: Fernanda Ramão.

2 Para uma descrição detalhada sobre a história do municí-pio de Cascavel, ver Sperança (1992) e Piaia (2004).3 Na ausência de um mapa histórico, esta figura identificaa situação contemporânea de Cascavel. O município origi-nou-se da confluência de rotas tradicionais, local de passa-gem e pouso de muitos viajantes.

Segundo o IBGE, no ano de 1960 a populaçãototal de Cascavel era de 39 598 habitantes. Em1980, atingiu a casa dos 163 459 habitantes e, noano de 2006, estima-se que tenha alcançado os284 083 habitantes. Foi na década de 1970 que apopulação urbana superou a população rural e,desde então, a distância só tem se ampliado, comopode ser verificado no Gráfico 2. No ano de 2000,a cidade de Cascavel atingiu um grau de urbaniza-

ção de 93,20%, acima da média estadual (83,13%)e nacional (84,14%).

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GRÁFICO 2 – COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO DA CIDADE DE CASCAVEL (1960-2000)

FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2007).

Na década de 1960, Cascavel foi consideradaa cidade que mais crescia no Paraná e a quarta noBrasil (SPERANÇA, 1992). Entre as décadas de1970 e 1980, o município ultrapassou a casa dos100 000 habitantes, tornando-se um municípioconsiderado de médio porte, dentre os dez muni-cípios desta classe de tamanho no estado doParaná, no ano de 2000.

No Brasil, de modo geral, com o advento darápida urbanização, o rearranjo demográfico mui-tas vezes ocorreu de forma mais acentuada doque a realocação dos recursos básicos para ga-rantir uma vida digna a amplas parcelas da po-pulação, favorecendo alguns grupos ou regiõesem detrimento de outras. Segundo Moura(2004), as áreas mais urbanizadas são as quepossuem os mais expressivos indicadores deatividades econômicas, mas também as queostentam indicadores sociais de grande desigual-dade. Essa desigualdade inerente ao processode crescimento das regiões deve ser combatidapara gerar maiores e melhores benefícios paratodos.

A análise do espaço urbano, para Gomes(2005), requer imediata consideração da questãoda criminalidade, na medida em que o aumentodesta se refletiu na configuração espacial, trans-formando consideravelmente a paisagem urbana.O cenário que vem se consolidando no Brasil eem Cascavel está marcado pela segregação: con-domínios fechados, muros altos e cercas elétri-cas. Assim, a criminalidade torna-se um elemen-to-chave para a compreensão da crescentesegmentação do espaço urbano e, logo, fragmen-

tação das redes de relações sociais entre os citadi-nos4.

De acordo com Maricato (2000), um dos in-dicadores mais expressivos da piora nas condi-ções de vida urbana é o aumento da criminalidadea patamares antes nunca vividos no Brasil. Dadasas suas dimensões, trata-se de um fenômeno des-conhecido anteriormente a 1980 na sociedade bra-sileira, quando ganhou expressão significativa.

No Brasil, na perspectiva de Souza (2004), ascondições de conquista de uma maior autonomiaindividual e coletiva, pré-requisitos para um de-senvolvimento socioespacial autêntico, têm sidominadas pela violência, pelo crescente sentimentode insegurança e por aquilo que é o vetor resul-tante disso tudo, que é a deterioração do climasocial no cotidiano, com a disseminação da des-confiança, do medo e de agressividade. As gran-des disparidades sociais e espaciais (concentra-ção de renda, segregação e auto-segregação) aju-dam a formar o caldo de cultura da criminalidadeurbana violenta, ainda que não a expliquem demodo simples e linear.

A associação entre exclusão e criminalidadecom o processo de urbanização demonstram queesta gera a impessoalidade das relações urbanas,

4 Não foi objetivo desta análise discutir todos os conceitosdos diferentes autores sobre as características do espaçourbano brasileiro (exclusão social e territorial, segregação,fragmentação, estigmatização etc.), porém, vale dizer quetodos eles, de alguma forma, referem-se às disparidadessociais, econômicas e de oportunidades que se cristalizamnas cidades.

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reduz os laços familiares e diminui os mecanis-mos de controle social, que podem levar à práticade crimes. Alto índice de criminalidade não é, po-rém, apenas típico de áreas de exclusão, mas es-tas são comumente as atingidas com maior graude severidade (FÉLIX, 2002).

A fragmentação do espaço urbano não é privi-légio da época atual, porém, atualmente, acriminalidade a tem acompanhado. No entenderde Uriarte (2001), uma cidade partida é represen-tada por imagens coletivas ameaçadoras, faltaconstante de segurança, sentimento coletivo detemor, sobressalto, desconfiança, intolerância eagressão, que tornam o espaço urbano cada vezmais fragmentado e com mais violência. Para aautora, quanto mais partida, mais violenta será umacidade. Nessa linha de pensamento, mais que apobreza, é a exclusão (falta de emprego e escola)e a estigmatização (uso de drogas, cor da pele)que criam respostas violentas dos habitantes cita-dinos.

De acordo com Hugues (2004), o desenhourbano e os territórios estão relacionados àcriminalidade de um modo bastante direto, deno-tando a vinculação desses eventos aos constran-gimentos inerentes às situações de precariedadeurbana e à exclusão social, especialmente ao de-salento causado por estas.

Gomes (2005) defende que o espaço urbanoestá fragmentando-se em inúmeros territórios comcaracterísticas próprias e excludentes da cidada-

nia, favorecendo a instalação da criminalidade e oenfraquecimento da sociedade. Para o autor, acriminalidade é multiforme, crescente e penetrana estrutura social por meio das inúmeras oportu-nidades existentes no espaço urbano, fracionadoentre espaços ocupados de forma irregular (comoinvasões) e espaços murados (condomínios fe-chados), formas que caracterizam territórios se-parados e, ao mesmo tempo, pertencentes à mes-ma cidade. Ainda que estejam afastados, compar-tilham certos espaços e, inclusive, os efeitos daviolência. As transformações urbanas recentesaprofundam o processo de segregaçãosocioespacial, cujo quadro é agravado pela vio-lência.

Ainda que o crescimento da criminalidade ur-bana seja matéria controvertida, segundo Adorno(2002), os dados oficiais indicam que, desde osanos 1950, há uma tendência mundial em cursopara o crescimento de crimes e da violência soci-al e interpessoal. Para o autor, era de se esperarque o Brasil, assim como os demais países, tam-bém estivesse inserido nesse movimento crescentede criminalidade, embora seja fundamental consi-derar que no Brasil o fenômeno possui contornosespecíficos que reforçam a tendência mundial.

De acordo com Cerqueira, Lobão e Carvalho(2005), ocorreram 794 000 homicídios no Brasilnos últimos 25 anos, o que corresponde a um cres-cimento médio anual de 5,6%, tendo o país atingi-do uma taxa de 28,5 homicídios para cada 100 milhabitantes, conforme apresentado no Gráfico 3.

GRÁFICO 3 – NÚMERO E TAXA DE HOMICÍDIOS POR CEM MIL HABITANTES NOBRASIL (1980-2002)

FONTE: Cerqueira, Lobão e Carvalho (2005).

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Observa-se que em 1980 foram registrados 13877 homicídios no território nacional e, em 2002,49 587. Em se tratando de taxas de homicídios,verifica-se que estas aumentaram de 11,7, em1980, para 28,5 por 100 mil habitantes, em 2002.

Para Cerqueira, Lobão e Carvalho (idem, p.1), o crescimento da violência letal foi estatistica-mente regular e espantoso. Nesse sentido, tal fe-nômeno não é considerado como uma explosãosúbita de criminalidade, mas sim “[...] uma tragé-dia anunciada, cujos incidentes evoluem com re-

gularidade estatística espantosa, em um verdadei-ro processo endêmico, tendo em vista a sua ge-neralização espacial e temporal, bem como a pre-sença de um conjunto de fatores estruturais e lo-cais que alimenta esta dinâmica criminal”5.

Para perceber o movimento das taxas de ho-micídio no cenário nacional, estadual e municipalde Cascavel, foram elaboradas séries temporais apartir do Sistema de Informações sobre Mortali-dade do Banco de dados do Sistema Único deSaúde (Datasus), conforme o Gráfico 4.

GRÁFICO 4 – EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE HOMICÍDIO NO BRASIL,PARANÁ E CASCAVEL (1980-2006)

FONTE: Fernanda Ramão, a partir de BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema deInformação de Mortalidade (2007).

NOTA: Os dados da cidade de Cascavel para os anos 2005 e 2006 foramobtidos junto ao Instituto Médico Legal de Cascavel.

5 Endemia refere-se a uma doença habitualmente comumentre pessoas de uma região, cuja incidência associa-se afatores locais. A hipercriminalidade brasileira seria um pro-

Constata-se que as taxas de homicídio da ci-dade de Cascavel são bastante significativas quan-do comparadas às do Paraná e do Brasil. Na sérietemporal, nota-se que as taxas do município estu-dado sempre estiveram acima da média estadual.Em 1980, a taxa cascavelense era de 15,29 e em2006 foi de 38,72 por 100 000 habitantes, en-quanto a paranaense era de 10,76 por 100 000

habitantes, em 1980, e de 28,08 em 2004.É possível perceber, a partir do Gráfico 5, que

embora a partir de 1980 tenha ocorrido uma es-calada no número absoluto de assassinatos emCascavel, as taxas apresentaram variações meno-res, fato que se justifica pelo intenso incrementopopulacional vivenciado pela cidade nas últimasdécadas.

GRÁFICO 5 – CRESCIMENTO DO NÚMERO DE HOMICÍDIOS ETAXAS POR CEM MIL HABITANTES NA CIDADE DECASCAVEL/PR (1980-2006)

cesso endêmico de criminalidade, na medida em que ocorrecom regularidade estatística e que pode ser explicada emgrande parte por fatores macroestruturais (CERQUEIRA,LOBÃO & CARVALHO, 2005).

FONTE: Fernanda Ramão, a partir de BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema deInformação de Mortalidade (2007) e PARANÁ. Instituto Médico Legal de Cas-cavel (2007).

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A análise temporal apresentada evidencia astaxas e as tendências gerais dos assassinatos emterritório cascavelense, porém, como esta pesquisacentra sua análise no espaço urbano intra-munici-pal, foi fundamental verificar a distribuição espa-cial deste tipo de crime nesse contexto. É con-senso na literatura específica sobre a temática,que os crimes não se distribuem de forma homo-gênea e nem aleatória ao longo do tempo e doespaço.

Os homicídios em Cascavel, no período com-preendido entre os anos 2000 e 2006, consuma-ram-se, majoritariamente, na área urbana. Dos 554

Da mesma forma que os homicídios forammais recorrentes no cenário urbano, algumas uni-

homicídios registrados pelo Instituto Médico Le-gal (IML) no período ora analisado, 505 ocorre-ram no perímetro urbano de Cascavel, o corres-pondente a 91,15% dos casos, enquanto 49 ca-sos, ou 8,85%, tiveram como cenário a área ruraldo município. É importante destacar que o perí-metro dos bairros de Cascavel foi redefinido noano de 2004, conforme a Lei Municipal n. 3 825/2004 (CASCAVEL. Secretaria Municipal de Pla-nejamento, 2006). A composição atual das unida-des administrativas urbanas municipais possui 31bairros, distribuídos em 80,87 km2, conforme aFigura 2.

FIGURA 2 – UNIDADES ADMINISTRATIVAS URBANAS MUNICIPAIS DE CASCAVEL/PR

Fonte: CASCAVEL. Secretaria Municipal De Planejamento (2006).

dades administrativas municipais (bairros) con-centraram altas taxas de crimes desta natureza.

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TABELA 1 – NÚMEROS E TAXAS DE HOMICÍDIOS EM CADA UNIDADE ADMINISTRATIVA URBANA DECASCAVEL (2000-2006)6

FONTE: Fernanda Ramão, a partir de PARANÁ. Instituto Médico Legal de Cascavel (2007).

Os bairros que registraram o maior número dehomicídios no período entre 2000 e 2006 foram:Interlagos (74 casos), Brazmadeira (37), São Cris-tóvão e Cascavel Velho (ambos com 35 casos),Floresta (32 casos) e Centro (31 casos). Por ou-tro lado, os bairros Recanto Tropical, Parque Verdee Canadá foram o cenário de apenas um caso dehomicídio cada. Em seguida, encontram-se osbairros Pioneiros Catarinenses (três casos), Es-meralda e Country (quatro casos cada). Aespacialização dos homicídios em números abso-lutos não é a melhor forma de se analisar dadosde criminalidade, na medida em que não levamem consideração a população relativa do local. Éfundamental considerar as taxas por 100 000 ha-

bitantes, tradicionalmente utilizada na literaturasobre o tema, que também encontram-se expres-sas na Tabela 1.

6 Dos 505 homicídios ocorridos no espaço urbano deCascavel, foram espacializados com precisão 485 casos(96% do total). Isso porque em alguns laudos a informaçãoera insuficiente (14 casos), ou o endereço foi informado deforma incorreta, não possibilitando sua localização (16 ca-sos). Ainda, dos 485 homicídios espacializados com preci-são, quatro tiveram a Cadeia Pública local como cenário,localizada no centro da cidade. Esses quatro casos foramexcluídos da análise para que não enviesassem o resultadoda pesquisa ao superestimar os crimes ocorridos no centrode Cascavel. Assim, o universo analisado foi de 481 casos.

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Quando foram consideradas as taxas, aespacialização dos assassinatos sofreu alterações.As unidades administrativas urbanas mais violen-tas nesse quesito foram: Brazmadeira (104,62/100000 habitantes), seguido do Interlagos (101,73) eMorumbi (81,20). Os menos violentos foram osbairros Parque Verde (3,01/100 000 habitantes),Tropical (4,79) e Canadá (5,61).

Apesar das taxas de homicídio em Cascavelserem mais ou menos constantes ao longo do tem-po, os índices apresentados foram sempre altos eo que interessa mais: indicaram um cenário deconcentração espacial intra-urbano. A partir doexposto, fez-se necessário analisar algumas con-tribuições constantes na literatura especializadarecente sobre a temática da violência e dacriminalidade. A reflexão teórica balizou o desen-volvimento da posterior pesquisa empírica reali-zada.

III. CRIMINALIDADE VIOLENTA: REFLEXÕESSOBRE OS HOMICÍDIOS NO ESPAÇO UR-BANO

Demonstrou-se na seção anterior que os ho-micídios no Brasil são cada vez mais freqüentes,principalmente nos centros urbanos, evidencian-do um alto grau de tensão social. Diante dessequadro, nas últimas décadas muitos estudos vêmsendo realizados sobre o tema. Segundo Zaluar(1999), o tema tornou-se um dos mais candentesproblemas urbanos da história política recente dopaís. Embora muito se tenha avançado na carac-terização do fenômeno nos últimos anos, Adorno(2002) chama atenção para a falta de consensoentre os cientistas sociais quanto às causas dessecrescimento7.

Na perspectiva de Adorno (1993), foi durantea década de 1970 que surgiram as primeiras pes-quisas de cunho sociológico sobre a temática,embora houvesse uma produção pequena e esparsanas décadas antecedentes. A produção científicafoi crescente durante os anos 1980, década desua institucionalização, mas apenas consolidou-se na década de 1990 (KANT DE LIMA, MISSE& MIRANDA, 2000).

Para Zaluar (1999), foi, contudo, no final dadécada de 1980 que o problema tornou-se nacio-nal e social, devido à escalada nas taxas de violên-cia e de criminalidade, período no qual as pesqui-sas sociológicas romperam com a supremacia quejuristas e psiquiatras até então tinham sobre o as-sunto no Brasil. Foi nesta década que o aumentoda violência e da criminalidade desencadeou umasignificativa comoção pública e ganhou o desta-que da mídia no Brasil e entrou na pauta das gran-des preocupações do Governo Federal.

O debate sobre o tema da violência e dacriminalidade nunca foi bem organizado e funda-mentado teoricamente. Nos últimos 25 anos, deli-nearam-se diversos campos temáticos, cada qualcom suas próprias questões metodológicas, teó-ricas e ideológicas. Zaluar (1999) comenta quefalar em temas ou abordagens é menos complica-do do que falar em teorias, na medida em queestas muitas vezes sobrepõem-se, inclusive emtermos de precursores. Segundo Bruit e Abrahão(2001), sob o prisma das teorias, não há uma ex-plicação medianamente aceita e satisfatória entreos que estudam o tema. A bibliografia é vasta,complexa e contraditória. Há que se considerarainda, de acordo com Cano e Santos (2001), queas teorias contribuem principalmente para a o en-tendimento sobre a autoria dos crimes, mas osdados geralmente se referem às vitimas, uma vezque as informações sobre os criminosos são maisescassas e também há vários outros elementosexplicativos, além da estrutura socioeconômica,para o comportamento das taxas de homicídio,que não são contemplados nas teorias. Neste tra-balho, optou-se pela mesma perspectiva de Zaluar(1999), isto é, a de analisar uma dada problemáti-ca considerando as abordagens pertinentes e nãodeterminadas teorias.

Adorno (1993) propôs uma sistematização dasabordagens dos estudos brasileiros que abarcamos temas da violência e da criminalidade, distin-guindo-as em quatro blocos: os estudos que ana-lisam o movimento da criminalidade; os que des-crevem e problematizam o senso comum a res-peito do perfil social dos autores de delitos; osque examinam a organização social do crime soba perspectiva do delinqüente; e os que analisam aspolíticas públicas penais.

Já na perspectiva de Zaluar (1999), o campode estudos pode ser classificado em cinco áreas:uma sobre a reflexão do que é violência e seus

7 Para uma discussão conceitual sobre violência, ver Zaluar(1999); sobre crime: Durkheim (1995); Misse (1997); Bruite Abrahão (2001) e Adorno (2002); e sobre criminalidadeviolenta: Cardia, Adorno e Poleto (2003) e Gomes (2005).

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múltiplos planos e significados; uma sobre as ima-gens e/ou representações sociais do crime e daviolência e o medo da população; outra que contaas vítimas e os crimes (em números e sentidos);uma área que procura explicações para o aumen-to da violência e da criminalidade; e uma últimaque aborda o problema social da criminalidadecomo tema de política pública.

Em artigo mais recente, Kant de Lima, Missee Miranda (2000) afirmam que, após cerca de 20anos de produção acadêmica relativamente regu-lar sobre o tema, é possível propor uma sistema-tização de suas áreas temáticas dentro das Ciênci-as Sociais: a discussão sobre delinqüência ecriminalidade violenta; sobre a polícia e o Sistemade Justiça Criminal; sobre a temática das políticaspúblicas de segurança e, por fim, a temática daviolência urbana (imagens, práticas e discursos).

De acordo com a literatura especializada, emgeral, a criminalidade violenta, especialmente ohomicídio, é um fenômeno considerado urbanono Brasil e “[...] um dos pontos altos da precarie-dade que caracteriza a transição de um país pre-dominantemente rural (como até cinqüenta anosatrás) para um país urbano” (CARDIA, ADOR-NO & POLETO, 2003, p. 43-44).

Para Silva (2006), os homicídios são causa-dos por fatores individuais e estruturais, que seencontram intimamente relacionados. Os fatoresindividuais referem-se aos perfis sociobiográficosde vítimas e acusados, enquanto os fatores estru-turais denotam o contexto sociodemográfico eterritorial, características urbanas e sociais nasquais os indivíduos estão inseridos.

De forma semelhante, Cerqueira, Lobão e Car-valho (2005) acreditam que a generalização es-pacial e temporal da criminalidade, característi-cas de uma endemia, apresenta uma dinâmicaalimentada por um conjunto de fatores estrutu-rais e locais. Os autores acreditam que, no Bra-sil, a criminalidade urbana evoluiu em um pro-cesso de intensas transformações demográficase sociais ao longo dos últimos 30 anos, que con-tribuíram na difusão do processo. Associada aessas vulnerabilidades e desigualdadessocioeconômicas tem-se a falência do Sistemade Justiça Criminal, fonte primária da impunida-de. Esses condicio-nantes estruturais teriam fa-vorecido o crescimento do crime organizado edesorganizado.

Os autores identificaram ainda cinco elemen-tos explicativos para a situação atual, que eles ca-racterizaram como de hipercriminalidade no país:o crescimento da população urbana no país quepassou de 52 milhões, em 1970, para 138 milhões,em 2000, ocasionando inúmeras demandas carac-terísticas da vida urbana nos maiores centros (po-líticas habitacionais, educacionais, laborais e nasáreas de saúde, e de segurança pública), que nãoforam adequadamente supridas pelo Estado; aexclusão conjugada à desigualdade econômica, quepotencializam desajustes sociais; a proliferação eo uso indiscriminado das armas de fogo pela po-pulação; a falência virtual do Sistema de JustiçaCriminal; e a ausência histórica de uma Políticade Segurança Pública consistente, proativa e pre-ventiva, baseada nas comunidades, em que a po-lícia moderna fosse apenas um dos pilares (idem).

Caldeira (2000) indica três explicações para acriminalidade que comumente se fazem presentesna produção sociológica. Na primeira explicação,o crime é associado à urbanização, à migração,além de pobreza, industrialização e analfabetismo.Na segunda, ele depende do desempenho e dascaracterísticas das instituições responsáveis pelamanutenção da ordem. Na terceira, o crime seriaexplicado por aspectos psicológicos individuaisdos infratores. De acordo com a autora, para seentender o aumento da violência é preciso consi-derar não apenas variáveis socioeconômicas, deurbanização ou gastos públicos em segurança, mastambém que há uma série de fatores socioculturaisque acabam deslegitimando o Sistema de Justiçaem seu papel de mediador de conflitos, além dacrescente privatização dos processos de vingan-ça. Todas essas tendências só fazem a violênciaproliferar.

Santos (1999, p. 19) entende que a violênciaé resultado de diversos fatores sociais que atu-am “[...] sobre os indivíduos e que a forma deresposta individual não depende apenas de atri-butos individuais, mas de característicassocioeconômi-cas, demográficas e culturais dosgrupos sociais aos quais os indivíduos perten-cem”. Assim, a violência decorre de complexasrelações entre atributos individuais e do contex-to social onde ocorre. Propor-se a estudar o fe-nômeno não é tarefa fácil. É preciso reconhecera dificuldade e o inevitável recorte conceitual queé necessário fazer para proceder a uma aborda-gem sistematizada do tema. De qualquer forma,

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a autora acredita que embora não seja possívelrealizar uma transposição mecânica doaprofundamento das desigualdades para a inten-sificação da criminalidade e do clima de conflitoe desintegração social, na qual vivem atualmenteos centros urbanos de maior porte, não há comonegar a sinergia entre eles.

Na perspectiva de Wieviorka (1997), há certa-mente uma relação entre mudanças sociais e vio-lência, porém não de forma automática e imedia-ta, mas mediatizada. A violência não é resultadodireto da crise ou da mobilidade social descen-dente, mas corresponde, sobretudo, a sentimen-tos fortes de injustiça e de não-reconhecimento,de discriminação cultural e racial. O desempregoe a pobreza, mesmo quando implicam uma quedasocial brusca, não geram imediatamente violênci-as sociais, mas principalmente alimentam frustra-ções.

Embora tenham ocorrido importantes avançoseconômicos nas últimas décadas, Adorno acredi-ta que o hiato entre os direitos civis, sociais e eco-nômicos manteve-se. Com o processo de transi-ção democrática ampliaram-se os direitos políti-cos, porém isso não gerou maior justiça social.Desse modo, “o aprofundamento das desigualda-des sociais persiste sendo um dos grandes desafi-os à preservação e respeito dos direitos humanospara a grande maioria da população” (ADORNO,2002, p. 113). Apesar do nível de desigualdade ede concentração ter permanecido relativamenteestável nas últimas duas ou três décadas, o autordefende que a desigualdade social nunca foi tãovívida e experimentada como atualmente. Os pa-drões de consumo ampliaram-se, inclusive paraos segmentos mais pauperizados, mas as restri-ções de direitos e de acesso às instituições pro-motoras de bem-estar e cidadania permanecem.

Em uma análise espacial dos determinantessocioeconômicos dos homicídios no estado dePernambuco, Lima et alii (2005) investigam aassociação entre variáveis socioeconômicas e ta-xas de homicídio, considerando a localização es-pacial dos indicadores. Por intermédio de um es-tudo puramente quantitativo, os autores identifi-caram uma associação significativa entre índicede pobreza, analfabetismo e homicídio.

De acordo com Cardia, Adorno e Poleto(2003), os registros de homicídios revelam queos cenários mais recorrentes são os bairros quecompõem a periferia urbana, onde as condições

sociais de existência coletiva são precárias e aqualidade de vida encontra-se degradada. Assim,a combinação entre múltiplas carências econômi-co-sociais soma-se a graves violações dos direi-tos humanos, criando um contexto propício paraque a violência prospere. Nessas áreas, os gover-nos municipais e estaduais pouco têm feito paraprover seus moradores de meios adequados à exis-tência digna. Os autores acreditam que, no Brasil,o crescimento da violência nas áreas urbanas nãopossa ser compreendido adequadamente se o abis-mo que caracteriza o acesso aos direitos econô-micos e sociais, para amplas parcelas da popula-ção, não for considerado.

Em uma análise espaço-temporal dos homicí-dios ocorridos na cidade de Belo Horizonte, noperíodo de 1995 a 1999, Silva (2000) constatouque nos bairros onde foram identificados conglo-merados de risco, as condições socioeconômicaseram bem inferiores às médias da cidade. Essesbairros foram considerados ambientes socialmentedegradados, locais pouco assistidos pelos meca-nismos de proteção social do Estado (creches,escolas, áreas de lazer). Sendo assim, o autor acre-dita que o problema está bastante associado àscondições precárias do espaço urbano, de tal for-ma que uma revitalização poderia surtir efeitospositivos na contenção das taxas de mortes porhomicídios nesses lugares.

Lima (2000) afirma que o crime surge comoum elemento a mais num cenário urbano de pro-fundas carências estruturais e ilegalismos. Para oautor: “Em um turbilhão de tensões e carênciasda paisagem urbana, os conflitos que resultam emmorte estariam inseridos numa lógica (informadade forma multifacetada) que opera simbolicamenteo imaginário social de como estes deveriam serresolvidos. Abre-se mão, ou talvez, abandona-sea legitimidade do Estado como o meio mais eficazde mediação e resolução de conflitos. Um Estadoque não consegue fazer-se presente no espaçourbano – a não ser pelo lado obscuro e violento daação policial -, não consegue legitimidade sufici-ente para habilitar-se como instrumento de pacifi-cação social. Emblemática desta situação, a falên-cia gerencial pela qual passa a cidade provoca rup-turas importantes na forma como o indivíduo vêo seu entorno e como ele constrói suas relaçõessociais. Nesse processo, a vida perde seu valormoral e a morte violenta passa a ser a linguagemcorrente” (idem, p. 103).

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De modo geral, a literatura acima analisada evi-dencia que os homicídios apresentam padrões deconcentração espacial e temporal, cuja incidênciadesigual associa-se, em maior ou menor medida, comdisparidades econômicas, sociais e demográficas.Os estudos recentes ainda indicam a existência deuma correlação entre as taxas de homicídio no espa-ço urbano e os contextos de acentuadas desigualda-des sociais, econômicas e de carências na infra-es-trutura e de serviços coletivos de necessidade bási-ca, embora a intensidade dessa associação possavariar no tempo e no espaço.

Uma abordagem espacial é mais do que o meromapeamento dos eventos, é também uma formade manipular dados espaciais de diferentes forma-tos e, por meio de diversas operações, extrair in-formações importantes. Além da identificação dosgrupos mais suscetíveis ao fenômeno estudado,neste caso, a criminalidade urbana que resulta emmorte, é possível avaliar algumas hipóteses sobreos fatores associados a sua incidência. A análiseespacial possibilita identificar grupos populacionaisque estão submetidos a riscos de natureza difusa,geralmente superpostos, que se expressam em ca-racterísticas socioeconômicas e demográficas quecondicionam e são condicionadas pela forma deocupação do espaço urbano (SANTOS, 1999).

Para Beato (1998) as análises espaciais nãotratam do crime de modo geral, mas das condi-ções de incidência de determinados tipos de cri-mes. Há distintas modalidades de crimes e essamudança de enfoque demonstra que certos cri-mes tornam mais visível o processo de tomada dedecisão cuja orientação é estritamente instrumen-tal. Além disso, um diagnóstico das “causas” dacriminalidade pode identificar padrões espaciais etemporais e orientar ações de combate e preven-ção, considerando que os crimes não ocorrem ale-atoriamente no tempo e no espaço.

Dessa forma, a identificação de problemas noscontextos específicos de sua ocorrência pode con-tribuir para a execução de políticas públicas pre-ventivas. No debate de políticas públicas, aumen-ta a discussão sobre a importância de ações lo-cais, tornando-se fundamental identificar áreas queserão alvo de intervenção governamental em âm-bito municipal.

Na seqüência do texto, testou-se a correlaçãoentre as desigualdades citadas e os homicídios emCascavel, para verificar a intensidade dessa pos-sível associação.

IV. ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIALDOS HOMICÍDIOS INTRA-URBANOS EMCASCAVEL

Indicou-se anteriormente que houve uma gran-de disparidade na distribuição espacial dos homi-cídios ao longo do espaço no município de Cas-cavel, havendo indícios da existência de padrõesde concentração espacial. Para comprovar a exis-tência ou não desses padrões, na seqüência serárealizada uma análise estatística exploratória decunho espacial.

Optou-se por este método, porque, conformesalienta Almeida (2004), diferentemente da esta-tística convencional, a técnica espacial aborda,além do comportamento atomístico do agente, ainteração entre agentes heterogêneos no espaço,sendo este também heterogêneo.

Segundo Perobelli et alii (2005), o método deAnálise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE)descreve a distribuição espacial do fenômeno, seuspadrões de associação global e local (clusters),verifica a existência de regimes espaciais diferen-ciados, assim como outros modos de instabilida-de espacial (não-estacionariedade) e identificaobservações atípicas, chamadas outliers. Nessetipo de análise, é aconselhável trabalhar com vari-áveis densas ou intensivas (como taxas que seassociam à significância do valor em relação àpopulação local) em vez de números absolutos.No caso de homicídios, convencionou-se utilizara taxa por 100 000 habitantes, tradicional na lite-ratura de referência.

A AEDE, conforme Almeida (2004), pode serutilizada para uma análise univariada ou multivariada(entre diferentes variáveis). Neste caso, calcula-seo I de Moran bivariado, para mensurar a correla-ção espacial entre diferentes valores de atributos.

Devido às limitações de estatísticas desagre-gadas na escala intra-municipal, somadas aos di-ferentes formatos dos dados disponíveis, fez-senecessária a realização de uma associação de di-ferentes análises que, de forma complementar,contribuíram para a compreensão do fenômenoora estudado. As informações em formato numé-rico serviram de base para a realização da AEDE,do mesmo modo como as informações cartográ-ficas serviram de base para uma análise desobreposição espacial de informações.

Por intermédio do método da AEDE, buscou-se identificar a existência de padrões espaciais na

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distribuição territorial dos homicídios nas diferentesunidades administrativas do perímetro urbano deCascavel, especificamente no período 2000-2006.A Figura 3, a seguir, apresenta a distribuição es-

pacial das taxas médias de homicídios por100 000 habitantes, evidenciando a heterogeneida-de na incidência desse tipo de crime no espaço.

FIGURA 3 – DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS TAXAS DE HOMICÍDIO EMCASCAVEL, EM RELAÇÃO À MÉDIA

FONTE: A autora.

Percebe-se que as áreas com a menor inci-dência de homicídios foram as compreendidaspelos bairros Recanto Tropical e Parque Verde. Ocentro da cidade e seu entorno, além de algunsbairros periféricos, caracterizaram-se também porapresentar taxas médias de assassinatos inferio-res à média da cidade, que foi de 31,91 homicídi-os por 100 000 habitantes.

Com base no indicador de violência ora anali-sado (homicídios), pode-se afirmar que as regi-ões mais violentas da cidade foram as unidadesadministrativas do Interlagos e do Brazmadeira,com taxas superiores a 84,83/100 000 habitantes,seguidas do bairro Morumbi com uma taxa entre58,37 e 84,83/100 000 habitantes.

Embora apresentem informações importantes,a mera visualização dos mapas e ilustrações podelevar ao erro. É fundamental realizar testes de ale-atoriedade para verificar a tendência geral do agru-pamento de dados.

Para verificar a presença de autocorrelaçãoespacial entre os agentes, deve-se analisar o índi-ce de I de Moran, que indica a associação espaci-al global. Os valores positivos deste índice de-

monstram que há autocorrelação espacial positi-va, o que significa que os agentes (unidades ad-ministrativas) interagem no espaço. Especifica-mente nesta pesquisa, isso equivaleria a dizer queas regiões com altas taxas de criminalidade sãocircundadas por outras com altas taxas decriminalidade, da mesma forma que áreas de bai-xa criminalidade também são rodeadas por outrascom as mesmas características.

O I de Moran esperado, E(I) = -1/(n-1), seriao valor encontrado caso não houvesse padrão es-pacial nos dados. Sendo “n” o número de unida-des espaciais do território analisado, que nestapesquisa é 31, referente às unidades administrati-vas urbanas de Cascavel, o valor esperado é E(I)= -0,033. Os valores acima deste indicam umaautocorrelação espacial positiva, tal como os va-lores inferiores indicam uma autocorrelação es-pacial negativa.

A seleção da matriz de ponderamento ou depeso espacial é um passo importante para a sub-seqüente análise dos dados, pois influencia asinferências estatísticas. Assim, a Tabela 2 apre-senta os valores de I de Moran para a variável

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taxa média de homicídios de acordo com três di-ferentes tipos de matrizes de pesos espaciais queexpressam as relações de vizinhança (Rainha, Tor-re e cinco vizinhos mais próximos). Constata-sea existência de autocorrelação espacial positiva

entre as unidades espaciais consideradas, pois, nasdiferentes convenções testadas, o valor encontra-do está acima do valor esperado para essa estatís-tica caso não houvesse padrão espacial nos da-dos, que é de -0,033.

TABELA 2 – COEFICIENTE DE I DE MORAN PARA A VARIÁVEL “TAXA MÉDIA DE HOMICÍDIO”

FONTE: A autora.NOTA: A pseudo-significância empírica é baseada em 999 permutações aleatórias8.

8 Segundo Almeida, Almeida e Sartoris (2006), no teste dapseudo-significância são geradas diferentes permutaçõesdos atributos associados às regiões consideradas. Cada

A convenção Rainha foi a que apresentou omelhor ajuste. Deste modo, considerando que op-valor desta estatística foi de 0,0090, com umasignificância de 1%, pode-se afirmar que os ho-micídios ocorridos no cenário cascavelense noperíodo de referência foram fortementecorrelacionados no espaço. Regiões violentas es-tavam rodeadas por outras regiões violentas, as-sim como regiões pouco violentas eram vizinhasde outras pouco violentas.

Considerando que os padrões globais podemesconder padrões locais ou estar sendo influenci-ados por eles, é imprescindível verificar a forma-ção de agrupamentos (clusters). Cada quadrantedo diagrama de dispersão de Moran indica umagrupamento, que pode ser do tipo Alto-Alto

(Quadrante 1), Baixo-Baixo (Quadrante 2), Bai-xo-Alto (Quadrante 3) e Alto-Baixo (Quadrante 4).Para facilitar a visualização dessas informaçõesreferente ao tipo Rainha, fez-se uso da ferramen-ta “Lisa cluster map”, cujo resultado encontra-seexpresso na Figura 4, na seqüência.

Verifica-se a presença de dois clusters, um dotipo Baixo-Baixo, que inclui o centro da cidade ealgumas áreas circunvizinhas, também caracteri-zadas por baixos índices de homicídio, e outrocluster do tipo Alto-Alto, localizado na região nor-te da cidade e representado pelas unidades admi-nistrativas Interlagos e Floresta, que também fo-ram circundados por outras áreas com altos índi-ces de homicídio, no caso o Brazmadeira e oBrasília.

FIGURA 4 – MAPA DE CLUSTERS DAS TAXAS DE HOMICÍDIOS (2000-2006)

permutação cria um novo arranjo espacial, pois os valoressão redistribuídos entre as áreas.

FONTE: A autora.

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De modo geral, verificou-se a autocorrelaçãoespacial global e local (presença de clusters), oque nos permite inferir que se trata de uma pro-blemática caracterizada pela dependência e pelaheterogeneidade espacial. Diante de tal cenário,uma dúvida colocou-se: que características e/ouelementos poderiam estar relacionados à dinâmi-ca da incidência desigual da criminalidade violen-ta, aqui mensurada pelo homicídio?

No intuito de identificar elementos que auxili-assem na compreensão da complexa dinâmica daincidência desigual dos assassinatos no territóriourbano cascavelense, foram testadas algumas va-riáveis de desigualdade socioeconômica e de infra-estrutura e serviços urbanos. Devido às limitaçõesdas fontes disponíveis, foram selecionadas paraessa análise variáveis numéricas (disponibilizadaspelo IBGE, com base no Censo de 2000) e variá-veis expressas em formato cartográfico (produ-zidas pela Secretaria de Planejamento Municipalde Cascavel, em 2004).

A variável dependente desta pesquisa foram astaxas médias de homicídio por 100 000 habitan-tes em Cascavel, desagregadas por unidades ad-ministrativas urbanas, obtidas a partir dos laudosde necropsia do IML de Cascavel e referente aoperíodo de 2000 a 2006. Optou-se por trabalharcom a média do período para suavizar eventuaisoscilações atípicas registradas em um ano em al-gum bairro. Além disso, quando se trabalha comuma amostra maior, as tendências ficam mais de-finidas. As variáveis foram selecionadas ouconstruídas com base na literatura de referência(temática, teórica e metodológica). Esta guiou otrabalho junto às fontes.

A variável independente referente à desigual-dade socioeconômica foi mensurada a partir de

indicadores de renda, escolaridade, adensamentopopulacional, média de moradores por habitaçãoe mortalidade infantil. A outra variável indepen-dente, relativa à infra-estrutura e serviços urba-nos municipais, foi mensurada pela proporção dedomicílios com esgoto ligados à rede geral, pro-porção de domicílios sem banheiro e sanitário,domicílios com água canalizada, padrão constru-tivo das edificações, rede de pavimentação asfálticae qualidade dos equipamentos e serviços urbanosem cada unidade administrativa.

Em consonância com a definição de desigualda-de adotada nesta análise, as variáveis utilizadas nestapesquisa foram escolhidas por indicarem o acessodiferenciado às oportunidades econômicas e sociaisque se cristalizam no espaço nurbano e que resul-tam, em alguma medida, em falta de oportunidadespolíticas, culturais, de lazer etc., que acabam res-tringindo as escolhas individuais e a possibilidade daspessoas exercerem sua condição de agentes.

Para a avaliação das variáveis em formato nu-mérico, foi utilizado o I de Moran bivariado. Estetem como objetivo, basicamente, descobrir se ovalor de uma variável observada em uma determi-nada unidade espacial possui uma relação com osvalores de outra variável observada nas unidadesespaciais circunvizinhas (ALMEIDA, 2004). Parafacilitar a visualização, a tabela a seguir apresentao coeficiente I de Moran bivariado das taxas dehomicídio em relação às demais variáveis.

Dentre as associações entre variáveis analisa-das, verifica-se que apenas três não foram signi-ficativas com base no teste da pseudo-significânciaempírica: a) domicílio com água canalizada; b)domicílios sem banheiro e sanitário; e c) mortali-dade infantil. As demais variáveis apresentaramcorrelação espacial significativa.

TABELA 3 – COEFICIENTE DE I DE MORAN BIVARIADO DA TAXA MÉDIA DE HOMICÍDIOS EDEMAIS VARIÁVEIS EXPLICATIVAS

FONTE: A autora.Nota: A pseudo-significância empírica foi baseada em 999 permutações aleatórias.

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É importante frisar que uma análise de corre-lação espacial possui uma interpretação diferenteda correlação convencional. A associaçãoidentificada não é em relação à mesma unidade deanálise, mas sim a associação do comportamentode uma variável em determinada área com o valorde outra variável nas áreas vizinhas, conformeexemplificado a seguir.

A correlação espacial mais forte entre as vari-áveis analisadas foi com a variável explicativa “do-micílios com esgoto ligados na rede geral”, cujoíndice I de Moran encontrado foi de -0,3837, sig-nificativo a 1%. Isso significa que áreas com bai-xo percentual de domicílios com serviço de esgo-to ligado à rede geral eram vizinhas de áreas comaltas taxas de homicídio, assim como áreas comalto percentual da variável considerada estavamrodeadas por áreas com baixos índices de assas-sinato.

A segunda variável de maior influência para adistribuição espacial dos homicídios foi “Porcen-tagem de chefes de família sem instrução e atéum ano de estudo” em cada unidade administrati-va urbana, que apresentou correlação espacialpositiva. O I de Moran foi de 0,3498, significati-vo a 1%, indicando que unidades administrativascom elevado percentual de chefes de família seminstrução e até um ano de estudo eram cercadaspor unidades administrativas com alta incidênciade homicídios. De forma similar, áreas com baixopercentual de chefes de família sem instrução eaté um ano de estudo eram cercadas por áreascom baixa incidência de homicídios.

A variável “Porcentagem de chefes de famíliacom renda até três salários” apresentou a terceiramaior correlação espacial com as taxas de assas-sinato. O I de Moran foi de 0,3464, demonstran-do uma correlação espacial positiva. Assim, osbairros com alta proporção de chefes de famíliacom renda de até três salários mínimos eramcircunvizinhos de unidades administrativas comalto grau de homicídios, da mesma forma comoáreas com baixo percentual desta variável esta-vam cercadas por áreas de baixa criminalidadeviolenta.

Também apresentaram correlação espacialpositiva as variáveis “densidade populacional”,“média de moradores por habitação”, “chefes defamília com até 4 anos de estudo”, “chefes defamília sem rendimento”, “chefes de família comrenda de até 1 salário mínimo” e “chefes de famí-

lia com renda até 2 salários”. Portanto, áreas comaltos valores dessas variáveis eram vizinhas deáreas com altas taxas de homicídio, assim comounidades administrativas com baixos valores des-sas variáveis eram rodeadas por áreas com baixaincidência de crimes que resultaram em morte.Podemos afirmar que essas variáveis apresenta-ram-se como caracterizadoras de cenários típi-cos de casos de homicídios.

As demais variáveis apresentaram correlaçãoespacial negativa, o que nos permite dizer que seapresentaram como inibidoras dos assassinatos oupouco presentes nos cenários mais violentos doperímetro urbano. Foram elas: “chefes de famíliacom mais de 15 anos de estudo” e “chefes defamília com rendimento superior a 20 saláriosmínimos”. Logo, áreas com baixos valores des-sas variáveis estavam rodeadas por áreas com altoíndice de homicídio, bem como unidades espaci-ais com altos valores dessas variáveis eramcircunvizinhas de áreas com baixa criminalidadeviolenta.

Da mesma forma que algumas característicaspotencializaram a ocorrência de um conflito vio-lento que culminou em morte, comprovou-se quealgumas variáveis reduziram significativamenteessa possibilidade. Estas eram variáveis indicativasde melhor nível socioeconômico e de um contex-to de melhores oportunidades sociais, conseqüen-temente de qualidade de vida da população resi-dente em certos bairros e em seu entorno.

Para complementar a análise, foi realizada umaavaliação a partir da “sobreposição” espacial dasinformações cartográficas. Serviram de base paraesta análise as bases cartográficas referentes aopadrão construtivo das edificações, à rede de pa-vimentação e à qualidade dos serviços e dos equi-pamentos urbanos, produzidas pela Secretaria Mu-nicipal de Planejamento (SEPLAN), em 2004.

A primeira base cartográfica (Figura 5) ilustrao padrão construtivo das edificações no períme-tro urbano de Cascavel. Se forem “agregadas” ascategorias referentes às áreas com as edificaçõesmais precárias da cidade (padrão baixo, padrãointermediário e padrão médio e baixo), verifica-seque unidades administrativas situadas na faixacompreendida entre o norte da cidade até o extre-mo leste são as áreas com o mais baixo padrãoconstrutivo da cidade. Destacam-se também nes-te quesito as áreas localizadas no sul e no oeste doperímetro urbano.

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ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE VIOLENTA

As moradias mais precárias localizam-se nolimite do perímetro urbano, em áreas ditas perifé-ricas. As unidades administrativas que se desta-cam são: Interlagos, Floresta, Cataratas, Esme-ralda, Catorze de Novembro, Santa Cruz,

Morumbi, Brasília e Periolo. Excetuando os doisúltimos bairros citados, os demais apresentam ta-xas de homicídio acima da média municipal, con-forme apresentado anteriormente.

FONTE: CASCAVEL. Secretaria Municipal de Planejamento (2004).

FIGURA 5 – PADRÃO CONSTRUTIVO DAS EDIFICAÇÕES UR-BANAS DE CASCAVEL

A rede de pavimentação urbana, de acordo coma Seplan, pode ser classificada em: asfalto, sem pa-vimentação ou pavimentação com pedra irregular.As unidades administrativas que mais se destacampela inexistência de vias públicas pavimentadas comasfalto, na Figura 6, são: a norte, Interlagos eBrazmadeira; a leste, Morumbi, Periolo, Cataratas eCascavel Velho; a oeste, Santa Cruz e Santo Onofre.

Mais uma vez, as áreas com deficiência deinfra-estrutura e de serviços urbanos são as situ-adas no cinturão que limita o perímetro urbano deCascavel, com destaque para as unidades admi-nistrativas do norte e do extremo leste. De todosos bairros com pavimentação asfáltica precária oúnico com taxa de assassinato inferior à média éo bairro Periolo, situado na região norte.

FIGURA 6 - REDE DE PAVIMENTAÇÃO URBANA DE CASCAVEL

FONTE: CASCAVEL. Secretaria Municipal de Planejamento (2004).

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A Figura 7 ilustra o grau de satisfação da infra-estrutura urbana e de serviços coletivos em cadaunidade administrativa, de acordo com a avalia-ção da gestão municipal. Observa-se que o centroda cidade, assim como seu entorno, possui umaqualidade de 90% a 100% de satisfação no atendi-mento à população em infra-estrutura e em servi-ços públicos. Por outro lado, os bairros com amais baixa avaliação neste quesito (de 60% a 70%de satisfação) localizam-se nos extremos norte aleste do perímetro urbano. São os bairros:Brazmadeira, Interlagos, Floresta, Brasília, Periolo,Morumbi e Cataratas. No oeste da cidade, tam-bém os bairros Santa Cruz, Santo Onofre e San-

FONTE: CASCAVEL. Secretaria Municipal de Planejamento (2004).

tos Dumont possuem os mesmos patamares deoferta dessas benfeitorias urbanas.

Mais uma vez, verifica-se que a maioria dos bair-ros com os menores índices de satisfação nos que-sitos infra-estrutura e serviços urbanos apresentamtambém altas taxas de homicídio (exceto o Brasília eo Periolo). A faixa que se estende de norte a leste é amais deficitária nos diferentes atributos analisadosnesta pesquisa, de tal forma que se caracteriza porum quadro semelhante ao definido por Cardia, Ador-no e Poleto (2003) para a cidade de São Paulo, comode “sobreposição de carências”, que representa umcontexto propício à proliferação de crimes violen-tos, especialmente os que resultam em morte.

FIGURA 7 – QUALIDADE DA REDE DE INFRA-ESTRUTURA E DESERVIÇOS URBANOS DE CASCAVEL

De modo geral, se os cartogramas apresenta-dos (Figuras 5 a 7) forem comparados com o dehomicídios (Figura 3), podem ser identificadasimportantes sobreposições. Verificou-se que a in-cidência desigual dos assassinatos ao longo doespaço possuiu uma forte associação com a desi-gualdade econômica, social e de infra-estrutura eserviços urbanos. As variáveis quantificáveis queapresentaram maior correlação espacial com ofenômeno ora estudado foram o percentual dedomicílios com esgoto ligado à rede geral (corre-lação negativa, que expressa uma relação inver-sa), percentual de chefes de domicílio sem ins-

trução e até um ano de estudo, e percentual dechefes de família com renda de até três saláriosmínimos (correlações positivas). Dentre as variá-veis numéricas, as únicas que não se mostraramsignificativas foram: mortalidade infantil, percentualde domicílios com água canalizada e percentualde domicílios sem banheiro e sanitário.

As variáveis explicativas apresentadas em for-mato cartográfico foram consideradas igualmen-te importantes para a compreensão da distribui-ção espacial desigual dos assassinatos, indicandoque áreas com infra-estrutura e serviços urbanosprecários foram o cenário mais recorrente para a

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consumação de um homicídio. Nesse sentido,constatou-se que as unidades administrativas cen-trais, dotadas de melhor infra-estrutura urbana ede melhores indicadores socioeconômicos apre-sentaram taxas de homicídio abaixo da média. Domesmo modo, algumas áreas periféricas que deli-mitavam o perímetro urbano especialmente nonorte e extremo leste, com condições precáriasde infra-estrutura urbana e indicadores sociais eeconômicos baixos, foram os lugares de maiorincidência de conflitos que resultaram em desfe-chos fatais, com destaque para Brazmadeira,Interlagos e Morumbi.

Isto posto, fica claro que se trata de uma pro-blemática concentrada espacialmente, em largamedida associada às carências na infra-estruturaurbana e desigualdades de natureza social e eco-nômica. Certamente, visto tratar-se de um fenô-meno complexo e multidimensional, resultante daconfluência de fatores individuais e estruturais,as variáveis consideradas neste estudo não possi-bilitam total compreensão da heterogeneidade es-pacial do fenômeno em questão, mas constituem-se em elementos importantes e com alto grau deconfiabilidade para a sua análise.

V. O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA GESTÃODA SEGURANÇA PÚBLICA E O CASO DECASCAVEL/PR

Como vimos no transcorrer deste estudo, asúltimas décadas foram marcadas por um proces-so escalar de homicídios no Brasil. O sentimentode insegurança acentuou-se e o Estado não con-seguiu fazer-se presente no meio urbano e nemconseguiu legitimidade suficiente para intervir nes-se processo e cumprir seu papel de regulador deconflitos e de pacificador social (LIMA, 2000). Ofenômeno é complexo e multicausal, decorrente,em larga escala, das desigualdadessocioeconômicas e de infra-estrutura e serviçosurbanos. Diante desse quadro, e considerando queo atual debate teórico sobre segurança públicaprivilegia o enfoque preventivo e sob o âmbitomunicipal de atuação, é fundamental refletir sobrea atual forma de enfrentamento desta problemáti-ca. É importante compreender o fenômeno, mastambém analisar possíveis formas de combate ede prevenção.

Segurança pública é um tema que, emborapossa ser pautado na literatura científica e nasobservações empíricas, possui um viés predomi-nantemente político e propositivo. Nessa perspec-

tiva, o mais importante é o estado que se pretendealcançar e os instrumentos políticos existentescapazes de auxiliar na realização desse propósitoa um custo razoável (MAGALHÃES, 2004).

Na perspectiva de Soares (2006), uma segu-rança pública cidadã pode ser promovida de duasformas. A primeira seria por intermédio de políti-cas preventivas e a segunda com o auxílio daspolícias (no caso dos estados) e/ou guardas civis(no caso dos municípios). O autor acredita que aesfera municipal seja a mais adequada para gestaruma política preventiva, devido a uma maior aces-sibilidade, a uma maior agilidade e a uma maiorproximidade com a população.

A gestão municipal pode produzir efeitos rápi-dos na contenção da criminalidade a um custorazoável. Uma política dessa natureza, para Soa-res (idem), não se volta à resolução dos proble-mas macroestruturais existentes no país. O autorargumenta que exemplos nacionais e internacio-nais já demonstraram a possibilidade de desenvol-ver ações preventivas e de obter presteza de re-sultados. Assim, ações de caráter preventivo po-dem ser eficientes mesmo sem combater as cau-sas estruturais da violência criminal.

É certo que tais ações, por não mudarem aestrutura social, não são capazes de evitar que oproblema retorne em determinado momento. Masé preciso ter em mente que essas ações podemminimizar danos e sofrimentos e, principalmen-te, salvar vidas. Entende-se, portanto, que as po-líticas preventivas tópicas – privilegiadas na es-fera municipal – contribuem para interceptar di-nâmicas que potencializam a ocorrência do fe-nômeno que se quer evitar, como a criminalidadeviolenta.

Também no entendimento de Kahn (2005), osmunicípios têm importantes instrumentos paraintervir na segurança pública com estratégias al-ternativas, de caráter pluriagencial, transdisciplinare comunitárias, em contraposição ao modelo re-pressivo-penal que costuma predominar. Há al-gum tempo a literatura especializada, segundo oautor, vem indicando que ações voltadas à melhoriada qualidade de vida atuam, por conseqüência, naredução da criminalidade, especialmente na redu-ção das ocorrências mais violentas. O poder mu-nicipal tem em suas mãos muitos dos instrumen-tos capazes de influir na qualidade de vida coleti-va. Assim, seu poder de atuação vai muito alémda Guarda Municipal e pode incidir sobre as cha-

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madas benfeitorias urbanas (iluminação limpeza;poluição sonora, visual e ambiental; ampliar op-ções de educação, esporte e lazer para os jovensetc.).

Na seção anterior, constatou-se que nas uni-dades administrativas municipais do perímetrourbano consideradas, os pontos quentes (hot spots)da incidência de homicídios em Cascavel são osbairros Brazmadeira, Interlagos e Morumbi. Numsegundo patamar de importância, têm-se os bair-ros Floresta, São Cristóvão, Cataratas, Pacaembu,Cascavel Velho, Santa Felicidade, Catorze de No-vembro, Santos Dumont, Esmeralda, SantoOnofre e Santa Cruz. Assim, dentre as 31 unida-des administrativas que compõem o perímetrourbano cascavelense, 14 apresentam um nível queexige maior atenção das autoridades competentesna área de segurança pública, sendo as três pri-meiras as prioritárias.

Considerando que, na cidade de Cascavel, o“cenário da tragédia anunciada” seria correspon-dente aos espaços com baixo percentual de domi-cílio com esgoto ligado à rede geral, com chefesde família sem instrução ou menos de um ano deestudo, renda do chefe de família de até três salá-rios mínimos, alta densidade populacional e mé-dia alta de moradores por domicílio, além de bai-xo padrão construtivo das edificações e carênciasnas redes de pavimentação asfáltica e equipamen-tos coletivos urbanos de necessidade básica, es-tes deveriam ser considerados prioridades naspolíticas municipais, sobretudo nas regiões nortee leste da cidade, onde a problemática em questãoé mais acentuada.

O Plano Diretor de Cascavel, documento ofi-cial que norteia as políticas de desenvolvimentourbano, prevê algumas ações no que se refere àsegurança pública, dentre as quais a execução deinfra-estrutura urbana como elemento de apoio àsegurança. Acredita-se que, se essas ações foremconcretizadas, podem contribuir para aminimização da problemática dos homicídios, ca-racterísticos de áreas mais deficitárias das cha-madas benfeitorias urbanas, conforme apresen-tou-se no transcorrer dessa pesquisa. Ademais,seria importante designar uma equipe permanenteentre o efetivo da Guarda Municipal para realizarum policiamento comunitário nesses espaços demaior risco, a partir do estabelecimento de umarede de confiança entre a guarda e a população dobairro, cujo principal objetivo seria a resolução de

problemas de baixa intensidade e a difusão de umsentimento de maior segurança entre os residen-tes do local.

Diante do exposto, fica claro que o municípiodeve ter lugar de destaque na elaboração e na exe-cução de políticas de segurança, o que possibilitanovas formas de enfrentamento da violência e dacriminalidade. A municipalização das políticas desegurança pública tende a ser reforçada nos pró-ximos anos, por ser considerada uma estratégiapromissora de contenção da violência e dacriminalidade, já experimentada em outras locali-dades do Brasil e do mundo (SENTO-SÉ, 2005).

Embora a segurança pública seja legalmenteuma atribuição dos governos estaduais, é impor-tante que os municípios participem ativamentedeste processo. O poder público de Cascavel, aindaque apresente algumas ações nesse sentido, o temfeito de forma esparsa e incipiente. É preciso con-solidar e aprimorar os mecanismos de gestão dasegurança pública, cujo processo poderia serbalizado nas ações sugeridas nesta análise. Essasmedidas, somadas às já existentes, poderiam sermuito úteis para coibir e para prevenir o crimeurbano, o que pode gerar um efeito multiplicadorpositivo sobre outras esferas da vida social.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, buscou-se examinar e compre-ender a incidência desigual dos homicídios noperímetro urbano do município de Cascavel,Paraná, no período compreendido entre os anos2000 e 2006, a partir dos determinantes estrutu-rais da violência e da criminalidade urbana.

As análises realizadas neste artigo demonstra-ram que os homicídios foram altamente concen-trados no espaço e que possuíam uma grande as-sociação com as carências na infra-estrutura ur-bana e com as desigualdades sociais e econômi-cas ao longo do território. Comprovou-se que lo-cais com “sobreposição de carências”, conseqüen-temente de baixa qualidade de vida da populaçãoresidente, caracterizaram os cenários típicos paraa ocorrência de crimes violentos que resultaramem morte.

Pode-se dizer que os resultados da pesquisaforam condizentes com a linha explicativa predo-minante na literatura especializada, que enfatiza adesigualdade como elemento-chave para o enten-dimento da dinâmica espacial dos crimes violen-tos, sobretudo os homicídios. O eixo central des-

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sa pesquisa foi sua proposição empírica, cujo ob-jetivo foi identificar elementos estruturais presen-tes na complexa dinâmica da distribuição espacialdesigual dos homicídios no perímetro urbano deCascavel entre os anos 2000 e 2006.

Ainda que esta análise não seja capaz de expli-car o fenômeno em toda sua complexidade e nemassociar a multiplicidade de fatores que contribu-em para a compreensão dos crimes de homicídio,a análise proposta foi de fundamental importân-cia. Os determinantes estruturais da violência –que podem ser alvo de intervenção governamen-

tal – associam-se de forma significativa ao com-portamento dos homicídios e, se combatidos,podem resultar em um decréscimo significativonas taxas de crimes urbanos violentos.

É importante dizer, por fim, que não se pre-tendeu esgotar o tema, nem fornecer uma receitainfalível de combate e prevenção aos crimes queresultam em morte, mas levantar o debate acercados determinantes estruturais da violência ecriminalidade e contribuir para a reflexão sobreestratégias capazes de minimizar essa problemáti-ca no município de Cascavel.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 233-238 FEV. 2010

URBAN SPACE AND VIOLENT CRIME: ANALYSIS OF THE SPATIAL DISTRIBUTIONOF HOMICIDES IN THE MUNICIPALITY OF CASCAVEL (PARANÁ)

Fernanda Pamplona Ramão and Marmitt Wadi

This research seeks to examine and understand the unequal incidence of homicides within the urbanperimeters of the city of Cascavel, Paraná , between the years 2000 and 2006. We have attemptedto understand why this type of crime varies from one administrative unit to another and whatrelationship exists between this phenomenon and socio-economic, infrastructural and urban serviceinequalities. We begin with a discussion of processes of disorganized urbanization in Brazil, as theyhave favored the emergence or intensification of several types of problems, including violent crimeand homicide. Cascavel is a city with high homicide rates, concentrated within just a few administrativeunits. In this context and based on the explanations that are postulated in the literature of reference,we have carried out research on the unequal incidence of homicides within this municipality and itsassociation with indicators of inequality. We have used the Exploratory Analysis of Spatial Data asour technique for statistical analysis. We have been able to confirm that the phenomenon we arestudying is strongly associated with inequalities in urban space. Thus, we can assert that scenarios of“juxtaposition of needs” and the consequent poor quality of life among the resident population favoroccurrence of violent crimes resulting in death.

KEYWORD: urban space; inequalities; violence; homicides; Cascavel.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 241-246 FEV. 2010

L’AGRO-ALIMENTAIRE ET LE PROBLÈME DU TRAVAIL DES ENFANTS

Joel Orlando Bevilaqua Marin

L’article cherche à identifier et à analyser les raisons pour lesquelles certains secteurs de l’agro-industrie se sont engagés dans la lutte pour éradiquer le travail des enfants au Brésil, déclenchéepar des organismes internationaux pour la défense des droits des enfants et des adolescents. Notrehypothèse est que la mondialisation économique et l’internationalisation des droits de l’enfant ontmis en évidence le problème du travail des enfants, ce qui a donc entraîné la mobilisation de secteursindustriels liés à la chaîne de production de l’agro-industrie au Brésil. L’article est divisé en quatresections interdépendantes. Dans la première, nous cherchons à souligner l’interférence des problèmessociaux et de travail dans les activités économiques de l’agro-business, dans le contexte actuel de lamondialisation. Ensuite, nous étudions les investissements les plus importants de l’Organisation desNations Unies, l’UNICEF et l’Organisation internationale du travail visant à internaliser les droitsdes enfants et des politiques de lutte contre le travail des enfants, mettant en évidence son impactsur le Brésil. Dans la troisième section, nous analysons les stratégies adoptées par des sociétés liéesà l’agro-industrie en vue d’empêcher l’exploitation de la main-d’oeuvre des enfants dans leurschaînes de production.Enfin, nous cherchons à comprendre les motivations qui ont conduit lesentrepreneurs de l’agro-industrie à se joindre à la lutte contre le travail des enfants. Il est conclu queles sociétés impliquées dans le secteur agroalimentaire se sont jointes aux fins de la lutte contre letravail des enfants en raison de l’internationalisation des droits des enfants et des adolescents, del’inclusion de clauses sociales dans les marchés internationaux, de l’intensification du contrôle dupouvoir public, de la croissance des actions de responsabilité sociale des entreprises et del’accroissement de la sensibilisation des consommateurs.

MOTS-CLES : agro-industries ; mondialisation, travail des enfants, droits de l’enfant, exploitation.

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ESPACE URBAIN ET CRIMINALITÉ VIOLENTE : ANALYSE DE LA RÉPARTITIONGÉOGRAPHIQUE DE MEURTRES DANS LA VILLE DE CASCAVEL (ÉTAT DU PARANÁ)

Fernanda Pamplona Ramão et Marmitt Wadi

L’étude a cherché à examiner et à comprendre la distribution inégale du nombre de meurtres dansl’espace urbain de la ville de Cascavel, dans l’état du Paraná, entre les années 2000 et 2006. On acherché la raison pour laquelle ce type de crime a varié d’une unité administrastive à l’autre et lerapport entre ce phénomène et l’inégalité socio-économique, l’infracstructure et les services urbains.Le point de départ a été la question du procès d’urbanisation désordonnée au Brésil, ce qui a favorisél’émergence et/ou l’intensification de plusieurs problèmes, dont la criminalité violente et les meurtres.La ville de Cascavel présente un taux de meurtres très élevé, alors que peu d’unités administrativesen concentrent. Dans ce contexte et en nous appuyant sur les explications figurant dans la littératurede réference, nous avons mené une recherche empirique sur la répartition inégale de meurtres danscette ville et son association avec les indices d’inégalité. Nous avons utilisé la technique statistiquede l’Analyse Exploratoire de Données de l’Espace (AEDE), ainsi qu’une analyse de superpositionspatiale de renseignements. Nous avons constaté que le phénomène a présenté une forte associationavec les inégalités au long de l’espace urbain. Nous prétendons donc que les scénarios de“surperposition de carences”, donc d’une basse qualité de vie de la population, ont accru la possibilitéde conflits violents résultant en mort.

MOTS-CLÉS : espace urbain ; inégalités ; violence ; meurtres ; Cascavel.