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espiral _______________________________________________________________________ 1 espiral Boletim da Associação FRATERNITAS MOVIMENTO – n.º 52 – maio – setembro de 2014 [email protected] | http://fraternitasmovimento.blogspot.pt Fraternitas em renovação FERNANDO FÉLIX, presidente A Igreja vive dos carismas. Os novos movimentos eclesiais surgidos na segunda metade do século XX caracterizam-se sobretudo pelo facto de dirigir-se principalmente a fiéis leigos para ajudá- los a viver com plena coerência o seguimento de Cristo na vida quotidiana ou realidades seculares. Mas também há movimentos sacerdotais. A Associação Fraternitas Movimento nasceu há 18 anos. Cumpre, por dom particular do Espírito Santo, uma missão que nenhum outro organismo eclesial pode satisfazer. Em outubro, na Assembleia Geral Extraordinária, vamos definir os próximos anos. Uma das tarefas será eleger os corpos sociais. Para mim, o ponto final deste parágrafo é também o ponto final na Presidência. Agradeço a Deus o dom deste ministério, que exerci durante três anos, agradeço aos colegas e a todos os sócios, e coloco sob a ação do Espírito Santo aquele(s) que Ele escolheu para guiar a Fraternitas no próximo triénio. ____________________________________________________________________________________ A refundação da Fraternitas ANTÓNIO DUARTE, tesoureiro e vogal A Assembleia Geral, de 25 de abril passado, votou para 25 de outubro próximo, a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE.) deliberativa bem como a nomeação de uma Comissão ad hoc para a preparar em ligação com a Direção. De então para cá, várias coisas aconteceram com essa finalidade: – No dia 17 de maio, Comissão e Direção reuniram-se em Lisboa e, nesse encontro, foi estabelecido enviar uma carta aos sócios com quotas em atraso para regularizarem a sua situação até 30 de junho, a fim de terem direito a voto na AGE. Essa carta foi enviada no início de junho. – No dia 7 de junho, realizou-se no Seminário Redentorista de Cristo-Rei, em Vila Nova de Gaia, um Encontro Regional com a presença de 23 associados. – No dia 12 de julho, teve lugar em Lisboa outro Encontro Regional com a presença de 12 associados. – Com data de 1 de maio, chegou à direção da Fraternitas uma «reflexão sobre a Fraternitas Movimento», do sócio n.º 1, Francisco Monteiro. – A Direção contactou com vários sócios por telefone. Como preparar a Assembleia Extraordinária? Proponho quatro passos. 1.º: (Re)lendo textos bíblicos inspiradores. Lendo e meditando, por exemplo, a eleição do apóstolo Matias num contexto comunitário de retiro e oração continuada e intensa, onde estavam presentes cerca de 120 pessoas, entre elas os Apóstolos, algumas mulheres – incluindo Maria, Mãe de Jesus, e seus familiares. Pedro dirigiu a assembleia, mas a escolha foi comunitária (Act 1, 12-26). Lendo e meditando – segundo exemplo – a instituição dos sete diáconos (Act 6, 1-6). Quem convocou esta assembleia dos discípulos foram os

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Boletim da Associação Fraternitas Movimento dedicado aos Movimentos

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Boletim da Associação FRATERNITAS MOVIMENTO – n.º 52 – maio – setembro de 2014 [email protected] | http://fraternitasmovimento.blogspot.pt

Fraternitas em renovação

FERNANDO FÉLIX, presidente

A Igreja vive dos carismas. Os novos movimentos eclesiais surgidos na segunda metade do século XX caracterizam-se sobretudo pelo facto de dirigir-se principalmente a fiéis leigos para ajudá-los a viver com plena coerência o seguimento de Cristo na vida quotidiana ou realidades seculares.

Mas também há movimentos sacerdotais. A Associação Fraternitas Movimento nasceu há

18 anos. Cumpre, por dom particular do Espírito

Santo, uma missão que nenhum outro organismo eclesial pode satisfazer.

Em outubro, na Assembleia Geral Extraordinária, vamos definir os próximos anos. Uma das tarefas será eleger os corpos sociais. Para mim, o ponto final deste parágrafo é também o ponto final na Presidência. Agradeço a Deus o dom deste ministério, que exerci durante três anos, agradeço aos colegas e a todos os sócios, e coloco sob a ação do Espírito Santo aquele(s) que Ele escolheu para guiar a Fraternitas no próximo triénio.

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A refundação da Fraternitas ANTÓNIO DUARTE, tesoureiro e vogal

A Assembleia Geral, de 25 de abril passado, votou para 25 de outubro próximo, a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE.) deliberativa bem como a nomeação de uma Comissão ad hoc para a preparar em ligação com a Direção. De então para cá, várias coisas aconteceram com essa finalidade:

– No dia 17 de maio, Comissão e Direção reuniram-se em Lisboa e, nesse encontro, foi estabelecido enviar uma carta aos sócios com quotas em atraso para regularizarem a sua situação até 30 de junho, a fim de terem direito a voto na AGE. Essa carta foi enviada no início de junho.

– No dia 7 de junho, realizou-se no Seminário Redentorista de Cristo-Rei, em Vila Nova de Gaia, um Encontro Regional com a presença de 23 associados.

– No dia 12 de julho, teve lugar em Lisboa outro Encontro Regional com a presença de 12 associados.

– Com data de 1 de maio, chegou à direção da Fraternitas uma «reflexão sobre a Fraternitas Movimento», do sócio n.º 1, Francisco Monteiro.

– A Direção contactou com vários sócios por telefone.

Como preparar a Assembleia Extraordinária? Proponho quatro passos. 1.º: (Re)lendo textos bíblicos inspiradores. Lendo e

meditando, por exemplo, a eleição do apóstolo Matias num contexto comunitário de retiro e oração continuada e intensa, onde estavam presentes cerca de 120 pessoas, entre elas os Apóstolos, algumas mulheres – incluindo Maria, Mãe de Jesus, e seus familiares. Pedro dirigiu a assembleia, mas a escolha foi comunitária (Act 1, 12-26).

Lendo e meditando – segundo exemplo – a instituição dos sete diáconos (Act 6, 1-6). Quem convocou esta assembleia dos discípulos foram os

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Doze. Quem escolheu os sete diáconos foi a assembleia, respeitando os critérios definidos pelos Apóstolos: «Procurai entre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria», e nós dar-lhes-emos posse, impondo-lhes as mãos. Para os Apóstolos ficava a oração e o serviço da Palavra; para os diáconos, o serviço quotidiano de servir às mesas. S. Lucas regista que a proposta agradou a toda a assembleia.

Lendo e meditando – terceiro exemplo – o sínodo de Jerusalém (Act. 15, 1-35) para resolver o litígio de cristãos judeus e cristãos gentios. Os cristãos judeus queriam impor aos cristãos gentios, para serem salvos, o rito da circuncisão e as leis de Moisés. Este sínodo envolveu duas cidades: Antioquia e Jerusalém; vários protagonistas: Pedro e Tiago, que tomaram a palavra. Paulo e Bernabé, que defendiam os gentios e que, com outros, foram a Jerusalém para os advogar; uma carta apostólica dirigida aos «irmãos da gentilidade que estão em Antioquia, na Síria e Cilícia», levada por «Judas, chamado Barsabás, e Silas, dois líderes entre os irmãos», delegados de Jerusalém a Antioquia.

2.º Releitura atenta dos Estatutos da

Associação Fraternitas Movimento, para saber: a) Quem são os membros efetivos da

Associação: Artigo 1 e Artigo 6, n.º1. b) Que do pagamento das quotas só estão

dispensados os membros honorários e beneméritos: Artigo 8.

c) Que só a Assembleia Geral tem competência para fixar e alterar o valor da quota: Artigo 11, n.º 8.

d) Que o financiamento básico das Fraternitas é assegurado através de uma joia de adesão e de uma quota anual: Artigo 33; e de donativos feitos pelos sócios: Artigo 33, n.º 1.

e) Que a joia de adesão é paga de uma só vez no ato da admissão: Artigo 34, n.º 1.

f) Que o pagamento das quotas deverá fazer-se durante o primeiro trimestre de cada ano civil: Artigo 34, n.º 2.

3.º Quem tem direito a voto nesta assembleia? A 1 de setembro, quando foi escrita a carta

convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária, dos 159 sócios da Fraternitas, 96 tinham direito a voto:

a) 33 casais com as quotas todas em dia. b) 4 casais que pagaram 2014. c) 9 sócios singles com as quotas todas em dia. d) 2 sócios singles que pagaram 2014. e) 7 viúvas pagaram primeira quota em 2014.

4.º Sócios exemplares Dos sócios que pagam as quotas, 90 % são sócios

com mais de 70 anos. Caminhando para os 20 anos da Fraternitas Proponho que se releia um texto vivencial-

doutrinário, escrito em 2008 e publicado no Espiral n.º 31 (abril-junho), da autoria de Pacheco de Andrade.

Para introduzi-lo, vou transcrever uma passagem da Carta aos Hebreus 13, 7-9a: «Lembrai-vos dos vossos chefes, que vos anunciaram a Palavra de Deus. Considerai o êxito da sua conduta e imitai a sua fé. Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e por toda a eternidade. Não vos deixeis transviar por doutrinas incertas e estranhas.»

«Ares da Fraternitas. O nosso matrimónio é um acto de coragem.

Começo por dizer que não me detenho sobre o que fui. É um passado que assumo. Mas devo adiantar que, na minha actual situação, me sinto inteiramente despreocupado no foro da minha consciência.

Por outro lado, considero que é uma lufada de ar fresco o facto de entre nós, membros da Fraternitas, no agradável convívio que todos os anos nos reúne em Fátima, não nos carpirmos com mornos sentimentos de culpa por termos tido a coragem, sim a coragem, de havermos dado o passo que demos. E aqui registe-se uma palavra de preito e admiração por aquelas que aceitaram, com a mesma coragem, se não mais ainda, serem nossas companheiras de vida e mães dos nossos filhos e suas educadoras admiráveis.

Por detrás de tudo isto, como nuvem cinzenta, está a milenar lei do celibato (Concílio de Elvira no termo do primeiro milénio). Isto é, durante os primeiros mil anos de cristianismo, o celibato foi opção livre e não obrigação imposta.

Quando no Sínodo de 1971, com atraso de dez séculos, Roma trouxe a debate o celibato, houve uma movimentação no mundo católico. Foi feito um inquérito em cada diocese e alguns resultados que transpiraram – na Igreja também há fugas de informação – davam como aprovada maioritariamente pelo clero de vários países a opcionalidade do celibato.

Estranhamente, Paulo VI, que teve a iniciativa de abrir esta consulta ao clero de todo o mundo, depois recuou, não resistiu a fazer uma contraditória pressão, advertindo quer os bispos quer o clero para não se deixarem influenciar. Do meu ver pessoal, acho que esta intervenção foi um desastre, porque inquinou todo o processo de consulta. Era uma intromissão na liberdade de cada um, depois de ter reconhecido esta. E, no entanto, eu nessa altura defendia o celibato. Foi a partir daí que comecei a achá-lo abusivamente impositivo como obrigação. Uma lei positiva a atropelar um direito natural Vem isto a propósito de

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quê? Fala-se muito em escassez de vocações. Penso, às vezes, nos nossos encontros da Fraternitas, em quantos daqueles que ali vão não voltariam a exercer, se acontecesse a abertura que, suponho virá, um dia mais à frente e que poderá demorar um século, se Roma olhar com realismo a situação de uma Igreja na qual o número de padres irá diminuindo.

Pessoalmente, devo dizer que não renego o meu passado. Mas que não alimento qualquer nostalgia que me desvie do meu presente. Sinto-me bem como estou, e a minha consciência apenas me exige que seja fiel ao meu matrimónio e ame a minha mulher e o meu filho.

Não sei quantos movimentos, paritários da Fraternitas, existirão no mundo. De qualquer modo, não deveria ser indiferente ao Vaticano que os cerca de 150 mil padres impedidos de exercerem o múnus sacerdotal continuem à margem do altar. Trata-se de um enorme problema. Para mim, não é problema. Para Roma, é. Dela depende que deixe de o ser.»

Lembro que Pacheco de Andrade, que, no dia 20 de novembro atingirá a linda idade de 93 anos, foi um grande jornalista que escreveu para vários jornais e publicou um livro sobre o notável bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes. Como seu suporte está a professora Maria Da Graça, que ele elogia neste depoimento.

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Reflexão sobre a Fraternitas Movimento FRANCISCO MONTEIRO, sócio n.º 1

Em resposta ao pedido de sugestões que foi feito aos sócios da Fraternitas sobre o tema da Fraternitas Movimento e agradecendo esse pedido de participação, junto envio algumas reflexões que se estendem a algumas outras questões abordadas na recente Assembleia Geral.

1. A Fraternitas, desde o seu início é uma “Associação Fraternitas – Movimento”. Está nos Estatutos da Fraternitas (título e artº 1), está na deliberação de aprovação dos Estatutos pela Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) de 5 de maio de 2000 (nº 8 do Comunicado Final) e está no Anuário Católico de Portugal editado pela CEP (2009, pág. 968) com o título “Fraternitas Movimento”; logo no início desta referência no Anuário da CEP diz-se: Perfil: “Fraternitas Movimento” é uma associação privada de fiéis, constituída por Padres dispensados do exercício do Ministério, casados ou não, e suas esposas ou viúvas. Os seus estatutos foram aprovados pela CEP em Maio de 2002. Goza de personalidade jurídica e não tem fins lucrativos.

Conclui-se portanto que a Fraternitas, desde o seu início é um Movimento.

2. O motivo pelo qual a Fraternitas – Movimento desde o seu início se ter constituído como uma associação foi aquela que acabo de citar no Anuário da CEP: para gozar de personalidade jurídica, isto é, para existir formal e legalmente.

Agora pretende-se alterar a personalidade jurídica da Fraternitas – Movimento? Com que

finalidade e com que consequências? Deixar de ser uma IPSS (se é que a Fraternitas o é, i. é se alguma vez o requereu) é relativamente simples, penso: é só declarar a cessação de atividade enquanto IPSS na Segurança Social. Em consequência disso cessarão, penso, as obrigações perante as Finanças e a própria Segurança Social. E a Fraternitas – Movimento continuará a sua existência jurídica, sobretudo perante a CEP. Isto resolverá a preocupação da última Assembleia Geral (AG)?

A finalidade será reduzir os Órgãos Sociais da Fraternitas? Isso também será fácil: basta que na próxima AG se altere o Artigo 19 dos Estatutos e se reduza o número de membros da Direção ao mínimo legalmente possível que são, penso, três. Aliás, a AG poderá deliberar que a Fraternitas seja dirigida por um Comissão Executiva de três pessoas, por ex., passando os restantes titulares dos Órgãos Sociais a desempenhar uma função meramente perfunctória – nas AG uma vez por ano.

3. Se bem entendi, há um “movimento” dentro do Movimento, legítimo, como todos, para que os sócios ordenados da Fraternitas se virem para a inserção na Igreja, “esquecendo” o regresso ao exercício do ministério. Ora, peço desculpa por ser um ancião a falar, neste caso a escrever, desde o princípio (já lá vamos ao futuro) que existem, eu diria coexistem em perfeita paz, as duas tendências: os que desejam regressar ao exercício do ministério, como eu próprio, e os que nem querem ouvir falar disso, não estão interessados. Sempre vivemos as duas tendências com total respeito mútuo. Porquê agora pretender que a posição da Fraternitas seja a segunda: revelar claro repúdio pelo regresso ao exercício do sacerdócio? Não deverá antes a Fraternitas ser inclusiva de todas as

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sensibilidades, tendências, experiências e perspetivas dos seus membros, como sempre foi?

4. O segredo do nosso futuro enquanto inseridos na Igreja, quanto a mim, foi-nos clarissimamente apontado em Outubro de 2012, em Vila Nova de Gaia, pelo P. Rui Santiago, no final do retiro da Fraternitas, quando alguém lhe perguntou precisamente isso: se a Igreja não nos deveria aproveitar melhor; o P. Rui respondeu simplesmente que nós podemos sempre e devemos inserir-nos nas múltiplas atividades da Igreja. Por mim, e o conselho do P. Rui ajudou-me muito, isso tenho procurado fazer: trabalhar na Pastoral dos Ciganos na CEP, aceitar o convite do meu pároco (Lisboa – S. Francisco Xavier) para fazer a preparação dos adultos e jovens para o Crisma ao que se seguiu, no Ano da Fé e depois, um programa com sessões semanais a que se chamou DIAF (Diálogos para o Aprofundamento da Fé) que só agora foi interrompido com a minha doença, ao fim 40 semanas, mas que vai continuar, e a publicação de quatro livros de espiritualidade, o último dos quais intitulado “Deus, o Mundo e a Igreja” publicado no Kindle da Amazon.

5. Finalmente, como disse há pouco tempo ao nosso querido irmão Luís Cunha: “quanto à

Fraternitas só lembrava o Sl 133, 1: “Vede como é bom, como é agradável que os irmãos vivam unidos!”: o Salmista não acrescenta: “desde que não haja doenças, desde que ninguém envelheça”… Há padres dispensados novos que não querem nada com a Fraternitas? E nós fizemos o marketing da Fraternitas com eles como o P. Filipe fez connosco? Convidá-los, falar-lhes, dizermos-lhes quem somos e o que fazemos?

6. Um pouco à margem das questões anteriores, há que refletir sobre as consequências da eventual inserção da Fraternitas no Apostolado dos Leigos, se, o que espero não aconteça, se acabar por optar por transformar a Fraternitas num movimento laical. Todos sabemos como a questão do convite dirigido à Fraternitas pela Associação do Apostolado dos Leigos que aparentemente é independente daquela que agora se chama Comissão Episcopal do Laicado e Família, resultou de um equívoco e da boa vontade de quem aceitou o convite. O “estado laical” a que os membros ordenados da Fraternitas foram “reduzidos” não pode esconder o carácter do sacramento da Ordem. Daí que a inserção da Fraternitas – Movimento numa estrutura da Igreja, não seja coisa óbvia: mais fácil será a inserção dos seus membros nas obras da Igreja. Eu diria que a Fraternitas – Movimento a pertencer a uma estrutura da Igreja, essa estrutura é mais única que outra coisa.

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Sínodos diocesanos e algumas “periferias existenciais”

LUÍS CUNHA, sócio n.º 19

Na base e finalidade de qualquer pastoral, estão

as pessoas – agentes e destinatários: homem e mulher com sua sexualidade, feitos “à imagem e semelhança de Deus”. Este Criador e Redentor, no Seu projeto, assim quis o género humano para este ser feliz na racionalidade, bondade, beleza, amor, em ordem à formação, desenvolvimento e glorificação do Seu Povo no Seu Reino.

O pecado, porém, também de cristãos e estruturas eclesiais, em que se foi amontoando o pó, transformado em lama de séculos, foi desviando por ínvios caminhos os desígnios divinos e desfigurando o rosto belo da Boa Nova do Senhor Jesus. Aliás, já o próprio Jesus advertia quando falava do farisaísmo: “Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar” (MTV 23,4). Felizmente, a renovação da Igreja, tantas vezes falada, timidamente procurada, sempre in fieri (a acontecer), está, agora, imparavelmente, na ordem

do dia. Respiram-se ares novos após a entrada do Papa Francisco para o leme da Igreja Católica e sua atenção às “periferias existenciais”.

É a hora de lembrar e pôr em prática a Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium. Depois de, no cap. II, a Constituição tratar do Povo de Deus, o cap. III é especialmente dedicado ao Colégio Episcopal, terminando o n.º 23 assim: As Conferências episcopais podem hoje desenvolver uma ação variada e fecunda para que o espírito colegial encontre aplicações concretas. Diz no n.º 25: A infalibilidade prometida à Igreja reside também no corpo episcopal, quando ele exerce o magistério supremo com o Sucessor de Pedro.

Urge, pois, que, nas Igrejas particulares, as bases do Povo de Deus, que o Papa tanto gosta de auscultar, tenham a palavra sobretudo nos providenciais Sínodos Diocesanos, uns a decorrerem ou anunciados e outros que se seguirão. Com a escuta do Espírito Santo e o discernimento evangélico, estimulem, com as suas propostas, a Conferência Episcopal Portuguesa. Com pessoas realizadas segundo a infinita bondade e misericórdia

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do Deus Amor colocadas nas estruturas pastorais, as periferias também serão atingidas. Mencionam-se algumas situações necessitadas de especial atenção e que as ditas bases bem conhecem.

O celibato no sacerdote será um carisma, uma joia quando e enquanto for opcional, assumido em liberdade. O mesmo se pode dizer da virgindade. De outra maneira, será fonte de conflitos interiores, de descalabros morais, de uniões ilícitas, de descrédito para a Igreja. O exemplo do Mestre, Que chamou para Apóstolos apenas homens casados, à exceção de João, é bem significativo. Querer ser mais cristão do que Jesus Cristo será forte ousadia, pior do que querer ser mais papista do que o Papa!

É notória a generalizada concordância e aceitação entre os leigos quando o sacerdote se desliga do exercício das Ordens para assumir o Matrimónio, especialmente quando há filhos. Ou não seja o amor no casal a imagem do amor na Santíssima Trindade!

Pelas ronceiras e tardias decisões da hierarquia eclesiástica nem sempre os fiéis, leigos ou sacerdotes, estão dispostos a esperar, o que, muitas vezes, faz com que os mesmos reajam com o afastamento da Igreja.

É evidente que o celibato obrigatório deve ser abolido e repensado o aproveitamento para o exercício dos Padres dispensados que ainda estiverem capazes e disponíveis.

Com efeito, Matrimónio e Sacerdócio Ministerial (masculino, e porque não feminino?) são duas vocações possíveis de coexistir nas mesmas pessoas e verificáveis em todas as Igrejas Cristãs, menos na Católica de rito latino, mera disciplina por nefasta influência do Império Romano.

No Matrimónio, Igreja doméstica (LG,11), a preocupação da regulação da natalidade de acordo com as complicadas instruções da Humanae Vitae fez sofrer muitos casais, houve muitas desavenças, tem dado origem a afastamentos da Igreja.

É tempo de corrigir tais normas, cuja correção, porém, não deve ser feita e legislada apenas por gente célibe.

Divorciados recasados, padres casados e dispensados do exercício das Ordens, padres viúvos, mulheres, sua ordenação ministerial - Diz-se que o tempo traz consequências imprevistas no amor e, por isso, tende-se para a aceitação e acolhimento dos divorciados recasados na Eucaristia (plenitude da Igreja). Os padres dispensados, porque tal pediram ao Papa a fim de se sentirem realizados, a maioria através do casamento e permanência como membros da amada Igreja, com muita dificuldade obtiveram essa graça. O Código de Direito

Canónico de 1917 trata-os de reduzidos ao estado laical; no renovado Código de 1983, porque foi reconhecido que aquela redução, no contexto, inferiorizava e ofendia os leigos, tal designação foi substituída por perda do estado clerical. É evidente que estas expressões, como se vê pelo contexto no rescrito e na doutrina da Igreja, não significam anulação do sacramento da Ordem em quem o tinha recebido: continuam padres validamente. Também comprova esta validade o facto de alguns destes padres, quando enviuvaram, terem voltado ao exercício do ministério sacerdotal.

Este facto de padres viúvos voltarem ao exercício das Ordens e da referida ofensa aos leigos por serem considerados inferiores fazem-nos pensar na incoerência da Hierarquia da nossa Igreja, que, desta maneira, se pode dizer que ofendem as mulheres, porque, se só os viúvos, não os outros padres casados, podem voltar ao dito ministério, algo/alguém motiva esta discriminação: as mulheres, as leigas, que se enquadram nos leigos do povo de Deus. Assim, vem mais uma vez à evidência a velha e repetidíssima acusação da misoginia da Hierarquia na nossa Igreja. Não só por isto, mas por tantas outras razões aduzidas pela quase totalidade dos teólogos, nomeadamente no que se refere ao Ecumenismo, e pela práxis de outras Igrejas Cristãs, a mulher, que, no contexto sócio-jurídico de então, tão revolucionariamente foi acolhida pelo Senhor Jesus, sim, as mulheres poderão vir a receber o sacramento da Ordem.

Estão referidas situações em que nitidamente gente marginalizada sofre e cuja causa faz sofrer o Papa Francisco e outros pastores, mas há mais marginalizados. Há que referenciá-los, acolhê-los, ajudá-los e fazer deles mensageiros felizes da Boa Nova.

Pobres – Como, aos olhos de Jesus, os últimos são os primeiros, a quem o Papa Francisco também reserva, em título, O lugar privilegiado dos pobres no povo de Deus na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (197-201), sejam, pois, os pobres tidos na devida conta nas decisões dos Sínodos. Doutra maneira, qualquer comunidade da Igreja […] correrá também o risco da sua dissolução (ibidem, 207). Será de pensar nas Eucaristias da primitiva Igreja e ter os necessitados como primeiros destinatários das coletas, destinando-lhes significativa percentagem. Este sair da Igreja de certeza fará entrar mais pobres para a Igreja e suas igrejas e evitar a sua permanência com os seus clamores junto das portas.

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«Movimentos são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e sectores», diz

Papa Francisco

São dois trechos breves na longuíssima exortação Evangelii Gaudium, publicada em novembro de 2013. O Papa Francisco menciona o papel dos movimentos eclesiais na Igreja no n.º 29 e, mais adiante, no n.º 105, refere-se aos movimentos juvenis: «As outras instituições eclesiais, comunidades de base e pequenas comunidades, movimentos e outras formas de associação são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e sectores. Frequentemente trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja. Mas é muito salutar que não percam o contacto com esta realidade muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da Igreja particular. Esta integração evitará que fiquem só com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nómades sem raízes.»

«A pastoral juvenil, tal como estávamos habituados a desenvolvê-la, sofreu o impacto das mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os jovens habitualmente não encontram respostas para as suas preocupações, necessidades, problemas e feridas. A nós, adultos, custa-nos a ouvi-los com paciência, compreender as suas preocupações ou as suas reivindicações, e aprender a falar-lhes na linguagem que eles entendem. Pela mesma razão, as propostas educacionais não produzem os frutos esperados. A proliferação e o crescimento de associações e movimentos predominantemente juvenis podem ser interpretados como uma ação do Espírito que abre caminhos novos em sintonia com as suas expectativas e a busca de espiritualidade profunda e dum sentido mais concreto de pertença. Todavia é necessário tornar mais estável a participação destas agregações no âmbito da pastoral de conjunto da Igreja.»

Meses antes, a 18 de maio, nas Vésperas de Pentecostes, o Santo Padre dialogou com os movimentos, comunidades, associações e agregações laicais reunidas na Praça de S. Pedro.

Primeira pergunta colocada ao Santo Padre “A verdade cristã é atraente e persuasiva porque

responde à necessidade profunda da existência humana, anunciando de forma consistente que Cristo é o único Salvador de cada homem e de todos

os homens”. Santo Padre, estas Vossas palavras calaram fundo em nós, exprimindo de modo direto e radical a experiência que cada um de nós deseja viver sobretudo no Ano da Fé e nesta peregrinação que esta noite nos trouxe aqui. Estamos diante de Vós para renovar a nossa fé, para a confirmar e reforçar. Sabemos que a fé não pode ser de uma vez por todas. Como dizia Bento XVI na Porta Fidei: “A fé não é um pressuposto óbvio”. Esta afirmação não se prende apenas com o mundo, com os outros, com a tradição de que provimos: esta afirmação prende-se antes de mais com cada um de nós. Damo-nos muitas vezes conta de como a fé é um rebento de novidade, um início de mudança, mas que depois tem dificuldade em abarcar a totalidade da vida e não se torna a origem de todo o nosso conhecer e agir.

Santidade, como conseguiu alcançar na vida a certeza da fé?

E que caminho nos indicais para que cada um de nós possa vencer a fragilidade da fé?

Resposta do Papa Francisco Estou contente por encontrar-vos e pelo facto de

que todos nós nos encontramos nesta praça para rezarmos, estarmos unidos e esperarmos o dom do Espírito. Eu conhecia as vossas questões e pensei nelas – isto não é, pois, insciente! A verdade em primeiro lugar! Tenho-as escritas aqui. A primeira – “como pudestes alcançar na vida a certeza da fé e que caminho indicais para que cada um de nós possa vencer a fragilidade da fé?” – é uma questão histórica porque se prende com a minha história, a história da minha vida!

Tive a graça de crescer no seio de uma família na qual a fé era ensinada de uma forma simples e concreta, mas foi sobretudo a minha avó, a mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma mulher que nos explicava, que nos falava de Jesus, que nos ensinava o catecismo. Lembro-me sempre de que na Sexta-Feira Santa nos levava à noite à procissão das velas, que no fim da procissão chegava o “Cristo jacente” e que a avó nos mandava, a nós crianças, ajoelhar e dizia: “Olhem, está morto, mas amanhã ressuscita”. Recebi o primeiro anúncio cristão justamente desta mulher, a minha avó! Isto é lindíssimo. O primeiro anúncio em casa, com a família! E isto leva-me a pensar no amor de tantas

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mães e de tantas avós na transmissão da fé. São elas que transmitem a fé. Isto acontecia também nos primeiros tempos, porque São Paulo dizia a Timóteo: “Eu recordo a fé da tua mãe e da tua avó” (cfr. 2Tm, 1,5). Pensai nisto todas as mães que estão aqui, todas as avós. Transmitir a fé. Porque Deus nos coloca junto das pessoas que auxiliam o nosso caminho de fé. Não encontramos a fé no abstrato, não! Há sempre alguma pessoa que prega, que nos diz quem é Jesus, que nos transmite a fé, que nos dá o primeiro anúncio. E foi esta a primeira experiência de fé que tive.

Mas há um dia muito importante para mim: 21 de setembro de 1953. Andava pelos 17 anos. Era o “Dia do Estudante”, para nós o primeiro dia da primavera, para vós o do outono. Antes de ir para a festa, passei pela minha paróquia, encontrei um padre que não conhecia e senti necessidade de me confessar. Foi para mim uma experiência de encontro: encontrei alguém que estava à minha espera. Mas não sei o que aconteceu, não me lembro, não sei bem porque estava ali aquele padre que eu não conhecia, não sei porque sentira aquela necessidade de me confessar, mas o certo é que alguém estava à minha espera. À minha espera há muito. Depois da confissão senti que algo mudara. Eu não era a mesma pessoa. Sentira justamente como que uma voz, um chamamento: estava convencido de que devia ser sacerdote.

Esta experiência na fé é importante. Dizemos que devemos procurar a Deus, ir ao Seu encontro pedir perdão, mas, quando não vamos, Ele espera. Ele está primeiro! Nós temos uma palavra espanhola que explica bem tudo isto: “O Senhor sempre nos primerea”, está primeiro, está à nossa espera! Esta é de facto uma grade graça: encontrar alguém que está à nossa espera. Tu, pecador, vais, mas Ele está à tua espera para te perdoar. É esta a experiência que os profetas de Israel descreviam dizendo que o Senhor é como a flor da amendoeira, a primeira flor da Primavera (cfr. Jr 1, 11-12). Antes que desabrochem as outras flores, ei-lo, ei-lo que nos espera. O Senhor espera-nos. E, quando o buscamos, deparamos com esta realidade: que é Ele quem nos espera para nos acolher, para nos dar o Seu amor. E isto causa em ti uma estupefação tal que não acreditas, e assim vai nascendo a fé! Com o encontro de uma pessoa, com o encontro com o Senhor. Alguém dirá: “Não, eu prefiro estudar a fé nos livros!” É importante estudá-la, mas olha que isso não chega!

O que importa é o encontro com Jesus, o encontro com Ele, e isto dá-te a fé, porque é justamente Ele quem ta dá! Também faláveis da fragilidade da fé, no que fazer para a vencer. O maior inimigo que a fragilidade tem é – curioso, hã?

– o medo. Mas não tenhais medo! Somos frágeis e sabemos disso. Mas Ele é mais forte! Se fores com Ele, não há problema! Uma criança é fragilíssima – muitas vi hoje - , mas estava com o pai e com a mãe, estava a salvo! Com o Senhor estamos a salvo. A fé cresce com o Senhor, precisamente da mão do Senhor e isto faz-nos crescer e torna-nos fortes. Mas, se pensarmos que nos podemos desenvencilhar sozinhos… pensemos no que aconteceu a Pedro: “Senhor, nunca te renegarei!” (cfr. Mt 26, 33-35), e depois o galo cantou e renegara-o três vezes! (cfr. vv. 69-75). Pensemos: quando temos demasiada confiança em nós próprios, somos mais frágeis, mais frágeis. Sempre com o Senhor! E dizer com o Senhor significa dizer com a Eucaristia, com a Bíblia, com a oração… Mas também em família, com a Mãe, também com Ela, porque é Ela que nos leva ao Senhor; é a Mãe, é Ela que tudo sabe. Portanto rezar a Nossa Senhora e pedir-lhe que, como Mãe, nos torne fortes. Eis o que penso sobre a fragilidade, é pelo menos esta a minha experiência. Uma coisa que todos os dias me fortalece é rezar o Rosário a Nossa Senhora. Sinto uma força tão grande porque vou ao Seu encontro e sinto-me forte.

Segunda pergunta colocada ao Santo Padre Santo Padre, a minha experiência é uma

experiência de vida quotidiana como tantas outras. Procuro viver a fé no meio de trabalho em contacto com os outros como testemunho sincero de ser bem recebido no encontro com o Senhor. Eu sou, nós somos “pensamentos de Deus” investidos de um Amor misterioso que nos deu a vida. Eu dou aulas numa escola e esta consciência dá-me um motivo para me apaixonar pelos meus rapazes e também pelos seus colegas. Verifico muitas vezes que muitos buscam a felicidade em inúmeros itinerários individuais onde a vida e as suas grandes questões se reduzem muitas vezes ao materialismo de quem tudo quer e continua permanentemente insatisfeito ou ao niilismo para o qual nada tem sentido. Pergunto a mim mesmo como a proposta da fé, que consiste num encontro pessoal, de uma comunidade, de um povo, pode alcançar o coração do homem e da mulher do nosso tempo. Fomos feitos para o infinito – “jogai a vida para as grandes coisas!”, dissestes recentemente -, e no entanto tudo à nossa volta e dos nossos jovens parece dizer que devemos contentar-nos com respostas medíocres, imediatas e que o homem deve adaptar-se ao finito sem nada mais buscar. Estamos por vezes intimidados como os discípulos na véspera do Pentecostes.

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A Igreja convida-nos à Nova Evangelização. Penso que todos nós aqui presentes sentimos fortemente este desafio que está no íntimo das nossas experiências. Queria, pois, pedir-Vos, Santo Padre, que me ajudásseis a mim e a todos nós a saber como viver este desafio do nosso tempo. Qual é para Vós a coisa mais importante na qual todos os nossos movimentos, associações e comunidades devemos ter os olhos postos para pôr em prática aquilo a que fomos chamados? Como podemos comunicar hoje eficazmente a fé?

Resposta do Papa Francisco A primeira: Jesus. O que é mais importante?

Jesus. Se não avançarmos com a organização, com outras coisas, coisas belas, mas sem Jesus, não avançamos, não adianta. Jesus é mais importante. Agora queria fazer uma pequena censura, mas fraternamente, cá para nós. Todos vós gritastes na praça: “Francisco, Francisco, Papa Francisco!”. Mas onde estava Jesus? Eu quereria que vós gritásseis: “Jesus, Jesus e o Senhor e está justamente entre nós!” Daqui para a frente nada de “Francisco”, mas “Jesus”!

A segunda questão é a oração. Olhar o rosto de Deus, mas sobretudo – e isto prende-se com o que disse antes – sentir-se olhado. O Senhor olha-nos: olha-nos primeiro. A minha experiência é o que experimento diante do sacrário quando vou rezar à noitinha diante do Senhor. Por vezes adormeço um pouquito, é certo, porque um pouco da fadiga do dia nos faz adormecer. Mas Ele compreende-me. E sinto tanto conforto quando me olha. Pensamos que devemos rezar, falar, falar, falar… Não! Deixai-vos olhar pelo Senhor. Quando Ele nos olha, dá-nos força e ajuda-nos a testemunhá-Lo – porque a questão versava sobre a fé, não? Primeiro “Jesus”, depois “oração” – sentimos que Deus está sempre a amparar-nos com a mão. Sublinho agora a importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é mais importante do que qualquer cálculo. Somos verdadeiros evangelizadores deixando-nos guiar por ele. Pensemos em Pedro; talvez estivesse a fazer a sesta depois de almoço e tivesse uma visão, a visão do lençol com todos os animais, e sentisse que Jesus lhe dizia algo, mas não compreendia. Nesse momento alguns não-hebreus vieram chamá-lo para ir a uma casa e viu como o Espírito Santo ali estava. Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar à primeira evangelização dos gentios, que não eram hebreus: coisa inimaginável naquele tempo (cfr. Act 10, 9-33). E assim a história toda, toda a história! Deixar-se guiar por Jesus. É justamente o líder; o nosso líder é Jesus.

E terceira: o testemunho. Jesus, oração – oração, esse deixar-se olhar por Ele – e depois o testemunho. Mas eu queria acrescentar algo. Este deixar-se guiar por Jesus leva-nos às surpresas de Jesus. Podemos pensar que devemos programar a evangelização num tabuleiro, pensando nas estratégias, fazendo planos. Mas isto são instrumentos, pequenos instrumentos. O importante é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Depois podemos fazer estratégias, mas isto é secundário.

Testemunho: a comunicação da fé só pode ser feita com o testemunho e isto é o amor. Não com as nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na nossa existência e que o Espírito Santo faz viver em nós. É como que uma sinergia entre nós e o Espírito Santo, e isto conduz ao testemunho. A Igreja é levada adiante pelos Santos, que são justamente os que dão este testemunho. Como disse João Paulo II e também Bento XVI, o mundo de hoje precisa de muitos testemunhos. Não tanto de mestres, mas de testemunhos. Não falar muito, mas falar com a vida toda: a coerência de vida, precisamente a coerência de vida! Uma coerência de vida que é viver o cristianismo como um encontro com Jesus que me conduz junto dos outros e não como um facto social. Socialmente somos assim, somos cristãos fechados em nós. Não, isto não! O testemunho!

Terceira pergunta colocada ao Santo Padre Santo Padre, ouvi como emoção as palavras da

Vossa audiência aos jornalistas após a Vossa eleição. “Como eu quisera uma Igreja pobre e para os pobres.” Muitos de nós estão empenhados em obras de caridade e justiça: somos parte ativa na presença enraizada da Igreja onde o homem sofre. Sou uma empregada, tenho a minha família e empenho-me pessoalmente como posso junto dos vizinhos e na ajuda aos pobres. Mas nem por isso me sinto satisfeito. Queria dizer como Madre Teresa de Calcutá: tudo é por Cristo. O que muito me ajuda a viver esta experiência são os irmãos e as irmãs da minha comunidade que se empenham no mesmo fito. E neste empenhamento somos sustidos pela fé e a oração. A necessidade é grande. Vós o recordastes: “Quantos pobres há ainda no mundo e quanto sofrimento encontram estas pessoas”. E a crise agravou tudo. Penso na pobreza que aflige tantos países e que também no mundo do bem-estar se veio juntar à falta de trabalho, aos movimentos migratórios de massa, às novas escravidões, ao abandono e à solidão de tantas famílias, de tantos anciãos e de tantas pessoas sem casa ou sem trabalho.

Queria perguntar-Vos, Santo Padre: como podemos eu e nós viver uma Igreja pobre e para os

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pobres? De que modo o homem que sofre é uma questão para a nossa fé? Que contributo concreto e eficaz podemos nós, movimentos e associações laicas, fornecer à Igreja e à sociedade para enfrentar esta grave crise que atinge a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política, em suma, uma nova maneira de ser dos homens e das mulheres?

Resposta do Papa Francisco Volto ao testemunho. Antes de mais viver o

Evangelho é o principal contributo que podemos dar. A Igreja não é um movimento político nem uma estrutura bem organizada: não é isto. Nós não somos uma ONG, e, quando a Igreja se torna uma ONG, perde o sal, não tem sabor, é apenas uma organização vazia. E nisto sede astuciosos porque o diabo nos engana, porque o perigo do “eficientismo” existe. Uma coisa é pregar Jesus, outra é a eficácia, é ser eficiente. Não, isso é outro valor. O valor da Igreja é fundamentalmente viver o Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A Igreja é o sal da terra e a luz do mundo, é chamada a manter presente na sociedade o fermento do Reino de Deus e fá-lo antes demais com o testemunho, o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da condivisão. Quando ouvimos alguém dizer que a solidariedade não é um valor, mas uma “atitude primária” que deve desaparecer… não dá! Está a pensar-se numa eficácia meramente mundana.

Os momentos de crise, como os que estamos a viver – mas dissestes antes que “estamos num mundo de mentiras” – este momento de crise não consiste, estejamos atentos, a uma mera crise económica; não é uma crise cultural. É uma crise do homem: o que está em crise é o homem! Mas o homem é imagem de Deus! Por isso há uma crise profunda! Neste momento de crise não nos podemos preocupar apenas connosco, fechar-nos na solidão, no desânimo, no sentimento de impotência perante os problemas. Não vos fechais por favor! Isso é um Jesus perigo: fechamo-nos na paróquia, com os amigos, nos movimentos, com os que partilham as mesmas coisas connosco… Mas sabeis o que sucede? Quando a Igreja se fecha, adoece cada vez mais. Pensai num quarto fechado durante um ano; quando lá fordes, há um cheiro a bafio, há tanta coisa errada. Uma Igreja fechada é a mesma coisa: é uma Igreja doente. A Igreja tem de sair de si mesma. Para onde? Para as periferias existenciais sejam elas quais forem, mas sair. Diz-nos Jesus: “Ide por todo o mundo! Andai! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!” (cfr. Mc 16, 15).

E o que sucede se não sai de dentro de si mesma? Pode dar-se o que sucede a todos aqueles que saem de casa e andam na rua: um acidente. Mas eu digo-

vos: prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, que sofreu um acidente, a uma Igreja doente de clausura! Saí, saí! Pensai no que diz o Apocalipse. Diz uma coisa bela: que Jesus está à porta e chama, chama para entrar no nosso coração (cfr. Ap 3,20). É este o sentido do Apocalipse. Mas perguntai isto a vós mesmos: quantas vezes Jesus está dentro e bate para sair e nós não O deixamos sair para nossa segurança, porque muitas vezes estamos fechados em estruturas caducas que só servem para fazer de nós escravos e não livres filhos de Deus? É importante ir ao encontro nesta livre “saída”; esta palavra pareceu-me muito importante: o encontro com os outros. Vivemos uma cultura do desencontro, uma cultura da fragmentação, uma cultura na qual deitamos fora o que não nos interessa, e todos sem negociar a nossa pertença. E há ou uma cultura do deitar fora.

Mas convido-vos a pensar neste ponto – e faz parte da crise – nos anciãos que são a sabedoria de um povo, nas crianças… A cultura do deitar fora! Mas devemos ir ao encontro e criar com a nossa fé uma “cultura do encontro”, uma cultura da amizade, uma cultura onde encontremos irmãos, onde possamos falar também com os que a não pensam como nós, com os que têm outra fé, que não têm a mesma fé. Todos têm algo em comum connosco: são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao encontro de todos sem negociar a nossa fé. E outro ponto importante: com os pobres. Hoje – e dói ouvi-lo – encontrar um vagabundo morto de frio não é novidade. Hoje um escândalo é talvez notícia. Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que tantas crianças não têm comida não é notícia. Isto é grave, isto é grave! Não podemos ficar tranquilos! Ora… Mas é assim. Nós não podemos ser cristãos imaculados, esses cristãos demasiado educados, que falam de assuntos enquanto tomam chá tranquilamente. Não! Devemos tornar-nos cristãos corajosos e ir em busca dos que são a própria carne de Cristo!

Quando vou confessar – ainda não posso, porque sair para me confessar… daqui não se pode sair, mas isto é outro problema – quando eu ia confessar na diocese precedente, apareciam uns quantos a quem perguntava sempre: “Mas dá esmola?” – “Sim, padre!”. “Ah, bom, bom”. E fazia outras duas perguntas: “Diga-me: quando dá esmola olha para aquele ou aquela a quem a dá?” – “Ah, não, não pensei nisso”. Segunda pergunta: “E quando dá a esmola, toca na mão daquele a quem a dá ou atira a moeda?” Eis o problema: a carne de Cristo, tocar na carne de Cristo, assumir esta dor dos pobres. A piedade não é para nós cristãos uma categoria sociológica, filosófica ou cultural: não, é uma categoria teologal. Eu diria que é talvez a

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primeira categoria, porque esse Deus, o Filho de Deus, se baixou, se fez pobre para caminhar connosco. E é esta a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que o Filho de Deus nos trouxe com a Sua Encarnação.

Uma Igreja pobre para os pobres começa por ir ao encontro da carne de Cristo. Se vamos ao encontro da carne de Cristo, começamos a compreender algo, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isto não é fácil. Mas há um problema que não faz bem ao espírito dos cristãos: o espírito mundano, a mundanidade espiritual. Isto leva-nos a uma suficiência, a viver o espírito do mundo e não o de Jesus. A questão que colocáveis: como se deve viver para enfrentar esta crise que atinge a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política. Como se trata de uma crise do homem, uma crise que destrói o homem, é uma crise que despoja o homem da ética. Se, na vida pública, na política, não houver ética, uma ética de referência, tudo é possível e tudo pode ser feito. E, quando lemos os jornais, vemos como a falta de ética na vida pública faz tão mal à humanidade inteira.

Queria contar-vos uma história. Já o fiz duas vezes esta semana, mas fá-lo-ei uma terceira vez a vós. É a história que conta um midrash bíblico de um rabino do século XII. Ele conta-nos a história da construção da Torre de Babel e diz-nos que, para a construir eram preciso fazer tijolos. O que significa isto? Ir, misturar a lama, transportar a palha, fazer tudo e depois… ao forno. E, uma vez feito, o tijolo era levado para cima, para a construção da torre de Babel. Um tijolo era um tesouro por causa do trabalho todo que dava fazê-lo. Quando um tijolo caía, era uma tragédia nacional e o operário culpado era castigado; um tijolo era tão preciso que era um drama quando caía. Mas se um operário caía, não acontecia nada, era uma coisa totalmente diferente.

Isto acontece hoje: se os investimentos nos bancos descem um pouco… tragédia… o que fazer? Mas se as pessoas morrem de fome, se não têm comida, se não têm saúde, não se faz nada! Eis a nossa crise atual! E o testemunho de uma Igreja pobre para os pobres vai ao encontro desta mentalidade.

Quarta pergunta colocada ao Santo Padre Caminhar, construir, confessar. Este Vosso

“programa” para uma Igreja-movimento, pelo menos tal como a entendi ao ouvir a Vossa homilia no início do Pontificado, confortou-nos e animou-nos. Confortou-nos porque nos encontrámos numa experiência profunda com os amigos da comunidade cristã e com toda a Igreja universal. Animou-nos porque de certa forma Vós obrigaste-nos a sacudir o pó do tempo e da superficialidade da nossa adesão a Cristo. Mas devo dizer que não consigo superar o sentimento de perturbação que uma destas palavras causa em mim: confessar. Confessar, ou seja, testemunhar a fé. Pensamos em tantos dos nossos irmãos que sofrem por causa dela como ainda há pouco ouvimos. Nos que ao domingo de manhã têm de decidir se vão à Missa porque sabem que indo à Missa põem a vida em risco. Nos que se sentem cercados e discriminados pela fé cristã em muitos, em demasiados cantos do nosso mundo.

Perante estas situações parece-nos que o meu confessar, o nosso testemunho é tímido e tem peias. Queríamos fazer outra coisa, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar os seus sofrimentos nada podendo fazer ou bem pouco para mudar o seu contexto político e social?

Resposta do Papa Francisco Para anunciar o Evangelho são necessárias duas

virtudes: a coragem e a paciência. Eles (os cristãos que sofrem) são a Igreja da paciência. Sofrem e são mais mártires

hoje que nos primeiros séculos da Igreja, são mais mártires! São nossos irmãos e irmãs. Sofrem! Levam a fé ao martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota; o martírio é o mais alto grau do testemunho que devemos dar. Estamos no caminho do martírio, dos pequenos martírios; renunciar a isto, fazer aquilo… mas estamos no caminho. E eles, os pobrezinhos, dão a vida, mas dão-na – como sentimos a situação no Paquistão – por amor a Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de amor a Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de mansidão, de humildade, a mesma atitude que eles têm confiando em Jesus, entregando-se a Jesus.

É bom precisar que muitas vezes estes conflitos não têm uma origem religiosa; há amiúde outras

causas de tipo social e político, e infelizmente as pertenças religiosas são utilizadas como achas na fogueira. Um cristão deve sempre saber responder ao mal com o bem, mesmo que isto seja muitas vezes difícil. Nós procuramos fazer sentir a estes irmãos e a estas irmãs que estamos profundamente unidos – profundamente unidos! – à sua situação, que sabemos que eles são cristãos “entrados na paciência”. Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, entra na paciência. Eles entraram na paciência: dai-lo a saber, mas também dai-lo a saber ao senhor. Pergunto-vos: vós rezais e por estes irmãos e estas irmãs? Rezais por eles? Não vou agora pedir que quem reza levante a mão: não. Não o perguntarei agora. Mas pensai bem nisso. Na oração quotidiana, dizemos a Jesus: “Senhor, olha para este irmão, olha

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para esta irmã que tanto sofre, que tanto sofre!” Eles experimentam o limite, justamente o limite entre a vida e a morte. E também para nós: esta experiência deve levar-nos a promover a liberdade religiosa para todos, para todos! Todos os homens e todas as mulheres devem ser livres na sua confissão religiosa

seja ela qual for. Porquê? Porque esses homens e essas mulheres são filhos de Deus.

E assim creio ter dito algo acerca das vossas questões, peço desculpa se me alonguei demais. Obrigado e não esqueçais: nada de Igreja fechada, mas sim uma Igreja que sai para fora, para as periferias da existência. Que aí o Senhor nos guie.

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Espiritualidade dos movimentos eclesiais

Na sua primeira homilia, a 14 de março de 2013, o Papa Francisco aponta três marcas dos movimentos: caminhar, edificar e confessar.

O movimento no caminho Caminhar. «Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à

luz do Senhor» (Is 2, 5). Trata-se da primeira coisa que Deus disse a Abraão: caminha na minha presença e sê irrepreensível. Caminhar: a nossa vida é um caminho e, quando nos detemos, está errado. Caminhar sempre, na presença do Senhor, à luz do Senhor, procurando viver com aquela irrepreensibilidade que Deus pedia a Abraão, na sua promessa.

O movimento na edificação da Igreja Edificar. Edificar a Igreja. Fala-se de pedras: as

pedras têm consistência; mas pedras vivas, pedras ungidas pelo Espírito Santo. Edificar a Igreja, a Esposa de Cristo, sobre aquela pedra angular que é o próprio Senhor. Aqui temos outro movimento da nossa vida: edificar.

O movimento na confissão Terceiro, confessar. Podemos caminhar o que

quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas não a Igreja, Esposa do Senhor. Quando não se caminha, ficamos parados. Quando não se edifica sobre as pedras, que acontece? Acontece o mesmo

que às crianças na praia quando fazem castelos de areia: tudo se desmorona, não tem consistência. Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar nesta frase de Léon Bloy: «Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo». Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demónio.

Sem Cruz, não somos discípulos do Senhor Caminhar, edificar-construir, confessar. Mas a

realidade não é tão fácil, porque às vezes, quando se caminha, constrói ou confessa, sentem-se abalos, há movimentos que não são os movimentos próprios do caminho, mas movimentos que nos puxam para trás.

O próprio Pedro que confessou Jesus Cristo com estas palavras «Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo», diz-lhe «Eu sigo-Te, mas de Cruz não se fala. Isso não vem a propósito». Sigo-Te com outras possibilidades, sem a Cruz. Quando caminhamos sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor.

Eu queria que, depois destes dias de graça, todos nós tivéssemos a coragem, sim a coragem, de caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do Senhor; de edificar a Igreja sobre o sangue do Senhor, que é derramado na Cruz; e de confessar como nossa única glória Cristo Crucificado. E assim a Igreja vai para diante.

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Os movimentos no Magistério da Igreja

No Pentecostes de 1998, realizou-se no Vaticano o congresso mundial de movimentos eclesiais. O Papa João Paulo II dirigiu um discurso aos congressistas.

«Subitamente ressoou, vindo do céu, um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram, então,

aparecer umas línguas à maneira de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios de Espírito Santo» (Act 2, 2-3).

1. Com estas palavras os Actos dos Apóstolos introduzem-nos no coração do evento do Pentecostes; apresentam-nos os discípulos que, reunidos com Maria no Cenáculo, recebem o dom

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do Espírito. Realiza-se assim a promessa de Jesus e inicia o tempo da Igreja. A partir daquele momento o vento do Espírito levará os discípulos de Cristo até aos extremos confins da terra. Levá-los-á até ao martírio para o intrépido testemunho do Evangelho.

[…] 4. À Igreja que, segundo os Padres, é o lugar «onde floresce o Espírito» (Catecismo da Igreja Católica, n. 749), o Consolador deu recentemente com o Concílio Ecuménico Vaticano II um renovado Pentecostes, suscitando um dinamismo novo e imprevisto.

Sempre, quando intervém, o Espírito nos deixa maravilhados. Suscita eventos cuja novidade causa admiração; muda radicalmente as pessoas e a história. Esta foi a experiência inesquecível do Concílio Ecuménico Vaticano II, durante o qual, sob a guia do mesmo Espírito, a Igreja redescobriu como constitutiva de si mesma a dimensão carismática: «O Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas “distribuindo a cada um os Seus dons como Lhe apraz” (1 Cor 12, 11), distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja» (Lumen gentium, 12).

Os aspetos institucional e carismático são como que coessenciais à constituição da Igreja e concorrem, ainda que de modo diverso, para a sua vida, a sua renovação e a santificação do Povo de Deus. É desta providencial redescoberta da dimensão carismática da Igreja foi que, antes e depois do Concílio, se consolidou uma singular linha de desenvolvimento dos movimentos eclesiais e das novas comunidades.

5. Hoje, a Igreja alegra-se ao constatar o renovado cumprimento das palavras do profeta Joel, que há pouco escutámos: «Derramarei o Meu Espírito sobre toda a criatura...» (Act 2, 17). Vós aqui presentes sois a prova palpável desta «efusão» do Espírito. Cada movimento difere do outro, mas todos estão unidos na mesma comunhão e para a mesma missão. Alguns carismas suscitados pelo Espírito irrompem como vento impetuoso, que arrebata e atrai as pessoas para novos caminhos de empenho missionário ao serviço radical do Evangelho, proclamando sem temor as verdades da fé, acolhendo como dom o fluxo vivo da tradição e suscitando em cada um o ardente desejo da santidade.

Hoje, a todos vós reunidos aqui na Praça de São Pedro e a todos os cristãos, quero bradar: Abri-vos com docilidade aos dons do Espírito! Acolhei com gratidão e obediência os carismas que o Espírito não

cessa de dispensar! Não esqueçais que cada carisma é dado para o bem comum, isto é, em benefício de toda a Igreja!

6. Pela sua natureza, os carismas são comunicativos e fazem nascer aquela «afinidade espiritual entre as pessoas» (cf. Christifideles laici, 24) e aquela amizade em Cristo que dá origem aos «movimentos». A passagem do carisma originário ao movimento acontece pela misteriosa atracão exercida pelo Fundador sobre quantos se deixam envolver na sua experiência espiritual. Desse modo, os movimentos reconhecidos oficialmente pelas autoridades eclesiásticas propõem-se como formas de autorrealização e reflexos da única Igreja.

O seu nascimento e a sua difusão trouxeram à vida da Igreja uma novidade inesperada, e por vezes até explosiva. Isto não deixou de suscitar interrogativos, dificuldades e tensões; às vezes comportou, por um lado, presunções e intemperanças e, por outro, não poucos preconceitos e reservas. Foi um período de prova para a sua fidelidade, uma ocasião importante para verificar a genuinidade dos seus carismas.

Hoje, diante de vós, abre-se uma etapa nova, a da maturidade eclesial. Isto não quer dizer que todos os problemas tenham sido resolvidos. É, antes, um desafio. Uma via a percorrer. A Igreja espera de vós frutos «maduros» de comunhão e de empenho.

7. No nosso mundo, com frequência dominado por uma cultura secularizada que fomenta e difunde modelos de vida sem Deus, a fé de muitos é posta à dura prova e, não raro, é sufocada e extinta. Percebe-se, então, com urgência a necessidade de um anúncio forte e de uma sólida e aprofundada formação cristã. Como é grande, hoje, a necessidade de personalidades cristãs amadurecidas, conscientes da própria identidade batismal, da própria vocação e missão na Igreja e no mundo! E eis, então, os movimentos e as novas comunidades eclesiais: eles são a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este dramático desafio do final de milénio. Vós sois esta resposta providencial.

Os verdadeiros carismas não podem senão tender para o encontro com Cristo nos Sacramentos. As verdades eclesiais a que aderis ajudaram-vos a redescobrir a vocação batismal, a valorizar os dons do Espírito recebidos na Confirmação, a confiar-vos à misericórdia de Deus no Sacramento da Reconciliação e a reconhecer na Eucaristia a fonte e o ápice da inteira vida cristã. E de igual modo, graças a essa forte experiência eclesial, surgiram esplêndidas famílias cristãs abertas à vida, verdadeiras «igrejas domésticas», desabrocharam muitas vocações ao sacerdócio ministerial e à vida religiosa, assim como novas formas de vida laical

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inspiradas nos conselhos evangélicos. Nos movimentos e nas novas comunidades aprendestes que a fé não é questão abstrata, nem vago sentimento religioso, mas vida nova em Cristo, suscitada pelo Espírito Santo.

8. Como conservar e garantir a autenticidade do carisma? É fundamental, a respeito disso, que cada movimento se submeta ao discernimento da Autoridade eclesiástica competente. Por esta razão, nenhum carisma dispensa da referência e da submissão aos Pastores da Igreja. Com palavras claras o Concílio escreve: «O juízo acerca da sua autenticidade e reto uso pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom (cf. 1 Ts 5, 12.19-21)» (Lumen gentium, 12). Esta é a necessária garantia de que a estrada que percorreis é justa!

Assim, na confusão que reina no mundo de hoje é fácil errar, ceder às ilusões. Na formação cristã cuidada pelos movimentos jamais falte o elemento desta confiante obediência aos Bispos, sucessores dos Apóstolos, em comunhão com o Sucessor de Pedro! Conheceis os critérios de eclesialidade das agregações laicais, presentes na Exortação Apostólica Christifideles laici (cf. n. 30). Peço-vos que lhes deis adesão sempre com generosidade e humildade, inserindo as vossas experiências nas Igrejas locais e nas paróquias, sempre permanecendo em comunhão com os Pastores e atentos às suas indicações.

O ensinamento de Bento XVI Na vigília de Pentecostes de 2006, o Papa Bento

XVI encontrou-se com os movimentos eclesiais e dirigiu-se a eles na celebração das primeiras vésperas da vigília.

«[…] Pertencentes a diversos povos e culturas, vós representais aqui todos os membros dos movimentos eclesiais e das novas comunidades, espiritualmente reunidos em redor do Sucessor de Pedro para proclamar a alegria de crer em Jesus Cristo, e renovar o compromisso de lhe serdes discípulos fiéis neste nosso tempo.

[…] Os Movimentos nasceram precisamente da sede da vida verdadeira; são Movimentos pela vida sob todos os aspetos.

[…] Na Carta aos Efésios, São Paulo diz-nos que este Corpo de Cristo, que é a Igreja, contém junturas (cf. 4, 16), e chega a enumerá-las: são os Apóstolos, os Profetas, os Evangelistas, os Pastores e os Mestres (cf. 4, 11). Nos seus dons o Espírito é multiforme. […] Se consideramos a história, […] então compreendemos como Ele suscita sempre novas dádivas; observamos como são diferentes os órgãos que Ele cria; e como, sempre de novo, age corporalmente. No entanto, nele a multiplicidade e a unidade caminham juntas. Ele sopra onde quer. E fá-lo de maneira inesperada, em lugares imprevistos e de maneiras precedentemente inimagináveis. E com que multiformidade e corporeidade o faz! É também precisamente aqui que a multiplicidade e a unidade são inseparáveis entre si. Ele quer a vossa multiformidade, e deseja que sejais o seu único corpo, na união com as ordens duradouras as junturas da Igreja, com os sucessores dos Apóstolos e com o Sucessor de São Pedro.

Ele não nos poupa o cansaço de aprender o modo de nos relacionarmos uns com os outros; mas demonstra-nos também que age em vista do único corpo e na unidade do único corpo. É exclusiva e precisamente assim que a unidade alcança a sua força e a sua beleza. Participai na edificação do único corpo! Os pastores estarão atentos a não apagar o Espírito (cf. 1 Ts 5, 19), e vós não cessareis de oferecer as vossas dádivas à comunidade inteira.

[…] Estimados amigos, peço-vos que sejais ainda mais, muito mais, colaboradores no ministério apostólico universal do Papa, abrindo as portas a Cristo. Este é o melhor serviço da Igreja aos homens e, de maneira totalmente particular, aos pobres, a fim de que a vida da pessoa, uma ordem mais justa na sociedade e a convivência pacífica entre as nações encontrem em Cristo a "pedra angular" sobre a qual construir a autêntica civilização, a civilização do amor. O Espírito Santo oferece aos fiéis uma visão superior do mundo, da vida e da história, fazendo deles guardiães da esperança que não engana.

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«Bento XVI disse aos bispos: “Vão ao encontro dos movimentos com muito amor”», entrevista a Arturo Cattaneo, professor de Direito Canónico

De 15 a 17 de maio de 2008, celebrou-se em Rocca di Papa, perto de Roma, o II Seminário de estudo para os bispos sobre o tema dos movimentos

eclesiais, tendo como tema uma frase do Papa Bento XVI “Vão ao encontro dos movimentos com muito amor”. Padre Cattaneo, um dos oradores, concedeu uma entrevista à Agência Zenit.

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No Pentecostes de 1998, João Paulo II dirigia-se aos movimentos eclesiais recordando que o seu nascimento «ofereceu à vida da Igreja uma novidade inesperada, inclusive fraturante. Hoje, que nos pode dizer a respeito?

Após um «período de prova» e de verificação, abriu-se uma etapa nova: a da maturidade eclesial. Aprecia-se especialmente isso quanto à sua inserção nas Igrejas particulares.

O que torna difícil a solução dos problemas? As dificuldades derivam frequentemente dos

preconceitos, incompreensões por parte dos fiéis da comunidade local, por um lado, e de imprudência, inexperiência ou exuberância por parte dos membros dos movimentos, por outro. Também – como observou o P.e Jesús Castellano – «os carismas não existem em estado puro, e às vezes em nome dos carismas podem se realizar abusos». É necessário, portanto, uma contínua obra de purificação e, por parte do bispo, precisa-se não só de promoção das riquezas carismáticas, mas também discernimento, vigilância e correção de eventuais abusos.

Como superar as dificuldades e tensões? Principalmente com o diálogo animado pela

caridade, com um pouco de paciência e de boa vontade para compreender e fazer-se compreender.

Qual a missão dos bispos? Eu sintetizo em quatro pontos, em

correspondência com as características essenciais da Igreja: ser una, santa, católica e apostólica. Cada bispo diocesano deve promover na Igreja a ele confiada a unidade na pluralidade, a catolicidade no senso de abertura à Igreja universal, assim como a apostolicidade que implica a complementaridade entre instituição e carisma. Atuando assim, o bispo contribuirá para a santidade de sua Igreja particular como primeiro servidor do Espírito.

Em que sentido isso garantiria a integração dos movimentos eclesiais?

O serviço do bispo à unidade deve ser realizado na consciência de que a diversidade de ministérios, carismas, formas de vida e de apostolado não é um obstáculo para a unidade da Igreja particular, mas uma riqueza. Deve-se considerar que o caráter de comunhão, precisamente da Igreja, comporta, por uma parte, a mais sólida unidade e, por outra, uma pluralidade e uma diversificação que não são obstáculos para a unidade. Uma compreensão limitada da unidade levaria a uma uniformidade pastoral que tornaria difícil a inserção e a ação apostólica dos diversos movimentos.

Por outra parte, uma das características predominantes dos novos movimentos eclesiais é sua dimensão universal. Como realidade da Igreja universal, em virtude da mútua interioridade entre Igreja universal e particular, os movimentos estão chamados a atuar nas Igrejas particulares, enriquecendo-as e preservando-as do perigo do «particularismo» e do «localismo».

Não há também um perigo oposto, o de um movimento não se radicar na Igreja local?

Certamente, a característica universalidade dos movimentos não deve fazê-los esquecer que a Igreja possui também uma dimensão particular essencial. Os movimentos serão, portanto, plenamente eclesiais também na medida em que se radiquem nas diversas Igrejas particulares. A visão universal da Igreja, que representa uma das contribuições valiosas dos movimentos às Igrejas particulares, se deformaria, convertendo-se em uma visão platonicamente ‘universalista’, e isso deteria a atenção à realidade e os problemas da Igreja particular. Também isso é amor pela Igreja. Os membros dos movimentos, permanecendo fiéis ao próprio carisma, deverão procurar inseri-lo criativamente na vida da respetiva Igreja particular, sem limitar-se a estar presentes nos organismos diocesanos. O campo de ação eclesial próprio dos fiéis leigos é o da vida familiar, social, profissional, política, cultural, esportiva, etc. Com esta presença capilar na vida da diocese, evitarão que o carisma do movimento possa aparecer nela como um corpo estranho. É algo análogo à inserção em uma orquestra de um novo instrumento musical que, ainda conservando suas características, se adapta às particularidades que lá encontra, com o fim de produzir uma verdadeira sinfonia, e isso graças à ação do diretor da orquestra, que, em nosso caso, é o bispo.

Afirma que o bispo é servidor do Espírito. Em que sentido?

O bispo é o primeiro ministro do Espírito Santificador. Exerce uma função de moderador, de episkpé, o serviço do Espírito de Cristo, velando para que as diversas iniciativas apostólicas originadas pelos carismas sejam desenvolvidas na concórdia e contribuam para a edificação da Igreja, na fidelidade à tradição apostólica. Sua potestade não é entendida como o centro de cuja plenitude saem todos os ministérios e as iniciativas apostólicas em sua Igreja, mas como o centro que unifica, coordena, anima, promove e modera, sempre consciente da responsabilidade de seguir a ação multiforme do Espírito.

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«Com os Movimentos na Igreja», por D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu

O texto seguinte foi publicado na Agência Ecclesia, em 15 de junho de 2010.

“Os Movimentos na Igreja. Presença do Espírito e Esperança para os Homens” – é o título da tradução portuguesa de uma pequena reflexão sobre este tema, feita pelo Papa Bento XVI, no Pentecostes de 2006. Gosto deste título – traduz o que penso dos Movimentos, aponta, com clareza, o lugar que lhes pertence na Igreja e o que podem significar, olhando o futuro de uma Igreja que quer anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo.

Os Movimentos na Igreja podem ler-se e interpretar-se à luz do capítulo XII da Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios. Procedem, todos, do Espírito Santo; orientam-se, todos, para o bem da Igreja; estão na Igreja como os membros no corpo humano. Estes são critérios que ajudam ao seu discernimento – missão dos Pastores nas Comunidades Cristãs. Aliás, o Papa Bento XVI, aquando da sua visita a Portugal, em Fátima, no dia 13 de Maio passado, aponta aos Bispos uma nota importantíssima: «Os portadores de um carisma particular devem sentir-se fundamentalmente responsáveis pela comunhão, pela fé comum da Igreja e devem submeter-se à guia dos Pastores. São estes que devem garantir a eclesialidade dos Movimentos. Os Pastores não são apenas pessoas que ocupam um cargo, mas eles próprios são carismáticos, são responsáveis pela abertura da Igreja à ação do Espírito Santo».

Todos, de alguma forma, sabíamos isto: os Bispos e os Responsáveis e seguidores de um Movimento. Penso que, nem uns nem outros temos tido coragem e consciência para reconhecer e, sobretudo, atuar de que é nesta abertura, nesta clareza e nesta confiança que, para bem e fidelidade ao Espírito e à Igreja devemos agir. Tudo isto, numa docilidade, simples e obediente, ao Espírito Santo. No mesmo discurso, dizia Bento XVI: «A propósito, confesso-vos a agradável surpresa que tive ao contactar com os Movimentos e novas Comunidades Eclesiais. Observando-os, tive a alegria e a graça de ver como, num momento de fadiga da Igreja, num momento em que se falava de «Inverno da Igreja», o Espírito Santo criava uma nova primavera, fazendo despertar nos jovens e adultos a alegria de serem cristãos, de viverem na Igreja que é o Corpo vivo de Cristo. Graças aos carismas, a radicalidade do Evangelho, o conteúdo objetivo da fé, o fluxo vivo da sua tradição comunicam-se persuasivamente e são acolhidos

como experiência pessoal, como adesão da liberdade ao evento presente de Cristo».

Está aqui, no meu entendimento, a doutrina fundamental sobre a sua importância, o seu lugar e a sua missão na Igreja. Ainda, o tempo da sua vigência e atualidade. De facto, não são “eternos”, no sentido de cada um ser indispensável. Indispensável é a presença do Espírito Santo que suscita, em cada tempo, a forma concreta de ser ação e força renovadora e transformadora, ao serviço da salvação. Em cada tempo, surgem outros novos, com novas expressões, com nova vitalidade e provocando novo entusiasmo. Tenhamos a consciência e a certeza de uma coisa importante: o Espírito Santo não se repete, não envelhece, não para na Sua missão e não desiste de renovar a face da terra.

Creio firmemente que, enquanto manifestação do Espírito em cada tempo, os Movimentos são indispensáveis à vida da Igreja e têm um lugar insubstituível na Iniciação Cristã de muitos batizados, levando-os ao encontro pessoal com Jesus Cristo. É o que Bento XVI disse aos Bispos Portugueses. A “agradável surpresa”, atrás citada e que o Papa partilhou, estava na sequência de um desejo de João Paulo II que citou no discurso. O seu Antecessor falava da necessidade que a Igreja tem de “grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade entre os fiéis”, acrescentando Bento XVI que poderia alguém dizer: «É certo que a Igreja tem necessidade de grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade…, mas não os há»! Porque os Movimentos são essenciais e indispensáveis à Igreja e porque o Espírito Santo não para e não desiste, não O extingamos, com a nossa inação, com a nossa intolerância ou vontade de controlo ou com a nossa falta de discernimento positivo, exigente e responsável, no amor e serviço à mesma Igreja!...

Tudo o que o Papa disse aos Bispos, no mesmo discurso, parece ter em pensamento esta mesma ideia. Enuncio, apenas, alguns pontos concretos em que o Papa parece apontar, ainda que não expressamente, a importância dos Movimentos: a Iniciação Cristã, “exigente e atrativa”; a “necessidade de verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, sobretudo nos meios humanos onde o silêncio da fé é mais amplo e profundo”; o apelo a que se continuem a estimular os que, nos lugares ‘difíceis’, “defendem com coragem um pensamento católico vigoroso e fiel ao Magistério”; a urgência de

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“inculcar em todos os agentes evangelizadores um verdadeiro ardor de santidade”; a certeza de que “aquilo que fascina é sobretudo o encontro com pessoas crentes que, pela sua fé, atraem para a graça de Cristo dando testemunho d’Ele”, etc.

Na Pastoral da Igreja e, no momento em que a Conferência Episcopal Portuguesa está apostada em “repensar a Igreja em Portugal”, os Movimentos e as novas Comunidades Eclesiais são chamados a ter um lugar muito importante neste caminho. Há aspetos na renovação da Igreja e na sinodalidade que se sente urgente incrementar nas Dioceses do nosso País e que são já prática de ação de muitos carismas e de muitas experiências que muitos Movimentos vão fazendo. Precisamos de contar mais uns com os outros e de praticar o acolhimento, o diálogo e a comunhão, de forma concreta, aceitando que é o mesmo Espírito a conduzir a Igreja onde todos nos situamos.

Neste caminho, verdadeiramente iluminadora e orientadora é a “condição necessária” apontada por

Bento XVI aos Bispos: «que estas novas realidades queiram viver na Igreja comum, embora com espaços de algum modo reservados para a sua vida, de maneira que esta se torne depois fecunda para todos os outros». Entender esta condição é decisivo – para os Bispos e Sacerdotes e para todas estas “novas realidades”. Há que fazer caminho, com muita humildade, conhecendo-nos e escutando-nos mutuamente, prosseguindo este necessário e urgente equilíbrio.

Uma nota final: ninguém deverá invocar que o ‘seu’ é o melhor e que os outros são dispensáveis… S. Paulo, com a imagem do corpo humano, explica a hierarquia, o lugar e a necessidade de todos para o bem comum. Bento XVI dizia, no Pentecostes de 2006, que os Movimentos na Igreja contribuíam para “proclamar a alegria de crer em Jesus Cristo e renovar o compromisso de Lhe ser discípulo fiel neste nosso tempo” (cf Os Movimentos na Igreja, p. 7). Este nosso tempo não pode nem deve perder as oportunidades do Espírito.

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Relação entre a paróquia e os movimentos eclesiais

Entrevista da Agência Zenit a Arturo Cattaneo, professor de Direito Canónico em Veneza.

Os movimentos eclesiais acabarão por

substituir as paróquias? Não, porque a paróquia desempenhará sempre

um papel fundamental e insubstituível. Há que pensar na paróquia como a «casa comum dos fiéis», o «primeiro lugar de encarnação do Evangelho», e não se pode substituir com movimentos.

Então, porque é tão positivo e promissor o desenvolvimento dos movimentos?

É evidente que a paróquia não é o único meio com o que a Igreja responde às exigências da evangelização. A paróquia não pode conter toda forma possível de vida cristã, seja individual ou de grupo, como se fosse uma diocese em miniatura.

Que contributo oferecem às paróquias? João Paulo II manifestou com frequência a sua

confiança na capacidade dos movimentos para renovar a ação apostólica da Igreja e, em especial, a das paróquias. Às vezes, vemos paróquias que enfraquecem, convertidas em meras «distribuidoras de serviços pastorais».

Neste caso, o papel dos movimentos é especialmente importante e providencial, ante o desafio da descristianização, e a resposta às demandas de religiosidade, cada vez mais urgentes no Ocidente.

Cada movimento tem um carisma próprio e os que participam são chamados e ajudados a vivê-lo na vida familiar, social, profissional, política, cultural, esportiva etc., justamente esta presença capilar de vida cristã é a principal contribuição dos movimentos à paróquia.

Como observou recentemente o professor Giorgio Feliciani: «A primeira e mais importante contribuição que os movimentos podem dar a uma comunidade paroquial é a presença em seu âmbito territorial daquelas que João Paulo II definiu “personalidades cristãs maduras, conscientes de sua própria identidade batismal, sua própria vocação e missão na Igreja e no mundo”. E, pelo mesmo, capazes de oferecer a todos que encontrem um testemunho de vida cristã significativo».

Às vezes fala-se do perigo de que os movimentos constituam uma Igreja paralela.

A autoridade eclesiástica, que aprova os estatutos e vigia a atuação destes movimentos, é a instância competente para evitar que cresçam como uma Igreja paralela.

Os movimentos, por sua vez, devem ter a capacidade de fazer que o próprio carisma se integre na Igreja local. Os membros dos movimentos, permanecendo fiéis ao próprio carisma, deverão tratar de inseri-lo criativamente na vida da Igreja local.