Esta Economia Mata

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 "Esta economia mata. Precisamos e queremos uma mudança de estrut uras", afirma o Papa Francisco  "A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, o encargo é ainda mais forte: é um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e às pessoas o que lhes pertence. O destino universal dos bens não é um adorno retórico da doutrina social da Igreja. É uma realidade anterior à propriedade privada. A propriedade, sobretudo quando afeta os recursos naturais, deve estar sempre em função das necessidades das pessoas. E estas necessidades não se limitam ao consumo. Não basta deixar cair algumas gotas, quando os pobres agitam este copo que, por si só, nunca derrama. Os planos de assistência que acodem a certas emergências deveriam ser pensados apenas como respostas transitórias. Nunca poderão substituir a verdadeira inclusão: a inclusão que dá o trabalho digno, livre, criativo, participativo e solidário", afirmou o  Papa Francisco, num discurso considerado por lideranças dos movimentos populares como 'irretocável", proferido no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, no dia 09-07-2015. Segundo o Papa, "os movimentos populares têm um papel essencial, não apenas exigindo e reclamando, mas fundamentalmente criando. Vós sois poetas sociais: criadores de trabalho, construtores de casas, produtores de alimentos, sobretudo para os descartados pelo mercado global". Para ver o vídeo, em espanhol, clique aqui.  Eis o discurso.  Boa tarde a todos! Há alguns meses, reunimo-nos em Roma e não esqueço aquele nosso primeiro encontro. Durante este tempo, trouxe-vos no meu coração e nas minhas orações. Alegra-me vê-vos de novo aqui, debatendo os melhores caminhos para superar as graves situações de injustiça que padecem os excluídos em todo o mundo. Obrigado Senhor Presidente Evo Morales, por sustentar tão decididamen te este Encontro. Então, em Roma, senti algo muito belo: fraternidade, paixão, entrega, sede de justiça. Hoje, em Santa Cruz de la Sierra, volto a sentir o mesmo. Obrigado! Soube também, pelo Pontifício Conselho «Justiça e Paz» presidido pelo Cardeal Turkson, que são muitos na Igreja aqueles que se sentem mais próximos dos movimentos populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vós, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada diocese, em cada comissão «Justiça e Paz», uma colaboração real, permanente e comprometida com os

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Discurso do Papa Francisco

Transcript of Esta Economia Mata

  • "Esta economia mata. Precisamos e queremos uma mudana de estruturas", afirma o Papa Francisco

    "A justa distribuio dos frutos da terra e do trabalho humano no mera filantropia. um

    dever moral. Para os cristos, o encargo ainda mais forte: um mandamento. Trata-se de

    devolver aos pobres e s pessoas o que lhes pertence. O destino universal dos bens no um

    adorno retrico da doutrina social da Igreja. uma realidade anterior propriedade privada. A

    propriedade, sobretudo quando afeta os recursos naturais, deve estar sempre em funo das

    necessidades das pessoas. E estas necessidades no se limitam ao consumo. No basta deixar cair

    algumas gotas, quando os pobres agitam este copo que, por si s, nunca derrama. Os planos de

    assistncia que acodem a certas emergncias deveriam ser pensados apenas como respostas

    transitrias. Nunca podero substituir a verdadeira incluso: a incluso que d o trabalho digno,

    livre, criativo, participativo e solidrio", afirmou o Papa Francisco, num discurso considerado por

    lideranas dos movimentos populares como 'irretocvel", proferido no Encontro Mundial dos

    Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, no dia 09-07-2015.

    Segundo o Papa, "os movimentos populares tm um papel essencial, no apenas exigindo e

    reclamando, mas fundamentalmente criando. Vs sois poetas sociais: criadores de trabalho,

    construtores de casas, produtores de alimentos, sobretudo para os descartados pelo mercado

    global".

    Para ver o vdeo, em espanhol, clique aqui.

    Eis o discurso.

    Boa tarde a todos!

    H alguns meses, reunimo-nos em Roma e no esqueo aquele nosso primeiro encontro.

    Durante este tempo, trouxe-vos no meu corao e nas minhas oraes. Alegra-me v-vos de novo

    aqui, debatendo os melhores caminhos para superar as graves situaes de injustia que padecem

    os excludos em todo o mundo. Obrigado Senhor Presidente Evo Morales, por sustentar to

    decididamente este Encontro.

    Ento, em Roma, senti algo muito belo: fraternidade, paixo, entrega, sede de justia. Hoje,

    em Santa Cruz de la Sierra, volto a sentir o mesmo. Obrigado! Soube tambm, pelo Pontifcio

    Conselho Justia e Paz presidido pelo Cardeal Turkson, que so muitos na Igreja aqueles que se

    sentem mais prximos dos movimentos populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as

    portas abertas a todos vs, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada diocese,

    em cada comisso Justia e Paz, uma colaborao real, permanente e comprometida com os

  • movimentos populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos, juntamente com as

    organizaes sociais das periferias urbanas e rurais a aprofundar este encontro.

    Deus permitiu que nos voltssemos a ver hoje. A Bblia lembra-nos que Deus escuta o clamor

    do seu povo e tambm eu quero voltar a unir a minha voz vossa: terra, teto e trabalho para todos

    os nossos irmos e irms. Disse-o e repito: so direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por

    eles. Que o clamor dos excludos seja escutado na Amrica Latina e em toda a terra.

    1. Comecemos por reconhecer que precisamos duma mudana. Quero esclarecer, para que

    no haja mal-entendidos, que falo dos problemas comuns de todos os latino-americanos e, em

    geral, de toda a humanidade. Problemas, que tm uma matriz global e que actualmente nenhum

    Estado pode resolver por si mesmo. Feito este esclarecimento, proponho que nos coloquemos

    estas perguntas:

    - Reconhecemos ns que as coisas no andam bem num mundo onde h tantos camponeses

    sem terra, tantas famlias sem tecto, tantos trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas na

    sua dignidade?

    - Reconhecemos ns que as coisas no andam bem, quando explodem tantas guerras sem

    sentido e a violncia fratricida se apodera at dos nossos bairros? Reconhecemos ns que as coisas

    no andam bem, quando o solo, a gua, o ar e todos os seres da criao esto sob ameaa

    constante?

    Ento digamo-lo sem medo: Precisamos e queremos uma mudana.

    Nas vossas cartas e nos nossos encontros, relataram-me as mltiplas excluses e injustias

    que sofrem em cada actividade laboral, em cada bairro, em cada territrio. So tantas e to

    variadas como muitas e diferentes so as formas prprias de as enfrentar. Mas h um elo invisvel

    que une cada uma destas excluses: conseguimos ns reconhec-lo? que no se trata de

    questes isoladas.

    Pergunto-me se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas

    correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos ns que este sistema imps a

    lgica do lucro a todo o custo, sem pensar na excluso social nem na destruio da natureza?

    Se assim insisto digamo-lo sem medo: Queremos uma mudana, uma mudana real,

    uma mudana de estruturas. Este sistema insuportvel: no o suportam os camponeses, no o

    suportam os trabalhadores, no o suportam as comunidades, no o suportam os povos.... E nem

    sequer o suporta a Terra, a irm Me Terra, como dizia So Francisco.

    Queremos uma mudana nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade

    mais prxima; mas uma mudana que toque tambm o mundo inteiro, porque hoje a

    interdependncia global requer respostas globais para os problemas locais. A globalizao da

    esperana, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalizao da

    excluso e da indiferena.

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  • Hoje quero refletir convosco sobre a mudana que queremos e precisamos. Como sabem,

    recentemente escrevi sobre os problemas da mudana climtica. Mas, desta vez, quero falar duma

    mudana noutro sentido. Uma mudana positiva, uma mudana que nos faa bem, uma mudana

    poderamos dizer redentora. Porque dela que precisamos. Sei que buscais uma mudana e no

    apenas vs: nos diferentes encontros, nas vrias viagens, verifiquei que h uma expectativa, uma

    busca forte, um anseio de mudana em todos os povos do mundo. Mesmo dentro da minoria cada

    vez mais reduzida que pensa sair beneficiada deste sistema, reina a insatisfao e sobretudo a

    tristeza. Muitos esperam uma mudana que os liberte desta tristeza individualista que escraviza.

    O tempo, irmos e irms, o tempo parece exaurir-se; j no nos contentamos com lutar entre

    ns, mas chegamos at a assanhar-nos contra a nossa casa. Hoje, a comunidade cientfica aceita

    aquilo que os pobres j h muito denunciam: esto a produzir-se danos talvez irreversveis no

    ecossistema.

    Est-se a castigar a terra, os povos e as pessoas de forma quase selvagem. E por trs de tanto

    sofrimento, tanta morte e destruio, sente-se o cheiro daquilo que Baslio de Cesareia chamava

    o esterco do diabo: reina a ambio desenfreada de dinheiro. O servio ao bem comum fica em

    segundo plano. Quando o capital se torna um dolo e dirige as opes dos seres humanos, quando a

    avidez do dinheiro domina todo o sistema socioecnomico, arruna a sociedade, condena o

    homem, transforma-o em escravo, destri a fraternidade inter-humana, faz lutar povo contra povo

    e at, como vemos, pe em risco esta nossa casa comum.

    No quero alongar-me na descrio dos efeitos malignos desta ditadura subtil: vs conhecei-

    los! Mas tambm no basta assinalar as causas estruturais do drama social e ambiental

    contemporneo. Sofremos de um certo excesso de diagnstico, que s vezes nos leva a um

    pessimismo charlato ou a rejubilar com o negativo. Ao ver a crnica negra de cada dia, pensamos

    que no haja nada que se possa fazer para alm de cuidar de ns mesmos e do pequeno crculo da

    famlia e dos amigos.

    Que posso fazer eu, recolhedor de papelo, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a

    tantos problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, arteso, vendedor ambulante,

    carregador, trabalhador irregular, se no tenho sequer direitos laborais? Que posso fazer eu,

    camponesa, indgena, pescador que dificilmente consigo resistir propagao das grandes

    corporaes? Que posso fazer eu, a partir da minha comunidade, do meu barraco, da minha

    povoao, da minha favela, quando sou diariamente discriminado e marginalizado? Que pode fazer

    aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionrio que atravessa as favelas e os

    paradeiros com o corao cheio de sonhos, mas quase sem nenhuma soluo para os meus

    problemas? Muito! Podem fazer muito.

    Vs, os mais humildes, os explorados, os pobres e excludos, podeis e fazeis muito. Atrevo-me

    a dizer que o futuro da humanidade est, em grande medida, nas vossas mos, na vossa

    capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca diria dos 3 T (trabalho,

    teto, terra), e tambm na vossa participao como protagonistas nos grandes processos de

    mudana nacionais, regionais e mundiais. No se acanhem!

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  • 2. Vs sois semeadores de mudana. Aqui, na Bolvia, ouvi uma frase de que gosto muito:

    processo de mudana. A mudana concebida, no como algo que um dia chegar porque se

    imps esta ou aquela opo poltica ou porque se estabeleceu esta ou aquela estrutura social.

    Sabemos, amargamente, que uma mudana de estruturas, que no seja acompanhada por

    uma converso sincera das atitudes e do corao, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se,

    corromper-se e sucumbir. Por isso gosto tanto da imagem do processo, onde a paixo por semear,

    por regar serenamente o que outros vero florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os

    espaos de poder disponveis e de ver resultados imediatos. Cada um de ns apenas uma parte de

    um todo complexo e diversificado interagindo no tempo: povos que lutam por uma afirmao, por

    um destino, por viver com dignidade, por viver bem.

    Vs, a partir dos movimentos populares, assumis as tarefas comuns motivados pelo amor

    fraterno, que se rebela contra a injustia social. Quando olhamos o rosto dos que sofrem, o rosto

    do campons ameaado, do trabalhador excludo, do indgena oprimido, da famlia sem tecto, do

    imigrante perseguido, do jovem desempregado, da criana explorada, da me que perdeu o seu

    filho num tiroteio porque o bairro foi tomado pelo narcotrfico, do pai que perdeu a sua filha

    porque foi sujeita escravido; quando recordamos estes rostos e nomes estremecem-nos as

    entranhas diante de tanto sofrimento e comovemo-nos. Porque vimos e ouvimos, no a fria

    estatstica, mas as feridas da humanidade dolorida, as nossas feridas, a nossa carne. Isto muito

    diferente da teorizao abstrata ou da indignao elegante. Isto comove-nos, move-nos e

    procuramos o outro para nos movermos juntos. Esta emoo feita aco comunitria

    incompreensvel apenas com a razo: tem um plus de sentido que s os povos entendem e que

    confere a sua mstica particular aos verdadeiros movimentos populares.

    Vs viveis, cada dia, imersos na crueza da tormenta humana. Falastes-me das vossas causas,

    partilhastes comigo as vossas lutas. E agradeo-vos. Queridos irmos, muitas vezes trabalhais no

    insignificante, no que aparece ao vosso alcance, na realidade injusta que vos foi imposta e a que

    no vos resignais opondo uma resistncia ativa ao sistema idlatra que exclui, degrada e mata.

    Vi-vos trabalhar incansavelmente pela terra e a agricultura camponesa, pelos vossos

    territrios e comunidades, pela dignificao da economia popular, pela integrao urbana das

    vossas favelas e agrupamentos, pela auto-construo de moradias e o desenvolvimento das infra-

    estruturas do bairro e em muitas actividades comunitrias que tendem reafirmao de algo to

    elementar e inegavelmente necessrio como o direito aos 3 T: terra, teto e trabalho.

    Este apego ao bairro, terra, ao territrio, profisso, corporao, este reconhecer-se no

    rosto do outro, esta proximidade no dia-a-dia, com as suas misrias e os seus herosmos

    quotidianos, o que permite realizar o mandamento do amor, no a partir de ideias ou conceitos,

    mas a partir do genuno encontro entre pessoas, porque no se amam os conceitos nem as ideias;

    amam-se as pessoas. A entrega, a verdadeira entrega nasce do amor pelos homens e mulheres,

    crianas e idosos, vilarejos e comunidades... Rostos e nomes que enchem o corao. A partir destas

    sementes de esperana semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do planeta,

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  • destes rebentos de ternura que lutam por subsistir na escurido da excluso, crescero grandes

    rvores, surgiro bosques densos de esperana para oxigenar este mundo.

    Vejo, com alegria, que trabalhais no que aparece ao vosso alcance, cuidando dos rebentos;

    mas, ao mesmo tempo, com uma perspectiva mais ampla, protegendo o arvoredo. Trabalhais numa

    perspectiva que no s aborda a realidade sectorial que cada um de vs representa e na qual

    felizmente est enraizada, mas procurais tambm resolver, na sua raiz, os problemas gerais de

    pobreza, desigualdade e excluso.

    Felicito-vos por isso. imprescindvel que, a par da reivindicao dos seus legtimos direitos,

    os povos e as suas organizaes sociais construam uma alternativa humana globalizao

    exclusiva. Vs sois semeadores de mudana. Que Deus vos d coragem, alegria, perseverana e

    paixo para continuar a semear. Podeis ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, vamos ver os

    frutos.

    Peo aos dirigentes: sede criativos e nunca percais o apego s coisas prximas, porque o pai

    da mentira sabe usurpar palavras nobres, promover modas intelectuais e adoptar posies

    ideolgicas, mas se construirdes sobre bases slidas, sobre as necessidades reais e a experincia

    viva dos vossos irmos, dos camponeses e indgenas, dos trabalhadores excludos e famlias

    marginalizadas, de certeza no vos equivocareis.

    A Igreja no pode nem deve ser alheia a este processo no anncio do Evangelho. Muitos

    sacerdotes e agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e promovendo os

    excludos em todo o mundo, ao lado de cooperativas, dando impulso a empreendimentos,

    construindo casas, trabalhando abnegadamente nas reas da sade, desporto e educao. Estou

    convencido de que a cooperao amistosa com os movimentos populares pode robustecer estes

    esforos e fortalecer os processos de mudana.

    No corao, tenhamos sempre a Virgem Maria, uma jovem humilde duma pequena aldeia

    perdida na periferia dum grande imprio, uma me sem tecto que soube transformar um curral de

    animais na casa de Jesus com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura. Maria sinal de

    esperana para os povos que sofrem dores de parto at que brote a justia. Rezo Virgem do

    Carmo, padroeira da Bolvia, para fazer com que este nosso Encontro seja fermento de mudana.

    3. Por ltimo, gostaria que refletssemos, juntos, sobre algumas tarefas importantes neste

    momento histrico, pois queremos uma mudana positiva em benefcio de todos os nossos irmos

    e irms. Disto estamos certos! Queremos uma mudana que se enriquea com o trabalho conjunto

    de governos, movimentos populares e outras foras sociais. Sabemos isto tambm! Mas no to

    fcil definir o contedo da mudana, ou seja, o programa social que reflicta este projeto de

    fraternidade e justia que esperamos. Neste sentido, no esperem uma receita deste Papa. Nem o

    Papa nem a Igreja tm o monoplio da interpretao da realidade social e da proposta de

    solues para os problemas contemporneos. Atrever-me-ia a dizer que no existe uma receita. A

    histria construda pelas geraes que se vo sucedendo no horizonte de povos que avanam

    individuando o prprio caminho e respeitando os valores que Deus colocou no corao.

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  • Gostaria, no entanto, de vos propor trs grandes tarefas que requerem a decisiva

    contribuio do conjunto dos movimentos populares:

    3.1 A primeira tarefa pr a economia ao servio dos povos.

    Os seres humanos e a natureza no devem estar ao servio do dinheiro. Digamos NO a uma

    economia de excluso e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia

    mata. Esta economia exclui. Esta economia destri a Me Terra.

    A economia no deveria ser um mecanismo de acumulao, mas a condigna administrao da

    casa comum. Isto implica cuidar zelosamente da casa e distribuir adequadamente os bens entre

    todos. A sua finalidade no unicamente garantir o alimento ou um decoroso sustento. No

    sequer, embora fosse j um grande passo, garantir o acesso aos 3 Tpelos quais

    combateis. Uma economia verdadeiramente comunitria poder-se-ia dizer, uma economia de

    inspirao crist deve garantir aos povos dignidade, prosperidade e civilizao em seus mltiplos

    aspectos.(1)

    Isto envolve os 3 T mas tambm acesso educao, sade, inovao, s manifestaes

    artsticas e culturais, comunicao, ao desporto e recreao. Uma economia justa deve criar as

    condies para que cada pessoa possa gozar duma infncia sem privaes, desenvolver os seus

    talentos durante a juventude, trabalhar com plenos direitos durante os anos de actividade e ter

    acesso a uma digna aposentao na velhice. uma economia onde o ser humano, em harmonia

    com a natureza, estrutura todo o sistema de produo e distribuio de tal modo que as

    capacidades e necessidades de cada um encontrem um apoio adequado no ser social. Vs e

    outros povos tambm resumis este anseio duma maneira simples e bela: viver bem.

    Esta economia no apenas desejvel e necessria, mas tambm possvel. No uma utopia,

    nem uma fantasia. uma perspectiva extremamente realista. Podemos consegui-la. Os recursos

    disponveis no mundo, fruto do trabalho intergeneracional dos povos e dos dons da criao, so

    mais que suficientes para o desenvolvimento integral de todos os homens e do homem todo. (2)

    Mas o problema outro. Existe um sistema com outros objetivos. Um sistema que, apesar de

    acelerar irresponsavelmente os ritmos da produo, apesar de implementar mtodos na indstria e

    na agricultura que sacrificam a Me Terra na ara da produtividade, continua a negar a milhares

    de milhes de irmos os mais elementares direitos econmicos, sociais e culturais. Este sistema

    atenta contra o projecto de Jesus.

    A justa distribuio dos frutos da terra e do trabalho humano no mera filantropia. um

    dever moral. Para os cristos, o encargo ainda mais forte: um mandamento. Trata-se de

    devolver aos pobres e s pessoas o que lhes pertence. O destino universal dos bens no um

    adorno retrico da doutrina social da Igreja. uma realidade anterior propriedade privada. A

    propriedade, sobretudo quando afecta os recursos naturais, deve estar sempre em funo das

    necessidades das pessoas. E estas necessidades no se limitam ao consumo. No basta deixar cair

    algumas gotas, quando os pobres agitam este copo que, por si s, nunca derrama. Os planos de

    assistncia que acodem a certas emergncias deveriam ser pensados apenas como respostas

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  • transitrias. Nunca podero substituir a verdadeira incluso: a incluso que d o trabalho digno,

    livre, criativo, participativo e solidrio.

    Neste caminho, os movimentos populares tm um papel essencial, no apenas exigindo e

    reclamando, mas fundamentalmente criando. Vs sois poetas sociais: criadores de trabalho,

    construtores de casas, produtores de alimentos, sobretudo para os descartados pelo mercado

    global.

    Conheci de perto vrias experincias, onde os trabalhadores, unidos em cooperativas e outras

    formas de organizao comunitria, conseguiram criar trabalho onde s havia sobras da economia

    idlatra. As empresas recuperadas, as feiras francas e as cooperativas de catadores de papelo so

    exemplos desta economia popular que surge da excluso e que pouco a pouco, com esforo e

    pacincia, adopta formas solidrias que a dignificam. Quo diferente isto do fato de os

    descartados pelo mercado formal serem explorados como escravos!

    Os governos que assumem como prpria a tarefa de colocar a economia ao servio das

    pessoas devem promover o fortalecimento, melhoria, coordenao e expanso destas formas de

    economia popular e produo comunitria. Isto implica melhorar os processos de trabalho, prover

    de adequadas infra-estruturas e garantir plenos direitos aos trabalhadores deste setor alternativo.

    Quando Estado e organizaes sociais assumem, juntos, a misso dos 3 T, ativam-se os

    princpios de solidariedade e subsidiariedade que permitem construir o bem comum numa

    democracia plena e participativa.

    3.2 A segunda tarefa unir os nossos povos no caminho da paz e da justia.

    Os povos do mundo querem ser artfices do seu prprio destino. Querem caminhar em paz

    para a justia. No querem tutelas nem interferncias, onde o mais forte subordina o mais fraco.

    Querem que a sua cultura, o seu idioma, os seus processos sociais e tradies religiosas sejam

    respeitados. Nenhum poder efectivamente constitudo tem direito de privar os pases pobres do

    pleno exerccio da sua soberania e, quando o fazem, vemos novas formas de colonialismo que

    afectam seriamente as possibilidades de paz e justia, porque a paz funda-se no s no respeito

    pelos direitos do homem, mas tambm no respeito pelo direito dos povos, sobretudo o direito

    independncia. (3)

    Os povos da Amrica Latina alcanaram, com um parto doloroso, a sua independncia poltica

    e, desde ento, viveram j quase dois sculos duma histria dramtica e cheia de contradies

    procurando conquistar uma independncia plena.

    Nos ltimos anos, depois de tantos mal-entendidos, muitos pases latino-americanos viram

    crescer a fraternidade entre os seus povos. Os governos da regio juntaram seus esforos para

    fazer respeitar a sua soberania, a de cada pas e a da regio como um todo que, de forma muito

    bela como faziam os nossos antepassados, chamam a Ptria Grande. Peo-vos, irmos e irms

    dos movimentos populares, que cuidem e faam crescer esta unidade. necessrio manter a

    unidade contra toda a tentativa de diviso, para que a regio cresa em paz e justia.

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  • Apesar destes avanos, ainda subsistem fatores que atentam contra este desenvolvimento

    humano equitativo e coarctam a soberania dos pases da Ptria Grande e doutras latitudes do

    Planeta. O novo colonialismo assume variadas fisionomias. s vezes, o poder annimo do dolo

    dinheiro: corporaes, credores, alguns tratados denominados de livre comrcio e a imposio

    de medidas de austeridade que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres.

    Os bispos latino-americanos denunciam-no muito claramente, no documento de Aparecida,

    quando afirmam que as instituies financeiras e as empresas transnacionais se fortalecem ao

    ponto de subordinar as economias locais, sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada

    vez mais impotentes para levar adiante projetos de desenvolvimento a servio de suas

    populaes. (4)

    Noutras ocasies, sob o nobre disfarce da luta contra a corrupo, o narcotrfico ou o

    terrorismo graves males dos nossos tempos que requerem uma aco internacional coordenada

    vemos que se impem aos Estados medidas que pouco tm a ver com a resoluo de tais

    problemticas e muitas vezes tornam as coisas piores.

    Da mesma forma, a concentrao monopolista dos meios de comunicao social que

    pretende impor padres alienantes de consumo e certa uniformidade cultural outra das formas

    que adopta o novo colonialismo. o colonialismo ideolgico. Como dizem os bispos da frica,

    muitas vezes pretende-se converter os pases pobres em peas de um mecanismo, partes de uma

    engrenagem gigante.5

    Temos de reconhecer que nenhum dos graves problemas da humanidade pode ser resolvido

    sem a interaco dos Estados e dos povos a nvel internacional. Qualquer acto de envergadura

    realizado numa parte do Planeta repercute-se no todo em termos econmicos, ecolgicos, sociais e

    culturais.

    At o crime e a violncia se globalizaram. Por isso, nenhum governo pode actuar margem

    duma responsabilidade comum. Se queremos realmente uma mudana positiva, temos de assumir

    humildemente a nossa interdependncia. Mas interaco no sinnimo de imposio, no

    subordinao de uns em funo dos interesses dos outros.

    O colonialismo, novo e velho, que reduz os pases pobres a meros fornecedores de matrias-

    primas e mo de obra barata, gera violncia, misria, emigraes foradas e todos os males que

    vm juntos... precisamente porque, ao pr a periferia em funo do centro, nega-lhes o direito a

    um desenvolvimento integral. Isto desigualdade, e a desigualdade gera violncia que nenhum

    recurso policial, militar ou dos servios secretos ser capaz de deter.

    Digamos NO s velhas e novas formas de colonialismo. Digamos SIM ao encontro entre

    povos e culturas. Bem-aventurados os que trabalham pela paz.

    Aqui quero deter-me num tema importante. que algum poder, com direito, dizer:

    Quando o Papa fala de colonialismo, esquece-se de certas aces da Igreja. Com pesar, vo-lo

    digo: Cometeram-se muitos e graves pecados contra os povos nativos da Amrica, em nome de

    Deus. Reconheceram-no os meus antecessores, afirmou-o o CELAM e quero reafirm-lo eu

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  • tambm. Como So Joo Paulo II, peo que a Igreja se ajoelhe diante de Deus e implore o perdo

    para os pecados passados e presentes dos seus filhos. (6) E eu quero dizer-vos, quero ser muito

    claro, como foi So Joo Paulo II: Peo humildemente perdo, no s para as ofensas da prpria

    Igreja, mas tambm para os crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da

    Amrica.

    Peo-vos tambm a todos, crentes e no crentes, que se recordem de tantos bispos,

    sacerdotes e leigos que pregaram e pregam a boa nova de Jesus com coragem e mansido, respeito

    e em paz; que, na sua passagem por esta vida, deixaram impressionantes obras de promoo

    humana e de amor, pondo-se muitas vezes ao lado dos povos indgenas ou acompanhando os

    prprios movimentos populares mesmo at ao martrio. A Igreja, os seus filhos e filhas, fazem parte

    da identidade dos povos na Amrica Latina. Identidade que alguns poderes, tanto aqui como

    noutros pases, se empenham por apagar, talvez porque a nossa f revolucionria, porque a

    nossa f desafia a tirania do dolo dinheiro.

    Hoje vemos, com horror, como no Mdio Oriente e noutros lugares do mundo se persegue,

    tortura, assassina a muitos irmos nossos pela sua f em Jesus. Isto tambm devemos denunci-lo:

    dentro desta terceira guerra mundial em parcelas que vivemos, h uma espcie de genocdio em

    curso que deve cessar.

    Aos irmos e irms do movimento indgena latino-americano, deixem-me expressar a minha

    mais profunda estima e felicit-los por procurarem a conjugao dos seus povos e culturas segundo

    uma forma de convivncia, a que eu chamo polidrica, onde as partes conservam a sua identidade

    construindo, juntas, uma pluralidade que no atenta contra a unidade, mas fortalece-a. A sua

    procura desta interculturalidade que conjuga a reafirmao dos direitos dos povos nativos com o

    respeito integridade territorial dos Estados enriquece-nos e fortalece-nos a todos.

    3.3 A terceira tarefa, e talvez a mais importante que devemos assumir hoje, defender a

    Me Terra.

    A casa comum de todos ns est a ser saqueada, devastada, vexada impunemente. A

    covardia em defend-la um pecado grave. Vemos, com crescente decepo, sucederem-se uma

    aps outra cimeiras internacionais sem qualquer resultado importante. Existe um claro, definitivo e

    inadivel imperativo tico de actuar que no est a ser cumprido. No se pode permitir que certos

    interesses que so globais, mas no universais se imponham, submetendo Estados e organismos

    internacionais, e continuem a destruir a criao. Os povos e os seus movimentos so chamados a

    clamar, mobilizar-se, exigir pacfica mas tenazmente a adopo urgente de medidas

    apropriadas. Peo-vos, em nome de Deus, que defendais a Me Terra. Sobre este assunto,

    expressei-me devidamente na carta encclicaLaudato si.

    4. Para concluir, quero dizer-lhes novamente: O futuro da humanidade no est unicamente

    nas mos dos grandes dirigentes, das grandes potncias e das elites. Est fundamentalmente nas

    mos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e tambm nas suas mos que regem, com

    humildade e convico, este processo de mudana.

    Estou convosco. Digamos juntos do fundo do corao: nenhuma famlia sem teto, nenhum

    campons sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania, nenhuma

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  • pessoa sem dignidade, nenhuma criana sem infncia, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum

    idoso sem uma veneranda velhice. Continuai com a vossa luta e, por favor, cuidai bem da Me

    Terra.

    Rezo por vs, rezo convosco e quero pedir a nosso Pai Deus que vos acompanhe e abenoe,

    que vos cumule do seu amor e defenda no caminho concedendo-vos, em abundncia, aquela fora

    que nos mantm de p: esta fora a esperana, a esperana que no decepciona. Obrigado! E

    peo-vos, por favor, que rezeis por mim. ___________________

    1 JOO XXIII, Carta enc. Mater et Magistra (15 de Maio de 1961), 3: AAS 53 (1961), 402.

    2 PAULO VI, Carta enc. Popolorum progressio, 14.

    3 PONTIFCIO CONSELHO JUSTIA E PAZ, Compndio da Doutrina Social da Igreja, 157.

    4 V CONFERNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE (2007), Documento de Aparecida, 66.

    5 JOO PAULO II, Exort. ap. ps-sinodal Ecclesia in Africa (14 de Setembro de 1995), 52: AAS 88 (1996), 32-33. Cf. IDEM,

    Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 22: AAS 80 (1988), 539.

    6 JOO PAULO II, Bula Incarnationis mysterium, 11.

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