ESTABILIZANDO UMA ECONOMIA INSTÁVEL

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Estabilizando uma economia instável é considerado por especialistas uma das três maiores obras científicas na área de economia do século XX, juntamente com a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de John Maynard Keynes, e O Novo Estado Industrial, de John Kenneth Galbraith. A economia mundial tem experimentado sucessivos e problemáticos períodos de inflação, seguidos pelo aumento na taxa de desemprego e por clara desaceleração econômica. Minsky discorre brilhantemente a respeito das causas deste processo, além de identificar os motivos que levam a economia a enfrentar a crise de crédito que o próprio autor já havia previsto em trabalhos anteriores. Minsky foi um homem à frente de seu tempo, e suas teorias certamente continuarão a influenciar os estudos econômicos por muitas décadas.

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Estabilizando uma Economia instávEl

Hyman P. MinskyTradução: José Maria Alves da Silva

novo século®

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2013IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

Direitos cedidos para esta edição àNovo século editora ltda.

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Equipe Novo Século

José Maria Alves da Silva

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Diagramação /Pedro Simão

Mario Zanarian

Capa guybrush

Henrique Guerra

Stabilizing an Unstable EconomyOriginal Edition Copyright © 2008 by Hyman Minsky

Brazilian Portuguese Edition Copyright © 2013 by Novo Século Editora Ltda.All rights reserved.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:1. Estados Unidos : Estabilização econômica : Economia 339.5

Minsky, Hyman P.

Estabilizando uma economia instável / Hyman P. Minsky ; tradução José Maria Alves da Silva. -- 2. ed. -- Osasco, SP : Novo Século Editora, 2013.

Título original: Stabilizing an unstable economy

1. Economia 2. Economia keynesiana 3. Estabilização econômica - Esta-dos Unidos 4. Estados Unidos - Política econômica I. Título.

13-06595 CDD-339.5

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Prólogo

QUANDO O TRABALHO DE HYMAN MINSKY foi originalmente publi-cado há mais de duas décadas, ele estava à frente de sua época. Isso geral-mente ocorre com os grandes pensadores. Joseph Schumpeter influencia bem mais nos dias de hoje do que na sua época e as ideias inovadoras de John Maynard Keynes ganharam amplo reconhecimento bem depois de terem sido publicadas. O mesmo ocorre com o incansável Minsky. Embo-ra já fossem reconhecidas nas décadas de 1970 e 1980, suas ideias nunca foram tão importantes como atualmente. Se ainda estivesse vivo, ele teria boas razões para dirigir-se a todos que se mantêm atentos à economia e às finanças nas últimas décadas e falar: “Eu não disse?” Não haveria uma época melhor para reeditar o trabalho clássico desse autor.

Do mesmo modo que Keynes (sobre o qual Minsky publicou uma obra em 1975) e Schumpeter, Minsky preocupava-se antes de tudo com os ciclos econômicos. O keynesianismo, que dominou o período posterior à Segunda Guerra Mundial, caracterizou-se pelos aspectos politicamente populares dos trabalhos de Keynes. Poucos se lembraram que, antes de ativismo fiscal e superávits orçamentários, ele havia recomendado ações monetárias durante períodos de crescimento. Para muitos policymakers, o keynesianismo justificava os déficits governamentais como uma panaceia.

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|viii| PRÓLOGO

Havia uma sensação crescente de que o problema dos ciclos econômicos estava superado.

Hyman Minsky desenvolveu uma conexão com Keynes tão impor-tante quanto diferente. Ele enfatizou a volatilidade dos investimentos, mostrando que as incertezas quanto aos fluxos de caixas decorrentes têm poderosas repercussões nos balanços financeiros das empresas. Isso foi um insight importante, que merecia maior atenção.

Depois que o monetarismo eclipsou o keynesianismo, nos anos 1970 e 1980, mais uma vez os conceitos de Minsky foram negligenciados. Por outro lado, mesmo em seu apogeu no início dos anos 1980, o monetaris-mo não conseguiu lidar com as alterações sofridas na estrutura do sistema financeiro, como o fez Minsky. Enquanto isso, a econometria havia se tor-nado praticamente uma religião entre economistas e analistas financeiros. Mas, Hyman Minsky não permitiu que sua análise fosse restringida por modelos estatísticos. Ele inteligentemente percebeu que equações ma-temáticas não podem propriamente responder por alterações estruturais cruciais e significativas ou por mudanças nos padrões comportamentais da economia e das finanças.

Senti-me atraído pelo trabalho de Hyman Minsky já no início de mi-nha carreira no mercado financeiro. Em meu próprio trabalho, tornei-me cada vez mais preocupado pela forma como a dívida pública continuava a crescer mais rapidamente do que os valores nominais do produto inter-no bruto. Atribuo esse desenvolvimento não saudável ao rápido processo de securitização de ativos financeiros, à globalização dos mercados fi-nanceiros e às enormes melhorias ocorridas na tecnologia da informação, o que tem facilitado, entre outras coisas, a quantificação dos riscos. Os riscos inerentes à explosão das dívidas aumentaram em função da incapa-cidade dos policymakers de colocar em prática salvaguardas que encora-jassem as instituições financeiras a equilibrar seus impulsos empresariais e responsabilidades fiduciárias.

As percepções de Hyman Minsky nos ajudam a compreender os mais importantes processos de desenvolvimento financeiro das últimas décadas. Poucos vislumbraram de maneira tão clara como ele a dinâmica autoalimentada da atividade especulativa empresarial, a diminuição da qualidade das obrigações financeiras (dívidas) e a volatilidade econômi-ca, que, aliás, passaram a caracterizar os novos tempos. Ele chamou de finança especulativa os empréstimos empresariais contraídos para pagar dívidas antigas que, por seu turno, contribuem para elevar investimentos e preços de ativos. Minsky explicou as razões pelas quais conjunturas de aumento de investimentos, emprego e lucros tendem a induzir atitudes

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PRÓLOGO |ix|

eufóricas de líderes empresariais e banqueiros, que exacerbam a volatili-dade do mercado e tendem a aumentar a aceitação de riscos. Numa frase que poderia servir de slogan para a Era Enron , Minsky preveniu a todos contra os perigos dos “balanços aventureiros” (balance sheet adventuring)

O que ocorreu após a primeira publicação desse trabalho, contudo, não surpreenderia o autor: crises dos bancos de poupança e empréstimos nos anos 1980 e no início de 1990; dificuldades com as dívidas do Méxi-co e da Coreia; o “calote” da Rússia, e o processo quase hemorrágico que envolveu os mercados mundiais, causado pela excessiva alavancagem da Administração de Capitais de Longo Prazo nos anos 1990; até à explosão da “bolha tecnológica” em 2000.

Agora, enfrentamos a crise das hipotecas subprime. Alguns chegaram a rotulá-la como “o Momento Minsky”, mas isso menospreza a profundi-dade de seu trabalho. Esta é a oportunidade de investigar seriamente suas percepções e nos basearmos em seu trabalho revolucionário e pioneiro, para colocar nosso sistema financeiro numa base mais sólida.

– Henry Kaufman

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Parte 1

introdução

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caPítulo 1

Processos econômicos, comPortamento e Política

NO LIMIAR DA ÚLTIMA década do século XX, a economia norte ame-ricana aparentava estar em completo desarranjo. Após duas décadas de progresso tranquilo subsequente à Segunda Guerra Mundial, no final dos anos 1960 o cenário passou a ser turbulento, tanto no plano do-méstico quanto internacional. Surtos de aceleração inflacionária; alto desemprego crônico; falências; taxas de juros massacrantes; crises nos setores energético, bancário, de transporte, de abastecimento, da previ-dência e das finanças municipais, foram misturados com outros perío-dos de expansões atribuladas. A combinação de políticas econômicas e sociais que nos foi tão benéfica após a Segunda Guerra, entrou em colapso na metade dos anos 1960. O que precisamos agora é de uma nova abordagem para por fim à confusão entre as teorias estabelecidas e o sistema econômico vigente.

Embora questões vitais como segurança, honestidade e integridade estejam além de preocupações puramente econômicas, meu foco prin-cipal é a estabilização da economia. Talvez de uma maneira simplista, partimos da premissa de que numa economia em que se ofereça a todos uma base segura e um senso de valorização pessoal – uma vez que haja

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|4| INTRODUÇÃO

empregos para todos –, muitos problemas sociais podem ser reduzidos a proporções administráveis.

Numa era em que falhas de desempenho demonstram a necessidade de uma reforma econômica, qualquer programa bem-sucedido de mu-danças deve se basear na compreensão do modo como funcionam os pro-cessos econômicos dentro das instituições existentes. Esse entendimento é exatamente o que se espera da teoria. A teoria econômica, como as ins-tituições e convenções, não é decretada pela natureza. Ela é um produto da imaginação criativa; seus conceitos e ideias resultam do pensamento humano. Não existe de fato o conceito de “renda nacional” isolado de teorias que digam respeito à melhor maneira de combinar elementos eco-nômicos para alcançar determinados objetivos; curvas de demanda não confrontam os vendedores – os clientes sim; o efeito do dinheiro e das finanças sobre o comportamento do sistema pode ser percebido somente dentro de uma teoria que preveja sua ocorrência.

Infelizmente, a teoria econômica ensinada em faculdades e em cursos de pós-graduação – as ferramentas utilizadas por alunos e prati-cantes da economia ao longo dos últimos 30 anos e a base intelectual da política econômica nas democracias capitalistas – está seriamente equivocada. As conclusões que se baseiam em modelos derivados de uma economia teórica padrão não podem ser aplicadas na formulação de uma política adequada à economia capitalista moderna. Uma teoria econômica bem fundamentada, especialmente a altamente matemática e amplamente desenvolvida após à Segunda Guerra, pode demonstrar que um mecanismo abstrato de troca poderá levar a um resultado que, se não for perfeito, será, no mínimo, coerente1. Contudo, esse resulta-do econômico mostra-se comprovado em modelos totalmente estranhos ao ambiente das salas de reuniões de empresas e de Wall Street. Tais modelos não lidam com tempo, com dinheiro, com incertezas, com o financiamento dos direitos de propriedade sobre ativos de capital, e com investimentos. Por outro lado, quando os fatores abstraídos são re-levantes, a teoria econômica estabelecida não oferece um suporte para a proposição de que resultados coerentes podem provir das economias de mercado do mundo real. De fato as Wall Streets em todo o mundo são importantes, elas geram forças de desestabilização e, de tempos em tempos os processos econômicos da economia real nos levam a enfren-

1 Uma séria afirmação desta teoria matemática que reconhece suas próprias limitações está no trabalho de Kenneth J. Arrow e Fran H. Hahn, General Competitive Equilibrium (San Francisco: Holden-Day, 1971. (N.A.)

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tar sérias ameaças de instabilidade financeira e econômica, ou seja, o comportamento da economia torna-se incoerente2.

Em meados da década de 1960, depois de apresentar bom desempe-nho, o comportamento da economia começou a gerar grandes dúvidas so-bre a validade da teoria padrão. Começando pelo arrocho do crédito em 1966, experimentamos uma sucessão de pequenas crises financeiras (outras ocorreram em 1970, 1974-75, 1979-80 e 1982-83), cada qual se tornando progressivamente mais séria. Reativamente, certos burocratas do governo e especialistas clamavam pela rejeição da teoria macroeconômica oriunda do trabalho de Keynes e pelo retorno à análise presumivelmente consagrada da teoria microeconômica clássica. Na verdade, contudo, a economia nos dias de hoje está se comportando exatamente como a teoria de Keynes previa que deveria acontecer num contexto de fragilidade financeira combinada com um Estado Grande. O problema está, portanto, na teoria econômica atual, baseada numa interpretação equivocada do trabalho de Keynes3.

Para uma teoria que nega que o que está acontecendo pode realmente ocorrer, eventos desfavoráveis são vistos como choques adversos (como o choque do petróleo, por exemplo) e não como resultado das próprias carac-terísticas intrínsecas do mecanismo econômico. Isso pode ser útil para os políticos, como “bode expiatório”, mas não como guia útil para a solução do problema. A atual estrutura padrão da teoria econômica — a chamada síntese neoclássica, que combina uma abordagem de fundações moneta-ristas e keynesianas — pode ser lógica e elegante, mas falha em explicar como uma crise financeira pode emergir do próprio funcionamento eco-nômico normal. Também não esclarece as razões pelas quais a economia em determinados períodos se mostra suscetível a crises, e em outros, não4.

2 Entre os economistas modernos os pós-keynesianos são os que mais claramente articulam estes pontos de vista. Ver Paul Davidson, Money and the Real World (New York: Wiley, 1972); Jan Kregel, The Reconstruction of Political Economy: An Introduction to Post-Keynesian Economics (London: Macmillan, 1973); Hyman P. Minsky, John Maynard Keynes (New York: Columbia Uni-versity Press, 1975); Hyman P. Minsky, Can “IT” happen again? Essays on Instability & Finance (Armonk, N.Y.: M.E. Sharpe & Co., 1982); Sidney Weintraub, Keynes, Keynesians, and Moneta-rists (Philadelphia University of Pensylvania Press, 1978). (N.A.)

3 John Maynard Keynes, The General Theory of Employment Interest and Money (Nova York: Har-court Brace, 1936), é o trabalho mais importante no sentido de entendermos como uma eco-nomia capitalista com instituições sofisticadas, complexas e em desenvolvimento se comporta. (N.A.)

4 Para o propósito desse trabalho, Don Patinkin, Money, Interest and Prices, 1ª ed. (Nova York: Har-per and Row, 1965), será considerado o modelo da síntese neoclássica. Esta síntese é também a referência de Milton Friedman em “A Theoretical Framework for Monetary Analysis,” Jounal of Political Economy 78 (March-April 1970, p. 193-238; Robert A. Gordon, Friedman’s Monetary Framework: A Debate with His Critics (Chicago: University of Chicago Press, 1980). A síntese neoclássica presumivelmente integra a teoria de preços herdada de Walras com percepções derivadas de Keynes. (N.A.)

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A instabilidade econômica, tão evidente desde o final dos anos 1960, é o resultado de um sistema financeiro frágil que emergiu a partir de mu-danças cumulativas nas relações financeiras e das instituições ao longo dos anos subsequentes à Segunda Guerra. As mudanças não intencionais e frequentemente imperceptíveis nas relações financeiras e as especula-ções induzidas pelo bom funcionamento da economia, invalidaram as regras de políticas monetária e fiscal, baseadas nas experiências dos anos 1950 e início da década de 1960. Nenhum manejo fiscal-monetário, por si só, pode restabelecer e sustentar a relativa tranquilidade dos anos 1950 e início dos anos 1960. Se for para recuperar certa tranquilidade, tornam-se necessárias mudanças institucionais fundamentais, similares em esco-po às reformas básicas dos seis primeiros anos do mandato Roosevelt. Se quisermos que as reformas sejam bem-sucedidas, estas precisam ser iluminadas por uma teoria que possibilite a compreensão das causas da instabilidade que é hoje tão evidente.

Para que uma nova era de reformas possa gozar mais do que um sucesso apenas transitório, ela deverá basear-se no entendimento das razões pelas quais um mecanismo de livre mercado constitui meio efi-ciente de tratamento de vários detalhes da vida econômica e como as instituições financeiras do capitalismo avançado são inerentemente des-trutivas. Portanto, antes de admirar as propriedades dos mercados livres, devemos primeiramente ter em mira suas limitações. Devemos desen-volver instituições econômicas que restrinjam e controlem as estruturas do endividamento, particularmente aquelas das instituições financeiras, e as de processos produtivos mais intensivos em capital. Paradoxalmen-te, o capitalismo falha precisamente pelo fato de não poder assimilar prontamente os processos produtivos que empregam ativos de capital em alta escala.

Pode-se também sustentar que sociedades capitalistas são iníquas e ineficientes. Contudo, problemas como a pobreza, corrupção, distri-buição desigual de conforto e poder econômico, e ineficiências mono-polísticas (que, em conjunto, podem ser sintetizados como “injustiças do capitalismo”) não são inconsistentes com a sua permanência. Por mais detestáveis que sejam a desigualdade e a ineficiência, não há lei científica ou evidência histórica que diga que, para sobreviver, uma or-dem econômica deva necessariamente atender requisitos de igualdade e eficiência (ou simplesmente, justiça). Contudo, uma sociedade capi-talista pode não ser sustentável se ela oscila entre ameaças de colapsos nos valores dos ativos e do nível de emprego e ameaças de aceleração inflacionária e especulação crescente. Se quisermos que o mercado fi-

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nanceiro funcione adequadamente, devemos criar condições para redu-zir as incertezas inerentes aos ciclos de negócios, de modo a fazer com que as expectativas que norteiam os investimentos reflitam uma visão de progresso com tranquilidade.

A administração Reagan e seu programa de governo, amplamente promulgado em 1981, pode ter sido uma resposta a uma previsão de que algo estava seriamente errado com a economia, mas, baseou-se num diagnóstico errado do que de fato estava errado e que também foi baseado numa teoria inconsistente com as características básicas do capitalismo. Ignorou-se a fragilidade financeira que levou a uma instabilidade tão evi-dente desde os anos 1960. A desregulamentação e o esforço bem-suce-dido de reduzir os índices de inflação, por meio de restrição monetária e aumento do desemprego, exacerbaram a instabilidade financeira que já estava bem evidente em 1967, 1970, 1974-75 e em 1979-80. Inter-venções de socorro financeiro do banco central que encobriram os pro-blemas da frágil estrutura financeira nas crises intermitentes, no final da década de 1960 e na década seguinte, tornaram-se corriqueiros na déca-da de 1980. A crise de 1982, testemunhada pela quebra do Penn Square Bank de Oklahoma e o colapso do peso mexicano, parecem ter pressa-giado um regime de turbulência financeira permanente. Em 1984-85 ve-rificaram-se intervenções de socorro financeiro para o Continental Illinois Bank de Chicago, para o refinanciamento da dívida Argentina, para evitar o colapso das instituições de poupança garantidas pelo governo em Ohio e Maryland, e para enfrentar uma latente epidemia de quebra de institui-ções bancárias nos estados agrícolas. A contenção de instabilidades foi uma das principais atribuições da política econômica nos anos 1980, em contraste com as nuances dos anos 1950 e 1960.

A prolongada onda de desemprego, falências ou quase falências de empresas e bancos transformou radicalmente a classe trabalhadora, que passou a se preocupar mais com a manutenção do emprego do que com a renda salarial. Como a segurança de emprego já não está mais sendo garantida pela política macroeconômica, a única garantia que os traba-lhadores dispõem agora é o direito de fazer acordos salariais concessivos. Se, por um lado, isso atenua as pressões de custos, no ciclo econômico, por outro lado, implica em fraca recuperação da demanda de consumo dos trabalhadores. De fato, as reformas estabelecidas por Reagan aumen-taram as chances de instabilidade. Contudo, do mesmo modo que vários outros aspectos da economia e da política, o efeito completo de tais re-formas levará tempo para se fazer sentir. Mesmo que uma forte recupera-ção auxiliada pelo déficit leve a economia a um aparente sucesso para o

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Reaganomics [o programa econômico da era Reagan, que enfatizava os impostos baixos, gastos sociais menores e mais gastos militares], as bases para um novo round de inflação, crises e recessão estão em gestação.

Os sistemas econômicos não são sistemas naturais. A economia é uma organização social criada ou por meio de legislação ou por um pro-cesso evolucionário de invenção e inovação. A política pode mudar tanto os detalhes como o caráter geral da economia, e o formato da política econômica envolve tanto a definição de objetivos quanto o entendimento de que os processos econômicos atuais dependem das instituições eco-nômicas e sociais.

Assim, a política econômica deve levar em conta o desenho das ins-tituições, bem como as operações dentro do conjunto de instituições, que são jurídicas e evolucionárias. Uma vez definido o ordenamento jurídico, as instituições passam a ter vida própria e a evoluir com os processos de mercado. Não podemos, num mundo dinâmico, esperar resolver a todo tempo os problemas de organizações institucionais. Por outro lado, não podemos engendrar mudanças radicais nas instituições. Na medida em que incorporam as percepções correntes dos melhores processos e obje-tivos, leva tempo para que elas se desenvolvam nos detalhes e a política possa conformar-se a uma estrutura institucional definida. Somente quan-do o desempenho inadequado de uma ordem econômica e social se torna evidente e sério, torna-se imperativo empreender reformas institucionais de grande alcance. Esse momento chegou.

Os contornos mais importantes da atual configuração institucional já foram estabelecidos durante o período de reformas de Roosevelt, particu-larmente no segundo New Deal, que se completou em 1936. Esta foi uma resposta às falhas apresentadas pela legislação emergencial de 1933, feita para forçar uma rápida recuperação, e pelo dilúvio de regras surgidas da Suprema Corte, que tornaram inválidos vários tópicos do New Deal, que foram colocados em prática durante um período de cem dias no ano de 1933. Contudo, embora o arranjo institucional vigente tenha, em grande parte, sido estabelecido no início da era Roosevelt, nossa compreensão sobre o funcionamento da economia foi radicalmente subvertido por John Maynard Keynes, com a publicação da General Theory of Employment, Interest and Money, em 1936.

Existem três opiniões sobre os feitos teóricos de Keynes: a conservadora, a liberal e a radical. Há aqueles que acreditam que Keynes estava simples-mente errado, outros que consideram que ele apenas aperfeiçoou a teoria econômica já existente. Outros ainda pensam que ele muito apropriadamen-te revolucionou as ideias preexistentes. Não obstante, qual quer que seja a

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visão que se possa ter de Keynes, devemos estar certos de que os atuais arranjos institucionais estabelecidos, de modo geral antes de 1936, não foram inspirados pela “revolução keynesiana”. Tudo o que temos são polí-ticas keynesianas praticadas num contexto econômico instituído sob uma perspectiva pré-keynesiana da economia.

Apesar dos insights de Keynes não terem ainda sido absorvidos, em sua totalidade, no que tange à teoria econômica em vigor e a análise política, sua mensagem de que o destino da economia capitalista é controlável foi su-ficiente para legitimar a regulação macroeconômica como função governa-mental no período pós Segunda Guerra Mundial. A lei do Emprego de 1946, que implantou a Comissão de Conselheiros Econômicos e o Comitê da Junta Econômica no Congresso, constitui um compromisso estatal nesse sentido.

Uma vez reconhecido que a política econômica pode influir no curso dos eventos, surgem respostas para questões como: “quem sairá beneficia-do?” e “que processos produtivos serão estimulados?” pelas medidas. Além disso, é sabido que as instituições são feitas pelos homens e, pelo menos em parte, como fruto de decisões conscientes, devemos também levar em conta os efeitos de arranjos institucionais e resultados sociais. Não existe um me-canismo abstrato de mercado que determina o “o que, o “como” e o “para quem”; o que existe são mecanismos de mercado específicos e históricos5.

A política econômica deve refletir uma visão ideológica; deve ser inspirada por um ideal de boa sociedade. É evidente que nos deparamos com uma falha de visão e de entendimento sobre quais deveriam ser os objetivos de uma boa política econômica. Em 1926, Keynes definiu o problema político como uma necessidade de:

promover a combinação de três coisas: eficiência econômica, justiça social

e liberdade individual. A primeira requer crítica, precaução e conhecimen-

to técnico; a segunda, um espírito altruísta e entusiástico, com amor e res-

peito ao homem comum; a terceira, tolerância, imparcialidade, apreciação

da excelência, da diversidade e da independência, e, sobretudo, oportuni-

dades sem limites ao excepcional e ao ambicioso6.

Precisamos resgatar as instituições que estimulem esta tríade de efi-ciência, justiça e liberdade.

5 Na economia contemporânea há um teorema da inefetividade da política de estabilização. (ver Tomas J. Sargent e Neil Wallace, “Rational Expectations and the Theory of Economic Policy,” Journal of Monetary economics, 1976, p. 169-83.) Teoremas desse tipo só podem ser mantidos, de fato, desde que se ignore as estruturas institucionais do mundo real. (N.A.).

6 John Maynard Keynes, no livro “Essays in Persuasion,” The Collected Writings, Vol 9, (Nova York: St. Martin’s press, 1972), p. 311. Este ensaio intitula-se “Liberals and Labor.” (N.A.)

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Dado o grande crescimento da capacidade produtiva nos últimos 50 anos, se for necessário podemos nos comprometer com metas de efici-ência econômica. Os Estados Unidos são um país rico. Isso significa que podemos abrir mão de algum produto em troca de mais justiça social e liberdade individual. Isso pode ser alcançado com intervenções na ordem econômica dos processos de mercados descentralizados. Uma vez que a existência de grandes centros de poder privado, e de enormes diferenças de riqueza comprometem as metas de eficiência, justiça e liberdade, pa-rece desejável uma política que leve à redução de algumas presumíveis vantagens de grandes empresas e enormes organizações financeiras (van-tagens que de fato nem precisavam existir). À luz da experiência recente, quando as dificuldades encontradas pelas megacorporações e instituições financeiras estão no cerne da instabilidade que assola a economia, a enor-me concentração de poder econômico, deveria, a bem tanto da eficiência quanto da estabilização, ser reduzida a dimensões administráveis.

A justiça social reside na dignidade individual e requer indepen-dência entre os centros de poder políticos e privados. Dignidade e independência são mais bem providos por uma ordem econômica na qual a renda é ganha por mérito ou troca justa. A compensação por ser-viços prestados deveria ser a principal fonte de renda para todos. A per-manente dependência à expansão dos pagamentos feitos pelos sistemas de transferências do governo, sem lastro no trabalho, é incômoda para seus beneficiários e corrosiva do tecido social. Justiça social e liberdade individual demandam intervenções em prol de uma economia de oportu-nidades na qual todos, exceto os fisicamente incapacitados, ganhem seu salário em troca do serviço realizado. O nível de pleno emprego não é, portanto, apenas um bem econômico, mas também um bem social.

Seria ingênuo acreditar na consistência mútua de todos os objetivos sociais e econômicos. Sempre que a ênfase num objetivo diminui o al-cance de outros, é preciso estabelecer prioridades. Particularmente, prefi-ro favorecer a liberdade pessoal e os direitos democráticos; a salvaguarda dos direitos de propriedade não me parece que deveria ser priorizada em detrimento da liberdade individual e de promoção da justiça social, ainda que isso nos leve a algum prejuízo de eficiência econômica, como supõe a teoria ortodoxa. Minhas posições políticas se assentam nesses princípios.

Embora esse livro seja principalmente envolvido com a teoria econô-mica e alguma interpretação da história, seu objetivo é traçar uma pauta para a reforma de nossa economia “enguiçada”. Reformas efetivas devem ser consistentes com os processos concretos da economia, sem violar a natureza das pessoas. Sem um entendimento do processo econômico, e

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sem um compromisso passional, ou até irracional com ideais democrá-ticos, qualquer agenda de mudanças pode se tornar o instrumento de demagogos que tiram partido de temores e frustrações para oferecer pa-naceias e slogans vazios7.

As propostas para reforma a serem apresentadas, ainda precisarão ser refinadas. Os detalhes precisarão ser aprimorados pelo congresso, por uma administração, e, esperamos, também pelo debate entre o público esclarecido e pensante, desejoso de contribuir para a definição de novos rumos para a economia e a sociedade8.

O maior defeito da economia capitalista é ser instável. Isso não se deve a choques externos ou à ignorância ou incompetência dos poli-cymakers, mas sim a processos inerentes a ela. As dinâmicas de uma eco-nomia capitalista com estruturas financeiras complexas e evolucionárias levam ao desenvolvimento de condições incoerentes – à inflação alta e persistente ou a depressões. Contudo, isso pode ser evitado ou pelo me-nos minimizado por meio de instituições e políticas apropriadas. Portan-to, de certo modo, podemos estabilizar a própria instabilidade9.

7 Henry C. Simons, A Positive Program for Laissez-Faire (Chicago: University of Chicago Press, 1934), reimpresso no livro Henry C. Simons, Economic Policy for a Free Society (Chicago: Uni-versity of Chicago Press, 1948), nos apresenta um programa conservador de reforma institucional e operação política que permanece como um modelo da economia política. Apesar de 50 anos terem se passado, a substância das propostas de Simon ainda vale a pena ser considerada. (N.A.)

8 Em seu trabalho de 1926 “The End of Laissez-Faire”, vol. 9, Collected Works, Essays em Persua-sion, op. cit, p. 272-94, Keynes citou Burke como o responsável pela identificação “de um dos mais interessantes problemas da legislação, ou seja, o de determinar o que o Estado deveria tomar como sua própria responsabilidade de dirigir de acordo com o conhecimento popular, e o que ele deveria deixar, com a mínima interferência possível, nas mãos dos indivíduos.” (Esta citação feita por Keynes é de McCulloch em seu trabalho Principles of Political Economy.) O con-ceito de Burke sobre os problemas da política são tão válidos hoje quanto em sua época. (N.A.)

9 Existem agora amplas evidências de que quase todos os sistemas multidimensionais, não lineares e temporais são endogenamente instáveis. Ver Richard L. Day, “Irregular Growth Cycles,” American Economy Review 72, no. 3 (junho 1982), e “The Emergence of Chaos from Classical Economic Growth”, Quarterly Journal of Economics; Alessandro Vercelli, “Fluctuations and Growth: Keynes, Schumpeter, Marx and the Structural Instability of Capitalism,” no trabalho de R. Goodwin, M. Kurger, e A. Vercelli, Nonlinear Models of Fluctuating Growth (New York: Springer, 1984); Peter S. Albin, Microeconomic Foundations of Cyclical Irregularities and Chaos, Center for the Study of System Structure and Industrial Complexity, John Jay College, City University of New York, maio de 1985. Também já se sabe que se sistemas instáveis são restringidos por tetos e pisos, então, uma análise econométrica de séries temporais resultantes indicará que o sistema é estável. Ver John M. Blatt, “On the Econometric Approach to Business-Cycle Analysis,” Oxford Economic Papers (N.S.), vol. 30 (julho de 1978). Para uma análise de séries explosivas contidas, ver Hyman P. Minsky, “A Linear Model of Cyclical Growth,” Review of Economic and Statistics XLI, no. 2, Part 1 (maio de 1959), e “Monetary Systems and Acceleration Models,” American Economic Review 47 (dezembro de 1957). (N.A.)

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