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JACQUELIN RODRIGUEZ TELLEZ FESTAS CÍVICAS E COMEMORATIVAS NO PARANÁ: A PROPAGANDA POLÍTICA DO ESTADO NOVO (1937-1945). Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel e Licenciado em História, Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa. Dra. Roseli Boschilia. CURITIBA 2007

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JACQUELIN RODRIGUEZ TELLEZ

FESTAS CÍVICAS E COMEMORATIVAS NO PARANÁ: A PROPAGANDA POLÍTICA DO ESTADO NOVO (1937-1945).

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel e Licenciado em História, Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa. Dra. Roseli Boschilia.

CURITIBA 2007

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................................... iii

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 4

1 PRIMEIRAS EXPLICAÇÕES ............................................................................................ 8

1.1 DAS DISPUTAS E INTERESSES AO GOVERNO PROVISÓRIO .................................... 8

1.2 UM BREVE ANTECESSOR: GOVERNO CONSTITUINTE.......................................... 11

1.3 SURGINDO-SE DE UM GOLPE: ESTADO NOVO ..................................................... 13

1.4 FRANCISCO CAMPOS E A REESTRUTURAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO.............. 17

2 O PROJETO ESTADO-NOVISTA E SUAS VARIADAS NUANCES....................................... 21

2.1 OS INTELECTUAIS................................................................................................. 22

2.2 EDUCAÇÃO, JUVENTUDE E SEGURANÇA NACIONAL............................................. 25

2.3 ESTRATÉGIAS DE LEGITIMAÇÃO: PROPAGANDA POLÍTICA................................. 27

2.4 MEIOS DE COMUNICAÇÃO .................................................................................... 30

3 OS ANTECEDENTES DO GOLPE E O ESTADO NOVO NA IMPRENSA ............................. 37

3.1 DEZ DE NOVEMBRO: PRIMEIRO ANIVERSÁRIO. ................................................. 42

3.2 COM AS DEVIDAS APROPRIAÇÕES ........................................................................ 46

3.3 (IN)SUSTENTABILIDADE DO ESTADO NOVO......................................................... 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 55

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 57

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RESUMO:

Este trabalho monográfico tem como tema a propaganda política varguista e sua divulgação nos meios de comunicação do Paraná. Dessa forma, o meio de comunicação escolhido foi a imprensa, selecionando para análise dois periódicos: Diário da Tarde e Gazeta do Povo. O Estado Novo foi produtor de um projeto político transmitido através da propaganda e que se fez veicular por imagens, símbolos. Também se fez pertinente no âmbito prático: no exercício e consolidação de práticas políticas, como através das manifestações e festividades. Assim, buscou-se nas fontes, o discurso veiculado para as datas comemorativas (Semana da Pátria e o Dez de Novembro), a organização das festas e a apropriação dessas pelo regime varguista. Procurou-se discutir até onde o discurso veiculado pela propaganda política foi eficaz e como se deu ao longo do Estado Novo e se as conjunturas internas e externas tornavam o discurso ainda sustentável. Ainda pretendeu-se explorar a presença de Vargas, bem como de alguns de seus ministros na evocação desse projeto político e apontar os valores que pretendiam ser transmitidos. Para consistência no reconhecimento desses objetivos, pautou-se na interpretação da propaganda política como estratégia de construção de um imaginário político e na (re)definição de identidades coletivas. Nessa direção, os meios de comunicação divulgaram a proposta do regime que se intensificava nas manifestações artístico-culturais (teatro, literatura) e nas festas cívicas ou comemorativas. Palavras-chave: Estado Novo, propaganda política, imaginário.

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INTRODUÇÃO

As discussões historiográficas a respeito dos anos 30 realizadas a partir do final da

década de 1960 levavam em conta a contemporaneidade e, retornavam, significativamente

ao momento pré-1964, na busca das raízes do autoritarismo brasileiro. A indagação frente

à realidade, estava num passado “recente” e na busca da natureza dos elementos

autoritários que se portavam como empecilhos para a consolidação da democracia no

Brasil. Foi então que, “procurando compreender o significado da experiência autoritária

mais recente, os olhares se voltaram para o período do Estado Novo (1937-1945) na

tentativa de esclarecer melhor a problemática relação entre autoritarismo e democracia”1,

que, sob a perspectiva de uma história das instituições políticas, os momentos de 30 e 37,

excluíram a maioria da população da participação política e distanciaram-se do ideal

democrático da República.

Em meados de 70, a crítica voltou-se para os modelos de interpretação empregados

a partir da Revolução de 30; àqueles que exacerbaram a omissão das classes. O reexame de

uma história marxista, a visão da história como uma forma de discurso sobre o passado e a

retomada do conceito “populismo”, entre outras muitas formas de se repensar a história

política levou os historiadores para outros interesses e outras preocupações de pesquisa

sobre o que passamos a chamar de ‘anos 30’2, ou a Era Vargas, através de novas e

múltiplas abordagens. Ângela C. Gomes insiste na determinação desse período como uma

“situação de indeterminação política [...], rica em exemplos de continuidade e

descontinuidades políticas, cuja [...] marca essencial é a instabilidade”3.

Nos anos 80, a concepção de História como um campo de múltiplas possibilidades,

permitiu trabalhar com pluralidades4 . Dessa forma; “nos anos trinta deste século, a década

se inicia com uma ruptura institucional, consagrada desde então como Revolução de 30,

terminando sob a égide de nova ruptura, a decretação do chamado Estado Novo”5.

1 FREITAS, Marcos Cezar (org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2003. p. 191. 2 OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela M Castro. Estado Novo.

Ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.181. 3 BORGES, Vavy Pacheco. “Anos trinta e política: História e Historiografia”. In: FREITAS, M.C.(org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 2003, p.179. 4 “A historiografia que se interessou, mais recentemente, pelo tema propõe um caminho inverso ao percorrido na elaboração das interpretações generalizantes: privilegia as particularidades nacionais e os recortes mais específicos”. (CAPELATO: 1999:24). 5 BORGES, Vavy Pacheco....Op.Cit., p. 160.

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É a partir dessa década que as pesquisas se voltam para aspectos políticos e

culturais específicos dessa experiência com novos elementos permitindo a compreensão

dessa realidade histórica e admitida na “história do tempo presente”6. O poder não é posto

de lado, ao contrário, é interpretado por “outros prismas”, com a exploração de novos

temas: a relação cultura e política ou a história das representações políticas 7(imagens,

símbolos, mitos, utopias), ou suas estratégias de pôr-se em ação8. Vale lembrar ainda que

essas novas abordagens permitiram a revisão de conceitos anteriormente empregados pela

historiografia quanto a caracterização dos regimes e acrescentaram novas discussões, como

a questão de regimes totalitários, com sua ausência e presença de características que assim

o poderiam adjetivar.

Nessa perspectiva, o livro Estado Novo: ideologia e poder propõe-se a revelar o

que foi, a nível doutrinário, a proposta do Estado Novo, analisando os pressupostos

ideológicos deste regime, a partir da produção dos intelectuais e a influência dessas idéias

sobre seus contemporâneos. Os princípios doutrinários estão assim, remetidos às relações

com a cultura, às formas de organização política e econômica; um todo organizado que se

ocupara de pensar o indivíduo, a sociedade e o Estado.

Do mesmo modo, a abordagem acerca do imaginário político durante o governo

Vargas, proposta por Alcir Lenharo em Sacralização da política9, exemplifica a abertura

da historiografia para novos elementos. “O autor investigou o período por meio de textos

políticos e literários, identificando não só a construção de um imaginário voltado para a

reafirmação do controle social”10, mas o modo como o uso de imagens religiosas foram

convertidas no discurso político: a apropriação de imagens religiosas e sua capacidade de

persuasão sendo aliada para fins políticos.

Em 1937, com a instauração do Estado Novo, a sociedade brasileira passa a

vivenciar a emergência de um Estado intervencionista e autoritário.

Este trabalho tem por objeto a propaganda política do Estado Novo e a relação com

as festas cívicas e comemorativas no Paraná, por meio dos jornais Diário da Tarde e

Gazeta do Povo. A leitura da fonte realiza-se dentro de um referencial amplo, o projeto

6 CAPELATO, Maria Helena. “Estado Novo: novas histórias.” In: FREITAS, M.C.(org.) Historiografia

Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 2003. p.190. 7 CAPELATO, Maria Helena...Op. Cit., p. 191-197. 8 Aproprio-me de “estratégias” para entendê-las como os meios cooptados para a divulgação da doutrina estado-novista. 9 LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas: Papirus, 1986. p. 13. 10 CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: a propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus, 1999, p. 29.

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político do Estado Novo. Esses dois jornais, de modo semelhante aos demais meios de

comunicação, contribuíram para a manutenção do regime, omitindo-se de qualquer crítica.

No centro de interesses dessa pesquisa está a dinâmica que operou no campo do

imaginário e da representação social. Uma complexa dinâmica que fez uso da propaganda

política para se fazer operar. E essa, recorreu a mecanismos e estratégias (comemorações,

festas) de arregimentação/cooptação (de intelectuais, dos meios de comunicação e do

povo), com o objetivo de lhe ser conferida legitimidade. A pesquisa ocupou-se de duas

datas comemorativas: o Sete de Setembro e o Dez de Novembro, e a apropriação pelo

governo dessas datas para divulgar suas propostas, para enaltecer categorias presentes no

discurso político, para reforçar a arregimentação da população e principalmente, para sua

legitimação.

Cada comemoração utilizada implicou em divulgar algum aspecto do regime

estado-novista, bem como, cada uma mobilizou recursos e foi apropriada diversamente.

Elementos, conceitos e mobilização se combinaram e produziram variados efeitos. Dentre

os efeitos, o mais esperado era a obtenção do apoio necessário à legitimação do novo

poder, oriundo de um golpe. Efeito conseguido, até o momento em que ficou insustentável

historicamente. A opção em trabalhar esses eventos entendidos como “festas” partiu de

toda teatralização que elas encenavam, a partir do discurso nos jornais. O imaginário então,

veio a englobar todo o questionamento necessário para discutir festas, representação e

discurso. Uma ampla discussão teórica preencheu esse trabalho, situando-o e justificando.

A prática política, na dependência de um emissor (Estado Novo), cria mecanismos

que permitem à propaganda servir como representação do mundo social; com suas

configurações sociais e conceituais próprias de um tempo e de um espaço11, dessa forma a

propaganda política será analisada, em linhas gerais, principalmente quanto aos

procedimentos operacionais que dispôs para regular o cotidiano e como foi seu uso

enquanto representação.

A divulgação do discurso estado-novista, a convocação e toda organização voltada

para as comemorações (as estratégias de propaganda), implicam na estreita relação entre

significantes (discurso político do Estado Novo) e seus significados (representações); num

processo de evocação, transmissão e emprego de conceitos, traduzidos na palavra e ação.

11 CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; Lisboa: Difel, 1990, pp. 16-17.

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Nesse trabalho, discutiu-se essencialmente, o uso da propaganda política através

dos discursos nos jornais quanto às festas cívicas e comemorativas, lhe conferindo o

caráter de construção do imaginário12, bem como caráter de manutenção do regime

autoritário.

Distribuiu-se o tema, ao longo desse trabalho em três capítulos. O primeiro capítulo

permitiu uma abordagem do período de 1930 a 1937, tratando os aspectos considerados

relevantes sobre os diferentes momentos que se configuraram a partir do movimento que

levou Getúlio ao poder (Revolução de 30), passando pela instalação do governo provisório,

o governo constituinte até o Golpe de 1937, com a instauração do Estado Novo.

O segundo capítulo discute o autoritarismo, aborda a construção do projeto político

do Estado Novo e a adesão dos intelectuais. Discutimos o nacionalismo, o discurso

ideológico na educação e na cultura. Na educação, a preocupação era incutir no jovem a

disciplina vinculada aos deveres cívicos e morais para com a Pátria. Com relação à cultura,

mencionamos os intelectuais, iniciamos a discussão sobre propaganda política e as formas

por ela utilizada para se fazer divulgar, no nosso caso, os meios de comunicação, onde a

imprensa ganha relevância. Abordamos de forma ampla o embasamento teórico na

conceituação das festas, do imaginário, para dar a entender como a fonte fora abordada. E,

iniciamos com a Semana da Pátria e seus aspectos principais: os valores a serem

transmitidos, a movimentação para os festejos decorrentes na Semana, os desfiles, aqueles

que tomariam parte do evento.

O terceiro capítulo trata da Comemoração do dia Dez de Novembro,

problematizando seu caráter legitimador e a apropriação da data, no caso paranaense, tanto

para enaltecer o regime, como para lançar medidas políticas. Ainda nesse capítulo

procurou-se delinear os efeitos do contexto internacional, lembrando que os anos finais do

Estado Novo vão sofrer forte influência do clima de guerra instalado.

Assim, iniciamos com o panorama de Vargas no poder, desde a Revolução de 30

até a instauração do Estado Novo.

12 “A elaboração de um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer regime político. É por meio do imaginário que se podem atingir não só a cabeça mas, de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro”. CARVALHO, José Murilo de. A

Formação das Almas: o imaginário da República do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.10. Carvalho trabalha com o imaginário social expresso por alegorias, rituais e mitos, porém, na transição para a República no Brasil. E também é importante mencionar que o Estado Novo pode ser também entendido, num contexto de transição, onde “a manipulação do imaginário social é particularmente importante em momentos de mudança política e social, em momentos de redefinição de identidades coletivas.” Op. Cit., p.11.

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1 PRIMEIRAS EXPLICAÇÕES

Este capítulo tem por objetivo problematizar questões relacionadas ao contexto

político brasileiro durante a primeira fase do governo Vargas. A análise buscará enfocar

especificamente o período de 1930 a 1937, com ênfase nesse último ano, com a instauração

do Estado Novo, tema central da nossa pesquisa.

Ao longo do trabalho de pesquisa de fontes bibliográficas, deparou-se com uma

discussão instigante acerca da questão de continuidade nesse percurso enfatizado. Mesmo

com suas divisões, teve uma única representação política firmada na figura de Getúlio

Vargas. As leituras e discussões, que por ora respondiam essa questão e a deixavam bem

delineada, por outra vez, rompiam a noção de continuidade e justificavam-se pelas

especificidades e pelo tratamento exclusivo de cada período escolhido. Porém, se fará

perceber, que a permanência de Vargas no poder se deu como uma continuidade em

determinados âmbitos e alianças. E essas relações englobaram-se no projeto político que se

julgava estar pleno de consolidação em 1937. Entendemos por “determinados âmbitos e

alianças” (que tomam a caracterização de continuidade) a participação das Forças

Armadas, a constante defesa do nacionalismo, a crítica ao liberalismo, o combate ao

comunismo e a conseqüente censura e repressão em nome da segurança nacional.

Assim, segue: o panorama para a ascensão de Vargas em âmbito nacional e o

decorrer dos acontecimentos que, manipulados ou não, efetivaram o Estado Novo.

1.1 Das disputas e interesses ao Governo Provisório

O presidente na época era Washington Luís (1926-1930). Época essa que inicia a

fase nacional da vida política de Getúlio Vargas. Governando com certo autoritarismo,

Washington Luis tinha como preferência política na sucessão presidencial o então

presidente de São Paulo: Júlio Prestes de Albuquerque. Algo que contrariava a política

“café com leite”, levada a efeito desde a instauração da República13. Seguindo essa ordem,

13 Para uma análise da Primeira República (aspectos políticos e econômicos), perpassando a crise dos anos Vinte, até a Revolução de Trinta, conferir o texto de FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos 20 e a Revolução de Trinta. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006. O texto aborda a política dos governadores (e as tentativas de neutralização dos conflitos), discute o federalismo, os conflitos políticos

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a presidência deveria ser substituída por um representando mineiro: Antonio Carlos

Ribeiro de Andrada. Não sendo a escolha, Antonio de Andrada lança a candidatura de

Getúlio Vargas, então presidente do Rio Grande do Sul, em aliança com a Paraíba, tendo

João Pessoa como companheiro de chapa. Eis então, a Aliança Liberal. Em São Paulo era

apoiada pelo Partido Democrático (fundado em 24 de fevereiro de 1926), por facções civis

e militares descontentes.

Sob o lema “Representação e Justiça,” sua plataforma estava voltada

fundamentalmente para a regeneração política, o que implicava na luta pela reforma

eleitoral, na defesa do voto secreto, na moralização dos costumes políticos e pela liberdade

individual. O programa propunha além das já mencionadas reformas políticas, a anistia

para os revoltosos dos anos vinte e medidas de proteção ao trabalho como a aplicação da

lei de férias e a regulamentação do trabalho de menores e o da mulher.

A campanha crescia em violência e agressividade, mas os candidatos à sucessão

não se hostilizavam pessoalmente. Vargas seguia na ressonância das promessas feitas aos

trabalhadores, ao povo e aos humildes14.

“A eleição era uma farsa, com resultado previamente conhecido. A fraude

campeava livremente em todo o território nacional. E nem podia ser de outra maneira.

Havia um sistema eleitoral preparado para assegurar a permanência dos donos do poder”15.

Confirmava-se a permanência temporal das oligarquias e sua união pela hegemonia no

território político. As eleições realizadas em primeiro de março de 1930 deram vitória, na

maioria dos estados para a chapa governista Júlio Prestes e Vital Soares.

João Neves da Fontoura, então vice-presidente do Rio Grande do Sul frente aos

eventos, anuncia sua previsão: “Sabíamos que à nossa frente somente se abriam dois

caminhos: a adesão ao vencedor ou a revolução.” Porém, tentava deixar claro um

pensamento manifestado por representantes da Aliança Liberal: “a revolução seria um

crime monstruoso, um crime contra a Pátria”. Os adeptos contrários ao resultado eleitoral

estavam dispostos, inicialmente, a apelar através dos recursos legais, partindo em seguida

para um movimento armado que apontasse às irregularidades de natureza eleitoral que se

repetiam.

intra-oligárquicos (o coronelismo), as “máquinas eleitorais”, o movimento tenentista, acompanhando de revisões historiográficas a partir de diferentes vertentes explicativas para o movimento de outubro de trinta. 14 FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos 20 e a Revolução de Trinta . Rio de Janeiro: CPDOC, 2006, p. 15-16. 15 SILVA, Hélio. O pensamento político de Vargas. Porto Alegre, L&PM: 1980, p.45.

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A sucessão presidencial de 1930 atentava para a mudança das instituições, que nada

mais era do que uma influência do processo de renovação da sociedade, advindo da

Primeira Guerra Mundial16. Faltando para tal um fator que a desencadeasse. A Revolução

de Outubro de 1930 encontra no assassinato do presidente da Paraíba e candidato à vice-

presidência João Pessoa um fator17. Sob forte pressão popular e se aproveitando disso,

Oswaldo Aranha e os adeptos da Revolução marcaram sua eclosão para o dia 3 de outubro.

Em Porto Alegre, iniciava-se, o ataque aos quartéis das guarnições federais, seguindo-se de

outras ações semelhantes no interior do estado. Dois dias depois, todo o Estado já se

encontrava em poder dos revolucionários. A subversão multiplicava-se por todo o território

nacional e as tropas arregimentadas no sul marchavam em direção ao estado de São Paulo.

Em suas divisas, em Itararé, dever-se-ia travar a batalha “decisiva”, enquanto o governo

federal (quase sem controle da situação na maioria dos estados e na capital da República)

vê a conspiração invadir os quartéis e depor o presidente Washington Luís (24 de outubro).

As tropas revolucionárias seguiram comandadas pelo tenente-coronel Góis Monteiro.

Em caráter provisório, uma junta governativa militar aguardava a chegada do

comando revolucionário ao Rio de Janeiro. Em novembro de 1930, Getúlio Vargas recebe

da Junta Governativa Militar a chefia do Governo Provisório (1930-1934).

O governo provisório inaugura um novo discurso, fundado na incompetência dos

ideais liberais e, como qualquer governo revolucionário, inaugura-se através de medidas

punitivas e repressivas, afastando àqueles que tendiam a insuflar qualquer combate frente à

nova situação18. Inicia-se a fundação do pensamento autoritário brasileiro e de um projeto

de centralização do poder.

A situação constitucional no país não está normalizada. De ordem política, tem

ainda que enfrentar como problema a nomeação dos interventores para a quase totalidade

dos estados, em substituição aos velhos chefes republicanos, às oligarquias e privilégios

regionais.

16 Idem., p.47. 17 Tal acontecimento inesperado deu força à conspiração revolucionária. Em 26 de julho de 1930, o candidato a vice da Aliança Liberal, João Pessoa, foi assassinado em Recife. Embora as razões do crime tenham sido passionais e não políticas, ele foi transformado em mártir do movimento que se articulava. 18 “O movimento revolucionário de 1930 no Brasil insere-se em uma conjuntura de instabilidade, gerada pela crise mundial aberta em 1929, que caracterizou toda a América Latina. Ocorreram aí onze episódios revolucionários, predominantemente militares, entre 1930-1932. O golpe militar do general Uriburu na Argentina (setembro de 1930) teve um efeito de demonstração no Brasil, onde foi saudade, nos meios de oposição, como um exemplo a ser seguido.” Ver: FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Edusp: 2002, p.181.

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É com o 3 de outubro de 1930 que se põe fim ao período que ficou conhecido como

Primeira República. E Vargas, justificava a Revolução19 com a promessa de reforma das

instituições e regeneração dos costumes políticos. Para a questão da reconstitucionalização

do país discursava:

Pretender apressar, com açodamento, a volta ao constitucionalismo seria, talvez, recair na amarga experiência do regime anterior, tornando inúteis os sacrifícios impostos pela Revolução. Não faremos construção duradoura se não a levantarmos com esforços leais e edificante seriedade.

Tudo virá a seu tempo. O regresso constitucional é aspiração comum. Realizar-se-á, porém, com o desenvolvimento lógico dos fatos sob o amparo de uma nova mentalidade” 20.

Esta mesma ausência de rapidez na melhor acomodação das estruturas políticas se

fará presente ao longo de todos os anos, até o fim do Estado Novo. A “espera do melhor

tempo” e o reconhecimento dos “desejos aclamados por muitas vozes” entendidos como

“interesses coletivos” serão sempre colocados como justificativas para a tomada de

atitudes autoritárias.

Em São Paulo, a situação se agravava. Alguns desejos eram aclamados, como a

resistência contra os atos dos interventores nomeados pelo governo federal. Em 9 de julho

de 1932 inicia a Revolução Constitucionalista: um movimento paulista de reconquista da

hegemonia político-econômica do estado, que termina nos primeiros dias de outubro.

Armando de Salles será interventor em 1933.

Várias vozes contestadoras deixam-se falar: a imprensa passa a protestar contra as

restrições à liberdade de informação e de opinião e quanto à demora na convocação de uma

Assembléia Constituinte. Bem como, a Guerra Paulista de 1932 pedia o retorno dos

quadros constitucionais da Primeira República (com o objetivo do restabelecimento da

hegemonia político-econômica do estado). Uma comissão é então formada para organizar

um Anteprojeto de Constituição e as eleições são marcadas para o dia 3 de março de 1933.

19 Esse trabalho não tem a intenção de discutir a despeito da polêmica instalada, ainda nos anos oitenta, sobre as vertentes explicativas da Revolução de 30 (DE DECCA, 1981 ; FAUSTO, 1970). Não propomos aqui uma revisão ou uma alternativa para tal abordagem, mas deixamos saliente que a dimensão dada ao acontecimento que o torna um "marco"deve receber ressalvas, pois a atração de vários outros acontecimentos a ele, faz com que esses deixem de ser entendidos como acontecimentos sincrônicos ou com aproximação. Para nós, são os desdobramentos da Revolução de 30 que a tornam importante. 20 Palácio do Catete, 4-5-1931, ver:VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil - I. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, pp. 123-124.

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1.2 Um breve antecessor: Governo Constituinte

Vargas nesse período tomava a revolta paulista como estado de coisas esperadas

visto a última sucessão presidencial, que trouxe desentendimento entre as classes

governamentais, e como resultado de um descontentamento generalizado. Assim, retornava

aos ideais da ‘revolução’, justificando a função do Estado da seguinte maneira:

o movimento de outubro de 1930 deixou de ter o caráter de simples pronunciamento partidário para desencadear-se como força de ação social, assumindo o aspecto de verdadeira insurreição nacional e impondo, consequentemente, conquistas amplas e profundas no terreno econômico e político. (...) O Estado qualquer que seja o seu conceito, segundo as teorias, nada mais é, na realidade, do que o coordenador e disciplinador dos interesses coletivos, ou a sociedade organizada como poder, para dirigir e assegurar o seu progresso. Toda estrutura constitucional implica, por isso, na estrutura das funções do Estado21.

E continua seu discurso, enfatizando que a questão da representação de classes seria

contemplada na nova Carta Constitucional.

[A representação de classes tentada na Constituinte é] assunto de viva atualidade, em matéria de organização do poder público, a representação de classes ou grupos sociais foi agitada, entre nós, ao cogitar-se de dar nova Constituição ao país. Justifica-se, assim, a solução adotada, em caráter de ensaio, pelo decreto que regulou o processo de distribuição dos grupos sociais para escolher os seus representantes nesta Assembléia, que resolverá, definitivamente, sobre o assunto, atenta à sua importância e oportunidade”22.

Vargas instalava a Assembléia Nacional Constituinte a 15 de novembro de 1933. A

Assembléia Nacional Constituinte, por meio de manobra política, elegeu Vargas como

presidente da República (1934-1937), antes mesmo de promulgar a nova Constituição. Em

16 de julho de 1934 era promulgada a Nova Constituição do Brasil. O mandato

presidencial deveria se estender até 3 de maio de 1938.

Em novembro de 1935, uma insurreição político-militar promovida pelo Partido

Comunista Brasileiro (PCB) provocou no governo medidas enérgicas de segurança. Vargas

e os interessados em estabelecer um sistema autoritário aproveitam-se do evento de 35, sob

o pretexto de combater o comunismo. O Congresso aprova a decretação do “estado de

guerra”, com duração até junho de 1936. Chefes comunistas são procurados e com a

criação do Tribunal de Segurança Nacional, são julgados acusados por crimes contra o

Estado. “O Tribunal de Segurança Nacional fora criado com o fim único e exclusivo de

julgar os implicados na chamada Intentona Comunista e o PCB, na clandestinidade”23.

21 VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil - III. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, p. 25. 22 Idem, p. 33. 23 CAMPOS, Reynaldo Pompeu de. Repressão Judicial no Estado Novo: esquerda e direita no banco dos

réus. Rio de Janeiro: Achiame, 1982, p. 53.

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1.3 Surgindo-se de um Golpe: Estado Novo

Em janeiro de 1937 inicia-se a disputa pela campanha presidencial das eleições de

janeiro de 1938. Aparecem como candidatos: Armando de Salles Oliveira, José Américo

de Almeida e Plínio Salgado, pelos Integralistas.

Em setembro de 1937, Vargas dava indicativos de preparar um golpe de Estado

pondo fim à luta sucessória. Ainda em setembro, já decidido a cancelar as eleições, Getúlio

encarrega o deputado mineiro Francisco Negrão de Lima a visitar a maioria dos

interventores dos estados a fim de informá-los sobre os acontecimentos e obter

concordância e adesão de cada um deles ao projetado golpe. Na imprensa paranaense

veiculou-se:

SERÃO ADIADAS AS ELEIÇÕES?

(RIO,30) Escreve o “Correio da Manhã”: confirmou nosso registro sobre a ida no norte, em avião especial, do deputado mineiro Negrão de Lima. E foi ele de Victoria a Sergipe, pulando sobre a Bahia, como ainda de Maceió a Cabedello, sem pouso em Recife.

Pernoitou ontem em Fortaleza, para continuar sua excursão pelas capitaes do norte.

A partida brusca do deputado mineiro, viajando sozinho, e sem se avistar com nenhum colega, foi motivo para os mais diversos comentários. Admitia-se que essa missão só podia estar ligada a um plano político de importante alcance, envolvendo, na sua execução, a possibilidade do adiamento das eleições de 3 de janeiro. Em certas fontes, falava-se ao mesmo tempo de três fórmulas, que teriam sido levadas pelo emissário ao conhecimento dos governadores que ia visitar. Nas não se precisava o teor dessas fórmulas.

O jornal paranaense expressava certa preocupação com as notícias vindas da capital

federal, e continuava:

O que é evidente, pela partida brusca do deputado mineiro, sem se avistar com os seus colegas, é que lhe coube virtualmente levar uma carta de prego. Em todo o caso, por ilações naturaes, e dando-se a devida importância ao facto de não tocar o sr. Negrão de Lima na Bahia e Pernambuco, não é desacertado atribuir-lhe a missão de desenvolver demarches junto aos governadores que ainda não tinham opinião pré-concebida, quanto á possibilidade do adiamento das eleições de 3 de janeiro. Os governadores da Bahia e do Pernambuco tinham manifestado já atitude que não lhes permitia mais, por iniciativa própria, examinarem qualquer solução de que decorressem aconselharem a não realização das eleições geraes. Mas, provocado o movimento geral dos governadores, e uma vez que prestigiam a manutenção da ordem, não teriam dúvida em fazer parte do côro geral”24.

Nesse ínterim, em final de setembro de 1937, “aparece” no Estado-Maior do

Exército um documento datilografado por um oficial ligado ao integralismo: um plano de

ação comunista destinado a subverter a ordem pública do Brasil; o Plano Cohen25. O

24 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 30 de outubro de 1937. 25 “Em 28 de setembro, Góis Monteiro, Chefe do Estado-Maior, garantiu à imprensa que os rumores de um corp d état não tinham fundamento. Mas no dia seguinte o Ministro da Guerra, General Dutra, falou a nação

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presidente Vargas tendo em vista a possibilidade de uma nova ação de esquerda que viesse

a ameaçar a segurança nacional, solicita ao Poder Legislativo a aprovação, mais uma vez,

do estado de guerra, em primeiro de outubro de 1937:

“MOMENTO NACIONAL:

Aos jornalistas norte-americanos no Rio, o sr. Getúlio Vargas declarou o Estado de Guerra uma medida para combate exclusivo a propaganda comunista, em nada afetando o pleito de 3 de janeiro.

Serão creadas nos Estados comissões mistas para superintender a execução do Estado de Guerra. (...)”26

Getúlio Vargas, exonerando o sr. Macedo Soares da pasta da justiça, nomea para

substituí-lo Francisco Campos. Encarrega-o da elaboração de uma Carta Constitucional27, a

ser outorgada e em substituição a de julho de 1934:

PROJECTADA REFORMA DA ESTRUTURA DO REGIME

(RIO,9) A propósito das notícias sobre uma projectada reforma da estructura do regime, cujas origens não são bem conhecidas, sabe-se que desde cerca de três meses está redigido um esboço de Constituição. Elaborou-o o sr. Francisco Campos. (...)28

No Rio Grande do Sul, o interventor Flores da Cunha procurava fortalecer sua

posição aumentando os efetivos da Brigada Militar. A essa altura já se espalhara a notícia

da intenção do governo de interromper o processo eleitoral.

Contingentes do Exército e da Polícia Militar do Distrito Federal foram colocados

em frente dos prédios da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, impedindo a entrada

de qualquer pessoa. Então, em 10 de novembro de 1937, a Câmara dos Deputados, o

Senado Federal, as Assembléias Estaduais e as Câmaras Municipais são dissolvidos29,

passando o presidente a governar através da expedição de decretos-leis. O mandato do

presidente é prorrogado até a realização de um plebiscito nacional. É o advento do Estado

Novo30.

pela ‘Hora do Brasil’, exigindo um novo estádio de sítio como resposta a um sensacional documento de dez mil palavras, apreendido de fontes comunistas na clandestinidade, com planos para uma revolução violenta. Forjicação barata, o Plano Cohen fora fabricado por agentes integralistas e passado às mãos de Góis pelo Capitão Olímpio Mourão filho, chefe dos serviços de propaganda da AIB.” In: LEVINE, Robert M. O regime

de Vargas (1934-1938: os anos críticos). Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1980. p. 223. 26 GAZETA DO POVO, Curitiba, 13 de outubro de 1937. 27 As constituições tinham um caráter em certo ponto negativo: declaravam os limites do governo, ou o que ao governo não era lícito restringir ou limitar, ou seja; interferir nas liberdades individuais. 28 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 10 de novembro de 1937. 29 MATHIAS, Herculano Gomes. Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: Ediouro: 1983, p. 60. 30 “(...)os episódios que antecederam o golpe de 1937 merecem tratamento e revisão crítica, não tanto para questionar a tese da ‘vinculação natural’entre e revolução e o golpe,quanto para analisar a complexidade do

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Nas palavras de Vargas:

“O movimento revolucionário irrompido a 3 de outubro era uma reação espontânea, incoercível da consciência brasileira. (...) Assim, veio o 10 de novembro, movimento orgânico, completo e integral, que, dando estrutura política às reivindicações de 1930, restaurou o Brasil nas suas tradições históricas e nas glórias do seu passado. (...) A Revolução continuava e entrava, afinal, no seu período construtor.31”

Assim, o Estado Novo punha fim a um regime artificialista de interesses

particulares32, aplicava censura àqueles que combatiam o Estado Novo e facilidades

àqueles que o enalteciam, combateria fortemente o comunismo e qualquer doutrina de

caráter internacional, pois essas atentavam contra a unidade da nação e sua estrutura

política e social, e pela centralização administrativa acabava com os partidos políticos; não

havendo mais intermediários entre o chefe e o povo.

Fica evidente, ao analisarmos os momentos políticos referidos, a grande habilidade

de Vargas. Principalmente a sua habilidade em manipular um extremo contra o outro,

produzindo um clima pessimista para viabilidade de uma política aberta33. E foi nesse

clima, que se tornava apto o seu novo golpe. A política brasileira envolvia-se mais uma vez

no clima de continuidade e permanência no poder de uma ideologia que buscava e primava

o seu constante aprofundamento a partir da realidade brasileira.

A ação do governo Vargas pode ser vista por dois aspectos distintos: de

organização e formação do Estado, e à ação de governo propriamente dita34. As ações de

formação do Estado são aquelas que têm a ver com a adoção de políticas governamentais

específicas (englobadas dentro de estruturas políticas ou ideológicas), por exemplo, na

política externa, nas prioridades econômicas, na política migratória. São as políticas que,

pragmáticas ou não, permearam todo o regime estado-novista.

momento político, discriminando a natureza e os componentes essenciais de um período conflituoso que trazia em seu bojo um feixe e alternativas, senão prováveis, ao menos possíveis.” In: CAMARGO, Aspásia (et al). O golpe silencioso. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1989, p. 10-11. 31 VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil - VIII. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, pp. 143-145. 32 “A mudança veio sem grande fanfarra e sem visíveis protestos, como se fora de há muito esperada. Na noite do dia 10, Vargas falou à nação pelo rádio do seu escritório no Palácio Guanabara. Explicou que o golpe fora executado a fim de salvar a nação de candidatos presidenciais demagógicos e oportunistas, que visavam apenas a legitimar suas ‘ambições pessoais caudilhistas’; e pediu firme autoridade para poder fazer face às necessidade econômicas do país e por fim ao divisionismo político. O pagamento da dívida pública externa seria interrompido; as Forças Armadas seriam reequipadas; e o governo inauguraria um vasto programa de obras públicas e construção rodoviária e ferroviária. Fora compelido a agir, disse, em atenção ao apelo de brasileiros patriotas”. In: LEVINE, Robert M. O regime de Vargas (1934-1938: os anos críticos). Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1980. p. 229. 33 SKIDMORE. Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 42. 34 SCHWARTZMAN, Simon (org.). Estado Novo, um auto-retrato. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983, p. 68.

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As ações referidas ao Estado, afetam a própria estrutura das instituições de que o

governo dispõe; sua eficiência organizacional, seu sistema de segurança, seus

procedimentos operacionais para o cotidiano.

Na prática, os limites entre estas duas coisas nunca são nítidos, já que modificações

de ordem estrutural são normalmente feitas tendo em vista objetivos de política

governamental determinados, e estas, por sua vez, geram freqüentemente estruturas estatais

mais duradouras. Essa discussão é pertinente e se manterá ao longo do trabalho, pois

estruturas políticas e ideológicas permearam todo o Estado Novo. E, em se tratando de

ações referidas ao Estado, a propaganda política será analisada, em linhas gerais,

principalmente quanto aos procedimentos operacionais que dispôs para regular o cotidiano

e como foi seu uso enquanto prática de representação social. Portanto, são analisadas duas

datas apropriadas pelo governo (como propaganda política35) e comemoradas pela

sociedade, que desde sua preparação e participação vão contar com uma estruturação do

cotidiano.

De certa forma, a geração que assumiu o poder a partir de 1930 tomou para si e viu

como tarefa principal a responsabilidade da reorganização total do Estado brasileiro. E que,

depois de efetivada esta organização, as “boas políticas” decorreriam quase que

naturalmente, pois já estariam plenamente consolidadas. Em teoria, as coisas até que

poderiam ser assim. Mas estruturas criadas nos anos anteriores sobreviveram, de tão

arraigadas que estavam e se mantinham, bem como muitas foram apropriadas e

transformadas em “caricaturas” de suas intenções iniciais36.

A história política brasileira apresenta a especificidade de uma sociedade

diversificada e assim, não constituída em torno de interesses sólidos e, nem capaz de

sobrepor-se ao Estado. Ao contrário, a nossa circunstância se mantém próxima a do Estado

mais forte que a sociedade.

35 “1937 assinala o ano em que as ideologias totalitárias atingem o auge do seu prestígio. E os representantes de tal mentalidade no Brasil, por esse tempo, já se estão familiarizando com os prodígios de eficiência da nova arma com que ela pretende conquistar o mundo. Porque agora, a Propaganda vai ser o instrumento de modelação do pensamento humano. Baseada nas últimas conquistas da psicologia, na aplicação prática das pesquisas sociológicas, no aproveitamento dirigido das técnicas de transmissão, levados quase a milagre na difusão da palavra e da imagem, ela surge nesta altura do século XX com um poder quase infernal. E já não pretende apenas despertar a atenção do homem para os sortilégios da publicidade comercial. Quer ir mais longe. Muito adiante. Até os limites de plasmar e replasmar o pensamento humano". In: ARAUJO LIMA, Claudio de. Mito e realidade de Vargas. Ed. Civilização Brasileira. RJ, 1955, pp. 109-110.

36 SCHWARTZMAN, Simon (org.) Estado Novo, …Op. Cit.,p.126.

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1.4 Francisco Campos e a reestruturação do Estado brasileiro

No livro O Estado Nacional, Francisco Campos elabora os fundamentos políticos e

ideológicos que justificariam a criação de um Estado autoritário que deveria substituir o

Estado liberal-democrático, em processo de decadência e desintegração. O pressuposto que

acompanha essa justificativa é o da falência da experiência liberal-democrática que

resultaria na afirmação de que o totalitarismo seria como um imperativo dos tempos

modernos.

Em tempos modernos, o Estado então moderno seria essencialmente um Estado de

ideais. Assim, somente um Estado portador de uma ideologia específica e precisa

desenvolveria a missão evolutiva a partir de um eixo ideológico definido, garantindo uma

eficácia ímpar no esforço de condução das massas.

O pressuposto fundamental de Francisco Campos é o de que vivemos em um

Estado de massas e, conseqüentemente, os mecanismos de integração política utilizados

pelo liberalismo, não se adaptam a essa configuração. No mundo moderno predomina a

cultura de massa, que acaba gerando a mentalidade de massa. Nesse ambiente, a ação

política é tomada pelos apelos e recursos destinados a mobilização e por novas formas de

integração pela ampliação e difusão dos meios de comunicação. Nessa diretiva, torna-se

possível um estudo da interpretação do poder em outras formas políticas, como a partir da

propaganda política, onde essa “vale-se de idéias e conceitos, mas os transforma em

imagens e símbolos; os marcos da cultura são também incorporados ao imaginário que é

transmitido pelos meios de comunicação”.37 É preciso então que se construa um mundo

simbólico capaz de arregimentá-las, unificando-as de forma que esse mundo simbólico de

adapte "às tendências e aos desejos" das massas.

Em julho de 1934, Getúlio Vargas criou o departamento de Propaganda e Difusão

Cultural junto ao Ministério da Justiça. Esta decisão fez parte, sem dúvida, de um esforço

de colocar os meios de comunicação de massas a serviço direto do poder executivo38. O

departamento tinha como objetivo "a propaganda em si mesma, destinada a discutir de

público os imperativos do Estado moderno, mostrando o sentido de suas realizações, a fim

de conseguir o máximo de colaboração dos cidadãos. A tarefa do novo departamento

37 CAPELATO, Mª Helena R. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e peronismo. Campinas: Papirus: 1998, p 36. 38 Uma iniciativa à qual não faltava a influência do Ministério de Propaganda Alemão.

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deveria ser mais de experimentação, estudando a utilização do cinema, da radiotelegrafia e

de outros processos técnicos, no sentido de empregá-los como instrumentos de difusão39".

Nesse jogo de articulação racional da “irracionalidade” das massas, Francisco

Campos irá privilegiar o papel do líder carismático como centro da integração política e

como sustentação da construção autoritário, de influência totalitária:

O que o Estado totalitário realiza é mediante o emprego da violência, que não obedece, como nos Estados democráticos, a métodos jurídicos. (...)

No Estado totalitário, se desaparecem as formas atuais do conflito político, as formas potenciais aumentam, contudo, de intensidade. Dai a necessidade de trazer as massas em estado de permanente excitação40.

O Estado Novo se caracterizava por um clima de ordem garantida pela existência

do líder: um chefe em comunhão com o povo de que se fez guia e condutor. Somente o

chefe pode tomar decisões porque ele encarna na excepcionalidade de sua natureza, à

vontade e os anseios das massas. É essa potencialidade intransferível que assegura o

caráter popular do novo Estado, numa perfeita relação entre as duas entidades do regime: o

povo e o chefe.

Francisco Campos também faz sua crítica frente à política brasileira: aos desvios

que o país foi sofrendo depois da Revolução de 30, que se tornou alterada, segundo ele,

dos seus propósitos fundamentais e iniciais. Justificava isso pelo predomínio de políticos

no cenário das decisões. A Revolução teria sido frustrada pela precipitação da

reconstitucionalização (numa referência direta a Constituinte de 1934) que se utilizou dos

arquétipos arraigados anteriormente para dar cobertura à ação pessoal de chefes e

oligarquias locais.

Uma discussão também promovida pelos seus contemporâneos permite concluir

que desde o governo provisório foi se consolidando a importância dada para com a

realidade brasileira. Ora, isso se justifica quando entendemos que o Estado Novo e a

promulgação da Nova Carta vêem responder tardiamente aos anseios do povo que pediam

para serem ouvidos e aponta como responsável pelo não pleno cumprimento da democracia

social, o liberalismo e os regionalismos.

39 SCHWARTZMAN, Simon. (org.). Estado Novo, um auto-retrato. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983, pp. 61-62. 40 CAMPOS. Francisco. O Estado Nacional. Rio de janeiro, José Olympio, 1940, pp. 30-31.

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Na passagem dos anos vinte para a década de trinta, há um fator crucial que

empurra o Brasil para o caminho autoritário: a crise mundial aberta em 192941. Por seu

impacto, a crise desmonta uma série de pressupostos do capitalismo liberal, e fornece uma

boa justificativa, no plano político, para a crítica ao dissenso expresso na liberdade

partidária, tidos como elementos que conduziriam o país à desordem e insuflava o

nacionalismo42.

Paulo de Figueiredo foi colaborador do Estado Novo43 e para esse período da

história, o define assim:

“Eis o grande valor do nosso estado atual, que é sobretudo movimento, e que, por isso, acompanha e registra as mutações da realidade, da vida, utilizando-se de tudo que este lhe fornece. O Estado como um método. (...)

O grande mérito do presidente Vargas foi apreender o sentido do movimento, enxergar os seus traços fundamentais, a sua essência profunda, dar-lhe forma definitiva e, por métodos específicos, encaminha-lo para um fim natural, seguro. (...)”44

Percebe-se a noção de movimento e continuidade dada na construção do projeto

ideológico varguista e que, de certa forma, consolida-se com a instauração do Estado

Novo. Lenharo deixa isso claro quando afirma que: “1937, no entanto, não precisou

trabalhar a posteriori seu movimento memorizador; o fato revelou a si mesmo pronto,

acabado, no ato mesmo de sua instalação. O Estado Novo se apresenta como o único

sujeito histórico adequado ao país para aquele momento e, ao mesmo tempo, o corretor da

sua linha de evolução histórica. Daí a utilização do fato mítico da Revolução de 1930, da

qual 37 se apresentará como revolução acabada e da qual tomará de empréstimo sua

origem mítica de fundação”45.

Há que se verificar em que medida existia um projeto autoritário para o Brasil, por

parte de Getúlio Vargas e sua equipe, desde o início dos anos trinta. Ou se esse projeto foi

41 Para os efeitos da Crise de 1929 no Brasil, ver: CARONE, Edgar. Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Difel; 1976. E para um aprofundamento da discussão sobre a crise econômica brasileira a partir de 1922 ver: FRITSCH, Winston. “1922: A Crise econômica.” In: Revista Estudos Histórico, Rio de Janeiro, vol. 6, n.º 11, 1993, pp. 3-8. 42 “Nacionalismo significa restrição à iniciativa estrangeira, tanto política como econômica. Não havendo tradição antiimperialista nas camadas dirigentes e sendo vaga esta idéia entre a camada pequeno burguesa, o movimento é mais pragmático que ideológico. No entanto, sendo representativo de uma tendência geral, o fato se traduz numa ameaça ao capitalismo estrangeiro e representa barragem à sua maior expansão.” In: CARONE, Edgar. Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Difel; 1976, p. 72. 43 Nomeado Professor da Faculdade de Direito em Goiás, ali exerceu funções de procurador fiscal, promotor público, advogado do Estado e, foi nomeado por Getúlio Vargas para Membro e Presidente do Conselho Administrativo, órgão que substituiu, durante a Ditadura, as Assembléias Legislativas. 44 FIGUEIREDO, Paulo Nunes Augusto de. Aspectos ideológicos do Estado Novo. Brasília: Senado Federal, 1983, pp. 38-40. 45 LENHARO, Alcir...Op. cit, pp. 14-15.

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sendo formulado, ao longo dos anos, por fatores que iriam se apresentam. É de se deixar

inclinar pela primeira opção, visto que, foram adotadas medidas pelo Governo Provisório e

Constituinte no sentido de estabelecer canais promotores de propaganda governamental e

reforçar os instrumentos de repressão política. E desde cedo, apontou-se para um projeto

político centralizador, unitário.

Acrescenta-se a isso, a noção que sempre tentará ser retomada ao longo desse

exercício político: o caráter uno e harmônico do regime. Assim, retomamos a questão da

mobilização das massas que se faz necessária por meios de difusão e que, intencionalmente

procurará manter a sociedade controlada e submetida integralmente às idéias veiculadas a

respeito do todo. Esse controle, também do cotidiano, é também organização do espaço

público em conformidade com a idéia de uma sociedade unida e vivendo em harmonia.

Para falar de controle e coerção no Estado Novo, fala-se da cooptação aos meios de

comunicação e o uso da censura e repressão militar.

Sobre o exército temos duas figuras que estarão presentes ao longo dos governos

exercidos por Getúlio Vargas: Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro,

respectivamente o Ministro da Guerra e o Chefe do Estado-Maior do Exército, no Estado

Novo. Segundo Dutra, o ideal de exército, era “um exército disciplinado e poderoso, não

para atacar os povos livres em razão do repúdio no Brasil à guerra de conquista. Mas um

exército superiormente aguerrido, em acordo com a nossa grandeza e defensor da

soberania de um Brasil eterno, vindo de um passado de glórias”. Esse, em plena

conformidade com a idéia veiculada de manutenção e controle da ordem numa

manifestação maior pela defesa nacional e compromissado com o nacionalismo.

Assim, era constante a projeção de progressos e a grandiosa expressão para com o

Exército voltada principalmente na obra maior da Segurança Nacional e Defesa Nacional.

Na estrutura militar, Vargas encontrou o apoio patriótico e inteligente e dele havia a

consciência estratégica de que a nação se sustentaria também pelo aspecto militar.

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2. O PROJETO ESTADO-NOVISTA E SUAS VARIADAS NUANCES

O contexto internacional, na década de 20 e 30, contribuiu para a montagem do

Estado Novo, além das concepções latentes que já vinham sendo gestadas no Brasil desde

os anos 20. Nesse período, experiências semelhantes estavam em curso na Europa: Hitler

estava no poder na Alemanha, Mussolini na Itália e Salazar em Portugal. Aliás, desde o

final da I Guerra Mundial, o modelo liberal clássico de organização da sociedade vinha

sendo questionado em detrimento de concepções totalitárias, autoritárias, nacionalistas,

estatizantes e corporativistas.

Com o Estado Novo, Vargas cercou-se de poderes excepcionais: “o governo do

Estado Novo foi centralizador, concentrou no nível federal a tomada de decisões antes

partilhada com os estados, [com medidas centralizadoras, Vargas procurou diminuir a

autonomia dos estados, exercendo maior controle sobre as tradicionais oligarquias

regionais] e foi autoritário, centralizando no Executivo as atribuições anteriormente

divididas com o Legislativo”46. As liberdades civis foram suspensas, o Parlamento

dissolvido, os partidos políticos extintos. O comunismo47 era apresentado como inimigo

público do regime e a repressão policial instalava-se por toda parte. Às vésperas do golpe,

eram veiculadas em diferentes jornais brasileiros notícias como a que segue:

Qualquer tentativa extremista de perturbação da ordem pública, será reprimida com violência nunca observada no Brasil. Os crimes praticados contra o regime serão punidos imediata e rigorosamente” - texto de um editorial do “O Globo”, edição de ontem, referindo-se às ameaças de uma rebelião anunciada pelos adeptos do “sigma”, para dezembro próximo.48

O governo não só passou a fazer uso do emprego de atitudes repressivas; como

intensificou e aprimorou os mecanismos de repressão, justificados para a obtenção de

controle da sociedade.

Após o golpe de 10 de novembro de 1937, nada poderia ser mais simbólico na

centralização do poder do que a queima de todas as bandeiras estaduais49 (e dentre elas a

bandeira farroupilha, do estado do Rio Grande do Sul) num ato público realizado na praia

46 Essa visão de Estado autônomo, liberto de interferências no governo central, é a visão ideológica particular do Estado autoritário. OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela M Castro. Estado Novo. Ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 10. 47 O Golpe e a implantação do Estado Novo foram marcados pela repressiva “perseguição” a ameaça comunista, iniciada em 1935 (com os levantes comunistas) e que tem em 10 de Novembro seu desfecho. 48 GAZETA DO POVO. Curitiba, 5 de setembro de 1937. 49 “Temos uma só bandeira, porque a Pátria é única”. GAZETA DO POVO, Curitiba, 12 de novembro de 1940.

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do Russel, no Rio de Janeiro: liquidava-se, na teoria e na prática, a autonomia estadual. E o

fogo, mais uma vez, purificava a nação de um dos seus “males”: os símbolos regionais50.

Ladeando a intensa repressão, o regime adotou uma série de medidas que iriam

provocar modificações substantivas no país. O Brasil, um país até então, basicamente

agrário e exportador, transformava-se agora numa nação urbana e industrial, através de

uma sincronia entre políticas governamentais específicas e negociações entre elites estatais

e econômicas.

Promotor da industrialização e interventor nas diversas esferas da vida social, o

Estado voltou-se para a consolidação de uma indústria de base e passou a ser o agente

fundamental da modernização econômica. Colaboradoras no regime ditatorial, as Forças

Armadas se fortaleceram, pois, além de suportes da ordem interna, passaram a ser um dos

principais suportes do processo de industrialização51. O investimento nas mais variadas

atividades estratégicas, percebido como forma de garantir a soberania do país, desde a

preocupação com qualquer perigo comunista iminente, a educação de jovens e da classe

trabalhadora, o desenvolvimento econômico-industrial da nação, até a criação de um

projeto ideológico, tornou-se questão de segurança nacional.

2.1.Os intelectuais

Na busca por um forte sentimento de identidade nacional, condição essencial para o

fortalecimento do Estado nacional, do nacionalismo que:

supõe a identificação de todos os membros de uma sociedade com um destino comum, destino cujos traços se originam no passado, são identificáveis no presente e asseguram um futuro comum. (...) O nacionalismo do século XX assenta-se sobre a crescente identificação entre nação e Estado. O nacionalismo ocupa-se em identificar uma coletividade histórica, em termos de nação, e são os fatores étnicos, geográficos e culturais que asseguram a solidariedade nacional52.

50 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. “O Estado Novo, o DOPS e a ideologia da segurança nacional”. In:

PANDOLFI, Dulce.(org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 330. 51 “Com o acordo em torno do Estado Novo, Vargas e as Forças Armadas atingiram o ponto máximo de sua influência, derrotando os adversários e eliminando sua capacidade de reação pelo fechamento dos mecanismos de participação. Os militares se consolidaram como atores políticos, assumindo, pelo lado político, a garantia da base social das elites tradicionais, e, pelo lado econômico, a promoção dos interesses da burguesia industrial emergente. A ênfase dada ao controle político, à integração nacional, à industrialização, reforçava a emergência do capitalismo industrial, contrariando apenas os interesses políticos das oligarquias. Era um reordenamento, via Estado e Forças Armadas, do antigo sistema de dominação, feito, no entanto, sem ampliar a participação política, isto é, sem democratização. Era um capítulo da modernização conservadora.” CARVALHO, José Murilo de. Vargas e os militares: aprendiz de feiticeiro. In: D´ARAUJO, Maria Celina(org.). As instituições da Era Vargas. Rio de Janeiro: Eduerj: Ed. FGV, 1999, p. 72-73. 52OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela M Castro. Estado Novo.

Ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 26.

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Então, o regime passou a investir em estratégias, como as políticas desenvolvidas

na cultura e na educação. Nesse empenho foram atraídos para o projeto estado-novista, um

grupo significativo de intelectuais:

A formulação das políticas cultural e educacional para o Brasil contou com a atuação de intelectuais como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Rodrigo Mello Franco, Alceu Amoroso Lima (mais tarde Tristão de Ataíde), Villa-Lobos, Jorge de Lima, Manoel Bandeira (...). Foi o ministério dos modernistas, dos Pioneiros da Escola Nova, de músicos e poetas. Mas foi também o ministério que perseguiu os comunistas, que fechou a Universidade do Distrito Federal (UDF), de vida ativa e curta, expressão dos setores liberais da intelectualidade do Rio de Janeiro (1935-39). Foi, ainda, o ministério que apoiou a política nacionalizante de repressão às escolas dos núcleos estrangeiros existentes no Brasil53.

Nesse contexto, de acordo com Oliveira, Vargas, “reconhece os intelectuais como

agentes de um processo de transformação nacional e os constitui como atores políticos de

primeira grandeza, ao convocá-los para a tarefa de emancipação cultural"54.

Desse modo, o regime instaurado em 1937 assumiu como ideário a crença de que

cada povo deve construir suas instituições obedecendo às inspirações do inconsciente

coletivo do povo. A coletividade e o bem estar geral, foram questões consideradas

condições básicas para o funcionamento harmonioso da sociedade, bem como para

eliminação de conflitos intra-classes.

A autonomia do Estado, mantido pelo esforço de centralização político

administrativa, manifestava-se através de um complexo quadro institucional, a partir de

novos padrões de governo e principalmente a partir da criação de “mecanismos necessários

para dar validade à interferência do Estado nos diferentes setores da realidade social”55.

A centralização, partindo desse pressuposto, ganhava traços de organização e

integração da nação, e torna-se um mecanismo eficaz como instrumento da realização dos

interesses coletivos. Vale ressaltar que, ao longo do Estado Novo, esses mecanismos e

instrumentos (ou estratégias) foram implantados de maneira progressiva.

O intelectual na sua relação com o poder, era um fornecedor de idéias, pois

“confere autoridade ao poder à medida que elabora raciocínios convincentes, justificadores

53 BOMENY, Helena M. B. “Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo”. PANDOLFI, Dulce. (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 137. 54 OLIVEIRA, Lucia Lippi. “Vargas, os intelectuais e as raízes da ordem.” In: D´ARAUJO, Maria Celina(org.). As instituições da Era Vargas. Rio de Janeiro: Eduerj: Ed. FGV, 1999, p. 83. 55 GOMES, Ângela Maria de Castro... [et al.] O Brasil Republicano, v.10: sociedade e política (1930-1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, pp. 96-99.

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de um curso de ação sobre o qual não há prova lógica. É daí que se pode entender sua

relação com o público e com o poder”56.

O cuidado do governo em conseguir a adesão dos intelectuais, evitando um

confronto e praticamente anulando o efeito contrário aos seus interesses, denota um

intencional movimento onde o poder direciona em seu benefício e no rumo que lhe

convém, as possíveis forças de oposição. Considerando que outras forças importantes

nesse jogo eram os trabalhadores, embalados e seduzidos pelo ufanismo nacionalista, e os

militares, encantados com a notoriedade conseguida nos desfiles magistrais, onde o

potencial militar era exaltado nas grandes comemorações cívicas, se percebe que o Estado

Novo cuidadosamente manobrou suas ações em direção à auto-sustentação. Não

esquecendo que toda prática de afastamento de possíveis conflitos ou oposição, afora

serem eliminados pela censura ou repressão, passavam pelo convencimento notório da

propaganda do regime que se efetivava na mobilização, na arregimentação das massas.

Durante o Estado Novo, duas revistas (de caráter oficial) ficaram sob a

responsabilidade dos intelectuais: a Cultura Política (local onde se produzem as

coordenadas do discurso estado-novista) e a Ciência Política (difusão desse discurso). “Em

síntese, a Cultura Política congrega os ‘grandes intelectuais’, responsáveis pela criação de

uma determinada concepção de mundo, informadora do discurso autoritário. A importância

desses intelectuais é notória no conjunto do projeto ideológico estado-novista, dado que os

seus discursos servirão como paradigma para toda uma camada de ‘intelectuais médios’,

que se prontificarão a difundi-lo para o conjunto da sociedade, na revista Ciência

Política”57.

O regime de Vargas se diferencia, sobretudo porque, define e constitui o domínio

da cultura como um negócio “oficial”, implicando um orçamento próprio, a criação de uma

inteligência e a intervenção em todos os setores de produção, difusão e conservação do

trabalho intelectual e artístico, atraindo a intelectualidade formadora de opinião para aliar-

se ao Estado Novo, praticamente neutralizando qualquer foco de resistência. “Esta linha de

interpretação dos fenômenos ideológicos permite vê-los como eventos históricos. Assim, é

no centro nacional e internacional dos anos 30 que podemos entender o significado das

56 OLIVEIRA, Lucia Lippi. “Vargas, os intelectuais e as raízes da ordem.” In: D´ARAUJO, Maria Celina(org.). As instituições da Era Vargas. Rio de Janeiro: Eduerj: Ed. FGV, 1999, p. 85. 57 OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela M Castro. Estado Novo.

Ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 81.

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propostas autoritárias e centralizadoras dos intelectuais ocupados em formular uma nova

ideologia, capaz de responder aos impasses da nação e às orientações para o Estado.”58

2.2 Educação, juventude e segurança nacional

A associação entre educação e segurança nacional aparece no Brasil em momentos

de política autoritária, quando a educação é enaltecida passando a servir como um eficaz

instrumento de controle. Partindo do pressuposto da ordem e da disciplina, a educação é

definida e discutida quanto ao seu serviço prestado e se esse está em consonância com o

Estado. É a necessidade imperativa da ordem e da disciplina que define o que será e a que

servirá a educação. Não por outra razão, o Exército, a quem pertence o monopólio da

segurança nacional, interveio incisivamente nas questões relativas à educação quando

esteve em questão a manutenção do regime autoritário no Brasil.

O período do Estado Novo é rico em exemplos dessa natureza. A definição de uma

política educacional depois do golpe de 37 contou com a participação ativa do Exército.

Essa participação fica bem delineada nesse depoimento, dirigido ao presidente Vargas, do

então ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, em 1939, que define a educação

como setor de atividades estreitamente ligado aos imperativos da segurança nacional: “O

problema da educação, apreciado em toda a sua amplitude, não pode deixar de constituir

uma das mais graves preocupações das autoridades militares.”59

Relacionar educação e forças armadas é compreender que aquela se fazia como

recurso a essa. Ou seja, a vinculação do projeto de segurança nacional via Exército

influenciava o sistema educacional e confirma a idéia que no Estado Novo, a educação era

tida dentro do projeto estratégico de mobilização controlada. Correspondendo ao projeto de

soberania nacional, a tática de alcance na educação visava mediar a preparação civil: “ a

intervenção do Exército na política educacional tinha como meta fundamental a construção

de barreiras eficazes à propagação de doutrinas consideradas perigosas à defesa da

nacionalidade.”60

No projeto político de construção do Estado Nacional havia um lugar de destaque

para a pedagogia que tinha como meta primordial a juventude. Ao Estado caberia a

responsabilidade de tutelar a juventude, modelar seu pensamento, ajustando-a ao novo

58 Idem., p.10. 59 Arquivo Osvaldo Aranha, AO 39.04.18, FGV/CPDOC, p. 141. 60BOMENY, Helena M. B. “Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo”. In: PANDOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 143.

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ambiente político, preparando-a, enfim, para a convivência no Estado autoritário. Não

faltava nesse plano, símbolos a serem difundidos e cultuados; mitos a serem exaltados e

programas a serem cumpridos61.

O que interessa mais de perto é a sua transformação no grande projeto cívico a ser

implantado no Estado Novo. Dentro desse grande projeto inclui-se, entre outras, a

iniciativa do governo de arregimentar e “docilizar” a juventude em torno de uma

organização nacional. E dessa meta cultural nasce o projeto de criação da Organização

Nacional da Juventude, o qual resultou no movimento Juventude Brasileira62, do ano de

1940.

Essa instituição foi concebida como um movimento de apoio ao governo de caráter

paramilitar, tornando-se depois um instituto educativo, onde se enumeram as finalidades a

que se propõe, “em proveito da infância e da juventude são essencialmente: a) a educação

moral, cívica e física; b) a educação pré-militar; c) a educação doméstica.”63:

No Paraná, a participação da juventude era enaltecida: O TEMPO E O DESFILE DA JUVENTUDE: Amanhã, se o tempo permitir, nossa cidade presenciará mais uma imponente exibição da juventude brasileira. Comemorando a independência, nossa infância vai oferecer mais um desses espetáculos empolgantes que o nosso espírito cívico não cansa de admirar e aplaudir. Demonstração de vigor, de unidade e patriotismo, a parada da raça de amanhã, constitue-se num desses acontecimentos que se aguarda ansioso, sob o alicate da certeza de viver horas de comovedora emoção. Cerca de 20 mil colegiais, 20 mil brasileiros que sobre os ombros terão a amanhã a responsabilidade do destino do Brasil, esses jovens mal calculam quanto nos orgulhamos deles. (...)64

Buscava-se uma intermediação entre a liberalização do sistema educacional e a

total integração do indivíduo, ou a integração da juventude às organizações criadas sob

tutela do autoritarismo. A mediação se dava na prática, a partir das propostas tanto de

formação pré-militar da juventude, como na militarização da sociedade civil, de forma

geral.

Essas intenções invocavam a ordem, a disciplinarização e militarização dos

corpos, que, nas manifestações esportivas ou cívicas, eram conduzidos à mobilização:

O governo do Estado do Paraná e a 5ª Região Militar, realizarão, a exemplo do que se vem realizando na Capital da República, o grande e Imponente Desfile da Raça, no dia 4 de

61 SCHWARTZMAN, Simon. ...Op. Cit, p. 83. 62 BOMENY, Helena M. B. “Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo”. In: PANDOLFI, Dulce. (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 147. 63 SCHWARTZMAN, Simon. Op. Cit. p.149. 64 GAZETA DO POVO, Curitiba, 04 de novembro de 1941.

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setembro próximo, como parte integrante das grandes festas nacionais da ‘Semana da Pátria’. A concentração e o desfile, pelo número, pelo garbo e entusiasmo dos participantes, marcarão mais uma campanha cívica que no momento empolga e toma vulto em todo o território da nossa querida Pátria.65

O povo era convocado a participar e prestigiar o desfile das forças armadas e o

discurso divulgado nos jornais, fazia uso de termos que remetiam a nacionalidade,

enalteciam a Pátria e buscavam mobilizar a sociedade:

É necessário que o povo aplauda os nossos soldados. As classes armadas são como que o reflexo da vida de uma nação. Para nós, elas representam a depositária das esperanças dos milhões de brasileiros dispostos a tudo sacrificarem pela integridade da Pátria.66

Os sonhos, as promessas e as reafirmações de fé para o futuro, aprofundam suas raízes na confiança do presente e nas lições sempre oportunas, que balizam a grande obra já realizada da formação da nacionalidade.67

2.3 Estratégias de legitimação: propaganda política

No seu processo de reorganização/legitimação, o Estado Novo consegue combinar

uma estrutura de poder altamente elitista com uma base de sustentação policlassista.

Assim, em relação às forças sociais, o Estado realizava duplo movimento: procurava

restringir o núcleo decisório, ao mesmo tempo em que realizou um esforço para ampliar as

suas bases de sustentação, incorporando certas demandas das camadas populares urbanas.

A tentativa do regime era no sentido de estabelecer uma nova relação Estado-Sociedade68.

Assim, cabe ressaltar que, durante o Estado Novo, o regime é notadamente marcado

pela especificidade de propostas e pela capacidade de angariar adesões e absorver

conflitos, mesmo que isso seja feito de forma repressiva69. Usando um projeto político bem

articulado, afora condições objetivas (conjuntura internacional de guerra, emergência de

65 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 01 de setembro de 1938. 66 GAZETA DO POVO, Curitiba, 3 de setembro de 1938 67 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 3 de setembro de 1938. 68 VELLOSO, Mônica Pimenta. “Cultura e poder político: uma configuração do campo intelectual.” In:OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela M Castro. Estado Novo.

Ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, pp.71-72. 69 Tanto o medo quanto a censura funcionaram como poderosos instrumentos de controle social, emanando, cada qual ao seu modo, energia que, por sua vez, colabora para a sustentação dos sistemas autoritários. O medo faz calar, tem energia para isso. Instado pelo pânico (de propagação rápida), o medo sufoca. Daí a necessidade que as ditaduras têm de impor medo — medo da tortura, da polícia, da morte, do desemprego, da difamação — para, através deste, sufocar as tradições de luta e as vozes de contestação. Para garantir a ordem, segundo conceito gerenciado pelos homens de Estado, necessitava-se apontar culpados. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. “O Estado Novo, o DOPS e a ideologia da segurança nacional”. In: PANDOLFI, Dulce.(org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 335.

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regimes autoritários), o governo soube capitalizar os acontecimentos, reforçar situações e,

sobretudo, convencer da preeminência de uma nova ordem, centrada no fortalecimento do

Estado. Frente a isso, propôs e teve como sua maior preocupação uma nova estratégia,

capaz de legitimá-lo frente à opinião pública.

Foi com a preocupação de uma idéia de nacionalidade a ser construída, que o

governo estado-novista, a partir de uma “ideologia política recupera práticas autoritárias

que pertencem à tradição brasileira, assim como incorpora outras, mais modernas, que

fazem da propaganda e da educação instrumentos de adaptação do homem à nova realidade

social”70.

Com o advento do Estado Novo e a produção do seu discurso configuram-se novas

estratégias de poder, que prevêem uma ampliação considerável das funções estatais. Era o

Estado penetrando em domínios da sociedade civil, antes sob o encargo de diferentes

grupos sociais, assumindo a direção e organização da sociedade. Era o necessário empenho

em se fazer legitimar que o fez recorrer a aparatos sofisticados, onde as estratégias visavam

dar materialidade, ensejando a organização e a integração do conjunto de atores sociais.

O século XX presenciou a discussão sobre a ineficácia e impertinência da

neutralidade do Estado que somente ao liberalismo interessava conservar71. O governo

estado-novista buscava, como a maioria dos regimes autoritários, o singular, ou seja, a

homogeneidade em todos os níveis, de forma a facilitar a dominação, o controle. Contudo,

somente um Estado portador de uma ideologia precisa e específica seria capaz de

desenvolver a grande missão pedagógica e técnica em torno de um eixo ideológico

definido, que lhe garantiria uma eficácia ímpar ao esforço de condução das massas72.

O controle das massas deveria ser sistemático, articulado através de um plano

orgânico e racional, de cunho nacionalista. E, nessa direção, múltiplos discursos foram

articulados, oferecendo interpretações do mundo e da realidade brasileira, procurando criar

“novos significados”, esse era o propósito do projeto estado-novista.

O que importava na integração política do presente momento, de crescimento das

massas era a necessidade de arregimentá-las segundo um ideário comum. Tal integração

70 OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela M Castro...Op. Cit., p. 10. 71 O mundo moderno caminharia para regimes de autoridade, ao contrário do século XIX, que abriu com as revoluções uma era de liberdade e de individualismo. Toda a argumentação de Francisco Campos sobre a eclosão das massas e a necessidade política de sua manipulação por um chefe tem sua origem nesse quadro de reflexão já esboçado e desenvolvido por Mihail Manoilesco. 72 BOMENY, Helena M. B. “Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo”. In: PANDOLFI, Dulce. (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 145.

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materializa-se, como já mencionado no capítulo anterior, pelo primado da irracionalidade:

“O irracional é o instrumento da integração política total, e o mito que é a sua expressão

mais adequada, a técnica intelectual de utilização do inconsciente coletivo para o controle

político da nação”, defendia Francisco Campos em seu livro O Estado Nacional.

O comando da racionalidade estava reservado àquele que concentra em suas mãos a

missão de comando da ação política. Será bem-sucedida a ação política se e quando estiver

garantida a aceitação total por parte das massas, reduzidas ao estágio da irreflexão, da

irracionalidade e da submissão, e por estas condições, remetidas à pessoa do chefe.

“Somente o apelo às forças irracionais ou às formas elementares da solidariedade humana

tornará possível a integração total das massas humanas em um regime de Estado.”73

O Estado Novo compreendeu para divulgação de seus aspectos culturais e políticos

o uso de estratégias. Analisar essas estratégias, é compreender a realidade histórica, é

compreender a partir de que (e por quais) meios a doutrina estado-novista foi divulgada,

onde uma nova experiência precisava se fazer legitimar e reiterar-se a cada ano de

governo.

A propaganda política é estratégica para o exercício do poder em qualquer regime,

mas naqueles de tendência totalitária ela adquire força muito maior porque o Estado,

graças ao monopólio dos meios de comunicação, exerce rigorosa censura sobre o conjunto

das informações manipulando-as. O poder político, nesses casos, conjuga o monopólio da

força física e da força simbólica. Tenta suprimir, dos imaginários sociais, toda

representação do passado, presente e futuro coletivos que seja distinta daquela que atesta a

sua legitimidade e cauciona seu controle sobre o conjunto da vida coletiva74.

A propaganda nazi-fascista exigia uma unidade de todas as atividades e ideologias.

Tanto a moral como a educação estavam subordinadas a ela. Sua linguagem simples,

imagética e agressiva visava a provocar paixões para atingir diretamente as massas75. A

propaganda nazi-fascista e sua organização foi adaptada à realidade brasileira, ou melhor, a

experiência brasileira foi influenciada pela propaganda nazista e fascista, conferindo,

entretanto, certa especificidade a estas: “Os nazistas acreditavam nos modernos métodos de

comunicação de massa e, segundo Hannah Arendt, muito aprenderam com a propaganda

comercial norte-americana. Mas a propaganda política tinha características particulares:

uso de insinuações indiretas, veladas e ameaçadoras; simplificação das idéias para atingir

73 CAMPOS, Francisco. Op. Cit., p.12. 74 CAPELATO, Maria Helena. “Propaganda política e controle dos meios de comunicação”. In: PANDOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 169. 75 Idem., p. 167.

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as massas incultas; apelo emocional; repetições; promessas de benefícios materiais ao povo

(emprego, aumento de salários, barateamento dos gêneros de primeira necessidade);

promessas de unificação e fortalecimento nacional.

Outras estratégias (e instrumentos) também captam e intensificam a propaganda

política: literatura, teatro, pintura, arquitetura, ritos, festas, comemorações, manifestações

cívicas e esportivas76. Elementos que se combinavam e que produziram variados efeitos.

Dentre os efeitos, o mais esperado era a conquista do apoio necessário à legitimação do

novo poder, oriundo de um golpe.

2.4 Meios de comunicação

“Homens de todas as côres, de todas as classes e de todas as crenças! Movimentai-vos no próximo dia 7 de setembro. Ide assistir aos festejos comemorativos da grande data nacional.77

Em setembro de 1938 iniciava-se a comemoração da primeira Semana da Pátria do

regime do Estado Novo. Uma sociedade harmônica e una passava a convocar o povo que

anteriormente à democracia autoritária recentemente instituída era eminentemente liberal e

que agora vai “sem dúvida para as ruas, a fim de com a sua presença maior fulgor

emprestar às solenidades cívico-militares do “Dia da Pátria”78.

A intensificação das emoções ocorre através dos meios de comunicação e a eles

lhes compete o aquecimento das sensibilidades. Eles contribuem para a manutenção do

regime, na exaltação do governo e omissão de críticas.

No projeto político ideológico do Estado Novo, os jornais eram meios de

comunicação cooptados para a divulgação desse projeto. A circulação do discurso, a

veiculação das noções autoritárias que compunham o regime, bem como a organização das

76 “Para os ideólogos do Estado Novo, a arte e a cultura, como as demais atividades, devem estar a serviço da nação. Os intelectuais são os que captam, são os intérpretes dos anseios da sociedade, e, ao colaborarem com o Estado, tornam-no capaz de disciplinar, de coordenar, permitindo o funcionamento de um todo orgânico. O papel do Estado é sempre visto como de um tutor, de pai, diante da sociedade imatura, indecisa, carente de guia. Daí a importância dos instrumentos de ação educativa – o rádio, o cinema, os esportes -, garantindo a comunicação direta entre o governo e a sociedade, e permitindo ao governo o exercício do seu papel: educar o povo. (...) O Estado pretendeu educar doutrinando, principalmente por meio da atuação de suas agências culturais e iniciativas ligadas ao DIP, tais como os jornais A Manhã, A Noite, a criação do programa A Hora do Brasil e a Rádio Nacional”. OLIVEIRA, Lucia Lippi. “Vargas, os intelectuais e as raízes da ordem.” In: D´ARAUJO, Maria Celina(org.). As instituições da Era Vargas. Rio de Janeiro: Eduerj: Ed. FGV, 1999, p. 95. 77 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 1 de setembro de 1938. 78 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 3 de setembro de 1937.

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comemorações veiculadas constituíam a propaganda política valendo-se de um emissor, o

Estado Novo; cabendo aos jornais a divulgação e à população sua recepção (ou omissão)79.

A imprensa era o principal veículo de propaganda no varguismo. O esforço de

politização, de eliminação das vozes discordantes e de penetração em vários setores

realizou-se através da imprensa periódica, em maior medida. A imprensa, repetindo, era o

canal de divulgação da propaganda, e por tal, controlada e manipulada. As empresas

somente se estabeleciam se obtivessem registros concedidos pelo Departamento de

Imprensa e Propaganda - DIP. Suas atividades, bem como de seus profissionais, também

ficavam sob o controle desse órgão.

Entre o exagero dos regimes totalitários e a “criminosa negligência” dos liberais,

Francisco Campos acreditava na opção pelo equilíbrio, conceituando a imprensa na

Constituição como agência pública ou poder público.80 A imprensa era então atrelada ao

Estado que justificava essa idéia com a função pública que ela tinha. O jornal nessa lógica

era por essência, político, e cumpria naturalmente com sua função exercida dentro e para

com o Estado.

No Paraná, o professor Ulisses Vieira, primeiro presidente da Academia Paranaense

de Letras, fundada em 26 de setembro de 1936, escreveu acerca do papel da imprensa, em

1939:

É a primeira vez que no Brasil o governo se preocupa com a imprensa, no sentido de exaltá-la e proteger a ação que este grande poder público, pode e sabe desenvolver, no seio das democracias. Até então, os governos só se serviam da imprensa para suborná-la ás injunções partidárias, ou para aniquila-la com os rigores da lei de repressão contra a liberdade de pensamento e que tomou o nome de “lei infame”, tais eram os imperativos de seus textos no sentido de dominar pela violência até o direito de crítica.

Além disso, o autor explana bem toda a caracterização dada ao regime varguista:

O sr. Getúlio Vargas, vem desde 1930, exercendo no País um poder, evidentemente ditatorial, maximé agora que, pela constituição por êle próprio outorgada, enfeixa em sua mãos toda a autoridade, - entretanto, e em verdade, ninguém se apercebe do autoritarismo do eminente presidente, ninguém a não ser os infratores da lei, sentem que no Brasil há um governo centralizador e que pode a seu talante, dispor de uma autoridade maior do que a que concentram os governos absolutos. (...) O presidente Vargas de par com a ação democrática que imprime a todas as sua soluções, com presteza e solicitude vem reorganizando o País em todos os setores de sua atividade, e com acerto, ajustando a opinião nacional ao novo regime.

79 Porém não é possível verificar a recepção ou omissão da população em resposta a propaganda visto que, ao jornal caberá promover as festas e prestar contas de quão grande e atingível foi a comemoração. 80 GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial. Ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero, 1990, p.59.

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Quanto aos jornalistas, sua cooptação se dava por pressões oficiais, mas também

pela concordância, com a política do governo. Ressaltamos que, a garantia e atendimento

às reivindicações da classe (como a regulamentação profissional, além de favores e verbas

oferecidos pelo governo), foi um dos meios para tal cooptação. Era o autoritarismo

impondo-se através do DIP, de um lado, e de outro, os ditames da política conciliatória de

Vargas expressa pela “troca de favores”. Dando continuidade a sua reflexão, Ulisses

Vieira afirma:

A imprensa que já lhe deve uma grande soma de serviços, vem de ser agora, favorecida com a “Casa do Jornalista”, afora outros benefícios decorrentes das leis decretadas no sentido de amparar os que se nutrem do “sangue azul” que corre através da pena. No Brasil o jornalista, deixou de ser o paria esfaimado que em regia acabava os dias na mais extrema indigência. É que o governo sentiu, e não teve dúvida em proclamar que a imprensa desempenha na sociedade uma ação benéfica e saliente, como auxiliar na direção da rés-pública.(...)81

O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) criado em 27 de dezembro de

1939, (sucedendo o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural), era um órgão

diretamente subordinado ao Presidente da República. Constituía um dos mecanismos na

difusão da imagem do Estado Novo (tinha órgãos filiados em vários estados, DEIPS),

organizava homenagens a Vargas e cuidava de sua imagem política como um instrumento

de promoção pessoal. Compreendia cinco divisões específicas para atuação de suas tarefas:

divulgação, radiodifusão, cinema e teatro, turismo e imprensa. O DIP tinha como função

elucidar a opinião pública sobre as diretrizes doutrinárias do regime, atuando em defesa da

cultura, da unidade espiritual e da civilização brasileira82.

Durante o regime autoritário, os meios de comunicação cumpriram seu papel e,

além disso, divulgaram as atividades e qualidades do chefe e seus auxiliares, a fim de que

fossem tomados como modelo de virtudes pelos cidadãos.

Os periódicos acabaram sendo obrigados a reproduzir os discursos oficiais, a dar

ampla divulgação às inaugurações, a enfatizar as notícias dos atos do governo, a publicar

81 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 21 de outubro de 1939. 82 O Ministério da Educação, nas mãos de Gustavo Capanema, propôs a divisão do Departamento de Propaganda em duas partes: a primeira, de Publicidade e Propaganda, ficaria no Ministério da Justiça; a outra, Difusão Cultural, voltaria ao Ministério de Educação e Saúde. Em 1938, Capanema reivindicou, contrariando as pretensões do ministro da Justiça Francisco Campos, que tanto o Serviço de Radiodifusão Educativa como o Instituto Nacional de Cinema permanecessem como área de atuação do Ministério da Educação, alegando que a radiodifusão escolar era matéria diferente e separada da radiodifusão, meio de publicidade ou de propaganda, assim como, já alegara antes, que o “cinema educativo” se distinguia do “cinema escolar”.12 Em 1939, as atribuições do extinto Departamento de Propaganda e Difusão Cultural passaram para o Departamento de Imprensa e Propaganda, criado nesse ano.

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fotos de Vargas: 60% das matérias publicadas eram fornecidas pela Agência Nacional.

Havia íntima relação entre censura e propaganda.

Havia controle direto sobre os veículos de comunicação: jornais, rádios, cinema. A

partir de 1940, 420 jornais e 346 revistas não conseguiram registro no DIP. Os que

insistiram em manter sua independência ou se atreveram a fazer críticas ao governo

tiveram sua licença cassada83. As “publicações inconvenientes” foram suprimidas. Com

esse esquema, a propaganda oficial não só alcançou um nível de produção e organização

sem precedentes no país, como também passou a se responsabilizar pela defesa da unidade

nacional e a manutenção da ordem84.

As atividades de controle, ao mesmo tempo em que impediam a divulgação de

determinados assuntos, impunham a difusão de outros na forma adequada aos interesses do

Estado. A imprensa desempenhou as tarefas que lhe foram atribuídas sem nenhuma

independência85.

A imprensa era colocada como o meio mais eficiente do DIP, “voltada

prioritariamente para o exercício da censura e da propaganda do regime, veiculava o

discurso estado-novista notadamente nos jornais e revistas”86. Sabemos que os intelectuais

colaboraram com a imprensa escrita, tomando esta como veículo simultâneo de produção e

difusão do discurso em construção.

O varguismo, assim como o fascismo italiano, preocupou-se mais com o controle

da imprensa que do rádio, embora considerasse este último de grande importância para a

propaganda política. O rádio brasileiro nasceu sob controle estatal.

Os ideólogos nacionalistas, artífices do Estado Novo, defendiam o projeto de

radiodifusão educativa com vistas à formação da consciência nacional considerada

83 Em São Paulo, os jornais liberais, que tiveram importante atuação política, sobretudo a partir dos anos 20, foram praticamente silenciados e tiveram que aceitar em suas redações elementos nomeados pelo governo para vigiá-los. Os proprietários de O Estado de S. Paulo tentaram reagir, e o resultado foi a expropriação do jornal, em 1940, por representantes do Estado Novo, que o converteram em órgão oficioso. O Estado de S.

Paulo, A Noite, de São Paulo, e O Dia, do Rio de Janeiro, tornaram-se os principais órgãos de propaganda do regime. CAPELATO, Maria Helena. “Propaganda política e controle dos meios de comunicação”. In: PANDOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 175. Ver também: SODRÉ, Nelson Werneck. 1911-1999. História da Imprensa no Brasil. R.J. Mauad, 1999. CAPELATO, Maria Helena Rolim. Os arautos do Liberalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. 84 GOULART, Silvana. Op. Cit., pp. 54-59. 85 CAPELATO, Maria Helena. “Propaganda política e controle dos meios de comunicação”. In: PANDOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 175. 86 VELLOSO, Mônica Pimenta. “Cultura e poder político: uma configuração do campo intelectual.” In:OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela M Castro. Estado Novo.

Ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 73.

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indispensável à integração nacional87; no novo governo. O projeto político estado-novista

de transformar o rádio num instrumento de educação e cultura com vistas à integração

nacional teve em Roquette Pinto um de seus principais defensores.

O rádio firmou-se nessa década, adquirindo grande prestígio entre os ouvintes, por

seus programas humorísticos, aos musicais, às transmissões esportivas, ao radio jornalismo

e às primeiras radio novelas88. Em 1937, havia 63 estações, número esse que passou para

111 em 1945; o número de rádios receptores aumentou de 357.921 aparelhos para 659.762

em 1942. O uso político do rádio esteve voltado para a reprodução de discursos,

mensagens e notícias oficiais. Em 1931, foi criado o programa “Hora do Brasil”,

reestruturado em 1939, após a criação do DIP. O programa tinha três finalidades:

informativa, cultural e cívica. Divulgava discursos oficiais e atos do governo, procurava

estimular o gosto pelas artes populares e exaltava o patriotismo, rememorando os feitos

gloriosos do passado. Nas cidades do interior, era reproduzido por alto-falantes instalados

nas praças89.

Aos olhos de hoje, a intensa propaganda estado-novista, preocupada em edificar e

legitimar a imagem de um Estado moderno, é um dos mais ricos exemplos de um Estado

intervencionista e disciplinador das massas.

Balandier concorda com essa posição quando afirma que “o poder estabelecido

unicamente sobre a força ou sobre a violência não controlada teria uma existência

constantemente ameaçada; poder exposto debaixo da iluminação exclusiva da razão teria

pouca credibilidade”90. Isto significa que deve haver envolvimento emocional induzido

por uma simbologia que trabalha uma aspiração concreta, mesmo que utópica, que ganhava

ares de realidade na manipulação do imaginário coletivo.

87 Além de divulgar mensagens e atos oficiais, os diferentes programas deviam decantar as belezas naturais do país, descrever as características pitorescas das regiões e cidades, irradiar cultura, enaltecer as conquistas do homem em todas as atividades, incentivar relações comerciais. Muito se insistia no fato de que o rádio devia estar voltado para o homem do interior, contribuindo para o seu desenvolvimento e integração na coletividade nacional. 88 É importante notar que, em plena vigência do Estado Novo, as emissoras de rádio exibiam novelas cubanas e argentinas completamente apolíticas e alienantes do ponto de vista participativo. Já o “rádio teatro” recebia orientação do DIP no sentido de explorar os fatos históricos com uma narrativa romanceada. Joraci de Camargo escreveu uma série de dramas históricos (Retirada da Laguna, Abolição da escravatura etc.) para serem transmitidos na “Hora do Brasil”. Tal programação não tinha, certamente, a mesma audiência que as radio novelas. CAPELATO, Maria Helena. “Propaganda política e controle dos meios de comunicação”. In: PANDOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 177. 89 CAPELATO, Maria Helena. “Propaganda política e controle dos meios de comunicação”. In: PANDOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 176. 90 BALANDIER, Georges...Op. Cit., p. 10.

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A propaganda política mesmo sem obter adesão unânime, foi um dos pilares de

sustentação do poder. Ela evoca a produção de sentimentos políticos segundo a atuação de

seus produtores, segundo o papel dos meios de divulgação e sua mobilização/participação.

Para tal fenômeno, procuramos entender a sua universalidade, diversidade e pluralidade. A

propaganda política idealizada e posta em prática pelo Estado Novo, pode-se dizer atrelada

às necessidades de projeção enquanto Estado-Nação e contraposta às políticas antiliberais.

O caráter autoritário e de censura da propaganda nos meios de comunicação, na

produção cultural e na educação, verifica-se como um processo da manipulação das

massas, com o objetivo de obter unificação em torno de um projeto comum de Estado, de

integração nacional e eliminando qualquer possibilidade de oposição às suas diretrizes. E,

era através da propaganda política, que se transmitiria a idéia de um futuro idealizado,

estabelecendo relação entre um passado simbólico e a criação/profusão de símbolos que se

tornavam presentes.

Então, ocorre essa preocupação com a produção de imagens, símbolos, mitos e

utopias. No que diz respeito a Vargas, a constante exaltação de sua figura, um culto à sua

personalidade dava-se no uso da fotografia e a produção de objetos com sua estampa. O

DIP também seria responsável por distribuir a fotografia oficial do presidente nas

repartições públicas, em colégios, clubes, estações ferroviárias, casas comerciais, etc.,

contribuindo para a fomentação de sua imagética.

A cultura e as representações políticas (imagens, símbolos, mitos...) estão

remetidas a ideais e princípios doutrinários que se queriam fazer divulgar. Dessa forma,

essas idéias se expressam na produção intelectual, em discursos, em festas comemorativas,

e como tal, exercem influência sobre seus contemporâneos.

O Estado criando aparatos culturais próprios, destinados a produzir e a difundir sua

concepção de mundo para o conjunto da sociedade concebia a cultura em termos de

organização política. Era a cultura unificada para o ordenamento político e social.

Portanto, entender a manifestação simbólica que é construída no discurso e

efetivada nas comemorações e festividades cívicas é procurar recuperar seus participantes

(a obrigatoriedade na participação), a organização, os locais onde esses eventos eram

promovidos, as hierarquias nos desfiles, as categorias do discurso ideológico e que são

enaltecidas quando da convocação das festas.

Reiterando que, os meios de comunicação são veículos de grande importância na

divulgação política e que reforçam tendências já existentes na sociedade, onde sua atuação

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e eficácia dependem muito mais em melhor captar e explorar os anseios e interesses de um

determinado momento, cada comemoração tem suas particularidades.

O que tem de mais marcante, no 10 de Novembro, é o caráter de legitimação. Ao

longo dos anos, procurou ter contornos de instauração do novo. Já a Semana da Pátria,

aparece como uma continuidade renovada, pois no Estado Novo, essa data ganhou

contornos mais reforçados quanto à moral e o civismo.

A escolha das datas comemorativas e festas cívicas, e a importância por nós dada

nesse trabalho, se justifica pela relevância a elas dada num regime baseado na política de

massas e, sobretudo um regime fundamentado na relação estabelecida entre o líder e as

massas. De forma que, é relevante prestar atenção ao fato que em todas as sociedades, a

produção, a manipulação e sua organização se estabelecem num amplo quadro cerimonial

de poder, e esses se efetuando de modos variados91.

As festas mostram-se a partir de uma realidade teatralizada mascarando conflitos,

pois se equivale de uma sociedade múltipla de interesses variados. A conversão para a

mobilização em torno de um objetivo comum, se faz através do controle social, onde

tentam exibir uma sociedade ideal, tendo a repressão exercida, sendo ocultada.

Por fim, a Comemoração da Semana da Pátria, no ano de 1945, onde ficam traçados

aqueles que participavam, o local, as apresentações:

Será realizada hoje a Parada da Juventude – As Festividades do Dia 07.

(...) terá lugar hoje, as 9h da manhã, imponente desfile escolar, pelas ruas centrais da capital, que será assistido, do palanque oficial, armado à Avenida João Pessoa, pelas altas autoridades civis, militares e eclesiásticas.

Participarão do desfile que será precedido de uma grande concentração na Praça Santos Andrade, os alunos das escolas de Trabalhadores Rurais do Canguiri, e do Campo Comprido e Escola de Pescadores de Guaratuba. (...)

7 de setembro: a grande parada militar, com a participação de todos os corpos de tropa da guarnição da capital. (Gazeta do Povo, 04/09/1945).

91 “Nos regimes que se fundamentam na política de massas, a teatralização tem papel relevante e o cenário teatral se mostra especialmente adequado para o convencimento”. SCHEMES, Claudia. Festas cívicas e

esportivas: um estudo comparativo dos governos Vargas (1937-1945) e Perón (1946-1955). Novo Hamburgo: Feevale, 2004, p. 23.

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3 OS ANTECEDENTES DO GOLPE E O ESTADO NOVO NA IMPRENSA

O Dez de Novembro era uma data que veio institucionalizar o Estado Novo. Com a

Carta Constitucional de 1937, tem-se a obra que o instaura e que levará esse momento

adiante. Obra, na qual, foram incluídas todas as diretivas do novo regime.

Anteriormente abordamos que o clima, em meados de 1937 era o de preparação

para as eleições presidenciais a ocorrerem em janeiro de 193892. O alistamento eleitoral

acontecia no Paraná e os jornais divulgavam todos os dias as propostas dos candidatos.

Cada jornal discorria no periódico quanto a sua preferência política e a quem se dispunha

favoravelmente. Vargas, na chefia da Nação, desde 1930, aparentemente concordava com

as eleições já marcadas e seguia findando seu mandato. A imprensa paranaense também

dava conta de enaltecer toda a trajetória de Vargas, com êxito, promovida:

O ÚLTIMO DISCURSO DE S. EXA. COMO CHEFE DA NAÇÃO - A ORAÇÃO DO SR. GETÚLIO VARGAS. Afirmando ser a última vez que, na qualidade de Chefe da Nação, se dirigia ao povo brasileiro, falou no “Dia da Pátria”, o eminente presidente Getúlio Vargas; como soem ser sempre suas orações, o discurso de s.exa., além de sereno teve o mérito de ser claro e inspirado no patriotismo mais sadio e mais acendrado. Para nós, que nunca duvidamos dos propósitos do ilustre político que a revolução de 30, em boa hora o colocou na mais alta magistratura nacional, a mencionada oração nada mais fez do que positivar o que em mérito já, de há muito, se reconhecia e aplaudia. O sr. Getúlio Vargas, que durante sua administração soube, com largueza de vistas, encarar os graves problemas brasileiros, oferecendo o contingente precioso de seus esforços para solubilidades dos mesmos, realizando o que jamais nenhum Estado conseguiu ou ousou fazer: governar verdadeiramente alheio aos interesses políticos partidários93. (...)

As dúvidas quanto ao cumprimento do mandato de Vargas, até o fim, apareceram:

PRETENDERÁ O SR. GETÚLIO VARGAS DEIXAR O GOVERNO ANTES DO PRAZO? SENSACIONAL REPORTAGEM DE UM JORNAL CARIOCA. “O imparcial”, em sensacional reportagem política, assevera que o sr. Getúlio Vargas teria revelado, numa roda íntimos, disposição para deixar o governo antes do prazo legal. Assim, entregaria o governo a seu substituto legal, o sr. Pedro Aleixo. Depois de outras considerações em torno dessa notícia, “O imparcial” acrescenta: ‘Como todos os ataques visam a sua pessoa, de maneira injusta, pois partem de correntes políticas que ele formou, acredita o sr. Presidente da República que o seu afastamento do cenário político possa garantir a tranqüilidade nacional, ou, pelo menos não a tornará responsável pelas conseqüências da luta já travada e que ameaça tomar aspectos imprevistos, de caráter social. Até o momento presente, o sr. Getúlio Vargas não comunicou essa intenção a correntes políticas94.

92“O MOMENTO DECISIVO: Aproxima-se rapidamente a hora decisiva, a hora em que a nação vai fazer a sua maior profissão de fé democrática, dentro do novo regime, dentro do voto secreto e da Justiça Eleitoral, as maiores conquistas políticas da revolução de 30”.(...) GAZETA DO POVO. Curitiba, 7 de novembro de 1937. 93 GAZETA DO POVO. Curitiba, 9 de setembro de 1937. 94 GAZETA DO POVO. Curitiba, 18 de setembro de 1937. Esse momento perdura ainda em novembro, como foi veiculado: “Getúlio Vargas que não pleiteia a sua permanência no poder, não autorizou qualquer

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No final de outubro, o clima de instabilidade (acrescentado pela ameaça comunista)

e principalmente de incerteza presente no cenário nacional, se fazia veicular no jornal

demonstrando a improbabilidade do pleito de janeiro de 1938.

A OPINIÃO PÚBLICA JÁ NÃO CRÊ NO PLEITO DE JANEIRO! Recife, 27- Falando à imprensa, o capitão dos portos e o comandante da Região militar ambos, da junta Executora do Estado de Guerra, depois de salientar a grande gravidade da infiltração comunista no país, manifestaram a convicção da insuficiência do prazo de três meses de estado de guerra para o país reintegrar-se no ritmo da ordem e da paz. Comentando tais declarações, o Jornal do Comércio, em artigo que acusou sensação em todos os círculos, demonstra que a opinião publica já não acredita nas eleições em janeiro, desejando apenas, que as classes armadas continuem a sua ação desinteressada e patriótica contra aqueles que pretendem solapar a base das instituições, inaugurando em nossa terra um regime de sangue e de terror95.

E, como se abordou no primeiro capítulo, a sucessão da pasta da Justiça, para

Francisco Campos, implicava juntamente com a promulgação de uma Carta Constitucional,

pronta há cerca de três meses96. Francisco Campos, para ressaltar sua figura, ao longo do

Estado Novo estaria sempre presente, ora para reforçar a instauração do Estado Novo, ora

enaltecendo a política varguista com seus discursos publicados nos jornais.

No dia 11 de Novembro é que foram veiculadas notícias acerca do golpe. Notícias

vindas do Rio de Janeiro expunham o apoio, a repercussão e em que se findava o Golpe:

O GRANDE E HISTÓRICO DIA ONTEM VIVIDO PELO BRASIL Getúlio Vargas, com o apoio das classes armadas, institui para o Brasil um governo forte e outorga ao povo uma Constituição capaz de lhe garantir a liberdade e promover-lhe os justos anseios de bem estar97.

Aliadas do governo varguista principalmente no momento do Golpe, as Forças

Armadas, foram veiculadas na imprensa com a afirmação de seu caráter extremamente

protetor e lhe foi conferida a responsabilidade pela segurança nacional, no ato promovido e

na sua continuidade:

PROCLAMAÇÃO AO EXÉRCITO A Pátria e o regime repousarão sobre nossa guarda. Teremos força para cumprir as atribuições que nos são próprias, em defesa da ordem, da integridade política e da soberania nacional. Declarou o Ministro da Guerra General Eurico Gaspar Dutra98.

iniciativa nesse sentido, nem aceitaria o resultado favorável do trabalho que porventura estivessem promovendo em seu favor.” GAZETA DO POVO. Curitiba, 2 de novembro de 1937. 95 GAZETA DO POVO, Curitiba, 28 de outubro de 1937. 96 Ver nota 16. “O NOVO TITULAR DA PASTA DA JUSTIÇA (RIO,9) divulgação do decreto presidencial, exonerando o sr. Macedo Soares da pasta da Justiça e nomeando, para substituí-lo, o sr. Francisco Campos”. DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 9 de novembro de 1937. 97 GAZETA DO POVO, Curitiba, 11 de novembro de 1937. 98 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 11 de novembro de 1937.

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Foi assim que o Golpe se instaurou. “Ocasionalmente, a surpresa – vulgarmente

denominada de um ‘golpe’ – quebra a rotina, espanta e dá vantagens. [Para se legitimar],

novas técnicas dão meios mais poderosos à dramaturgia democrática, os da mídia, da

propaganda e das sondagens políticas. Elas reforçam a formação das aparências, ligam o

destino dos homens de poder tanto à qualidade de sua imagem pública quanto às suas

obras. Denuncia-se então a transformação do Estado em ‘espetáculo’, em teatro da

ilusão”99. Segundo Balandier, “as situações e as circunstâncias, não somente a natureza

dos regimes, podem contribuir para acentuar a teatralidade política”, onde “o poder utiliza,

aliás, meios espetaculares para marcar sua entrada na história, expor os valores que exalta e

afirmar sua força”100.

O momento do Golpe teve como antecedente um democrático clima político: as

eleições se organizavam, a veracidade e prática do pleito estavam aparentemente tão

possíveis e próximos. Porém, quanto a segurança nacional se acrescentava a eminente

ameaça comunista que pairava sobre o Brasil. Esses antecedentes permitem articulações

passíveis de análise pelo benefício da distância temporal que envolve esse trabalho e que

no decorrer de poucos dias, se revelou como surpresa.

Na “Nova Constituição Política, onde o sr. Getúlio Vargas, apoiado nas forças de

terra e mar, reorganiza a Nação sobre novas bases políticas101, o Golpe se fez justificado e

fundamentado.

A nova ordem de coisas instituída no Brasil com a promulgação da Constituição de 10 corrente, veio libertar a seção governamental das peias partidárias que a envolviam102.

Acrescentando o caráter protecionista da Nova Constituição:

PARA MELHOR ASSEGURAR A PAZ RIO, 10. Uma nota oficial fornecida à imprensa diz que a nova Constituição do país foi promulgada pelo gabinete ministerial, após a reunião desta manhã, no palácio Guanabara. A nova carta magna foi decretada para melhor assegurar a paz nacional, ameaçada pelo comunismo. Haverá parlamento e um Conselho Consultivo de Economia nacional, estando garantidos todos os direitos dos cidadãos e todos os contratos existentes. 103

O Golpe, preemeditadamente articulado (ou não), por Vargas, Forças Armadas (por

tomar para si a responsabilidade da segurança e integridade nacional) e Francisco Campos

99 BALANDIER, Georges. Op. Cit., p. 8. 100 Idem, p. 8-10. 101 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 11 de novembro de 1937. 102 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 12 de novembro de 1937. 103 GAZETA DO POVO, Curitiba, 11 de novembro de 1937.

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(pela elaboração da Carta) reproduziu-se nas matérias divulgadas. Como também serviu de

objeto de análise da intelectualidade paranaense e dos responsáveis pelos jornais.

O editorial de Plácido e Silva (editor da Gazeta do Povo) representava a tensão na

população, revelava o clima antes de ser instaurado efetivamente o Estado Novo e a

repercussão na cidade:

NOVAS ESPERANÇAS O Brasil inteiro de norte a sul, vinha aguardando atenciosamente, o desfecho esperado que transmutava a face de nossa política interna. Ninguém mantinha a menor dúvida de que necessitamos mesmo de uma modificação nas regras fundamentais que emperravam a defesa do país e que criavam algumas dificuldades à solução de palpitantes problemas nacionais. Por várias vezes, sem sermos profetas e nem quiromantes, tivemos a ousadia de acentuar que, em meio a toda sorte de iniciativas aventadas, a continuidade do sr. Getúlio Vargas no poder era o anseio de toda a gente, mesmo daqueles que se sentiam prejudicados com a sua ação administrativa. (...)

Demonstrando todo o cenário de incerteza que se articulava anteriormente ao

Golpe, Plácido e Silva reforçava a agitação quanto a continuidade de Vargas no poder,

quanto a uma nova Constituição e revelava a presenças das forças (armadas) previamente

articuladas, finalizando com o clima de otimismo que permeava a incerteza:

Falava-se em prorrogação do mandato, em reforma da Constituição. E ninguém se opunha sinceramente a qualquer deliberação que nos conservasse o chefe, que a revolução de outubro nos havia indicado. Era, assim, esperada a reviravolta, que as notícias nos dão, até agora, sem maiores pormenores.

Somente se sabe que o executivo federal, com as razões que todos reconhecem

justas, com o apoio dos brasileiros de verdade, das forças que nos defendem, assumiu a

posição de um novo comando, para firmar os interesses nacionais em bases mais sólidas e

sem os entraves de leis, que negavam assistência e apoio aos intuitos de uma nova ordem

nacional. (...)

Resolução inabalável se evidenciava precisa para organizar todas as forças vivas da nação Brasileira em defesa de sua própria integridade. Escrevemos agora, quinze horas de dez, sem conhecermos todos os pormenores dos acontecimentos que estão empolgando todo o país. Não sabemos se acertamos ou se erramos. A ansiedade, no entanto, se apresenta otimista, porque toda gente se mostra confiante na ação de nossos patrícios que mais uma vez, arrostando toda sorte de aborrecimentos, tentam salvar o Brasil da derrocada para onde pretendiam (...) os interesses subalternos104.

Depois, conhecendo os fatos que foram consumados, o clima de otimismo se

reverte em agrado. Assim, Plácido e Silva escreveu:

OPINIÃO: NOVAS ESPERANÇAS, POR PLÁCIDO E SILVA.

104 GAZETA DO POVO, Curitiba, 10 de novembro de 1937.

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Toda a população da cidade recebeu com agrado a notícia da promulgação, ontem, no Rio de Janeiro, pelo gabinete ministerial do sr. Getúlio Vargas, presidente da república, da nova carta magna do país. Grande foi o interesse da população em conhecer as notícias, que vinham chegando, a princípio confusas para serem, logo mais, totalmente claras, com a brilhante e explicita oração pronunciada pelo sr. Getúlio Vargas ao microfone do Departamento Nacional de Propaganda, que foi ouvido por milhares de pessoas aglomeradas em nossa principal artéria, em frente ao edifício da Gazeta do Povo, que fez a retransmissão, em altos falantes, da notável e histórica peça oratória do Chefe da Nação. Assim, pois, pode-se assegurar que a cidade recebeu com jubilo a profunda mudança no regime político e está inteiramente solidária com o sr. Getúlio Vargas105.

No dia Dez de Novembro, era instaurado o Estado Novo. No Paraná, “(...) o sr.

Manoel Ribas, governador do Estado recebeu, do sr. Francisco Campos, o ministro da

Justiça, um telegrama, no qual lhe era comunicado que acaba de ser promulgada a Nova

Constituição da República.(...) Ipso fato, acham-se dissolvidos o Senado, a Câmara Federal

bem como as Assembléias Legislativas dos Estados e Câmaras Municipais”106.

Repassando as notícias recebidas da capital federal, o jornal aqui, divulgava, entre

outras coisas, a importância a ser atribuída e justificada na promulgação da Nova Carta:

PARA MELHOR ASSEGURAR A PAZ RIO, 10. Uma nota oficial fornecida à imprensa diz que a nova Constituição do país foi promulgada pelo gabinete ministerial, após a reunião desta manhã, no palácio Guanabara. A nova carta magna foi decretada para melhor assegurar a paz nacional, ameaçada pelo

comunismo. Haverá parlamento e um Conselho Consultivo de Economia nacional, estando garantidos todos os direitos dos cidadãos e todos os contratos existentes107.

Evidenciou-se o princípio de defesa nacional como justificativa contra o

comunismo. Outro aspecto que se relacionou, nesse momento do Golpe e que aparecerá ao

longo dos anos do Estado Novo, é a questão da Revolução de 30 e os ideais que trazia

consigo (contra os interesses oligárquicos e disputas partidárias que reapareceriam na

efetivação das eleições). Também se leva em consideração, a continuidade no poder e a

necessidade de Vargas se manter no poder, pois a ele já lhe era conferido caráter de

defensor da Nação, acompanhado do apoio das Forças Armadas.

PRECIPITARAM-SE OS ACONTECIMENTOS A Revolução de 30, após dois anos de amargas experiências dentro do regime legal, retornou seus rumos primitivos para não trair seus postulados.

O eminente Getúlio Vargas, cônscio da responsabilidade que lhe colocamos sobre

os ombros, na gloriosa arrancada de outubro, não podia desmerecer da nossa confiança e

devolver-nos um Brasil em piores condições do que o havíamos encontrado quando

inauguramos a Segunda República.

105 GAZETA DO POVO, Curitiba, 11 de novembro de 1937. 106 GAZETA DO POVO, Curitiba, 11 de novembro de 1937. 107 Grifo meu. GAZETA DO POVO, Curitiba, 11 de novembro de 1937.

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Por fim, ao revelar dos acontecimentos coube a aceitação dos gestos, da união em

defesa da Pátria:

E aqui à altura das circunstâncias, depois de tudo tentar para o restabelecimento dos sãos princípios da Democracia e resultando inúteis seus patrióticos esforços no sentido de assegurar a tranqüilidade da família brasileira dentro dos quadros legais, e em perfeita união de vistas com as forças armadas do país, acaba de restabelecer o regime discricionário para continuar a ser, sob as aparências de ditador, o mais democrático, o mais benigno e o mais justo estadista de toda a América. Nesse passo decisivo a que foi levado por um conjunto de circunstâncias merecedoras do aplauso de todos os patriotas sinceros, não podia deixar de contar com a solidariedade indefectível do Paraná, sempre na dianteira dos grandes movimentos de civismo. E foi por isso que o apoio pronto e sincero oferecido ao presidente Getúlio Vargas pelo nosso governador, sr. Manoel Ribas ecoou compreender a delicadeza do momento. Ao lado do sr. Manoel Ribas estará o povo para acompanhar o Governo Central, porque ninguém ignora que esse gesto importa na salvação da Pátria108.

3.1 Dez de Novembro: Primeiro Aniversário

“Todo sistema de poder é um dispositivo destinado a produzir efeitos”109, logo o

Dez de Novembro era uma data que passava a incorporar-se no calendário das festas

cívicas e comemorativas do Brasil. Evidentemente, apresentava-se com um caráter muito

específico, um diferencial frente às demais; de legitimação.

A essa data, à organização da festa, foi dado o caráter de instauração do novo,

açambarcando as “circunstâncias merecedoras” apresentadas anteriormente. Foi a partir de

1938, que sua apropriação pelo projeto político de Vargas, dava a esse evento o efeito de

estar associado ao poder e tornar-se necessário tanto na manutenção, como na legitimação.

A Constituição apresentada pouco antes do Golpe, ganhava importância no

Primeiro Aniversário do Estado Novo. Como visto, a partir da sua promulgação e dos

artigos que nela estavam o regime estado-novista passava a se fundamentar. Francisco

Campos, para acalmar qualquer incerteza proclama que “não serão introduzidas

modificações na constituição110”, bem como, não seriam modificados artigos, nem

incluídas novas propostas:

BOATOS, APENAS Noticias oficiosas do rio declaram positivamente que, ao contrário do assoalhado pela boataria, não se tocará na Constituição de Dez de Novembro, não será adotado o divórico a vínculo; não haverá redivisão territorial do país. Essas atoardas nascem nos cafés. E circulam para efeitos derrotistas ou confusionistas contra a democracia autoritária.

108 GAZETA DO POVO, Curitiba, 11 de novembro de 1937. 109 BALANDIER, Georges. Op. Cit. p. 6. 110 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 5 de novembro de 1938.

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Oportuno, portanto, venham desmentidos como os acima veiculados que liquidam pela raiz noticiário tão tendencioso quão nocivo111. NÃO SE COGITA DE MODIFICAR A CONSTITUIÇÃO RIO, 3 – Um vespertino diz-se devidamente informado, podendo afirmar, com a maior segurança, que o presidente da República não expedirá a 10 do corrente, ou antes ou depois dessa data, nenhum ato adicional ou simplesmente decreto modificando qualquer parte, artigo ou parágrafo da Constituição. Em conseqüência, não haverá modificação alguma que restaure, no todo ou em parte, os atos ilegais já decretados a respeito de acumulações de empregos, remunerados ou não.

Consequentemente, também não haverá, nem jamais esteve nas cogitações do

governo, uma nova divisão geográfica ou política dos Estados, com alteração de sua atual

extensão ou limites territoriais. E finalmente, em virtude de continuar e permanecer

intangível a Constituição de Novembro não haverá ‘absolutamente e de maneira alguma’ o

divórcio na legislação do Brasil112.

Os jornais também divulgaram o pronunciamento de Getúlio, quanto a

Constituição, tanto no sentido de conter as possíveis incertezas, como para reforçar sua

importância:

O PRIMEIRO ANO DE NOVO REGIME ATRAVES DA PALAVRA DO CHEFE DA NAÇÃO. Importantíssimas declarações do sr. Getúlio Vargas aos jornalistas. A constituição de 10 de novembro não é uma experiência e nem um ensaio sujeito a substituições periódicas. Nenhum sacrifício nesta hora grave será bastante como nenhuma vigilância será excessiva para a defesa da nossa bandeira, do nosso idioma e das nossas tradições, porque não toleramos qualquer gesto que se traduza na diminuição de nossa soberania. Conclamando os brasileiros a uma união perfeita e sagrada. Os nossos problemas analisados pela palavra do presidente Vargas.

Transcorre hoje, o primeiro aniversário do golpe de 10 de novembro, que viu,

inaugurar-se, no Brasil, uma nova orientação política e econômica, como base na unidade

nacional e no prestígio da autoridade contra as pretensões personalistas das agremiações

partidárias.

Em todo o Brasil o acontecimento receberá demonstrações de solidariedade do povo, que de há muito ansiava por um regime de honestidade e de realizações compatíveis com a situação do país.

Veiculava-se os eventos que aconteceram na capital federal:

RIO, 5 – Como será comemorado o dia 10. Um dos números mais importantes dos próximos festejos comemorativos do primeiro aniversário do Estado Novo será a grande parada trabalhista anunciada para aquele dia. (...) Todos os sindicatos do rio, Niteróis e cidades fluminenses vizinhas estão arregimentando os elementos consideráveis que poderão alinhar naquele dia, noticiando um vespertino que,

111 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 28 de outubro de 1938. 112 GAZETA DO POVO, Curitiba, 4 de novembro de 1938.

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pelos preparativos, a parada trabalhista do dia 10 contará com a participação de cinqüenta mil homens do trabalho113.

No Paraná: Também entre nós se efetivarão várias e expressivas comemorações, conforme passamos a relatar: Desfile trabalhista; os trabalhadores prestarão hoje significativas homenagens ao Dr. Getúlio Vargas, aclamando o Estado Novo. Querendo manifestar ao ilustre presidente da República, dr. Getúlio Vargas, a sua inteira solidariedade com o regime inaugurado em 10 de novembro de 1937, as classes trabalhadoras dessa capital, farão hoje, as 4h da tarde empolgante passeata saindo da Praça Osório aquela hora, demandará a Praça Santos Andrade, onde passarão em desfile perante as autoridades civis e militares que aguardarão a sua passagem defronte à Universidade do Paraná114.

O primeiro aniversário do Estado Novo era“(...)comemorado principalmente pelas

classes trabalhistas que entre demonstrações de entusiasmo, significam ao chefe do

governo o seu reconhecimento pelos benefícios recebidos pela classe através de medidas

asseguradoras de novos direitos e novas regalias. [Eram] manifestações espontâneas,

partidas da alma popular, impregnadas de sinceridade e, por isso mesmo, eloqüentes. Elas

diziam, na sua simplicidade, que o ato do sr. Getúlio Vargas foi o mesmo imperativo da

vontade nacional.”

“O caráter pedagógico da festa é que possibilita a transmissão dos valores dos

novos regimes, ou seja, as festas são responsáveis pela manutenção da lembrança e, como

tal, representam instrumentos adequados para incutir, na massa, os ideais que os regimes

querem perpetuar”115. Dessa forma, fazia parte das intenções governo, retornar à

Revolução de 30 e retomar seus ideais, enaltecer a importância da Constituição e ter todos

esses princípios incutidos na classe trabalhadora, por exemplo.

Com relação a Curitiba, “a nossa capital, por seus núcleos trabalhistas não podia

estar alheia à data que hoje se comemora”116.

A PARADA TRABALHISTA DE ONTEM Conforme esta anunciada, apesar da tarde fria, realizou-se ontem nessa capital uma grande Parada Trabalhista em comemoração à passagem do primeiro aniversário do Estado Novo117. AS COMEMORAÇÕES DE ONTEM AO ESTADO NOVO. A passeata trabalhista reuniu mais de 2000 operários118.

Desde a primeira comemoração do seu aniversário, o Estado Novo converte para

nas festas todos os preceitos que pretende levar ao longo de todo o seu processo político. O

113 GAZETA DO POVO, Curitiba, 6 de novembro de 1938. 114 GAZETA DO POVO, Curitiba, 10 de novembro de 1938. 115 SCHEMES, Claudia. Op. Cit., p. 32. 116 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 10 de novembro de 1938. 117 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 11 de novembro de 1938. 118 GAZETA DO POVO, Curitiba, 11 de novembro de 1938.

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regime de Vargas “arranja, modifica e organiza, segundo as exigências dos proveitos

econômicos e sociais de que é guardião, mas, também, para não ser esquecido e para criar

condições para suas comemorações futuras119.” Ao longo desse capítulo, isso se confirmará

pelo que a fonte evidenciou, o caráter de construção que é fomentado no 10 de Novembro.

Lenharo considera que a festa ou a comemoração representam a mudança no

cotidiano; onde ela transmite emoção e uma energia utilizada com força para afugentar a

monotonia do dia-a-dia120. Seguindo esse raciocício, “Da Matta afirma que [...] o dia de

festa é diferente dos outros dias, não só no sentido ‘material’ (normalmente não se trabalha

nesse dia121, veste-se melhor, altera-se o horário das refeições), mas também no sentido

‘espiritual’, quando a simples consciência de que o dia é de festa influencia o estado de

espírito do indivíduo, ou seja, a sociedade passa a ter uma visão não-rotineira de si mesma,

o que pode levá-la a mirar-se no seu próprio espelho social e ideológico; projetando

múltiplas imagens de si própria, engendra-se como medusa na sua luta e dilema entre o

permanecer e o mudar”122.

Na íntegra, o editorial abaixo, aborda todas as questões que o regime queria que se

perpetuassem. Afora isso, a imagem que se tem de Vargas e a que se manifestava nas

comemorações é a de líder e condutor das massas.

A FESTA DA DEMOCRACIA AUTORITÁRIA Está em festa a democracia autoritária. Completa seu primeiro aniversário. E balancea seu ativo e passivo. Ao nosso ver a Revolução é sempre um processo que continua, que não cessa, porque ela é inerente à própria natureza das coisas. Por isso, iniciado o processo em 1930 no Brasil, ele veio se desenvolvendo através de tropeços e dificuldades que a velha política partidária e os interesses decorridos criava. Isso não obstante, seu rosário de realizações foi enorme em todos os setores da vida nacional, criando uma legislação social avançada e bela, antecipada a de muitos países e com os requisitos necessários a preservação da coletividade dos inconvenientes das competições de classe.

E tudo quanto se vem operando no Brasil tem esse sentido social elevado e nobre. Vibrado o golpe de 10 de novembro, eliminaram-se da senda do Brasil os obstáculos do politiquismo. E o governo entrou numa fase de novas e mais profundos cometimentos. Não pode executar tudo quanto o nosso progresso e as nossas deficiências reclamam. E um dos motivos foi, não há como oculta-lo, foi a insanie dos extremistas da direita, com suas intentonas e suas atitudes de franca rebeldia em face do Estado Novo. Mas a Democracia Autoritária está forte. E o balanço de suas atividades nestes 12 meses lhe é francamente favorável. Ainda ontem, na sua entrevista com a imprensa o dr. Getúlio Vargas mostrou como tem sido fecunda a ação governamental e quanto está disposto a trabalhar pela grandeza do Brasil. DIÁRIO DA TARDE que tem dado irrestrito apoio ao Estado Novo, principalmente pela sua impressionante e corajosa solicitude para com as classes trabalhadoras, congratula-se

119 BALANDIER, Georges. Op. Cit., p.10. 120 LENHARO, Alcir. Op. Cit., p. 40. 121 SERÁ FERIADO NACIONAL. Pelo chefe do governo será decretado feriado nacional o próximo dia 10 de novembro, primeiro aniversário do Estado Novo. GAZETA DO POVO, Curitiba, 5 de novembro de 1938. 122 Apud SCHEMES… p.56.

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pela data de hoje e faz votos para que o programa de reconstrução da Pátria seja levado avante com êxito123.

3.2 Com as devidas apropriações O primeiro ano do Estado Novo precisava incutir na população algo novo. A

comemoração, era nova. As estratégias, eram as mesmas. Os participantes, eram os

comuns a toda e qualquer festa comemorativa. Mas, essa festa tinha a necessidade de

reforçar o regime presente. E...se fazer presente, também era presentear. “A festa é

considerada algo que pode ser feito e refeito a qualquer momento e por qualquer um,

dependendo da necessidade existente. É um instrumento muito eficiente para a manutenção

de uma determinada situação”124.

A apropriação da data, em esfera nacional, além de fazer ver o líder, tinha a

intenção de repercutir. Para tal, propostas e medidas nas várias áreas do governo eram

promovidas.

O SR. FRANCISCO CAMPOS RECEBERÁ O NOVO PROJETO DO CÓDIGO PENAL. RIO, 8 – Vai ser entregue amanhã ao sr. Francisco Campos, ministro da Justiça o projeto do Novo Código Penal. Segundo informações obtidas em fontes bem informadas, trata-se de um trabalho longo e substancioso, que deverá ser levado a assinatura do presidente Getúlio Vargas depois de amanhã, a fim de ser convertido em Lei na data Aniversária do Estado Novo125.

Em 1940:

SERÁ REGULAMENTADA A 10 DE NOVEMBRO A JUSTIÇA DO TRABALHO Segundo noticiou o “Correio da Manhã”, do Rio, vai ser prestada ao Presidente da República, no próximo dia 9 , uma grande manifestação de simpatia das classes trabalhistas, por motivo da passagem do primeiro decênio de seu governo. Nessa ocasião, o sr. Getúlio Vargas pronunciará importante discurso, no qual aludirá as promessas que fez às classes trabalhadoras do país, quando leu a sua plataforma de candidato à presidência da República naquele mesmo local, a Esplanada do Castelo, onde se realizará a manifestação. O presidente Getúlio Vargas assinará, na mesma ocasião, o direito de regulamentação da Justiça do Trabalho126.

Segundo os líderes, os benefícios que a classe trabalhadora alcançara com sua

política social tinham sido tão grandes que as representavam uma profunda mudança na

sociedade e na vida. Dessa forma, a festa se apresentava como um dos instrumentos para

esse reforço, pois revitalizava os princípios desejados pela repetição e pela lembrança127.

Vargas consciente que “o regime que instituímos só visa promover a grandeza do

123 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 10 de novembro de 1938. 124 SCHEMES, Claudia.Op. Cit., p. 33. 125 GAZETA DO POVO, Curitiba, 9 de novembro de 1939. 126 GAZETA DO POVO, Curitiba, 1 de novembro de 1940. 127 SCHEMES, Claudia. Op. Cit., p. 32.

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Brasil”128, reforçava-se nos trabalhadores. A apropriação da data será com o efeito de criar

vínculos entre a festa e medidas políticas e sociais de forte alcance dessa parcela da

população. Justamente àquela onde Vargas, conseguido o apoio, legitimava e sustentava

seu governo.

Pois, além de ter aqueles por onde se fazia representar, Getúlio Vargas, transmitia a

imagem e se fazia veicular como o mediador e salvador dos problemas sociais.

A eficiência do seu regime, para nós, fundamenta-se na propaganda. E a essa lhe

competia uma complexa articulação. Desde a organização dos eventos nos locais públicos,

a construção de discursos a serem veiculados, a cooptação da população, o lançamento de

propostas para os próximos anos. Enfim, múltiplas facetas legitimadoras, reforçadoras e

principalmente, sustentadoras de sua permanência no poder. Manter no poder, era

responder ao anseio da população, bem como atender aos problemas sociais.

O PRESIDENTE VARGAS FALARÁ, HOJE AOS JORNALISTAS E TRAÇARÁ O PROGRAMA ADMINISTRATIVO DO GOVERNO PARA 1939. RIO, 8 – O sr. Getúlio Vargas receberá amanhã no Palácio do Catete os jornalistas brasileiros do interior, bem como os representantes dos jornais estrangeiros, aos quais falará sobre o primeiro aniversário do Estado Novo, discorrendo sobre o programa administrativo do próximo ano. Nessa entrevista coletiva à imprensa o chefe da Nação responderá a quaisquer perguntas que lhe sejam feitas pelos periodistas nacionais e estrangeiros129.

O compromisso na comemoração de mais um aniversário do Estado Novo era se

fazer mais. Além de ter o caráter de retrospecto130, cada passagem de aniversário repetia o

conceito a ser reforçado; a Carta Constitucional Brasileira que numa hora feliz e inspirada

foi instituída pela clarividência do Presidente Getúlio Vargas131. A iniciativa do Presidente

Vargas, comemorada anualmente a 10 de Novembro, como uma das mais expressivas datas

nacionais132.

O progresso que se observa em todos os setores da vida do país, tanto nos domínios

da União como através da obra dos Interventores nos Estados, espelha as realizações do

Estado Novo e tornam-se assuntos de real importância para a coletividade.

PALAVRAS DO PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS NA REUNIÃO DOS INTERVENTORES: “Quinhentos e sessenta e um municípios se ressentem da falta de transportes, o que torna evidente a necessidade de olharmos com atenção e imediatamente para esse problema”, disse o chefe da Nação. – S. Excia. faz um exame retrospectivo de tudo que tem feito pelo Brasil, durante os seus nove anos de governo. (...)

128 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 12 de novembro de 1940. 129 GAZETA DO POVO, Curitiba, 9 de novembro de 1938. 130 “O ministro Francisco Campos, falará ao microfone, fazendo um retrospecto do que foi realizado em dois anos de Estado Novo”. DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 7 de novembro de 1939. 131 GAZETA DO POVO, Curitiba, 7 de novembro de 1941. 132 GAZETA DO POVO, Curitiba, 10 de novembro de 1944.

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Diz depois o sr. Getúlio Vargas que o 2º aniversário do Estado novo veio encontrar o país em plena ordem e trabalho. Muito há ainda por fazer. Precisamos encarar as nossas deficiências. Não basta apresentar empreendimentos, mas, ajusta-los a um sentido prático. (...) Diz o sr. Getúlio Vargas que a obra do Estado Novo ainda está no seu início. Os descontentes e os prejudicados têm que reconhecer o que se vem fazendo. Educação, saúde, economia e finanças, ordem política e social – tudo está sendo encarado com patriotismo. Passa depois o sr. Getúlio Vargas a aludir a nossa situação internacional, para dizer que o Brasil já definiu sua posição neutra, referindo-se após solidariedade continental dentro de um alto espírito de cooperação, obedecendo a nossa nação ao verdadeiro sentido democrático. Diz que devemos lamentar essa guerra de extermínio entre países amigos, e finaliza fazendo uma alusão à necessidade de nos conservarmos sempre em paz de acordo com as tradições que nos legaram os nossos antepassados, dentro da solidariedade cristã e de amor à Pátria133.

Também eram divulgados os discursos de Ministros:

COMEMORAÇÕES DO ESTADO NOVO O Dez de Novembro não é um marco arbitrariamente fincado no tempo, nem uma criação gratuita da hora que passa; emerge de um longo passado de erros e falsidades e é uma severa afirmação para o presente e para o futuro, incluindo-se entre as categorias de duração. O Dez de Novembro resulta de cinqüenta anos de experiência política. O Dez de Novembro não foi um ato de violência. O antigo regime era, evidentemente, um regime demissionário e caduco. O Estado novo nasceu como uma imposição da ambiência social e política em que vínhamos vivendo. Por Francisco Campos134. ONZE ANOS DE CONFIANÇA. ENTUSIASMO E FÉ NOS DESTINOS DO BRASIL. Importante conferência pronunciou ontem o Ministro da Aeronáutica, sr. Salgado Filho, em comemoração ao Undécimo Aniversário da posse do Presidente Vargas135.

A Comemoração do Dez de Novembro do Paraná, fazia-se como em todos os

outros Estados, onde “a data do aniversário do Estado nacional tem constituído sempre

uma ocasião para a entrega e apresentação ao povo dos novos melhoramentos instituídos

pelas autoridades governamentais, além de uma demonstração de trabalho construtivo em

todos os setores das atividades nacionais, também serão levadas a efeito várias solenidades

em que as autoridades locais e o povo consagrarão para festejar mais uma data que diz de

perto com as altas aspirações do povo brasileiro”136.

No Paraná, a data também foi usada para lançamento de medidas, bem como

inaugurações:

ESTADO NOVO: PROGRAMA DE COMEMORAÇÕES Comemorando o 6º aniversário da implantação do Estado Novo, como nas demais unidades da Federação, o governo organizou um programa de comemorações.

133 GAZETA DO POVO, Curitiba, 11 de novembro de 1939. 134 GAZETA DO POVO, Curitiba, 9 de novembro de 1941. 135 GAZETA DO POVO, Curitiba, 5 de novembro de 1941. 136 GAZETA DO POVO, Curitiba, 9 de novembro de 1944.

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Pela manhã, em continência ao sr. Interventor Federal, desfilou ao Palácio São Francisco, um contingente da Força Pública: as 10 horas, o sr. Manoel Ribas, com a presença de autoridades no Palácio do Governo, procedeu à inauguração simbólica dos seguintes melhoramentos: pontes sobre o rio Tibagi, Iapó e Água Branca. As comemorações prosseguirão na seguinte ordem: Às 12 horas: inauguração do edifício da Agência do Instituto de Aposentadoria... Solenidades comemorativas internas em todos os estabelecimentos de ensino na capital: Às 14 horas sessões cinematográficas nos cines América e Palácio, oferecidas pelo DEIP. Às 17 horas, passeata pelas ruas centrais da capital em homenagem ao Presidente Getúlio Vargas.137 O SÉTIMO ANIVERSÁRIO DO ESTADO NOVO. ... Como nos anos anteriores, expressivas comemorações serão levadas a efeito em todo o país, numa demonstração da unidade do povo brasileiro, especialmente no grave momento que atravessamos e perante as altas responsabilidades atribuídas no país, em sua luta contra o fascismo internacional.[...] No Paraná, várias e expressivas comemorações serão levadas a efeito, constando da inauguração de importantes melhoramentos públicos, dentre os quais se destaca a inauguração da imponente ponte sobre o Rio Iguaçu, em União da Vitória138. Em Curitiba, além das comemorações a serem proferidas nas escolas primárias e secundárias e pela emissora local, a cerimônia de maior destaque é a abertura do Primeiro Salão Paranaense de Belas Artes, que se instala sob o alto patrocínio do governo do Estado [...] com o propósito de enaltecer os valores paranaense no terreno da arte, o certame será instalado anualmente sob o patrocínio do governo estadual, que o idealizou e criou139. PROGRAMA DE COMEMORAÇÕES PARA O DIA 10 DE NOVEMBRO – 5º ANIVERSÁRIO DO ESTADO NOVO. Organizado pelo comando da 5ª Região Militar e pelos governos dos Estados do Paraná e Santa Catarina. No Paraná, incineração de dezessete mil e cento e trinta e dois títulos da dívida interna do Paraná, já resgatados140.

COMEMORAÇÕES DE 10 DE NOVEMBRO Magnífica oração proferida pelo Dr. Ângelo Lopes, por ocasião do lançamento da pedra fundamental das obras de reforço do abastecimento de águas da capital141.

A festa era um “ritual necessário para legitimar uma determinada situação. Era

através da emoção, do movimento dos símbolos e dos gestos que se procurava unir a

sociedade, provocando a sensação de felicidade geral”142. A repercussão da comemoração

do Dez de Novembro, em variados níveis: estadual, nacional e internacional tinha a

intenção de ser vista e de revelar apoio. O caráter de repercussão, nos Estados, era

indicativo de cooptação da população, de legitimação. A sensação de felicidade, além de

ser percebida com a participação nas festas, era demonstrada pelas frases colocadas ao

longo do jornal:

137 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 10 de novembro de 1943. 138 GAZETA DO POVO, Curitiba, 9 de novembro de 1944. 139 GAZETA DO POVO, Curitiba, 9 de novembro de 1944. 140 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 9 de novembro de 1942. 141 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 10 de novembro de 1942. 142 SCHEMES, Claudia. Op. Cit.,p. 55.

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O 2° ANIVERSÁRIO DO ESTADO NOVO. A exaltação da imprensa brasileira manifestando jubilo pela grande data que marcou uma nova era para a Nação143.

BRILHANTEMENTE SERÁ COMEMORADO O DIA 10 DE NOVEMBRO144

GLORIFICANDO O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DO ESTADO NOVO

As solenidades que hoje serão realizadas em nossa capital em homenagem ao novo regime145.

IMPONENTES SOLENIDADES COMEMORARAM A PASSAGEM DO 5º ANIVERSÁRIO DO ESTADO NOVO.146

As notas que saíam no jornal, exaltando a data e revendo tinham como modelo

mostrar favoravelmente o governo. Primeiramente, apresentavam o programa das

comemorações; a convocação. Em seguida, expunham a repercussão da festa, servindo,

mais uma vez como reforço do regime.

A questão da permanência de Vargas no poder, era contada ao longo dos anos. No

ano de 1940, a apropriação do Dez de Novembro foi para “as comemorações do decênio

do governo do Presidente Getúlio Vargas, com solenidades em que participarão todas as

classes sociais e forças armadas, a serem iniciadas, no dia 3 de novembro, em todo o

país147:

EM COMEMORAÇÃO AO ANIVERSÁRIO DO ESTADO NOVO. Afim de que a data de 10 de novembro seja comemorada condignamente em todo o Estado, as altas autoridades estaduais enviaram circulares para os prefeitos municipais e sociedades, solicitando-lhes que organizem festas em comemoração ao aniversário do Estado Novo. Nas prefeituras municipais haverá baile oficial, falando por essa ocasião um orador sobre a obra do Estado Novo148.

Juntamente com as autoridades dos Estados, com o DEIP (Departamento Estadual

de Imprensa e Propaganda), o DIP149 era o órgão responsável em organizar as festas.

TERRA DOS ESTADOS DO BRASIL: RIO, 6 – Foi entregue ao presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete, a urna contendo a terra dos Estados do Brasil. ‘Ao presidente Getúlio Vargas, o Brasil uno e indivisível’, é a legenda que nela se encontra gravada, em alto-relevo. A entrega foi feita pelo diretor do DIP que se fez acompanhar de todos os representantes estaduais que tomaram parte na festa anteontem realizada150.

143 GAZETA DO POVO. Curitiba, 12 de novembro de 1939. 144 GAZETA DO POVO. Curitiba, 10 de novembro de 1941. 145 GAZETA DO POVO. Curitiba, 10 de novembro de 1938. 146 GAZETA DO POVO. Curitiba, 11 de novembro de 1942. 147 GAZETA DO POVO, Curitiba: 2 de novembro de 1940. 148 GAZETA DO POVO, Curitiba: 5 de novembro de 1940. 149 A censura no jornal, não é precisa ou explícita. Mas tem-se em mente que vários órgãos tinham o dever de verificar o que era divulgado. É evidente que, notícias enviadas pelas agências do governo ou pelos jornais cooptados e veiculadas através dos estados, já haviam passado por verificação. Mas não foi essa preocupação nossa. Preocupou-se em revelar o que se veiculou. 150 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 6 de novembro de 1940.

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“Emocionante cerimônia que constituiu a entrega ao chefe da nação da urna contendo terra de todos os Estados”, representando “a riqueza simbólica e a unidade da Pátria”151.

Os jornais também publicavam a repercussão internacional, como a Comemoração

do Decênio de Vargas em outros países:

A POLÍTICA DO PRESIDENTE VARGAS APRECIADA POR UM JORNAL ITALIANO. MILÃO, 5 – Os comentários da imprensa italiana evidenciam o interesse e a simpatia com que a Itália acompanha as festas da nação brasileira, por motivo do 10º Aniversário da subida ao poder do Presidente Getúlio Vargas (...) Demonstrando, quanto a personalidade de Vargas: ressaltando-se todos os comentários a personalidade do Presidente Vargas; “sem dúvida alguma um dois mais completos e vigorosos condutores de homens da história contemporânea” 152. Vasta série de festividades sociais e públicas está delineada para comemoração do decênio da Revolução e do 3º Aniversário do Estado Novo153.

A partir de 1937, a nova data comemorativa com função de legitimar o Golpe de

Novembro, vai a cada ano comemorar o governo, fazer retrospectos, lançar propostas para

o próximo ano. No estado, ela vai ser usada como divulgação de todos os benefícios

alcançados a partir da instauração do Estado Novo, enaltecimento do papel de Vargas e

também se apropriará para fazer inaugurações, lançar medidas.

Na íntegra, esse editorial percorre boa parte desses aspectos até agora abordados.

Retoma o início do Estado Novo e o contexto que se fez necessário aparecer, os ideais

colocados em pauta e valoriza o papel de Vargas.

O DIA DA DEMOCRACIA AUTORITÁRIA

Há dois anos, inaugurava-se no Brasil, com enorme entusiasmo, a democracia autoritária, resultante da dissolução do parlamento e de uma constituição outorgada pelo chefe da Nação Brasileira. Qual a razão daquele jubilo? A nosso ver, provinha da destruição do congresso, decaído, senão degradado a mais ínfima situação, pois não mais se dava sequer ao respeito. Tornara-se improdutivo, perdendo-se em debates de alecrim e mangerona, com suas bancadas quase às moscas, visto numerosos dos representantes da nação se limitarem a comparecer ao Palácio Tiradentes para receber seus subsídios. Os projetos reclamados para solução dos mais graves problemas do país dormiam nas pastas das comissões e os lançados a plenário marchavam a passo de tartaruga obstaculizados por toda a sorte de manobras. Por outro lado, o vasto e complicado maquinismo eleitoral, apesar das tentativas de erradicação de defeitos, continuava favorecendo fraude e desanimando as massas das vantagens do sufrágio universal. O quadro, mal esboçado nessas pinceladas velozes e de tintas diluídas pela nossa benevolência, levava os espíritos patriotas a prognósticos sombrios sobre os nossos destinos.

151 GAZETA DO POVO, Curitiba, 8 de novembro de 1940. 152 GAZETA DO POVO, Curitiba, 6 de novembro de 1940. 153 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 8 de novembro de 1940.

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Daí o entusiasmo da acolhida popular à vigorosa e sagaz iniciativa do Presidente Getúlio Vargas. Armado de poderes excepcionais, S. S. não abusa deles. Ao contrário, desde o primeiro instante se traçou restrições constitucionais. E dotado de uma magnanimidade extraordinária, não parece um ditador, mas sim o mais suave e tolerante dos Presidentes. Quanto aos benefícios do regime, eles aí estão no acervo de realizações materiais, legislativas, técnicas, etc..., numa preocupação incansável de resolver questões outrora esquecidas ou adormecidas nos infindos canais parlamentares. Beneficiário direto da nova ordem de coisas, onde seu Interventor, apolítico por vocação ficou com as mãos livres do partidarismo, ampliou sua capacidade de ação produtiva, o Paraná se congratula com o fundador da democracia autoritária pela expressiva efeméride154.

3.3 (In)sustentabilidade do Estado Novo

Parece não haver dúvidas de que a II Grande Guerra (1939-1945) e a luta contra o

nazi-fascismo em nível mundial constituíram-se num elemento-chave para o entendimento

do processo de declínio sofrido pela ditadura getulista, bem como o fortalecimento das

oposições internas e a mudança de atitude das Forças Armadas, deixando de apoiar

Vargas155. O advento da guerra, os pedidos inflados de nacionalismo frente uma definição

brasileiro quanto aos países do Eixo, acrescidos das dificuldades sociais no Brasil,

revelavam uma “Vida Dura”:

Nos últimos tempos tem subido, assustadoramente o custo de vida, com repercussão sensível, não só no seio da classe pobre, como, igualmente, na chamada classe média que também se ressente da situação que se criou com o advento da guerra. De um modo geral, não há dúvida, trata-se de um fenômeno decorrente do momento particularmente difícil porque atravessa a humanidade. Isso, contudo, não quer dizer que aceitemos essa situação com a abnegação dos mussulmanos, como mal sem remédio, porque, assim, faltamente, chegaríamos a um ponto em que a vida só seria possível aos ricos, ou melhor, a uma minoria privilegiada, enquanto que nós outros, aos milhares, seríamos condenados a perecer à mingua, por falta de... dinheiro. Por outro lado, destaca-se o esforço das autoridades, creando órgãos, estabelecendo medidas, assentando providências, para impedir essa marcha vertiginosa dos preços dos gêneros de primeira necessidade. Mas a realidade cotidiana, a evidência dos fatos, em suma, estão a demonstrar que o complexo problema, pelo menos até agora, não teve uma solução que satisfizesse, porquanto a ascensão do custo de vida prevalece. (...)156

No plano interno, iniciava-se, nos princípios dos anos 40, uma intensa campanha de

mobilização popular exigindo a declaração de “estado de guerra” entre o Brasil e as

potências do Eixo. O próprio Exército, que fora até então um dos grandes sustentáculos da

154 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 10 de novembro de 1939. 155GOMES, Ângela Maria de Castro... [et al.] O Brasil Republicano, v.10: sociedade e política (1930-1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, pp.273. 156 Editorial intitulado: Vida Dura. DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 5 de novembro de 1943.

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política getulista, ansiava pela luta, o que fica expresso através da palavra de inúmeros

oficiais157. O “estado de guerra” contra a Alemanha e a Itália, é declarado em 1942.

Uma medida do governo era proposta com a intenção de solucionar e satisfazer o

problema:

Adianta-se que, nesse seu discurso, esperado desde já com máximo interesse nesta capital, o presidente Getúlio Vargas anunciará não só o aumento dos vencimentos do funcionalismo da união, como possivelmente a melhoria de remuneração para os trabalhadores da indústria, do comércio e dos transportes, sobretudo os que percebem salários reduzidos. Assim, ficará cumprida a promessa do presidente Getúlio Vargas, decorrente do encarecimento geral da vida158. RIO, 10 – O decreto do presidente da República, sobre o aumento dos vencimentos do funcionalismo, acaba de ser entregue ao DIP para divulgação e relativo a alteração da escala padrão de vencimentos159.

Nesse momento, o clima de instabilidade na sociedade demonstrava-se não mais

apenas nas comemorações do Dez de Novembro. A Semana da Pátria, onde o caráter

cívico e nacional, eram os preceitos colocados em maior evidência, relatava o clima hostil

frente as outras nacionalidade:

NÃO SERÁ BOICOTE? Casas comerciais da Rua XV e avenida, cujas vitrines permanceram fechadas, ontem! Trouxe-nos um leitor, hoje, uma nota curiosa e, dadas certas coincidências, mereceu a mesma, nossa atenção. Depois de observar ser comum permanecerem com suas vitrines abertas em qualquer noite da semana, enumera o nosso arguito leitor, as casas que intem a noite conservaram cerrados suas vitrines, isto somente na rua XV de Novembro e Avenida João Pessoa. Essa relação, salvo raríssimas exceções, porquanto a maioria dessas casas pertencem a estrangeiros ou de súditos do eixo: Casa Electro Brasil, Casa Santos, de Casemirar, Livraria à rua XV nº 461, Joalheria Kopp, Casa Luhn, Casa Pratt, Casas à rua Xv nº 429 e 433, Livraria Guignoni, Casa Roskamp, Flora Violeta, Joalheria “A Pérola”, Óptica Magno, Óptica Americana, Casa das Meias, livraria da “Gazeta do Povo”, Casa Esmalte, Casa Leutner, Casa Kosmos, Casa A nacional, Casa das Rendas, Casa Floriano, Casa Metal, A Jerusalém, Livraria Brasil, Casa Bozé, Joalheria Azmé e Pelaria Polar160.

Com a entrada do Brasil no conflito mundial estabeleceu-se uma visível

contradição no interior da vida política brasileira. Como iríamos lutar contra a opressão e a

ditadura na Europa, enquanto aqui mesmo, dentro de nossas fronteiras, vivíamos uma

situação semelhante? A futura luta dos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira nos

campos da Itália necessariamente deveria ser complementada em nível interno por uma

luta contra a o regime varguista.”161

157 GOMES, Ângela Maria de Castro... Op. Cit., p. 274 158 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 10 de novembro de 1943. 159 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 10 de novembro de 1943. 160 DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 8 de setembro de 1943. 161 GOMES, Ângela Maria de Castro... Op. Cit, p.275.

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Até fins de 1944 suas atitudes foram ainda no sentido de protelar tanto quanto

possível as chamadas aberturas democráticas, fazendo, no máximo, vagas promessas de

convocação de eleições162.

AS ELEIÇÕES NO BRASIL. ESTÁ SENDO ELABORADA A LEGISLAÇÃO RESPECTIVA. RIO – Falando sobre as eleições no Brasil, em entrevista à imprensa em Uruguaiana, o embaixador Batista Lugando afirmou que está sendo elaborada a legislação respectiva, afim de que o pleito se realize logo depois da guerra. Esta notícia foi publicada com destaque nesta capital163.

Por fim, o regime de Vargas que se fez veicular através da propaganda política, pela

articulação da população e dos meios de comunicação utilizando-se para isso das festas. O

regime que arregimentou, que tomou para si os desígnios do país e que apropriou das

comemorações, com efeito, de legitimar, viu no contexto de sua época, essas articulações

não fazerem mais sentido, não serem mais sustentáveis.

162 GOMES, Ângela Maria de Castro... Op. Cit. p.279. 163 GAZETA DO POVO, Curitiba, 7 de novembro de 1944.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado Novo apropriou-se dos meios de comunicação para divulgar, para

convocar e se fazer repercutir, em âmbito nacional e estadual. Era dessa forma que se

desenvolvia sua propaganda política.

As duas datas trabalhadas: o Sete de Setembro e o Dez de Novembro analisadas

como comemorações, (como festa cívica e festa comemorativa) permitiu percebê-las e

incluí-las entre as estratégias traçadas pelo regime varguista que foram apropriadas, na

tentativa de arregimentação da sociedade e na tentativa de legitimação do seu poder.

A idéia que orientou esse trabalho de análise do papel atribuído às notícias

veiculadas para as festas, é a de que, pensadas para “legitimar” o golpe, bem como todo o

projeto político varguista, tais notícias foram entendidas na tentativa de divulgar

eficazmente a propaganda política. Reforça-se que para isso buscou-se sua análise no

interior da grande obra varguista. Não isoladamente, pois elas foram animadas por “regras

gerais” de orientação, e somente a partir dessas, elas puderam ser entendidas.

Percebeu-se que a eficiência do Estado Novo dependeu tanto da capacidade em

reproduzir suas propostas políticas sob a forma de discurso e veiculá-las nos jornais, como

foi dependente de cada momento em que se fez empregar. A Semana da Pátria, uma

continuidade renovada, ganhou reforços de conceitos defendidos pelo Estado em vigor. O

Dez de Novembro foi apropriado com fim de legitimar o governo, de relembrar o Golpe, e

anterior a isso, a justificar o Golpe. Era a comemoração para a instauração do novo. De

maneira que, essa comemoração e toda sua articulação, intencionalmente bem construída,

seria eficazmente sustentável em virtude do contexto. A grande crítica ao Estado Novo

partiu dos efeitos contraditórios da entrada do Brasil na II Guerra Mundial; da opção em

lutar contra o nazi-fascismo. Era a manutenção de uma ditadura apoiada em discursos, em

alegorias, em imagens, em festas, enfim, fundamentada no “se fazer ver” que se colocava

em cheque.

Era o desgaste claro do regime, aliado à contradição de defesa internacional e o

“reaparecimento” da oposição que levariam a um quadro necessário de redefinições do

Estado Novo. Enfim, instalava-se a crise, para em outubro de 1945, Getúlio Vargas ser

deposto. Vale ressaltar, que até esse momento o imaginário tinha onde se fazer

fundamentar, pois sua construção a partir da propaganda política era justificada pelos

anseios e interesses do contexto que assim lhe permitiu ser executado.

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Quando foram analisadas as festas, principalmente o Dez de Novembro, percebeu-

se a relevância dada para a Constituição de 1937. E ela era entendida como o grande marco

na instauração do Estado Novo. Por isso, nas festividades do Dez de Novembro foi

comumente ressaltada. Sua apropriação nos anos seguintes, era para seu reforço, para sua

validação frente à opinião popular por meio da comemoração. Tornava-se evidente seu

enaltecimento, pois foi edificada contendo todos os parâmetros do Estado autoritário e

centralizador que se instalava, logo, seu uso servia como reforço na justificava para a

legitimação do regime que se estendia até ela.

Assim como a Constituição de 1937 era firmemente relembrada, a Revolução de 30

também o foi. Os princípios defendidos por aqueles que a levaram a efeito, faziam parte

das comemorações do Dez de Novembro, nessa constante retomada do passado que só se

fez mister em 1937. Era contra a política liberal, contra os interesses oligárquicos ou

particulares e a favor da defesa e segurança nacional que a Revolução de 30 se pautava, e

por onde o Golpe de 1937 se reafirmava.

Dessa forma, percebeu-se que o discurso nas comemorações variou entre a lógica

material e a simbólica. Defender princípios e reforçá-los em cada festividade foi o que o

regime varguista se propôs a fazer na lógica simbólica. Na lógica material, o regime era

palpável tanto nos desfiles organizados, como nas inaugurações ou medidas que foram

propostas. Era aqui que ele “se fazia ver” e tentava se incorporar ao povo.

Falou-se das medidas políticas propostas tanto para o país, como para o Paraná,

através do seu interventor Manuel Ribas. Poderia ter esse trabalho se desenvolvido na

direção dessas realizações, visto que, o trabalhador ou social, eram os objetos mais visados

nelas. Entretanto, optou-se por trabalhar apenas com as comemorações cívicas e suas

representações. Assim, esse trabalho tratou essencialmente de verificar a apropriação e o

uso das datas cívicas e comemorativas por parte de um projeto político e tentar relacionar

suas articulações, relações e perceber conjunturas.

Modestamente, a isso ele se propôs. Porém, um vasto elenco de novos temas, novas

problematizações que apareceram ao longo do trabalho, no manejo das fontes, na leitura de

bibliografia, na sua construção, não foram abordados e merecem ser problematizados em

trabalhos futuros.

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REFERÊNCIAS

FONTES

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