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ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: RELATO DE EXPERIÊNCIAS Antonia Edna Brito/UFPI [email protected] 1 Considerações iniciais O estágio supervisionado têm sido alvo de diferentes análises indicando a necessidade de redimensionamento das experiências formativas propiciadas na vivência desse componente curricular de formação. Em relação a esse tema existem posicionamentos diferenciados. Por um lado, há o reconhecimento da importância do estágio na formação inicial como fonte de experiências sobre a docência e sobre o ser professor e, particularmente, como fonte de aprendizagens docentes, que resultam das reflexões que os professores produzem em diferentes momentos de suas práticas de ensinar. Por outro lado, existem posicionamentos que consideram que os estágios supervisionados não cumprem bem a condição de contexto formativo por se pautarem em uma racionalidade tecnicista, limitando as ações do futuro professor a uma dimensão burocrática. Considerando os diferentes modos de pensar e de desenvolver o estágio supervisionado reconhecemos que a vivência do estágio pode ser bastante fértil na produção de aprendizados sobre o ensino e sobre ser professor, haja vista que o estagiário ao se deparar com as situações reais da prática pedagógica precisa a analisá-las e tomar decisões acerca da intervenção pedagógica. O encontro com essas situações indica a necessidade de investimentos na reflexão crítica na/sobre a prática, para que os professores avancem significativamente na construção de conhecimentos e de aprendizagens docentes. Para analisar o estágio supervisionado na formação de professores estruturamos este artigo em três seções: as considerações iniciais, a revisão de literatura e as considerações finais. As considerações iniciais contextualizam o objeto de estudo. A revisão de literatura aborda o estágio como locus de reflexão sobre a prática e como fonte do aprender a ensinar. Discute o estágio supervisionado como componente formativo, destacando o papel da reflexão, por meio da utilização da narrativa, na produção das aprendizagens docentes. Discute, ainda, a reflexão na prática docente, apontando suas possibilidades como ferramenta que possibilita ao professor a análise de sua ação/atuação e do contexto no qual essa ação ocorre e transcorre.

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ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: RELATO DE

EXPERIÊNCIAS

Antonia Edna Brito/[email protected]

1 Considerações iniciais

O estágio supervisionado têm sido alvo de diferentes análises indicando a

necessidade de redimensionamento das experiências formativas propiciadas na vivência desse

componente curricular de formação. Em relação a esse tema existem posicionamentos

diferenciados. Por um lado, há o reconhecimento da importância do estágio na formação

inicial como fonte de experiências sobre a docência e sobre o ser professor e, particularmente,

como fonte de aprendizagens docentes, que resultam das reflexões que os professores

produzem em diferentes momentos de suas práticas de ensinar. Por outro lado, existem

posicionamentos que consideram que os estágios supervisionados não cumprem bem a

condição de contexto formativo por se pautarem em uma racionalidade tecnicista, limitando

as ações do futuro professor a uma dimensão burocrática.

Considerando os diferentes modos de pensar e de desenvolver o estágio

supervisionado reconhecemos que a vivência do estágio pode ser bastante fértil na produção

de aprendizados sobre o ensino e sobre ser professor, haja vista que o estagiário ao se deparar

com as situações reais da prática pedagógica precisa a analisá-las e tomar decisões acerca da

intervenção pedagógica. O encontro com essas situações indica a necessidade de

investimentos na reflexão crítica na/sobre a prática, para que os professores avancem

significativamente na construção de conhecimentos e de aprendizagens docentes.

Para analisar o estágio supervisionado na formação de professores estruturamos

este artigo em três seções: as considerações iniciais, a revisão de literatura e as considerações

finais. As considerações iniciais contextualizam o objeto de estudo. A revisão de literatura

aborda o estágio como locus de reflexão sobre a prática e como fonte do aprender a ensinar.

Discute o estágio supervisionado como componente formativo, destacando o papel da

reflexão, por meio da utilização da narrativa, na produção das aprendizagens docentes.

Discute, ainda, a reflexão na prática docente, apontando suas possibilidades como ferramenta

que possibilita ao professor a análise de sua ação/atuação e do contexto no qual essa ação

ocorre e transcorre.

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Nas considerações finais, postulamos a reflexão como ferramenta essencial para o

autoconhecimento do futuro professor, para o conhecimento crítico sobre o ensino e para

apreensão da realidade social de ensinar.

2 Formação de professores e o diálogo com o estágio supervisionado

A formação de professores tem provocado muitos estudos e questionamentos que

indicam a necessidade de revisitação dos processos formativos na perspectiva de formar um

profissional capaz de compreender que sua atividade nao se resume à transmissão de

conhecimentos e que o exercício da profissão docente exige aprendizagens permanentes, haja

vista o acelerado avanço do conhecimento. Sem dúvida, o conhecimento da formação inicial é

importante, mas as práticas de ensinar mostram que os professores necessitam ampliar suas

aprendizagens e seus conhecimentos profissionais.

A formação inicial, na acepção deste estudo, constitui um dos espaços no qual o

professor aprende sobre o exercício profissional e, por essa razão, ratificamos suas

contribuições como locus privilegiado de produção de conhecimentos docentes. O

reconhecimento da importância da formação inicial na profissionalização do professor indica

que ser professor exige uma formação específica, ou seja, requer a articulação entre o saber, o

saber ser e o saber fazer.

Pensar a formação na perspectiva da profissionalização impõe um novo modo de

pensar a formação de professores. Significa investir na superação de propostas formativas

centradas na racionalidade técnica e aponta possibilidades de efetivação de processos

formativos fundamentados na racionalidade crítica, o que resulta na formação de profissionais

com abertura para o permanente aprendizado sobre a profissão e, principalmente, para a

reflexão sobre sua prática, que se efetiva em espaços de compartilhamento de experiências e

de colaboração. “A formação docente e as aprendizagens sobre o aprender/ensinar e o

ensinar/aprender que a formação oportuniza, tem como elemento vital o fazer pedagógico

enquanto pratica social” (BRITO, 2007, p. 49).

Os estudos (GATTI, 1997; NÓVOA, 1995; CRÓ, 1998) discutem amplamente a

formação de professores e põem no centro de suas reflexões a necessidade de articulação

entre os conteúdos estudados, entre as diferentes disciplinas contempladas na formação e

unidade teoria/prática como aspecto essencial no aprender a ensinar. A fragmentação dos

conteúdos, tanto no que concerne a cultura geral, quanto em relação à cultura específica da

profissão docente tem motivado sérias discussões sobre a formação do professor, indicando

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que se essa formação estiver distanciada da realidade das práticas de ensinar, ao invés de

propiciar a análise aprofundada das situações de ensinar/aprender, da realidade educacional

como ocorre e transcorre no contexto escolar, poderá desencadear, apenas, reflexão

superficial a respeito dessa realidade. O que advogamos é que as políticas de formação de

professores, inicial ou continuada, tomem como referência o contexto social, os lugares de

exercício das práticas de ensinar, a realidade concreta onde os sujeitos estão inseridos,

favorecendo a aproximação entre os processos formativos de professores e a escola.

Em face da complexidade e da especificidade do ensinar/aprender, o que se espera

da formação de professores é a ampliação de oportunidades para que os futuros professores,

desde o inicio da formação, entrem em contato com a realidade escolar para uma

compreensão sobre seu funcionamento e sobre o desenvolvimento do trabalho docente. Esse

contato permitirá aos futuros professores conhecimentos sobre as condições materiais de

exercício da profissão docente, sobre as práticas desenvolvidas no contexto escolar e sobre as

teorias a elas subjacentes, contudo a aproximação com o ambiente escolar exige uma

sistematização e uma sólida fundamentação acerca do que é ser professor e das novas funções

que o professor tem assumido no âmbito da escola e da sala de aula.

É possivel inferirmos que os professores não podem ser formados de modo

assistemático, de qualquer jeito. A formação inicial é responsável por um repertório de

conhecimentos que os professores mobilizam e articulam no cotidiano da profissão. Trata-se

de conhecimentos que abarcam diferentes dimensões do trabalho docente (técnica, humana e

político-social). A perspectiva é de situarmos essa formação como etapa importante do

percurso de aprender a ensinar e de desenvolvimento profissional docente, pressupondo-a

como uma formação ampla na medida em que envolve conhecimentos diversos (oriundos da

academia), envolve as experiências pré-profissionais dos futuros professores e, especialmente,

envolve a realidade histórica do exercício profissional.

Entendemos que é no contexto da formação que os professores buscam aprender

sobre o ensino e aprender a ensinar para a inserção no mercado de trabalho. Nesses termos,

situamos o encontro com as práticas docentes, por meio das vivências do estágio

supervisionado, como uma das importantes instâncias formadoras, considerando que os

futuros professores ao se defrontarem com a realidade da escola e do trabalho docente

questionam a formação, os conhecimentos adquiridos e as possibilidades de adequá-los

diantes das peculiaridades do ensino.

O estágio supervisionado, portanto, caracteriza-se como componente formativo

que tem o mérito de inserir o futuro professor no exercício da profissão docente, no encontro

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com a realidade escolar e, de modo especial, com as singularidades da aula. A partir dessa

compreensão apresentamos como exigência do estágio supervisionado o desenvolvimento da

análise e da reflexão na e sobre a prática para explicitação das diferentes facetas do trabalho

docente. A análise e a reflexão, como ferramentas para que o futuro professor compreenda as

demandas da educação, da escola e do ensino devem ocorrer de forma sistemática.

Entendemos que o estágio supervisionado como componente formativo que

oportuniza experiências de ensinar/aprender, conforme já referido, pode possibilitar ao futuro

professor o exercício da reflexão a partir de questionamentos sobre: Como a formação

articula-se às demandas da prática docente? Como reelaborar os conhecimentos da formação

para atender á especificidade das práticas de ensinar? Que formação deve ser ofericida aos

professores?. O estágio supervisionado, a partir da valorização de processos reflexivos na

formação docente, faculta aos futuros professores o conhecimento acerca de suas

necessidades formativas e a respeito de suas responsabilidades com a própria formação.

Ademais, o estágio supervisionado aproxima os protagonistas da formação das

particularidades do trabalho docente, no que se refere à sistematização das situações de

ensino, da gestão pedagógica da aula, entre outros aspectos.

As experiências profissionais que vivenciamos como professora de estágio

supervisionado revelam a necessidade de superação de práticas de estágio consubstanciadas

na racionalidade técnica. Essas práticas comprometem-se com o cumprimento de exigências

curriculares e, muitas vezes, são orientadas para o simples preenchimento de fichas e para

atividades burocráticas. Requerem o conhecimento técnico, as habilidades de ensino e deixam

de lado aspectos que influenciam a formação de um professor crítico e criativo.

Ao nos depararmos com essa dimensão instrumental do estágio supervisionado

nos questionamos sobre o sentido desse componente formativo na constituição da identidade

professoral. Seria a experiência de estágio supervisionado realmente significativa na formação

de professores? Poderíamos em pensar em outros encaminhamentos e dar um novo sentido ao

estágio?

A partir desses questionamentos percebemos que o estágio deveria ser

ressignificado, tanto para afetar positivamente os estagiários, quanto para provocar o

encantamento no contexto de inserção desses estagiários: a escola. Duas situações nos

inquietavam. A primeira refere-se ao fato de ocuparmos o espaço escolar sem perspectivas de

colaboração com os professores e com a instituição e sem compartilhamento de experiências e

de conhecimentos. A segunda por percebermos nos estagiários o medo e a insegurança em

relação ao encontro com a escola e com a sala de aula. Medo diante da possibilidade de

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regência de classe e insegurança na organização das situações de ensino e nas interações com

os professores experientes e com os estudantes (neste caso ressaltamos a preocupação com a

gestão das interações na aula).

O que poderíamos esperar dos estagiários? Esperávamos que estivessem

preparados para as experiências provenientes do estágio supervisionado, que compreendessem

que as situações de ensino demandam a retradução dos conhecimentos profissionais e das

aprendizagens docentes provenientes da formação inicial. Na verdade, constatamos que os

estudantes precisavam, além dos conhecimentos profissionais, do exercício da reflexão e o do

autoconhecimento para descortinar potencialidades na atividade docente. E, entendendo ser

responsabilidade da formação propiciar o desenvolvimento da reflexividade, inserimos a

utilização de narrativas escritas nas trajetórias dos estagiários em seus encontros com a

realidade escolar e da sala de aula (situações de ensinar/aprender). As narrativas sobre as

experiências vivenciadas no estágio resultaram em fecundas situações de aprendizagens

docentes e de produção de conhecimentos referentes ao ensinar e ao ser professor. Os

estagiários ao narrarem suas práticas puderam refletir sobre o que ensinar, como ensinar e por

que ensinar.

O estágio supervisionado, a partir das narrativas, oportunizou a reflexão crítica a

respeito das práticas de ensinar e das situações formativas vivenciadas. As narrativas foram

produzidas por meio de diários da prática. A escrita dos diários ocorreu durante o estágio na

escola, com o objetivo de registrar as situações vivenciadas na observação da escola, da sala

de aula e na regência de classe. Os conteúdos dos diários foram socializados em rodas de

conversas, que ocorriam quinzenalmente, para socialização de experiências, para

compartilhamento de conhecimentos, para análise e para reflexão coletiva sobre o trabalho

docente e sobre a formação. As reflexões acerca das diferentes situações narradas dialogavam

com a literatura estudada no transcurso da disciplina, possibilitando analisarmos

objetivamente a realidade do ensino e da formação docente. A narratividade, conforme

utilizada na disciplina, confirmou o estágio supervisionado como importante atividade

formativa que provoca o aprender sobre a profissão professor. Essa compreensão do estágio

como componente formativo dinâmico e desafiador nos faz confirmar que essa atividade:

[...] de forma burocrática, com preenchimento de fichas e valorização deatividades que envolvem observação, participação e regência, desprovidas deuma meta investigativa. Dessa forma, por um lado, se reforça a perspectivado ensino como imitação de modelos, sem privilegiar a análise crítica docontexto escolar, da formação de professores [...]. (BARREIRO; GEBRAN,2006, p. 26).

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Concordamos com autores quando defendem que o estágio supervisionado pode

ter uma meta investigativa como locus de reflexão crítica por propiciar ao futuro professor a

análise de sua formação, da realidade da escola e, de modo especial, da sala de aula. A

reflexão potencializada por meio das narrativas amplia as habilidades de descrição das ações

realizadas para explicitar a teoria que subjaz a essas ações, bem como amplia a capacidade de

questionamento das práticas desenvolvidas com o intuito de reelaboração.

A formação e o estágio supervisionado, afetados pela narratividade, mostram que

o futuro professor pode produzir diversos conhecimentos, pode revisitar seus conhecimentos,

bem como pode ampliá-los a partir das experiências vivenciadas no âmbito das práticas de

ensino. A vivência do estágio, para o futuro professor, concretiza o encontro com as situações

reais da escola e da sala de aula. Esse encontro torna-se palco de enfrentamento de situações

dilemáticas, o que impõe ao estagiário, muitas vezes, buscar alternativas para solucionar

diferentes problemas relativos ao ensino-aprendizagem.

Para responder efetivamente às demandas da prática, ao escrever o diário, o

estagiário pondera acerca das situações problemáticas e reorganiza essa prática observando

condições reais e específicas da sala de aula (FAZENDA, 1991). Em nossas experiências no

acompanhamento de estagiários vimos na narrativa uma ferramenta para desencadear

reflexões, conforme referido anteriormente. A utilização da narrativa nos diários da prática

ocorreu sistematicamente e com objetivos claramente definidos, no sentido de responder,

dentre outros, os seguintes questionamentos: Como desenvolvo minha prática? Que teorias

subsidiam minha prática? Como posso reelaborar essa prática?.

A socialização das escritas produzidas nos diários ocorria nas rodas de conversa e,

nesta oportunidade, cada estagiário relatava as experiências narradas, procurando

compreendê-las articulando teoria/prática. As narrativas nos diários e as rodas de conversa

(espaço coletivo de compartilhamento de conhecimentos e experiências) expressaram

reflexões produzidas pelos estudantes. No diário essa reflexão foi individual e nas rodas de

conversa acontecia coletivamente. Tanto as narrativas escritas, quanto as conversas em rodas

auxiliaram, de modo privilegiado, aos futuros professores na análise do cotidiano escolar e da

realidade da profissão docente. Narrar sobre a formação e a prática permitiu aos estagiários

pensar retrospectivamente suas aprendizagens docentes e suas experiências com as práticas de

ensinar.

A escrita dos diários e as rodas de conversa sinalizaram a possibilidade de

desenvolvimento de práticas docentes crítico-reflexivas, mas mostrara que no

desenvolvimento dessas práticas podemos encontrar obstáculos. Em relação aos professores

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experientes (aqueles que recebem os estagiários) percebemos as limitações e as dificuldades

da instituição escola e do professor para colocar em ação a prática reflexiva em face das

diversas atividades que têm de desenvolver e pela falta de tempo, embora a escola assuma o

compromisso de criar as condições para o trabalho coletivo, para a colaboração e para a

análise do trabalho realizado. Como professora formadora constatamos que os professores

experientes ou mesmo os estagiários, ao se defrontarem com situações problemáticas de sua

prática, procuravam interpretá-las, envolvendo-se conscientemente no contexto de sua

experiência para reorientar suas ações por meio de um processo criador. A reflexão apresenta-

se, então, como marca nas deliberações que o professor toma no exercício profissional.

Com essa constatação registramos que o estágio supervisionado constitui

momento ímpar na formação por articular-se com as práticas de ensinar, mas o estágio não é o

único espaço de articulação teoria/prática. É preciso resgatar, no contexto da formação, a ideia

de unidade entre teoria e prática. Freire (1996), afirma que não há prática sem teoria e nem

teoria sem prática, portanto podemos pensar que durante o processo formativo podem

acontecer diferentes momentos de encontros com a prática. Podemos pensar, também, que o

desenvolvimento da reflexão crítica pode acontecer nas diferentes disciplinas dos cursos de

formação de professores, favorecendo a superação do tecnicismo e da burocratização

inerentes a muitos desses cursos. Considerando a necessidade de investimentos na formação

reflexiva de professores, registramos que as atividades propostas no estágio supervisionado

foram pautadas no diálogo e na colaboração.

O diálogo e a colaboração delinearam-se em situações de trabalho coletivo: no

planejamento, nas sessões de estudo e nas rodas de conversa. Narrativas e rodas de conversa,

permeadas pelo diálogo e pela colaboração, fomentaram a revisitação dos conhecimentos da

formação, dos modos de ser/estar professor e dos modos de ensinar. A partir da análise das

narrativas percebemos que é possível superar a concepção de estágio como espaço de

realização de atividades burocráticas, de preenchimento de fichas e observação estática da

realidade escolar. O estágio supervisionado emerge como espaço fértil para ampliar as

aprendizagens docentes, para o desenvolvimento da reflexão crítica na/sobre a prática, para

tomada de consciência sobre a formação e para o autoconhecimento, potencializado pelas

narrativas.

A narrativa como atividade utilizada no estágio supervisionado apontou

possibilidades para que esse componente formativo transcenda as atividades meramente

técnicas, assumindo um formato dinâmico e desafiador. As situações vivenciadas no estágio

supervisionado constituem atividades sistemáticas, intencionais e multifacetadas (marcadas

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por questões éticas, sociais, técnicas e político-social), inseridas numa sociedade de grandes

contradições e, consequentemente, desigual, entre outros aspectos. Isso implica que a

formação e o estágio não podem limitar-se a formação de um técnico, cujo papel restringe-se

à transmissão de conhecimentos e a aplicação rigorosa de técnicas na solução de problemas. É

de bom alvitre, na formação de professores, a criação de espaços para que os futuros

professores exercitem a criatividade, a reflexão, o pensamento crítico e a autonomia.

Nas reflexões de Imbernón (2009, p. 32), os processos formativos devem

considerar as reais condições de exercício da profissão docente e as diferentes ações que os

professores realizam no cotidiano de suas aulas. Ou seja, a formação, ao invés de idealizar a

profissão docente, tem o compromisso de apresentar essa profissão como realmente acontece,

explicitando suas características, seus limites e suas possibilidades, posto que os professores

são formados para atuação em uma realidade complexa e mutável. O pensamento do autor

assinala que o ensino não é um ofício circunscrito à dimensão técnica da atividade

profissional, mas configura-se como atividade formadora, que denota ser “[...] necessário

formar o professor na mudança e para a mudança”. A formação, portanto, deve preocupar-se

em fazer com que os futuros professores se familiarizem com as mudanças que ocorrem no

conhecimento, na sociedade e na escola, de modo a compreenderem o compromisso pessoal

com a autoformação.

Como registramos anteriormente, a formação inicial e o estágio supervisionado

constituem locus de aprendizagens, de reelaboração dos conhecimentos professorais e,

notadamente, espaço de redimensionamento de crenças, do saber, do saber ensinar e do saber

ser. As experiências formativas compartilhadas no estágio supervisionado mostram que os

estagiários recorrem a uma gama de conhecimentos, provenientes de diferentes fontes, para a

condução do ensino, em face das múltiplas ações que desenvolvidas na aula. Precisam saber

planejar, saber ensinar, saber avaliar, dentre outas ações inerentes ao ensino. Os

conhecimentos sobre essas ações são de responsabilidade da formação e, neste sentido, o que

se evidencia é uma desvinculação entre a formação acadêmica e a realidade do ensino e das

escolas, bem como evidencia a necessidade de formar o professor com uma ampla e sólida

base de conhecimentos sobre a profissão docente.

A análise do estágio supervisionado como componente formativo, nos conduz a

questionar: O que é possível aprender sobre ser professor e sobre o ensino nas experiências de

estágio supervisionado? Na análise dessa questão indicamos que a prática para o futuro

professor pode se constituir espaço de conhecimentos e de aprendizados significativos sobre o

ensino, entretanto ressaltamos que ao reconhecermos a prática como propiciadora de

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aprendizados e de conhecimentos não significa supervalorizar o conhecimento experiencial.

Significa compreender que teoria e prática são igualmente importantes na formação de

professores.

Nas análises das experiências vivenciadas no estágio supervisionado confirmamos

que o encontro com a realidade escolar possibilita ao futuro professor um processo de

elaboração e a reelaboração de conhecimentos sobre a profissão. Esse processo revela que as

experiências como fontes de aprendizagens contextualizadas e úteis, são mais representativas

quando emergem da reflexão crítica sobre as concretas situações de ensino produzidas no

contexto escolar. Sem dúvida, a inserção na escola e na sala de aula, orientada por meio da

escritura de narrativas da prática e da reflexão, rende conhecimentos objetivos sobre o dia-a-

dia da sala de aula, na gestão da classe. O cotidiano da sala de aula nos apresenta muitas

situações a serem observadas, analisadas e, às vezes, resolvidas. Se exercitarmos a reflexão

crítica, aprendemos com essas situações a rever nossas teorias e nossas práticas. Aprendemos

a nos conhecer e a conhecer nossas práticas, justificando nossos modos de ser e de ensinar

como resultantes de nossas convicções e das responsabilidades que devemos de cumprir.

O estagiário, a partir das situações formativas com a gestão pedagógica da aula, é

reconhecido como alguém em permanente processo de aprendizagens e de produção de

conhecimentos. Percebemos que ele constrói sua prática sustentada por fundamentos teórico-

práticos advindos da formação inicial, do percurso de vida pessoal e profissional e,

notadamente do estágio supervisionado. Esse estagiário ao portar-se como profissional

reflexivo tem possibilidades de, cotidianamente, construir e reconstruir sua prática e seu

pensamento sobre ela, embora, nem sempre, se perceba como sujeito de um processo de

construção de conhecimentos, apesar de, nas interações com os pares, discutir os problemas

enfrentados na sala de aula, apontando (e questionando) as saídas encontradas para superá-los.

Desse modo, a expectativa é de que o futuro professor, a partir da reflexão crítica,

possa experienciar o estágio supervisionado como fonte de conhecimentos e de

aprendizagens, resultantes de análises acerca da escola, do processo ensino-aprendizagem e

do ser professor, envolvendo-se nos espaços coletivos de debates, concretizando a dinâmica

da autoformação e garantindo sua identidade profissional (NÓVOA, 1996). Essa

compreensão, acerca do professor como um profissional que produz conhecimentos, realça

que os processos formativos e as atividades de estágio necessitam ter como base o exercício

da atitude reflexiva e o diálogo com a as práticas de ensinar que se realizam na escola.

A formação deverá ter como propósito consolidar as aprendizagens e os saberes

docentes, a articulação entre as dimensões técnica, política, humana e ética na prática docente,

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bem como garantir o acesso dos futuros professores aos conhecimentos específicos inerentes

às peculiaridades do processo de ensinar/aprender. Pacheco e Flores (1999, p. 38), analisam o

essa situação informando que: “[...] o conhecimento profissional do professor não é um

conhecimento limitado temporalmente nem pode se dar como terminado em termos de

aquisição”. Concordamos com os autores ao registrarem que os conhecimentos docentes

possuem uma natureza dinâmica e evoluem durante todo a trajetória profissional dos

professores.

A formação e o estágio, segundo mostram nossas experiências em processos

formativos de professores, sinalizam que ser professor exige conhecimentos específicos e

habilidades profissionais pertinentes às atividades de ensinar/aprender, todavia indicam que a

relação do docente com os conhecimentos transcende à mera transmissão. As reflexões deste

estudo apóiam-se no entendimento de que nos percursos formativos os professores poderão

redimensionar o processo de tornar-se professor e sua formação, tecendo histórias de vida

pessoal e profissional que afetam a pessoa, o profissional, as experiências e os contextos de

suas ações.

As experiências formativas (formação inicial e contínua) representam também

espaço de construção de um processo identitário, considerando que o percurso profissional do

professor resulta na reelaboração de maneiras de ser e de estar na profissão docente. O

aprender da profissão é, pois, um processo contínuo que se dá a partir do envolvimento

pessoal e profissional do professor, implicando na concepção da escola como espaço de

crescimento profissional e de aprendizagens sobre o saber ensinar, conforme pontua Nóvoa

(1995).

Pacheco e Flores (1999), em suas análises sobre o professor e sua formação,

destacam a especificidade e a complexidade da formação, ponderando que a formação

envolve diferentes etapas. A etapa da formação inicial, segundo os autores, efetiva-se em uma

instituição específica, formal e sistemática, tendo como foco os conhecimentos profissionais.

Outra etapa em realce refere-se à iniciação ao ensino, consolidada nos estágios, possibilitando

a produção de conhecimentos práticos, tecidos no encontro com a realidade da escola e das

práticas de ensinar. Resumindo, acrescentam que a formação continuada configura-se

importante etapa formativa, consolidando investimentos no crescimento e no

desenvolvimento profissional em consonância com as necessidades formativas postas pela

prática docente.

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4 Considerações finais

O estágio supervisionado é objeto de muitos questionamentos no processo de

formação de professores. Questiona-se a sua importância como espaço de aprendizagem da

profissão docente. Questionam-se, também, as experiências vivenciadas pelos futuros

professores durante o estágio supervisionado. Esses questionamentos explicitam, por um lado,

pensamentos que consideram o estágio desnecessário na formação de professores, alegando

que as atividades propostas aos estagiários são superficiais e burocráticas, que pouco

contribuem para a constituição da identidade docente e para a compreensão do exercício da

docência. A desvalorização desse componente formativo advém de experiências de estágio

desenvolvidas sob as bases da racionalidade técnica, reduzindo-o a observação sem uma

leitura crítica da realidade das práticas de ensinar.

Por outro lado, o debate sobre o estágio supervisionado tem provocado o

redimensionamento das experiências dos estagiários no contexto da escola, considerando que

a inserção do futuro professor nas situações concretas de ensino exige a elaboração de um

planejamento envolvendo universidade e escola, que expresse a intenção de formar um

profissional crítico e que postule a vivências das condições sociais da profissão docente, tendo

como fundamento a reflexão crítica acerca da realidade do ensino, do ser professor e do

ensinar/aprender. Isso significa que o professor que supervisiona o estágio deverá assumir o

papel de mediador, acompanhando sistematicamente as atividades do estagiário no campo de

estágio. O acompanhamento do estagiário tem se revelado como uma questão problemática,

haja vista que as turmas de estágio supervisionado têm agregado muitos estagiários,

obrigando os professores da disciplina a recorreram a várias escolas para efetivação das

atividades de estágio.

Em nosso caso particular resolvemos o problema contatando com uma escola que

pudesse receber a todos os estudantes da turma. Optamos por uma escola pública com registro

de práticas bem sucedidas. Essa opção teve como justificativa o fato de nossos estagiários

realçarem que estavam cansados de observar escolas e práticas marcadas pelo fracasso e pelo

desencantamento com a educação e o ensino. O resultado foi positivo, pois os estagiários

perceberam que a escola pública pode ter sucesso e que em seu contexto encontramos

professores comprometidos com a profissão e com a aprendizagem dos alunos. Encontramos

professores que investem no desenvolvimento profissional e com abertura para uma relação

de ensinar/aprender com estagiários.

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A partir do momento da inserção na escola os estagiários passaram a vivenciar as

diferentes facetas da profissão docente. Participavam do planejamento coletivo e colaborativo,

marcado por momentos de estudo, de reflexões e de produções, acompanhados do professor

experiente com o qual vivenciavam os desafios de ser professor. Participavam de reuniões e

de festividades da escola, assumindo diferentes tarefas, sem esquecer a especificidade do

estágio supervisionado. Envolveram-se em projetos desenvolvidos pela escola, de modo a

colaborar com os interesses e as necessidades da escola, dos professores experientes e dos

alunos.

O acompanhamento das atividades aconteceu em diferentes momentos

vivenciados pelos estagiários, pois entendemos que a universidade não deve ir à escola apenas

quando precisa dela, mas deve colaborar com a instituição escolar e com os docentes. Por essa

razão, nos inserimos na escola, sem perturbar sua rotina, interagindo com gestores,

funcionários e com os professores que receberam nossos estagiários. Essa sistemática de

orientação e de acompanhamento do estágio foi bastante proveitosa em vários aspectos. Por

exemplo, os estagiários sentiam-se seguros com nossa presença constante na escola uma vez

que, diante de dificuldades enfrentadas, analisávamos a situação e fazíamos os

encaminhamentos necessários.

A partir das experiências que empreendemos no desenvolvimento do estágio

supervisionado confirmamos a importância de articular o estágio supervisionado à realidade

da educação e da escola. Confirmamos, igualmente, ser importante analisarmos criticamente,

no âmbito da universidade, o estágio supervisionado como ocorre nas escolas para ratificar

que esse componente formativo não pode ser vivenciado na superficialidade. Metaforicamente

falando, é preciso mergulhar na realidade do ensino, tendo como referência as peculiaridades

da prática docente desenvolvida pelos professores nas situações concretas da sala de aula.

Superar a superficialidade das situações de estágio significa que as experiências não devem

limitar-se à dimensão técnica do trabalho docente, mas podemos pensar na reflexão sobre a

profissão docente, sobre o status social da atividade docente como dispositivo que permitirá

ao estagiário a compreender intencionalidade do ensino, o papel do professor na sociedade e

as peculiaridades do trabalho docente.

Sob essa perspectiva, defendemos que tanto a formação, quanto o estágio

supervisionado constituem espaços significativos para ampliação das aprendizagens e dos

conhecimentos profissionais docentes. Aprender a ensinar é a meta que os futuros professores

esperam alcançar na formação inicial e, com o suporte da reflexão crítica, compreenderão

que, de fato, é preciso aprender a ensinar, mas que é preciso, de modo especial, entender o

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que e para que ensinar. A reflexão acerca desses aspectos faculta o reconhecimento de que o

professor atua em um contexto histórico marcado por valores diversos e, particularmente,

marcado pela contradição e por condições sociais e históricas.

Para o entendimento das peculiaridades da profissão docente, numa perspectiva

crítica, registramos a fertilidade das narrativas de formação como ferramentas que inserem os

narradores em um olhar retrospectivo sobre o processo formativo e sobre suas práticas,

favorecendo o conhecimento/autoconhecimento e o desenvolvimento da reflexão crítica sobre

as dimensões pessoal, profissional e contextual da profissão docente. Esse olhar retrospectivo

entrelaça presente, passado e futuro, o que significa que ao rememorarmos nossas trajetórias

podemos ressignificá-las e fazer projeções a respeito de nossas histórias futuras, seja no que

concerne às nossas trajetórias pessoais, seja em relação às nossas trajetórias profissionais.

No estágio supervisionado a análise da formação de professores pressupõe

considerarmos o contexto histórico e social de desenvolvimento da prática docente, a

valorização da profissão professor e os novos papéis impostos a esse profissional na

contemporaneidade, mas pressupõe, de modo similar, considerarmos a natureza do trabalho

docente e a realidade da escola e do ensino.

O que significa conhecer a realidade da escola e do ensino?. Significa pensar o

aprender a ensinar a partir da lógica que orienta a prática docente, colaborando com o

fortalecimento da relação teoria/prática. É importante ressaltar que o aprendizado docente

efetiva-se nos contextos formativos institucionais e em contextos práticos de exercício da

profissão, como o estágio, por exemplo. Entendemos que a formação é inconclusa e que o

aprender a ensinar é um processo permanente, que depende, entre outros aspectos, da

mobilização para aprender, do desenvolvimento da autonomia docente e do exercício da

reflexão crítica e a criatividade na prática docente. Sobre essa temática recorremos ao

pensamento de Pacheco e Flores (1999) ao afirmarem que os aprendizados docentes são

permanentes, como exigência peculiar da profissão docente, ou seja:

O professor jamais deixa de aprender, já que o ensino é uma atividade queexige uma constante evolução e adaptação a novas situações. Por isso, queras exigências do contexto em que se situa, quer os conteúdos que aborda,mantêm-no numa constante atualização e desenvolvimento de competênciasprofissionais.

Concordamos com os autores ao afirmarem que o professor jamais deixa de

aprender. A produção de conhecimentos profissionais da profissão docente avança e se

amplia. Os professores precisam atualizar e ampliar seus conhecimentos para acompanhar as

mudanças que ocorrem na sociedade, na educação e no ensino. É necessário e imprescindível,

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diante da inconclusão da formação e dos conhecimentos docentes, fomentar como prática

habitual na escola, a reflexão crítica e contínua na/sobre a prática.

O que isso significa?. Significa a possibilidade de efetivação de uma ação docente

contextualizada, levando em conta que quando nos referimos à reflexão pensamos em um

processo sistematizado e contínuo de reflexão sobre a atividade de ensino, considerando-a

como prática determinada por fatores de natureza social, política e econômica. O que

propomos como prática reflexiva não é apenas a análise crítica dos problemas e desafios

internos da aula. Dessa forma, reduzimos a reflexão às questões imediatas que emergem da

prática docente. Entendemos ser valoroso refletir sobre essas questões, porém é preciso que

ocorram questionamentos sobre o tipo de reflexão realizada pelos professores, na intenção de

extrapolar questões e problemas da sala de aula. A reflexão precisa abarcar o ensino em suas

relações com o contexto social.

A reflexão com essa amplitude oportuniza o conhecimento da realidade escolar e

de seu contexto, perspectivando que o professor seja capaz de entender sua prática, de

resolver os problemas a ela inerentes. Na verdade, o que esperamos é que em decorrência de

uma formação sólida, baseada na reflexão crítica, os professores sejam capazes de reconstruir

suas práticas, de compartilhar suas experiências e de reelaborar seus conhecimentos e suas

práticas, o que mostra que podemos pensar a formação como espaço que possibilita ao futuro

professor o encontro com as práticas de ensinar, como contextos de aprendizagens docentes

pautadas nos processos de investigação-ação.

À guisa de conclusão, registramos que os conhecimentos profissionais docentes, a

exemplo do que ocorre com as aprendizagens professorais, podem ser reelaborados na

trajetória profissional e nos percursos de vivência da professoralidade. A reelaboração dos

conhecimentos e das aprendizagens docentes mostra que a prática do professor extrapola a

mera transmissão de saberes em direção a uma prática como espaço de produção da

reflexividade e, por conseguinte, de produção de conhecimentos relativos ao saber ensinar.

Essa possibilidade de produção de conhecimentos e de revisitação das práticas docentes não

se faz no vazio, ocorre por meio do exercício da reflexão crítica na/sobre a prática.

Em síntese, pensamos que o estágio como um dos encontros do futuro professor

com a prática possibilita a aquisição de conhecimentos profissionais e o redimensionamento

desses conhecimentos no confronto com a sala de aula. O estágio, nesta perspectiva, provoca

aprendizagens bastante pertinentes ao cotidiano das práticas de ensinar, sugerindo que os

professores configuram-se sujeitos do saber e não como simples transmissores de

conhecimentos. Ou seja, narrativa, estágio supervisionado e reflexão crítica podem ser

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pensados como ferramentas que, articuladas, concorrem para a formação de um professor com

autonomia para exercer de modo consciente a profissão professor e para pensar criticamente a

prática.

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Didática e Prática de Ensino: Pesquisas e Práticas Pedagógicas nas Diferentes

Linguagens e Espaços

Profa. Dra. Kalline Pereira Aroeira

Universidade Federal do Espírito Santo (CE-UFES)

GEPEFE - Grupo de Estudos e Pesquisas de Formação de Educadores- FE-USP

Introdução

As análises aqui apresentadas constituem um estudo teórico decorrente de nossa tese de

doutorado, do processo de supervisão de estudantes em cursos de formação de professores

e da docência com a disciplina Didática, assim como, do movimento de debates e

pesquisas realizadas no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação do Educador

(GEPEFE-USP) nos últimos anos. Nesse cenário, ressaltamos a relação entre a Didática

e o campo de Estágio Supervisionado na formação pedagógica de futuros professores,

buscando com isso pesquisar questões relacionadas ao processo de formação de futuros

professores, as atividades de Estágio Supervisionado/ Práticas de Ensino nesse contexto.

As questões organizadoras deste texto privilegiam discutir como a convivência com a

escola pública, durante o Estágio Supervisionado, permite que alunos de Licenciatura

construam Práticas Pedagógicas nas Diferentes Linguagens e Espaços e; como a Didática

marca o seu lugar nos processos de formação de professores, considerando a sua

articulação com a disciplina de Estágio e Prática de Ensino.

Ao adentrar na discussão desses temas, reconhecemos que no interior do debate sobre a

formação de professores, vão sendo aprofundados os problemas crônicos enfrentados

pelas instituições formadoras: falta de articulação entre teoria e prática educacional, entre

formação geral e formação pedagógica entre conteúdos e métodos. Nesse quadro,

presenciamos a necessidade da superação do paradigma da racionalidade técnica, como

apontam inúmeros autores (CONTRERAS DOMINGO, 2002; GIROUX, 1997;

GHEDIN, 2002; LIBÂNEO, 2002; PIMENTA, 2002).

Essa necessidade implanta-se porque esse modelo se mostra inadequado à realidade

docente, e, nesse contexto, o Estágio foi sendo identificado como a parte prática dos

cursos de formação de profissionais, em contraposição à teórica, e a Didática, por sua

vez, na perspectiva da Didática instrumental, em oposição a perspectiva Didática

fundamental.

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Como afirmam Ghedin, Almeida e Leite (2008), o Estágio nesse formato não tem

contribuído para favorecer a análise crítica da prática docente em sala de aula nem tem

conseguido formar uma atitude docente que supere uma perspectiva tecnicista e

conservadora de educação. Entretanto, nas últimas décadas, surgiram outras concepções

de Estágio, que visam superar a dicotomia entre a teoria e a prática, e também temos,

como afirma Lisita (2006), identificado em relação a Didática, estudos e pesquisas que

têm conduzido à valorização de perspectivas de trabalho fundadas numa racionalidade

reflexiva.

Interessa-nos portanto, considerar essas novas concepções, questionando a preocupação

com o futuro professor e apresentando contribuições para a construção de um novo

paradigma de formação de professores que supere a racionalidade técnica.

Para tanto, organizamos esta reflexão de maneira enfocar os seguintes aspectos: A relação

entre a Didática, os Estágios/ Prática de Ensino na formação de professores em prol da

construção de práticas pedagógicas; As possibilidades indicadas por pesquisas em relação

a formulação de Práticas Pedagógicas nas Diferentes Linguagens e Espaços; A produção

de Práticas Pedagógicas nas Diferentes Linguagens e Espaços considerando a experiência

com o Estágio/ Prática de Ensino dialógicos e colaborativos.

1 A Didática e o Estágio/Prática de Ensino: Encontros Necessários na Discussão em Relação

a Produção de Práticas Pedagógicas na Formação de Professores

Nesta reflexão damos ênfase a importância do campo teórico, profissional e investigativo

da Didática, considerando-a como conhecimento imprescindível à formação profissional

de professores, entendendo que a Didática fundamenta a análise criteriosa do processo de

ensino no contexto das disciplinas Didática e Estágio e Práticas de Ensino, podendo

subsidiar reflexões que auxiliem na superação das dificuldades nesse contexto, quanto ao

significado para o exercício da profissão.

Consideramos assim como definem Pimenta et al. (2010) que a Didática é um campo de

estudos e pesquisas que tem um papel de fundamentação, o que designa a essa área de

conhecimento, uma reflexão a partir das características dessa prática.

Partimos do pressuposto de que, quando o Estágio é fundado na práxis, assume importante

contribuição na produção de saberes por futuros professores, referenciando a reflexão

como meio de redimensionar e ressignificar a prática. Compreendemos o Estágio na

perspectiva de aproximação da realidade e atividade teórica (PIMENTA; LIMA, 2004).

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Nesse contexto, a pesquisa é uma estratégia para a produção de conhecimentos em que se

faz necessária a análise, a problematização, a reflexão e a proposição de soluções às

situações de ensinar e aprender.

Para tanto, nesta discussão, baseamo-nos em um quadro de referências teóricas

preocupado com a teoria crítica, que tem contribuído para esclarecer os problemas

relacionados à prática pedagógica, já que ressalta a importância da reflexão crítica e

colaborativa como um procedimento de resolução dos conflitos que existem na ação.

Entendemos que no Estágio pode ocorrer um movimento dialético, de superação, para se

chegar a um outro momento, a partir de um processo de construção e recriação coletiva

da prática do futuro professor, o qual pode produzir um outro movimento, o de síntese,

em relação a aprender a ser professor sendo professor, numa experiência de trabalho

colaborativo e de estágio como um componente teórico e prático.

Nesse contexto, a articulação da Didática com o campo do Estágio e Prática de Ensino,

pode oferecer subsídios para a formação de sujeitos implicados na tarefa de

ensinar/formar (FRANCO, 2010). Consideramos portanto, o ensino como prática social

complexa, valorizando-se a ação docente na construção do saber didático (PIMENTA,

2010), por isso, pergunta-se pela Didática na área de formação de professores.

Por outro lado, vale ressaltar que não se trata de supervalorizar ou subvalorizar o potencial

dos Estágios, mas de analisar como estes, quando valorizam a mediação do trabalho

docente como fator determinante na mobilização de saberes, podem contribuir para a

construção de saberes. No âmbito da formação do futuro professor, compreendemos que

a Didática possibilitará a mediação entre o que é preciso ensinar e o que é necessário

aprender, entre o saber estruturado nas disciplinas e o saber ensinável; entre as atuais

formas de relação com o saber e as novas formas possíveis de reconstruí-la (PIMENTA,

2010).

Por isso, ressaltamos a importância de se questionar a natureza da formação didática que

está sendo recebida pelos alunos dos cursos de formação de professores. Como os

processos de Estágio têm propiciado momentos de reflexão didática, valorizando-se na

atividade docente a construção do saber didático? Como a disciplina de Didática se

articula com as práticas pedagógicas desenvolvidas na disciplina de Estágio situadas nas

escolas de Ensino Básico?

Com isso, afirmamos a necessidade da disciplina de Didática nos cursos de formação de

professores apresentarem propostas de atividades de reflexão da prática; interligação com

outras disciplinas, dentre elas a Prática de Ensino ou Estágio Supervisionado. Pensamos

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como Pimenta et al. (2010) que a escola é como um espaço privilegiado do ensino e da

Didática e que esta pode contribuir para à mediação reflexiva entre os valores e a cultura

que a sociedade dissemina e os estudantes em formação. De fato, sozinha a Didática como

campo de conhecimento, não dá conta de produzir respostas para a ressignificação dos

processos de ensino na perspectiva da aprendizagem do aluno, mas apresenta uma

importante contribuição, especialmente no que se refere aos processos de mediação entre

o ensino, atividade dos professores e aprendizagem dos alunos.

Considerando que as teorias trabalhadas em sala de aula, na disciplina de Didática, podem

contribuir para a produção de significação à prática, entendemos que o diálogo entre as

disciplinas de Didática e Estágio e suas respectivas áreas de conhecimento podem ajudar

a fomentar, compreender e transformar a prática docente buscando a produção de ações

críticas e transformadoras dentro das escolas.

Nesse contexto, entendemos que mobilizar saberes da Didática e a formulação de práticas

interdisciplinares com o Estágio/Prática de Ensino como componentes curriculares, têm

nos oferecido investimentos em possibilidades de trabalho fundadas numa racionalidade

reflexiva, buscando a transformação das práticas pedagógicas, na direção da concepção

de ensino como prática social, configurando o caráter prático de seus saberes.

Em face a essas concepções, cabe o movimento de acompanhar as discussões e estudos

que têm destinado reflexões sobre o Estágio/Prática de Ensino e sua relação com a

aprendizagem da profissão docente e a reflexão sobre práxis docente, sistematizando

possibilidades para a produção de práticas pedagógicas na perspectiva de uma nova

concepção de professor e ensino.

2 O que Dizem as Pesquisas sobre Estágio/Práticas de Ensino em Relação a Formulação dePráticas Pedagógicas nas Diferentes Linguagens e Espaços

Apresentamos, nesta seção, a análise sobre a contribuição de estudos brasileiros sobre os

processos de estágio e possibilidades formativas no processo de produção de práticas

pedagógicas nas diferentes abordagens com o Estágio Supervisionado de professores na

formação inicial. Com base nesta reflexão é possível avaliar que, os dados de pesquisa

endossam o argumento de que as práticas colaborativas com a escola assumem

importância na direção da unidade teoria e prática, ideia compartilhada especialmente

pelas pesquisas de Cunha (2003), Silva (2005), Silva (2006), Debortoli, Linhales e Vago

(2005), Pimenta e Lima (2004), Ghedin, Almeida e Leite (2008) e Lima e Aroeira (2011).

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Neste quadro, identificamos também que uma das dificuldades apontadas nos estudos

brasileiros em relação ao Estágio Supervisionado é o processo de reflexão das

experiências nesse contexto formativo (SUDAN, 2005; CAMPOS, 1999).

Como lembra Pimenta (1995, p. 85), “atividade docente é práxis”. E nesse sentido o nosso

entendimento de práxis baseia-se na definição de Vázquez (1977, p. 241):

[...] práxis é, na verdade, atividade teórico-prática; ou seja, tem um lado ideal,teórico, e um lado material, propriamente prático, com a particularidade de quesó artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um dooutro. Daí ser tão unilateral reduzir a práxis ao elemento teórico, e falar inclusivede uma práxis teórica, como reduzi-la ao seu lado material, vendo nela umaatividade exclusivamente material.

Então, tanto teoria quanto prática fazem parte da atividade docente. Entretanto, quando

imergimos no processo investigativo sobre o tema, deparamo-nos com uma produção

bibliográfica em que pudemos perceber que, no campo do Estágio Supervisionado, ainda

há muitas denúncias em relação à falta dessa articulação na formação de professores.

Os estudos desenvolvidos nos últimos anos sobre Estágio Supervisionado localizam

algumas fraquezas existentes nas atividades de estágio; porém, sem negar essa existência,

gostaríamos também de evidenciar os aspectos que têm fortalecido esse componente

curricular quando desenvolvido na direção de identificar possíveis avanços em relação à

unidade entre teoria e prática.

Com base nos estudos de Machado (2007) e Covino (2006), pode-se afirmar que é preciso

haver mudanças em relação à formação de professores na perspectiva de mudança de

papéis (de “transmissor para o de colaborador”), assim como na formação continuada dos

professores que supervisionam o estágio em relação à reflexão sobre as situações

profissionais.

Machado (2007) pesquisou esse elemento formador a partir dos discursos de alunos da

disciplina Estágio Supervisionado de Inglês em universidade pública de Goiás. Focalizou

os fatores internos e externos que interferiram nessa formação. Os resultados da pesquisa

apontaram que havia limitações de diversas ordens afetando o desenvolvimento de

competências mínimas dos futuros professores de Inglês. Além da falta de formação

continuada do professor supervisor, o autor da pesquisa cita também outras questões:

ausência de formação científica, prevalecendo as orientações do mercado de trabalho, e

necessidade de construção clara dos objetivos do curso e do perfil do profissional que se

pretende.

Covino (2006), ao estudar o processo de Estágio Supervisionado de instituição de ensino

superior da Grande São Paulo, especialmente a sintonia entre a teoria e a prática a partir

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do ensino da língua inglesa e sua relação com os Parâmetros Curriculares Nacionais,

concluiu que, na teoria, o fazer docente se tornou mais complexo, pois foi atribuída ao

professor uma série de papéis, embora, na prática, ele ainda assuma o papel de simples

“transmissor” do conhecimento, fator que identificou na análise dos relatórios de

observação de Estágio.

O Estágio como uma atividade instrumentalizadora da práxis é atividade teórica e prática

na formação do professor (PIMENTA, 1995), mas, ao nos depararmos com os resultados

evidenciados nessas recentes pesquisas, logo constatamos que ele não pode sozinho

tornar-se responsável pela unidade entre teoria e prática na formação do futuro professor,

muito menos colaborar para isso quando são esboçadas limitações no projeto do curso

formador, e quando não há condições mínimas para operar práticas de ensino desejáveis.

Quando o futuro professor é concebido como um consumidor de teorias ou como apenas

transmissor de conhecimentos, os estágios, assim como o curso de formação de

professores, evidenciam dificuldades em relação ao próprio entendimento que se tem

sobre o que é educação e que professor se quer formar nesses contextos.

Essa inferência também faz coro com os resultados da pesquisa de Castro (2005), que

identificou a concepção de estágio como um mero mecanismo de ajuste para a solução

dos problemas de desvinculação entre teoria e prática. Segundo a autora, essa análise foi

constatada ao pesquisar sobre o Estágio Supervisionado no curso de Pedagogia no

contexto de escolas de ensino fundamental em Santa Catarina e ao investigar a

contribuição das diversas disciplinas para o desenvolvimento do estágio e para a formação

do futuro docente. Castro (2005) indicou que, na perspectiva dos acadêmicos

entrevistados, existem dificuldades para se efetuar a articulação entre teoria e prática

durante o processo de Estágio Supervisionado e que as disciplinas que melhor

contribuíram nesse sentido foram as Metodologias. Algumas disciplinas lhe pareceram

desarticuladas de uma realidade que visa privilegiar uma correlação teoria e prática.

O Estágio não pode sozinho ser responsável por realizar todas as articulações e

interlocuções de um curso de formação de professores; pode contribuir nesse processo,

mas essa tarefa deve estar embutida em cada disciplina, no sentido de não perder de vista

que a escola deve ser tomada como referência para a formação, resgatando-o como campo

de atuação em todas as disciplinas desse curso.

Nesse desafio, também precisa ser superado o distanciamento da reflexão em relação às

experiências situadas no processo de Estágio Supervisionado, que em alguns casos não

acontece ou ocorre distante dos desafios vividos na escola. Entre os estudos que

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constatam essa dificuldade, as pesquisas de Campos (1999) e de Sudan (2005) retratam

essa situação nas licenciaturas de Educação Física e Enfermagem. Campos (1999)

investigou o Estágio Supervisionado em cursos de Educação Física, considerando o

discurso dos docentes e discentes dessa disciplina. A autora verificou que, entre os cinco

cursos pesquisados, apenas em um a disciplina Prática de Ensino e o Estágio

Supervisionado está mais próxima de alcançar a reflexão e a conscientização do aluno

sobre a prática docente, priorizando o processo de ação-reflexão. Em relação aos outros

quatro cursos, Campos (1999) analisa que estão longe do ideal de reflexão sobre a prática

de ensino no estágio, que chega a ser defendida pelos professores, mas acaba não

acontecendo. Sudan (2005) aponta análises acerca da construção de práticas educativas

por egressos durante o Estágio Supervisionado de um curso de Enfermagem, no Paraná.

Segundo Sudan (2005, p. 9), “[...] considerando a incipiente formação pedagógica do

estudante [...] é nítido que o estudante reproduz o ensino tradicional, apresentando pouco

espírito crítico e problematizador para análise da realidade”.

Esses resultados de pesquisa instigam-nos a pensar como, num processo de estágio de

formação de professores, os conhecimentos sobre os contextos de ensino-aprendizagem

que ocorrem numa escola precisam ser apreendidos na sua totalidade, e que não basta

estar na escola, ou improvisar situações que não se assemelham ao cotidiano, se não se

propicia a atenção, o estudo e a reflexão sobre a realidade conflitante do cotidiano escolar,

assim como a proposição de mudanças as condições existentes.

Diante dessas necessidades vividas no estágio, é preciso destacar que também há

processos nesse contexto que sublinham aspectos potenciais em relação a iniciativas

positivas na produção de saberes durante o Estágio Supervisionado.

Um exemplo disso são os resultados da pesquisa de Silva (2005), realizada na Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru, no agreste pernambucano, que revelaram que

através da vivência das atividades de Prática de Ensino, os/as discentes-professores/as

vêm conseguindo romper com a compreensão de prática como imitação de modelos,

exercitando-se por meio de uma postura crítica ante a realidade e afirmando a necessidade

desse componente curricular para a sua formação. Mas ressalte-se, nos achados dessa

pesquisa e na de Silva (2006), o grande desafio, no que diz respeito à Prática de Ensino,

a ausência de um trabalho articulado entre a instituição formadora, as escolas-campo de

estágio e os ambientes institucionais não escolares.

Silva (2006) também localizou, na investigação realizada com alunos da disciplina

Didática e Prática de Ensino (DPE) do curso de Pedagogia do Campus Avançado de

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Catalão/Universidade Federal de Goiás, que as situações vivenciadas pelos estagiários na

escola-campo podem ampliar a compreensão sobre os saberes da profissão docente. Na

área da Educação Física, recordamos também a reflexão realizada por Debortoli, Linhales

e Vago (2005), que corrobora a importância da articulação entre a formação de

professores (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG) e a rede pública de ensino

(Minas Gerais). Os autores apontam como alternativa o estágio interdisciplinar de

Licenciatura como um local de produção de saberes, em que estudantes estagiários,

coordenadores de estágios, educadoras de instituições de Educação Infantil e demais

profissionais são levados, por meio da reflexão, a reconsiderar seus próprios saberes e

conhecimentos, reafirmando ao mesmo tempo os princípios que devem orientar as ações

e a prática docente.

Os estudos de Debortoli, Linhales e Vago (2005), Silva (2005), Silva (2006) indicam que

também há saltos na superação da dicotomia entre teoria e prática e que esse movimento

se dá nos processos de formação que incorporam a concepção de estágio como atividade

de aproximação da realidade e atividade teórica (PIMENTA; LIMA, 2004), e que buscam

práticas colaborativas com a escola (LIMA; AROEIRA, 2011).

Outro elemento que tem sido um fator diferencial durante o Estágio é a introdução de

formas de ensino investigativas, promovendo a ruptura de modelos tradicionais de ensino.

Foi o que constatou Barcelos (2006), ao interpretar a experiência didática desenvolvida

em 2002 nas disciplinas de Prática de Ensino do curso de Ciências Biológicas da

Universidade Federal de Uberlândia. Cunha (2003), também em estudo sobre o Estágio

Supervisionado no curso de formação de professores, avalia o impacto da pesquisa e do

conceito de professor reflexivo nesse contexto e corrobora a importância de a pesquisa na

escola ser colaborativa. Em relação à compreensão de que os elementos práticos

vivenciados nos Estágios devem subsidiar a produção de conhecimento para o campo

educacional, os estudos de Ludke e André (1986) e Pimenta e Lima (2004) também têm

feito destaque a essa questão.

Há outro exemplo ilustrativo em relação à utilização da pesquisa em formação de

professores: o trabalho de Ghedin, Almeida e Leite (2008). Nessa discussão é possível

localizar uma experiência marcada por uma série de condicionantes histórico-sociais e

teórico-epistemológicos, que articula interdisciplinarmente um estágio com uma

dinâmica de pesquisa.

Ghedin, Almeida e Leite (2008) demonstram que é possível viabilizar a implantação de

um estágio vinculado com os conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo,

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privilegiando a reflexão e a produção de novos conhecimentos sobre a escola e os

processos pedagógicos.

Essa experiência registra avanços na direção da unidade teoria e prática e leva o estagiário

a perceber que sua prática educativa é fonte tanto da atividade reflexiva como da prática

investigativa. Além disso, ressalta aspectos que são extremamente necessários à atividade

docente: atitudes de pesquisa como momento privilegiado de reflexão sobre a ação;

reconhecimento da perspectiva interdisciplinar para compreender os desafios vividos na

escola (GHEDIN, ALMEIDA; LEITE, 2008).

Nessa direção, é importante observar que a prática da pesquisa durante os processos de

Estágio se torna uma profícua estratégia formativa, que contribui para a compreensão das

práticas pedagógicas e para a articulação entre o conhecimento específico de ensino e o

conhecimento pedagógico na totalidade do conhecimento socialmente produzido.

Lopes (2004) também sugere possibilidades em relação à situação específica do Estágio,

quando pesquisa o tema “aprendizagem docente” no estágio compartilhado. A autora

destaca essas possibilidades e indica que algumas ações se tornam significativas para o

futuro professor nesse processo, como o planejamento, a avaliação e o registro.

Também no âmbito dos estudos brasileiros, outros dois exemplos chamaram-nos a

atenção por enfatizarem estratégias alternativas desenvolvidas no estágio: são os

denominados trabalhos em equipe (HAYAMA, 2008) e os dispositivos de formação

(BUENO, 2007). Ambos os trabalhos sugerem o que essas práticas favorecem e

denunciam em relação a sua utilização no processo de formação de professores.

Hayama (2008) pesquisou a realização do Estágio Supervisionado em grupos do curso de

Licenciatura em Inglês da Universidade de São Paulo. A pesquisa foi realizada com

quatro equipes, formadas por dois a quatro estagiários de duas disciplinas, Metodologia

do Ensino de Inglês (Licenciatura da Faculdade de Educação da USP) e Estágio

Supervisionado nos minicursos de Inglês nessa mesma Instituição. O estudo teve como

foco questões relativas ao trabalho em grupo, tais como as relações entre os integrantes e

as especificidades dessa forma de trabalho.

Os resultados da pesquisa de Hayama (2008) mostraram as dimensões da organização e

características do trabalho em grupo e da existência de líderes informais nas equipes.

Sobre esta última dimensão, a autora concluiu que a emergência de líderes não poderia

ser explicada por apenas uma motivação, como maior experiência profissional ou maior

conhecimento do conteúdo; está, em vez disso, inter-relacionada com características do

líder propriamente dito, dos demais integrantes do grupo e do contexto como um todo.

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Bueno (2007) analisou a interpretação das representações construídas sobre o trabalho do

professor nos textos elaborados para orientar os estagiários em suas tarefas e nos textos

produzidos pelos próprios estagiários durante o estágio. As análises da autora sugerem

que, por meio das figuras de agir construídas, tanto o documento de orientação do estágio,

quanto os projetos apresentam uma visão reduzida do que é o trabalho docente e do papel

do professor, retratando-o de modo genérico e distanciado da realidade que o estagiário

deveria observar em um estágio que se propõe formar um professor. Além disso, Bueno

(2007) constata que o modelo de agir do estagiário tem sua origem nos textos teóricos e

não nas atividades práticas de que participa. A autora considera que a orientação aos

estagiários em relação à produção de projetos deve levar o estagiário a conhecer diversos

discursos para que deles se aproprie e com eles construa sua própria posição como um

profissional.

Em função da dificuldade de localizá-los no Brasil, Bueno (2007) também reportou-se a

dispositivos citados no âmbito de estudos estrangeiros, focalizando a reflexividade do

estagiário durante esse processo. Alguns deles são: a) o dispositivo do Instituto

Universitário de Formação de Mestres (de Auvergne - França), que se constitui nas

seguintes etapas: 1) assistir à gravação de uma aula ministrada por professor iniciante,

descrever o que viu e refletir sobre a postura adotada; 2) contar uma experiência que já

teve semelhante àquela que observou; 3) analisar o vídeo em relação às seqüências dos

eventos e suas conseqüências e à construção de novos procedimentos de intervenção; b)

o dispositivo do Instituto Universitário de Formação de Mestres (Champagne-

Ardene, França), denominado “mémoire professionnel”, que constitui uma monografia

de trinta páginas relacionando um problema ou uma questão à sua prática e propondo

reflexões pautadas em teorias sobre o assunto; c) o dispositivo do Instituto

Universitário de Formação de Mestres (Créteil, França), “mémoire”, que se refere à

leitura e à discussão do texto entre o estagiário e o professor supervisor; d) dispositivo

dos Centros de Formação Europeus, em que o papel do professor-formador é descrito

como parte do dispositivo de formação: o professor observa, registra a aula do estagiário

e promove uma intervenção, retornando por meio da análise da aula.

As possibilidades citadas por Hayama (2008) e Bueno (2007) indicam alternativas que

requerem uma pesquisa mais ampla, uma vez que se trata de temas e questões que não

são exploradas nos estudos brasileiros.

Por outro lado, no nível de estudos realizados no Brasil, Lima (2012) sistematiza algumas

perspectivas ao estudar a produção do ENDIPE (2008 e 2010) sobre o Estágio

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Supervisionado/Práticas de Ensino, que configuram pontos de reflexão e avanços em

relação a discussão do tema nos últimos anos: o Estágio como prática pedagógica inserida

na prática social; o Estágio como teoria que ressignifica a prática; o Estágio como objeto

de investigação e reflexão e de construção e articulação de saberes e conhecimentos; O

Estágio como espaço/tempo de aprendizagem; O Estágio como oportunidade de

experiências pedagógicas; O Estágio como possibilidade de ensino/aprendizagem da

profissão, tutoria e monitoria.

Além dessas questões, as análises aqui empreendidas permitem identificar duas

importantes recomendações relacionadas aos processos de estágios e suas possibilidades

formativas. A primeira, a importância da pesquisa e da reflexão como dispositivos

importantes na construção de saberes didáticos. A segunda, a necessidade das instituições

formadoras monitorarem e avaliarem os textos que orientam o estagiário em suas tarefas,

assim como os textos produzidos pelo próprio estagiário, e a preparação do futuro

professor para atuar com competência nas múltiplas perspectivas dos contextos

profissionais, contemplando estratégias potenciais para a construção de saberes.

Por último, ressaltamos na direção dessas reflexões, que abordam principalmente

alternativas na preparação do futuro professor, a necessidade de pesquisar o impacto dos

dispositivos de formação em experiências de estágios colaborativos entre universidade e

escola, e que, ampliar a discussão sobre estratégias de formação do estagiário, pode gerar

um profícuo debate em relação a novas possibilidades de formação de futuros professores,

contribuindo para responder às demandas da intervenção prática nesses contextos.

3 Práticas Pedagógicas nas Diferentes Linguagens e Espaços Considerando aExperiência com o Estágio/Prática de Ensino Dialógicos e Colaborativos

Em decorrência da aproximação com o Estágio na condição de pesquisadora e professora

de Estágio/Prática de Ensino enquanto componentes curriculares, aqui apresentamos

abordagens que temos investido na formação de futuros professores e na produção de

práticas pedagógicas na formação inicial, considerando as relações que se estabelecem

entre a universidade e escola na perspectiva da aprendizagem da profissão docente em

diferentes espaços e linguagens.

Assim como Franco (2012), consideramos a prática pedagógica como palavra sinônima

de prática educativa:

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São práticas as que se organizam intencionalmente para atender determinadasexpectativas educacionais solicitadas/requeridas por uma dada comunidadesocial. Nesse sentido, elas enfrentam, em sua construção, um dilema essencial:sua representatividade e seu valor advêm de pactos sociais, de negociações edeliberações com um coletivo. Ou seja, as práticas pedagógicas se organizame se desenvolvem por adesão, por negociação, ou ainda, por imposição.(FRANCO, 2012, p. 3).

A prática pedagógica extrapola a sala de aula, pois convive com decisões que antecedem

a prática de sala de aula, tais como o enfoque epistemológico a utilizar, a existência de

recursos didáticos de suporte, a escolha de métodos e procedimentos (FRANCO, 2012).

Elas enfrentam, em sua construção, conforme apresenta a autora, um dilema essencial:

sua representatividade e seu valor advêm de pactos sociais, de negociações e deliberações

com um coletivo.

Diante disso, ao pensarmos sobre a produção de práticas pedagógicas no âmbito dos

Estágios/Práticas de Ensino, destacamos como possibilidade a abordagem colaborativa e

dialógica em espaços coletivos de intervenção/reflexão no Estágio/Práticas de Ensino,

uma vez que essa opção favorece um rico momento para começar a aprendizagem da

profissão e para exercitar o diálogo coletivo sobre a práxis entre os pares da universidade

e escola.

A compreensão de que nos valemos sobre a abordagem colaborativa no contexto da

produção de práticas pedagógicas no Estágio/Prática de Ensino parte da ideia que o

Estágio é o primeiro momento em que podemos ser professor, assumir as primeiras

experiências com a docência e aprender sobre a profissão, numa relação em que é preciso

haver diálogo entre a universidade e a escola de Ensino Básico.

Nesse contexto, podem ser produzidos saberes pelos diversos atores envolvidos nesse

processo formativo, alunos estagiários, professores orientadores, professores da escola e

seus demais pares. Nos apropriamos com isso, do conceito de colaboração (ou

cooperação), destacados nas teorias de estudos sócio-interacionistas de Vygotsky (1987)

em que as trocas interpessoais são elementos necessários para o desenvolvimento dos

indivíduos.

Com base nessa visão, sustentamos que de forma colaborativa, a problematização das

práticas educativas pelos professores e estagiários favorece a criação de um modo de ser

e estar na profissão durante as experiências do estágio. Essa construção favorece o

entendimento da própria identidade profissional porque ela se constrói também

Pelo significado que cada professor [futuro professor], enquanto ator e autor,confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seumodo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de

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seus saberes e de suas angústias e anseios, no sentido que tem em sua vida o serprofessor (PIMENTA, 2002, p. 19).

Acreditamos dessa maneira que o sucesso da aprendizagem dos futuros professores passa

por ambientes de colaboração e cooperação e diálogo entre eles e os docentes, sendo

necessário o permanente feedback dos supervisores para que o formando descubra e

desenvolva competências pessoais e profissionais (através dos processos de

autorreflexão, partilha e ações coletivas).

Por isso, ao assumirmos a abordagem dialógica, baseamo-nos na visão de que os futuros

professores assumem a condição de autores e de coautores das práticas pedagógicas, o

que tem a ver com o que Freire (1997) define por verdadeira aprendizagem, quando “[...]

os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e de reconstrução do

saber ensinando ao lado do educador, igualmente sujeito do processo” (FREIRE, 1997,

p. 29).

Almejamos com isso a docência de melhor qualidade (RIOS, 2002), a valorização

identitária e profissional do professor, a compreensão do trabalho docente como campo

específico de intervenção na prática social.

Sobre isso, durante os processos de supervisão de futuros professores temos identificado

que a articulação dialógica entre estagiários observadores, estagiários professores,

professores regentes e professor supervisor é um fator importante para a construção de

uma prática docente de qualidade pelo futuro professor; os alunos professores, ao

assumirem o papel de colaboradores no processo da reflexão didática de sua atividade

docente, adotam atitudes de interação e de coletividade pedagógica no contexto da Escola

Básica.

Entretanto, para essa ocorrência é necessário que o contexto da proposta de Estágio da

instituição formadora evidencie um pensamento orientador no sentido de desenhar um

processo de Estágio que possibilite uma interlocução entre a teoria e a prática. Nessa

relação, é preciso valorizar uma preocupação intensa em instaurar oportunidades para a

compreensão e a ressignificação da prática pedagógica produzida por futuros professores

num processo institucionalizado entre universidade e escola.

As condições objetivas, os espaços em que esse projeto é implementado precisam contar

com um acompanhamento efetivo dos professores supervisores e com o suporte da rede

de ensino que acolhe esse projeto formativo, que, de forma colaborativa, necessita estar

aberta a articular-se com a universidade em prol de atividades formativas de estagiários

e professores nas escolas do município.

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Outro aspecto que destacamos é que a prática da supervisão necessita ser estruturada

principalmente no próprio ambiente escolar, mediada pela reflexão coletiva. Essa

característica nomeadamente reúne possibilidades não apenas para orientar um diálogo

da universidade com a escola como também da escola com a universidade.

Diante desse contexto, ao vivenciarmos esse ambiente favorável a produção de saberes

docentes, e ao pesquisarmos a potencialidade do estágio colaborativo (AROEIRA, 2009),

identificamos que com essa abordagem é possível explorar diversas linguagens dentre

elas a escrita, por meio da pesquisa e produção de portfólios, a linguagem plástica com a

produção de materiais didáticos para as aulas de Estágio, a linguagem do vídeo e da

fotografia, por meio da elaboração do acompanhamento e registro iconográficos das aulas

produzidas pelos estagiários professores e escolares, e por que não a linguagem da

informática, uma vez que temos experimentado a interação por meio de mídias de

relacionamento na internet, como espaço de troca entre estagiários e escolares, assim

como compartilhamento de conteúdos relacionados a aulas ministradas pelos estagiários

professores.

Nessa visão temos perspectivado o desenvolvimento de práticas pedagógicas de futuros

professores em espaços de instituições escolares do sistema municipal e estadual de

ensino público, tendo a escola como importante lócus de formação docente. No espaço

da escola, e da convivência com instituições públicas de ensino, a interação e a

importância da pesquisa e do olhar observador do estagiário permitem as aprendizagens

do trabalho educativo, assim como construir concepções que contribuam para a melhoria

da formação, especialmente quando se considera o Estágio como atividade

instrumentalizadora da práxis (PIMENTA, 1995; PIMENTA; LIMA, 2004).

Defendemos desse modo, que no espaço da sala de aula da Educação Infantil, Ensino

Fundamental e Médio, o estagiário depara-se com a profissão e com a aprendizagem

docente, vivenciando a regência compartilhada e a significativa participação no

estabelecimento de redes coletivas de trabalho com a escola, podendo desse modo assumir

uma conduta de negação ao dualismo “educadores e educandos”, o que, nas palavras de

Vázquez (1977, p. 160), partindo da concepção da práxis em Marx ,“[...] implica na ideia

de uma práxis incessante, contínua, na qual se transformam tanto o objeto como o

sujeito”.

No espaço da universidade investimos na ideia de se estabelecer o planejamento de redes

coletivas de trabalhos com a escola, a formulação de práticas interdisciplinares, e na

sistematização de Seminários de Estágios, os quais podem ser um dos exemplos das ações

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de parceria entre universidade e escola, visto que contemplam a produção, o olhar e as

interrogações vividas no decorrer dessa trajetória.

Por último, salientamos que para conduzir esses processos formativos, temos

identificado, como professora supervisora, a importância e a necessidade de atuar no chão

das escolas campo, junto com os professores regentes, desenvolvendo o acompanhamento

e a orientação as atividades de observação e regência compartilhada nesses espaços, assim

como os momentos de socialização de reflexões relacionadas as práticas pedagógicas e

do planejamento e pesquisa na universidade, valendo-nos da interlocução, diálogo e

colaboração para o desenvolvimento e mobilização de saberes docentes.

Considerações Finais

O questionamento que se apresentou para nós no exercício da produção deste texto, e que

tem nos acompanhado na atividade de professora supervisora e de Didática, atuando nesse

processo de Estágio, e de estudante do tema, privilegiam discutir a relação entre a escola

pública, o Estágio Supervisionado/Práticas de Ensino e as Práticas Pedagógicas nas

Diferentes Linguagens e Espaços, assim como indagar como a Didática marca o seu lugar

nesses processos de formação de professores. Entendemos que é necessário investigar as

práticas que ocorrem nos Estágios, ampliando as suas potencialidades à luz das teorias.

É preciso mais uma vez ressaltar o futuro professor, como autor ou coautor das práticas

pedagógicas no processo formativo de estágio, pois este vivencia modos de ser professor,

mas, para vencer e compreender os desafios da aprendizagem docente, é necessário o

suporte de um processo de reflexibilidade que medeie a significação e a ressignificação

da atividade docente.

Por isso, a importância do entendimento de abordar a Didática e os Estágios/Prática de

Ensino na articulação de seus pressupostos teórico e metodológicos, produzindo subsídios

para a formulação de práticas pedagógicas nas diferentes linguagens e espaços.

Sobre isso os resultados desta reflexão, permite-nos afirmar ao considerar os estudos

analisados, que essa produção aponta aprendizagens significativas, principalmente em

relação a tomar-se como referência a troca de experiência e a participação de todos (escola

e universidade). As fontes pesquisadas apresentam contribuição para a configuração dos

projetos de Estágio Supervisionado e provocam discussão em torno da importância e

lugar que as práticas pedagógicas assumem no Estágio de formação de professores e no

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desenvolvimento da disciplina Didática, ressaltando os efeitos da atuação em parceria

durante a formação de docentes e a necessidade de continuar estudando-os no âmbito de

pesquisas sobre a formação inicial e contínua.

Entendemos a partir desta discussão que a formulação de práticas pedagógicas nas

diferentes linguagens e espaços na formação inicial de professores é um rico momento

para começar a aprendizagem da profissão e para exercitar o diálogo coletivo sobre a

práxis entre os pares da universidade e da escola. Destacamos que há variadas

possibilidades de linguagens e espaços que podem ser mobilizados ao focalizamos o

Estágio/Práticas de Ensino numa abordagem colaborativa e dialógica entre os pares da

escola e da universidade. No contexto das linguagens, acentuamos a importância da

pesquisa e da reflexão como dispositivos importantes na construção de saberes, podendo

ser exploradas, dentre outras possibilidades, a linguagens escrita, a linguagem plástica, a

linguagem do vídeo e da fotografia, e a linguagem da informática.

Em relação as práticas pedagógicas e seus respectivos espaços, analisamos que a escola

é o lócus de formação, e que as reflexões sobre decorrentes das atividades desenvolvidas

na sala de aula e na universidade nos processos de Estágio/Práticas de Ensino oferecem

condições para que o futuro professor se torne capaz de responder aos desafios da escola

de forma interdisciplinar e com autonomia e investigação científica.

Enfim, concluímos afirmando, que é preciso compreender que a Didática e o

Estágio/Prática de Ensino não são responsáveis por promover a práxis de um curso de

formação de professores, mas, quando esses consideram práticas de partilha com a escola

aspectos de colaboração e reflexibilidade, assim como de pesquisa e de

interdisciplinaridade, pode cumprir de forma institucional, numa perspectiva

emancipatória, a função de colaborar num processo formativo a favor da unidade teoria e

prática.

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O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE

PROFESSORES INDÍGENAS: ALGUMAS REFLEXÕES

Yoshie Ussami Ferrari Leitei

Célia Aparecida Bettiolii

Introdução

A identidade profissional do professor indígena é uma preocupação recente que

decorre, dentre outras coisas, da implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação Escolar Indígena na Educação Básica, no ano de 2012. Por muito tempo, a

docência nas comunidades indígenas foi desempenhada por educadores não indígenas,

dificultando a implantação dessa política de forma plena. A formação proposta para

esses profissionais se encontra em processo de construção, uma vez que as experiências

nesta área são atuais, conforme cita Silva e Horta (2010), se remetendo às experiências

de instituições como a Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT), a

Universidade Federal do Acre (UFAC), a Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) que ofereceram cursos de licenciaturas

específicas para professores indígenas.

Nesse processo de formação docente, inúmeros debates foram realizados e

inseridos no âmbito mais amplo e complexo da formação de professores de modo geral,

no qual também se incluem as questões relacionadas ao Estágio Supervisionado. Na

proposta dos cursos de formação do professor indígena, o desafio na elaboração do

Projeto Político Pedagógico também se apresenta, assim como os problemas referentes

ao Estágio. Muitas vezes, este último está mais vinculado à formação de um professor

não indígena, preocupado com necessidades de escolas não indígenas, desconsiderando

as dimensões específicas do trabalho docente voltado à população indígena.

Conforme Maher (2006), o trabalho com a formação de professores indígenas

tem sido desenvolvido no Brasil por organizações não governamentais e instituições

públicas, entre as quais citamos as secretarias de educação estaduais ou municipais e/ou

universidades. Em todos os casos, comparecem importantes desafios como: refletir

sobre os aspectos que diferem essa proposta de formação de outras para a docência de

professores não indígenas; atender e respeitar a especificidade que deve ter a formação

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de docentes indígenas; e construir uma proposta pedagógica realmente inovadora que

atenda às determinações políticas contemporâneas.

Grupioni (2006) relata que a formação de professores indígenas tem trazido

essas discussões para todo o Brasil, no sentido de procurar definir um currículo

específico para esse magistério intercultural, respeitando as diferentes realidades dos

povos envolvidos.

Muitos programas de formação desta natureza esbarram nas dificuldades de

organização de um currículo que atenda realmente a essas especificidades e, sobretudo,

nas questões que circunscrevem o estágio. Muitas vezes, este componente curricular

concentra-se ao final do curso, não encontrando tempo e espaço suficientes de reflexão

para a formação profissional, deixando de apresentar uma proposta a partir da realidade

onde se insere, caracterizando-se, portanto, como uma atividade meramente pragmática.

Ressaltamos que a formação de professores indígenas, como preceituam os

documentos legais, deve se pautar nas especificidades dos povos a que se destinam e,

por essa razão, estar contemplada no projeto do curso e na forma como se organiza essa

formação. A organização e a realização do Estágio Supervisionado são de caráter

relevante nessa proposta.

Nesse sentido, este artigo tem como objetivo discutir a formação do professor

indígena e debater acerca dos desafios e das possibilidades na construção de novos

cursos que considerem a problemática hoje existente no processo formativo de docentes

em nosso país. Para tanto, julgamos importante abordar os seguintes aspectos:

O trabalho docente e a formação dos professores;

O trabalho docente e as escolas indígenas;

O curso de formação de professores indígenas da UEA;

O Estágio Supervisionado no curso da UEA.

O trabalho docente e a formação de professores

No momento atual de valorização da educação no país, a formação e o trabalho

docente têm sido apontados como um dos principais elementos no sentido de intervir na

qualidade do ensino ministrado nas escolas brasileiras.

Falamos numa qualidade de ensino e da escola inserida na perspectiva que Paul

Singer (1996) aponta como civil-democrática: aquela que encara a escola como

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processo de formação cidadã, tendo em vista o exercício de direitos e obrigações típicos

da democracia, contrapondo-se à perspectiva produtivista.

Um número significativo de investigadores atribui grande relevância à temática

da formação, da profissionalização e do trabalho docente, como Selma Pimenta (2008),

Tardif e Lessard (2005), Maria do Céu Roldão (2007), entre tantos outros.

Com base nesse referencial teórico, o que entendemos por trabalho docente?

Este pode ser considerado como o conjunto de atividades desenvolvidas pelo professor

no âmbito das relações estabelecidas na instituição escolar, levando-se em conta seus

fins e objetivos. O desenvolvimento do trabalho docente está vinculado aos objetivos da

instituição a qual pertence, ao nível de ensino e aos aspectos conjunturais e estruturais

da sociedade. Envolve o processo de ensino presente na sala de aula e o decurso da

aprendizagem dos alunos, estando necessariamente vinculado às características da

realidade escolar. Enfim, o trabalho docente é aquele que se realiza com a intenção de

educar; a ação que os professores desenvolvem no processo educativo.

O trabalho realizado pelo professor modificou-se ao longo do tempo, em

decorrência das inovações tecnológicas e de comunicação, notadamente nas últimas

décadas do século passado e início deste. As modificações constatadas apontam no

sentido das mudanças nas finalidades e objetivos da escola e na natureza do trabalho

docente. Isto representa e significa outra arquitetura acadêmica, pedagógica e social

capaz de atender ao que está posto como finalidade no contexto de seu trabalho hoje.

Diante das variadas funções que a escola pública assume na atualidade, os

professores se veem obrigados a responder a determinadas exigências para as quais,

muitas vezes, não se sentem preparados. A atual ampliação do seu rol de atividades

resulta numa maior complexidade da tarefa docente e gera a obrigação de redefinir/rever

as suas atribuições e o caráter de sua ação no âmbito do processo pedagógico.

É necessário que as escolas e os professores respondam a esse desafio e atuem

no sentido de assegurar que o seu trabalho favoreça o sucesso da formação escolar dos

alunos que hoje frequentam a escola pública.

O professor não pode mais ser considerado como mero executor de inovações

prescritas, mas um profissional que participa ativa e criativamente do processo de

inovação e mudanças, a partir de seu contexto, numa relação de ensino e aprendizagem

dinâmica e flexível, através da atuação crítico-reflexiva, como afirma Imbernón (2001).

Desse modo, precisa refletir sobre a sua prática escolar, fundamentada em seu contexto

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de trabalho, pensar no que faz, porque faz e ser comprometido com a profissão.

Somente assim poderá atender às necessidades de seu espaço laboral em busca de

melhor qualidade na ação pedagógica.

Assim, percebe-se que, hoje, suas atribuições se tornaram mais complexas e

diversificadas, de modo que a mera transmissão de conhecimentos não é mais suficiente

para a formação do aluno.

Diante disso, questiona-se: como as atuais complexidades da escola e do

trabalho docente são consideradas no processo formativo dos professores?

São muitos os autores que apontam que os professores não têm recebido preparo

suficiente para enfrentar à nova realidade e atribuições da escola pública.

Para Tedesco (1998), a formação inicial do professor se apresenta de forma

insuficiente e aligeirada, não sendo capaz de suprir os desafios do novo contexto que

exige dos profissionais uma série de capacidades e habilidades ausentes dos processos

formativos.

Pimenta (1999) também afirma que os cursos de formação, ao desenvolverem

um currículo formal com conteúdos e atividades de estágio distanciados da realidade

escolar, numa perspectiva burocrática e cartorial, não conseguem captar as contradições

presentes na prática social da educação e, assim, pouco contribuem para criar uma nova

identidade profissional de professor.

É preciso superar o modelo da racionalidade técnica para assegurar uma base

reflexiva na formação e na atuação do profissional. Apenas dessa forma será possível

entender, de fato, a conjuntura social onde ocorrem a aprendizagem e o processo de

educação escolar no país, possibilitando a propositura de ações pedagógicas mais

adequadas em sala de aula.

Nesse sentido, a formação docente precisa ser pensada a partir do contexto de

seu trabalho, e não, concebida de forma descolada ou distanciada da reflexão crítica

acerca da realidade escolar. Somente a concepção de formação do professor crítico e

reflexivo considera a possibilidade de resposta aos desafios decorrentes das novas

relações entre sociedade e educação. Envolve o entendimento da prática como

referência da teoria e desta como nutriente de uma prática de melhor qualidade.

Nessa perspectiva, concordamos com os autores que afirmam que, no processo

formativo do professor, cabe ao estágio um papel fundamental na construção de sua

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identidade profissional, considerando-o, portanto, espaço privilegiado para a formação

docente.

Todavia, como poderá o estágio contribuir para a construção da identidade

profissional do professor?

Não nos referimos ao estágio como, em geral, é desenvolvido na maioria dos

cursos de formação e que tem se caracterizado, fundamentalmente, por uma cultura de

cunho tecnicista. Desse modo, não se apresenta como meio eficaz para a formação de

futuros professores e pouco contribui para a sua formação intelectual e profissional.

Impossibilita a análise crítica da prática docente atualmente desenvolvida nas salas de

aula e dificulta a construção de uma atitude docente que supere a perspectiva tecnicista

e conservadora da educação.

Por meio do estágio, o futuro professor deveria desenvolver-se para a docência,

preparando-se para efetivar as práticas de ser/estar professor, na complexa dinâmica da

sala de aula da escola pública. Deveria permitir que o aluno de licenciatura tivesse

condições de compreender o papel do professor como profissional inserido em

determinado espaço e tempo, capaz de questionar, refletir e atuar sobre a sua realidade

escolar, bem como sobre o contexto político e social. As normatizações legais mais

recentes emanadas do Governo Federal e do Governo do Estado de São Paulo

contemplam, em parte, tais preocupaçõesiii.

O componente curricular Estágio Supervisionado é compreendido como o

espaço onde o aluno aprofunda e fortalece o processo de ação-reflexão-ação, sendo um

momento de fundamental importância na formação do profissional em educação, na

medida em que permite a articulação entre conhecimentos teórico-práticos adquiridos ao

longo do curso.

Nessa direção, a experiência de estágio na formação de professores possibilita

um contato real com a escola e o seu cotidiano. Tal conhecimento oportuniza ao aluno

realizar um trabalho de síntese entre teoria e prática educativa, algo que

necessariamente implica reflexão sobre as ações ali desenvolvidas e a construção de um

significado para as mesmas. Dessa maneira, o processo formativo, ao mesmo tempo em

que valoriza a prática docente como fonte de pesquisa e de autonomia do professor, dá

ao educador a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional.

Concordamos com Leite (2011, p. 43) quando afirma que,

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[...] no processo formativo do profissional docente, cabe ao estágio umpapel fundamental na construção de sua identidade profissional,considerado, portanto, espaço privilegiado para a formação dodocente, na perspectiva da concepção do professor crítico-reflexivo.

Pimenta e Ghedin (2002) concebem o professor reflexivo como o profissional

que aprende a partir da análise e da interpretação de sua própria atividade.

Assim, o Estágio como campo de conhecimento e eixo central nos cursos de

formação de professores possibilita que seja trabalhado com os acadêmicos aspectos

indispensáveis à construção da identidade e dos saberes específicos da docência

(PIMENTA, 2008).

No entanto, concebido como elemento central do processo formativo dos

professores, recebe ainda pouca relevância na organização dos cursos de formação,

segundo pesquisas de Gatti e Nunes (2009) junto a 165 cursos de licenciatura no país.

O trabalho docente e as escolas indígenas

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na

Educação Básica, definidas pela Resolução CNE/CEB nº 5, de 22 de junho de 2012

(BRASIL, 2012), no art. 7º § 2º, preceituam que: “Os saberes e práticas indígenas

devem ancorar o acesso a outros conhecimentos, de modo a valorizar os modos próprios

de conhecer, investigar e sistematizar de cada povo indígena, valorizando a oralidade e

a história indígena”.

Dessa forma, ressalta-se a necessidade de formar professores que conheçam tais

valores e práticas, a fim de que esses se mantenham como eixo norteador dos saberes

trabalhados pela escola, conforme indica, ainda, a referida Resolução:

Art. 19 A qualidade sociocultural da Educação Escolar Indígenanecessita que sua proposta educativa seja conduzida por professoresindígenas, como docentes e como gestores, pertencentes às suasrespectivas comunidades.§ 1º Os professores indígenas, no cenário político e pedagógico, sãoimportantes interlocutores nos processos de construção do diálogointercultural, mediando e articulando os interesses de suascomunidades com os da sociedade em geral e com os de outros gruposparticulares, promovendo a sistematização e organização de novossaberes e práticas.§ 2º Compete aos professores indígenas a tarefa de refletircriticamente sobre as práticas políticas pedagógicas da EducaçãoEscolar Indígena, buscando criar estratégias para promover a interaçãodos diversos tipos de conhecimentos que se apresentam e se

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entrelaçam no processo escolar: de um lado, os conhecimentos ditosuniversais, a que todo estudante, indígena ou não, deve ter acesso, e,de outro, os conhecimentos étnicos, próprios ao seu grupo social deorigem que hoje assumem importância crescente nos contextosescolares indígenas. (BRASIL, 2012, p. 10).

A importância do professor indígena na escola é destacada como a interlocução

na construção do diálogo intercultural com a sociedade envolvente e os conhecimentos

universais, como também na manutenção dos conhecimentos e modos próprios de

organização do seu povo. Essas questões deverão estar contempladas na sua formação

tal como afirmado na Resolução CNE/CEB nº 5/2012:

Art. 20 Formar indígenas para serem professores e gestores dasescolas indígenas deve ser uma das prioridades dos sistemas de ensinoe de suas instituições formadoras, visando consolidar a EducaçãoEscolar Indígena como um compromisso público do Estado brasileiro.§ 1º A formação inicial dos professores indígenas deve ocorrer emcursos específicos de licenciaturas e pedagogias interculturais oucomplementarmente, quando for o caso, em outros cursos delicenciatura específica ou, ainda, em cursos de magistério indígena denível médio na modalidade normal.§ 2º A formação inicial será ofertada em serviço e, quando for o caso,concomitante com a própria escolarização dos professores indígenas.§ 3º Os cursos de formação de professores indígenas, em nível médioou licenciatura, devem enfatizar a constituição de competênciasreferenciadas em conhecimentos, saberes, valores, habilidades eatitudes pautadas nos princípios da Educação Escolar Indígena.§ 4º A formação de professores indígenas deve estar voltada para aelaboração, o desenvolvimento e a avaliação de currículos eprogramas próprios, bem como a produção de materiais didáticosespecíficos e a utilização de metodologias adequadas de ensino epesquisa.§ 5º Os sistemas de ensino e suas instituições formadoras devemgarantir os meios do acesso, permanência e conclusão exitosa, pormeio da elaboração de planos estratégicos diferenciados, para que osprofessores indígenas tenham uma formação com qualidadesociocultural, em regime de colaboração com outros órgãos de ensino.(BRASIL, 2012, p. 10).

Ao assumir o compromisso político com a formação de professores indígenas, os

grupos que trabalham nas instituições públicas dessa área se sentem desafiados. Os

cursos de formação de professores devem prever, no seu projeto de curso, o estágio

como um tempo de fortalecer a identidade profissional do docente indígena e

oportunizar um contato mais sólido com a realidade de sua atuação.

Segundo Maher (2006, p. 23) “[...] a percepção de que a escolarização de alunos

indígenas fosse conduzida por professores indígenas começou a se instalar, no Brasil,

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somente a partir da década de 70”. Assim, grande parte dos professores indígenas

iniciou sua atividade docente antes mesmo de receber uma formação específica e,

muitas vezes, a sua referência de professor e trabalho docente foi a dos professores não

índios. Dessa forma, pensar a formação desses profissionais para as suas escolas implica

questões como formação, identidades e realidades diferentes. Segundo D’Angellis

(2012, p. 139):

Formação de professores indígenas é, em primeiro lugar, formação deprofessores e, nesse sentido, não é diferente da formação ampla [...].Entretanto, professores indígenas atuam em realidades em que estãoenvolvidos conflitos de culturas, de sociedades e até de identidades, oque exige, nesse caso, alguma coisa além, na sua formação.

Percebe-se, nas palavras do autor, a preocupação em formar professores para

uma escola específica na qual os desafios vão além do ensino de conteúdos. Ser capaz

de atuar na escola indígena implica conhecer sua essência e garantir para seu povo

possibilidades na construção/reconstrução deste espaço como projeto societário. De

acordo com Weigel (2001, p. 128):

A especificidade do universo de cada escola e seu caráter históricoexigem um empenho constante de sua equipe de profissionais daeducação, no sentido de processar permanentemente a análise e oconhecimento das categorias que organizam a prática pedagógica,dando conta das contradições nela existentes e de sua relevânciarelativa, de modo a formular modos de superação dessa prática, nouniverso da escola.

Nesse sentido, pensar um projeto de estágio para a formação de professores

indígenas é algo que ultrapassa a instrumentalização técnica. Miranda (2008) afirma que

a visão dicotômica da teoria e da prática, no estágio, resulta em lacunas no processo de

formação, como já citado anteriormente. Reafirma-se, então, a necessidade de que este

tenha como pressuposto a formação de um docente que será articulador da

construção/reconstrução de saberes que estão plenamente vinculados a sua comunidade,

à vida e à cultura de seu povo.

Grupioni (2006, p. 53) afirma que o “[...] professor indígena deve ser formado

também como um pesquisador, não só dos aspectos relevantes da história e da cultura

do seu povo, mas também dos conhecimentos significativos nas diversas áreas do

conhecimento”. Esse modelo de formação exige, portanto, pensar diferentes dinâmicas

de vivências e estágios.

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O curso de formação de professores indígenas na UEA

O curso de Licenciatura em Pedagogia com Formação em Interculturalidade

ofertado pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), denominado Pedagogia

Intercultural, fez parte do Programa de Formação para o Magistério Indígena (PROIND)

da referida universidade e atendeu a alunos indígenas e não indígenasiv, estando

organizado em nove semestres letivos.

No curso em questão, o grupo de alunos foi formado por indígenas de diferentes

etnias dos territórios etnoeducacionais do estado do Amazonasv. Os alunos não

indígenas eram provenientes de comunidades ribeirinhas, de escolas do campo, cidades

do interior do estado e comunidades tradicionais, muitos já atuando como professores

em suas comunidades. A composição do alunado justifica a interculturalidade no curso,

como afirma Fleuri (2001, p. 45), “[...] A relação intercultural indica uma situação em

que pessoas de culturas diferentes interagem, ou uma atividade que requer tal interação.

A ênfase na relação intencional entre sujeitos de diferentes culturas constitui o traço

característico da relação intercultural”.

É importante ressaltar que a interculturalidade se dá na interação dos sujeitos

envolvidos e essa relação é intencional, ou seja, pessoas de diferentes culturas

compreendem que é possível aprender dialogicamente. Ainda sobre a necessidade de

pensar a interculturalidade na educação, o mesmo autor indica que:

O Brasil se constitui historicamente como uma sociedade multiétnicatomando-se por base uma imensa diversidade de culturas. Reconhecernossa diversidade étnica implica ter clareza de que os fatoresconstitutivos de nossas identidades sociais não se caracterizam poruma estabilidade e fixidez naturais. (FLEURI, 2003, p. 23).

Assim, o curso de Pedagogia Intercultural apresentou-se como um desafio para

sua coordenação e seus professores no sentido de atender às demandas trazidas pelos

acadêmicos, haja vista a grande diversidade presente em seus sujeitos e as diferentes

realidades a serem trabalhadas. A reflexão a respeito da formação intercultural de

professores significa pensar em elementos comuns e específicos ao mesmo tempo.

Dessa forma, no Projeto Pedagógico do Curso (PPC)vi do referido curso constam os

conhecimentos essenciais para o exercício da missão histórica na formação do

magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, considerando

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as diferentes realidades dos acadêmicos e suas implicações para a educação escolar.

(PPC.p.26).

O PPC foi construído a partir da análise das relações sociais, das diversidades

etnoculturais e os valores éticos, estéticos e ambientais inerentes aos processos de

aprendizagem, socialização e construção do conhecimento, no âmbito do diálogo

intercultural e das diferentes visões de mundo. (PPC. p. 27)

Tais preocupações têm como norte concepções pedagógicas que se pautam nas

reflexões sobre a realidade do povo amazonense (comunidades, aldeias, centros urbanos

etc.) e suas tradições, observando as formas como esses sujeitos constroem suas

representações (conhecimento) e seus valores éticos, estéticos, afetivos e emocionais.

De modo geral, o PPC adota uma pedagogia que valoriza a problematização da

realidade das comunidades e povos tradicionais existentes no estado do Amazonas

(índios, não índios, ribeirinhos, quilombolas, pescadores, entre outros), bem como a

análise e a capacidade de indicar alternativas para a própria práxis educativa, tendo a

pesquisa como base do processo formativo. (PPC. p.32)

Quanto à interculturalidade, entendemos que o curso oferece a possibilidade de

uma educação diferenciada, que assegura a cada um dos povos e comunidades

tradicionais o espaço para discutir a formalização dos processos educacionais,

explicitados no art. 210 da Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988) e que

exige, no processo educacional formal, o respeito aos processos próprios de

aprendizagem.

Entretanto, constatamos que, embora seja de grande importância a conquista das

diretrizes e a preocupação com a formação de professores indígenas do estado, a

proposta do curso ainda não conseguiu contemplar, de forma plena, os objetivos

propostos na Resolução CNE/CEB nº 5/2012, uma vez que seu processo de implantação

foi anterior à norma.

No entanto, a experiência vivida trouxe inquietações sobre a formação dos

professores indígenas, que vem sendo discutida pela própria universidade no processo

de elaboração de um novo curso, constituindo-se, inclusive, em objeto de estudo de tese

de doutorado em andamento, desenvolvida pelas autoras deste texto.

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O Estágio dentro do curso de formação de professores indígenas da UEA

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia

afirmam em seu art. 7º, inciso II, que deverão ser dedicadas 300 horas ao Estágio

Supervisionado, prioritariamente em Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental, ressaltando, ainda, no artigo 9º, inciso IV, que o mesmo deve assegurar

aos graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes escolares e não

escolares, que ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências.

Baseando-se na concepção teórica apresentada na primeira parte desse texto, o

estágio no curso de Pedagogia Intercultural foi organizado em três períodos como

disciplinas de Estágio I, II e III, pautando-se na própria experiência da Universidade no

curso regular de Pedagogia e em outros destinados a professores indígenas. A carga

horária para o estágio perfez um total de 330 horas organizadas em atividades práticas,

orientação e socialização durante os três últimos períodos.

O estágio se propôs a desempenhar uma pesquisa pedagógica a partir das

problemáticas identificadas em cada realidade escolar. Como consequência de um

estudo sobre tais questões e apoiado por um aporte teórico, planejou-se a realização de

uma intervenção nessa problemática. Severino (2008, p. 13) pontua que:

Não se trata de transformar o professor no pesquisador especializado,como se fosse membro de uma equipe de um instituto de pesquisa,mas de praticar a docência mediante uma postura investigativa. Tudoaquilo de que ele vai se utilizar para a condução do processopedagógico deve derivar de uma contínua atividade de busca.

Para uma melhor compreensão, detalhamos a seguir as atividades propostas no

PPC para cada disciplina do estágio:

No Estágio I, ofertado no sétimo semestre do curso, foi abordado com os

acadêmicos a importância da realização do Estágio Supervisionado como campo de

conhecimento e de aproximação da realidade, pois muitos já exerciam a função de

professores em suas comunidades. Discutiram-se, nesse momento, as diferentes

concepções de estágio para que se pudesse vivenciá-lo para além de uma atividade

prática do curso. Com relação às atividades, o Estágio I se pautou na aproximação do

cotidiano escolar, seus problemas e a reflexão sobre o mesmo, por meio de uma

pesquisa pedagógica com o intuito de elaborar uma intervenção da mesma natureza a

ser desenvolvida nos outros períodos de estágio.

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No Estágio II, ofertado no oitavo semestre do curso, foi enfatizado o

planejamento da prática pedagógica na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino

Fundamental, a partir das teorias do desenvolvimento humano. Como parte da ementa

da disciplina organizou-se, em forma de círculos de diálogos, a reflexão sobre a prática

docente e a análise dos processos de gestão na escola com base nas vivências decorridas

do estágio. Como atividades, os acadêmicos planejaram e desenvolveram ações

pedagógicas, pautadas na análise da realidade educacional, de modo a realizar

experiências em educação e produzir conhecimento científico e formativo. Essas

questões estiveram norteadas pelas problemáticas identificadas no Estágio I e elegidas

como possibilidades de estudo e intervenção pedagógica.

No Estágio III, ofertado no nono semestre do curso, o objetivo foi desenvolver

atividades pedagógicas a partir da proposta de intervenção e concluir o processo do

estágio previsto no curso. O eixo de reflexão do Estágio III foi a análise conclusiva da

relação entre educação e formação do professor, além de reflexões acerca de

alternativas metodológicas, avaliação educacional e prática docente. A atividade de

elaboração e apresentação das ações de intervenção e resultados dos trabalhos

realizados na escola-campo de estágio foi subsidiada pelas disciplinas de Pesquisa e

Prática Pedagógica I, concomitante ao Estágio I e Pesquisa e Prática Pedagógica II, em

conjunto ao Estágio III.

Adotou-se o uso dos cadernos com o objetivo de fazer o registro sistemático das

atividades desenvolvidas pelos estagiários durante todo o processo vivenciado, como

forma de possibilitar a reflexão sobre o que foi realizado e, ao mesmo tempo,

oportunizar uma autoavaliação desse processo. Foram utilizados três tipos de cadernos

conforme apresentado a seguir:

Caderno 1: denominado Caderno de Campo, visava o registro do cotidiano da

escola, da sala de aula e das análises feitas durante o período de permanência na

mesma. Esse registro, feito de forma diária durante a realização dos Estágios I, II

e III, oportunizou aos alunos uma reflexão apurada sobre as problemáticas

vivenciadas na escola, destacando o que mais chamava a atenção, seja no sentido

de potencializar uma atividade ou modificá-la. Da leitura coletiva desses

registros sistemáticos foi possível realizar a reflexão sobre a escola, seus

problemas, desafios e possibilidades, bem como conhecer trabalhos interessantes

desenvolvidos pelos colegas professores, as diferentes formas de atuação e até a

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discussão mais ampla sobre a organização do espaço, do tempo e dos conteúdos

ensinados. No término do Estágio I, entre tantos problemas enfrentados no

processo de ensino e aprendizagem, o registro possibilitou o delineamento

particular de uma questão problema a ser trabalhada de forma aprofundada

durante os outros períodos de estágio.

Caderno 2: chamado Caderno de Planejamento, destinou-se ao registro da

construção da proposta de intervenção para a questão problema estudada. Esse

caderno foi utilizado durante os Estágios II e III e o registro, por sua vez,

possibilitou aos acadêmicos a avaliação das atividades que elaboraram,

oportunizando a discussão com os colegas e professores sobre as diferentes

formas de desenvolver um conteúdo, as alternativas metodológicas criadas ou

ressignificadas pelos colegas como estratégia de aprendizagem, as diversas

possibilidades de avaliação e o envolvimento dos alunos nesse processo.

Caderno 3: nomeado Caderno do Aluno, visava ao registro de atividades e

avaliações feitas pelos discentes das escolas de Anos Iniciais do Ensino

Fundamental onde os acadêmicos estagiaram. A leitura desse Caderno apresenta

um rico material para a análise de como as crianças enxergam o trabalho do

professor e os conteúdos escolares desenvolvidos nas aulas. Essa leitura e sua

reflexão pelos estagiários em formação apresentam outra dimensão – a da

dimensão da avaliação do trabalho pelo olhar do aluno - que favorece a

formação profissional.

O uso dos Cadernos esteve pautado na discussão antropológica sobre o olhar,

ouvir e escrever proposto por Roberto Cardoso de Oliveira (2000) numa perspectiva da

educação. Esse olhar atento às características e especificidades do contexto escolar e de

seus sujeitos possibilitou que os acadêmicos conhecessem de forma mais ampliada e

profunda a realidade de cada escola onde o estágio foi realizado. Essa observação “do

tipo etnográfico” possibilitou, por sua vez, uma visibilidade das diferentes realidades

vivenciadas em escolas do estado nos diferentes municípios.

É importante ressaltar que, no contexto de muitas escolas indígenas onde o

estágio foi realizado - embora não em todas -, esta atividade se configurou como uma

contribuição ao ambiente escolar, seja pela proposição de alternativas metodológicas,

pela reflexão proposta pelos estagiários no desenvolvimento de seu trabalho

investigativo ou pela intervenção aos problemas levantados.

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O relatório final proposto pelo estágio se estruturou como Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC) narrando o seu percurso, com a contextualização da

realidade onde se desenvolveu a problemática, a descrição e a análise das atividades

propostas e os resultados alcançados. De acordo com o PPC, essa iniciativa visa à

formação de um professor que se preocupa em conhecer a realidade onde atuará,

identificando os problemas e possibilidades nela existentes para, a partir desse

conhecimento, planejar a atividade docente.

Esse processo confirma a importância de considerar que a docência se dá em um

contexto específico e deve levar em conta essas particularidades. Assim, concordamos

com Schmidt, Ribas e Carvalho (2003) quanto a pensar a escola como lugar de reflexão

e formação de professores:

Por tudo isso, é necessário que haja urna ação coletiva que permita adiscussão do conhecimento, a troca de pontos de vista diferenciados,de modo a permitir o confronto e, a partir daí, a imersão emconfluências amadurecendo perspectivas para o surgimento de urnanova competência, tanto dos profissionais quanto da escola; é o que sepretende: a escola visualizada como espaço de formação dosprofissionais do ensino; como lócus de aperfeiçoamento quepossibilita o encontro sistemático de seus membros para que discutame reflitam sobre a construção do conhecimento, sobre os problemas doseu cotidiano; como espaço a ser redirecionado, o que requer, semdúvida, um movimento de reorganização da própria escola.(SCHMIDT; RIBAS; CARVALHO, 2003, p. 28).

O trabalho do professor não é algo abstrato que se aplica de forma indistinta. As

escolas envolvidas nesse processo precisam igualmente participar das reflexões que se

originam dos seus fazeres. Reconhecer e refletir sobre essas diferenças, buscando

formas de atuação pertinentes, apresenta-se como um desafio no curso de formação de

professores indígenas. Os relatos de alguns acadêmicos sobre o estágio oferecem a

percepção de que, para muitos, o planejamento das atividades a serem desenvolvidas foi

um ponto fundamental na formação que tiveram.

Durante o evento “I Simpósio PROIND Educação: Pedagogia Intercultural, seus

Sujeitos, suas Identidades e Processos Educativos”vii, realizado em Manaus, no decorrer

do segundo semestre de 2013, foram apresentados vários depoimentos das atividades

desenvolvidas como Práticas Pedagógicas e Estágio Supervisionado durante o curso.

Salientando a importância do planejamento no trabalho docente e as possibilidades que

este traz como potencialização do processo de ensino e aprendizagem, os acadêmicos

assim resumem: “Ressaltamos a importância da participação da ação conjunta dos

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demais alunos da turma no processo de elaboração do trabalho” (ALCANTARA;

SILVA, 2013, p. 49). Os autores apontam o planejamento como algo imprescindível ao

fazer pedagógico e sua dimensão no contexto escolar. Em seu entendimento, o estágio

contribuiu para essa aprendizagem e o fato de planejar as atividades para determinada

turma, em vista de uma problemática ali salientada, foi um dos maiores ganhos da

disciplina.

Em diferentes momentos, outros acadêmicos relataram a forma como o

planejamento orientado no estágio contribuiu para um maior alcance dos objetivos:

partindo de um contexto previamente analisado, com a proposição de atividades

elaboradas de forma específica, permitiu que estas apresentassem um resultado

previsível e necessário àquela realidade.

Houve dificuldades e limitações neste processo, como a supervisão e o

acompanhamento das atividades desenvolvidas de forma mais intensa, devido às

grandes distâncias e problemas de locomoção fluvial no estado do Amazonas. Embora

toda a equipe tenha feito um esforço muito grande nesse sentido, constatamos que não

conseguimos estar presente de forma suficiente junto aos acadêmicos, como se faz

necessário. Nos três últimos semestres do final do curso, o estágio também se

apresentou como um fator que merece ser analisado de forma mais aprofundada, para

que se possa ter mais tempo de discussão durante o processo. Estas e outras questões

serão analisadas no trabalho da tese já mencionada que se encontra em andamento.

Considerações finais

A discussão que propusemos acerca da formação docente demonstra a sua

complexidade no cenário nacional de forma geral. Muito se tem questionado e inúmeros

trabalhos têm apontado a fragilidade dos currículos de formação de professores nos

cursos de licenciatura. Os resultados de pesquisas recentes nessa temática indicam que,

ao término de sua formação inicial, os professores não se sentem preparados para o

trabalho docente.

A discussão que iniciou este texto aponta a necessidade de conceber os

currículos dos cursos de licenciatura a partir de uma reflexão da realidade escolar e das

transformações ocorridas em seu meio nas últimas décadas. Não é possível pensar a

formação desarticulada da realidade, como também não se pode considerar a teoria não

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integrada à prática e vice versa. Nesse contexto, compreende-se o estágio como eixo

articulador dessa proposta, cuja organização deve levar à reflexão sobre o trabalho

docente.

Nesse campo de discussão e desafios, insere-se a formação de professores

indígenas na sua especificidade. A Resolução CNE/CEB nº 5/2012, que define as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação

Básica, trata também da formação de professores indígenas para as suas escolas,

elencando as competências e, também, as necessidades pertinentes a sua formação

profissional.

O curso de Pedagogia Intercultural da Universidade do Estado do Amazonas e a

proposição do Estágio como foi apresentado neste texto nos levou a questionamentos

sobre a importância e a necessidade de uma formação específica, ainda não

contemplada nesse momento, e sobre a relevância de um estágio pautado na reflexão

crítica acerca do espaço onde irá atuar.

Entendemos que o Estágio, para além do cumprimento obrigatório no currículo,

apresenta-se como espaço de reflexão sobre o trabalho docente a partir das vivências

dos alunos nas escolas campo e estas, por sua vez, buscam ser fomentadas e

retroalimentadas pela discussão coletiva. Assim, o estágio nutre-se dos problemas e

questões da realidade vivenciada e estes devem ser discutidos e refletidos, provocando

mudanças de condutas. Sem isso, não podemos falar em experiência docente e

fortalecimento da identidade profissional.

Frente a essas considerações, entendemos que, apesar das dificuldades e

limitações do Estágio no curso de Pedagogia Intercultural da Universidade do Estado do

Amazonas, ultrapassamos a imitação de modelos e a instrumentalização técnica em

direção a uma prática reflexiva situada no contexto de sua realização. Dentro dessa

perspectiva, faz-se necessária a interlocução do professor com os alunos, o registro dos

fatos, a análise e discussão dos mesmos e a construção de conhecimento pelos

envolvidos. De certa forma, acreditamos que isso foi contemplado no uso dos Cadernos.

A discussão proposta não se esgota neste texto, abrindo possibilidades de outras

reflexões sobre os inúmeros desafios que a formação de professores, de modo geral, e

dos professores indígenas, de maneira específica, nos apresenta na atualidade. Da

mesma forma, o estágio, enquanto eixo fundamental na formação docente, no âmbito

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dos cursos de licenciatura, ainda se constitui em um desafio no sentido de oportunizar a

experiência docente de forma crítica e reflexiva.

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i Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP,campus de Presidente Prudente, credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação da mesmainstituição.

ii Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, campus de Presidente Prudente,Docente da Universidade do Estado do Amazonas, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa doEstado do Amazonas (FAPEAM).

iiiParecer CNE/CP 009/2001, Parecer CNE/CP27/2001; Parecer CNE/CP28/2001 e Deliberação doCEE/SP 126/2014 e Deliberação do CEE/SP 111/2014

iv O curso foi na modalidade modular presencial mediado por tecnologia, caracterizado como curso deoferta especial.

v Os territórios etnoeducacionais são: Vale do Javari, Rio Negro, Médio Solimões, Jurua-Purus, BaixoAmazonas e Alto Solimões.

vi Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia com Formação em Interculturalidade, da Universidade doEstado do Amazonas, localizada em Manaus – AM. Elaborado em 2013, 159 p.

viiO evento foi organizado visando a um aspecto da formação proposta no Curso como forma depossibilitar outras reflexões que apareceram nas discussões, tais como: o trabalho com a Línguamaterna, o conceito de interculturalidade presente no curso, as discussões das escolas do campo e suasformas de organização. Os acadêmicos apresentaram seus trabalhos em sessão de pôsteres ecomunicação oral, oportunizando a troca de experiências e uma discussão mais coletiva dasaprendizagens nesse processo. Os trabalhos apresentados estão disponíveis nos anais do evento.