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ESTIMATIVA DA FORÇA MUSCULAR RESULTANTE DOS FLEXORES
DO COTOVELO A PARTIR DO TORQUE RESULTANTE
Fábio Canto da Silva, Artur Bonezi, Jefferson Fagundes Loss Escola de Educação Fìsica – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – Porto Alegre.
Resumo: A força muscular é um parâmetro importante na elaboração de modelos biomecânicos. Existem poucos estudos visando estimar a força muscular in vivo, tanto em situações estáticas quanto dinâmicas. Para a estimativa de força muscular dos flexores do cotovelo, foi utilizado um dinamômetro isocinético, responsável pela obtenção de dados de torque muscular. A partir de valores de distância perpendicular obtidos na literatura, foi possível calcular a distância perpendicular média ponderada (DPMP) dos 3 principais flexores do cotovelo (bíceps braquial, braquial e braquiorradial), utilizando a área de secção transversa fisiológica (PCSA) como fator de ponderação. Foi realizado o quociente entre torque e DPMP, obtendo-se a força muscular resultante desse grupo muscular. O pico de força muscular ocorreu em aproximadamente 0% da flexão do cotovelo, ou seja, logo no início do movimento. Esse grupo muscular parece atuar numa amplitude funcional condizente com o trecho ascendente da curva comprimento-tensão. Palavras Chave: torque, isocinético, força muscular, distância perpendicular.
Abstract: Muscle force is an important parameter for setting biomechanical models. There are few studies that aim to estimate muscle force in vivo, in static as well in dynamic situation. To estimate muscle force of elbow flexors muscles, it was used an isokinetic dynamometer, which was on charge to obtain muscle moment data. From moment arms data token from literature, it was possible to calculate an averaged perpendicular distance considering the physiological cross sectional area (PCSA). From the 3 main elbow flexors muscles (biceps brachii, brachialis and brachioradialis), being the PCSA the weighed factor. The quotient between muscle moment and moment arm was calculated, obtaining the elbow flexors muscle force. The muscle force peak occurs near 0% of elbow flexion, which means, in the very start of the movement. This muscle group seems to act in a functional range fitting with the ascending limb of force-length relationship.
Keywords: moment, isokinetic, muscle force, moment arm.
INTRODUÇÃO
A força muscular é um importante
parâmetro utilizado na elaboração de diferentes
modelos biomecânicos. Normalmente, essa
variável é determinada a partir de experimentos
com fibras ou miofibrilas isoladas e em situações
estáticas (isométricas) [1,2]. Existe uma carência
na literatura acerca de métodos para se estimar a
produção de força muscular in vivo [3,4]. A maior
parte desses estudos estimam a força em situações
estáticas [3,4,5,6]. A carência na literatura sobre
esse tema é ainda maior quando se trata de
situações dinâmicas.
A produção de força muscular ao longo da
amplitude articular depende, principalmente, de
dois fatores: comprimento muscular (relação força-
comprimento) e velocidade de encurtamento
(relação força-velocidade). A relação força-
comprimento vem sendo bem descrita desde a
publicação da Teoria das Pontes Cruzadas [7] e da
determinação da influência do comprimento na
produção de força muscular [1]. Essa relação
descreve a produção de força como fruto da
interação entre os filamentos de actina e miosina,
na qual a sobreposição entre os mesmos gera uma
maior ou menor formação de pontes cruzadas e,
conseqüentemente, maior ou menor produção de
força.
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A relação força-velocidade é descrita como
uma diminuição de forma exponencial da força
muscular em função da velocidade de
encurtamento. Tal como a relação força-
comprimento, a relação força-velocidade tem sido
bem descrita na literatura [8,9].
Outros parâmetros também são importantes
para a produção de força muscular, tais como: área
de secção transversa fisiológica, tensão específica
e nível de ativação eletromiográfica, por exemplo.
Porém, essas variáveis alterariam a força muscular
absoluta, logo, pode-se esperar que a falta de
controle das mesmas não altere a produção
máxima relativa de força muscular.
Atualmente, são largamente utilizados
equipamentos de dinamometria isocinética, com
intuito de se verificar a produção de torque
muscular resultante das mais diversas ações
articulares, dentre elas a flexão do cotovelo. É
sabido que o torque muscular é o produto de sua
força e de sua distância perpendicular (vantagem
mecânica). Os valores de distância perpendicular
de inúmeros grupos musculares já estão descritos
na literatura e poderiam ser utilizados para o
cálculo de força muscular a partir desses valores de
torque mensurados. Entretanto, o dinamômetro
isocinético mede a soma vetorial de todos os
torques musculares envolvidos, sendo muito difícil
predizer o percentual de participação de cada um
dos músculos envolvidos na ação.
A partir disso, torna-se necessária a
utilização de um valor de distância perpendicular
média de todo o grupo muscular (distância
perpendicular média ponderada). Essa distância
consiste na média das distâncias perpendiculares
de cada músculo, ponderada pela área de secção
transversa dos mesmos.
Assim, pretende-se estimar a produção
máxima de força muscular resultante dos flexores
do cotovelo, ao longo da amplitude de execução de
flexão do cotovelo, numa situação dinâmica em
baixa velocidade de execução (45º/s).
MATERIAIS E MÉTODOS
Para identificar a produção de torque
muscular dos flexores do cotovelo, foram
analisadas situações de produção voluntária
máxima de torque flexor do cotovelo em baixa
velocidade (45º/s), num dinamômetro
isocinético. A amostra do estudo foi composta
por 5 universitários jovens e saudáveis (3
homens e 2 mulheres), com diferentes graus de
atividade física e idade média 25,0 anos (±2,9).
Nesse estudo, apenas os 3 principais flexores do
cotovelo (bíceps braquial, braquial e
braquiorradial) foram considerados.
Procedimento de Coleta de Dados
A coleta de dados foi realizada num
dinamômetro isocinético da marca Cybex®,
modelo Norm (Dataq Instruments, Inc. Ohio-
USA), o qual foi responsável pelo registro dos
dados de torque exercidos pelo indivíduo em
contrações concêntricas e excêntricas de flexores
do cotovelo nos diferentes ângulos da amplitude
articular, além do controle da velocidade de
execução em 45º/s. Todos os indivíduos realizaram
1 série composta por 5 execuções
concêntrica/excêntricas de flexores do cotovelo.
Em ambas as fases de execução (concêntrica e
excêntrica), os indivíduos foram estimulados a
exercer seu máximo esforço de flexão do cotovelo.
Em todos os casos, os indivíduos foram analisados
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com a articulação radio-ulnar na posição neutra (0º
de supinação).
Cálculo da Distância Perpendicular Média
Ponderada
Para determinação da distância
perpendicular dos principais flexores do cotovelo,
foram utilizados os dados experimentais,
encontrados em um cadáver masculino e outro
feminino [10].
A área de secção transversa fisiológica
(PCSA) foi calculada para cada sujeito da amostra,
a partir de medidas antropométricas dos indivíduos
[11].
Com os dados de distância perpendicular de
cada músculo e a PCSA dos mesmos, foi possível
caracterizar a distância perpendicular média
ponderada (DPMP) dos flexores do cotovelo de
cada indivíduo. O cálculo de DPMP foi realizado a
partir da equação 1, apresentada abaixo:
∑++
=PCSA
PCSAdPCSAdPCSAdDPMP )3*3()2*2()1*1(
Onde: 1d , 2d e 3d são as distâncias
perpendiculares do bíceps braquial, braquial e
braquiorradial, respectivamente; e 1PCSA ,
2PCSA e 3PCSA são as áreas de secção
transversa fisiológicas do bíceps braquial, braquial
e braquiorradial, respectivamente.
As curvas de distância perpendicular foram
plotadas no software SAD32, onde foi utilizada a
equação 1 para a obtenção da DPMP.
Tratamento dos Dados
Os dados de torque em função do ângulo de
flexão do cotovelo foram exportados a partir do
software específico do dinamômetro (Humac® -
Computer Sports Medicine, Inc. Massachusetts-
USA), para sofrerem um processo de filtragem do
sinal, procedimento este realizado no software
SAD32 (Sistema de Aquisição de Dados -
Laboratório de Medições Mecânicas da UFRGS).
Os critérios de filtragem foram determinados a
partir da análise do sinal no domínio da freqüência
e o filtro escolhido foi o Butterworth, de ordem 3,
com freqüência de corte de 5 Hz. Após a filtragem
dos dados, os mesmos foram formatados para
serem processados pelo software Matlab® (versão
5.3 1999 - The MathWorks, Inc. Massachusetts-
USA), no qual foi calculada a média desses dados
de torque das 3 repetições intermediárias dentre as
cinco repetições de cada indivíduo. Esse
procedimento serviu para calcular a curva média
de torque em função do ângulo articular do
cotovelo para cada indivíduo. Além disso, os dados
foram normalizados de forma que todas as curvas
contivessem o mesmo número de pontos, também
coincidente com o número de pontos das curvas de
DPMP. A partir disso, pôde-se calcular a relação
média de torque máximo em função do ângulo
articular para a totalidade da amostra.
Cálculo da Força Muscular
A partir do tratamento dos dados de torque
muscular e do cálculo da DPMP, foi possível
realizar o quociente entre torque e DPMP,
fornecendo um valor de força muscular resultante,
que seria o somatório das forças dos diferentes
flexores do cotovelo, de cada indivíduo. Esse
quociente foi realizado numa planilha do Excel,
contendo os dados médios de torque e DPMP dos 5
indivíduos componentes da amostra. Após, foi
realizada a média de força muscular resultante dos
5 indivíduos e seu respectivo desvio-padrão.
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RESULTADOS
A partir da metodologia apresentada na
seção anterior, foi possível obter alguns dados
referentes à variação da capacidade de produção de
torque desses indivíduos, a DPMP dos mesmos e,
conseqüentemente, a estimativa de força muscular
resultante dos flexores do cotovelo dos integrantes
da amostra.
Na Figura 1 está apresentada a variação
média da capacidade de produção de torque da
amostra. Foi possível perceber que o pico de
produção de torque ocorreu em 58% da flexão do
cotovelo, o que significa ângulos entre 86,7º e
95,9º de flexão do cotovelo. A DPMP encontrada,
está apresentada na Figura 2 (curva média de todos
os indivíduos). O pico de DPMP foi encontrado em
70,8% da amplitude de flexão do cotovelo, o que
corresponde a uma variação entre 107,4º e 114,8º
de flexão do cotovelo.
O quociente dessas duas grandezas (torque e
DPMP) resulta em força muscular resultante, aqui
representada na Figura 3. Pode-se notar a
ocorrência do pico de força muscular em 0,2% da
flexão do cotovelo, o que significa ângulos entre
5,3º e 6,4º de flexão do cotovelo.
Figura 1 – Torque médio dos 5 indivíduos, normalizado pelo torque máximo.
Figura 2 – Distância perpendicular média ponderada (média de todos os 5 individuos).
Figura 3 – Força muscular resultante média de todos os 5 indivíduos.
DISCUSSÃO
O resultado encontrado para a produção de
torque dos flexores do cotovelo parece condizente
com os resultados encontrados na literatura. Seria
esperado o pico de torque em torno de 90º de
flexão do cotovelo, o que, de fato, ocorreu
[11,12,13].
A utilização da PCSA como fator de
ponderação, no cálculo da DPMP parece plausível,
tendo em vista que esse cálculo visa considerar um
único valor de distância perpendicular
representativo dos 3 principais flexores do
cotovelo. Como a PCSA está diretamente
relacionada à capacidade de produção de força de
cada músculo [11,14], seria esperado que os
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músculos com maior PCSA contribuíssem com
maior produção de força.
Assim, o resultado de força muscular, com o
pico de produção de força em 0,2% de flexão do
cotovelo, indicaria que esse grupo muscular
apresenta uma amplitude funcional representativa
do trecho ascendente da relação comprimento-
tensão já estabelecida [1], sofrendo um ciclo
alongamento-encurtamento, onde o músculo
apresenta maior capacidade na situação de maior
alongamento [15].
Porém, outro fator que pode ter influenciado
a ocorrência do pico de força em ângulos iniciais é
o tipo de exigência submetida a esse grupo
muscular no protocolo de coleta dos dados. Foi
analisado apenas o torque concêntrico de flexão do
cotovelo, porém cada repetição concêntrica, com
exceção da primeira que foi descartada, foi
precedida por uma contração excêntrica máxima.
Segundo alguns estudos [16,17,18], existe um
aumento na produção de força tetânica isométrica
após um estiramento da fibra muscular durante a
contração. De fato, esses estudos submeteram a
fibra muscular a uma contração excêntrica máxima
até um comprimento pré-estabelecido, onde se
mensurou a força tetânica isométrica máxima. A
fibra muscular conseguiu produzir mais força nesse
comprimento muscular após essa contração
excêntrica forçada do que nesse mesmo
comprimento muscular sem a ocorrência do
estiramento. Logo, é possível que essa contração
excêntrica tenha influenciado a produção de força
nos primeiros ângulos de flexão do cotovelo.
Os resultados demonstram ser possível fazer
uma estimativa de força muscular a partir de
situações dinâmicas in vivo. Porém, parece
plenamente necessário maiores estudos para
verificar a eficiência do método proposto. Devem
ser avaliadas situações com outro tipo de
exigência, sem a realização de contrações
excêntricas precedendo a contração concêntrica.
É importante salientar que esse estudo visou
estimar a força resultante dos flexores do cotovelo,
considerando apenas os 3 principais flexores do
cotovelo, quais sejam, bíceps braquial, braquial e
braquiorradial. Possivelmente, seriam encontrados
alguns resultados diferentes num modelo que
utilizasse um maior número de músculos com a
função de flexionar o cotovelo. Os músculos
pronador redondo, extensor radial longo do carpo,
extensor radial curto do carpo, flexor radial do
carpo e palmar longo cruzam anteriormente a
articulação do cotovelo em algum trecho da
amplitude articular e poderiam ser ativados durante
uma ação flexora de cotovelo [19]. Porém, nesse
estudo, para efeito de simplificação do modelo, a
atuação desses músculos foi negligenciada.
CONCLUSÃO
A partir dos resultados, foi possível concluir
que o pico de produção máxima de força muscular
resultante dos flexores do cotovelo ocorre logo no
início do movimento de flexão do cotovelo, em
torno de 0,2% da amplitude de flexão do cotovelo.
Para os dados coletados nessa amostra, esse
percentual de flexão do cotovelo corresponde a
ângulos entre 5,6º e 6,8º de flexão do cotovelo.
Esse resultado demonstra que o grupo muscular em
questão apresenta-se sob um ciclo alongamento-
encurtamento, com sua amplitude funcional
correspondente ao trecho ascendente da relação
comprimento-tensão.
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