Estímulos e processo neural - II Parte

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Estímulos e processo neural - II Parte Movimento uniforme e diversidade Julgo necessário tentar clarificar o conceito de uniformidade, que muito embora seja uma característica funcional dado que o cérebro e a mente apresentam resultados em forma de síntese deduzida de um complexo relacional e ideativo, não deve ser dissociada da repetição durante vários anos, e da intensidade com que foram produzidas. A intensidade exagerada com que o ato formativo é processado ultrapassando os parâmetros biológicos e psíquicos, os quais determinam a ausência de alguma agressividade, colocam o corpo numa condição de alerta permanente contra a agressão, ou sua possibilidade, daí decorrendo a suposta sensibilidade extrema, que mais não será que uma resposta pronta, ou antecipada do corpo perante a visibilidade de uma suposta agressão de que possa ser vítima. Aquilo que designamos por sensibilidade, a meu ver, não será mais que uma resposta do corpo na tentativa de preservar seu sentido de vida que lhe foi incorporado pela formação, como mecanismo de defesa contra as agressões de que foi vítima. Aqui o sujeito tende a confundir a preservação de sua própria vida, com o sentido de vida adquirido durante a formação infantil, reagindo ele a um sentido de vida que lhe foi imposto através das proibições e violações á liberdade de seu próprio corpo. Reparemos então, a analogia entre a intensidade da ação formativa, proibitiva, uniformizada, e da agressão do corpo, com a sensibilidade adquirida por tais atos formativos, que, por norma, apresenta o mesmo tipo de resposta. Qualquer atitude, ou palavras que possam ser associadas a esses destemperos formativos, como a falta de afeto, por exemplo, será condição suficiente para a rejeição e explosão do corpo, muito embora a pessoa com quem estejamos a relacionar não possua qualquer laço com o nosso passado formativo. Ou seja, a pessoa está a relacionar-se com alguém, cujas atitudes ou palavras fazem lembrar as atitudes de seus formadores para consigo e reage sem se aperceber que se trata de outra pessoa, e muito menos tem a noção da intenção dela. Parece evidente a necessidade de recuperar esse passado e o reorganizar de outro modo, conferindo-lhe a importância relativa, que está localizada no tempo, mas que se faz sentir em qualquer momento, pelo que devemos falar nele, sem vergonha e constrangimentos durante o processo de análise para que possam ser reelaborados. Nos é dado a saber, que o processo de repetição e a uniformização provocada por uma formação prepotente e intolerante, andam de mãos dadas, perseguindo o sujeito durante o decurso de sua vida, e será esta dupla que a análise deve começar por separar. Separar o que durante tantos anos andou junto é um processo difícil, requerendo algum saber e tempo, caindo alguns na tentação de tentar anular formas inconscientes enraizadas recorrendo ao velho processo de repressão através das palavras, processo consciente, que tenta subverter aquele que padece a uma postura diferenciada. Nada se pode tirar da mente, o que seria ótimo, limpávamos a chaminé, introduzíamos outras relações e ideias, e tudo estaria a funcionar a favor do princípio de satisfação, mas a realidade nos diz que tal não é possível, e que somos reféns de um passado, que deve ser reajustado aos tempos de adolescente e de adulto. Retirar o sal em excesso da sopa é impossível, mas adicionar água para que ele possa diluir-se, a torna comestível. Tal reajuste, pelo que se conhece em psicanálise, só pode ser promovida através da aceitação de outras perspectivas sobre o mesmo assunto e de suas consequências, que quando aceites por aquele que padece vai introduzir um valor, até então desconhecido para o sujeito, e será este que pode provocar alguma alteração no comportamento futuro. A tentativa de repressão do comportamental habitual, como os estados de raiva e impulsividade, não alteram tais sentimentos, apenas os pode aquietar, que devido a circunstâncias de alguma agitação voltam a fazer sua aparição, deixando um rastro de impotência, acrescido de um sentimento de culpa, o que, a meu ver, vem agravar cada vez mais seu transtorno. Nestes termos, o que está organizado segundo uma ordem deverá ser alterado pela introdução de um novo dado, que não pode ser radical, sob pena de não ser aceite pelo sujeito, pelo que devemos entender que são os pequenos pormenores que aos poucos tendem a alterar o todo, por isso é forçosamente lenta e demorada a análise. Não nos devemos esquecer que demora um século ou mais para alterar alguma mentalidade instalada na sociedade, e que nós pertencendo ao universo também devemos possuir um processo de aprendizagem e amadurecimento semelhante, que demorará decerto algum tempo.

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O que o paciente aprendeu e apreendeu foi o diverso, aquilo que não constava da uniformização, que uma vez admitido, logo a mente tende a repetir retornando a um movimento uniforme, produzindo uma síntese, que pode ser semelhante, mas decerto não será a mesma.

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Estímulos e processo neural - II Parte

Movimento uniforme e diversidade

Julgo necessário tentar clarificar o conceito de uniformidade, que muito embora seja uma característica

funcional dado que o cérebro e a mente apresentam resultados em forma de síntese deduzida de um

complexo relacional e ideativo, não deve ser dissociada da repetição durante vários anos, e da intensidade

com que foram produzidas.

A intensidade exagerada com que o ato formativo é processado ultrapassando os parâmetros biológicos e

psíquicos, os quais determinam a ausência de alguma agressividade, colocam o corpo numa condição de

alerta permanente contra a agressão, ou sua possibilidade, daí decorrendo a suposta sensibilidade extrema,

que mais não será que uma resposta pronta, ou antecipada do corpo perante a visibilidade de uma suposta

agressão de que possa ser vítima.

Aquilo que designamos por sensibilidade, a meu ver, não será mais que uma resposta do corpo na

tentativa de preservar seu sentido de vida que lhe foi incorporado pela formação, como mecanismo de

defesa contra as agressões de que foi vítima.

Aqui o sujeito tende a confundir a preservação de sua própria vida, com o sentido de vida adquirido

durante a formação infantil, reagindo ele a um sentido de vida que lhe foi imposto através das proibições

e violações á liberdade de seu próprio corpo.

Reparemos então, a analogia entre a intensidade da ação formativa, proibitiva, uniformizada, e da

agressão do corpo, com a sensibilidade adquirida por tais atos formativos, que, por norma, apresenta o

mesmo tipo de resposta.

Qualquer atitude, ou palavras que possam ser associadas a esses destemperos formativos, como a falta de

afeto, por exemplo, será condição suficiente para a rejeição e explosão do corpo, muito embora a pessoa

com quem estejamos a relacionar não possua qualquer laço com o nosso passado formativo.

Ou seja, a pessoa está a relacionar-se com alguém, cujas atitudes ou palavras fazem lembrar as atitudes de

seus formadores para consigo e reage sem se aperceber que se trata de outra pessoa, e muito menos tem a

noção da intenção dela.

Parece evidente a necessidade de recuperar esse passado e o reorganizar de outro modo, conferindo-lhe a

importância relativa, que está localizada no tempo, mas que se faz sentir em qualquer momento, pelo que

devemos falar nele, sem vergonha e constrangimentos durante o processo de análise para que possam ser

reelaborados.

Nos é dado a saber, que o processo de repetição e a uniformização provocada por uma formação

prepotente e intolerante, andam de mãos dadas, perseguindo o sujeito durante o decurso de sua vida, e

será esta dupla que a análise deve começar por separar.

Separar o que durante tantos anos andou junto é um processo difícil, requerendo algum saber e tempo,

caindo alguns na tentação de tentar anular formas inconscientes enraizadas recorrendo ao velho processo

de repressão através das palavras, processo consciente, que tenta subverter aquele que padece a uma

postura diferenciada.

Nada se pode tirar da mente, o que seria ótimo, limpávamos a chaminé, introduzíamos outras relações e

ideias, e tudo estaria a funcionar a favor do princípio de satisfação, mas a realidade nos diz que tal não é

possível, e que somos reféns de um passado, que deve ser reajustado aos tempos de adolescente e de

adulto.

Retirar o sal em excesso da sopa é impossível, mas adicionar água para que ele possa diluir-se, a torna

comestível.

Tal reajuste, pelo que se conhece em psicanálise, só pode ser promovida através da aceitação de outras

perspectivas sobre o mesmo assunto e de suas consequências, que quando aceites por aquele que padece

vai introduzir um valor, até então desconhecido para o sujeito, e será este que pode provocar alguma

alteração no comportamento futuro.

A tentativa de repressão do comportamental habitual, como os estados de raiva e impulsividade, não

alteram tais sentimentos, apenas os pode aquietar, que devido a circunstâncias de alguma agitação voltam

a fazer sua aparição, deixando um rastro de impotência, acrescido de um sentimento de culpa, o que, a

meu ver, vem agravar cada vez mais seu transtorno.

Nestes termos, o que está organizado segundo uma ordem deverá ser alterado pela introdução de um novo

dado, que não pode ser radical, sob pena de não ser aceite pelo sujeito, pelo que devemos entender que

são os pequenos pormenores que aos poucos tendem a alterar o todo, por isso é forçosamente lenta e

demorada a análise.

Não nos devemos esquecer que demora um século ou mais para alterar alguma mentalidade instalada na

sociedade, e que nós pertencendo ao universo também devemos possuir um processo de aprendizagem e

amadurecimento semelhante, que demorará decerto algum tempo.

Devemos admitir, por isso, que nada pode sair da mente, como se fosse possível extirpar alguma coisa

nela contido, mas que é possível com a incorporação de novos dados alterar sua organização, obtendo

respostas um pouco diferentes das habituais.

Estar em análise, e trabalhar a paciência não desejando resultados rápidos parece ser o segredo do sucesso

terapêutico, que se contrapõe à impaciência daquele que padece, em que a primeira superação chama-se

tempo, que não será mais que contrariar a sua própria indisciplina \ agitação que o transtorno provoca.

A mente terá necessidade de repetir de novo a partir de um outro aprendizado, daí que o tempo de análise,

mais ou menos prolongada sirva esse fim, dado que o paciente será confrontado e convidado a repetir

durante algum tempo o que lhe foi proposto, e aceite por ele, muito embora, por vezes possa cair na

repetição anterior.

O que o paciente aprendeu e apreendeu foi o diverso, aquilo que não constava da uniformização, que uma

vez admitido, logo a mente tende a repetir retornando a um movimento uniforme, produzindo uma

síntese, que pode ser semelhante, mas decerto não será a mesma.

João António Fernandes

Psicanalista Freudiano

Analizzare – Centro de Estudo e Pesquisa em Psicologia e Psicanálise