Estranhas Armas Da Segunda Guerra

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Estranhas armas da Segunda Guerra Uma coleção de esquisitices saídas das pranchetas alemãs e aliadas que visavam aprimorar a capacidade de combate da infantaria. Como algumas extravagâncias da vida, as armas portáteis estranhas são o que há de mais interessante. As guerras têm sido um campo aberto aos inventores e às vezes chega a ser espetáculo extraordinário ver os curiosos dispositivos que eles produzem. Mais estranho ainda é o pensamento tático em que se apóiam para justificar o emprego das engenhocas mais estapafúrdias. A maioria das invenções que apareceram na área das armas de infantaria deixava a impressão que seu usuário estaria em situação que exigia mediadas desesperadas. As guerras, com suas terríveis alternativas, são, todos sabemos, capazes de gerar na mente humana raciocínios que levam facilmente ao absurdo, e quanto o absurdo chegou até mesmo a ser exaustivamente testado, no último conflito! Vejamos um deles, um absurdo maiúsculo, que veio à luz nos Estados Unidos e, segundo se diz, na Marinha. Era uma grande e pesada luva de couro, com um revólver tosco preso no dorso. De revólver, mesmo, o negócio só tinha o nome. Era um prendedor que continha um cartucho Smith and Wesson .38 e, na forma geral, era achatado e retangular. Um pistão de aço, projetando-se da sua extremidade dianteira, funcionava como gatilho de desengate. A bala não tinha um cano a percorrer, sendo lançada diretamente da culatra. A idéia era usar a luva como uma soqueira de ferro para causar o maior dano possível no adversário. Julgava-se que isso seria o bastante para rachar a cabeça do inimigo, pelo menos, mas se ele se recusasse a ceder diante de tal ataque, ou, como diz o documento oficial, "numa emergência", o êmbolo era dirigido contra o oponente e o .38 disparava contra ele. Evidentemente isto daria cabo do inimigo - e sem dúvida, do atirador também. Como é possível entender-se um corpo-a-corpo com o inimigo, na guerra, senão como "uma emergência", é algo incompreensível, de modo geral. Os resultados do disparo de uma arma costurada a uma luva também sobrecarregam a imaginação. Os problemas que envolvem o uso de tal arma são

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Estranhas armas da Segunda Guerra Uma coleção de esquisitices saídas das pranchetas alemãs e aliadas que visavam aprimorar a capacidade de combate da infantaria.

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Estranhas armas da Segunda Guerra Uma coleção de esquisitices saídas das pranchetas alemãs e aliadas que visavam aprimorar a capacidade de combate da infantaria.

Como algumas extravagâncias da vida, as armas portáteis estranhas são o que há de mais interessante. As guerras têm sido um campo aberto aos inventores e às vezes chega a ser espetáculo extraordinário ver os curiosos dispositivos que eles produzem. Mais estranho ainda é o pensamento tático em que se apóiam para justificar o emprego das engenhocas mais estapafúrdias. A maioria das invenções que apareceram na área das armas de infantaria deixava a impressão que seu usuário estaria em situação que exigia mediadas desesperadas. As guerras, com suas terríveis alternativas, são, todos sabemos, capazes de gerar na mente humana raciocínios que levam facilmente ao absurdo, e quanto o absurdo chegou até mesmo a ser exaustivamente testado, no último conflito!

Vejamos um deles, um absurdo maiúsculo, que veio à luz nos Estados Unidos e, segundo se diz, na Marinha. Era uma grande e pesada luva de couro, com um revólver tosco preso no dorso. De revólver, mesmo, o negócio só tinha o nome. Era um prendedor que continha um cartucho Smith and Wesson .38 e, na forma geral, era achatado e retangular. Um pistão de aço, projetando-se da sua extremidade dianteira, funcionava como gatilho de desengate. A bala não tinha um cano a percorrer, sendo lançada diretamente da culatra. A idéia era usar a luva como uma soqueira de ferro para causar o maior dano possível no adversário. Julgava-se que isso seria o bastante para rachar a cabeça do inimigo, pelo menos, mas se ele se recusasse a ceder diante de tal ataque, ou, como diz o documento oficial, "numa emergência", o êmbolo era dirigido contra o oponente e o .38 disparava contra ele. Evidentemente isto daria cabo do inimigo - e sem dúvida, do atirador também. Como é possível entender-se um corpo-a-corpo com o inimigo, na guerra, senão como "uma emergência", é algo incompreensível, de modo geral. Os resultados do disparo de uma arma costurada a uma luva também sobrecarregam a imaginação. Os problemas que envolvem o uso de tal arma são tão evidentes que não merecem que se lhe dê atenção.

Na mesma categoria incluía-se a pistola .22 com a aparência de uma caneta, muito própria talvez para o assassino comum, mas não para o soldado. Ela se destinava ao uso como dispositivo para combate cerrado decisivo, e era disparada puxando o pegador para trás, fazendo-a lançar um só cartucho de .22 que ficava na extremidade de um cano curto. Era extremamente difícil segurar uma engenhoca dessas, e mais difícil ainda fazer pontaria com ela. Muitas poucas foram feitas e só alguns homens a usaram. Um conseguiu ferir-se no pé com uma delas, de modo que sabemos que a engenhoca pelo menos funcionava.

Sugeriu também um desses inventores um negócio mais viável. Era uma pistola de um só tiro, calibre .45 que, segundo se diz, foi fabricada em grandes quantidades e realmente utilizada em combate. Era uma peça tosca e feia, para uso dos guerrilheiros nativos nos teatros de guerra do Pacífico e da Ásia. Na realidade, tratava-se de uma arma básica, na forma aproximada de uma pistola automática. O cano, curto, não passava de um pedaço de tubo sem estrias. O punho era de metal oco, onde ficavam alguns cartuchos extras. O invólucro vazio era ejetado empurrando uma vara curta pelo cano e, está claro, não havia dispositivo de segurança. Ela foi distribuída entre os nativos amistosos, juntamente com um roteiro, desenhado, mostrando como funcionava. Depois, deixavam-no em companhia da sua engenhoca. Diz-se que ela foi

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extraordinariamente eficaz, sobretudo por que o atirador não se atrevia a errar: escolhia cuidadosamente o alvo, metia-lhe a bala e imediatamente desaparecia.

Engenhocas como essas pistolas sempre aparecerão, em qualquer guerra, e sempre haverá alguém que autorizará sua fabricação, ainda que em pequena quantidade. O valor dessas coisas como elemento capaz de solucionar grandes conflitos é, entretanto, nenhum. Houve idéias mais práticas, e os alemães apresentaram algumas. Provavelmente a mais famosa foi a metralhadora de cano curvo. Há quem diga que a idéia nasceu na Itália, nas lutas de rua que ali se travaram, quando os soldados pediram uma arma que disparasse dobrando a esquina; outros dizem que era destinada aos tanques e carros blindados, para que suas tripulações pudessem atirar pelos lados ou pelas chamadas aberturas de pistola e eliminar a infantaria inimiga, sobretudo a russa, que se agachava bem perto e em ângulo morto para o fogo normal. Seja como for, o cano curvo foi feito, e em número considerável. A primeira versão fazia a bala virar trinta graus simplesmente pela inclusão de um pedaço de cano curvo na boca da MP-43. Alguns buracos foram abertos no começo da curva para permitir a saída de parte do gás e, assim, diminuir um pouco a velocidade da bala (afinal, a distância aqui não era importante) e uma mira tipo periscópio, muito volumosa, foi adaptada à arma. O atirador olhava por um quadrado de vidro existente na mira e divisava a alça e a massa de mira, as quais alinhava sobre o alvo. Essas miras não eram as utilizadas nos fuzis normais. Eram miras especiais, que ficavam no periscópio. O disparo do fuzil não causava nenhum movimento incomum, à parte o recuo feito para cima, e a bala saía num ângulo exato de 30 graus da linha original do cano. Era muito engenhoso e atendia à necessidade de tiro desse tipo. Ela só funcionava com o cartucho Kurz e as tentativas de fazê-la trabalhar com munição normal de 7,92 mm, acabaram em calamidades, porque a alta potência do cartucho provocava rápida erosão da parte curva do cano. Mesmo com o Kurz, a curva tinha vida extremamente limitada, mas também, a necessidade do tiro curvo não era muito freqüente. Um cano com curvatura de 90 graus também chegou a ser fabricado, mas, neste, os problemas de erosão eram sérios e o modelo ainda não era de todo satisfatório quando a guerra terminou. O esforço dedicado ao desenho e fabricação desses acessórios deve ter sido relativamente grande e praticamente não valeu a pena. Na verdade, não passou de mais um exemplo de como a máquina de guerra alemã desperdiçou tempo e dinheiro em coisa que, afinal, não rendeu dividendo compensador.

Na Grã-Bretanha também houve tantas invenções inúteis como em qualquer outra parte. Uma teoria curiosíssima dizia respeito a granadas antiaéreas cheias de tinta luminosa para que o avião inimigo ficasse manchado com ela, tornando-se visível aos caças noturnos que então o derrubariam. O herói que imaginou isso não ficou nada satisfeito quando o Ministério da Guerra sugeriu que pedaços de aço eram um agente pulverizador melhor que a tinta.

Uma arma que nunca entrou em uso foi a submetralhadora Welgun, produzida em 1943. Esta foi uma das várias tentativas de melhorar o Sten Gun, e o Welgun propunha-se isto, sendo mais curto e mais leve. Hoje em dia, muitas das submetralhadoras mais modernas usam os princípios pioneiros do Welgun, cuja idéia básica era fazer o ferrolho oco, para que ele pudesse passar sobre a extremidade do cano junto da culatra, quando enfiava o cartucho, e, assim, ter seu peso principal na frente da culatra. Em si, isto não tem grande importância e quer dizer que há muito menos espaço necessário à extremidade anterior do receptor. O estojo vazio era ejetado por uma abertura feita do lado do ferrolho e, no

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caso do Welgun, outro refinamento foi pôr a mola de retorno na frente dele e enrolada no cano. Usando um cano e a mola do Sten Gun, e um coice de coronha dobrável e simples, seu comprimento total caiu para apenas 43 cm. O carregador era do Sten, o que poderia ter criado dificuldades, e municiava para cima, funcionando também como punho de pistola dianteiro. No todo, a idéia poderia resultar numa boa arma. Só se fez uma.

Mas quem realmente fez coisas incríveis com idéias extravagantes foi a Guarda Nacional Britânica. Qualquer força especial modificará um pouco as armas do governo, mas quando o governo não distribui mais que uns poucos fuzis e então dá, aos que não receberam nem mesmo o fuzil, uma arma que já no século XVII era antiquada, não é de espantar que alguns dos velhos homens fossem buscar a espingarda do falecido papai. O fato é que vários milhares de chuços foram feitos em 1940 e 1941 e distribuídos aos pelotões da Guarda Nacional que ficaram sem fuzis e baionetas, e que eram a maioria. Mas, sejamos justos, o chuço de 1940 era um pouco diferente do modelo 1640 - bem mais curto! Era preciso chegar mais perto para matar o adversário, e sem proteção de couraça ou de cota de malha. O chuço distribuído devia ter o mesmo comprimento de um fuzil com baioneta armada e ser usado da mesma forma. Ainda bem, pois já não havia muitos manuais sobre exercícios com chuços. Esta arma terrível era feita soldando-se a baioneta SMLE num pedaço de cano de água, e felizmente havia muitas baionetas - a maioria pré-SMLE. Houve certo constrangimento nos círculos oficiais quanto ao uso do chuço, que não demorou muito a ser abandonado, mas não antes de entrar na lenda inglesa e também para os arsenais da Guarda Nacional.

Outra arma dos dias desesperados de 1940 foi o grupo de gasolina antitanque. Estes grupos realmente existiram e receberam certo treinamento, mas não chegaram a funcionar. Tudo ficou na teoria. O nascimento desses grupos deu-se na Guerra Civil espanhola, quando tanques alemães e italianos passaram maus bocados ao enfrentarem os mineiros das Astúrias, que, combatentes decididos e usando habilmente o terreno e explosivos de mineração, causaram dano significativo nos tanques. Os que lutaram na Espanha voltaram para casa com a idéia e muitos grupos de gasolina antitanque foram formados, nas aldeias e cidades da Inglaterra, à maneira dos espanhóis. A equipe era formada de três homens: o número um carregava pesada barra de ferro; o número dois, um cobertor e algumas mechas (cordões de Bickford) ou uma pistola Verey, ou algum outro modo seguro de fazer fogo; o número três, um balde de gasolina.

A mecânica do ataque era a seguinte: os três homens ficavam à espreita, numa esquina, sendo necessário desfechar este tipo de ataque somente em áreas construídas. Ele não funcionava nos campos, embora se esperasse descobrir um meio de fazê-lo funcionar ali também. Quando um tanque se aproximava, eles esperavam até que este passasse ao seu lado. Fuzileiros teriam aberto fogo e assim já se teria assegurado que o tanque estaria fechado, portanto, às cegas. Então, cautelosamente, o número um corria até ele e enfiava a barra de ferro nas polias da lagarta, bem perto do eixo, fazendo o tanque parar (na verdade, na melhor das hipóteses, ele giraria em círculo em volta do número um!). O número dois imediatamente jogava o cobertor na lagarta parada; o número três jogava a gasolina sobre o cobertor e o número dois lhe ateava fogo. Os três voltavam ao seu canto e regojizavam-se com o espetáculo pirotécnico.

Fonte deste artigo: Armas da Infantaria - John Weeks - Ed. Renes

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