ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL - A EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA É UMA...

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    ESTRATGIAS DE APRENDIZAGEM PARA O DESENVOLVIMENTOSUSTENTVEL: A EXPERINCIA ARTSTICA UMA ALTERNATIVA?

    Monique Allain

    RESUMO

    Este artigo tem o propsito de refletir sobre os mecanismos de aprendizagem e propor aexperincia artstica como medida criativa para convocao dos mesmos, em favor de umdesenvolvimento sustentvel. O qu se investiga aqui no so os mecanismos deaprendizagem em arte, mas pela arte. O texto se apoia nas colocaes feitas pelospalestrantes da mesa redonda Educao para o Desenvolvimento Sustentvel do eventoC40 So Paulo Climate Summit em 2011. A seguir, so apontadas iniciativas de algunsartistas cujas produes abordam questes socioambientais. So eles: Darya von Berner,Yann Arthus-Bertrand, Hans Haacke, Frans Krajcberg, Cildo Meireles, Vik Muniz, EduardoSrur e Hugo Fortes. O texto se encerra com uma breve apresentao do projeto poticoMensageiras, concebido pela autora.

    Palavras chave: arte, aprendizagem, educao, desenvolvimento sustentvel, C 40.

    ABSTRACT:

    This article aims at examining learning mechanisms and proposing the concept of artisticexperience as a creative means of prompting such mechanisms into supporting sustainabledevelopment. It investigates the learning mechanisms through Art, rather than in Art. The textdraws material from statements made by participants of the round table entitled Education forSustainable Development at the event C40 So Paulo Climate Summit, in 2011. Below areinitiatives by a few artists whose productions address social environmental issues. They are: Darya

    von Berner, Yann Arthus-Bertrand, Hans Haacke, Frans Krajcberg, Cildo Meireles, Vik Muniz,Eduardo Srur, and Hugo Fortes. The text ends with a brief presentation on the poetic projectMensageiras (Messengers), conceived by the author.i

    Key words: art, learning, education, sustainable development, C 40.

    Este artigo tem o propsito de refletir sobre os mecanismos de aprendizagem e

    propor a experincia artstica como medida criativa para convocao dos mesmos,

    em favor de um desenvolvimento sustentvel. O qu se investiga aqui no so os

    mecanismos de aprendizagem em arte, mas pela arte. O texto se apoia nas

    colocaes feitas pelos palestrantes da mesa redonda Educao para o

    Desenvolvimento Sustentveldo evento C40 So Paulo Climate Summitem 2011.

    Milton Santos, nos anos 70 antecipou a problemtica atual que envolve homem eespao, destacando este ltimo como ponto nevrlgico nos conflitos da era ps-

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    moderna. O autor enxergou os reflexos na geografia do planeta dos problemas que

    j se desenhavam naquele momento histrico. Em sua publicao Pensando o

    Espao do Homemii, discutiu as relaes entre o ser humano e seu meio e definiu o

    espao como a soma dos resultados da interveno humana. Dirigindo a produo

    para interesses distantes e minoritrios, o individuo tornou-se estranho ao seu

    espao, no se reconhece mais como pertencente a eleiii. Capra em 1882 tambm

    alertou para os riscos que o descompasso entre os avanos na compreenso da

    fisiologia do mundo e os modelos empregados nas prticas sociais, polticas e

    econmicas representavaiv.

    As cincias exatas, humanas e biolgicas tm se aplicado em investigar as causas

    das transformaes na biosfera, das catstrofes naturais, das devastaes e

    desastres ecolgicos, do incremento da violncia das cidades, da diminuio de

    recursos hdricos e energticos, da misria e do incremento de incidncia de

    doenas psquicas e emocionais. Hoje as distncias no nos protegem mais de

    catstrofes provocadas diretamente ou indiretamente pela ao do homem, tais

    como o aquecimento global, os acidentes nucleares de Tchernobil e Fukushima. As

    guerras, os riscos futuros de escassez nos recursos hdricos, as projees que

    alertam sobre a falta de energia e alimento, so uma realidade.

    Nossa sobrevivncia depende de nos mantermos atentos, flexveis, nos

    transformarmos e reorganizarmos nossa sensibilidade e percepo, adequando-nos

    constantemente s reconfiguraes do espao e do tempo.

    O C40 uma conferncia internacional que ocorre a cada dois anos e reuniu em

    2011 na cidade de So Paulo, prefeitos de mais de 40 cidades do mundo. O objetivo

    discutir projetos sustentveis preocupados com qualidade de vida e humanizao

    das metrpoles e promover com isso dilogos, unir foras atravs de aes

    conjuntas entre empresas, administraes pblicas e a sociedade. So Paulo foi a

    primeira cidade do hemisfrio sul a sediar o evento. A mesa redonda Educao para

    o desenvolvimento sustentvelv versou sobre a necessidade de mobilizao por

    parte das instituies de ensino em busca de recursos criativos multidisciplinares

    para elaborao de programas de conscientizao da populao sobre as questes

    que envolvem sustentabilidade.

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    Foram apontados durante o evento alguns problemas provocados pela ao

    predatria do ser humano. Dentre eles, esto o incremento de favelas, as mudanas

    climticas e o aumento de cidades pobres em situao de risco. Os nveis de dixido

    de carbono na atmosfera terrestre aumentaram aproximadamente 30% nos ltimos

    200 anos. Foram destrudas mais de 80% das florestas naturais, e 20 a 30% das

    espcies vegetais e animais podero se extinguir se a temperatura global aumentar

    mais que 1,5 a 2,5 o Cvi.

    Um debate internacional, preocupado com estas questes vem moldando uma

    cultura de paz. As inmeras transformaes tecnolgicas esto mudando os valores

    e introduzindo novas exigncias ticas. Pensar o uso das novas tecnologias de

    forma favorvel aos preceitos sustentveis e promover um dilogo cientfico de

    aprendizagem acessvel ao maior numero de pessoas possveis so algumas

    medidas apontadas. recomendvel que todos os setores da sociedade estejam

    envolvidos e integrados no desenvolvimento de programas de organizao e de

    gesto, adequados a nova realidade. Recomenda-se investir em uma educao

    mais formadora e no apenas informadora para o desenvolvimento sustentvel e

    para uma cultura de paz. necessrio atualizar os mtodos e agir de forma

    interdisciplinar e holstica dentro de uma dimenso tica. Estas aes demandam a

    criao de situaes vivenciais de encontro entre as pessoas dentro de espaos

    compartilhados, de acordo com uma lgica calcada no esforo conjunto para

    concepo de projetos coletivos. No podemos perder de vista nossa natureza

    coletiva. Devemos conduzir nossas prioridades individuais em direo ao bem estar

    comum. Uma sociedade aprendentevii deve incluir uma multiplicidade de formas de

    aprendizagem, estar atenta s novas demandas que envolvem situaes de

    interatividade, mobilidade, conversibilidade, conectividade, diversidade e

    globalismo. O desenvolvimento sustentvel demanda uma abordagem sistmica

    (no fragmentada) de mecanismos de aprendizagem social onde h integrao da

    lgica emoo. Miriam Vilela destacou o fato de que a educao s de fato

    transformadora quando a esfera sensvel e afetiva do sujeito alcanada no

    processo de aprendizagem.viii

    H uma necessidade fundamental em todo indivduo de partilhar a experinciaesttica da humanidade. Em 1969, a publicao da UNESCO Les arts et La vie j

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    chamava ateno para o papel da arte como agente transformador na sociedade ix.

    Segundo esta, a Declarao Universal dos Direitos do Homem proclamada pela

    Assembleia Geral da Organizao das Naes Unidas estabeleceu que todo

    indivduo tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade e de

    desfrutar das artesx. Para o historiador e crtico de arte ingls Herbert Read, a arte e

    a sociedade no so dissociveis. Arte uma fora de coeso social cuja ausncia

    poderia trazer um golpe fatal civilizao. Ele props a arte pela educaoxi.

    Compactuamos com a afirmao de Miriam Vilela de que a emoo um elemento

    essencial na aquisio de valores e contribui de forma radical na apreenso de

    contedos e princpios de sustentabilidade. A experincia transformadora a que

    emociona. Nas prticas educativas, , portanto, essencial integrar o fator emoo lgica e ao intelecto.

    Estes aspectos qualificam a arte como um recurso de valor que no deve ser

    negligenciado em programas de aprendizagem xii para um desenvolvimento

    sustentvel. A fora de uma obra artstica esta justamente na juno de seu carter

    sensvel e potico aos seus contedos e significados. Seu poder de transformao

    lhe confere tambm um carter poltico-social.

    A atualizao constante nos modos de ver, dos valores e das formas de interagir

    com o nosso meio so o primeiro passo nos processos de assimilao de novos

    contedos, capazes de promovem reformulaes sociais e reconfiguraes do

    espao.

    Um exemplo de produo artstica que atravs da potica se prope a investir na

    construo de uma conscincia coletiva mais sustentvel o trabalho recente da

    artista espanhola Darya von Berner, Internation Cloud Flagxiii. A obra foi montada em

    janeiro 2012 no Palcio da Pazem Haia, na Holanda, local que abriga o Tribunal

    Internacional de Justia, principal rgo judicial da Organizao das Naes Unidas,

    e o Tribunal Permanente de Arbitragem. O projeto tem curadoria de Tom van Vliet

    (1953), historiador e curador especializado em mdias digitais, idealizador do World

    Wide Video Festival e diretor da World Wide Video Foundation at 2004. Trata-se de

    uma nuvem de verdade que se assume como bandeira xiv . A artista reverte o

    significado territorial contido neste smbolo nacionalista que uma bandeira, e

    prope pensar o mundo de uma maneira mais holstica e generosa, sem posses e

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    sem fronteiras. A nuvem foi obtida com a ajuda de tecnologia inovadora de

    nebulizao que envolve alta presso para nebulizao de gua em micropartculas

    que flutuam no ar. O mastro emite luz de modo a aumentar a visibilidade das gotas

    de gua. Tanto os significados contidos no trabalho, como sua concepo e

    estrutura fsica envolvem processos sintonizados no s com uma elevada

    conscincia poltico-social, mas tambm ambiental e ecolgicaxv.

    Darya Von Berner, International Cloud Flag

    Registros da obra em funcionamento na entrada do Palcio da Paz em Haia, Holanda, 2012.

    Outro exemplo de obra a videoexposio 6 bilhes de outros de Yann Arthus-

    Bertrand com a fundao GoodPlanet, apresentada no Museu de Arte de So Paulo

    (MASP) em 2011. A fundao foi criada em 2005 pelo artista com o propsito de

    sensibilizar e educar o pblico para a proteo ambiental.

    A Fundao GoodPlanet convida a todos a um modo de vida respeitosopara com a Terra e seus habitantes. Ela busca encorajar cada indivduo aagir pelo planeta, apoiada por uma srie de programas em constantedesenvolvimento, esforando-se para aumentar a conscincia ecolgica. (6BILHOES DE OUTROS, 2011)

    O Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia de Madrid abriu em fevereiro deste

    ano 2012, retrospectiva do artista alemo Hans Haacke. Dentre as peas exibidas,

    encontra-se a obra Grass Grows (1967-1969), um dptico da vida orgnica e detritos

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    da sociedadexvi. Para execuo do trabalho o artista plantou grama em um monte de

    terra dentro do espao expositivo. Haacke foi um dos primeiros artistas

    contemporneos americanos a investigar questes ecolgicas atravs da artexvii.

    No Brasil, j desde alguns anos, diversas produes vm abordando a temtica

    ambiental. Uma delas a obra consistente de Frans Krajcberg (1921), totalmente

    engajada na defesa pelo meio ambiente. Polons, naturalizado brasileiro, j nos

    anos 70 assumiu esta postura ecolgica. Fotografias de desmatamentos e

    queimadas realizadas durante viagens pela Amaznia e Mato Grosso, esculturas

    com troncos e razes queimados, so denncias dramticas das agresses que vm

    sendo feitas em inmeras regies do nosso pasxviii: Grito contra as injustias e a

    violncia contra a vida, contra o homem, contra a natureza (KRAJCBERG)xix.

    Inmeros outros artistas que nem sempre tiveram ao longo de sua trajetria um

    direcionamento to engajado na vertente socioambiental, cada vez mais se

    debruam sobre o assunto. Diversas iniciativas tais como produes de Cildo

    Meireles, Vik Muniz, Eduardo Srur e Hugo Fortes dentre muitos outros, comprovam

    a incidncia crescente de artistas interessando-se e envolvendo-se com as

    discusses sustentveis.

    Cildo Meireles apresentou em 2011 no Ita Cultural a instalao sonora indita Rio

    oir. Concebida em 1976, extremamente atual. Versa sobre a gua, tema presente

    em todas as discusses socioambientais nacionais e internacionais, em funo das

    projees negativas para o futuro no abastecimento de recursos hdricos. O artista

    fez um percurso com sua equipe em quatro reas banhadas pelas guas do interior

    do Brasil e registrou toda a experincia com imagens, com anotaes cartogrficas,

    mas principalmente com captao de sons da gua na natureza. Na instalao

    sonora Cildo Meireles atravs de sua obra nos convida a ouvir e sentir o curso vital

    das nossas guas. Em entrevista concedida ao curador Guilherme Wisnik lamenta a

    situao dos rios brasileiros:

    Se eu fosse tentar sintetizar o que aconteceu nesse processo, diria duascoisas: encontramos nascentes natimortas, o que foi muito impactante; e,em decorrncia disto, a percepo de que muito em breve todas as guasfluviais do Brasil sero, de certa forma, residurias, pois elas j esto sendo

    conspurcadas na fonte. O caso do Rio So Francisco talvez seja o maisemblemtico, um rio que se tornou muito doente nas ltimas dcadas. Oque no quer dizer que isso no esteja acontecendo tambm nos rios da

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    Amaznia, que j esto, em boa parte, altamente contaminados porsubstncias como o mercrio, ou sendo impactados pelas hidreltricas.(MEIRELES, 2011.).

    Rio oir nos faz constatar que riquezas naturais esto desaparecendo. Em seu

    depoimento, o fotgrafo Edouard Fraipont que acompanhou a expedio tambm

    desabafa: Fotografar a natureza importante para no nos esquecermos de que

    ela ainda existe. (FRAIPONT, 2011.)xx.

    Em 2010, o documentrio Lixo Extraordinrio sobre a obra de Vik Muniz, dirigido por

    Lucy Walker, Joo Jardim e Karen Harley, levantou reflexes sobre problemas tais

    como excluso social, ambientes e condies de trabalho insalubres. O filme revela

    a preocupao social do artista e o passo a passo de seu processo criativo. Durantetrs anos, Vik Muniz acompanhou a rotina dos catadores de lixo do Jardim

    Gramacho no Rio de Janeiro, maior aterro sanitrio da Amrica Latina, e tinha como

    propsito usar em suas obras o que era descartado por eles. Fotografou os

    catadores, escolhendo-os por suas histrias de vida, projetou as imagens no cho

    em grandes formatos e convidou-os a construir suas prprias imagens com o lixo

    que recolhiam. Todo o processo foi documentado at o leilo de suas obras cuja

    renda reverteu aos catadores. O filme foi indicado ao Oscar na categoria dedocumentrio, e ganhou em 2010 o prmio americano de melhor documentrio da

    International Documentary Association e o prmio de melhor documentrio do

    Festival de Berlimxxi.

    A produo bem humorada de Eduardo Srur, artista paulistano que desde 2002 atua

    produzindo intervenes urbanas, tambm claramente engajada. Uma srie de

    trabalhos vem configurando seu interesse e preocupao com as questes

    ambientais. Em 2008 colocou vinte garrafas coloridas de 11 metros de comprimentonas margens do rio Tiet compondo a instalao PETS. Depois do trmino da

    exposio, o material plstico foi reaproveitado e utilizado para confeco de

    mochilas ecolgicas que foram distribudas a estudantes da rede pblica. No mesmo

    ano Eduardo Srur vestiu diversas esttuas paulistanas com coletes salva vidas

    alaranjados. Deu obra o nome de Sobrevivnciaxxii. Neste momento, o artista

    apresenta a obra, Labirinto em trs parques pblicos da cidade de So Paulo: o

    Parque Villa-Lobos, o Parque da Juventude na zona norte e o Parque Ecolgico doTiet na zona leste. Em cada local, Eduardo Srur coloca o pblico frente a frente

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    com trinta toneladas de lixo composto de resduos slidos. Fardos de diversos

    materiais tais como garrafas PET, plsticos, alumnio e tetrapack, captados,

    separados por tipo e depois prensados no intuito de serem transformados em novos

    produtos, constituem as paredes de um labirintoxxiii. Estes so exemplos de alguns

    dos diversos trabalhos que Eduardo Srur vem mostrando no Brasil e no exteriorxxiv .

    Segundo ele: Acredito que a arte tenha esse poder: provoca, conscientiza e educa

    a populao de uma forma direta. (VEIGA, 2012.).

    Hugo Fortes, artista e curador, concebeu, coordenou e organizou o I Seminrio

    Internacional Arte e Natureza, que contou com a participao de tericos e artistas.

    Palestras, mesas redondas, uma exposio de arte contempornea e uma mostra

    de videoarte compuseram a programao do evento. Dentre os convidados estavam

    o Prof. Dr. Martin Ullrich, diretor da Hochschule fr Musik Nrnberg (Escola Superior

    de Msica de Nuremberg), a Profa. Dra. Jessica Ullrich, da Universitt der Knste

    Berlin (Universidade das Artes de Berlin), os artistas Nuno Ramos, Caio Reisewitz, e

    Gilbertto Prado. O intuito desta iniciativa que se insere no Programa de Ps-

    graduao em Artes Visuais da Escola de Comunicaes e Artes (ECA USP) da

    Universidade de So Paulo, foi o de discutir as formas com as quais o homem

    contemporneo se relaciona com a naturezaxxv.

    Transcrevemos abaixo um trecho extrado do programa do seminrio veiculado pela

    internet: A arte como forma de conhecimento sensvel, oferece sua contribuio

    para a tomada de conscincia das possibilidades e das dificuldades de

    relacionamento do homem com o ambiente.xxvi

    As intervenes urbanas e as produes cinematogrficas tais como as

    intervenes de Eduardo Srur e com o filme Lixo Extraordinrio so estratgias que

    ultrapassam os limites dos espaos protegidos da arte e colocam-se em dilogo ou

    confronto com um publico geral, muitas vezes leigo, aproximando-o e trazendo-o

    para dentro do universo da arte.

    O projeto Mensageiras se prope tambm a contribuir com as investigaes sobre a

    relao do homem com seu espao e alteridade.

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    Trata-se de uma ao, um work in progress xxvii que associa educao,

    sustentabilidade e arte. As verses iniciais foram concebidas para a exposio de

    arte pblica Sculpture by the Sea em Sydney, Austrlia. A primeira, Mensageiras I,

    serviu de prottipo para a curadoria da exposio, e posteriormente foi exibida em

    So Paulo. O trabalho foi selecionado e a obra Mensageiras II apresentada no

    mesmo ano na Austrlia. Uma revoada de borboletas brancas propunha reflexo

    sobre valores essenciais da humanidade. Elas iniciavam seus voos, cada qual para

    uma das naes do mundo, levando consigo a paz e enfatizando o direito

    liberdade e a necessidade de preservar a harmonia com a natureza.

    Monique Allain, Mensageiras I, 2003.

    Instalao pblica com areia, ao carbono, cimento, cola e papel - 280cm x 210cm x 18cm.

    A participao do pblico e a incluso de procedimentos educativos ocorreram a

    partir da terceira etapa do processo, com a interveno Mensageiras IIIno Parque

    Buenos Aires em 2009, para a exposio Oxignio. O projeto evoluiu como

    interveno pblica com ocupao participativa em rea verde da cidade de So

    Paulo. O trabalho dependeu do envolvimento coletivo do pblico para acontecer. Umnico canteiro de sacos plsticos brancos em uma rea do parque aguardava a

    interveno das pessoas para se transformar em uma paisagem viva e afetiva, em

    um espao que produz oxignio. As pessoas foram convidadas a trazer um vaso de

    flor branca e trocar um saco pelo vaso. Durante as semanas em que a exposio

    aconteceu, houve uma transformao progressiva da obra. O local tornou-se um

    ponto de interseco entre os visitantes do parque, lugar de encontro e troca. No

    ltimo dia, pessoas que estavam no parque ofereceram a outras, muitas vezes

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    desconhecidas, os vasos que compunham a instalao. A ao foi registrada em

    vdeo e fotografia.

    Monique Allain, Mensageiras III, 2009.Registro da interveno urbana no Parque Buenos Aires - 15m de dimetro.

    Em 2010, tambm no Parque Buenos Aires na segunda edio da exposio

    Oxignio, houve mais um desdobramento. A interveno Mensageiras IV foi

    realizada de modo semelhante anterior. Um canteiro de possibilidades constitudo

    por sacos plsticos brancos aguardava desta vez o plantio e a adoo por parte dos

    frequentadores do parque, de uma muda nativa ameaada de extino. Os locais de

    plantio e a espcie Euterpe edulis (palmito Jussara) da Mata Atlntica foramdeterminados previamente com aprovao da administrao do parque.

    Monique Allain, Mensageiras IV, 2010.

    Registros da interveno urbana no Parque Buenos Aires 30 m de dimetro

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    Monique Allain, Mensageiras IV, 2010.Registro da interveno urbana no Parque Buenos Aires 30 m de dimetro

    Os participantes inscreveram sobre as pedras que seguravam os sacos plsticos

    seus nomes e o de pessoas a quem queriam dedicar s plantas, e colocaram-nas

    aos ps das mudas. Depois que foram todas plantadas, as adoes e

    dedicatrias continuaram e muitas outras pedras foram se acumulando nos ps

    das mudas privilegiadas com mltiplos padrinhos. As plantas permanecem at hoje

    no parque que funciona como um berrio de espcies ameaadas de extino.

    Este trabalho se props a funcionar como um piloto a ser implantado nas reas

    verdes de So Paulo. A ideia transform-las em bancos de espcies para as

    geraes futuras, em abrigos e locais de preservao de plantas nativas ameaadas

    de extino, e envolver a populao local neste processo de modo a promover uma

    conscientizao da necessidade de preservao ambiental. O pblico, ao vivenciar,

    dialogar e interagir ativamente se reconhece no local e esta situao favorece a

    formao de vnculos com o espao e com a alteridade. O parque torna-se um local

    de cumplicidade e encontro, um local de construo a ser compartilhado.

    A Secretaria do Verde, pensando em maneiras de melhorar as condies sanitrias

    e a qualidade de vida de populaes carentes que habitam prximo a cursos de

    gua geralmente contaminados pelos dejetos produzidos pelas ocupaes ilegais,

    se props a criar um modelo de parque a ser posteriormente implantado em

    mltiplas localidades. A ideia utilizar as reas prximas dos crregos e, com oenvolvimento da populao local, transform-las em Parques Lineares. O projeto

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    Parque Linear do Jaguar um piloto que a Secretaria est implantando na

    Subprefeitura do Butant. O processo est sendo acompanhado para concepo e

    realizao do projeto Mensageiras V, uma interveno pblica e participativa com

    ocupao definitiva que servir de modelo para realizao em outras reas da

    cidade. Procuramos sincronizar a concepo e produo da interveno artstica

    com os esforos e a atuao da Secretaria, e associar estas iniciativas a um

    programa educativo socioambiental.

    O projeto Mensageiras e as obras apresentadas como exemplos mostram o

    envolvimento por parte da comunidade artstica nas questes e desafios que o tema

    sustentabilidade abarca.

    A arte um poderoso agente transformador da sociedade. Seu alcance se amplia

    quando abordada interdisciplinarmente. Integrada a programas educativos voltados

    para a apreenso de valores e para a adoo de uma postura sustentvel, uma

    alternativa de grande potencial. O artista um proponente. Esta constatao no

    constitui uma novidade. Hlio Oiticica em 1967 j havia ressaltado que o artista

    participa de sua poca com o papel de proposicionista, empresrio ou

    educadorxxviii . Ao interpretar o mundo com sua percepo prpria, ao materializarem sua obra sua subjetividade, transmite como v este mundo, suas dvidas,

    crticas e questionamentos. Ele promove reflexes que possibilitam mudanas de

    paradigmas, atualizaes na compreenso das dinmicas espao-temporais e nas

    relaes com o outro.

    Arte e vida so inseparveis. Se a arte est no quotidiano e se pronuncia frente aos

    desafios do seu espao e do seu tempo, sustentabilidade hoje um assunto que

    no pode estar fora da sua pauta. A incluso de temas que relacionam arte,

    sustentabilidade e educao, tanto nos eventos voltados para a comunidade artstica

    como para os promovidos pelos educadores e pesquisadores socioambientais,

    favorece o dilogo entre estas reas, possibilita aes conjuntas e amplifica o

    potencial agenciador das mesmas.

    Suely Rolnik defende a arte, forma de expresso, de produo de linguagem e de

    pensamento, como uma possvel alternativa de agenciamento, contgio etransformao: O exerccio do pensamento/criao tem, portanto, um poder de

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    interferncia na realidade e de participao na orientao de seu destino,

    constituindo assim um instrumento essencial de transformao da paisagem

    subjetiva e objetiva. (ROLNIK, 2006, p. 3).

    iiiSANTOS, 2007.

    iiiSANTOS, 2007.

    ivCAPRA, 1982.

    vParticiparam da mesa, Shagun Mehrotra, representante do Departamento de Planejamento Urbano

    da Graduate School of Art and Sciences da Columbia University em Nova York, Vincent Defourny,representante da UNESCO em Braslia, Pedro Roberto Jacobi, dirigente de pesquisas do Programade Ps-Graduao em Cincia Ambiental da Universidade de So Paulo, e Miriam Vilela, diretora daCarta da Terra, Mestre em Administrao Pblica pela Universidade de Harvard, brasileira radicadana Costa Rica desde a dcada de 1990. A mesa foi mediada por Rose Marie Inojosa, representandoa Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz, UMAPAZ. A Carta da Terra instrumento desenvolvido na dcada de 1990 que rene valores discutidos em foros internacionaispor especialistas de diferentes reas. Estes condensam esforos para relatar uma carta queservisse como marco tico em direo sustentabilidade e um instrumento de educao para umamaior conscientizao de nossas responsabilidades com o meio e com a alteridade. A Carta daTerra tambm uma iniciativa de mobilizao internacional, uma declarao de princpios ticos esustentveis, reconhecida pela ONU, por governos, empresas e ONGs nos cinco continentes.

    viInformaes transmitidas ao vivo pelos palestrantes.

    viiTermo empregado por Pedro Roberto Jacobi.

    viiiInformaes transmitidas ao vivo pelos palestrantes.

    ixUNESCO, 1969.

    xTraduo nossa de: Toute personne a le droit de prendre part librement La vie culturelle de La

    communaut [et] de jouir des arts. (UNESCO, 1969, p.9).

    xiIbid.

    xii Preferimos utilizar o termo aprendizagem no lugar de ensino porque acreditamos que a

    apreenso dos contedos no se d de um transmissor para um receptor. Esta forma de pensarimplicaria em uma relao de assimetria entre as partes que nos parece redutora. A incorporao designificado se d nas trocas que as vivncias e experimentaes com o outro proporcionam.

    xiiiBandeira Nuvem Internacional(nossa traduo).

    xivInternational Cloud Flag.

    xvAs informaes sobre o projeto foram fornecidas pelo curador Tom van Vliet. Contato:

    ou . Acesso em 12/03/2012.

    xviMOLINA, Camila.

    xviiKRUG, Don; SIEGENTHALER, Jennifer.

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    xviiiKrajcberg, Frans (1921).

    xixFrans Krajcberg: o homem, o artista, o gnio.

    xxDepoimentos.

    xxiLixo Extraordinrio expe Vik Muniz como artista e cidado.

    xxiiVEIGA, Edison.

    xxiiiEduardo Srur(Site do artista).

    xxivEduardo Srur(Galeria Bar).

    xxvI Seminrio Internacional Arte e Natureza.

    xxviIbid.

    xxviiTermo que designa a constituio de uma obra ao longo do tempo.

    xxviii OITICICA, 1967.

    Referncias

    CAPRA, Fritjof. O ponto de mutao: A cincia, a sociedade e a cultura emergente. SoPaulo: Editora Cultrix, 1982.

    DEFOURNY, Vincent. Climate changes & education for sustainable development. Materialde apresentao fornecido pelo palestrante. 2011.

    Depoimentos. In: ITA CULTURAL. Ocupao: Cildo Meireles. Catlogo da exposio. SoPaulo: 2011.

    Eduardo Srur. Disponvel em: . Acesso em 12/03/2012.

    Eduardo Srur. Disponvel em: . Acesso em12/03/2012.

    Entrevista com Cildo Meireles. In: ITA CULTURAL. Ocupao: Cildo Meireles. Catlogo daexposio. So Paulo: 2011.

    Frans Krajcberg: o homem, o artista, o gnio. Disponvel em. Acesso em 08/03/2012.

    International Cloud Flag. Disponvel em: . Acesso em12/03/2012.

    JACOBI, Pedro Roberto. Novos rumos da educao na sociedade do conhecimento e para asustentabilidade. Material de apresentao fornecido pelo palestrante. 2011.

    Krajcberg, Frans (1921). Disponvel em:

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    iografia&cd_verbete=1834>. Acesso em 08/03/2012.

    KRUG, Don; SIEGENTHALER, Jennifer. Changing Views About Art and the Earth.Disponvel em: . Acesso em12/03/2012.

    Lixo Extraordinrio expe Vik Muniz como artista e cidado. Disponvel em:. Acessoem 11/03/2012.

    MASP. 6 bilhes de outros. Folder da exposio. 2011.

    MEHROTRA, Shagun. Climate changes and cityes: knowledge for action. Material deapresentao fornecido pelo palestrante. 2011.

    MOLINA, Camila. Castelos de areia de Haacke. In: O Estado de So Paulo, 26 de fevereirode 2012.

    OITICICA, Hlio. Esquema Geral da Nova Objetividade. 1967a. In: COTRIM, Ceclia;FERREIRA, Glria. Escritos de Artistas: anos 60 e 70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

    ROLNIK, Suely. Geopoltica da Cafetinagem [2006]. Disponvel em:.

    SANTOS, Milton. Pensando o espao do homem. So Paulo: Edusp, 2007.

    UNESCO. Les arts et la vie. Paris: Imprimeries de Bobigny, 1969.

    VEIGA, Edison. Eduardo Srur, o ecologista da arte. In: O Estado de So Paulo, 26 defevereiro de 2012.

    VILELA, Miriam. Valores e princpios para sustentabilidade. Material de apresentaofornecido pelo palestrante. 2011.

    I Seminrio Internacional Arte e Natureza. Disponvel em:. Acesso em 12/03/2012.

    Monique Allain

    Artista e pesquisadora, mestre em Artes Visuais pela FASM-SP, bacharel em Artes Plsticaspela FAAP-SP (2007), com Licenciatura em Cincias Fsicas e Biolgicas (1980) e ps-graduao em Gentica (1982) pela USP-RP. Participa do grupo de pesquisa arte&meiostecnolgicos (CNPq/FASM). Investiga as relaes entre corpo, espao e alteridade dentrode uma concepo sustentvel. Trabalha com imagem digital, instalaes e performance.