ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf ·...

13
ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*) Por KARL BEURLEN Escola de Geologia, Universidade Federal de Pernambuco A new concept on the stratigraphy of the Recife - Joao Pessoa sedimentary coastal area has been proposed and discussed. One can distinguish the following sequence (from ancient to recent): 1) the Crystalline Basement; 2) the continental Beberibe Formation - San- tonian-Campanian; 3) the littoral and shallow marine Gramame For- mation - Maestrichtian; 4) the regressive Maria Farinha Formation - Paleocene; 5) the continental Barreiras Group - Cenozoic, subdi- vided into four formations; 6) the White Sand Series and the Recent fluvial and coastal deposits. E geralmente conhecido, desde 0 seculo passado, que se estende uma sequencia de formacoes sedimentares ao longo da faixa costeira de Pernambuco e da Paraiba. Hartt (1870, White (1887) e Branner (1902) assinalaram a ocorrencia de depositos cretacicos e terciarios, Posteriormente, Maury (1924,1930) apresentou uma descricao de todas as especies de fosseis, ate entao conhecidas, das respectivas formacoes, Con- firmou que exists uma associacao fossilifera, aparentemente paleocencia, atribuindo-a as chamadas camadas de Maria Fa- rinha, enquanto a maioria dos fosseis descritos fossem de idade cretacica, E. de Oliveira (1940) introduziu as denomi- nagoes de "Formacao Gramame" e de "Formacao Maria Fa- rinha" para os complexos cretacico e paleocenico, respectiva- mente. A. 1. de Oliveira & Leonardos (1943) usaram 0 ter- mo de "Grupo Paraiba" para as camadas cretacicas e manti- veram a denominacao de Formacao Maria Farinha. Mas tudo Trabalho parcialmente realizado com auxilio do Conselho Nacional de P esquisas,

Transcript of ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf ·...

Page 1: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRARECIFE - JOAO PESSOA (*)

Por

KARL BEURLEN

Escola de Geologia, Universidade Federal de Pernambuco

A new concept on the stratigraphy of the Recife - Joao Pessoasedimentary coastal area has been proposed and discussed. One candistinguish the following sequence (from ancient to recent): 1) theCrystalline Basement; 2) the continental Beberibe Formation - San­tonian-Campanian; 3) the littoral and shallow marine Gramame For­mation - Maestrichtian; 4) the regressive Maria Farinha Formation- Paleocene; 5) the continental Barreiras Group - Cenozoic, subdi­vided into four formations; 6) the White Sand Series and the Recentfluvial and coastal deposits.

E geralmente conhecido, desde 0 seculo passado, que seestende uma sequencia de formacoes sedimentares ao longoda faixa costeira de Pernambuco e da Paraiba. Hartt (1870,White (1887) e Branner (1902) assinalaram a ocorrencia dedepositos cretacicos e terciarios, Posteriormente, Maury(1924,1930) apresentou uma descricao de todas as especies defosseis, ate entao conhecidas, das respectivas formacoes, Con­firmou que exists uma associacao fossilifera, aparentementepaleocencia, atribuindo-a as chamadas camadas de Maria Fa­rinha, enquanto a maioria dos fosseis descritos fossem deidade cretacica, E. de Oliveira (1940) introduziu as denomi­nagoes de "Formacao Gramame" e de "Formacao Maria Fa­rinha" para os complexos cretacico e paleocenico, respectiva­mente. A. 1. de Oliveira & Leonardos (1943) usaram 0 ter­mo de "Grupo Paraiba" para as camadas cretacicas e manti­veram a denominacao de Formacao Maria Farinha. Mas tudo

(~,) Trabalho parcialmente realizado com auxilio do Conselho Nacional deP esquisas,

Page 2: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

44 BOL. soc. BRAS. GEOL., V. 16, N o 1, 1967

isso era baseado somente em conclusoes, deduzidas das deter­minacoes paleontologicas,

Duarte (1949) descobriu, em analises quirrncas executa­das em amostras procedentes da regiao de Olinda e Paulista,a ocorrencia de urn teor consideravel de fosfato. Este fato esti­mulou levantamento geologicos e estudos estratigraficos maissistematicos, efetuados durante os anos 1950 a 1955 por Kegel,P. E. de Oliveira e Ramos. Foram descobertas por F. M. Vas­concelos, no sul da ilha de Itamaraca, algumas camadas are­niticas, fossiliferas, na lapa da Formacao Gramame. Apro­veitando esta observacao, os perfis de diversas condagens e 0

proprio levantamento, Kegel (1955) distinguiu dentro do Gru­po Paraiba as duas Formacoes Itamaraca e Gramame, que cor­relacionou com os horizontes de Roudairia e de Bphenodsscu«,respectivamente, da monografia de Maury. A Formacao Ma­ria Farinha foi mantida no sentido original. No mapeamentogeologico da faixa costeira (folhas de Recife e de Pontas dePedra) Oliveira & Ramos (1956) aceitaram as propostas deKegel, e em seguida, este esquema estratigraf'ico foi geralmen­te adotado.

Quem viaja pela faixa Iitoransa de Pernambuco e Paraiba(fig. 1A), observa quase nada disso. Devido as condicoesclimaticas ha uma capa vegetal muito intensa e ininterrupta.Nos cortes das estradas e dos rios e riachos afloram quaseexclusivamente areias, mais ou menos argilosas, variegadas,ocasionalmente conglomeraticas, muito monotonas. Muito ra­ramente aparece urna ou outra pedreira, na qual e exploradoum calcario, - na lapa das areias argilosas -, por urn fornode cal ou urna fabrica de cimento. Parece, assim, que a se­qiiencia destas diversas formacoes (Itamaraca, Gramame, Ma­ria Rarinha) em geral niio seja exposta, mas coberta por umacapa mais ou menos continua da formacao areno-argilosa, naoconsolidada, conhecida como "Barreiras". Desta maneira, ob­servamos nas folhas geologicas de Recife e de Pontas de Pe­dra (Oliveira & Ramos 1956) marcada uma serie continua de"Barreiras", interrompida apenas localmente por pequenasmanchas isoladas de Gramame ou Maria Farinha.

Page 3: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

BEURLEN - ESTRATIGRAFIA RECIFE-JOAO PESSOA 45

~~

~~ ..~~F o rmo~oo

Bebe, ibe 0

D

0

0 0

Q.

Fo , mo~oo 0

GromomeQ.

"'"•

F o r moco o

M.!! F o.i n h o

~

G ru p o

Bc r re i ros

CI]S e d im en lo s

Re ce ntes

Embosoment o

C , isto lin o

s

oZ

<I

w

oo

oo

rO5

30'

...Z

.<1...J...<I

o K." 10~

•Al ho nd r a

C a b o

JOAO PESSOA Branca

W

Q.

oo::>m

F ig . 1 - A : T opogra fi a da fa ix a sedimentar costeira R eclf e-J' oao P essoa;B : E s boco da geologia , om itl ndo as oco rrencias d as arr eias bra nca s.

A primeira surpresa surgiu com a descoberta de uma ca­mada fossilifera, dentro destas areias argilosas, de idadecretacica, por Kegel, perto da cidade do Recife no vale dorio Beberibe; esta camada foi incluido por Kegel (1958) na

Page 4: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

46 BaL. soc. BRAS. GEOL., V. 16, NQ 1, 1967

Formacao Itamaraca como "Membro Beberibe". Verificou-se,simultaneamente, pelas sondagens, que a formacao areniticaItamaraca, na lapa da Formacao Gramame, atinge uma espes­sura consideravel de mais de 200 m. Finalmente, Kegel (1955)observou que dentro do capeamento geral de "Barreiras", hamuito mais ocorrencias deste arenito cretacico, do que se pen­sou originalmente; pelo intemperismo 0 arenito pode ser mui­to semelhante aos depositos de Barreiras. E exatamente istoque podemos confirmar.

Iniciamos este ano (1966) um mapeamento geologico, de­talhado, de toda faixa costeira entre as cidades de Recife eJ oao Pessoa. Discordantemente sabre 0 embasamento crista­lino, repousa a sequencia sedimentar que mergulha muito sua­vemente para leste, de modo que as camadas mais inf'erioresafloram na borda ocidental da faixa sedimentar e se seguemas superiores para a costa (fig. 1B).

A sequencia inicia-se por urn espesso pacote de arenitosmonotones, em geral estereis, de granulacao variavel e comcimento argiloso ou ferruginoso, geralmente friaveis, A es­pessura atingo mais de 300 m, Predomina uma facies fluvial;ocasionalmente intercalam-se camadas de facies estuarina eraramente mesmo camadas de facies lagunar (bancos fossili­feros de Beberibe). Esta formacao arenitica aflora em grandeextensao ; da regiao de Abreu e Lima (mun. de Paulista) atea regiao do vale do rio Gramame, quase todos os extensos pla­naltos, sabre os quais vai a estrada central Recife-i-Joao Pes­soa (BR-101) a ao W desta central, representam verdadeiraschapadas desta formacao, nas quais 0 arenito aflora direta­mente, superficialmente intemperizado, ou coberto por umafina capa (1 a 2 m ) de areias brancas, A superficie intem­perizada pode simular 0 aspeeto de Barreiras, que, alias, faltacompletamente na superf'icie das chapadas e ocorre somente nasencostas dos vales que cortam as chapadas, Preferimos, porisso, de chamar estes planaltos de "chapadas", em vez de"tabuleiros", porque 0 termo "tabuleiro" de acordo com 0

costume da Petrobras, e usado apenas para os planaltos cons­tituidos pelos depositos das Barreiras. Estes tabuleiros ocor-

Page 5: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

BEURLEN - ESTRATIGRAFIA RECIFE-JOli.O PESSOA 47

rem, em maior oxtensao, somente ao leste da estrada cen­tral ao longo da propria costa.

Todo este espesso pacote de arenitos, principalmentefluviais, foi enquadrado por Kegel (1955) na Formacao Ita­maraca, cujo afloramento tipico se encontra na borda domangue, ao extremo sul da ilha de Itamaraca, Trata-se deum arenito muito calcifero, com um teor de calcario de maisde 50%, muito fossilifero com uma associaeao marinha demoluscos, de pequena espessura de poucos metros, passandopara cima para 0 calcario Gramame. 0 mesmo arenito cal­cifero, de tipo lurnachela, aflora no vale do rio Goiana e pas­sa, mais ao norte, na regiao de Alhandra (Paraiba) e no valedo rio Gramame, para urn calcario detritico, conchifero, comurn componente arenoso relativamente fraco, ate quase nulo.Aparece sempre na mesma posicao estratigrafica, constituin­do a base do calcario Gramame. Na regiao de Alhandra e dorio Gramame, os perfis mais completos mostram que 0 ho­rizonte de lumachela repousa na capa do arenito inferior, naocalcifero, fluvial. Ao sul da ilha de Itamaraca, na regiaode Igaracu, Paulista e Olinda, 0 horizonte conchifero na lapado calcario Gramame, e substituido pelo arenito calcario,friavel, com consideravel teor em fosfato.

E aparentemente este horizonte lumachela-fosfato, queapresenta uma facies pronunciadamente litoranea, pelo qualse inicia a transgressao marinha da Formacao Gramame.Esta facies sendo marinha, possuindo urn grande teor de cal­carlo, pertence assim litologica e palecgeograf'lcamenta aocalcario Gramame, dqstacando-se por este comportamentotipicamente do espesso pacote do arenito inferior, nao cal­cifero, continental.

Devido a esta situacao, achamos conveniente de modi­ficar 0 esquema estratigraf'ico, proposto por Kegel (1955),destacando como formacao autonoma a espessa serie dosarenitos inferiores, enquanto 0 horizonte lurnachela de Olin­da-i-Itamaraca-c-Alhandra deve ser reunido com 0 calcarioGramame, como uma facies de transgressao de pouca espes­sura. Como na localidade titpica da "Formacao" Itamaraca

Page 6: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

48 BOL . SOC. BRAS . GEOL ., V. 16, N Q I, 1967

e por toda a ilha de Itamaraca, 0 arenite inferior nao aflora,o nome de "Formagao Itamaraca" nao pode ser mantido paradesignar a formacao do arenito inferior. Denominamos estaformacao de Formacao Beberibe, aproveitando 0 nome de"Membro Beberibe" que faz parte desta formacao. Tam­bern no vale deste rio afloram, em grande extensao, os areni­tos continentais. Assim, 0 nome de "Formacao Itamaraca"deve ser eliminado, tratando-se nas camadas de Itamaracaapenas de uma facies local, mais arenosa, do horizonte trans­gressiva da Formacao Gramame.

Esta redef'inicao das formacoes cretacicas correspondebem a posicao estratigrafica (tabela I); 0 conteudo fossil,- macro e microfosseis -, documenta uma idade maestri­chtiana para 0 horizonte conchifero de transgressao (faciesIitoranea) , como tambem para 0 proprio calcario Gramame,enquanto 0 arenito Beberibe e de idade santoniana-campania­na, como mostrou a associacao fossil do banco fossilifero deBeberibe.

A transicao da Formacao Beberibe para a facies detransgressao da Formacao Gramame e continua, mas no per­fil exposto, em geral, bem marcada. Porem, nas camadasda Formacao Beberibe, principalmente nas superiores, podeocorrer uma interdigitacao do arenite Beberibe com a cal­carenito Gramame, 0 que indica movimentos oscilatorios dacosta durante a transgressao, que era aparentemente um pro­cesso relativamente rapido,

As formacoes cretacicas constituem uma faixa continuaentre Recife e Joao Pessoa, e mais para 0 norte ate 0 RioGrande do Norte; observam-se ligeiras modificacoes facio­logic as nesta formacao ao norte de J oao Pessoa.

o capeamento da Formacao Gramame pela FormacaoMaria Farinha (Paleoceno) fica restrito a uma faixa estrei­ta Iitoranea da area entre Recife e 0 vale do rio Goiana,por exemplo bem exposto na pedreira da fabrica de cimen­to Poty (mun. de Paulista) e na Ponta do Funil, ao suI dePontas de Pedra (fig. 2). Isto reflete uma regressao nofim do Maestrichtiano e uma extensao muito reduzida do

Page 7: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

BEURLEN - ESTRATIGRAFIA RECIFE-JOAO PESSOA 49

-t

All •

Fig. 2 - Perfil de Ponta do Funil, mostrando, em baixo, os ca lcarios da Fo rrnacaoGramame e, em cima, os calcartos detriticos da Formacao Maria Farinha.

mar. A facies e pronunciadamente Iitoranea, caracterizada,na parte inferior da formacao, por calcarios detriticos, bempuros, mais ou menos recristalizados, e na parte superior,pela alternancia de calcarios detriticos puros, calcarios ar­gilosos e margosos e argilas. Os calcarios da parte inferiorocorrem por toda a faixa Iitoranea entre Recife e 0 valedo rio Goiana, enquanto a parte superior da formacao ficarestrita a regiao de Ollnda-c-Paulista-i-Igaracu.

Page 8: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

50

-=,,'" .... _ ,rS B G - BIBLIOTECA .

BOL. SOC. BRAS. GEOL., V. 16, N. 1, 1967

Muitos importante na geologia da faixa costeira sao osdepositos nao consolidados, muitos monotonos, que capeiamora 0 emabasamento, ora a Formacao Beberibe, ora a For­macae Gramame, ora a Formacao Maria Farinha, e que nor­malmente sao reunidos sob 0 termo geral de "Barreiras",Bigarella & Andrade (1964) foram os primeiros que inicia­ram estudos sistematicos deste complexo muito mencionado,mas nunca estudando. Verificaram nas vizinhancas da cida­de do Recife, que urna discordancia de erosao separa umaformacao superior, mais recente - a Formacao Riacho Mor­no -, de uma formacao inferior - a Formacao Guarara­pes - . Litologicamente e bastante dif'icil de distinguir asduas formacoes, depositadas sob condicoes mais ou menosiguais. A Formacao Guararapes foi correlacionada com aserie da Serra dos Martins, por motives gecmorfologicos(Mabessone 1966); foi suposto urn consideravel hiato entreas duas f'ormacoes, atribuindo-se a Formacao Guararapes aoTerciario medio e a Formacao Riacho Morno ao Plio-Pleis­toceno.

Como todos os depositos do Grupo Barreiras apresentamcarater continental, uma discordancia de erosao observadaso em urn afloramento podreia ser um f'enomeno local semmaior importancia. Mas as observacoes feitas no levanta­mento geologico da chapada de Apodi, no ano de 1965, con­firmaram a existencia de urn muito grande hiato entre asformacdss Guararapes, representada na chapada de Apodipela Formacao Mossoro no topo da Serra de Mossoro em ni­vel bern alto, remanescente de urn aplanamento anterior, eRiacho Morno, que capeia na faixa litoranea 0 proprio apla­namento da chapada em nivel muito mais baixo (Beurlen,no prelo). Podemos confirmar, assim, a separacao das duasformag6es do Grupo Barreiras, propostas por Bigarella &Andrade (1964).

A Formacao Guararapes ocorre em pequena extensao.:It muito bem desenvolvida na baixada constituida pelos bai­xos rios Jaboatao e Capibaribe nos arredores da cidade doRecife (fig. 3). Reaparece nas encostas do vale do rio Goia-

Page 9: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

BEURLEN - ESTRATIGRAFIA RECIFE-JOAO PESSOA 5 1

Fig . 3 - Afl oramen to na F'orm acao Guarara pes , Dois trmaos (Recife) .

na, mas falta quase por toda a area entre os vales dos riosCapibaribe e Goiana. Aparentemente a Formacao Guarara­pes foi depositada apenas como preenchimento destes gran­des vales, escavados em tempos pre-Guararapes. Mais umaocorrencia isolada conhecemos no qabo Branco, perto deJoao Pessoa; trata-se posslvelmente de uma reliquia de urnvale do baixo pre-Paraiba, 'I'ambem no vale do rio Papocasencontra-se no fundo uma pequena reliquia desta formacao, in­dicando que tambem este vale ja foi escavado no periodo pre­-Guararapes.

A Formacao Riacho Morno ocorre em extensao muitomaior. Nos vales dos rios Goiana e Papocas, como tambem noCabo Branco, as reliquias da Formacao Guararapes sao capea­das discordantemente, nas encostas dosvales, pelos depositosda Formacao Riacho Morno. No hiato entre as duas forma­~6es, estes vales foram novamente escavados e depois preen­chidos pela Formacao Riacho Morno. Iste, aparentemente, nfioaconteceu na baixada dos baixos J abotao e Capibaribe, poisaqui a Formacao Guararapes ficou conservada em grande ex­tensao, enquanto faltam depositos da formacao mais jovem.

Page 10: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

52 BOL. SOC. BRAS. GEOL" V. 16, No 1, 1967

Os numerosos vales dos rios Paratibe, Igaracu, Botafogo,Itapirema, Massaranduba, Cupissura, Gramame, etc., quecortam as chapadas da Formacao Beberibe, apresentam nasencostas depositos da Formacao Riacho Morno, mas nuncaobservamos reliquias da Formacao Guararapes. Aparente­mente estes vales foram escavados somente durante 0 hiatoentre as formacoes Guararapes e Riacho Morno nos tem­pos pos-Guararapes e depois preenehidos pelos depositos daFormacao Riacho Morno.

Finalmente, em uma estreita faixa ao longo do litoral, deOlinda ate Cabo Branco, ocorre uma zona continua, cortadaso pelos vales, de tabuleiros constituidos pela Formacao Ria­cho Morno. Os materiais desta formacao, transportados pelosvales, foram depositados ao longo da costa, formando umaplaniciecosteira; finalmente tambem os proprios vales forampreenchidos.

Parece que 0 Cabo Branco e a ocorrencia mais setentrionalda Formacao Guararapes, enquanto a Formacao Riacho Mor­no continua pela Paraiba ate 0 Rio Grande do Norte na faixacosteira. Na regiao de Natal, Silva (nesta publicacao) dis­tinguiu mais duas formacoes, Macaiba e Potengi, na capa daFormacao Riacho Morno. Pequenas ocorrencias destas for­macoes mais recentes do Grupo Barreiras foram observadaspor nos na regiao de Alhandra, Pitimbu e Pontas de Pedra,onde e 0 ponto mais meridional, pelo menos da FormacaoMacaiba,

Quanto as formacoes aluvionais e holocenicas, menciona­mos as areias de praia, as dunas, os depositos dos mangues, osaluvifies que acompanham 0 fundo dos vales dos rios. 'Estesultimos sao constituidos pelos materiais redepositados das di­versas formacoes: destacamos a ocorrencia local de algunsterraces fluviais nos vales dos rios Capibaribe e Goiana. Apon­tamos tambem as Areias Brancas que capeiam em grandeextensao as superficies das chapadas da Formacao Beberibee os tabuleiros da Formacao Riacho Morno, e que documentamuma antiga capa intemperizada, intensamente lixiviada, emuitas vezes de uma certa maneira redepositada,

Page 11: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

BEURLEN - ESTRATIGRAFIA RECIFE-JOAO PESSOA 53

A tabela I reune os dados ate agora obtidos de uma ma­neira resumida.

REFERENCIAS

BEURLEN, K. - (no prelo) - Geologia da chapada de Apodi ­Colecao Mossoroense.

- 1967 Paleontologia da [aiza costeira Recije-s-Joiio Pessoa, BoI. Soc.Bras. GeoI. V. 16, n° I, pp. 71-77.

BIGARELLA, J. J. e ANDRADE, G. O. - 1964 - Consideracoes sobrea estratiqrajia dos sedimentos cenoz6icos em Pernambuco (GrupoBarreiras) - Arq. Inst. Cien, Terra, Univ. Recife, 2: 2-14.

BRANNER, J. C. - 1902 - Geology of the northeast coast of Brazil- Bull. GeoI. Soc. America, 13: 41-98.

DUARTE, P. J . - 1949 - Depositos de [osiatos na Pormaciio MariaFarinha - Anais Soc. Biol. Pernambuco, 9: 37-42.

HARTT, C. F . - 1870 - Geology and physical geography of Brazil- Boston, Fields Osgood & Co., 620 pp.

KEGEL, W 1955 - Geologia do fosfato de Pernambuco - D.N.P.M.,Div. GeoI. Min., Bot 157: 54 pp.

- 1958 - Um novo membro [ossilijero da [ormaciio Itamaraca (Cre­taceo Superior), Pernambuco - Anais Acad. Bras. Oien., 29: 373-375.

MABESOONE, J. M. 1966 - Relief Of northeastern Brazil and itscorrelated sediments - Zeitschr. Geomorph., NF 10: 419-453.

MAURY, J. C. - 1924 - F6sseis terciarios do Brasil, com descriciiode novas [ormas cretticeas - Servo Geol. Min., Monogr. 4: 665 pp.

- 1930 - 0 cretaceo da Parahyba do Norte - Servo Geot Min.,Monogr. 8: 305 pp.

OLIVEIRA, A. 1. e LEONAROOS, O. H. - 1943 - Geologia do Brasil- Min. Agricultura, Servo Inform. Agricola, 813 pp. (2' ed.).

OLIVEIRA, E. P. - 1940 - Hist6ria de pesquisa de petr61eo no Brasil- Min. da Agricultura, Publ, 15: 208 pp.

OLIVEIRA, P. E. e RAMOS, J. R. A. - 1951 - Contribuiciio a geologiado municipio de Olinda - D .N.P.M ., Div. GeoI. Min., Bot 138:23 pp.

- 1956 - Geologia das quadriculas de Recife e Pontas de Pedra ­D .N.P.M., Div. GeoI. Min., BoI. 151: 60 p.

SILVA, A. C. - 1967 - Contribuiciio a qeolajia da ioixa oriental doRio Grande do Norte - BoI. Soc. Bras. GeoI., neste mimero,

WHITE, C. A. - 1887) - Contribuicoes a paleontologia do Brasil ­Arch. Mus. Nac., Rio de Janeiro, 7: 273 pp.

Page 12: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)
Page 13: ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA (*)boletim.siteoficial.ws/pdf/1967/16_1-42-54.pdf · 2017-10-05 · ESTRATIGRAFIA DA FAIXA SEDIMENTAR COSTEIRA RECIFE - JOAO PESSOA (*)

TABELA I Coluna estratigrafica da zona costeira entre Recife e Joao Pessoa.

grupo I fonua!:Ao facies litologia paleontologta micropaJeontologia\

es pes- Isura idade

aluvioes, litoranea areias de praia, dunas,tnetc. oj recifes de arenite,

Q) mangues Holoceno-'@.... PleistocenoII fluvial aluvioes fluviais, terra-

~os

Potengi( ? ) I areias e argilas verm e-I Ilhas e laranjas

0'0

Pleisto-'C areias e argilas brancas

Q) ceno(?)Macaiba

_ ,oj ;...... , com silicificacao

,oj

rn oj ....oj ..... S 'C....'iii

~ IIIoj

~ rn areias e argilas brancas;.

.... RiachoPlio-

.... :.:l oj infiltra~iiooj Mornocom verti- <Ii P leis toceno

p:j § S cal de 6xidos de ferro~

It:J =III ( ?)

tJg.

III areias e argilas varrega-IIIP- I

Guararapes '0 das, em lentes e cama- Mioceno

I das horizontais I ( ?)

Maria calca ri acalcarras clasticos finos zona de Clmomia per-

Farinha regressiioe grosseiros, argilas nambucensls & Herco- associacao de Globigeri- 30m

Eoceno ( ? )calcarias glossa lamegoi na & Ohilloguembellna P a leoceno

- --Gramame calcaria calcarios argtlosos 0

associacao de Globotrun- S ~ol

~ litoranea arenitos calcartos, cal ca- cana contusa & G. 0 :.:l

renitos zon a de stuarti .... .s::Q)

tJ

'@ Sph enodlscus +1 'Coj

......0

.... <a rn

'@ II fosratica calcarenltos fosfatico s idem com Fallotia san- ..... III

tosae 0 ol

t;j..... ~

Il<

I Beberibe I I Ifluvial arenites medics a con-glomeraticos I S o I

rn I ~ 0oj

0 oj ~

Q) t . arenitos esbranquicados, I 0 .... oj

'@ es uarmaM ~ ....

arredondados.... ~

....

I+1 P- o

oj ~i::P-

.....oj uoj

lagunar zona de Pseudosehloen- .....siltes 0 v:

baohla I.....

Embasamento cristalino Pre­cambriano