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ESTRUTURA DE CAPITAL: BENEFÍCIOS E CONTRA-BENEFÍCIOS FISCAIS DO ENDIVIDAMENTO Autores: Alexandre Bogliolo Sirihal e Alfredo Alves de Oliveira Melo RESUMO DO TEXTO Um dos mais importantes instrumentos à disposição dos acionistas representados pelos dirigentes das empresas, na gestão dos negócios com o fim de maximizar sua riqueza, diz respeito às decisões de financiamento. Tais decisões originam a estrutura de capital das empresas, que nada mais é que a proporção dos financiamentos utilizada por cada uma das diversas fontes de fundos à disposição, em geral agrupadas nas figuras do capital de terceiros e capital próprio, dentro do capital total da empresa. A utilização de capital de terceiros, ou seja, de endividamento, através da dedutibilidade fiscal do pagamento de juros, pode representar um acréscimo de valor para os acionistas já que, na remuneração do capital total, implicará uma economia fiscal. A dedutibilidade fiscal, definida por Lei, é, no Brasil, compensada por dedutibilidades fiscais de despesas incidentes sobre o valor contábil dos capitais próprios, a saber, a correção monetária de balanço e a remuneração de juros sobre o capital próprio. Este trabalho tem por objetivo descrever os efeitos da Lei nº9.249/95 que, ao mesmo tempo, extinguiu a correção monetária de balanço e instituiu a dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio, nas decisões de financiamento das empresas brasileiras S/A de capital aberto no período de 1995 e 1996. ESTRUTURA DE CAPITAL: BENEFÍCIOS E CONTRA-BENEFÍCIOS FISCAIS DO ENDIVIDAMENTO INTRODUÇÃO Um dos principais recursos à disposição dos administradores financeiros das empresas em geral é o fluxo de caixa gerado pela operação de seus ativos. O conjunto de ativos que recebe o nome de ativo econômico, e é representado pelo lado esquerdo dos balanços contábeis, é financiado por diversos títulos e papéis, que podem dividir-se em diversos mecanismos e instrumentos financeiros. Apenas como exemplo, citamos as ações ordinárias e preferenciais, as debêntures, os warrants, os swaps, o leasing, os empréstimos e financiamentos tradicionais, derivativos, etc.. O número de combinações possíveis, sem dúvida, tende ao infinito. O termo estrutura de capital diz respeito às proporções de todos estes papéis na composição do financiamento do ativo econômico da firma. As principais teorias de estrutura de capital trabalham sobre um pilar de que toda ação da empresa é tomada com o objetivo de maximização da riqueza dos acionistas 1 . E, para fins gerenciais, a maximização da riqueza dos acionistas deve ser obtida através da maximização do valor da empresa. Nas palavras de BREALEY e MYERS (1992:398), “a política que maximiza o valor de mercado da empresa também é a melhor para os seus acionistas”. As teorias de estrutura de capital são desenvolvidas através da utilização de modelos. Estes modelos, para serem operacionalizáveis, necessitam de algumas abstrações, sendo a principal delas a redução dos títulos representativos da estrutura de capital em dois únicos e mais importantes papéis: as ações ordinárias e os títulos de dívida simples (não conversíveis em ações). Apesar de, usualmente, a distinção entre o capital próprio e o capital de terceiros ser feita a partir desta diferença entre os títulos representativos da estrutura de capital, a 1 A teoria gerencialista da firma introduziu uma variável ao estudo da estrutura de capital conhecida como conflitos de agência (agency costs).

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ESTRUTURA DE CAPITAL: BENEFÍCIOS E CONTRA-BENEFÍCIOS FISCAIS DO ENDIVIDAMENTO Autores: Alexandre Bogliolo Sirihal e Alfredo Alves de Oliveira Melo RESUMO DO TEXTO

Um dos mais importantes instrumentos à disposição dos acionistas representados pelos dirigentes das empresas, na gestão dos negócios com o fim de maximizar sua riqueza, diz respeito às decisões de financiamento. Tais decisões originam a estrutura de capital das empresas, que nada mais é que a proporção dos financiamentos utilizada por cada uma das diversas fontes de fundos à disposição, em geral agrupadas nas figuras do capital de terceiros e capital próprio, dentro do capital total da empresa. A utilização de capital de terceiros, ou seja, de endividamento, através da dedutibilidade fiscal do pagamento de juros, pode representar um acréscimo de valor para os acionistas já que, na remuneração do capital total, implicará uma economia fiscal. A dedutibilidade fiscal, definida por Lei, é, no Brasil, compensada por dedutibilidades fiscais de despesas incidentes sobre o valor contábil dos capitais próprios, a saber, a correção monetária de balanço e a remuneração de juros sobre o capital próprio. Este trabalho tem por objetivo descrever os efeitos da Lei nº9.249/95 que, ao mesmo tempo, extinguiu a correção monetária de balanço e instituiu a dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio, nas decisões de financiamento das empresas brasileiras S/A de capital aberto no período de 1995 e 1996. ESTRUTURA DE CAPITAL: BENEFÍCIOS E CONTRA-BENEFÍCIOS FISCAIS DO ENDIVIDAMENTO INTRODUÇÃO

Um dos principais recursos à disposição dos administradores financeiros das empresas em geral é o fluxo de caixa gerado pela operação de seus ativos. O conjunto de ativos que recebe o nome de ativo econômico, e é representado pelo lado esquerdo dos balanços contábeis, é financiado por diversos títulos e papéis, que podem dividir-se em diversos mecanismos e instrumentos financeiros. Apenas como exemplo, citamos as ações ordinárias e preferenciais, as debêntures, os warrants, os swaps, o leasing, os empréstimos e financiamentos tradicionais, derivativos, etc.. O número de combinações possíveis, sem dúvida, tende ao infinito. O termo estrutura de capital diz respeito às proporções de todos estes papéis na composição do financiamento do ativo econômico da firma.

As principais teorias de estrutura de capital trabalham sobre um pilar de que toda ação da empresa é tomada com o objetivo de maximização da riqueza dos acionistas1. E, para fins gerenciais, a maximização da riqueza dos acionistas deve ser obtida através da maximização do valor da empresa. Nas palavras de BREALEY e MYERS (1992:398), “a política que maximiza o valor de mercado da empresa também é a melhor para os seus acionistas”.

As teorias de estrutura de capital são desenvolvidas através da utilização de modelos. Estes modelos, para serem operacionalizáveis, necessitam de algumas abstrações, sendo a principal delas a redução dos títulos representativos da estrutura de capital em dois únicos e mais importantes papéis: as ações ordinárias e os títulos de dívida simples (não conversíveis em ações). Apesar de, usualmente, a distinção entre o capital próprio e o capital de terceiros ser feita a partir desta diferença entre os títulos representativos da estrutura de capital, a 1 A teoria gerencialista da firma introduziu uma variável ao estudo da estrutura de capital conhecida como conflitos de agência (agency costs).

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abstração, na verdade, visa absorver as principais distinções práticas percebidas nas fontes de financiamento: o comportamento dos fluxos de caixa de cada tipo de financiamento. As distinções mencionadas podem ser resumidas na figura seguinte:

FIGURA 1 – Capital de terceiros X capital próprio

TÍTULOS DE DÍVIDA

• Fluxos de caixa fixos• Geralmente são dedutíveis

fiscalmente• Alta prioridade em caso de

dificuldades financeiras• Prazo de vencimento fixo• Não oferecem controle

gerencial

AÇÕES ORDINÁRIAS

• Fluxos de caixa residuais• Geralmente não dedutíveis

fiscalmente• Baixa prioridade em caso de

dificuldades financeiras• Prazo de vencimento infinito• Oferecem controle gerencial

CAPITAIS DETERCEIROS

CAPITAISPRÓPRIOS

Títulos Híbridos

Fonte: Adaptação de DAMODARAN, A. (1997: 391)

Adicionalmente, as teorias de estrutura de capital utilizam-se de uma série de pressupostos2, substancialmente derivados da teoria econômica da concorrência perfeita, a saber: existe um mercado de capitais perfeito, em que todos os investidores possuem a mesma

informação (a custo zero), são todos price-takers (nenhum investidor isoladamente consegue manipular preços por suas ações no mercado), e não existem custos de transação (corretagens, margens de garantia, taxas, etc.);

os investidores sempre agem racionalmente, no sentido de que sempre visam maximizar sua riqueza;

os investidores possuem expectativas homogêneas a respeito dos lucros futuros das firmas. A média E(x) e variância σ2

(x) dos valores dos lucros das empresas são índices dessas expectativas;

não se espera que os lucros tenham crescimento ao longo do tempo. Além disto, as empresas adotam política de reposição de ativos fixos, o que significa que periodicamente novos ativos fixos são adquiridos, exatamente no valor dos antigos depreciados, mantendo sempre constante o valor do ativo fixo e anulando a retenção de caixa gerada pela depreciação. Pressupõe-se que os lucros serão fluxos de caixa constantes e perpétuos;

as empresas distribuem todos os seus lucros na forma de dividendos, não havendo retenção de lucros. Este pressuposto é necessário para isolar os efeitos da política de dividendos dos efeitos da estrutura de capital.

A notação abaixo será utilizada para todo o desenvolvimento deste trabalho: E = valor de mercado das dívidas da empresa (debt)

PL = valor de mercado do capital dos acionistas (equity) VM = valor de mercado da empresa

LBO = lucro bruto operacional esperado (ou resultado antes de juros e imposto de renda = LAJIR) i = taxa de juros do mercado (aplicável para as dívidas da empresa)

IE = juros pagos aos credores = fluxo de caixa dos credores LL = lucro líquido da empresa = fluxo de caixa dos acionistas

Utilizando esta notação, tem-se que:

PLEVM += , ................................................................................................................................ (1) iELBOLL −= ou iELLLBO += . ......................................................................................... (2)

Como se vê, são três os fluxos representados acima: o fluxo total da empresa (LBO), o

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2 Estes pressupostos estão resumidos por KOUTSOYANNIS (1982).

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fluxo dos credores (iE) e o fluxo disponível para os acionistas (LL). Assume-se que valor de mercado das dívidas da empresa é igual ao fluxo de caixa dos credores descontados a uma taxa de desconto ki.

ikiEE = , quando i . ................................................................................................................... (3) ik=

Da mesma forma para os acionistas,

ee kiELBO

kLLPL −

== , ................................................................................................................. (4)

onde ke é a taxa de desconto aplicada pelos acionistas para estimar o valor presente de seus fluxos de caixa. O modelo usualmente utilizado para estimar-se o valor de ke é o CAPM – Capital Asset Pricing Model, ou modelo de precificação de ativos financeiros. Ele foi desenvolvido inicialmente por Jack Treynor, William Sharpe e John Lintner3, e diz que o retorno esperado de um título é proporcional ao seu beta, ou seja, o retorno esperado de um título, ke, é igual a rf + β (rm - rf). O coeficiente β (beta), conceitualmente, é uma medida estatística da sensibilidade histórica do preço de uma ação às flutuações do mercado. Por definição, é a covariância padronizada entre o retorno do título e o retorno do mercado, ou seja, é a medida da contribuição do título para o risco de uma carteira plenamente diversificada. A taxa rm refere-se à rentabilidade desta carteira plenamente diversificada, e a taxa rf refere-se à rentabilidade de um título sem risco (risk free rate).

Finalmente, tem-se

oei kLBO

kiELBO

kiEPLEVM =

−+=+= , ................................................................................ (5)

para ko igual à taxa média ponderada de capital4, que pode ser calculada pela equação:

( ) VMPLk

VMEk

PLEPLk

PLEEkk eieio +=

++

+=

)(. .................................................. (6)

Se se resolver esta equação para ke, tem-se:

( )PLEkkkk iooe −+= . .............................................................................................. (7)

A equação (7) demonstra que ke é superior a ko pelo produto (ko – ki)E/PL. Dado que ko reflete o risco total de uma empresa sem dívidas, o segundo termo da equação, E/PL (ko-ki), é o prêmio de risco provocado pelo endividamento. As teorias de estrutura de capital buscam entender o que acontece com as três taxas de desconto (ko, ki e ke), quando o grau de endividamento é alterado (modificando-se a estrutura de capital – E/PL).

TEORIAS DE ESTRUTURA DE CAPITAL

As duas principais correntes acerca da estrutura de capital das empresas são, primeiro,

a derivada da visão tradicional, em que a estrutura ótima de capital existe e é um balanço dos custos e benefícios do endividamento; e a corrente de MODIGLIANNI e MILLER, que apregoa a irrelevância da estrutura de capital no cômputo do valor da empresa. As teorias derivadas, que explicam a determinação da estrutura de capital através de preferências comportamentais, e não de otimização de valor, não chegam a se posicionar quanto ao centro

3 Conforme citado por BREALEY & MYERS (1992) veja SHARPE, W. “Capital Asset Prices: A Theory of Market Equilibrium Under Conditions of Risk.” In: Journal of Finance (Setembro/1964); LINTNER, J. “The Valuation of Risk Assets and the Selection of Risk Investments in Stock Portfolios and Capital Budgets” In: Review of Economic and Statistics (Fevereiro/65). O artigo de Treynor não foi publicado.

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4 Do inglês WACC – weighted average cost of capital. Nesta equação, não se considera o efeito dos impostos. Se estes fossem considerados, como se verá adiante, kwacc ≠ ko.

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do problema. A teoria tradicional apresenta várias versões (KOUTSOYANNIS, 1982), porém todas

elas têm em comum a característica de postularem que há uma estrutura de capital que maximiza o valor da empresa, definida pelo momento em que o custo médio ponderado de capital ko) é mínimo. Esta proposta pode ser representada pela figura abaixo: (

FIGURA 2 – A abordagem tradicional

E/PL

Cus

to d

os C

apita

isP0

ke

ko

ki

A estrutura ótima de capital é alcançada em função do fato de que até um determinado

limite o endividamento propiciaria ganho de valor para as empresas e, após este limite, a situação se inverteria. As causas destes ganhos e perdas associados ao endividamento, verificadas através de inúmeros estudos, podem ser resumidas através da seguinte figura:

FIGURA 3 – O trade-off entre dívidas e capitais próprios VANTAGENS DO

ENDIVIDAMENTODESVANTAGENS DO

ENDIVIDAMENTO

BENEFÍCIO FISCAL CUSTOS DE BANCARROTA

As despesas de juros são fiscalmentededutíveis. Quanto maior a taxa de impostos,maior o benefício.

Quanto maior o endividamento, maior o fluxode juros a pagar, maior o risco financeiro,maior o custo das dívidas.

1 1

DISCIPLINA CUSTOS DE AGÊNCIA

Quanto maior a separação entre gerentes eacionistas, maior o benefício doendividamento.

Custos de monitoramento e custos deoportunidade por causa de cláusulasrestritivas.

2 2

Modigliani e Miller, por outro lado, através dos mecanismos de arbitragem aplicáveis

aos mercados de capitais “perfeitos” em condições de competição atomística, apregoaram a irrelevância da estrutura de capital na determinação do valor da empresa, sendo esta função exclusiva da carteira de investimentos. Mas, em uma versão revisada de seu modelo proposto, Modigliani e Miller reconheceram que o resultado para o acionista independe da estrutura de capital, exceto pela economia fiscal provocada pelo endividamento, já que as despesas com juros reduzem o imposto de renda a pagar das empresas. De acordo com os modelos original e revisado de MM, o comportamento das taxas de desconto do custo dos capitais em função da estrutura de capital adotada seria o seguinte:

FIGURA 4 – A Abordagem de Modigliani e Miller MM (1958)

E/PL

Cus

to d

os C

apita

is ke

wacc

ki

MM (1963)

E/PL

Cus

to d

os C

apita

is

ke

waccki

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Assim, embora proponham idéias antagônicas a respeito da relevância da estrutura de capital na determinação de valor das empresas, ambas as teorias, e todas as derivações e complementos a elas efetuados, demonstram claramente a existência da figura do benefício fiscal do endividamento.O principal benefício que o endividamento proporciona para as empresas é a economia fiscal decorrente da dedutibilidade das despesas de juros no cálculo do lucro tributável. Ele equivale ao valor presente das economias fiscais proporcionadas pelos pagamentos de juros futuros. Tomando-se o fluxo de pagamento futuro de juros como uma perpetuidade, considerando-se que a taxa de desconto aplicável a estes fluxos é o próprio custo das dívidas, ou seja, a taxa de juros, e pressupondo-se que as alíquotas marginais de impostos não se alterem ao longo do tempo, podemos descrever o valor presente através da seguinte equação:

PVtiEi

tEEF = = , ....................................................................................................... (8)

onde PVEF é o valor presente das economias fiscais. Como se vê, “other things remainig equal, the benefits of debt are much greater when

tax rates are higher”5 (DAMODARAN, 1997:448). Conseqüentemente, é de se esperar que quanto maior sejam as alíquotas de impostos a que estão sujeitas as empresas, maior a porção de dívidas em sua estrutura de capital. LEGISLAÇÃO FISCAL BRASILEIRA

O benefício fiscal do endividamento, como se demonstrou, está condicionado à dimensão das alíquotas fiscais vigentes. Especificamente no Brasil, é interessante notar a publicação da Lei nº9.249/95, que provocou alterações significativas na base de cálculo e nas alíquotas do imposto de renda, conforme demonstrado no quadro a seguir: QUADRO 1 – Resumo das alterações provocadas pela Lei nº 9.249/95

Itens

Período imediatamente anterior à Lei nº 9.249/95

Período imediatamente posterior à Lei nº 9.249/95

Correção Monetária de Balanço (CMB)

As contas permanentes do ativo e do passivo devem ser controladas paralelamente à contabilidade em UFIR . A diferença entre os valores em UFIR convertidos para reais pela UFIR de fechamento dos balanços, para aqueles registrados em reais, deverá ser registrada como acréscimo às contas patrimoniais com contrapartida no resultado tributável, na rubrica de CMB.

Não existe mais correção monetária de balanço.

1994 1995 1996 1997 Alíquotas de IRPJ e CSSL6

IRPJ – 25,00% Adicional – 15,00%

CSSL – 10,00%

IRPJ – 25,00% Adicional – 18,00%

CSSL – 10,00%

IRPJ – 15,00% Adicional –10,00%

CSSL – 08,00%

IRPJ – 15,00% Adicional – 10,00%

CSSL – 08,00% Juros sobre o capital próprio

Não existe esta figura

A pessoa jurídica poderá7 deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.

5 “... com outras variáveis permanecendo constantes, os benefícios do endividamento são muito maiores quando as alíquotas de impostos são maiores” (Tradução dos autores). 6 As alíquotas para instituições financeiras são diferenciadas, por legislação específica.

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7 Há que se enfatizar o verbo poderá: o dirigente da empresa poderá não efetuar o pagamento dos juros. Neste sentido, estará o dirigente utilizando este instrumento da mesma forma que pode utilizar a política de dividendos da empresa, optando por retenção de fluxos de caixa em tesouraria da empresa.

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As três medidas têm reflexos na análise da estrutura de capital para o cenário brasileiro, à medida que: 1. A CMB ativa é um resultado tributável, ao passo que a CMB passiva é uma despesa

dedutível. A CMB passiva é decorrente do ajuste que se faz sobre os valores de patrimônio líquido. Neste sentido, quanto maior é o patrimônio líquido na composição da estrutura de capital da empresa, maior é o valor da despesa dedutível8, ou seja, há um benefício fiscal oriundo do baixo endividamento, que vai contra o benefício fiscal do endividamento. A magnitude do efeito da CMB combinado com o efeito do endividamento vai depender da magnitude das taxas da UFIR em relação ao valor de kE.

2. A redução de alíquotas, mantendo-se todas as demais variáveis constantes, significa uma redução do benefício fiscal proveniente do endividamento, já que este é dado pela expressão tE.

3. A dedutibilidade da remuneração dos juros sobre o capital próprio9 cria um novo benefício fiscal para o não endividamento à medida que, quanto maior o patrimônio líquido contábil da empresa, maior é o valor exposto à remuneração conferida pela TJLP. A magnitude do efeito da TJLP combinado com o efeito do endividamento vai depender da magnitude das taxas da própria TJLP em relação ao valor de ke.

INCORPORAÇÃO DOS CONTRA-BENEFÍCIOS DO ENDIVIDAMENTO AO MODELO

Se se aplicar a legislação da CMB10 a uma demonstração de resultados de empresas hipotéticas, uma alavancada, a outra não, encontrar-se-ão os seguintes resultados: QUADRO 2 – Demonstração do benefício fiscal da CMB

Demonstração do Fluxo de Caixa Empresa sem dívidas Empresa com dívidas Lucro antes de juros e impostos LBO LBO Juros - iE Correção monetária de balanço C MB CMB Lucro antes dos impostos LBO + CMB LBO – iE + CMB Impostos corporativos t% t% Lucro líquido (LBO + CMB) (1 – t) (LBO – iE + CMB) (1-t) Fluxo total de caixa para acionistas e credores (LBO + CMB) (1 – t) – CMB (LBO – iE + CMB) (1 – t) + iE – CMB

Ou, simplesmente, LBO (1 – t) + tCMB LBO (1 – t) + tiE + tCMB

Demonstra-se, acima, que o fluxo de caixa das empresas, considerando-se a existência

da CMB, adquire um novo componente de benefício fiscal, que é a tCMB. Acontece, no entanto, que tCMB não possui o mesmo sinal para empresas sem dívidas e empresas endividadas. como iremos demonstrar a seguir. Sejam duas empresas Unlever e Lever, uma totalmente sem dívidas e uma totalmente endividada. Graficamente, sua estrutura patrimonial poderia ser representada da seguinte forma:

8 Não se pode esquecer que esta despesa não representa em si fluxo de caixa, sendo meramente ajuste contábil. 9 A remuneração dos JSCP é paga diretamente aos acionistas; neste sentido, faz parte do fluxo de caixa dos acionistas assim como o lucro líquido da empresa.

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10 Não se considerou aqui os possíveis efeitos de se aplicar o mecanismo de correção monetária integral em função do fato de que a incidência de impostos é efetuada com base nas demonstrações contábeis pela legislação societária.

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FIGURA 5 – Estrutura gráfica de empresas

AC=

AtivosCorrentes

AP=

AtivosPermanentes

PL

UnleverAC=

AtivosCorrentes

AP=

AtivosPermanentes

E

Lever

Do texto do Decreto 332/91, verificamos que a CMB é resultante, considerando-se

apenas os ativos relevantes de uma empresa (aqui estamos desprezando os efeitos das aplicações em ouro, mútuos, adiantamentos a fornecedores e imóveis não permanentes11), da aplicação da taxa de variação da UFIR no período à diferença entre o ativo permanente e o patrimônio líquido. Tomando a taxa de variação da UFIR no período por r, e o indicador c para representar um valor contábil (e não um valor de mercado), temos que, para a empresa Unlever,

AP ≤ PLC ⇒ CMB = r (AP – PLC) ≤ 0 ................................................................... (9) e, para a empresa Lever,

AP ≥ PLC ⇒ CMB = r (AP – PLC) ≥ 0. .................................................................... (10) Logo, dada uma relação qualquer AC/AP, que deve ser constante pelos pressupostos já

colocados, o endividamento da empresa faz com que a CMB parta de um valor mínimo negativo para um valor máximo, equivalente a rAP (já que o PLC seria nulo), positivo. Ora, como a CMB é um resultado tributável, significa que, se devedora (valor mínimo negativo), proporcionará uma economia fiscal. No outro caso, se credora (valor máximo equivalente a rAP), proporcionará um desembolso fiscal adicional. Se substituirmos (9) e (10) na última linha do Quadro 2, encontraríamos, para uma empresa sem dívidas:

(FC LBO t tr PL APU = − + −( )1 )CU . ...................................................................... (11) Seu valor de mercado poderia ser expresso, então, pela equação:

( )VM

FCk

LBO t tr PL APkU

U

o

CU

o= =

− + −( )1. ......................................................... (12)

Para uma empresa com dívidas, o fluxo de caixa poderia ser expresso pela seguinte equação:

( )FC LBO t tr PL AP tiEL CL= − + − +( )1 . .............................................................. (13) Mas, se a empresa possui dívidas, então PLCL=PLCU - E. Substituindo esta igualdade

em (13), chega-se a: FC LBO t tr PL AP E tiEL CU= − + − − +( ) ( )1 . ....................................................... (14) Simplificando-se (14), chega-se a: FC FC tE i rL U= + −( ) . ........................................................................................... (15) Seu valor de mercado pode ser expresso da seguinte forma:

VMFCk

FCk

tiEk

trEkL

L

wacc

U

o i= = + −

e, ou seja, VM . ..................... (16) VM tE

trEkL U

e= + −

Como se vê, no caso brasileiro, o valor de mercado de uma empresa com dívidas, antes da Lei nº9.249/95, equivale ao valor de mercado de uma empresa sem dívidas, acrescido do benefício fiscal do endividamento. Só que este benefício fiscal não é apenas a alíquota dos

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11 Os AFAC – adiantamentos para futuro aumento de capital, mencionados no Decreto, dizem respeito a uma fonte de recursos; sendo assim, deveriam compor a estrutura de capital da empresa. Mencionamos, desde o início deste trabalho, que estaríamos trabalhando com uma empresa simplificada, que tivesse em sua estrutura apenas ações ordinárias e títulos de dívida não conversíveis. Por isso, é desnecessário incluir neste momento os AFAC.

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impostos aplicada ao valor de mercado das dívidas. Há um redutor em função do menor aproveitamento da dedutibilidade fiscal da correção monetária de balanço sobre o patrimônio líquido contábil, reduzido em função das dívidas. Assim, este redutor dependerá não apenas do produto entre a alíquota dos impostos e o valor de mercado das dívidas mas, principalmente, da relação entre a variação da UFIR e o custo do capital próprio.

Os JSCP, calculados sobre o patrimônio líquido contábil, limitados à 50% dos lucros contábeis auferidos no exercício, terão efeito semelhante ao da CMB ao representarem um benefício fiscal para o não-endividamento. Se se aplicar a remuneração do capital próprio a uma demonstração de resultados de empresas hipotéticas, uma alavancada, a outra não, tal qual no Quadro 2, encontrar-se-ão os seguintes resultados: QUADRO 3 – Demonstração do benefício fiscal dos JSCP

Demonstração do Fluxo de Caixa Empresa sem dívidas Empresa com dívidas Lucro antes de juros e impostos LBO LBO Juros - IE Juros sobre o capital próprio jPLCU jPLCL Lucro antes dos impostos LBO – jPLCU LBO – iE – jPLCL Impostos corporativos t% t% Lucro líquido (LBO – jPLCU) (1 – t) (LBO – iE – jPLCL) (1-t) Fluxo total de caixa para acionistas e credores (LBO – jPLCU) (1 – t)+ jPLCU (LBO – iE -jPLCL) (1 – t) + iE + jPLCL

Ou, simplesmente, LBO (1 – t) + tjPLCU LBO (1 – t) + t (jPLCL+ iE)

Através do Quadro 3 é possível verificar-se que os JSCP introduzem um novo

benefício fiscal que é capitalizado no valor da empresa. Este benefício, nominalmente, equivale à alíquota de impostos corporativos aplicada sobre a variação da TJLP incidente sobre o patrimônio líquido contábil antes da absorção dos lucros do próprio exercício. Então, intuitivamente, é fácil perceber que quanto maior o PLC da empresa, maior será este benefício fiscal.

No entanto, como a legislação prevê um limitador para o pagamento dos juros, 50% dos lucros do exercício, a lógica pode não ser exatamente esta: se os lucros da empresa forem relativamente baixos, não adianta possuir um PLC maior, que a remuneração dedutível seria a mesma. Isto também é verdade somente em parte, porque o endividamento crescente faz crescer a despesa de juros, que reduz o lucro líquido. Assim, embora o critério de pagamento não seja necessariamente a variação da TJLP sobre o PLC, o maior endividamento provocará, necessariamente, redução da base de JSCP dedutíveis para fins fiscais.

É interessante verificar a dimensão dos lucros necessários para que o benefício fiscal seja calculado a partir do PLC. A remuneração dos JSCP será sempre a menor entre os dois: jPLC ou 50%LL. Logo, para que o pagamento seja efetuado pela remuneração do PLC, a inequação abaixo deve ser verificada:

jPL LLC ≤ 50% . ...................................................................................................... (17) Multiplicando-se e dividindo-se o segundo termo da desigualdade por PLC, tem-se:

jPL LLPLPLC

C

C≤ ⋅50% . ............................................................................................ (18)

Ora, o termo LL/PLC corresponde à margem líquida ou, também, ao mais conhecido ROE – Return on Equity. Este indicador dá a medida de rentabilidade do patrimônio líquido. Substituindo-se o termo pelo índice, chega-se a:

jPL ROE PLC ≤ ⋅50% C . .......................................................................................... (19) Dividindo-se os dois lados da inequação por PLC e calculando-a para ROE, chega-se,

por fim, a:

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ROE j≥ 2 . ............................................................................................................... (20) Como se vê, portanto, para que a remuneração do capital próprio seja calculada pela

aplicação da TJLP ao patrimônio líquido contábil, é necessário que a lucratividade da empresa seja no mínimo duas vezes superior à variação da própria TJLP no mesmo período; caso esta condição não se satisfaça, os juros remuneratórios do capital próprio serão calculados como cinqüenta por cento dos lucros verificados no período.

Nesta hipótese, o benefício fiscal proporcionado pela dedutibilidade da remuneração do capital próprio não será mais aquele apontado na última linha do Quadro 3. Considerado desta forma, o benefício fiscal do endividamento, ou seja, o acréscimo de valor da empresa por financiar seus ativos junto a credores é, a cada exercício, exatamente metade daquele verificado no modelo dado pela equação (8). No entanto, como esta forma de cálculo se refere à restrição e, não, à regra, é interessante voltar ao Quadro 3. Pode-se representar o fluxo de caixa de uma empresa sem dívidas, que paga JSCP através da aplicação da variação da TJLP sobre o patrimônio líquido contábil antes de incorporar os lucros do próprio exercício, da seguinte forma:

FC LBO t tjPLU = − +( )1 CU , ................................................................................... (21) Seu valor de mercado poderia ser expresso, então, pela equação:

VMFCk

LBO t tjPLk

LBO tk

tjPLkU

U

o

CU

o o

CU

o= =

− +=

−+

( ) ( )1 1. .............................. (22)

Para uma empresa com dívidas, o fluxo de caixa poderia ser expresso pela seguinte equação:

FC LBO t tjPL tiEL = − + CL +( )1 . ........................................................................... (23) Mas, se a empresa possui dívidas, então PLCL=PLCU - E. Substituindo-se esta

igualdade em (23), chega-se a: FC LBO t tjPL tiE tjEL CU= − + + −( )1 . .................................................................. (24) Seu valor de mercado poderia ser expresso por:

VMFCk

FCk

tiEk

tjEkL

L

wacc

U

o i= = + −

e, ou seja, VM . ...................... (25) VM tE

tjEkL U

e= + −

Observa-se que, então, o valor do benefício fiscal considerando-se os juros sobre o capital próprio difere do benefício fiscal considerando-se a CMB apenas pelo indexador do patrimônio líquido, TJLP em vez de UFIR.

O TESTE DE HIPÓTESES

A observação do Quadro 1, à luz dos modelos desenvolvidos acima, evidencia que a Lei nº9.249 combinou efeitos de redução de alíquotas fiscais com efeitos de modificação na taxa de remuneração do PL que determina a existência de benefícios fiscais. Os exames empíricos têm o objetivo de testar a hipótese de que as empresas brasileiras S/A de capital aberto perceberam uma redução nos incrementos de valor proporcionados pelo endividamento no período posterior à Lei nº9.249/95 relativamente ao período anterior. Um bom indicador para se verificar a hipótese seria a inclinação das curvas representativas do valor de mercado da empresa em resposta a seu nível de endividamento. As curvas mencionadas, em relação ao valor das dívidas das empresas, foram matematicamente descritas nas equações (16) e (25), reproduzidas a seguir:

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valor da empresa com dívidas, antes da vigência da Lei nº9.249/95:

VM VM tEtrEkL U

e= + − ; ......................................................................................... (16)

valor da empresa com dívidas, depois da vigência da Lei nº9.249/95:

VM VM tEtjEkL U

e= + − . ......................................................................................... (25)

As inclinações das curvas podem ser dadas pelas derivadas primeiras destas equações, como segue:

no modelo com CMB: ∂∂VM

Et

rk

BFL

e= −

=1 0 .................................................... (26)

e, no modelo com JSCP: ∂∂VM

Et

jk

BFL

e= −

=1 1 . ............................................... (27)

Através das equações (26) e (27), pode-se definir, para se proceder um teste de diferença entre duas médias baseado em observações emparelhadas, as hipóteses estatísticas:

H0: BF0 ≤ BF1 ⇒ t0(1-r/ke0) ≤ t1(1-j/ke1)

H 1: BF0 > BF1 ⇒ t0(1-r/ke0) > t1(1-j/ke1),

sendo que o índice 0, nesta representação, limita-se a definir a variável para o momento anterior à vigência da Lei nº9.249/95, e o índice 1 define a variável para o momento posterior à vigência da Lei nº9.249/95.

CARACTERIZAÇÃO DAS VARIÁVEIS

As variáveis que serão calculadas para desenvolvimento do teste estatístico podem ser

denominadas da seguinte forma: t = alíquota efetiva dos impostos corporativos. Chama-se aqui de alíquota efetiva o

quociente entre a despesa de impostos corporativos registrada pelas empresas em exame e o seu lucro antes dos impostos. Este lucro deve ser determinado como sendo o lucro líquido acrescido das próprias despesas com os impostos. Caso se utilize a figura do LAIR, corre-se o risco de não se considerarem as participações estatutárias nos resultados que sejam dedutíveis para fins de IRPJ e CSSL.

r = taxa de variação da UFIR verificada no ano considerado, deflacionada pelo IGP-DI. j = TJLP média do ano considerado, calculada pela acumulação mensal das taxas

divulgadas para cada trimestre no decorrer do ano, deflacionada pelo IGP-DI. ke = custo do capital próprio calculado para o encerramento do exercício social. O modelo

de precificação de ativos financeiros CAPM – Capital Asset Pricing Model, largamente utilizado para avaliação do custo do capital próprio, é o modelo selecionado como referência para apuração das taxas de retorno requeridas para os capitais próprios. A equação genérica para o modelo é a seguinte: ke = rf + β (rm - rf). Como se vê, o modelo depende ainda das três variáveis, rf, rm – rf e β, onde:

rf = taxa livre de risco. A taxa foi arbitrada, para os dois anos em exame, como sendo de 9,9% ao ano. Esta taxa arbitrada incorpora duas parcelas: 5,5% ao ano, referentes ao retorno médio dos títulos de longo prazo de emissão do tesouro norte-americano, e 4,4% ao ano, referentes ao chamado “risco Brasil”. Estes valores são tomados de banco de dados disponibilizados por DAMODARAN12.

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12 http://www.stern.nyu.edu/~adamodar/New_Home_Page/datafile/ctryprem.htm A base de dados disponibilizada, “Risk Premiums for Countries”, é de 20 de março de 1997, e considera o prêmio base adotado

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rm – rf = market premium. O prêmio de mercado refere-se ao retorno adicional verificado no mercado em relação ao retorno do ativo livre de risco. Também com base no banco de dados disponibilizados por DAMODARAN13, em seu site na Internet, foi arbitrado o prêmio de 9,45% ao ano.

β = beta. Os betas foram obtidos do banco de dados da ECONOMÁTICA, para periodicidade mensal das cotações, em períodos de 18 meses, terminando em 30 de dezembro do exercício em consideração, calculados em relação ao índice de ações. Para as empresas que apresentaram dados de ações ordinárias e preferenciais, foram calculados betas médios ponderados pelo índice de liquidez das ações. Para as empresas que só apresentaram cotações para um tipo de ação, o beta deste tipo de ação foi considerado para todo o capital da empresa.

EMPRESAS SELECIONADAS

Foram selecionadas, conforme mencionado na introdução desta dissertação, empresas

brasileiras S/A de capital aberto cadastradas no banco de dados ECONOMÁTICA. A seleção, efetuada através do aplicativo “Stock Guide” da ECONOMÁTICA, determinou a existência de uma amostra de quatrocentos e quarenta e um papéis14.

Em função de restrições de recursos à disposição para a pesquisa (tempo, recursos computacionais e dinheiro), e também em função da pesquisa depender de dados de mercado (o beta das empresas), optou-se por restringir esta amostra inicial. Para isto, abriu-se mais uma coluna com dados de liquidez dos papéis, para o período compreendido entre 31 de dezembro de 1995 a 31 de dezembro de 1996. Arbitrou-se trabalhar apenas com papéis com índice de liquidez superior a 0,1. Assim, a amostra inicial se reduziu a apenas setenta e quatro papéis.

Criou-se, a seguir, mais duas colunas contendo dados relativos aos betas dos dois períodos analisados. Da amostra intermediária, foram eliminados todos os papéis que apresentaram beta nulo em pelo menos uma das datas consideradas. Esta restrição foi de ordem prática: se se admitisse na amostra betas nulos, admitiria-se, nesta pesquisa, a hipótese absurda de que alguma empresa poderia ter suas ações como substitutos perfeitos a títulos livres de risco. Chegou-se, assim, a uma amostra de sessenta e nove papéis.

Transportou-se a amostra de papéis e os dados referentes a eles para planilha Microsoft Excel, e, neste aplicativo, foi feita a aglutinação de ações ON e PN de mesma empresa em uma única linha, representativa da empresa, quando então foi calculado o beta médio ponderado pelo índice de liquidez. Ao se fazer esta aglutinação, chegou-se a uma amostra final com cinqüenta e seis empresas. O TESTE PROPRIAMENTE DITO

Em uma primeira abordagem ao problema, efetuou-se o teste de hipóteses considerando-se toda a amostra. Em uma segunda abordagem, eliminou-se uma observação da amostra, a empresa Light Serviços de Eletricidade S.A., por esta apresentar valor para a alíquota efetiva de impostos absurdo, e, por conseguinte, causando uma enorme variância no para os Estados Unidos de 5,50% mais o prêmio adicional em função do “S & P Rating”. O Brasil, tendo um rating B+, recebe um prêmio adicional de 4,40%. 13 http://www.stern.nyu.edu/~adamodar/New_Home_Page/datafile/histret.htm A base de dados disponibilizada, “Historical Returns on Stocks, Bonds and Bills”, fornece o retorno médio anual adicional de uma carteira de ações em relação ao retorno dos T. Bonds no período de 1987 a 1997. A última atualização desta base de dados é de março de 1998.

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14 A ECONOMÀTICA não trabalha com o conceito de empresa, mas com o de títulos mobiliários. Assim, o programa, neste ponto, relacionou quatrocentas e cinco diferentes ações existentes que atendessem a restrição imposta.

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cálculo das diferenças dos benefícios fiscais. Os resultados do teste de hipóteses encontram-se sumariados na tabela seguinte:

TABELA 1 – Teste de “T” para a média das diferenças do benefício fiscal do endividamento, calculado pelas alíquotas efetivas de impostos, das empresas brasileiras S/A de capital aberto nos anos-exercício de 1995 e 1996

Nível de Significância 5% 10% 15% Abordagem 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª

Média das diferenças ==∑=

n

dd

n

1ii

3,144221 0,053807 3,144221 0,053807 3,144221 0,053807

Desvio padrão =

=σ∑=

n

dndn

1i

22i

d 23,128604 0,311709 23,128604 0,311709 23,128604 0,311709

Erro padrão: =σ

=nd

dσ 3,090690 0,042031 3,090690 0,042031 3,090690 0,042031

Estatística de teste: ==dsdt 1,017320 1,280181 1,017320 1,280181 1,017320 1,280181

t crítico = tn-1;α 1,673034 1,673566 1,297135 1,297426 1,046299 1,046483Resultado: tteste < tcrítico ⇒ Não

rejeita Ho Não

rejeita Ho Não

rejeita Ho Não

rejeita Ho Não

rejeita Ho Rejeita

Ho FONTE: Cálculos efetuados pelos autores

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A primeira observação dos valores constantes da Tabela 1 evidencia que a retirada da empresa Light da amostra melhora em muito a qualidade do teste, de forma que não se fará quaisquer comentários sobre os resultados que incluem esta empresa na amostra.

Verificou-se que a um nível de significância de 5 ou até 10% não se pode rejeitar a hipótese de que o benefício fiscal do endividamento depois da Lei nº9.249/95 é igual ou maior ao verificado antes da Lei. Porém a um nível de significância de 15% esta hipótese é rejeitada.

Com o auxílio dos recursos da planilha Excel, verificou-se que a probabilidade de se cometer o Erro Tipo I, ou seja, rejeitar-se a hipótese nula, quando ela for verdadeira, para a amostra trabalhada, é de 10,30%.

Considerados estes valores, pode-se depreender que a hipótese trabalhada nesta seção, a de que o benefício fiscal do endividamento foi reduzido por efeito da introdução da Lei nº9.249/95, pode ser razoavelmente admitida, se considerarmos um nível de confiança de no máximo 89,70%. Embora este grau de confiança possa ser trabalhado, os testes estatítiscos normalmente são trabalhados a um nível de significância mais baixo, em geral 5%.

O entendimento que se faz deste resultado é que há apenas um indício empírico de que as hipóteses desenvolvidas na quarta parte deste trabalho possam ser verificadas na prática, mas não se permite uma conclusão a este respeito. Este entendimento é ainda reforçado pelo fato da amostra ter sido construída de forma intencional, com restrições arbitrárias. Não obstante, os esforços foram válidos: a análise minuciosa da Tabela 1 já permitem algumas conclusões de ordem prática:

1. uma expectativa formada de que a TJLP fosse superior à UFIR15 foi totalmente derrubada. Considerando-se os índices deflacionados pelo IGP-DI, pode-se ver que nos

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15 Esta expectativa é formulada unicamente no pressuposto de que a TJLP é uma taxa de juros e a UFIR é um indexador inflacionário.

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períodos verificados, a UFIR em 1995 e a TJLP em 1996, a variação real da UFIR foi superior à remuneração real proporcionada pela TJLP.

2. considerou-se que seria absurdo a hipótese de haver alíquota fiscal negativa. Ora, esta consideração foi contextualizada no sentido de que não haveria hipótese de a alíquota nominal ser negativa; não se pretendia dizer nada sobre a impossibilidade de alíquotas efetivas serem negativas. O que se verificou através dos cálculos é que uma série de empresas apresentou alíquota efetiva de impostos negativa no período. Este fenômeno, que no teste estatístico contribuiu para a elevada significância requerida para rejeição da hipótese nula, tem sua origem em diversas causas relacionadas às peculiaridades das leis fiscais do Brasil. Apenas por ilustração, algumas das causas que podem ter determinado estas alíquotas negativas observadas são: prejuízos fiscais acumulados compensados no exercício em exame, prejuízo no próprio exercício em exame, reversão de provisões de longo prazo, constituição de créditos tributários, etc.

3. verificou-se em alguns casos a existência de betas negativos, o que determinou uma influência negativa da ação da empresa sobre a taxa de juros livre de risco. Este tipo de ação negativa determinou uma menor diferença entre o custo do capital próprio e o índice de remuneração do patrimônio líquido.

Os três fenômenos acima descritos representam fatos da realidade que não se submeteram às restrições efetuadas no desenvolvimento dos modelos teóricos, demonstrando que a realidade fiscal e de mercado das empresas é muito mais peculiar do que generalizações matemáticas possam contemplar. Especificamente no tocante às alíquotas efetivas de impostos, isto se verifica com mais rigidez, e confirma, curiosamente, uma das suposições de MILLER16, de que as mudanças nominais de alíquotas de impostos não se traduzem necessariamente em alterações marginais, fundamentalmente em função do grande número de despesas que são ajustadas ao cálculo do lucro efetivamente tributável.

Enfim, os resultados obtidos demonstram que o benefício fiscal do endividamento, nas empresas constantes da amostra estudada, foi substancialmente pouco afetado pela alteração proporcionada pela Lei Fiscal de nº9.249/95. Adicionalmente demonstram que as empresas possuem alíquotas efetivas de impostos mais vinculadas as especifidades de sua demonstração de resultados e histórico fiscal que às alíquotas nominais definidas por lei. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os modelos desenvolvidos pelas teorias de estrutura de capital procuram determinar alterações no valor da empresa proporcionadas unicamente pela sua estrutura de financiamentos, independentemente de alterações nos investimentos. Embora haja algumas controvérsias entre os diversos teóricos, há um certo consenso entre os autores em considerar a existência de um benefício fiscal ao endividamento, traduzido em acréscimo de valor para a empresa endividada. Este benefício decorre simplesmente da economia fiscal proporcionada pela dedutibilidade das despesas com juros.

Uma vez que o benefício é de natureza fiscal, a variável mais importante na quantificação deste benefício é a própria alíquota de impostos.

Na Legislação Fiscal brasileira, por outro lado, verifica-se a existência de mecanismos que prevêem a dedutibilidade de remunerações calculadas sobre o capital próprio. No ano de 1995 esta remuneração era estabelecida pela correção monetária de balanço. Em 1996 a correção monetária de balanço foi revogada pela Lei nº9.249/95, que, em contra-partida, instituiu os juros sobre o capital próprio. Em essência, estes dois mecanismos representam a

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16 “... the debt/asset ratio of the typical nonfinancial corporation in the 1950´s was little different from that of the 1920´s despite the fact that tax rates had quintupled – from 10 and 11 percent in the 1920´s to 52 percent in the 1950´s” (MILLER, 1977:264).

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existência de benefícios fiscais ao não endividamento, ou contra-benefícios fiscais ao endividamento.

Procurou-se, neste trabalho, incorporar estes contra-benefícios ao benefício fiscal do endividamento, determinando-se um benefício líquido. Adicionalmente, procurou-se verificar empiricamente um padrão de comportamento das empresas nos dois anos, no tocante ao benefício fiscal líquido, objetivando caracterizar a intervenção provocada pela vigência da Lei nº9.249/95.

O fato de não se comprovar, a um nível de significância mais baixo, as expectativas formadas, não invalida o trabalho. Pelo contrário, alimenta ainda mais a curiosidade científica e desperta temas para estudo neste campo: será que de fato o benefício fiscal do endividamento não está tão atrelado às interferências legais quanto sugere? Fica para outras pesquisas a resposta a esta pergunta. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Haroldo G.. Endividamento e valor: um estudo do comportamento financeiro da

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