Estrutura e Dinâmica das Organizações 1

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HENRY MINTZBERG ESTRUTURA E DINÂMICA ,.." DAS ORGANIZAÇOES Tradução de Amélia Salavisa Brooker Revisão Técnica de António Caetano 3.3 edição

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HENRY MINTZBERG

ESTRUTURA E DINÂMICA,.."

DAS ORGANIZAÇOES

Tradução de Amélia Salavisa BrookerRevisão Técnica de António Caetano

3.3 edição

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íNDICE

PREFÁCIO .

NOTA AO LEITOR .

Capítulo 1 - A essência da estrutura .

PARTE I - O FUNCIONAMENTO DA ORGANIZAÇÃO .

Capítulo 2 - As cinco componentes básicas da organização .

Capítulo 3 - A organização como um sistema de fluxos .

PARTE li - OS PARÂMETROS DE CONCEPÇÃO .

Capítulo 4 - Concepção dos postos de trabalho: a especialização do trabalho .

Capítulo 5 - A concepção dos postos de trabalho: a formalização do comportamento

Capítulo 6 - A concepção dos postos de trabalho: formação e socialização .

Capítulo 7 - A concepção da superestrutura: o agrupamento em unidades .

Capítulo 8 - A concepção da superestrutura: a dimensão das unidades .

Capítulo 9 - A concepção das ligações laterais: os sistemas de controlo e de pla-

neamento .

Capítulo 10 - A concepção das ligações laterais: os mecanismos de ligação .

Capítulo 11 - A concepção do sistema de tomada de decisão: a descentralização verti-

cal e horizontal .

PARTE III - OS FACTORES DE CONTINGÊNCIA .

Capitulo 12 - A estruturação eficaz das organizações .

Capítulo 13 - A idade e a dimensão .

Capítulo 14 - O sistema técnico .

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Capítulo 15 - O ambiente 297

Capitulo 16 - O poder 319

PARTE IV - AS CONFIGURAÇÕES ESTRUTURAIS 329·

Capítulo 17 - A estrutura simples 335

Capítulo 18 - A burocracia mecanicista 345

Capítulo 19 - A burocracia profissional.. 379

Capítulo 20 - A estrutura divisionalizada 409

Capítulo 21 - A adhocracia 457

Capítulo 22 - Um pentágono conclusivo 495

BIBLIOGRAFIA 509

ÍNDICE REMISSIVO 521

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f-I'

CAPíTULO 1

A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA

A Sr.a Raku tinha um estúdio de cerâmica na cave da sua casa. Esta activi­dade envolvia um número de tarefas diferenciadas - a preparação do barro, omoldar dos potes, o trabalhá-los quando ainda meio-secos, a preparação e apli­cação dos vidrados e a cozedura no forno. A coordenação destas tarefas nãoapresentava qualquer problema: a Sr.a Raku encarregava-se de tudo.

Mas a ambição e o sucesso das cerâmicas da Sr.a Raku causavam um pro­blema: as encomendas excediam a sua capacidade de produção. Por conseguinte,a Sr.a Raku contratou a Sr;a Bisque, que tinha imenso interesse em aprender afazer cerâmica. O que significava que a Sr.a Raku tinha agora de dividir o tra­balho entre elas. Mas como as lojas de artesanato queriam cerâmicas feitas pelaSr.a Raku, foi decidido que a Sr.a Bisque preparasse o barro e os vidrados e quea Sr.a Raku fizesse o resto. Tudo isto requeria uma certa coordenação do traba­lho, de facto, um problema mínimo, quando só duas pessoas trabalham numestúdio de cerâmica: bastava-lhes comunicarem de maneira informal.

Estas disposições funcionaram lindamente, tão bem que, passado pouco tempo,a Sr.a Raku foi mais uma vez atolada em encomendas. Tornou-se então necessá­rio contratar mais assistentes: mas desta vez, a Sr.a Raku decidiu contratá-lasdirectamente da escola de cerâmica local, prevendo o dia em que as mesmasteriam que moldar os potes. Assim, embora a Sr.a Bisque tivesse levado umcerto tempo a aprender, as três novas assistentes, logo desde o princípio, sabiamexactamente o que fazer e adaptaram-se muito bem; mesmo com cinco pessoas,a coordenação não apresentava quaisquer problemas.

Mas quando se contrataram duas novas assistentes, os problemas de coorde­nação começaram a surgir. Um dia a Sr.a Bisque tropeçou num balde de vidradoe quebrou cinco potes; noutro dia a Sr.a Raku abriu o forno e apercebeu-se deque os vasos de suspensão para plantas tinham sido todos, por engano, vidradoscom cor-de-rosa cíclamen. Nesse momento, deu-se conta que sete pessoas a tra­balhar num pequeno estúdio não conseguiam coordenar todo o trabalho atravésdo simples mecanismo de comunicação informal. (Existem 21 possíveis permu­tas ou canais de comunicação, pelos quais duas pessoas podem comunicar,extraídas de um grupo de sete pessoas, se tomarrrios os membros dois a dois.)Para agravar a situação, acrescentava-se o facto de que a Sr.a Raku, que agora

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20 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇe.,2S

se intitulava presidente de Ceramics Limited, dedicava agora cada vez mais tempoaos seus clientes; de facto, por essa altura, era mais provável encontrá-la ves­tida com um vestido de um costureiro da moda, do que enfiada num par dejeans. Assim decidiu nomear a Sr.a Bisque, gerente do estúdio, para que se ocu­passe inteiramente com a supervisão e coordenação do trabalho das cinco assis­tentes que fabricavam a cerâmica.

A empresa continuou a crescer. E mais uma vez ocorreram grandes mudan­ças, quando um consultor em organização foi chamado. Seguindo os seus con­selhos, o estúdio foi completamente reorganizado em quatro linhas de produção- cada assistente encarregando-se apenas de uma só tarefa dentro de cada linhade produção (potes, cinzeiros, vasos de suspensão para plantas e animais decerâmica) - a primeira preparava o barro, a segunda moldava, a terceira buri­lava o barro e assim por diante. Consequentemente, a produção tomou a formade quatro linhas de produção. Cada pessoa seguia um conjunto de normas pre­cisas, elaboradas de antemão, que asseguravam a coordenação de todo o traba­lho exigido. Claro que Ceramics Limited deixou de vender para lojas de artesa­nato; a Sr.a Raku passou a aceitar só encomendas por grosso, e a maioria dasvendas destinavam-se a redes de armazéns.

Mas a ambição da Sr.a Raku não tinha limites, e logo que teve a oportuni­dade de diversificar, não hesitou. Primeiro foram azulejos de cerâmica, depoisacessórios para casa de banho e finalmente tijolos de argila. A empresa foi sub­sequentemente dividida em três divisões - produtos de consumo, produtos deconstrução civil, e produtos industriais.

A Sr.a Raku trabalhava agora num escritório no quinquagésimo quinto andarda sua «Torre da Cerâmica», onde coordenava as actividades das divisões, revendoos resultados cada trimestre e actuando pessoalmente quando as taxas de cres­cimento e de lucro não atingiam os números desejados. Um dia, a Sr.a Rakuestava sentada à sua secretária a examinar os orçamentos quando, ao olhar paraos arranha-céus vizinhos, teve uma súbita inspiração e decidiu mudar o nome dasua companhia para Ceramico.

Toda a actividade humana organizada - desde a fabricação de cerâmica atéao acto de colocar um homem na Lua - dá lugar a duas exigências fundamen­tais e opostas: a divisão do trabalho nas várias tarefas a serem desempenhadase a coordenação das mesmas a fim de realizar a actividade em questão. A estru­tura de uma organização pode ser definida simplesmente como o total dasoma' dos meios utilizados para dividir o trabalho em tarefas distintas e emseguida assegurar a necessária coordenação entre as mesmas.

Na Ceramico, a divisão do trabalho - preparação do barro, mo delação, buri­lamento, aplicação de vidrado e cozedura - foi largamente ditada pela tarefa areálizar e pela técnica utilizada para o conseguir. A coordenação, contudo, pro­vou ser uma questão mais complicada, fazendo apelo a vários meios. Estespodem ser referidos como «mecanismos de coordenação», embora se deva notarque esses mecanismos têm tanto a ver com O controlo e a comunicação comocom a coordenação.l

I «Trabalhos recentes no domínio do controlo, ou cibernética, demonstraram (que o controlo ea coordenação) têm a mesma essência» (Litterer, 1965, pág. 233).

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A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 21

Parece que são suficientes cinco mecanismos de coordenação para expli­car as maneiras fundamentais pelas quais as organizações coordenam o seutrabalho: ajustamento mútuo, supervisão directa, estandardização dos pro­cessos de trabalho, estandardização dos resultados e estandardização dasqualificações dos trabalhadores.! Podemos mesmo considerá-los como os ele­mentos fundamentais da estrutura, a cola que aglutina as diferentes partesde uma organização. Tudo emerge destes elementos - a estruturação das orga­nizações assim como os temas tratados neste livro. Passemos a olhar para cadaum deles brevemente, antes de determinarmos o rumo deste livro.

o ajustamento mútuo

o ajustamento mútuo realiza a coordenação do trabalho pelo simplesprocesso de comunicação informal. Graças ao ajustamento mútuo, o controlodo trabalho fica nas mãos do operador, como indicado na figura 1-1 (a). Vistoque se trata de um mecanismo de coordenação tão simples, o ajustamento mútuoé naturalmente utilizado na mais simples das organizações: por exemplo, quandoduas pessoas remam numa canoa ou várias trabalham num estúdio de cerâmica.Paradoxalmente, é também usado nas situações mais complexas, porque, comoiremos ver mais tarde, é o único que funciona em circunstâncias extremamentedifíceis. Consideremos a organização responsável por enviar um homem à Luapela primeira vez. Tal actividade requer uma divisão de trabalho incrivelmenteelaborada, com milhares de especialistas desempenhando uma quantidade detarefas específicas. Mas, ao princípio, ninguém sabe exactamente o que é neces­sário fazer. Este conhecimento desenvolve-se à medida que o trabalho avança.Em última análise, apesar de se utilizarem outros mecanismos de coordenação,o sucesso da empresa depende essencialmente da capacidade dos especialistas seadaptarem uns aos outros ao longo de um caminho desconhecido, que vai sendodescoberto à medida que se avança, o que em suma não é muito diferente ,dasituação de dois remadores numa canoa.2

A supervisão directa

À medida que uma organização cresce e deixa o seu estado de simplicidadeprimitiva - mais de cinco ou seis pessoas que trabalham num estúdio de cerâ­mica, mais de quinze pessoas que remam numa canoa de guerra - vê-se apare­cer um segundo mecanismo de coordenação. A supervisão directa é o meca­nismo de coordenação pelo qual um indivíduo se encontra investido deresponsabilidade pelo trabalho dos outros. O responsável transmite-lhes ins-

1 Esta tipologia reflecte em parte, as conclusões de Simon (1957), March e Simon (1958) eGalbraith (1973).

2 Para uma exposição teórica detalhada acerca dos diversos modos de coordenação de acções~or parte de decisores independentes, ver Lindblom (1965, capítulos 2-5). O capítulo 14 do mesmolivro também examina como o ajustamento mútuo pode por vezes conseguir uma melhor coorde­nação do que a supervisão directa ou certas formas de estandardização.

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truções e controla as suas acções, como indicado na figura 1-1 (b). Com efeito,um cérebro coordena várias mãos, como no caso do supervisar do estúdio decerâmica ou no caso do remador de popa que marca a cadência das remadas nacanoa de guerra.

Consideremos a estrutura do futebol americano. Aqui a divisão do trabalho ébastante acentuada; temos onze jogadores seleccionados de acordo com o traba­lho que desempenham em campo, e também com a sua respectiva localização eaté mesmo com os seus atributos físicos. O ágil halfback1 posiciona-se pordetrás da linha de aglomeração dos jogadores e leva a bola; o jogador normal-

G) Gestor

Analista ( A

O---'

Operacional

O---'

Operacional

O O

(a) Ajustamento Mútuo

G

(b) Supervisão Directa

Qualifi­

cações

Processosde trabalho

O

Resultados

(c) Estandardização

Figura 1.1OS CINCO MECANISMOS DE COORDENAÇÂO

1 Haljback, jogador que assume a posição no sentido ofensivo de uma equipa de futebol ame­ricano que requer uma corrida sistemática com a bola. (N. T.)

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mente corpulento que bloqueia os movimentos da equipa contrária fica na linhae bloqueia. Os ajustamentos mútuos não são suficientes para a coordenaçãodesta tarefa, como tal é nomeado um capitão de campo, ao qual se chama quar­terback1, que coordena o trabalho dos jogadores comandando as jogadas.

A estandardização

O trabalho também pode ser coordenado por outros meios, que não apenaspelo ajustamento mútuo ou pela supervisão directa. Pode ser estandardizado. «Acoordenação das diversas partes é incorporada no programa (de trabalho) desdea concepção, e a necessidade de comunicação contínua é consequentementereduzida.» (March e Simon, 1958, pág. 162.) A coordenação começa no estira­dor, por assim dizer, antes mesmo do trabalho começar. Os trabalhadores nalinha de montagem de automóveis e os cirurgiões que trabalham numa sala deoperações não precisam de se preocupar com a coordenação com os colegas emcircunstâncias normais - sabem exactamente o que esperar dos colegas e proce­dem de acordo com esse conhecimento ..

A figura 1-1 (c) mostra quais são os três tipos fundamentais de estandardi­zação, dentro das organizações. Os processos de trabalho propriamente ditos, osresultados do trabalho, assim como as qualificações dos operacionais - podem,todos eles, ser concebidos de maneira a observar padrões pré-determinados.

A estandardização dos processos de trabalho

Os processos de trabalho são estandardizados, quando o conteúdo do tra­balho é especificado ou programado. Um exemplo que me vem ao espírito éo das instruções de montagem que acompanham um brinquedo de criança, ven­dido em peças soltas. Aqui, o fabricante, com efeito, estandardiza o processo detrabalho dos progenitores.

- «Pegar num parafuso de duas polegadas de cabeça redonda e inseri-lo noburaco BX, juntar este à parte XB com uma anilha e uma porca de parafusohexagonal, ao mesmo tempo que se pega ....»

A estandardização pode ser imensamente desenvolvida nas organizações,como no caso das quatro linhas de produção da «Ceramics Limited», ou ainda comoo recheador de tartes que observei uma vez numa pastelaria: mergulhava umaconcha na grande vasilha de recheio de tarte, enchendo bases de tartes, literal­mente milhares de vezes por dia - cereja, mirtilo ou maçã, não fazia a maispequena diferença - as bases de tarte chegavam-lhe às mãos numa mesa rolante.O seu trabalho não precisava de qualquer supervisão nem de comunicação infor­mal com os seus colegas de trabalho (excepto a necessária para manter um certoequilíbrio mental). A coordenação do trabalho tinha sido realizada por quem havia?oncebido a mesa rolante. O recheador de tartes tinha apenas de fazer seguir aslUstruções à risca, sem se preocupar ·com os outros trabalhadores, que coloca-

I O futebol americano é jogado aos domingos. Na manhã da segunda-feira seguinte, os quar­. terbacks analisam como é que o jogo deveria ter sido jogado com o beneficio da experiência. (N. T.)

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vam as bases de tartes debaixo e por cima do recheio. Claro que existem outrospostos de trabalho estandardizados que proporcionam uma maior margem de mano­bra: pode exigir-se a um comprador que obtenha pelo menos três propostas paratodas as compras que excedam lO 000 dólares, mas, por outro lado, este é livrede desempenhar o seu trabalho como bem lhe aprouver.

A estandardização dos resultados

Também é possível estandardizar os resultados do trabalho (por exem­plo, especificando de antemão, as dimensões do produto, ou o desempenhoa atingir). Os motoristas de táxi não recebem quaisquer instruções como con­duzir ou que rota seguir; são apenas informados sõbre o destino dos fregueses.O preparado r de barro não recebe instruções sobre como preparar a argila, ape­nas que a tem de preparar em blocos de dois quilos; o ceramista sabe que comessa quantidade de barro pode moldar potes, cujas dimensões especificadasconstituem as normas da sua própria produção.

Assim que os resultados são estandardizados, as interfaces entre as tarefassão pré-determinadas, como no caso do encadernado r de livros que sabe que aspáginas impressas que recebe de um colega e a capa que recebe de outro, vãoconjugar-se perfeitamente. Paralelamente, os directores das divisões da Ceramicoarticulavam-se com a direcção-geral da empresá em termos de padrões dedesempenho, apenas lhes sendo exigido cada trimestre que atingissem determi­nados lucros e níveis de crescimento. Como atingi-los, o problema era deles.

A estandardização das qualificações

Por vezes, nem o processo nem os resultados podem ser estandardizados,embora se exija uma certa coordenação. Anthony lay (1970) levanta esta ques­tão no contexto dos impérios coloniais. Como é que os reis controlavam e coor­denavam as actividades dos seus governadores na chefia de colónias distantes,quando a supervisão directa era impedida pela lentidão dos canais de comuni­cação deficientes - que levavam meses a dar a volta desde o princípio ao fim- quando nem o trabalho nem os seus resultados eram susceptíveis de serem estan­dardizados? A solução que adoptavam - usada pela Sr." Raku para contratarassistentes para o estúdio de cerâmica - era a de estandardizar os operacionais,se não o trabalho propriamente dito ou os seus resultados. As qualificações e o(conhecimento) são estandardizados logo que se especifica a formação daqueleque executa o trabalho. O rei tinha confiança nos seus governadores porque elemesmo os formava. De uma maneira geral, o indivíduo é formado mesmo antesde entrar na organização. A Sr." Raku contratava ceramistas acabados de sair daescola de cerâmica, exactamente como o fazem os hospitais, quando contratammédicos. As instituições de formação introduzem os programas de trabalho e asbases de coordenação entre os futuros assalariados. Quando trabalham, os tra­balhadores parecem agir de maneira autónoma, exactamente como um bom actorque, quando no palco, parece representar espontaneamente, mas que, de facto,passou semanas a aprender o texto na perfeição. A estandardização dasqualifi-

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A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 25

cações realiza indirectamente o que a estandardização dos processos de trabalhoou a estandardização dos resultados realiza directamente: o controlo e a coor­denação do trabalho. Quando um anestesista e um cirurgião se encontram numasala de operações para operar um apêndice, mal têm de comunicar; por virtudeda formação que cada um recebeu, sabem exactamente o que esperar do outro.A estandardização das suas qualificações assegura o essencial da coordenação.!

Um contínuo entre os mecanismos de coordenação

Estes cinco mecanismos, de coordenação parecem pertencer a uma ordem umtanto ou quanto irregular. A medida que o trabalho de organização se tornamais complicado, os meios preferidos de coordenação parecem deslocar-sesucessivamente, como exemplificado na figura 1-2, do ajustamento mútuopara a supervisão directa e, em seguida, até à estandardização dos proces­sos de trabalho, de preferência, ou até à estandardização dos resultados oudas qualificações, para finalmente regressar ao ajustamento mútuo nassituações mais complexas.

Um indivíduo que trabalha sozinho não tem grande necessidade de coorde­nação - tudo se passa na sua própria cabeça. Contudo, acrescente-se uma segundapessoa, e a situação muda logo de figura. A coordenação agora deve-se efectuaratravés de dois cérebros. Geralmente, as pessoas que trabalham lado a lado empequenos grupos adaptam-se umas às outras de uma maneira informal, tornando­-se o ajustamento mútuo o principal mecanismo de coordenação.

Mas à medida que o grupo aumenta, torna-se cada vez mais difícil coordená­-lo de maneira informal. Miller (1959) nota que os grupos de mineiros de car­vão funcionam eficazmente sem supervisão, até um número máximo de 41 homens.Mas, a partir desse número, ou no caso de divisões mais diferenciadas de tra­balho - tu~tm.res~Jocais diferentes, sistemas técnicos mais complexos -a supervisão torna-se absolutamente necessária: -

o adiar da introdução da função de direcção para além do estádio óptimo ... con­duz ao declínio da eficiência do sistema ... A energia dos membros do grupo, em vezde ser consagrada à tarefa principal, é cada vez mais consagrada à tarefa de mantero grupo unido ... (pág. 88).

Como tal, existe assim uma necessidade de liderança. O controlo do trabalhodo grupo passa a um indivíduo único, ou seja, é transferido para um único cére­bro que agora controla os outros: a supervisão directa torna-se então o meca­nismo principal de coordenação.

Mas à medida que o trabalho se torna mais complexo, uma outra transiçãoparece ocorrer. Enquanto que, no exemplo anterior, uma parte do controlo dotrabalho passava do trabalhador ao supervisor, agora a estandardização toma a

I O mesmo se pode dizer a respeito de operações muito mais complexas, corno uma operaçãode coração aberto, que durou cinco horas, observada do princípio ao fim por Gosselin (1978) - ena qual mal se observou qualquer comunicação infonnal entre os cirurgiões cardiovasculares e oanestesista.

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Ajustamento

Mútuo

Supervisão

Directa

Estandardização

/' do Trabalho ~_______ Estandardização Ajustamento.

~. dos Resultados /" Mútuo~ Estandardização

das Qualificações

Figura 1.2OS MECANISMOS DE COORDENAÇÃO: UM CONTÍNUO IRREGULAR

DE COMPLEXIDADE

f-)! dianteira. Como se notou anteriormente, a organização tem três escolhas. Quando. \ as tarefas são simples e rotineiras, a organização pode estandardizar os seus pró-

L.priosprocessos de trabalho. Mas no caso de trabalho muito mais complexo, a orga­nização é forçada a estandardizaL.Q~...r~§QH-ªçlº~,deixando ao operador a escolhado processo~s casos ainda mais complexos, nem mesmo o resultado pode serestandardizado e a organização deve então contentar-se em estandardizar as qua­lificações do operador, sempre que 'possível. Mas se se provar não ser possívelestandardizar as tarefas diferenciadas' da organização, esta ver-se-á forçada avoltar ao ponto de partida e de utilizar o mecanismo de coordenação, que é omais simples, mas ao mesmo tempo, o mais adaptável de todos os mecanismosde coordenação - o ajustamento mútuo. Como se verificou anteriormente, osgestores obrigados a resolver problemas sofisticados, que encaram situações extre­mamente complexas, devem comunicar de maneira informal, no caso de quere­rem vir a desempenhar satisfatoriamente os seus cargos.

Nesta fase da nossa discussão, torna-se claro que dentro de cada situação espe­cífica, uma organização vai favorecer um dos mecanismos de coordenação sobreos outros quatro, e que, de certo modo, estes mecanismos de coordenação sãosubstituíveis uns p~los outros. Isto de modo nenhum significa que uma organiza­ção se possa apoiar num único mecanismo de coordenação com exclusão dos outros.De facto, a maioria das organizações utiliza uma mistura dos cinco mecanismos,em diversos graus. Por exemplo, seja qual for o grau de estandardização, há sem­pre necessidade de um mínimo de supervisão e de ajustamento mútuo. As orga­nizações modernas não podem simplesmente existir sem liderança, nem semcomunicação informal, quanto mais não seja para que lhes seja permitido ultra­passar as rigidezes da estandardização.! Na fábrica mais automatizada (i. é., totalmenteestandardizada), as máquinas avariam-se, os trabalhadores nem sempre aparecem,por vezes o planeamento do trabalho tem de ser mudado à última hora. Não só ossupervisores têm de intervir, como os trabalhadores devem dispor de uma margemde manobra suficiente que lhes permita lidar com problemas inesperados. Por exem­plo, Wren (1967), descreve a rede de electricidade, que cobre o Nordeste ameri-

I Emery e Trist (1960) sustentam que um grupo de trabalho só é eficaz se for capaz de gerara sua própria coordenação interna, (i. é, se utilizar ajustamento mútuo). «A tarefa primordial degestão de uma organização, no seu conjunto, é referir o sistema global ao seu ambiente e não ape­nas à regulação interna per se». (pág. 93). A minha posição é diferente: sou da opinião de queenquanto certas unidades se devem apoiar no ajustamento mútuo, não existe nenhuma sem um mínimode supervisão directa.

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A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 27

cano, uma rede completamente automática mas a que faltava um sistema efectivode supervisão: «Os diversos sistemas estavam ligados tecnologicamente por razõesde economia, não estando previstos dispositivos, no caso de avaria, para manteroperacionais os diversos sistemas independentemente do todo, pois os sistemasembora autónomos eram interdependentes.» (Pág. 73.) O resultado foi o famosocorte total de electricidade de 1965, que mergulhou a região em total escuridão.

No geral, para além da dimensão mínima, a maioria das organizações, sem­pre que podem, parecem apoiar-se na estandardização. Nos outros casos, utili­zam, de maneira parcialmente permutável, a supervisão directa e o ajustamentomútuo. O primeiro destes mecanismos falha logo que o trabalho de organizaçãose torna demasiado complexo para ser gerido por um só cérebro. E o segundofalha, sempre que existe um desacordo demasiado importante entre os operacio­nais que devem regular a sua actividade pelo ajustamento mútuo, daí resultandoa necessidade do estabelecimento de um supervisor.1

Para além dos mecanismos de coordenação

Os filmes por vezes começam com a cena principal, antes do título e dogenérico. De certo modo, os mecanismos de coordenação constituem a nossacena mais importante. Como se notou anteriormente, os cinco mecanismos sãoo cimento da estrutura, os elementos fundamentais que ligam as diversas partesdas organizações. Constituem também o elemento aglutinador deste livro, fun­cionando como alicerce do material que vamos passar a expor. Por conseguinte,voltemos ao genérico: em primeiro lugar, passamos a uma breve revisão da lite­ratura e à referência a um dos defeitos fundamentais, e em seguida apresenta­mos um esboço do livro.

A Literatura

As primeiras obras incidiram sobre a estrutura formal, quer dizer, sobre arelação oficial e documentada entre os vários membros da organização. Duasescolas teóricas dominaram a literatura até aos anos 50, uma preocupada com asupervisão directa, a outra com a estandardização.

A escola teórica dos «princípios de direcção», fundada por Henri Fayol desde1916 (tradução inglesa, 1949), cujas ideias foram popularizadas no mundo delíngua inglesa por Luther Gulik e Lyndall Urwick (1973), estava originalmenteligada à autoridade formal e ao papel da supervisão directa na organização.

I Estas conclusões inspiram-se em Galbraith (1973), embora tenham sido adaptadas com ligei­ras modificações. Galbraith afirma que as organizações tentam primeiro usar regras e procedimen­tos, depois a referência hierárquica e, em seguida, o planeamento, à medida que a informação aumenta.No caso de o planeamento falhar, Galbraith afirma que a organização pode escolher um de doiscaminhos: ou elimina a necessidade de interdependências entre as tarefas através da criação derecursos folgados, alargamento dos prazos, ou unidades autónomas, ou aumenta a capacidade de estru­tura para processar informação através da utilização de sofisticados Sistemas de Informação deGestão (SIG), ou através da criação de relações laterais - mecanismos de ajustamento mútuo taiscomo «elementos de ligação», grupos de trabalho e estruturas matriciais.

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28 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES

Estes escritores popularizaram certos termos como unidade de comando (anoção de que um «subordinado» devia ter apenas um único «superior»), cadeiade comando (a linha directa que vai do superior de nível mais elevado a cadasubordinado de nível mais baixo, passando pelos escalões intermédios), e ampli­tude de controlo (o número de subordinados de um mesmo superior hierárquico).

A segunda escola teórica engloba na realidade dois grupos distintos que seconsagram, do nosso ponto de vista, à mesma questão - a estandardização dotrabalho em toda a organização. Ambos os grupos foram criados por volta do prin­cípio do século por investigadores extraordinários, tanto na América como naEuropa. Na América, Frederick Taylor (1947) liderou o movimento designadode «Organização Científica do Trabalho» cuja preocupação principal foi a daprogramação do trabalho dos operacionais - operários siderúrgicos, mineiros decarvão e ocupações afins. Na Alemanha, Max Weber (Gerth and Mills, 1958)pronunciou-se sobre as estruturas mecanicistas ou «burocráticas», como se fos­sem máquinas cujas actividades tivessem sido formalizadas através de regula­mentos, descrição de postos de trabalho e formação dos trabalhadores.

E assim, durante cerca de meio século, quando se falava da estrutura da orga­nização, pensava-se num conjunto de relações de trabalho prescritas e estandar­dizadas, inseridas num sistema rígido de autoridade formal.

Em 1939, Roethlisberger e Dickson publicaram a sua interpretação de umasérie de experiências conduzidas com os trabalhadores da fábrica da WesternElectric, em Hawthorne. Os resultados obtidos foram de molde a levar os inves­tigadores a compreenderem a verdadeira importância da estrutura informal - asrelações não estabelecidas formalmente entre os membros de um grupo de tra­balho - a qual mostrava que o ajustamento mútuo é um mecanismo de coorde­nação fundamental em todas as organizações. Isto conduziu ao aparecimento deurna terceira escola teórica, nas décadas de 50 e 60, originalmente designada por«escola das relações humanas», cujos proponentes procuravam demonstrar, atra­vés da investigação empírica, que o recurso à estrutura formal - nomeadamente,aos mecanismos de supervisão directa e estandardização - na melhor das hipó­teses não dava resultado e, na pior das hipóteses, provava ser perigoso para asaúde mental do trabalhador (por exemplo, Likert, 1961).

Mas as investigações mais recentes arrepiaram caminho face a estas duasposições extremas. Na última década, tem-se notado a tendência para considerara estrutura de uma forma mais global, estudando, por exemplo, as relações entrea estrutura formal e a estrutura informal, entre a supervisão directa e a estan­dardização, por um lado, e o ajustamento mútuo, pelo outro. O padrão foi esta­belecido pelo interessante trabalho realizado pelo Tavistock Institute no princí­pio dos anos 50. Trist e Bamforth (1951) - num trabalho de investigação, cujonível de pormenor e de visão permanece inultrapassável - estudaram o efeitoque uma mudança de tecnologia operou sobre grupos de trabalho numa mina decarvão, tendo chegado à conclusão de que os sistemas técnicos e sociais daestrutura se encontram inextricavelmente interligados. Mais tarde, Michel Crozier,no Fenómeno Burocrático (1964), demonstrou corno a estandardização e os sis­temas formais de autoridade influenciam as relações de poder não oficiais e são,por sua vez, afectados pelas mesmas. Mais recentemente, Jay Galbraith (1973)estudou a estrutura da Companhia Boeing e construiu um esquema conceptualque permite descrever as relações entre os vários mecanismos de coordenação.

-

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A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 29

Galbraith foi realmente o primeiro investigador a explicar claramente o papeldos mecanismos modernos do ajustamento mútuo - tais como os grupos de pro­jecto e a organização matricial -'-na estrutura formal.

Estes e outros estudos semelhantes, demonstraram que as estruturas formaise informais estão interligadas ao ponto de se tornarem indissolúveis. Os estu­dos provam, por exemplo, como a supervisão directa e a estandardização têm sidopor vezes utilizadas como mecanismos informais para adquirir o poder e, recipro­camente, como os meios que foram inicialmente concebidos para reforçar o ajus­tamento mútuo foram ulteriormente formalizados e incluídos na estrutura formal.Chegou-se também à conclusão de que a estrutura formal, muitas vezes, parecereflectir o reconhecimento oficial de padrões de comportamento que ocorremnaturalmente. As estruturas formais desenvolvem-se dentro das organizações, talcomo, as estradas nas florestas - ao longo dos caminhos já muito pisados e repi­sados. Outro grupo de investigadores contemporâneos, que trabalham sob o títulode «teoria da contingência», investigaram· as relações entre estrutura e situação,opondo-se à ideia de que possa existir uma forma estrutural óptima, em todos oscasos. E, em vez disso, procuraram identificar a fórmula estrutural específica ­baseada quer na supervisão directa, quer num determinado tipo de estandardiza­ção, quer no ajustamento mútuo - que provasse ser a mais apropriada num deter­minado conjunto de condições. Neste domínio, os primeiros trabalhos importantesforam realizados por Joan Woodward (1965), a qual num estudo sobre a indústrianos anos 50 numa dada região de Inglaterra, descobriu provas concludentes, queatestam que a estrutura de uma empresa está intimamente relacionada com o seusistema técnico de produção. As empresas de produção em massa pareciam exigira estrutura formal que era o tipo privilegiado pelos investigadores das primeirasescolas teóricas; as empresas que produzem por unidade ou por processo contí­nuo, pareciam ter necessidade de uma estrutura mais flexível, apoiando-se maisno ajustamento mútuo. Subsequentemente, dois investigadores de Harvard, PaulLawrencee Jay Lorsch (1967) chegaram à conclusão, num estudo comparativo deempresas americanas nas indústrias de embalagem, alimentares e de plásticos, queo ambiente da organização afectava de maneira significativa a escolha da estru­tura. As empresas de embalagem, operando num ambiente bastante mais simplese estável, utilizavam de preferência a supervisão directa e a estandardização; pelocontrário, a indústria de plásticos, mais dinâmica e complexa, favorecia o ajusta­mento mútuo; e as companhias alimentares situavam-se num plano intermédio.

Outro grupo, chefiado por Derek Pugh, da Universidade de Aston, em Inglaterra,chegou à conclusão que a dimensão da organização é o factor determinante quemelhor explica o maior número de características da sua estrutura (Pugh et al.,1963-64, 1968, 1969a, b; Hickson et al., 1969). Por exemplo, a estandardizaçãoé um mecanismo de coordenação tanto mais importante quanto maior for a orga­nização. Os resultados de Aston, baseados em grandes amostras de organizaçõesdiversas, foram regularmente confirmados (e.g., Inkson et a!., 1970; Child, 1972b),tendo também estimulado outros estudos sobre as relações entre a estrutura e osfactores de contingência. Por exemplo, Khandwalla (1973a, b; 1974a) recolheudados sobre setenta e nove empresas americanas e cento e três empresas cana­dianas, tendo chegado à conclusão que as relações entre a estrutura, a tecnolo­~ia, a dimensão e o ambiente são mais complexas do que os estudos anteriorestmham dado a indicar.

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30 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES

Em suma, dispomos aqui de uma vasta literatura que se baseia sobre aobservação empírica, e se encontra em rápido crescimento, sendo a maiorparte relativamente recente. Esta literatura contém em si mesma uma constru­ção progressiva pela qual os investigadores avançaram, em certa 'medida, combase na compreensão do trabalho previamente efectuado. Potencialmente, estaliteratura tem imenso a dizer-nos sobre o modo como as organizações se estru­turam. Contudo, falta-lhe uma síntese que permita agrupar todas as descober­tas num conjunto coerente. Citando uma velha expressão húngara, cada umocupa-se do seu próprio moinho, consciente de que os outros se ocupam dosseus e ninguém deseja abandonar o seu moinho para ir trabalhar nos moinhosdos vizinhos. Dispomos de algumas revisões da literatura, mas não passam dissomesmo, muitas delas saltam «de um tópico para outro, sem uma ideia clara doque são as organizações» ou então reproduzem vários estudos «deixando queo leitor se encarregue, ele próprio, de fazer a síntese do material». (Perrow,1973, pág. 7). Este livro foi escrito baseado na premissa de que, no que dizrespeito à estrutura das organizações, a investigação já atingiu um nívelde grande maturidade mas que a literatura correspondente se· encontraainda muito atrasada. Torna-se agora necessário recuar um passo e consi­derar a investigação em perspectiva, analisando-a dentro do seu própriocontexto, e sintetizando-a numa teoria utilizável. O objectivo deste livro éo de fornecer essa síntese.

Um defeito

Contudo, este livro não começa imediatamente com a literatura sobre a estru­turação das organizações. Isto deve-se a um defeito grave na literatura relevante.A maior parte da literatura contemporânea não relaciona a descrição daestrutura de uma organização com o seu funcionamento. Raramente se dizao leitor o que se passa realmente no interior da estrutura, como é que os pro­cessos de trabalho, de informação e de decisão funcionam, de facto, dentro daorganização. Assim, temos Conrath (1973) que concluiu depois de fazer umapesquisa exaustiva da literatura que abordasse a ligação entre os fluxos decomunicação e a estrutura da organização:

Podem encontrar-se na literatura, numerosos conceitos sobre a estrutura de umaorganização .... Infelizmente, poucos podem ser relacionados com as propriedades dacomunicação e aqueles que podem encontram-se principalmente restringidos aoestudo de pequenos grupos ... Em nenhum caso foram directamente utilizados osdados sobre as comunicações para evidenciar as propriedades da estrutura (pág. 592).

Podemos atribuir este defeito, principalmente, a uma investigação feita «à dis­tância»: uma investigação que regista as percepções dos executivos, recolhidasem questionários, em vez dos seus comportamentos reais, uma investigação denatureza sincrónica que só regista as medições de um momento temporal, umainvestigação que utiliza medidas abstractas num leque de organizações muitodiversas (a descentralização nas escolas paroquiais e nas estações dos correios).Nenhuma investigação conseguiu abranger, na totalidade, os dinamismos com-

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plexos que têm lugar dentro das organizações. Podemos tirar algumas informa­ções resultantes desta investigação, logo que tivermos um sistema conceptual.Mas é preciso observar que esta investigação não é de grande utilidade quandose trata de elaborar este sistema conceptual.

A literatura sofre assim de um defeito que é corolário do primeiro: as con­clusões são muitas vezes formuladas para organizações inteiras quando clara­mente só se aplicam a parte das mesmas. Não podemos, por exemplo, dizer queuma empresa é «descentralizada» somente porque o poder de tomar decisões passado director-geral aos directores das divisões: o grau de descentralização, obvia­mente, também depende do que acontece abaixo do nível de director de divisão.Do mesmo modo, descobrir que uma organização utiliza grupos de trabalho paraintroduzir novos produtos, não é o mesmo que descrever a estrutura geral daorganização mas somente uma parte muito limitada da mesma.

Tudo isto serve para dizer que muitas vezes as conclusões da investigaçãonão se relacionam de todo com o «contexto» (de que tipo de organização setrata, a que parte da organização se aplicam); assim como não se referem àsrelações entre a estrutura e o funcionamento da organização. Como resultado, oleitor, por vezes, considera estas conclusões como desligadas da realidade e semverdadeira substância. Quando elaborei o primeiro esboço deste livro, depois deter lido mais de 200 livros e artigos, não tinha a certeza absoluta do que era aestrutura. Achei-me a titubear à procura de um quadro de referência.

Finalmente, antes de chegar ao ponto de tirar as minhas próprias conclusões,senti a necessidade de coligir uma série de organigramas que descreviam asorganizações, muitas das quais eu conhecia intimamente, a fim de criar um con­texto pessoal que pudesse integrar todos os materiais conceptuais que tinha lido.

o esboço da obra

Este livro foi concebido para tentar evitar o problema que acabámos de men­cionar, de modo a assegurar que o leitor possa pôr em contexto tudo o que temlido sobre a estrutura. Como tal, a primeira secção não trata da estrutura dasorganizações, mas sim de como é que as organizações funcionam. A literaturanão é muito rica neste domínio, mas é importante passar ao papel, desde o iní­cio, tudo o que sabemos sobre o funcionamento das organizações, de molde alançar os alicerces da teoria que se segue.

A secção I é constituída por dois capítulos. O primeiro debruça-se sobre ascinco partes básicas das organizações contemporâneas - o centro operacional,o vértice estratégico, a linha hierárquica, a tecnoestrutura e o pessoal de apoio- e discute as relações entre estes elementos. O segundo capítulo descreve oscinco sistemas de fluxos que atravessam estes elementos de base - com efeito,existem cinco teorias que tentam explicar o funcionamento da organização:como um sistema de autoridade formal, como um sistema de fluxos de infor­mação regulada, como um sistema de comunicação informal, como um sistemade constelações de trabalho e como um sistema de processos de decisão ad hoc.Estes sistemas são considerados como complementares: cada um descreve umaparte do funcionamento das organizações; quando combinados uns com osoutros, dão uma ideia da complexidade do sistema total.

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32 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES

Estes dois capítulos (capítulos 2 e 3), assim como o capítulo de introdução,constituem a base deste livro. Este ponto é ilustrado na figura 1-3, que foi con­cebida para dar ao leitor uma vista de conjunto conceptual do livro. Esta baseconsiste nos cinco mecanismos de coordenação, as cinco partes básicas da orga­nização e os cinco sistemas dos fluxos básicos que percorrem a organização.O núcleo central deste livro é formado sobre esta base - ou seja, as análisesapresentadas nas secções II e III. Nestas duas secções, desmembramos a estru­tura para melhor a analisar, primeiro analisando cada componente, uma por uma,e só depois passamos a abordar os factores que afectam cada uma destas partes,mais uma vez, factor por factor.

Estrutura Burocracia

Simples Mecanicista

capo 17 capo 18

\

Burocracia

profissional

cap.19

Estrutura

Divisionalizada

capo 20

I

Adhocracia

cap.21I

IV. SíNTESE: AS CONFIGURAÇÕES ESTRUTURAIS

O Poder (cap. 16)

O Ambiente (cap. 15)

O Sistema Técnico (cap. 14)

A idade ea dimensão (cap. 13)

111. ANÁLISE: OS FACTORES DE CONTINGÊNCIA

Descentralização Horizontal (cap. 11)

Descentralização Vertical (cap. 11)

Mecanismos de Ligação (cap. 10)

Sistemas de Planeamento e de Controlo (cap. 9)

Dimensão das Unidades (cap. 8)

Agrupamento em Unidades (cap. 7)

Fonmação e Socialização (cap. 6)

Formalização do Comportamento (cap. 5)

Especialização do Trabalho (cap. 4)

11.ANÁLISE: OS PARÁMETROS DE CONCEPÇÃO

Os Cinco Mecanismos

de Coordenação

(cap.1)

As Cinco

Componentes Básicas

(cap.2)

Os Sistemas

de Fluxo

(cap.3)

I. FUNDAÇÃO: O FUNCIONAMENTO DA ORGANZAÇÃO

Figura 1.3UMA VISTA DE CONJUNTO CONCEPTUAL DO LIVRO

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A ESSÊNCIA DA ESTRUTURA 33

Nos capítulos da secção 11, discutimos os nove parâmetros de concepção, ouseja, os elementos básicos utilizados para conceber as estruturas das organiza­ções. Discutimos, por sua vez, (1) a especialização do trabalho, (2) a formali­zação do comportamento, (3) a formação e a socialização, os três elementos queentram na concepção dos postos de trabalho individuais; (4) o agrupamento emunidades e (5) a dimensão das unidades que, no conjunto, constituem a «supe­restrutura»; (6) os sistemas de planeamento e de controlo e (7) os mecanismosde ligação, que permitem assegurar as ligações laterais; e, finalmente, (8) a des­centralização vertical e (9) a descentralização horizontal, que constituem o sis­tema de decisão.

Cada um destes parâmetros de concepção é discutido individualmente no seupróprio capítulo (excepto no que diz respeito às descentralizações horizontal evertical, que são discutidas em conjunto no capítulo 11). Cada capítulo comportauma discussão sobre o parâmetro de concepção em cada uma das cinco partesda organização e também sobre as ligações entre o parâmetro estudado e os quejá foram discutidos. Mas, essencialmente, a secção 11 apresenta uma análise, enão uma síntese; consagra-se mais às partes componentes do que aos conjuntosintegrados.

A secção III apresenta os parâmetros de concepção no seu contexto, procurandorelacioná.)os com os diversos «factores de contingência» que os afectam, umpor um. E aqui que se concentra a maior parte da investigação contemporânearealizada. Em primeiro lugar, começamos por tratar no capítulo 12, dos teste­munhos relacionados com a eficácia organizacional. Testemunhos estes quesugerem que as escolhas estruturais são ditadas, em grande medida, primeiro,pela situação da organização, e segundo, pela necessidade de os parâmetros deconcepção formarem internamente conjuntos coerentes entre si. Partindo desteponto de vista na secção m, formulamos dezasseis hipóteses que revêem umaparte importante dos testemunhos sobre a relação entre a estrutura e a situaçãoda organização. O capítulo 13 trata do efeito que a idade e a dimensão da orga­nização têm sobre a estrutura; o capítulo 14 incide sobre a tecnologia utilizadapela organização; o capítulo 15 trata do ambiente que a organização confronta;e o capítulo 16 das condições do poder. Embora as sementes da síntese sejamsemeadas nesta secção, a mesma continua a execução da análise. De facto, estamais parece dividir do que unificar. As hipóteses parecem ser independentesumas das outras, por vezes parecem mesmo contradizer-se entre si. Contudo, cons­tituem um passo necessário na senda que nos conduz ao nosso objectivo principal.

Este objectivo constitui a síntese, que é tratada na secção IV. Notámos maisatrás que as organizações eficazes parecem conseguir atingir uma coerência internaentre os seus parâmetros de concepção; também notámos que determinadasestruturas se encontram associadas a determinadas situações. Na secção IV pro­curamos demonstrar que tanto os parâmetros de concepção como os factores decontingência se agrupam em aglomerações naturais, ou «configurações». Emparticular, parece que predominam cinco configurações. Tomados no seu con­junto como uma tipologia, permitem explicar uma proporção surpreendente dosresultados de investigação, incluindo muitas das suas contradições; além disso,cada uma das cinco configurações está associada a um dos cinco mecanismos decoordenação, o que parece ser mais do que mera coincidência; e emergindo umadas cinco partes da organização como preponderante em todas as cinco eonfi-

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rârnetro de concepção correspondente e com agurações. Juntamente com o J?aação, as cinco configurações são as seguintes:parte preponderante da ~r~anJ~recta, vértice estratégico), Burocracia MecanicistaEstrutura Simples (supervIsao de trabalho, tecnoestrutura), Burocracia Profissional(estandardi.zaç~o dos proc~ssos õeS, centro opera~ional), Estrutura ~ivi~ionalizada(estandard~zaç~o das quahfic~~s, linha hierárqmca), e Adh~cr~cJa ~aJustamento(estandardIzaçao dos r~sulta d ulIla destas configurações e dIscutIda num dosmútuo, pessoal de apOI?). Ca a te com os respectivos parâmetros de concepção,capítulos da secção .IY,Juntamen OS factores de contingência que lhes estão asso­o seu modo de funclOnamento, e mbém tomo a liberdade de discutir algumas dasciados. Nest~s ~inco capítulod ta onto de vista social e de gestão - presentes emquestões maIS I~portant~s:-- o~pítulO do livro .damos alguns e,xemplos repre­cada configuraçao. No .ultImo híbridos, e transIções entre as ClllCOconfigura­sentados por um «pentagono», .stência possível de uma sexta configuração.ções, e especulamos sobre a ex.1