ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA … · Não representa a opinião do Governo ......

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IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA _____________________________________________________________________________________________ COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA Nota Técnica Setorial do Complexo Metal-Mecânico O conteúdo deste documento é de exclusiva responsabilidade da equipe técnica do Consórcio. Não representa a opinião do Governo Federal. Campinas, 1993 A presente Nota Técnica tomou por base documento elaborado pelo consultor Renato Dagnino (IG/UNICAMP), a quem a equipe técnica do Consórcio agradece, isentando-o de qualquer responsabilidade pelo seu conteúdo. A Comissão de Coordenação - formada por Luciano G. Coutinho (IE/UNICAMP), João Carlos Ferraz (IEI/UFRJ), Abílio dos Santos (FDC) e Pedro da Motta Veiga (FUNCEX) - considera que o conteúdo deste documento está coerente com o Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB), incorpora contribuições obtidas nos workshops e servirá como subsídio para as Notas Técnicas Finais de síntese do Estudo.

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Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT

Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP

Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT

ESTUDO DA COMPETITIVIDADEDA INDÚSTRIA BRASILEIRA

_____________________________________________________________________________________________

COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA

Nota Técnica Setorialdo Complexo Metal-Mecânico

O conteúdo deste documento é deexclusiva responsabilidade da equipetécnica do Consórcio. Não representa aopinião do Governo Federal.

Campinas, 1993

A presente Nota Técnica tomou por base documento elaborado pelo consultor Renato Dagnino (IG/UNICAMP), a quem a equipe técnicado Consórcio agradece, isentando-o de qualquer responsabilidade pelo seu conteúdo.

A Comissão de Coordenação - formada por Luciano G. Coutinho (IE/UNICAMP), João Carlos Ferraz (IEI/UFRJ), Abílio dos Santos(FDC) e Pedro da Motta Veiga (FUNCEX) - considera que o conteúdo deste documento está coerente com o Estudo da Competitividade da IndústriaBrasileira (ECIB), incorpora contribuições obtidas nos workshops e servirá como subsídio para as Notas Técnicas Finais de síntese do Estudo.

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CONSÓRCIO

Comissão de Coordenação

INSTITUTO DE ECONOMIA/UNICAMPINSTITUTO DE ECONOMIA INDUSTRIAL/UFRJ

FUNDAÇÃO DOM CABRAL

FUNDAÇÃO CENTRO DE ESTUDOS DO COMÉRCIO EXTERIOR

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SCIENCE POLICY RESEARCH UNIT - SPRU/SUSSEX UNIVERSITY

INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL - IEDINÚCLEO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA - NACIT/UFBA

DEPARTAMENTO DE POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA - IG/UNICAMPINSTITUTO EQUATORIAL DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

Instituições Subcontratadas

INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA - IBOPEERNST & YOUNG, SOTEC

COOPERS & LYBRANDS BIEDERMANN, BORDASCH

Instituição Gestora

FUNDAÇÃO ECONOMIA DE CAMPINAS - FECAMP

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EQUIPE DE COORDENAÇÃO TÉCNICA

Coordenação Geral: Luciano G. Coutinho (UNICAMP-IE)

João Carlos Ferraz (UFRJ-IEI)

Coordenação Internacional: José Eduardo Cassiolato (SPRU)

Coordenação Executiva: Ana Lucia Gonçalves da Silva (UNICAMP-IE)

Maria Carolina Capistrano (UFRJ-IEI)

Coord. Análise dos Fatores Sistêmicos: Mario Luiz Possas (UNICAMP-IE)

Apoio Coord. Anál. Fatores Sistêmicos: Mariano F. Laplane (UNICAMP-IE)

João E. M. P. Furtado (UNESP; UNICAMP-IE)

Coordenação Análise da Indústria: Lia Haguenauer (UFRJ-IEI)

David Kupfer (UFRJ-IEI)

Apoio Coord. Análise da Indústria: Anibal Wanderley (UFRJ-IEI)

Coordenação de Eventos: Gianna Sagázio (FDC)

Contratado por:

Ministério da Ciência e Tecnologia - MCTFinanciadora de Estudos e Projetos - FINEPPrograma de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT

COMISSÃO DE SUPERVISÃO

O Estudo foi supervisionado por uma Comissão formada por:

João Camilo Penna - Presidente Júlio Fusaro Mourão (BNDES)Lourival Carmo Monaco (FINEP) - Vice-Presidente Lauro Fiúza Júnior (CIC)Afonso Carlos Corrêa Fleury (USP) Mauro Marcondes Rodrigues (BNDES)Aílton Barcelos Fernandes (MICT) Nelson Back (UFSC)Aldo Sani (RIOCELL) Oskar Klingl (MCT)Antonio dos Santos Maciel Neto (MICT) Paulo Bastos Tigre (UFRJ)Eduardo Gondin de Vasconcellos (USP) Paulo Diedrichsen Villares (VILLARES)Frederico Reis de Araújo (MCT) Paulo de Tarso Paixão (DIEESE)Guilherme Emrich (BIOBRAS) Renato Kasinsky (COFAP)José Paulo Silveira (MCT) Wilson Suzigan (UNICAMP)

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SUMÁRIO

RESUMO EXECUTIVO ............................................................................................................ 1

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 25

1. TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS DA PRODUÇÃO E DO MERCADOINTERNACIONAL DE AERONAVES ............................................................................... 26

1.1. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves Militares ................................ 261.2. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves de Emprego Civil ................... 28

1.2.1. Padrões de desenvolvimento e internacionalização ............................................... 281.3. Características do Mercado de Commuters .................................................................... 29

1.3.1. A desregulamentação do transporte aéreo norte-americano .................................. 301.3.2. A tendência à manutenção dos subsídios na produção de commuters.................... 311.3.3. A exploração do conceito de família na produção de commuters .......................... 321.3.4. A tendência ao aumento dos custos de desenvolvimento....................................... 321.3.5. Trajetórias de aprendizado e protecionismo.......................................................... 33

1.4. A Situação do Mercado de Commuters.......................................................................... 341.4.1. A presença norte-americana e o padrão de competição no mercado de

commuters .......................................................................................................... 351.5. Evolução Recente e Perspectivas do Mercado de Commuters ........................................ 36

1.5.1. Previsões de mercado realizadas e o comportamento das empresas....................... 381.6. As Atuais Tendências de Inovação e a IAe..................................................................... 41

2.COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA BRASILEIRA........................... 43

2.1. Competitividade da EMBRAER na Década de 80 .......................................................... 432.1.1. Tendências da produção de aeronaves de emprego militar e seu impacto

para a IAeB......................................................................................................... 432.1.2. Tendências internacionais de produção de aeronaves de emprego civil e seu

impacto para a IAeB............................................................................................ 442.2. Fatores Estruturais e Sistêmicos da Competitividade...................................................... 462.3. Fatores Empresariais da Competitividade ....................................................................... 50

2.3.1. A evolução do setor e seu caráter de dependência em relação ao exterior ............. 502.3.2. A estratégia de autonomia tecnológica e o índice de nacionalização...................... 542.3.3. O impacto tecnológico da IAeB na indústria nacional ........................................... 57

2.4. A Evolução dos Indicadores Desagregados de Desempenho e o Caráter daProdução da EMBRAER............................................................................................... 582.4.1. A importância relativa das aeronaves de alta tecnologia........................................ 60

2.5. Oportunidades e Obstáculos à Competitividade da IAeB................................................ 632.5.1. Viabilidade da recuperação dos fatores estruturais................................................ 642.5.2. Viabilidade da recuperação dos fatores empresariais............................................. 682.5.3. Viabilidade da recuperação dos fatores sistêmicos ................................................ 77

3. PROPOSIÇÕES DE POLÍTICAS......................................................................................... 79

INDICADORES DE COMPETITIVIDADE............................................................................. 85

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 87

RELAÇÃO DE TABELAS E GRÁFICOS................................................................................ 88

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RESUMO EXECUTIVO

1. TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS DA PRODUÇÃO E DO MERCADOINTERNACIONAL DE AERONAVES

1.1. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves Militares e de Emprego Civil

A indústria aeronáutica (IAe) atende a dois mercados __ civil e militar __ com dinâmicascompetitivas bastante diferenciadas. Para aeronaves militares, à semelhança do que ocorre para osdemais segmentos da indústria de armamentos, é o desempenho do produto que orienta asdecisões de aquisição, sendo a capacidade de inovação fortemente influenciada por fatoresexternos à empresa, cuja administração se situa na órbita estatal. A diferenciação do produto e asegmentação de mercado são estratégias inerentes ao setor de armamentos. Ao contrário do quese verifica no mercado civil, onde as decisões de compra são tomadas por consumidoresatomizados, o Estado é, no mercado militar, o único comprador.

A motivação estratégico-militar para a criação e manutenção do setor aeronáutico éfundamental; apesar do fato de que, por exemplo, a produção aeronáutica civil nos países daOECD tenha sido, em 1989, apenas 33% menor do que a militar. Outra motivação, igualmenteusada como argumento para legitimar o apoio estatal à IAe é o fato dela ser considerada uma"locomotiva" tecnológica, concentrando-se o subsídio ao setor nas atividades de desenvolvimentotecnológico. Nos países da OECD, com exceção do Japão, o governo financia entre 30 e 70% dosgastos de P&D das empresas do setor aeroespacial, o que faz desse setor o de maior intensidadede P&D.

Também o fato da IAe envolver empregos de alta qualificação, embora em pequenonúmero, é utilizado como argumento para justificar a sustentação do ritmo de atividade daindústria. Os argumentos relacionados à intensidade tecnológica e ao emprego, na medida em quese referem à atividade de empresas que produzem produtos de uso civil e militar, terminamatuando no sentido da manutenção dos subsídios do setor aeronáutico como um todo.

À semelhança do que ocorre no mercado militar, no mercado civil os produtos devematender a rígidos padrões de qualidade, confiabilidade e desempenho, praticamente não existindotrade off ou gradação entre estas características versus o preço de venda. Os produtos possuemelevado valor unitário e alto valor adicionado e são fabricados em séries relativamente pequenas,apresentando, ainda, um ciclo de vida relativamente alto. Isto associado à complexidade doproduto fazem com que a assistência técnica pós-venda seja um fator extremamente importante

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nas decisões de aquisição. As transações são poucos freqüentes mas de alto valor, sendo comum aprodução por encomenda e a existência de uma alta interação entre vendedores e compradores(geralmente organizações de grande porte e complexidade). Os custos de desenvolvimentotecnológico são elevados e crescentes no setor aeronáutico, sendo freqüente a existência deacordos de colaboração entre empresas e países.

Os seguintes dados permitem caracterizar o mercado aeronáutico civil:

- 90% do mercado dos países de economia não planificada é suprido por treze companhiascom base nos EUA;

- menos da metade dessas firmas produzem motores aeronáuticos;

- 75% da produção norte-americana é de responsabilidade de apenas três companhias;

- menos de dez países do chamado Terceiro Mundo possuem instalações capazes deproduzir aviões, e estas servem quase que tão somente para satisfazer necessidades locais, decunho estratégico-militar.

Dois fatores foram decisivos para o processo de internacionalização do mercado deaeronaves. Em primeiro lugar, o fato de que, com exceção dos EUA, nenhum outro país possuíaum mercado suficientemente grande para arcar com os custos de desenvolvimento e produção deaeronaves. Em segundo lugar, porque os padrões de segurança e desempenho no campo deaviação civil são estabelecidos mediante acordos internacionais.

A orientação para o mercado externo é determinada pela busca de economias de escala epelo nível tecnológico exigido para a produção. A entrada de empresas de países com pequenacapacidade tecnológica relativa na produção aeronáutica costuma se dar em condições difíceis,uma vez que o custo a ela associado tente a ser, à exceção do custo da mão-de-obra, maiselevado. A entrada no mercado internacional, dado que praticamente mandatória, costuma ocorrera partir da manipulação pela empresa (e pelo país) da única variável de ajuste a seu alcance, isto é,o preço de venda.

Em conseqüência, a decisão de implantação (e manutenção) de capacidade de produçãoaeronáutica num dado país não pode prescindir de uma avaliação do custo de oportunidade, ou donível de subsídio, associado a produzir num patamar de qualidade e desempenho compatível como estado-da-arte internacional. Este fato, pouco considerado quando se analisa a produçãoaeronáutica no Brasil, é fundamental para entender seu processo de desenvolvimento e suasperspectivas futuras.

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1.2. O Mercado Mundial de Commuters

O mercado civil pode ser dividido em três grandes categorias: aeronaves de grande porte(acima de 120 assentos), aviões pequenos (uso executivo, esporte, na agricultura, etc) e aviões demédio porte (commuters) usado pelas companhias de tráfego aéreo regionais (de 10 a 120assentos). O segmento do mercado civil preferencialmente explorado pela IAeB é o de aviões demédio porte utilizados principalmente na conexão entre aeroportos de grande volume de tráfego.

A categoria de commuters é atualmente a que apresenta maior competição, dinamismo einstabilidade. As barreiras à entrada são relativamente baixas, assim como é grande o número defalências, incorporações e associações. O mercado da categoria é segmentado em função dacapacidade da aeronave. Ele é usualmente dividido em três segmentos: 10 a 20 lugares, 20 a 45, emais de 45 passageiros. No âmbito de um mesmo segmento a decisão de compra das companhiasaéreas depende fundamentalmente do preço de aquisição por assento. Outros parâmetros, como ocusto de operação e de manutenção e, o fato da aeronave ser pressurizada ou não também sãolevados em conta. Existem atualmente cerca de quinze empresas e dez países envolvidos com aprodução de aeronaves commuter.

O fato da categoria dos commuters estar mais distante do mercado militar do que osaviões de grande porte não chega a atenuar a tendência à manutenção do protecionismo. Noâmbito de parcela considerável do mercado, constituído por países de porte geográfico oueconômico menor, ou que por qualquer outra razão possuam uma percepção de ameaça externapouco exigente em termos tecnológicos, existe uma relativamente maior associação entre osegmento militar e o de commuters. Neste caso, o subsídio ao segmento militar confunde-se ereforça, ao contrário do que poderia ocorrer em países que possuem uma percepção de ameaçamais exigente em termos tecnológicos.

Um fato marcante na evolução da categoria dos commuter foi a desregulamentação domercado norte-americano de transporte aéreo em 1978. Com a desregulamentação, um grandenúmero de pequenas empresas aéreas entrou no mercado e algumas grandes empresasdiversificaram sua atividade no sentido da aviação de curta distância. Como resultado do aumentoda competição, houve um aumento da qualidade dos serviços, os preços diminuíram e a demandaaumentou sensivelmente (as cerca de 180 empresas aéreas regionais norte-americanas transportamatualmente mais de 30 milhões de passageiros por ano, o que representa um pouco mais dametade do total mundial).

Devido a que a principal variável de ajuste passou a ser o tipo de aeronave empregado, omercado da categoria transformou-se significativamente, aprofundando-se sua segmentação.Embora tenha aumentado a demanda de aeronaves de todos os segmentos a maior taxa de

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crescimento se verificou na faixa entre 30 e 40 assentos, que cresceu 550% nos oito anosposteriores à desregulamentação.

Os ajustes que se seguiram à desregulamentação levaram a uma diminuição das tarifas delonga distância em cerca de 40% e a um aumento das de curta distância em aproximadamente15%, entre 1978 e 1988. O resultado desse processo foi positivo para as grandes companhias deaviação mas não para as pequenas, que passaram a partir dos anos 80 a redimensionar suasatividades e, em conseqüência, a reduzir as encomendas de novas aeronaves.

Após mais de uma década de desregulamentação observa-se que as companhias de aviaçãoregional têm-se mostrado capazes de pressionar os preços das aeronaves que utilizam mantendo-os num nível inferior ao do custo real de produção. Isto tem obrigado as empresas aeronáuticas areduzir seus custos de produção e principalmente de desenvolvimento, e, por outro lado, exigir amanutenção de um nível de subsídio elevado por parte dos governos dos países produtores.Devido a esse último fato, os fabricantes de aeronaves têm-se tornado cada vez mais incapazes deplanejar realisticamente suas atividades a longo prazo e passaram a depender de forma crescentede subsídios governamentais.

Esse processo tem levado a importantes transformações no mercado de commuters,apresentadas a seguir:

. a exploração do conceito de família na produção de commuters - para o fabricante asprincipais vantagens são a economia de escopo no projeto (com conseqüente redução de custo etempo de desenvolvimento) e produção. A experiência de algumas empresas tem mostrado que oscustos de desenvolvimento podem ser reduzidos à metade para o segundo membro de uma famíliade aeronaves. Existem, por outro lado, consideráveis vantagens para o usuário, o que torna essatendência ainda mais significativa. A existência de componentes e sistemas comuns permite aredução de estoque e de despesas de manutenção e reparo, e uma não menos importante reduçãodos gastos de treinamento de pessoal embarcado e de terra.

. tendência ao aumento dos custos de desenvolvimento - o aumento da competiçãoentre as companhias de aviação exerce pressão no sentido da sofisticação das aeronaves(pressurização, vão livre da cabine, nível de ruído, autonomia, entre outros) levando a umcontínuo aumento dos custos de desenvolvimento e produção das aeronaves. As despesas dedesenvolvimento de uma nova aeronave são atualmente da ordem de 1 a 2 bilhões de dólares,sendo as de P&D de cerca de 250 a 650 milhões de dólares, o que torna o número de unidadesnecessárias para amortizar estes custos superior a 300. Assim, mesmo com a exploração doconceito de família de aeronaves tendem a ocorrer níveis de investimento além das possibilidadesde auto-financiamento das empresas do segmento commuter, o que vem a reforçar a tendência àcooperação entre as empresas do setor.

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A situação descrita, de relativa superioridade do lado da demanda no mercado decommuters, é agravada pelo fato de que as empresas aeronáuticas costumam entrar no mercadocom uma nova aeronave num estágio imediatamente posterior ao do desenvolvimento do produto,no qual o subsídio governamental é usualmente elevado. Mesmo quando a empresa conseguecapturar uma fatia importante do mercado, o que tende a ocorrer mediante a adoção de preçossubsidiados, ela poderá ser forçada a mantê-la por mais de uma década, prazo no qual se esperaamortizar o investimento realizado. Na medida em que este é um comportamento generalizadoentre os produtores, tende a se instaurar uma situação de protecionismo.

. efeitos sobre a curva de aprendizado - embora tenda a ocorrer um ganho deaprendizado na produção de uma determinada aeronave, à medida em que ela é utilizada pelascompanhias de aviação tendem a ser requisitadas modificações às vezes significativas. Elas atuamno sentido de atenuar a tendência à redução do custo unitário de produção. Cada vez que ocorreuma modificação significativa na concepção dos produtos ou nos processos de fabricação tende ainiciar-se um novo período de aprendizado no interior da empresa. Também as inovações deprocesso introduzidas na área de manufatura e principalmente de projeto tendem a colocar emxeque a validade do conceito de curvas de aprendizado e talvez, inclusive, sua existência. Essefato, em um setor submetido a rígidos requisitos de qualidade e desempenho definidosinternacionalmente, faz com que o subsídio não possa ser assumido como uma situaçãotransitória.

1.3. Situação Atual e Perspectivas do Mercado de Commuters

É elevado o número de países (10), empresas (11) e modelos (16) no mercado decommuters. É elevada também a quantidade de associações entre países para desenvolver umnúmero crescente de novas famílias de aeronaves. Existem, entretanto, uma média de cerca de trêsa quatro modelos em processo de desenvolvimento para cada uma das aeronaves atualmente nomercado.

A presença norte-americana no mercado de commuters é consideravelmente menor do quea verificada na categoria das aeronaves de grande porte (10% da oferta total com apenas duasempresas atuando no segmento de aeronaves de menor capacidade e sofisticação, onde detêmcerca de 53% do mercado). Entretanto, grande parte dos aviões produzidos no mundo utilizamcomponentes norte-americanos. Isto porque embora a capacidade de engenharia de sistemasdesenvolvida pelas empresas "montadoras" nos vários países seja uma condição necessária de suacompetitividade, um elemento também crucial é a qualidade dos componentes que incorpora emseus produtos.

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A superioridade norte-americana no mercado de aeronaves civis, tanto do lado da ofertade componentes e de aeronaves de grande porte (cujo valor de produção total é muito maior doque o de commuters), como do lado da demanda, é um elemento explicativo da difícil situaçãoque se observa à escala internacional no mercado da categoria commuter. A tendência gerada poressa superioridade tende a reforçar os condicionantes ligados às motivações estratégico-militares ede prestígio, internos a cada um dos países presentes no mercado, levando a uma situação deimpasse. Algumas poucas firmas poderão alcançar sucesso, a partir de uma competitividade realou baseada no subsídio governamental. Outras necessitarão ser socorridas pelo Estado ouabsorvidas por um competidor.

O segmento de commuters de maior capacidade (mais de 45 passageiros) é o de menorvolume de produção, embora em função do crescimento verificado a partir de 1987 apresente umatendência a igualar-se ao de 10-20 passageiros. O segmento de 20-45 é, desde 1986, o maisnumeroso; após um período de crescimento acelerado em 1984-88, a produção deste segmentovem apresentando leve tendência à diminuição.

No entanto, a análise do volume de recursos envolvidos na produção, a partir do preço devenda médio, mostra uma situação significativamente distinta. A participação relativa do segmentode 10-20 passageiros tem-se mostrado constante enquanto que o de capacidade intermediária, edepois o de maior número de passageiros, tem apresentado uma maior taxa de crescimento; sendoeste último, desde 1988 o mais importante em termos de valor.

A estagnação da demanda por aeronaves do segmento de 10-20 lugares e a diminuição, nocaso dos dois segmentos de maior capacidade, a partir de 1989 é especialmente grave para asempresas aeronáuticas. Em função das expectativas positivas em relação à demanda, váriasempresas de distintos países planejaram, durante o final da década dos 80, sua entrada no mercadoou a expansão de suas atividades. No segmento de aeronaves de 10-20 passageiros ocorreu olançamento de vários modelos durante o período de 1983-90 (crescimento maior do que overificado nos 20 anos anteriores). No segmento de 20-45 passageiros existiam, em 1985, apenasduas aeronaves; em 1988, sete e desde então duas novas aeronaves entraram no mercado. Omercado de mais de 45 lugares também se apresenta extremamente competitivo. Existematualmente sete concorrentes, dos quais cinco entraram no mercado após 1988. Está programadapara os próximos anos uma considerável atualização de alguns dos modelos atualmente emprodução.

Apesar da qualidade de seus produtos, e de sua capacidade tecnológica e mercadológica,as empresas líderes começaram a apresentar dificuldades a partir de meados dos anos 80. Agravidade do quadro atual pode ser avaliada pelos seguintes exemplos:

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- na Europa, Fokker, SAAB, DASA, Alenia e Aeroespatiale estão sendo socorridas pelosseus respectivos governos para sanear sua situação financeira e prosseguir desenvolvendo seusprodutos;

- nos EUA, a Beech passa por dificuldades, tendo despedido pessoal e diminuído aprodução nos últimos anos. A Fairchild abriu falência e despediu pessoal em 1989, masposteriormente obteve um empréstimo para retomar a produção. A Piper abriu falência em 1992 eencontra-se com sua produção praticamente paralisada. Tem ocorrido ainda uma série deprivatizações e incorporações como a aquisição, pela Bombardier, da Canadair do governocanadense, em 1988, tendo este assumido o compromisso de custear o estágio final dedesenvolvimento do seu jato regional.

1.4. As Atuais Tendências de Inovação e a IAe

A IAe foi o setor que primeiro adotou processos automatizados de projeto e manufaturados componentes que integram seu produto final. A exigência de rígidos padrões de qualidade econfiabilidade de seus produtos, mais do que a diminuição dos custos de produção, foi a causaprincipal deste pioneirismo. Inovações como as comando numérico computadorizado, sistemasCAD/CAM, entre outros, foram desenvolvidas no seu âmbito. Foi, por outro lado, um dos setoresque mais cedo introduziu nos seus produtos dispositivos informatizados de controle, inaugurando,também, a tendência à miniaturização dos seus componentes e deflagando a difusão do que seconhece como "eletrônica embarcada".

A fase de montagem, entretanto - e em função dos mesmos requisitos de qualidade econfiabilidade e das pequenas séries de produção e alto valor unitário que caracterizam a IAe - foimenos afetada pelas tendências de mudança na organização da produção que caracterizam setoresaté certo ponto semelhantes, como a indústria automobilística. Conservaram-se, então, no setorcaracterísticas de produção quase artesanal, intensiva em mão-de-obra qualificada e baseada nosaber especializado de grupos de trabalhadores. Portanto, a competitividade nesta indústria sebaseia mais na capacitação científica e tecnológica do que no aproveitamento das novas tendênciasassociadas à flexibilização e integração.

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2. COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA BRASILEIRA

A tendência à supersofisticação observada genericamente na indústria de armamento dospaíses avançados, responsável por cerca de 97% da produção mundial, tem sido interpretada pelosanalistas como resultado da lógica do processo decisório militar e da especificidade do setor. Estatendência traz duas implicações importantes. A primeira é que ela abriu um espaço no mercadointernacional de armamento, do qual cerca de 60% corresponde às compras de países do TerceiroMundo, para produtos de nível tecnológico intermediário, baixo custo de aquisição e operação,mais adequados às situações reais de conflito e às necessidades daqueles países. A segunda é que,devido a citada lógica militar imperante na IAe, a tendência à supersofisticação abarcou aprodução de aeronaves civis dos países avançados. Na verdade ela somou-se à uma outratendência das grandes empresas, determinada por razões comerciais, de privilegiamento daprodução de aeronaves civis de maior porte, originada pela sua usual maior lucratividade e pelaevolução projetada do mercado.

Aumentou, em conseqüência, a probabilidade de ocorrência de nichos de mercado paraaeronaves de menor porte, sofisticação, consumo de combustível, etc, sem que as empresas líderesdo mercado mundial, respondessem com a necessária presteza a essa situação. Assim,aproveitando-se de uma conjuntura momentâneamente favorável alguns NICs e empresasmarginais dos países avançados foram capazes de firmar sua competitividade nesses nichos demercado.

Em meados dos anos 70, a EMBRAER iniciava a exportação de seus aviõescuidadosamente. Ao invés de visar os difíceis mercados americano ou europeu, como primeiraexperiência, ela prudentemente decidiu iniciar suas vendas internacionais pelos mercados mais"fáceis". As restrições ao consumo de combustível trazidas pela crise do petróleo vieram afavorecer o avião turbo-hélice brasileiro em relação a seus competidores movidos a jato, tornandoo Bandeirante uma alternativa muito mais econômica. Claro que a atitude do governo brasileirotambém ajudou: as condições de financiamento, com o respaldo do crédito governamental, foramtão favoráveis que logo provocariam acusações de dumping contra a EMBRAER.

Com a desregulamentação do transporte aéreo regional norte-americano em 1978 acuidadosa política da EMBRAER rendeu consideráveis dividendos. Um avião turbo-hélice, nãopressurizado, de concepção relativamente avançada como o Bandeirante, defrontou-se com ovasto mercado potencial (havia apenas outras três aeronaves presentes no segmento de 10-20passageiros, da Fairchild, da Beech e da de Havilland). Havia, entretanto, um obstáculo para suavenda no mercado americano (e internacional): sua homologação pelo FAA (Federal AviationAdministration).

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As autoridades brasileiras sentiram-se discriminadas com os expedientes protelatórios dogoverno americano. Talvez a discriminação tenha de fato ocorrido. A elevação de 7% para 50%das tarifas alfandegárias para aeronaves leves provenientes do exterior, ocorrida em 1974, logoapós o acordo Piper-EMBRAER (que propiciou a montagem desses aviões no país) pode ter sidointerpretada como uma "reserva de mercado" pelas empresas ou pelo governo norte-americano.Este fato somado às acusações de dumping podem ter contribuído para que somente em 1978 oBandeirante fosse devidamente certificado, o que resultou numa vitória diplomática e comercial damaior importância.

Em função basicamente de seu baixo custo de aquisição e das condições vantajosas definanciamento que apresentou, o Bandeirante alcançou grande sucesso no mercado norte-americano. Em 1982 dominava 32% do mercado dos EUA do segmento de 10-20 passageiros erepresentava 62% das importações deste país neste segmento. Dos cerca de 400 Bandeirantesconstruídos pela EMBRAER, 246 foram exportados, principalmente, para companhias norte-americanas.

Dos projetos desenvolvidos pela EMBRAER depois do Bandeirante dois merecemdestaque por razões opostas. O primeiro é o do Xingu que foi o primeiro avião pressurizadodesenvolvido e produzido pela empresa. Embora tenha sido um fracasso do ponto de vistacomercial ele permitiu à empresa adquirir a capacidade para o desenvolvimento posterior doBrasília e da família de aeronaves subsequente. O segundo, desenvolvido em tempo recorde, abaixo custo e com relativamente pequeno ganho em termos de capacitação tecnológica, foi oTucano. Neste caso, a já aludida capacidade da empresa na identificação de nichos de mercado foifundamental para o grande êxito comercial obtido pela aeronave.

Quando do lançamento do seu commuter de 30 lugares (o Brasília) no mercadointernacional, em 1985, a EMBRAER já possuía razoável experiência e renome entre ascompanhias de aviação. Novamente se apresentou à EMBRAER, em função de uma corretaprevisão da evolução do mercado, e de sua capacidade para dela tirar vantagens, a possibilidadede explorar um nicho de mercado onde existiam apenas três aeronaves. Apesar de que em 1988 onúmero de competidores no segmento de 20-45 passageiros já tivesse aumento para sete, asituação do Brasília já estava relativamente consolidada (29% e 25%, respectivamente, nomercado norte-americano e mundial).

2.1. Fatores Estruturais e Sistêmicos da Competitividade

O fato da implantação de uma capacidade local para a produção aeronáutica ter sido desdeo início considerada pelos militares como algo estreitamente ligado à implementação da doutrina

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de "segurança e desenvolvimento", foi um elemento decisivo para a criação das condiçõesestruturais e sistêmicas da competitividade do setor. Mais do que isto, é impossível entender oprocesso de criação e consolidação da Indústria Aeronáutica Brasileira (IAeB) sem ter presente opapel do Estado, através de um dos seus segmentos mais influentes - os militares. A consideraçãodesses vários aspectos permite entender porque não apenas os fatores empresariais decompetitividade, que dependiam das decisões tomadas pela elite técnica da Força Aérea, mastambém os de natureza estrutural e sistêmica, que de alguma forma dependiam da atuação dosdemais segmentos militares, tiveram condições de implementação.

As condições viabilizadoras da estratégia tecnológica seguida pelo setor começaram a sematerializar no começo dos anos 50, através da criação do Centro Tecnológico da Aeronáutica __

CTA, e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica __ ITA. Bem antes, portando, da instalação daEmpresa Brasileira de Aeronáutica __ EMBRAER, ocorrida em 1969, estas instituições vinhamrealizando pesquisas e formando engenheiros aeronáuticos numa quantidade inicialmente muitosuperior às necessidades do "mercado". Quando da fundação da empresa, foram transferidos paraas instalações construídas pelo Ministério da Aeronáutica não só uma grande quantidade deequipamentos para a produção, como a totalidade da equipe que havia desenvolvido oBandeirante, que viria a se constituir no carro-chefe de vendas durante muitos anos.

Foi a existência de um generoso e continuado apoio do Estado para a formação derecursos humanos de alto nível e a realização de pesquisa básica e aplicada, sem precedentes nahistória do desenvolvimento tecnológico e industrial do País, que viabilizou a adoção pelaEMBRAER de uma estratégia orientada para a autonomia tecnológica. Baseada na aquisição decapacitação num conjunto restrito e criteriosamente selecionado de tecnologias identificadas comode alta fertilidade e imprescindíveis para seu programa de produção industrial e de ocupação denichos de mercado nacional e internacional, e numa adequada combinação entre o conhecimentolocalmente desenvolvido e o obtido mediante acordos de transferência de tecnologia, consultoriaexterna ou licenciamento, a empresa foi capaz de lograr sucessivas etapas na sua trajetória deinovação.

Além da criação do CTA e do ITA foram implementadas, sob a égide do Ministério daAeronáutica, políticas de natureza bastante abrangente e variada de vital importância para oestabelecimento dos fatores de competitividade do setor. Entre elas podem ser citadas:

- o benefício concedido à EMBRAER, sem precedentes no ambiente empresarialbrasileiro, para sua capitalização através da captação de parte do imposto de renda devido porempresas estabelecidas no País, que permitiu o repasse de 500 milhões de dólares, desde a suafundação até 1985;

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- a dispensa de pagamento de impostos de importação e exportação, de comercialização(ICM) até 1988 e de produção industrial (IPI);

- a utilização do poder de compra do Governo, inicialmente mediante encomendas doMinistério da Aeronáutica e do Ministério da Agricultura que viabilizaram a produção da empresadurante os seus oito primeiros anos de existência, e posteriormente mediante novas encomendasque possibilitaram cobrir grande parte dos custos de desenvolvimento;

- a destinação de recursos governamentais através de suas agências de fomento à P&D emediante a compra de ações da empresa;

- a virtual reserva de mercado estabelecida para os produtos de emprego não estritamentemilitar;

- os créditos e subsídios especiais à exportação;

- os empréstimos em condições favoráveis concedidos pelo governo;

- o apoio da diplomacia brasileira ao programa de exportação de aeronaves de emprego militar.

Outros fatores ligados à própria estratégia seguida quando da implantação da IAeBtiveram uma influência significativa no êxito alcançado. Diferentemente da implantação daindústria automobilística (onde corporações transnacionais ocuparam o nível mais elevado daatividade industrial) a EMBRAER foi concebida como uma estatal e como uma montadora final,que se dedicaria exclusivamente à montagem de aviões através da materialização de um projetoaeronáutico endogenamente concebido. Outra companhias nacionais e estrangeiras forneceriam amaioria dos componentes que demandava. Ela não buscaria verticalizar a fundo, edesnecessariamente, a produção de componentes no Brasil; mas poderia determinar comautonomia, em função da posição que ocupava e da estratégia de capacitação tecnológica queadotou, o desenvolvimento do setor.

A EMBRAER não baseou sua estratégia tecnológica na importação de "pacotestecnológicos" a serem posteriormente "abertos", adaptados às condições locais e eventualmenteotimizados mediante "engenharia reversa". Uma sólida capacitação em pesquisa básica e aplicadae uma contínua preocupação com a formação de recursos humanos capazes de se apropriarem desoluções tecnológicas específicas, objeto de consultorias e acordos de cooperação, foi o caminhoprivilegiado para aumentar o potencial inovativo da empresa.

Foi também a partir da capacitação em projeto aeronáutico (em especial na área deaerodinâmica) que foi possível assimilar as demais capacitações não propriamente tecnológicas apartir da associação com parceiros externos e viabilizadas em grande medida através da atuaçãogovernamental. Entre essas cabe destacar a de produção industrial mediante acordo com aAermacchi, para produção do avião militar Xavante, a de comercialização mediante acordo com a

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Piper viabilizado pela virtual reserva de mercado estabelecida pelo governo, assistência técnica emanutenção de aeronaves (acordos de venda com companhias aéreas operadoras) e fabricação decomponentes complexos sob encomenda (subcontratação com a Douglas e a Boeing).

2.2. Fatores Empresariais da Competitividade

2.2.1. A evolução do setor e seu caráter de dependência em relação ao exterior

O êxito competitivo alcançado pela IAeB pode ser avaliado em primeira instância pelaevolução do faturamento e pelo desempenho exportador da EMBRAER.

A evolução da produção é marcadamente influenciado pelo mercado externo, o que por sisó indica o duplo aspecto de dependência em relação ao exterior que caracteriza o setor. Aexistência de um alto volume de exportação e de importação não chega a ser surpreendente, tendoem vista as características da IAe a nível internacional e nacional. Preocupante é a participaçãorelativa que as importações assumem em relação à produção. Somente após 1985 a empresa temapresentado um efeito externo líquido sistematicamente positivo, embora ainda baixo quandocomparado com outros setores da indústria nacional.

A simples consideração da alta proporção das importações no valor da produção (daordem de 50%, em média) seria suficiente para questionar o argumento da importância do setorem nível do comércio exterior brasileiro. Na realidade, essa proporção é consideravelmentesubestimada pois não inclui o valor das importações "embutidas" nos insumos produzidos peloscerca de 400 fornecedores da EMBRAER. Descontando-se tais importações indiretas da receitalíquida obtida entre 1975 e 1988 (US$ 123 milhões anuais) chegaríamos a um total inferior a US$20 milhões de dólares anuais.

2.2.2. A estratégia de autonomia tecnológica e o índice de nacionalização

A existência de uma alta dependência em relação à importação não caracteriza, entretanto,uma situação de dependência tecnológica. A autonomia tecnológica não se reflete necessariamenteno índice de nacionalização, uma vez que o controle da tecnologia pode ser uma meta maisimportante.

Se as autoridades do setor aeronáutico tivessem perseguido a "miragem" do índice denacionalização, ele poderia ser hoje bastante superior a 50%. Isto, entretanto, teria implicado aadoção de uma estratégia tecnológica totalmente diferente da que foi adotada. Ao invés deespecializar-se em segmentos tecnológicos nos quais a capacidade e vocação pudessem apresentar

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vantagens comparativas, o setor teria buscado a produção local de todos os componentes doavião. Para ter uma idéia do que isto implica basta mencionar que o número de países quefabricam motores aeronáuticos com tecnologia própria não é superior a cinco.

Ao contrário do que poder-se-ia imaginar, nem mesmo as matérias-primas e componentesaparentemente menos sofisticados, como as chapas de alumínio extensamente empregadas nafabricação de aeronaves são produzidos no país. Os requisitos de desempenho e qualidade jácomentados obriga que a lista de itens importados pela EMBRAER praticamente se confunda coma de insumos utilizados na fabricação de seus produtos.

Entre os principais países fornecedores de insumos para a EMBRAER estão os EUA (kitsde aviões leves, placas de alumínio, conectores, placas de inox e outras ligas, parafusos e porcas,válvulas, aviônicos, motores); Grã-Bretanha (motores); França (peças e componentes, aviônicos);Itália (kits de aviões militares, peças e componentes); e Canadá (motores). A participação dosEUA, seja como mercado para a produção da empresa, seja como supridor dos principais insumosque a tornam possível é significativa, fato que confirma a tendência internacional.

Assim, além do alto componente importado, deveria preocupar os responsáveis pelo setoro fato de que, mesmo sendo uma empresa pouco verticalizada (como é o que costuma ocorrer naIAe mundial), é muito pequeno o impacto tecnológico efetivo que gera no âmbito da indústrianacional.

Portanto, os indicadores globais de desempenho mostram que a dependência da IAeB emrelação ao exterior é grande e tende a manter-se. Esta característica é especialmente preocupanteem relação às importações, embora possa ser também questionada a alta participação dasexportações na receita da empresa. O fato de que tanto a IAeB como IAe em nível internacionaltendem a ser altamente subsidiadas e que tende a vigorar um mecanismo de fixação de preços nomercado internacional bastante distorcido, exige dos dirigentes do setor uma análise maisaprofundada acerca da real conveniência em incentivar a adoção de um perfil exportador como oobservado. Ele poderia estar, na realidade, implicando perda líquida de recursos ou escasso efeitobenefício/custo global.

2.3. A Evolução dos Indicadores Desagregados de Desempenho e o Caráter da Produção daEMBRAER

Com relação à proporção dos aviões considerados de "alta tecnologia" (AT) no total daprodução da empresa, cabe destacar a diferença entre os valores contabilizados conforme onúmero ou o valor das aeronaves. O valor médio para o período 1971-1991 é de 33% e 93%,

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caso se considere o critério de número de aviões ou de valor estimado da produção,respectivamente. Os dados mostram também que a EMBRAER parece estar consolidando, a partirde 1986, seu perfil de produtora de aviões da categoria AT.

A proporção dos aviões empregados para fins militares no total da produção da empresatomando os critérios de quantidade e valor, é de respectivamente de 30% e 42% na média doperíodo. Com a proporção dos aviões empregados para fins militares de aviões AT tomando osdois critérios sendo de 58% e 48%, respectivamente, durante o mesmo período.

Esses indicadores revelam, portanto, certa contradição em relação às declarações dosresponsáveis pela IAeB acerca do caráter eminentemente civil da empresa. A evolução maisrecente do setor, embora pareça indicar uma tendência de estabilização num patamar mais baixodo que o histórico, não deve ser interpretada como resultado de uma ação intencional nestesentido. Uma vez que tal se deve, fundamentalmente, ao atraso do programa de desenvolvimentodo AMX, do qual haviam sido produzidas apenas 11 unidades até 1991. Contribuíram, também,para esta evolução a manutenção da participação do Brasília na receita total; a queda daparticipação do Tucano; e a ainda pequena participação do AMX na receita total.

O fato de que a produção militar tem-se mostrado ainda crucial para a atividade daEMBRAER é o que justifica, entre outras razões, a ênfase colocada ao longo deste trabalhoacerca de seu caráter estratégico-militar.

2.4. Oportunidades e Obstáculos à Competitividade da IAeB

A análise das condições de competitividade que a EMBRAER apresentava até meados dadécada de 80 mostra que todos os casos bem sucedidos trataram-se de projetos concebidosautonomamente, em função de uma correta identificação de nichos do mercado internacional civil(no caso do Bandeirante e do Brasília) e militares (no caso do avião de treinamento e ataque aosolo, o Tucano). Trataram-se de situações onde a partir de uma capacitação tecnológicasolidamente constituída foi possível traçar uma estratégia de inovação que integrou elementosmercadológicos, de comercialização e assistência técnica apropriados para o contexto nacional.

2.4.1. Viabilidade da recuperação dos fatores estruturais de competitividade

A análise da viabilidade da recuperação dos fatores de competitividade do setor estáfortemente condicionada à avaliação da posição atual dos segmentos militares em relação à IAeB.No caso da Aeronáutica, é sensível a substituição das notícias relacionadas ao sucesso daEMBRAER por uma preocupação em legitimar o programa de pesquisa aeroespacial, como

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evidencia a manutenção do programa de desenvolvimento do veículo lançador de satélites.Adicionalmente, parece estar em curso uma significativa mudança na orientação do tradicionalinteresse da Aeronáutica com a capacitação tecnológica: objetivos relacionados ao projeto econstrução de aeronaves estariam sendo substituídos por uma estratégia de capacitação nas áreasnuclear e missilística.

Quanto à viabilidade da recuperação da capacidade inovativa do setor, em primeiro lugar,ressalta-se que, desde a criação da EMBRAER, existindo ou não causalidade entre os doiseventos, ocorreu um paulatino debilitamento da capacidade científica e tecnológica do CTAdeterminada pela contração de recursos para pesquisa e agravada pelas condições salariais de seupessoal. A transferência para a EMBRAER de muitas das atividades anteriormente desenvolvidasno CTA (assim como boa parte de seu pessoal, equipamentos, etc.) teve um papel evidentementepositivo e importante para os primeiros anos de vida da empresa. Mas, ao assumir atividades depesquisa sabidamente custosas, tradicionalmente financiadas a fundo perdido, e usualmentecaracterizadas por despesas implícitas não computadas, a EMBRAER obrigou-se a internalizarcustos de P&D que tenderam a se avolumar ao longo do tempo. Embora sua participação nofaturamento da empresa seja compatível com o padrão vigente internacionalmente no setor, elessão excessivos quando se considera como denominador o valor da produção efetivamenterealizado pela empresa (isto é, descontando o conteúdo importado).

A expectativa de que a capacitação tecnológica e a capitalização financeira obtida a partirde projetos militares custeados pelo orçamento das Forças Armadas, diretamente ou medianteacordos de aquisição, pudessem aumentar a competitividade da empresa somente se verificoucabalmente no início da vida da empresa. Já há alguns anos a empresa não tem conseguidofinanciar internamente o desenvolvimento de seus projetos. Não obstante o apoio do Estado ter-semantido, a empresa tem sido obrigada a solicitar recursos adicionais ao Ministério da Aeronáutica.

O contexto atual tem se caracterizado pela redução dos recursos governamentais para apesquisa científica e tecnológica. A reversão da tendência de deterioração da capacitaçãotecnológica da EMBRAER, seja diretamente através do financiamento aos seus projetos dedesenvolvimento tecnológico, seja indiretamente através de uma recuperação capacidade do CTAem áreas de algum significado para a empresa - é, portanto, pouco provável.

Por outro lado, a análise da possibilidade que uma parcela maior dos recursos públicosdestinados à P&D possa (ou deva) vir a ser canalizada para a IAeB e para a EMBRAER devetambém basear-se (a) na avaliação de seus impactos efetivos na economia do País; (b) na opiniãoque poderiam ter outros atores que não aqueles diretamente envolvidos com as decisões quedeterminam o direcionamento do setor.

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2.4.2. Viabilidade da recuperação dos fatores empresariais de competitividade

O alto nível de endividamento acumulado pela empresa ao longo dos últimos anos, eprincipalmente a sua composição (baseada em créditos de curto prazo), mais do que a queda nasvendas observada a partir de 1990 parece ser a principal causa imediata da queda observada noseu desempenho.

A análise da evolução da receita líquida da empresa nos últimos anos mostra que, mesmoantes de 1989, quando a receita total vinha crescendo até atingir o valor mais alto até entãologrado, a empresa já vinha apresentando um desempenho preocupante. Naquele ano, quandoforam tomadas drásticas medidas de redução de pessoal, praticamente se duplicou o investimentoem P&D mediante endividamento de curto prazo. Por outro lado, em 1990, apesar da quedaobservada na receita, também não ocorreu um ajuste no programa de investimentos da empresa.

Portanto, tal desempenho agravou-se substancialmente no início da década de 90, quandoem simultâneo a uma diminuição da receita total, verificou-se um resultado líquido negativo daordem de 50%. Isto é, a empresa incorreu em perdas equivalentes a uma vez e meia o valor de suareceita. Assim, mesmo na eventualidade de uma pouco provável recuperação das vendas daempresa até chegar ao patamar alcançado em 1989, alguns anos teriam que se passar até que elapudesse recuperar-se dos prejuízos já incorridos.

Apesar das dificuldades financeiras, as vendas continuavam crescendo até 1989, o queparece ter levado seus dirigentes a apostar no futuro iniciando o desenvolvimento de dois novosprojetos. Esta decisão envolvia um risco bastante elevado, dado que alguns dos elementos jápresentes no contexto nacional e internacional eram suficientemente negativos para tornarem-nadesaconselhável. Por outro lado, tal decisão envolvia a captação de recursos não disponíveis queforam obtidos de uma forma também bastante arriscada: mediante empréstimos de curto prazo.

A análise efetuada indica ainda que o corte de pessoal efetuado em 1990 não parece tersido um ajuste determinado pela queda da produtividade da empresa. Também não parece ser omontante dos salários pagos o fator determinante do resultado negativo acumulado pela empresanos últimos anos. Assim, a julgar pela evolução observada no último período, novas reduções nopessoal ocupado, caso combinadas com a manutenção da tendência declinante das vendas, nãolevarão a um aumento na produtividade da empresa.

Embora desde meados dos 80 se reconhecia que a política de endividamento que estavasendo seguida tinha que ser revista através de novo aporte de capital isto não ocorreu. A situaçãoatual aponta para a necessidade de que - supondo a conveniência da continuidade das operaçõesda empresa, e sem prejuízo de outras medidas de distinto prazo de maturação e referentes a áreasdiversas - o governo contribua para sua solução.

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2.4.3. Viabilidade da recuperação dos fatores sistêmicos de competitividade

. As perspectivas do mercado militar __ a tendência à supersofisticação encontra-se emfranca reversão. A introdução prematura no setor de armamento de "pré-inovações" radicais,ainda não repassadas para a aviação civil e, portanto, sancionadas e otimizadas pela lógicacomercial pode ter sido um fator determinante da tendência à supersofisticação. A evolução darelação desempenho/custo dos produtos intensivos em tecnologias pertencentes ao paradigma emconsolidação não só reforça essa hipótese como sugere que, no futuro, a ação das grandesempresas internacionais tenderá a restringir significativamente o espaço de concorrentes reais epotenciais.

Por outro lado, a evidente redução do mercado militar dos países do Terceiro Mundo, eem especial do Oriente Médio para onde se dirigiram as exportações brasileiras de armamentos, ea concentração das atenções dos países tradicionalmente orientados à produção de armas nosentido de controlarem aquele mercado, reduzem ainda mais as possibilidades de que países comoo Brasil possam voltar a ter ali uma presença ainda que marginal.

. As perspectivas do mercado civil __ em função de arranjos institucionais internos, asituação atual da IAeB pode ser resolvida mediante uma nova transferência de recursos para aEMBRAER. Porém, é evidente que suas perspectivas num prazo menos imediato estãodeterminadas pela possibilidade de que as aeronaves destinadas à faixa dos commuter - cujolançamento estão programadas e que já consumiram uma grande quantidade de recursos para seudesenvolvimento - possam ser comercializadas de forma compensadora. Avalia-se a seguir aprobabilidade de que este fato possa vir a ocorrer.

No que respeita ao Vector (CBA-123), o principal obstáculo não é o desempenhoesperado da aeronave mas sim o seu preço de aquisição demasiadamente alto (cerca de 6 milhõesde dólares), superior ao dos competidores já existentes (Fairchild Beech) e provavelmente acimado correspondente aos modelos cujo lançamento é esperado em breve.

O EMB-145, cujo preço de venda deverá situar-se em torno dos 12 milhões de dólarestambém tenderá a chegar ao mercado quando os modelos cujo lançamento está previsto pelaCanadair e pela SAAB já estiverem sendo comercializados. Além disso, o mercado para um aviãocom as características do EMB-145 é incerto devido ao fato de que as companhias de aviaçãonorte-americanas não decidiram ainda qual será sua estratégia futura: aumentar o número de vôosentre os pequenos e os grandes aeroportos ou introduzir vôos de maior distância entre cidades deporte médio, evitando os aeroportos de distribuição de passageiros situados nos grandesaglomerados urbanos.

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Em resumo, a situação que deverão enfrentar essas aeronaves é muito distinta da existentequando do lançamento do Bandeirante e mesmo do Brasília. É possível afirmar, portanto, que épequena a probabilidade de recuperação dos fatores sistêmicos de competitividade da IAeB nasmesmas bases, dada a existência de um ambiente internacional profundamente distinto daquele emque se deu a consolidação da mesma em anos anteriores.

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3. PROPOSIÇÕES DE POLÍTICAS

O êxito da indústria aeronáutica brasileira (IAeB) não esteve baseado nas chamadasvantagens comparativas estáticas. Mas também não esteve orientado ao atendimento comeficiência de um mercado interno em expansão e ao fortalecimento da capacitação produtiva etecnológica nacional necessária para consolidar a base de insumos que utiliza. Devido a esteúltimo fato, não logrou estabelecer, condições auto-sustentadas de crescimento.

À semelhança do que ocorre a nível internacional, a IAeB possui uma motivaçãoestratégico-militar que legitima, muito mais do que as considerações ligadas à proteção à indústrianascente e de alta intensidade tecnológica, um elevado grau de protecionismo. O ambiente geradodevido a este caráter foi absolutamente determinante para o estabelecimento dos fatores decompetitividade estrutural __ atípicos no restante da indústria brasileira __ possibilitados pelodecidido e continuado apoio governamental de iniciativa dos segmentos militares.

A competitividade alcançada pela IAeB esteve alicerçada numa estratégia de inovaçãoautonomamente definida iniciada da década de 50, que permitiu a oportuna exploração de nichosde média intensidade tecnológica do mercado civil e militar mundial em expansão.

Características inerentes à produção aeronáutica, tais como os requisitos de qualidade edesempenho, reforçadas pela exigüidade do mercado nacional levaram à adoção de uma estratégiatecnológica e industrial marcada por um alto nível de dependência em relação ao exterior. Tantopelo lado da manutenção de uma elevada relação de insumos de produção de altos conteúdotecnológico e valor adicionado, como pelo da destinação em proporção elevada e crescente dosseus produtos, instaurou-se uma situação que tornou a IAeB extremamente vulnerável.

O caráter estratégico-militar, embora tenha sido a causa primeira da competitividade pelaIAeB, terminou levando, dada a deterioração das finanças públicas, a uma situação de crisemanifestada pela diminuição da capacidade demonstrada nos primeiros anos de monitorar astendências do mercado internacional e desenvolver projetos comercialmente viáveis mediantecooperação com parceiros adequados, e pela arriscada opção de financiá-los através deempréstimos de curto prazo.

As dificuldades do cenário nacional vão além de uma contração conjuntural da demandapor aeronaves civis e militares e da virtual paralisação do desenvolvimento tecnológico e industrialde outros setores à montante e à jusante que poderiam atenuar a dupla dependência externa dosetor. A elas tende a se somar a diminuição da capacidade dos segmentos militares em manter seuapoio e a decorrente mudança de perspectiva por eles conferida ao setor. A já elevada proporçãodo orçamento públicos destinada ao desenvolvimento tecnológico militar torna pouco provável

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que recursos adicionais possam ser canalizados para manter os projetos em desenvolvimentoeventualmente capazes de recuperar a posição de competitividade alcançada pelo setor.

Embora possa ser questionado até que ponto o relativo sucesso alcançado pela IAeB emtermos do comércio exterior tenha-se baseado numa real competitividade, não há dúvida de que asrecentes alterações do contexto internacional tendem a tornar sua situação ainda mais delicada.Também neste caso não se trata apenas de uma contração dos segmentos de mercado (militar ecivil) explorados pela IAeB, de natureza conjuntural ou temporária.

No mercado militar estão em curso modificações estruturais que apontam para suacrescente monopolização e controle, e por condições tecnológicas, que tornam muito poucoprovável uma recuperação da IAeB. No mercado dos aviões de pequeno porte, ao protecionismojá existente, somam-se tendências ao aumento dos custos de desenvolvimento e a conseqüenteelevação das séries rentáveis de produção, e à globalização e conglomeração à escala mundial queoriginam uma deterioração dos fatores de competitividade sistêmica da IAeB anteriormenteexistentes. Um grande número de empresas que anteriormente apresentaram excelentedesempenho estão falindo, sendo privatizadas ou absorvidas pelos concorrentes de maior poder debarganha ou grau de subsídio governamental. No âmbito deste processo não parecem existircondições muito favoráveis para empresas ou países do porte e importância relativa daEMBRAER e do Brasil.

À situação determinada pela postura adotada pela EMBRAER na condução de suaatividade empresarial, que se acentua a partir do final dos anos 80 (eleição de novos projetos,obtenção de financiamentos, etc.) e que levaram a uma situação financeira extremamente difícil,somam-se, portanto, tendências de mercado interno e externo claramente adversas.

Ações encaminhadas pela empresa no período recente, como a drástica redução de pessoale a obtenção de recursos governamentais para aliviar seu passivo financeiro, não têm alcançadosucesso, levando a que seu futuro se mantenha indefinido. A longa e até agora pouco profícuaespera a que se estão sujeitando os dirigentes do setor na expectativa de que seja retomado o nívelhistórico de subsídio torna a situação (especialmente a relacionada à sua elevada dívida de curtoprazo) crescentemente difícil e demanda com cada vez mais urgência uma definição por parte dogoverno.

A consecução dos fatores de competitividade da IAeB demandaria, muito mais do que nocaso de outros setores industriais, a adoção de uma política governamental especificamenteorientada, e em especial, para a capacitação tecnológica do setor. A análise da conveniência daadoção de tal política não pode, entretanto, dadas as presentes condições relacionadas à IAeB e àgrave situação em que se encontram outros setores industriais de importância relativa

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possivelmente maior, pautar-se por critérios exclusivamente estratégico-militares como os que nopassado a presidiram.

Os aspectos relativos ao custo associado à manutenção da estratégia industrial etecnológica seguida pelo setor foram apontados neste trabalho, embora, por razões conhecidas,sem tentar dimensioná-los. Em falta de uma estimativa mais acurada, e mesmo não computando ogrande volume de recursos aplicados na criação e manutenção do setor ao longo de sua existência,a simples consideração do endividamento acumulado pela EMBRAER, questão que teria que sersolucionada a curtíssimo prazo, é preocupante. Não existe evidência de que o custo futuro demanutenção da IAeB para o governo possa diminuir. Pelo contrário, a avaliação de aspectos comoa situação do mercado internacional, entre outros, aponta para um provável aumento de um custoque se tem mostrado, se não proibitivo, pelo menos excessivo.

O fato de que a receita (ou o custo de produção) da empresa é praticamente igual ao valordos salários pagos e das importações realizadas, apesar de não ser conclusivo, é tambémpreocupante. Esta constatação, entretanto, não surpreende quando contrastada com a experiênciainternacional do setor de produção de armamento e mais ainda com a que se pode logicamenteesperar do comportamento da IAeB.

A avaliação precisa dos impactos gerados pelo setor (como o verificado em termos dabalança comercial assim como do tecnológico) faz-se fundamental. A ausência de análisesaprofundadas sobre a IAeB tem contribuído para uma situação de desinformação que não ajudaem nada a necessária reflexão sobre as reais restrições e potencialidades do setor.

Entre as alternativas atualmente analisadas no cenário internacional para encaminhar adifícil situação de um número significativo de empresas aeronáuticas que se encontram emdificuldades, está a privatização. Tal alternativa foi tentada, em algumas dessa empresas,posteriormente ao saneamento das mesmas pelo governo, em geral mediante a aquisição porcompetidores estrangeiros. O resultado, apesar do porte dos atores envolvidos, tem-se mostrado,entretanto, pouco estimulante.

No Brasil, a alternativa da privatização - colocada na ordem do dia pela política econômicaadotada pelo governo nos últimos anos - que poderia levar à recomposição das condições decompetitividade da EMBRAER, implicaria possivelmente na compra total ou parcial de seusativos pelo capital internacional. A tendência de reorganização do setor e dos fluxos deinvestimento à escala internacional, a alta dependência da IAeB do mercado externo, o alto riscoinerente à atividade de produção aeronáutica, o próprio volume do investimento já realizado e dadívida acumulada são elementos a serem considerados tanto pelo governo brasileiro como peloeventual comprador. De uma forma geral, a menos que condições artificialmente favoráveis sejam

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oferecidas, não parece provável que alguma empresa estrangeira venha a interessar-se pelonegócio.

Além disso - e ao contrário de outros setores onde a privatização poderia desencadear aadoção de uma estratégia de inovação mais eficiente, embora provavelmente com a perda deefeitos colaterais eventualmente positivos - a privatização da EMBRAER, entendida como umadesnacionalização da IAeB, tem encontrado sérios obstáculos. No meio militar, por razões óbvias.No âmbito dos engenheiros e técnicos, aponta-se (a) a necessidade de proteger e dar continuidadea uma das experiências nacionais mais significativas de capacitação tecnológica; (b) que amudança da estrutura de propriedade da empresa resultaria na adoção de tecnologias e projetosdesenvolvidos fora do país e, assim, mais cedo ou mais tarde, na sua prescindibilidade. No meiosindical, devido à incerteza em relação ao futuro que uma mudança da estrutura de propriedade daempresa em condições críticas determina (sobretudo numa generalizada conjuntura recessiva), e àquase absoluta concentração espacial das atividades do setor, se cristaliza, também, uma forteoposição à privatização.

A virtual impossibilidade, pelo menos à médio prazo, da privatização/desnacionalização daEMBRAER faz com que a recomposição das condições de competitividade da IAeB não possaocorrer de forma "automática", sob a coordenação de um grupo empresarial estrangeiro,demandando, ao contrário, ações específicas articuladas pelo Estado.

Ainda assim, antes mesmo que se coloque seriamente a alternativa da privatização, ou quese proponham ações específicas do Estado no sentido da recomposição dos fatores decompetitividade do setor, a questão chave a ser aprofundada diz respeito à definição da prioridaderelativa que a sua manutenção possui no âmbito da política industrial do País.

Nesse sentido, as proposições de política podem ser resumidas na recomendação de que oselementos de juízo aqui oferecidos, juntamente com outros proporcionados pelas instânciascompetentes, sejam avaliados no nível decisório adequado com o objetivo de encaminhar aurgente e profunda reorientação que o setor está a demandar.

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4. INDICADORES DE COMPETITIVIDADE

A definição de indicadores de competitividade para a indústria aeronáutica é tarefa degrande complexidade em função das condições particulares que regem a produção e o mercadonesse setor, em especial no que se refere às aeronaves de emprego militar.

Propõe-se a seguir uma família de indicadores de uso geral para a avaliação dacompetitividade no setor.

. Indicadores de desempenho

- número e valor das aeronaves produzidas por ano

- receita líquida das empresas

- grau de endividamento das empresas (de curto e longo prazo)

- produtividade - pessoal ocupado/número de aeronaves Alta Tecnologia e Total

- produtividade - pessoal ocupado/valor de aeronaves Alta Tecnologia e Total

- preços de venda das aeronaves competidoras por segmentos de mercado

. Indicadores de mix de produtos

- ano de lançamentos dos modelos

- proporção de aviões Alta Tecnologia no total (em valor e quantidade)

- proporção dos aviões militares no total (em valor e quantidade)

- proporção de aviões militares no total Alta Tecnologia (em valor e quantidade)

. Indicadores de grau de dependência

- participação das importações no valor da produção

- efeito externo líquido (balança comercial do setor e por aeronave/valor da produção)

- estrutura de fornecedores e compradores

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. Indicadores de esforço tecnológico

- investimento em P&D em relação ao faturamento

- investimentos em P&D em relação ao conteúdo local da produção (faturamento -importações de componentes)

- relação recursos próprios/recursos totais em P&D

- relação financiamentos a fundo perdido/gastos totais em P&D

- relação gastos em P&D militar/P&D total das empresas

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APRESENTAÇÃO

Este trabalho apresenta os principais fatores de competitividade presentes na evolução daindústria aeronáutica brasileira (IAeB) com o objetivo de analisar as alternativas possíveis deadoção de políticas governamentais visando a superação da difícil situação em que se encontra aindústria.

O primeiro capítulo traz considerações sobre a Indústria Aeronáutica mundial (IAe)procurando destacar suas especificidades em relação a outros setores industriais de altaintensidade tecnológica e caracterizar as dinâmicas dos diferentes mercados (aeronaves militares,comerciais de grande porte e commuters) que atende. Especial atenção é dada à sua orientaçãoestratégico-militar, ao alto nível de protecionismo em grande parte dele resultante, e às intensasmodificações em curso no mercado internacional que configuram uma situação adversa aosfabricantes de aeronaves do tipo produzido pela IAeB.

As três primeiras seções do segundo capítulo abordam os fatores de competitividadeobservados na IAeB. Nelas se analisa a geração, a partir de um continuado apoio governamentalde iniciativa dos militares, de uma estratégia de autonomia tecnológica centrada menos naprodução ou aquisição de tecnologias específicas e mais na constituição de um enfoque deengenharia de sistemas, que se encontra na origem do relativo êxito alcançado. A par decaracterizar os aspectos positivos da evolução do setor responsáveis pelo nível de competitividadealcançado até o final da década dos 80, se explicitam os aspectos negativos que posteriormenteviriam a manifestar-se determinantes da considerável mudança da situação observada.

A quarta seção desse capítulo, mediante uma abordagem integrada dos três tipos defatores de competitividade, analisa o processo de sua deterioração. Nela se mostra que apesar doimpacto negativo das tendências presentes no mercado internacional, para onde se dirige umaparcela grande e crescente da produção do setor, foi a existência de condicionantes internos acausa principal da grave situação em que se encontra.

O capítulo final resume alguns dos pontos mais importantes para uma avaliação dasopções de encaminhamento da situação atual. Sem pretender ser conclusivo, ele destaca aquelesrelacionados às tendências do mercado internacional e à pequena contribuição que o setorapresenta em termos globais. Contrariamente à posição usualmente sustentada é argumentado que oefeito negativo ou desprezível da IAeB em termos de balança comercial, e seu reduzido impactoeconômico e tecnológico frente à indústria nacional, são elementos que não recomendam oprosseguimento da política de subsídio ao setor até agora implementada. A alternativa da privatização éexaminada mostrando as pré-condições que demanda e as implicações que pode determinar.

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1. TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS DA PRODUÇÃO E DO MERCADOINTERNACIONAL DE AERONAVES

Um aspecto fundamental para o entendimento das características da indústria aeronáutica(IAe), que se revela tanto em nível internacional como nacional, é a de atender a dois mercados -civil e militar. O fato dos dois tipos de produtos possuírem características distintas (apesar deserem freqüentemente fabricados pela mesma empresa), entre outras razões, determina aexistência de dois mercados com dinâmicas competitivas bastante diferenciadas.

1.1. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves Militares

Para o mercado militar de aeronaves, e à semelhança do que ocorre para os demaissegmentos da indústria de armamentos, é o desempenho do produto, acima de qualquer outrocritério, o que orienta as decisões de aquisição. A capacidade de inovação do setor dearmamentos é fortemente influenciada por fatores externos à empresa, cuja administração se situana órbita estatal, sendo a proporção dos gastos em P&D financiados pelo Estado dos paísesavançados uma das mais altas da indústria. Prestígio, autonomia e segurança nacionais são oselementos fundamentais que presidem sua dinâmica de inovação tecnológica. Na verdade, estatem-se constituído no componente central da busca pela superioridade militar. A título de exemplovale citar que no passado recente a proporção dos recursos públicos norte-americanos alocados àP&D militar e áreas correlatas (aeroespacial e nuclear) chegou a representar 85% do total.

A diferenciação do produto e a segmentação de mercado são estratégias inerentes ao setorde armamentos, ao ponto de virtualmente eliminarem a possibilidade de competição entreprodutos. Ao contrário do que se verifica no mercado civil, onde as decisões de compra sãotomadas por consumidores atomizados, o Estado é, no mercado militar, o único comprador. Aaquisição de equipamento militar costuma ser um desdobramento de uma intrincada, longa ecustosa cadeia de eventos. Ela se inicia pela sua especificação genérica por parte de um dosserviços das Forças Armadas, gerando a elaboração de um projeto de desenvolvimento, aconstrução de protótipos, um programa de testes, até sua produção em escala industrial.Tipicamente, no valor de aquisição de um lote de um equipamento estão incluídos os gastosreferentes a todas as fases que a possibilitam.

A produção de aeronaves militares se verifica nos países avançados no âmbito do setoraeroespacial, responsável também por equipamentos de intensidade tecnológica e sofisticaçãoainda maiores, como são os mísseis e foguetes. Não só o processo de P&D está sujeito aprocedimentos comuns. A própria produção dos componentes e principalmente a montagem final

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desses equipamentos militares é realizada pelas mesmas empresas. O valor unitário de umaaeronave militar ultrapassa facilmente a casa dos milhões de dólares.

A motivação estratégico-militar para a criação e manutenção do setor aeronáutico éamplamente reconhecida na literatura como sendo a fundamental. E isto apesar do fato de que,por exemplo, a produção aeronáutica civil nos países da OECD tenha sido, em 1989, apenas 33%menor do que a militar. A produção civil é encarada como uma maneira de manter a capacidadetecnológica e de produção que pode vir a manifestar-se como necessária em tempo de guerra. Naverdade a única exceção a este padrão é a Holanda, sua empresa aeronáutica, a Fokker, nuncateve propósitos militares. Para todos os outros países de economia não planificada que produzemaeronaves (EUA, França, Grã-Bretanha, Espanha, Itália, Canadá, Suécia, Brasil, Indonésia) pode-se identificar a motivação estratégico-militar como o principal fator que levou à implantação dasinstalações para a produção aeronáutica. Isto ocorre até mesmo em países como a Alemanha e oJapão, que após a Segunda Guerra Mundial foram impedidos de engajar-se na produção deaeronaves militares.

Uma outra motivação, igualmente usada como argumento para legitimar o apoio estatal àIAe é o fato dela ser considerada uma "locomotiva" tecnológica. Assim, sem excluir outrasformas, o subsídio a este setor tende a concentrar-se nas atividades de desenvolvimentotecnológico. Nos países da OECD, com exceção do Japão, o governo financia entre 30 e 70% dosgastos de P&D das empresas do setor aeroespacial, o que faz desse setor o de maior intensidadede P&D. Para ter-se uma idéia do montante dos recursos aplicados, a estes gastos teriam que seradicionados aqueles efetuados por agências governamentais que direta ou indiretamente terminambeneficiando as empresas do setor.

Embora o pessoal empregado pelo setor aeronáutico seja relativamente pequeno, tratam-sede empregos de alta qualificação e portanto remuneração, algo que vem se tornando cada vezmais importante, sobretudo no âmbito das economias avançadas. Argumentos relacionados àintensidade tecnológica e ao emprego, na medida em que se referem à atividade de empresas queproduzem produtos de uso civil e militar, terminam atuando no sentido da manutenção dossubsídios do setor aeronáutico como um todo.

Antes de passar à consideração da produção civil, que é a que parece ser a maisimportante para a análise das perspectivas da IAeB, há que ressaltar o fato de que a contínuaampliação da capacidade de inovação para a produção de aeronaves militares tem impactadodiretamente a produção civil. Isto, inclusive, devido a que as grandes empresas do setor, tanto as"montadoras" como principalmente as fabricantes de componentes, produzem para ambos osmercados. Assim, dado que a dinâmica da IAe é presidida por uma lógica militar, mesmo ocomportamento inovativo de seu componente civil, e em conseqüência seus determinantes de

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competitividade, não podem ser explicados sem levar em conta este fato. Essa característicadistintiva da IAe determina que grande parte da análise acerca dos determinantes decompetitividade tenda a se afastar dos padrões usuais e a se concentrar nas suas causas primeiras.

1.2. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves de Emprego Civil

Para o mercado civil se adequa o tipo de critérios e análises elaboradas para outros setoresprodutores de bens de uso civil de alta intensidade tecnológica. Os produtos devem atender arígidos padrões de qualidade, confiabilidade e desempenho, praticamente não existindo trade offou gradação entre estas características versus o preço de venda. Os produtos possuem elevadovalor unitário e alto valor adicionado e são fabricados em séries relativamente pequenas. Seu ciclode vida é relativamente alto e a assistência técnica pós-venda é um fator extremamente importantenas decisões de aquisição. As transações são poucos freqüentes mas de alto valor, sendo comum aprodução por encomenda e a existência de uma alta interação entre vendedores e compradores.Estes são, geralmente, organizações de grande porte e complexidade, que possuem uma vastainformação e capacidade de avaliação a respeito do produto e do mercado. Os custos dedesenvolvimento tecnológico são elevados e crescentes no setor aeronáutico, sendo freqüente aexistência de acordos de colaboração entre empresas e países.

Para se ter uma idéia das características do mercado aeronáutico civil é suficiente constatarque 90% do mercado dos países de economia não planificada era suprido por treze companhiascom base nos EUA e com extensas redes de vendas e manutenção espalhadas por todo o mundo;que menos da metade dessas firmas produzem motores aeronáuticos; que 75% da produção norte-americana é de responsabilidade de apenas três companhias; e que menos de dez países dochamado Terceiro Mundo possuem instalações capazes de produzir aviões, e estas servem quaseque tão somente para satisfazer necessidades locais, de cunho estratégico-militar.

1.2.1. Padrões de desenvolvimento e internacionalização

Bastante antes do que veio a ocorrer em outros mercados de produtos industrializados, omercado de aeronaves sofreu um processo de internacionalização. Dois fatores foram decisivospara este processo. Em primeiro lugar, o fato de que, com exceção dos EUA nenhum outro paíspossuía um mercado suficientemente grande para, com o nível de subsídio tolerável, arcar com oscustos de desenvolvimento e produção de aeronaves. Em segundo lugar, porque os padrões desegurança e desempenho no campo de aviação civil são estabelecidos mediante acordosinternacionais. Desta forma, mesmo na improvável situação em que um avião pudesse serprojetado apenas para o mercado interno de um determinado país (constituído pelas suas

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companhias de transporte aéreo), ainda assim ele teria que atender aos requisitos internacionaispara aquela classe de aviões. Esta situação faz com que a indústria aeronáutica seja uma indústriaintrinsecamente internacionalizada, uma vez que mesmo quando orientada para o mercado interno,ela tem que produzir num patamar de qualidade e desempenho (ainda que não necessariamente decusto) semelhante à fronteira internacional, ao contrário do que ocorre em outros setores, como aindústria automobilística, por exemplo.

Assim, a orientação para o mercado externo é não somente uma necessidade determinadapela busca de economias de escala como uma possibilidade ensejada pelo nível tecnológico dequalquer forma exigido para a produção. A entrada de empresas de países com pequenacapacidade tecnológica relativa na produção aeronáutica costuma se dar em condições a prioridifíceis, uma vez que o custo a ela associado tente a ser, à exceção do custo da mão-de-obra, maiselevado. A entrada no mercado internacional, dado que praticamente mandatória, costuma ocorrera partir da manipulação pela empresa (e pelo país) da única variável de ajuste a seu alcance, isto é,o preço de venda.

Em conseqüência, a decisão de implantação de uma capacidade de produção aeronáuticanum dado país (e de sua manutenção) não pode prescindir de uma avaliação do custo deoportunidade, ou do nível de subsídio, associado a produzir num patamar de qualidade edesempenho compatível com o estado-da-arte internacional. Este fato, pouco considerado quandose analisa a produção aeronáutica em nosso país, é fundamental para entender seu processo dedesenvolvimento e suas perspectivas futuras.

1.3. Características do Mercado de Commuters

O mercado civil pode ser dividido em três grandes categorias. A das aeronaves de grandeporte para transporte de carga e passageiros (acima de 120 assentos), a dos aviões pequenos parauso executivo, esporte, na agricultura, etc, e a dos aviões de médio porte usado pelas companhiasde tráfego aéreo regionais (de 10 a 120 assentos). Esta última categoria, cuja designação eminglês - commuter - passou a se utilizada também em outras línguas é, por razões que dizemrespeito às possibilidades de sobrevivência da indústria aeronáutica brasileira, a que será analisadacom maior detalhe neste trabalho.

Esta categoria é atualmente a que apresenta maior competição, dinamismo e instabilidade.As barreiras à entrada são relativamente baixas, assim como é grande o número de falências,incorporações e associações. O mercado da categoria é segmentado em função da capacidade daaeronave. Ele é usualmente dividido em três segmentos: 10 a 20 lugares, 20 a 45, e mais de 45passageiros. No âmbito de um mesmo segmento a decisão de compra das companhias aéreas

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depende fundamentalmente do preço de aquisição por assento. Outros parâmetros, como o custode operação e de manutenção e, por exemplo, no caso dos aviões de menor porte, o fato daaeronave ser pressurizada ou não também são tomadas em conta. Existem atualmente cerca dequinze empresas e dez países envolvidos com a produção de aeronaves commuter.

O fato da categoria dos commuters ser mais distante do mercado militar do que os aviõesde grande porte não chega a atenuar a tendência à manutenção do protecionismo. No âmbito deparcela considerável do mercado, constituído por países de porte geográfico ou econômicomenor, ou que por qualquer outra razão possuam uma percepção de ameaça pouco exigente emtermos tecnológicos, existe uma relativamente maior associação entre o segmento militar e o decommuters. Neste caso, o subsídio ao segmento militar confunde-se e reforça, ao contrário do quepoderia ocorrer em países que possuem uma percepção de ameaça mais exigente em termostecnológicos.

1.3.1. A desregulamentação do transporte aéreo norte-americano

Um fato que marcou a evolução da categoria dos commuter e que é fundamental paraentender suas características atuais e tendências futuras foi a desregulamentação do mercadonorte-americano de transporte aéreo em 1978. A tendência observada desde os anos 60 até então,era de que o custo de aquisição e operação das aeronaves usadas nas linhas de longa distânciavinha caindo mais do que o correspondente às de curta distância. Este fato, aliado àregulamentação do mercado de transporte aéreo (que estabelecia a tarifa em função da distânciaentre as cidades e o volume de tráfego), permitia que a margem de lucro associada às linhas delonga distância fosse sistematicamente mais elevada. Com a desregulamentação, um grandenúmero de pequenas empresas aéreas entrou no mercado e algumas grandes empresasdiversificaram sua atividade no sentido da aviação de curta distância. Como resultado do aumentoda competição, houve um aumento da qualidade dos serviços, os preços diminuíram e a demandaaumentou sensivelmente.

Para se ter uma idéia do que significou a desregulamentação do transporte aéreo dos EUAem termos do aumento da demanda de aeronaves da categoria commuter, convém lembrar quesuas cercas de 180 companhias regionais transportam atualmente mais de 30 milhões depassageiros por ano, o que representa um pouco mais da metade do total mundial. Em função dadesregulamentação as empresas passaram a fixar os preço da passagem a partir da elasticidade dademanda de cada rota e do custo marginal de operação, sendo que a principal variável de ajustepassou a ser o tipo de aeronave empregado. Em conseqüência, o mercado da categoriatransformou-se significativamente, aprofundando-se sua segmentação. Embora tenha aumentado ademanda de aeronaves de todos os segmentos a maior taxa de crescimento se verificou na faixaentre 30 e 40 assentos, que cresceu 550% nos oito anos posteriores à desregulamentação.

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Os ajustes que se seguiram à desregulamentação levaram a uma diminuição das tarifas delonga distância em cerca de 40% e a um aumento das de curta distância em aproximadamente15%, entre 1978 e 1988. O resultado desse processo foi positivo para as grandes companhias deaviação. Na medida em que elas dividem entre si o tráfego de longa distância nos principaisaeroportos norte-americanos, elas foram capazes de assegurar para si as linhas de curta distânciamais lucrativas. O mesmo não ocorreu com as pequenas, que passaram a partir dos anos 80 aredimensionar suas atividades e, em conseqüência, a reduzir as encomendas de novas aeronaves.

1.3.2. A tendência à manutenção dos subsídios na produção de commuters

Em função dos ajustes ocorridos após a desregulamentação, as empresas fabricantes decommuters passaram a fixar seu preço no mercado internacional, que é para onde necessariamentetêm que se orientar, em função de quatro fatores:

- elasticidade da demanda das companhias de aviação regional;

- competitividade em relação aos concorrentes no segmento de mercado (preço xdesempenho dos produtos);

- custo real de produção, isto é sem subsídio governamental;

- nível de subsídio governamental.

A condição de permanência no mercado de uma dada empresa é determinada pelo arranjopossível entre os três últimos fatores, uma vez que o primeiro escapa totalmente do seu campo deingerência, principalmente quando se trata de companhias de aviação estrangeiras. O segundoencontra-se estreitamente ligado ao terceiro uma vez que os compradores tendem a assumir umcomportamento bastante racional nas suas decisões de compra. É por outro lado particularmentenotável no setor da produção de aeronaves a existência de uma estreita correlação entre custo dedesenvolvimento tecnológico e desempenho. O custo de produção, por sua vez, é estreitamentedeterminado pelo custo de desenvolvimento tecnológico.

Com relação ao primeiro fator, o que se tem observado após mais de uma década dedesregulamentação é que as companhias de aviação regional têm-se mostrado capazes depressionar os preços das aeronaves que utilizam mantendo-os num nível inferior ao do custo realde produção. Isto tem obrigado as empresas aeronáuticas a reduzirem seus custos de produção eprincipalmente de desenvolvimento, e, por outro lado, exigir a manutenção de um nível desubsídio elevado por parte dos governos dos países produtores.

Com relação aos dois últimos fatores citados, dado que sua identificação é quaseimpossível, visto que o subsídio ocorre tanto previamente como durante a produção e mesmo na

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fase de comercialização, os fabricantes de aeronaves têm-se tornado cada vez mais incapazes deplanejar realisticamente suas atividades a longo prazo e passaram a depender de forma crescentede subsídios governamentais.

1.3.3. A exploração do conceito de família na produção de commuters

Além da crescente cooperação entre as principais empresas aeronáuticas para olançamento de novos produtos, uma outra tendência a ela associada encontra-se em vigência nomercado de aeronaves civis, e principalmente no de commuters, visando atenuar a crescenteelevação dos custos de desenvolvimento. Trata-se da exploração do conceito de família deaeronaves. Embora as primeiras famílias tenham surgido com o desenvolvimento, a partir de umaaeronave existente, de versões de maior capacidade, em geral alongadas, com maior potência eautonomia, e melhor desempenho, atualmente o planejamento das empresas envolve o projetoconjunto ou pelo menos concatenado de aeronaves destinadas aos diferentes segmentos domercado.

Para o fabricante as principais vantagens são a economia de escopo no projeto (comconseqüente redução de custo e tempo de desenvolvimento) e produção. A experiência dealgumas empresas tem mostrado que os custos de desenvolvimento podem ser reduzidos à metadepara o segundo membro de uma família de aeronaves. Existem, por outro lado, consideráveisvantagens para o usuário, o que torna essa tendência ainda mais significativa. A existência decomponentes e sistemas comuns permite a redução de estoque e de despesas de manutenção ereparo, e uma não menos importante redução dos gastos de treinamento de pessoal embarcado ede terra. Em conseqüência, a tendência de evolução do mercado dos commuter está hojeestreitamente ligada ao conceito de família. Ao invés de um relativamente grande número defirmas dominando segmentos específicos se está evoluindo para um número menor de empresascom famílias de produtos situados em cada segmento importante.

1.3.4. A tendência ao aumento dos custos de desenvolvimento

Mas se por um lado reduzem-se os custos de desenvolvimento para cada modelo deaeronave, o associado à uma família é ainda grande. Uma importante conseqüência do aumento dacompetição entre as companhias de aviação para oferecer serviços cada vez melhores foi umacrescente pressão no sentido da sofisticação das aeronaves. Requisitos como pressurização, vãolivre da cabine, nível de ruído, autonomia, entre outros, passariam a ser cada vez mais exigenteslevando a um contínuo aumento dos custos de desenvolvimento e produção das aeronaves. Asdespesas de desenvolvimento de uma nova aeronave são atualmente da ordem de 1 a 2 bilhões dedólares, sendo as de P&D de cerca de 250 a 650 milhões de dólares, o que torna o número de

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unidades necessárias para amortizar estes custos superior a 300. Assim, mesmo com a exploraçãodo conceito de família de aeronaves tendem a ocorrer níveis de investimento além daspossibilidades de auto-financiamento das empresas do segmento commuter, o que vem a reforçara tendência à cooperação entre as empresas do setor.

A situação descrita, de relativa superioridade do lado da demanda no mercado decommuters, é agravada pelo fato de que as empresas aeronáuticas costumam entrar no mercadocom uma nova aeronave num estágio imediatamente posterior ao do desenvolvimento do produto,em que o subsídio governamental é usualmente elevado. Mesmo quando a empresa conseguecapturar uma fatia importante do mercado, o que tende a ocorrer mediante a adoção de preçossubsidiados, ela será forçada a mantê-la por mais de uma década, prazo no qual se esperaamortizar o investimento realizado. Na medida em que este é um comportamento generalizadoentre os produtores, tende a se instaurar uma situação de protecionismo.

1.3.5. Trajetórias de aprendizado e protecionismo

A expectativa de que em função da trajetória de aprendizado das empresas o nível deprotecionismo e subsídio pudesse ser reduzido não tem-se verificado. Embora tenha sido noâmbito da análise da produção aeronáutica do imediato pós-guerra que se tenha formulado oconceito de curva de aprendizado, e que a partir de então tenha sido a sua existência a justificativaracional do protecionismo em indústrias nascentes, a experiência atual do setor não parecesancionar o tipo de comportamento previsto. A existência de curvas de aprendizado convexas emrelação à origem, que se constitui no argumento que justifica uma temporária proteção àsempresas nascentes de modo a permitir um "catching up", parece não se verificar na produçãoaeronáutica. Em primeiro lugar, porque embora tenda a ocorrer um ganho de aprendizado naprodução de uma determinada aeronave, à medida em que ela é utilizada pelas companhias deaviação, tendem a ser requisitadas modificações às vezes significativas. Elas atuam no sentido dediminuir as já pequenas quantidades em que um mesmo produto é fabricado atenuando a tendênciaà redução do custo unitário de produção. Em segundo lugar, porque cada vez que ocorre umamodificação significativa na concepção dos produtos ou nos processos de fabricação, e omomento atual se assemelha em muito a uma situação deste tipo, tende a iniciar-se um novoperíodo de aprendizado no interior da empresa. Em terceiro lugar, as inovações de processointroduzidas na área de manufatura e principalmente de projeto tendem a colocar em xeque avalidade do conceito de curvas de aprendizado e talvez, inclusive, sua existência.

Assim, mesmo que se aceite a existência de curvas de aprendizado, o fato delas tenderem aassumir uma forma distinta da anteriormente suposta e de não necessariamente vigorarem para oconjunto dos vários programas de produção de uma dada empresa ao longo do tempo, somado ao fatode que o setor está submetido a rígidos requisitos de qualidade e desempenho definidosinternacionalmente, faz com que o subsídio não possa ser assumido como uma situação transitória.

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1.4. A Situação do Mercado de Commuters

A tabela 1 apresenta uma visão sintética da situação atual do mercado internacional decommuters para o ano de 1990, classificado em função dos seus segmentos.

TABELA 1

MERCADO MUNDIAL DE COMMUTERS(1990)

PREÇO PREÇO PART. PART. AERONAVE ANO CAPAC. APROX. /ASS. NUM. VAL. PROC. COOP. FAMÍLIA (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9)

Segmento de 10-20 passageiros Fairchild 81 19 4 211 13% 13% EUA - s BAe-31 73 19 4 211 35% 35% GB - s Beech-1900 82 14 3,9 279 40% 40% EUA - - CASA-212 71 19 4 211 4% 4% Ind Esp s Dornier-228 82 19 4 211 9% 9% Ale - s Participação do segmento no total

Segmento de 20-45 passageiros Havil. 8 84 40 9,65 241 34% 35% Can Irl s SAAB-340 82 37 8,8 238 22% 21% Sue EUA s ATR-42 84 50 10,6 212 15% 18% Ita Fra s EMB-120 83 30 7,6 253 24% 20% Bra - s CASA-235 83 44 9,9 225 5% 5% Ind Esp - Participação do segmento no total

Segmento de mais de 45 passageiros Havil. 7 75 56 12,5 223 0% 0% Can Irl s Fokker-50 85 58 12,5 216 30% 19% Hol - s Fokker-100 86 120 28,5 238 27% 39% Hol Ale,Ir,I s ATR-72 88 74 12,9 174 11% 7% Ita Fra s BAe-ATP 86 72 13,7 190 12% 8% GB - - BAe 146-300 83 122 25,9 212 21% 27% GB Sue s Participação do segmento no total

(1) Ano de lançamento do modelo.(2) Número máximo de assentos.(3) Preço estimado, em milhões de dólares.(4) Em milhares de dólares por assento.(5) Relação entre o número de unidades comercializadas e o correspondente ao total do segmento.(6) Relação entre valor das unidades comercializadas e o total do segmento.(7) País onde se realiza a produção da aeronave. 'Ind' significa Indonésia.(8) Outros países envolvidos no projeto de desenvolvimento ou fabricação da aeronave ou da família a ela associada.(9) 's' significa se foi ou está sendo desenvolvida uma família de aeronaves a partir da indicada.Fontes: Air Transport World, vários números; ICAO Annual Reports of de Council, 1986-1990; Aviation Week and Space

Technology, vário números; FRISHTACK, 1992 e estimativas.

Como se pode constatar, é elevado o número de países (10), empresas (11) e modelos (16)no mercado de commuters. Como é elevada também a quantidade de associações entre países paradesenvolver um número crescente de novas famílias de aeronaves. Existem, entretanto, uma média

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de cerca de três ou quatro outros modelos em processo de desenvolvimento para cada uma dasaeronaves atualmente no mercado. Estes novos modelos são novas versões de capacidadesemelhante aos já existentes ou, na maioria das vezes, extensão ou "reduções" dos mesmos nointerior de uma mesma família. De acordo com os planos das empresas aeronáuticas atualmenteem vigor, o mercado dos commuters deveria abrigar nos próximos anos cerca de 40 modelosdistintos, o que como se discutirá posteriormente não parece viável.

1.4.1. A presença norte-americana e o padrão de competição no mercado de commuters

Como mostra a tabela 1, e isto é um fato de significativa importância na determinação dopadrão de competição vigente no mercado de commuters, a presença norte-americana no mesmo éconsideravelmente menor do que a verificada na categoria das aeronaves de grande porte. As duasempresas americanas que atuam na categoria commuters o fazem no segmento de aeronaves demenor capacidade e sofisticação, onde detêm atualmente cerca de 53% do mercado. Nos outrosdois segmentos, responsáveis por uma parcela muito maior do volume comercializado, os EUAestão ausentes, o que implica numa participação na oferta total de apenas 10%.

Essa situação parece estar fundamentada na capacidade dos EUA em manter um regime depreços no segmento dos commuters que o torna pouco atrativo para as companhias norte-americanas. Um elemento indicativo desta capacidade é o Agreement on Trade in Civil Aircraft(GATT, Genebra, 1985). Ele estabelece o acordo entre os signatários de que os aviões civisdevem ser comercializados a preços que remunerem de forma realista todos os custos incorridosna sua produção, inclusive aqueles decorrentes da P&D militar. O fato de que os recursostransacionados no mercado de aeronaves de grande porte seja muito maior do que o verificado nomercado de commuters, faz com que essa situação passe despercebida. Por outro lado, o mesmoGATT, em 1979, referindo-se particularmente ao segmento dos aviões leves, deixa a questão darelação entre custo e preço de venda em aberto. Assim instaura-se um conjunto de normas epráticas de comércio internacional favorável aos países que possuem fabricantes de aeronaves degrande porte (os EUA: McDonell-Douglas e Boeing e os países europeus envolvidos no consórcioAirbus), e tende a penalizar os países e as empresas produtoras de aviões commuter.

Finalmente, embora uma parcela bastante pequena da produção de aviões do tipocommuter seja atualmente efetivada nos EUA, uma grande parte dos aviões produzidos no mundoutilizam componentes norte-americanos. As empresas norte-americanas do setor, que produzemcomponentes relativamente sofisticados e de alto valor agregado para as grandes empresasaeronáuticas fornecedoras do mercado militar e civil daquele país, puderam beneficiar-se doaumento verificado na produção de aeronaves da categoria commuter. Isto porque, embora acapacidade de engenharia de sistemas desenvolvida pelas empresas "montadoras" nos vários países

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seja uma condição necessária de sua competitividade, um elemento também crucial é a qualidadedos componentes que incorpora em seus produtos.

A superioridade norte-americana no mercado de aeronaves civis, tanto do lado da ofertade componentes e de aeronaves de grande porte (cujo valor de produção total é muito maior doque o de commuters), como do lado da demanda, é um elemento explicativo da difícil situaçãoque se observa à escala internacional no mercado da categoria commuter. A tendência gerada poressa superioridade tende a reforçar os condicionantes ligados às motivações estratégico-militares ede prestígio, internos a cada um dos países presentes no mercado, levando a uma situação deimpasse. Algumas poucas firmas poderão alcançar sucesso, seja a partir de uma competitividadereal seja espúria, baseada no subsídio governamental, outras não, e necessitarão ser socorridaspelo Estado ou absorvidas por um competidor.

1.5. Evolução Recente e Perspectivas do Mercado de Commuters

Os gráficos 1 e 2 indicam a evolução da produção de commuters em quantidade e valor apartir de 1982, ano em que se inicia um período de intenso crescimento. Suas fontes são asmesmas indicadas na tabela anterior. O gráfico 1, que apresenta o número de aeronavesproduzidas, permite apreciar que o segmento de maior capacidade (mais de 45 passageiros) é omenos numeroso, embora em função do crescimento verificado a partir de 1987 apresente umatendência a igualar-se ao de menor capacidade (10-20 passageiros). O segmento de 20-45 é, desde1986 o mais numeroso. Em relação ao conjunto da categoria, pode-se observar que após umperíodo de crescimento acelerado em 1984-88 ela tende a estacionar e posteriormente a diminuirainda que levemente.

Porém, mais importante do que apreciar a evolução do número de unidades produzidas decada modelo de aeronave é avaliar o volume de recursos envolvidos na sua produção. Para tantofoi traçado o gráfico 2 a partir do preço de venda médio estimado. Através dele é possívelobservar uma situação significativamente distinta da anteriormente comentada.

A participação relativa do segmento de 10-20 passageiros tem-se mostrado constanteenquanto que o de capacidade intermediária, e depois o de maior número de passageiros, têmapresentado uma maior taxa de crescimento; sendo este último, desde 1988 o mais importante emtermos de valor. Em relação ao conjunto da categoria dos commuters, pode-se observar que apósum período de crescimento acelerado o valor da produção tende a diminuir a partir de 1989 numaproporção maior do que a observada no número de unidades produzidas. Os dados acerca docomportamento dos diversos segmentos, ainda não disponíveis com um nível de detalhecompatível necessário, indicam a manutenção da tendência de queda observada a partir de 1990.

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A estagnação da demanda por aeronaves do segmento de 10-20 lugares e a diminuição, nocaso dos dois segmentos de maior capacidade, a partir de 1989, é especialmente grave para asempresas aeronáuticas dado que ocorre num momento em que elas haviam preparado sua atividadefutura supondo um período de manutenção da tendência de crescimento observado nos anos anteriores.

GRÁFICO 1

AERONAVES PRODUZIDAS (QUANTIDADES)

ano

nº a

eron

aves

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

82 83 84 85 86 87 88 89 90

10-20 pass. 20-45 pass. 45+ pass.

GRÁFICO 2

AERONAVES PRODUZIDAS (VALOR)

ano

milh

ões

de d

ólar

es

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

4500

5000

82 83 84 85 86 87 88 89 90

10-20 pass. 20-45 pass. 45+ pass.

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1.5.1. Previsões de mercado realizadas e o comportamento das empresas

A tabela 2 permite entender as origens da situação atual, marcada por uma crescentedificuldade das empresas que atuam no mercado de commuters. Ela apresenta na coluna (5)algumas das mais importantes estimativas realizadas para o mercado de diferentes segmentos deaeronaves commuter durante a década de 80. As quatro mais antigas foram realizadas por órgãosindependentes (Office of Technology Assessment do governo norte-americano e a FederalAviation Association) e as três mais recentes, por empresas aeronáuticas.

Na coluna (6) está indicada a média anual de produção decorrente de estimativa. Nacoluna (7) está indicada a produção para os segmentos respectivos obtida a partir dos dadosreferentes ao ano de 1990, que pode ser considerado como o ano médio dos intervalos deprevisão considerados.

Estimativas como as apresentadas têm normalmente significativa divulgação e refletem demaneira bastante razoável o senso comum presente no setor em relação às expectativas decrescimento do mercado. Elas costumam ser levadas em conta nas atividades de planejamento demédio e longo prazo das empresas. Por essa razão, sua consideração permite avaliar a maneiracomo as empresas estimaram sua capacidade competitiva frente aos concorrentes.

TABELA 2

ESTIMATIVA DO MERCADO MUNDIAL DE COMMUTERS

(em número de aeronaves)ESTIMADO POR ANO PERIODO SEGMENTO ESTIMATIVA MÉDIA ANUAL PROD.90 (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7)

OTA 1980 1980-2000 20-40 1996 95 155 FAA 1979 1980-2000 20-40 1600 76 155 OTA 1980 1980-2000 40-60 1215 58 193 FAA 1979 1980-2000 40-60 1500 71 193 CASA 1986 1984-1994 30-50 1800 164 166 De Havilland 1986 1984-1995 30-50 1500-2000 146 166 Aeroespatiale 1986 1984-1985 30-50 2800-3000 242 166

Fonte: Hockendrick (1989) p.78 e estimativas.

Supondo uma previsão realizada a partir de uma extrapolação linear, os dados deprodução para o ano de 90 podem ser comparados de forma razoável com a média anual doperíodo. O resultado desta comparação indica que as estimativas realizadas em 1979 e 1980 -quando a categoria dos commuters não havia entrado ainda no seu período de intenso crescimento- mostraram-se conservadoras quando cotejadas com a evolução observada do mercado. Dasestimativas realizadas em meados da década dos 80 (1986), quando o mercado se encontrava emfranca expansão, duas foram coerentes com a evolução observada e uma a superestimou.

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No início da década de 80, quando as empresas estavam iniciando os programas dedesenvolvimento das aeronaves que seriam lançadas no mercado entre 1983 e 1985, houve umasuperestimação da fatia de mercado (previsto pelas estimativas então realizadas) que cada umadelas poderia ocupar. Não ocorreu, entretanto, uma frustração das expectativas das empresas, eelas puderam amortizar seu investimento com o desenvolvimento das aeronaves que foramlançadas devido ao comportamento não esperado do mercado. Em meados da década dos 80,quando as empresas estavam iniciando os programas de desenvolvimento das aeronaves queseriam lançadas no mercado nos três ou quatro anos seguintes, o mesmo viés otimista por parte decada empresa parece ter ocorrido. Neste caso, entretanto, as conseqüências têm-se mostrado bemdistintas, como pode ser inferido pelas dificuldades que as empresas vêm enfrentando para semanterem no mercado.

Em função das expectativas positivas em relação à demanda, várias empresas de distintospaíses planejaram, durante o final da década dos oitenta, sua entrada no mercado ou a expansãode suas atividades. Entre outros merecem ser citados:

- os planos da empresa aeronáutica da Indonésia (ITPN) em colaboração com a CASAespanhola de expandir sua família de commuters;

- os planos da Coréia do Sul de iniciar a produção de commuters;

- a compra por parte de Taiwan de ações da McDonell-Douglas visando a produção local;

- a formação de um joint venture entre uma empresa chinesa com a McDonell-Douglas ecom a Boeing para produzir aviões commuters;

- a disposição de firma indiana e da British Aerospace de formar um joint venture visandoa produção do Ba146;

- a disposição do Japão, que já produz uma série de componentes aeronáuticossofisticados, para entrar no mercado de commuters;

- a disposição da Deutsch Aerospace alemã de formar um joint venture com a Aleniaitaliana e a Aeroespatiale francesa, e eventualmente com a Fokker holandesa, para a produção decommuters a jato para os diversos segmentos.

Como conseqüência dessas e de outras ações, algumas das quais levadas a cabo comsucesso, um grande número de novos modelos foram lançados no mercado. No segmento deaeronaves de 10-20 passageiros ocorreu o lançamento de um número de modelos durante operíodo de 1983-90 maior do que o verificado nos 20 anos anteriores. No segmento de 20-45passageiros existiam, em 1985, apenas duas aeronaves que haviam começado a ser produzidas noinício dos 60, e mais uma que havia entrado no mercado no ano anterior. Até 1988, existiam nestesegmento sete competidores. Embora tenha sido posteriormente descontinuada a produção das

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duas aeronaves mais antigas, duas novas entraram no mercado desde então. O mercado de mais de45 lugares também se apresenta extremamente competitivo. Existem atualmente seteconcorrentes, dos quais cinco entraram no mercado após 1988. Está programada para ospróximos anos uma considerável atualização de alguns dos modelos atualmente em produção.

Como já apontado, e em função da evolução comentada, empresas como a Fokker, DeHavilland, Fairchild, SAAB, Shorts Brothers, British Aerospace, apesar da qualidade de seusprodutos, e de sua capacidade tecnológica e mercadológica, começaram a apresentar dificuldadesa partir de meados dos anos 80.

A gravidade do quadro atual pode ser avaliada pelos seguintes exemplos:

- na Europa, Fokker, SAAB, DASA, Alenia e Aeroespatiale estão sendo socorridas pelos seusrespectivos governos para sanear sua situação financeira e prosseguir desenvolvendo seus produtos;

- nos EUA, a Beech passa por dificuldades, tendo despedido pessoal e diminuído aprodução nos últimos anos. A Fairchild abriu falência e despediu pessoal em 1989, masposteriormente obteve um empréstimo para retomar a produção. A Piper abriu falência em 1992 eencontra-se com sua produção praticamente paralisada.

Por outro lado, e em função dessa situação, tem ocorrido uma série de privatizações eincorporações. Entre elas cabe citar:

- a aquisição, pela Bombardier, da Canadair do governo canadense, em 1988, tendo esteassumido o compromisso de custear o estágio final de desenvolvimento do seu jato regional;

- a aquisição, pela Bombardier, da Shorts Brother, em 1989, após o governo ter efetivadouma significativa injeção de capital anteriormente decidida e aceito custear investimentos tambémjá programados. Em troca, a Bombardier comprometeu-se em seguir utilizando a marca Shorters emantê-la sob seu controle pelos quatro anos seguintes;

- a aquisição, pela Boeing, da De Havilland, em 1988 e posterior venda para aBombardier, com a participação do governo canadense, em 1992.

Embora o comportamento da Boeing não tenha sido até agora seguido por outras grandesempresas produtoras de aviões de grande porte, ele pode render consideráveis dividendos. Emfunção do grande volume de insumos por ela utilizados, a compra da De Havilland permitiria umaconsiderável redução de preço na compra de materiais e componentes (30% nas placas metálicas e40% nos aviônicos) para esta empresa. Por outro lado, caso bem sucedida, a incorporaçãopermitiria à Boeing oferecer descontos às companhias de aviação na venda dos commutersfabricados pela De Havilland.

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1.6. As Atuais Tendências de Inovação e a IAe

A alta concentração de atividades de P&D que apresenta o setor determina que muitas dasinovações de produto e de processo geradas nas últimas décadas e posteriormente difundidas parao conjunto da indústria tenham sido nele originadas.

A IAe foi o setor que primeiro adotou processos automatizados de projeto e manufaturados componentes que integram seu produto final. A exigência de rígidos padrões de qualidade econfiabilidade de seus produtos foi a causa principal deste pioneirismo, mais do que a diminuiçãodos custos de produção, como tem ocorrido em outros setores. Inovações como as MFCN, ossistemas CAD/CAM, entre outros, foram desenvolvidas justamente no seu âmbito.

Foi, por outro lado, um dos setores que mais cedo introduziu nos seus produtosdispositivos informatizados de controle, em substituição aos servo-mecanismos mecânicos oupneumáticos, inaugurando, também, a tendência à miniaturização dos seus componentes. Bastadizer que a difusão do que se conhece como "eletrônica embarcada" iniciou-se, justamente, nestesetor.

Mais do que outros setores que fabricam produtos complexos e de grande porte,resultantes da integração de um grande número de componentes fabricados separadamente, e porum grande número de empresas, a produção aeronáutica é dividida em duas fases que guardamespecificidades bastante marcadas. A fase de produção de componentes, como acima indicado,tem-se alterado profundamente do ponto de vista tecnológico nos últimos anos, na esteira de umatendência internacional dominante manifesta na indústria em geral. A fase de montagem,entretanto, e em função dos mesmos requisitos de qualidade e confiabilidade acima apontados, edas pequenas séries de produção e alto valor unitário que caracterizam a IAe, foi menos afetadapelas tendências de mudança que caracterizam setores até certo ponto semelhantes, como aindústria automobilística. Para ter uma idéia das diferenças que guarda em relação a esta indústria,vale mencionar que o preço unitário de um pequeno avião se estima em centenas de milhares dedólares e que os maiores volumes comercializados de um mesmo modelo, vendido ao longo devários anos a um restrito número de clientes, em geral empresas de grande porte, se contam emcentenas de unidades.

Assim, diferentemente de outros setores industriais de produção seriada ou contínua, ondea informatização tem penetrado maciçamente em todas as fases do processo produtivo e onde asnovas formas de organização do trabalho estão revolucionando os métodos tradicionais, a fase demontagem de aeronaves conserva características de produção quase artesanal, intensiva em mão-de-obra qualificada e baseada no saber especializado de grupos de trabalhadores.

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As características estruturais da IAe já apontadas tornam pouco atrativa a difusão em seuinterior das tendências à maior flexibilização e integração entre as diversas fases do processoprodutivo (projeto, produção e distribuição) facultada pelas inovações baseadas nainformatização. Em conseqüência, as oportunidades de exploração das fronteiras de aumento dacompetitividade não estritamente tecnológicas abertas por essa tendência em grande parte dossetores industriais encontra-se - acredita-se que não apenas conjunturalmente - limitada. Apesar dena produção de aeronaves de emprego civil existir uma possibilidade relativamente maior deincorporação daquelas tendências, isto não é vislumbrado no prazo imediato, tendo em vista (a) ovirtual obstáculo que representa a fase de montagem; e (b) o pequeno impacto que elasimplicariam em termos de redução de custos. Por essas razões, e mais do que em outros setoresde intensidade tecnológica semelhante onde as tendências descritas se manifestam com grandeímpeto, a capacidade de inovação desta indústria se baseia ainda, fundamentalmente, nacapacitação científica e tecnológica.

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2.COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA BRASILEIRA

2.1. Competitividade da EMBRAER na Década de 80

Mantendo o caráter privilegiado na análise, de enfocar os aspectos tecnológicosdeterminantes dos fatores de competitividade esta seção aborda primeiramente aqueles associadosàs tendências internacionais da produção de aeronaves de emprego militar e seu impacto para aIAeB. Posteriormente se analisam aqueles referentes à produção de aeronaves de emprego civilpertencentes à categoria dos commuters.

2.1.1. Tendências da produção de aeronaves de emprego militar e seu impacto para a IAeB

Como já observado no primeiro capítulo, a fabricação de aeronaves de uso militarcaracterizou-se desde o início da década de 70 até meados da de 80 pela super sofisticação. Estapode ser entendida como uma tendência de elevação do custo de produção, determinada pelopeso crescente do componente de P&D e pelas características do mercado (monopsônico e deoligopólio diferenciado, quando não monopólico), acompanhada por um decrescente ou mesmonegativo aumento do desempenho marginal do produto. Elevado preço de produção, custosa ecomplexa manutenção e operação, associados a um desempenho sofrível em situações reais deconflito foram constatados por grande número de analistas nas últimas duas décadas.

A tendência à supersofisticação observada genericamente na indústria de armamento dospaíses avançados, responsável por cerca de 97% da produção mundial, tem sido interpretada pelosanalistas como resultado da lógica do processo decisório militar e da especificidade do setor. Omecanismo dissuasório de ação e reação baseado na superioridade tecnológica típico da guerrafria e, segundo alguns, a própria independização da P&D militar que teria passado a determinar acorrida armamentista são os elementos-chave dessas interpretações.

A tendência à supersofisticação possui duas implicações importantes para a análise aquidesenvolvida. A primeira é que ela abriu um espaço no mercado internacional de armamento, doqual cerca de 60% corresponde às compras de países do Terceiro Mundo, para produtos de níveltecnológico intermediário, baixo custo de aquisição e operação, mais adequados às situações reaisde conflito e às necessidades daqueles países. A segunda é que, devido à citada lógica militarimperante na IAe, a tendência à supersofisticação abarcou a produção de aeronaves civis dospaíses avançados. Na verdade ela somou-se à uma outra tendência das grandes empresas,determinada por razões comerciais, de privilegiamento da produção de aeronaves civis de maiorporte, originada pela sua usual maior lucratividade e pela evolução projetada do mercado.

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Aumentou, em conseqüência, a probabilidade de ocorrência de nichos de mercado paraaeronaves de menor porte, sofisticação, consumo de combustível, etc, sem que as empresas líderesdo mercado mundial, respondessem com a necessária presteza a essa situação. Assim,aproveitando-se de uma conjuntura favorável e, como se verá, momentânea - alguns NICs eempresas marginais dos países avançados foram capazes de firmar sua competitividade nessesnichos de mercado.

2.1.2. Tendências internacionais de produção de aeronaves de emprego civil e seu impactopara a IAeB

Como também já apontado no capítulo inicial, o mercado civil pode ser classificado emvários segmentos correspondentes a diferentes tipos de demanda por transporte aéreo, em termosde autonomia de vôo e capacidade de carga/passageiros. A "nata" deste mercado, os grandes jatosinternacionais multi-turbinados, estava, em meados dos anos 70 como atualmente, solidamente nasmãos de indústrias tradicionais dos países centrais. Mas, à medida que se descia na escalada decomplexidade, existiam algumas oportunidades.

Em meados dos anos 70, a EMBRAER começava a exportação de seus aviõescuidadosamente. Ao invés de tentar dar conta dos difíceis mercados americano ou europeu, comoprimeira experiência, ela prudentemente decidiu iniciar suas vendas internacionais pelos mercadosmais "fáceis". A duração destes procedimentos cautelosos pode ser evidenciada por algumas datassignificativas. Embora a EMBRAER tivesse solicitado a homologação americana para oBandeirante (um importante requisito para a exportação), já em 1969, somente a partir de 1974 éque sua divisão de vendas foi criada. A primeira venda internacional aconteceu em 1975: umsolitário Bandeirante foi vendido ao Uruguai, e outros poucos para o Togo. Somente mais tarde éque foi oferecido em outros países.

A crise do petróleo veio em muito boa hora para a EMBRAER. As restrições ao consumode combustível vieram a favorecer o avião turbo-hélice brasileiro em relação a seus competidoresmovidos a jato. Repentina e inesperadamente, o Bandeirante tornou-se uma alternativa muito maiseconômica. Claro que a atitude do governo brasileiro também ajudou: as condições definanciamento, com o respaldo do crédito governamental, foram tão favoráveis que logoprovocariam acusações de dumping contra a EMBRAER.

A cuidadosa política da EMBRAER rendeu consideráveis dividendos à medida em que seia transformando o mercado mundial de aeronaves de categoria commuter. Em 1978, ocorreu adesregulamentação do transporte aéreo regional norte-americano. Suspenderam-se as exigênciasde utilização de grandes jatos para linhas de baixo tráfego e/ou curta distância. Isto abriu um vastomercado para aviões de vinte assentos. Naquela época, poucas empresas aeronáuticas tinham um

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produto compatível com o estado da arte, a baixo preço e de baixo custo operacional. Como seindicou, a tendência geral, até então, fora no sentido da produção de aeronaves que se tornariamanti-econômicas à medida que seus custos operacionais disparavam na esteira dos choques dopetróleo.

Um avião turbo-hélice, não pressurizado, de concepção relativamente avançada como oBandeirante, defrontou-se com o vasto mercado potencial (havia apenas outras três aeronavespresentes no segmento de 10-20 passageiros, da Fairchild, da Beech e da de Havilland). Havia,entretanto, um obstáculo para sua venda no mercado americano (e internacional): suahomologação pelo FAA (Federal Aviation Administration).

As autoridades brasileiras sentiram-se discriminadas com os expedientes protelatórios dogoverno americano. Talvez a discriminação tenha de fato ocorrido. A elevação de 7% para 50%das tarifas alfandegárias para aeronaves leves provenientes do exterior, ocorrida em 1974, logoapós o acordo Piper-EMBRAER (que propiciou a montagem desses aviões no país) pode ter sidointerpretada como uma "reserva de mercado" pelas empresas ou pelo governo norte-americano.Este fato, somado às acusações de dumping citadas, pode ter contribuído para que somente em1978 o Bandeirante fosse devidamente certificado. Esta foi uma vitória diplomática e comercial damaior importância.

Em função basicamente de seu baixo custo de aquisição e das condições vantajosas definanciamento que apresentou, o Bandeirante alcançou grande sucesso no mercado norte-americano. Em 1982, dominava 32% do mercado norte-americano do segmento de 10-20passageiros e representava 62% das importações norte-americanas de aeronaves deste segmento.Dos cerca de 400 Bandeirantes construídos pela EMBRAER, 246 foram exportados,principalmente, para companhias norte-americanas.

Dos projetos desenvolvidos pela EMBRAER depois do Bandeirante dois merecemdestaque por razões opostas. O primeiro é o do Xingu que foi o primeiro avião pressurizadodesenvolvido e produzido pela empresa. Embora tenha sido um fracasso do ponto de vistacomercial, ele permitiu à empresa adquirir a capacidade para o desenvolvimento posterior doBrasília e da família de aeronaves cujo projeto se sucedeu, da qual o Xingu pode ser consideradoprecursor. O segundo, desenvolvido em tempo recorde, a baixo custo e com relativamentepequeno ganho em termos de capacitação tecnológica, foi o Tucano. Neste caso, a já aludidacapacidade da empresa na identificação de nichos de mercado foi fundamental para o grande êxitocomercial obtido pela aeronave.

Quando do lançamento do Brasília no mercado internacional, em 1985, a EMBRAER jápossuía uma maior experiência e renome entre as companhias de aviação. Mas mais importante doque estes fatores foi a possibilidade que novamente se apresentou à EMBRAER, em função de

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uma correta previsão da evolução do mercado, e de sua capacidade para dela tirar vantagens, deexplorar um nicho de mercado onde existiam apenas três aeronaves. Duas que haviam começado aser produzidas no início dos 60 e uma que havia entrado no mercado no ano anterior. Apesar de,em 1988, o número de competidores no segmento de 20-45 passageiros haver aumentado parasete, a situação do Brasília já estava relativamente consolidada. Embora tenha sido posteriormentedescontinuada a produção das duas aeronaves mais antigas, e duas novas tenham entrado nomercado, a participação do Brasília seguiu crescendo, alcançando 29% e 25%, respectivamente,no mercado norte-americano e mundial.

2.2. Fatores Estruturais e Sistêmicos da Competitividade

O fato da implantação de uma capacidade local para a produção aeronáutica ter sido desdeo início considerada pelos militares como estritamente ligada à implementação da doutrina de"segurança e desenvolvimento", consistiu-se num elemento decisivo para a criação das condiçõesestruturais e sistêmicas da competitividade do setor. Mais do que isto, é impossível entender oprocesso de criação e consolidação da IAeB sem ter presente o papel do Estado, através de umdos atores mais importantes - os militares. Por essa razão, e visando explicitar aspectos quepermitem uma melhor compreensão dos fatores empresariais, optou-se por analisar os fatoresestruturais e sistêmicos da competitividade em primeiro lugar.

Não parece conveniente no contexto deste trabalho aprofundar a análise acerca da auto-percepção dos militares como agentes modernizantes e, por conseqüência, preocupados com odesenvolvimento industrial e tecnológico, que parece estar na origem do seu engajamento com ainstalação, ao longo da história do País, de setores intensivos em tecnologia, como siderurgia,petróleo, energia, telecomunicações e informática.

Tampouco parece necessário enfatizar que, ao lado dessa preocupação genérica com odesenvolvimento industrial e tecnológico (comportamento aliás atípico entre as elites nacionais),existia o objetivo, oriundo da função especificamente militar, de criar as condições para aprodução de equipamentos bélicos. Igualmente não se aprofunda a questão do caráter distinto queapresentou a Força Aérea no âmbito das Forças Armadas Brasileiras em relação à conveniência decontar com uma capacitação tecnológica e industrial para a produção dos equipamentos que suafunção determinava. Finalmente, não parece necessário ressaltar que durante o regime militar, ossegmentos militares tiveram o espaço necessário para formular e implementar políticas públicascoerentes com seus objetivos.

A consideração desses vários aspectos permite entender porque não apenas os fatoresempresariais de competitividade, que dependiam das decisões tomadas pela elite técnica da Força

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Aérea, mas também os de natureza estrutural e sistêmica, que de alguma forma dependiam daatuação dos militares, tiveram condições de implementação. Dado que a estratégia, e oconseqüente nível de capacitação tecnológica1 atingido pela IAeB se constituiu na condiçãonecessária que viabilizou a competitividade do setor, é conveniente apresentar alguns elementosrelacionados ao início de sua implantação.

Pode-se dizer que as condições viabilizadoras da estratégia tecnológica seguida pelo setorcomeçaram a se materializar no começo dos anos 50, através da criação do Centro Tecnológicoda Aeronáutica __ CTA, e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica __ ITA. Bem antes,portando, da instalação de sua empresa líder2, a Empresa Brasileira de Aeronáutica __

EMBRAER, ocorrida em 1969, estas instituições vinham realizando pesquisas e formandoengenheiros aeronáuticos numa quantidade inicialmente muito superior às necessidades do"mercado". Quando da fundação da empresa __ que como se verá ao longo do trabalho,confunde-se para todos os efeitos de análise com a própria IAeB __ foram transferidos para asinstalações construídas pelo Ministério da Aeronáutica não só uma grande quantidade deequipamentos para a produção como a totalidade da equipe que havia desenvolvido oBandeirante, que viria a se constituir no carro-chefe de vendas durante muitos anos.

Foi a existência de um generoso e continuado apoio do Estado para a formação derecursos humanos de alto nível e a realização de pesquisa básica e aplicada, sem precedentes nahistória do desenvolvimento tecnológico e industrial do País, que viabilizou a adoção pelaEMBRAER de uma estratégia orientada para a autonomia tecnológica. Baseada na aquisição decapacitação num conjunto restrito e criteriosamente selecionado de tecnologias identificadas comode alta fertilidade e imprescindíveis para seu programa de produção industrial e de ocupação denichos de mercado nacional e internacional, e numa adequada combinação entre o conhecimentolocalmente desenvolvido e o obtido mediante consultoria externa ou licenciamento, a empresa foicapaz de lograr sucessivas etapas na sua trajetória de inovação.

Além da criação do CTA e do ITA são implementadas, sob a égide do Ministério daAeronáutica, políticas de natureza bastante abrangente e variada de vital importância para oestabelecimento dos fatores de competitividade do setor. Entre elas podem ser citadas:

- o benefício concedido à EMBRAER, sem precedentes no ambiente empresarialbrasileiro, para sua capitalização através da captação de parte do imposto de renda devido porempresas estabelecidas no País, que permitiu que o repasse de 500 milhões de dólares, desde a suafundação até 1985;

1 Note-se, entretanto, que a importância da capacitação tecnológica como fator de competitividade não é específicada IAeB mas uma característica da IAe em nível internacional, como comentado no capítulo inicial.

2 Ainda que impropriamente usa-se aqui o termo "empresa líder" para designar a EMBRAER no contexto da IAeB.

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- a dispensa de pagamento de impostos de importação e exportação, de comercialização(ICM) e de produção industrial (IPI);

- a utilização do poder de compra do Governo, inicialmente mediante encomendas doMinistério da Aeronáutica e do Ministério da Agricultura que viabilizaram a produção da empresadurante os seus oito primeiros anos de existência, e posteriormente mediante novas encomendasque possibilitaram cobrir grande parte dos custos de desenvolvimento;

- a destinação de recursos governamentais através de suas de fomento à pesquisa e aodesenvolvimento industrial e mediante a compra de ações da empresa;

- a virtual reserva de mercado estabelecida para os produtos de emprego não estritamentemilitar;

- os créditos e subsídios especiais à exportação;

- os empréstimos em condições extremamente favoráveis concedidos pelo governo;

- o forte apoio da diplomacia brasileira à exportação de aeronaves de emprego militar.

Outros fatores ligados à própria estratégia seguida quando da implantação da IAeBtiveram uma influência significativa no êxito alcançado. Uma comparação, ainda que superficialcom o processo de implantação da indústria automobilística, no final dos anos 50, é elucidativa.Neste caso, foi concedido às corporações transnacionais do setor o nível mais elevado daatividade industrial, isto é, a montagem, o que permitiu-lhes através da concepção do produtofinal controlar os vários fornecedores e a indústria como um todo, exercendo uma poderosainfluência em seu desenvolvimento. A EMBRAER foi concebida como uma estatal e como umamontadora final, que se dedicaria exclusivamente à montagem de aviões através da materializaçãode um projeto aeronáutico endogenamente concebido. Outra companhias nacionais e estrangeirasforneceriam a maioria dos componentes que demandava. Ela não buscaria verticalizar a fundo, edesnecessariamente, a produção de componentes no Brasil; mas poderia determinar comautonomia em função da posição que ocupava e da estratégia de capacitação tecnológica queadotou, o desenvolvimento do setor.

Sem que seja necessário apontar outros exemplos e aprofundar a análise já efetuada emoutros trabalhos, é possível afirmar que ocorreu no âmbito do setor uma sintonia, que nãoencontra paralelo no País, entre a política científica e tecnológica explícita, visando oestabelecimento de mecanismos de fomento à capacitação tecnológica, e políticas implícitas que aspotencializavam. Tal grau de sintonia não ocorreu nem mesmo em outros setores, como o dastelecomunicações, da informática e do petróleo, onde se materializaram o que pode sercaracterizado como "subsistemas" que levaram a implementação, de forma atípica em relação aoconjunto do sistema de desenvolvimento científico e tecnológico nacional, de políticas de

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capacitação tecnológica convergentes com as políticas mais abrangentes adotadas no campoeconômico e industrial.

A trajetória que pôde ser seguida pela EMBRAER graças ao apoio governamentalrecebido contrasta, radicalmente, com a experiência vivida por outros setores industriais de paísesperiféricos, descrita na literatura como "estratégia de aprendizagem" de "learning by doing" ouainda de "learning by adapting". A EMBRAER não baseou sua estratégia tecnológica naimportação de "pacotes tecnológicos" a serem posteriormente "abertos", adaptados às condiçõeslocais e eventualmente otimizados mediante "engenharia reversa". Uma sólida capacitação empesquisa básica e aplicada e uma contínua preocupação com a formação de recursos humanoscapazes de se apropriarem de soluções tecnológicas específicas, objeto de consultorias e acordosde cooperação, foi o caminho privilegiado para aumentar o potencial inovativo da empresa.

Foi a partir da capacitação em projeto aeronáutico (em especial na área de aerodinâmica) -a qual foi iniciada ainda no âmbito do CTA e previamente à criação da empresa - que foi possívelassimilar as demais capacitações não propriamente tecnológicas, que conformaram sua estratégiacompetitiva. Entre essas últimas, que foram sucessivamente obtidas a partir da associação comparceiros externos e viabilizadas em grande medida através da atuação governamental, cabedestacar aqueles relativos à:

- produção industrial, mediante acordo com a Aermacchi, para produção do avião militarXavante;

- comercialização, mediante acordo com a Piper viabilizado pela virtual reserva demercado estabelecida pelo governo;

- assistência técnica e manutenção de aeronaves (acordos de venda com companhias aéreasoperadoras);

- fabricação de componentes complexos sob encomenda (subcontratação com a Douglas ea Boeing).

É claro que essas sucessivas etapas de aprimoramento da capacidade genérica de inovaçãoda empresas possibilitaram, em paralelo, uma crescente capacitação tecnológica, até o ponto delograr firmar-se como parceira tecnologicamente mais forte, como é o caso da cooperação com aArgentina para a produção do Vector.

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2.3. Fatores Empresariais da Competitividade

A partir do contexto conformado através da atuação do Estado, comentado na seçãoanterior, e que se mostrou fundamental para a criação dos fatores de competitividade do setor, sãoa seguir abordados os principais aspectos referentes ao estabelecimento dos fatores decompetitividade ao nível da empresa.

2.3.1. A evolução do setor e seu caráter de dependência em relação ao exterior

O êxito competitivo alcançado pela IAeB pode ser avaliado em primeira instância pelaevolução do faturamento e pelo desempenho exportador da EMBRAER. O gráfico 3 indica osvalores de produção e exportação (os valores destes e dos gráficos seguintes estão expressadosem dólares correntes) a partir de 1975, ano em que se iniciam as vendas externas da empresa.

Sem detalhar as razões que determinam a evolução observada, o que exigirá umadesagregação dos dados globais indicados, é importante destacar a existência de quatro fases bemmarcadas:

- primeira fase, de moderado crescimento, que vai até 1981;

- segunda fase (1981-85), de relativa estagnação;

- terceira fase (1985-89), de intenso crescimento;

- quarta fase (1989- ), de acentuada diminuição da produção.

A tabela 3 apresenta os vários modelos de aeronaves produzidos ou em desenvolvimentoEMBRAER. Ela situa, através do ano de fabricação da primeira unidade de cada modelo osprincipais momentos da vida da empresa, desde a sua fundação até o presente.

TABELA 3

MODELOS PRODUZIDOS OU EM DESENVOLVIMENTO PELA EMBRAER

MODELO INÍCIO E TÉRMINO PROJETO CARACTERISTICAS DA PRODUÇÃO

BANDEIRANTE 1973- EMBRAER MILITAR E CIVIL (COMMUTER - 19 ASSENTOS, TURBOPROP.) XAVANTE 1971-81 COOP.ITALIA MILITAR (BOMBARDEIRO E TREINAMENTO, A JATO)IPANEMA 1971- EMBRAER MILITAR E CIVIL (MONOPLACE) LINHA PIPER 1975- PROD.LICENÇA PIPER MILITAR E CIVIL XINGU 1978-87 EMBRAER MILITAR E CIVIL TUCANO 1983- EMBRAER MILITAR (ATAQUE AO SOLO E TREINAMENTO, TURBOPROP.) BRASILIA 1985- EMBRAER MILITAR E CIVIL (COMMUTER - 30 ASSENTOS, TURBOPROP.) AMX 1989- COOP.ITALIA MILITAR (CAÇA-BOMBARDEIO, A JATO) VECTOR (CBA-123) PROTOTIPO COOP.ARGENTINA CIVIL (COMMUTER - 19 ASSENTOS, TURBOPROP.) EMB-145 EM DESENV. EMBRAER CIVIL (COMMUTER - 19 ASSENTOS, A JATO)

Fonte: EMBRAER e estimativas.

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Como se pode constatar a partir dos gráficos 3 e 43, a evolução da produção émarcadamente influenciado pelo mercado externo, o que por si só indica o duplo aspecto dedependência em relação ao exterior que caracteriza o setor. A existência de um alto volume deexportação não chega a ser surpreendente, tendo em vista as características da IAe em nívelinternacional, abordadas no primeiro capítulo. Tampouco o é a existência de um grande volume deimportação, uma vez que se trata de uma empresa situada num país com baixo nível decapacitação tecnológica; o que sim é preocupante, é a participação relativa que esta assume emrelação à produção, mostrada no gráfico 4.

A dependência observada, tanto em nível da exportação (aeronaves, kits, peças ecomponentes, etc), como de importação (matérias-primas, peças e componentes, máquinas, etc),obriga a uma análise detalhada de suas implicações. A primeira delas é a indicada no gráfico 5,que permite uma avaliação do desempenho da empresa até 1989, no que respeita ao efeito externolíquido de sua operação. Como indicado, somente após 1985 a empresa tem apresentado umefeito externo líquido sistematicamente positivo, embora ainda baixo quando comparado comoutros setores da indústria nacional.

GRÁFICO 3

DESEMPENHO DA EMBRAER

ano

milh

ões

de d

ólar

es

0

100

200

300

400

500

600

700

800

75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92

EXPORTAÇÃO PRODUÇÃO

3 A EMBRAER costuma divulgar o valor de sua receita e das exportações que realiza, sendo que os dadosreportados pela CACEX, coincidem com estes últimos. Existe, entretanto, uma certa reserva da empresa eminformar suas importações. A partir da informação fornecida pela empresa e dos dados obtidos na CACEX, até1989, é possível ter uma visão geral do desempenho seu desde o início de suas operações.

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GRÁFICO 4

PARTICIPAÇÃO DAS IMPORTAÇÕES

ano

milh

ões

de d

ólar

es

0

100

200

300

400

500

600

700

800

75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

IMPORTAÇÃO PRODUÇÃO

O gráfico 6 permite, a partir da mesma informação, observar como tem variado adependência da empresa em relação ao mercado externo. Nele é possível distinguir três nuvens depontos que, por agruparem com correlação significativa nos anos subseqüentes, parecem estarindicando mudanças no perfil da empresa no que respeita à sua dependência em relação aomercado externo. Interessa destacar que a partir de 1985 a empresa parece consolidar seu perfil dedependência em termos de insumo (entre 40 e 50% da produção) e de produto (entre 60 e 70% daprodução); os dados de exportação referentes a 1990 e 91 corroboram esta afirmação. Os níveisde dependência encontrados são igualmente atípicos (isto era de se esperar dado que provém damesma informação básica).

A simples consideração da alta proporção das importações no valor da produção (daordem de 50%, em média) seria suficiente para questionar o argumento da importância do setorem nível do comércio exterior brasileiro. Na realidade, essa proporção é consideravelmentesubestimada. Ela se refere apenas aos insumos importados diretamente pela EMBRAER. Haveriaque adicionar a estes o valor das importações "embutidas" nos insumos produzidos por empresasnacionais fornecedoras da EMBRAER. Como é citado pela própria EMBRAER, a empresa temcerca de 400 empresas fornecedoras, que fabricam uma ampla gama de produtos de distintosgraus de sofisticação. É evidente que existe uma parcela considerável do valor dos mesmos quecorresponde a importações. Não há porque supor que ela seja muito menor do que à apresentadapela própria EMBRAER. Em alguns casos, de produtos especialmente sofisticados da áreaeletrônica, ela é seguramente maior, a julgar pelo que ocorre no setor de produção de bens deemprego civil. É interessante notar, por outro lado que, apesar da existência de uma considerável

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proporcionalidade entre produção e importação, ao longo do tempo, existem alguns anos nosquais, aparentemente devido aos preparativos da empresa para lançar novos produtos, há umaumento da relação importação/produção.

Uma estimativa mais fidedigna do coeficiente de importação do setor aeronáuticobrasileiro teria que se basear numa análise do componente importado da produção dos distintosfornecedores da empresa final e do peso relativo que os mesmos possuem na composição docusto. Se se supõe, otimisticamente, que 15% do custo de produção da EMBRAER é constituídode insumos produzidos por outras empresas sediadas no país, e que o componente importado dosmesmos é da mesma ordem do por ela apresentado, teríamos que o coeficiente importado globalmédio no período analisado aumentaria em mais 7,5 pontos percentuais.

GRÁFICO 5

EFEITO EXTERNO LIQUIDO (EXP-IMP)/PROD

ano

-0,8

-0,6

-0,4

-0,2

0

0,2

0,4

75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89

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GRÁFICO 6

DEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO AO EXTERIOR

COEF. IMPORTAÇÃO

CO

EF.

EX

PO

RTA

ÇÃ

O

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1

7576

77

78

79

80

84

82 83

87

86

8889

85

81

M

Entretanto, mesmo a desconsideração desse fato, cuja exploração e dimensionamento estábastante além do nível de informação existente, permite chegar a resultados bastante preocupantese contrários aos que aparentemente embasam as declarações dos dirigentes do setor acerca de suarelevância para a balança comercial do país. Se se observam os valores médios de exportação eimportação (que, como indicado, se referem apenas à importação realizada diretamente pelaEMBRAER), o questionamento feito nos parágrafos precedentes ganha ainda mais força. De fato,a receita "líquida" entre 1975 e 1988 não é de cerca de 123 milhões de dólares anuais, mas sim deapenas 19,3 milhões de dólares anuais (descontando-se os US$ 103,7 milhões referentes àsimportações indiretas).

2.3.2. A estratégia de autonomia tecnológica e o índice de nacionalização

A existência de uma alta dependência em relação à importação não caracteriza, entretanto,uma situação de dependência tecnológica. A autonomia tecnológica não se reflete necessariamenteno "índice de nacionalização". Principalmente num ramo produtivo como este, de alta densidadetecnológica e propositalmente submetido a uma estratégia de desenvolvimento como acaracterizada anteriormente, o controle nacional da tecnologia é uma meta mais importante do quea do aumento do índice de nacionalização. Foi essa estratégia que ensejou o desenvolvimento dosetor aeronáutico brasileiro em moldes completamente distintos do automobilístico, até agoracontrolado pelo, e tecnologicamente dependente do, capital transnacional; e isto apesar deapresentar um índice de nacionalização de quase 100%.

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Se as autoridades do setor aeronáutico tivessem perseguido a "miragem" do índice denacionalização, ele poderia ser hoje bastante superior a 50%. Isto, entretanto, teria implicado aadoção de uma estratégia tecnológica totalmente diferente da que foi adotada. Ao invés deespecializar-se em segmentos tecnológicos nos quais a capacidade e vocação, existentes oupossíveis, pudessem apresentar vantagens comparativas, como os de aerodinâmica, engenharia desistemas (entendida basicamente como a capacidade de combinar componentes de distintasprocedências com a fuselagem produzida localmente), fabricação de materiais compostos etc, osetor teria buscado a produção local "por igual" de todos os componentes do avião. Para ter umaidéia do que isto implica basta mencionar que o número de países que fabricam motoresaeronáuticos com tecnologia própria não é superior a cinco.

Nos casos em que não há um controle nacional do empreendimento e quando se parte deuma fronteira tecnológica conhecida pela empresa estrangeira instalada no país mas não dominadalocalmente, a estratégia do aumento do índice de nacionalização mostra-se atrativa. Pois nestescasos, uma das formas de aumentar o ganho do país é estipular índices crescentes denacionalização e, assim, quotas de produção local cada vez maiores. O domínio da tecnologia porempresas nacionais, neste caso, não é um resultado a buscar; seja porque não interessa ao paísobtê-lo, seja porque ele é inacessível. Quando o controle do empreendimento está desde o começoassegurado, a estratégia não tem porque ser de aumento do índice de nacionalização. O leque deopções que se abre aos responsáveis pelo empreendimento é, neste último caso, muito maior.

O resultado de uma estratégia de aumento puro e simples do índice de nacionalização fariacom que se pudesse estar hoje produzindo no país aviões totalmente nacionais. Estes, porém,poderiam resultar inadequados para a satisfação das necessidades civis do pequeno mercadonacional e, principalmente, daquelas visualizadas pelos segmentos militares. Estas consideraçõesvêm, novamente, corroborar a hipótese de que a lógica do setor aeronáutico brasileiro não éeconômica. Além disso, indicam quão difícil é optar sobre o "balanço" entre "auto-suficiência" eautonomia quando a decisão não é puramente econômica.

O objetivo de trazer à discussão esse ponto, é colocar claramente a opinião de que oscritérios que devem presidir uma avaliação em última instância da EMBRAER não sãoeconômicos. O não-reconhecimento deste fato pelos seus responsáveis obriga-os a tentar justificarde forma inadequada, para não dizer desastrada, um empreendimento que parece só pode serlegitimado pela via estratégico-militar. O procedimento de tentar construir um argumentoutilizando apenas as evidências positivas constitui um claro sintoma.

A partir da informação coletada pela CACEX e de outras estimativas é possível formaruma idéia a respeito das características da dependência do setor em relação ao exterior. Osgráficos 7 e 8 indicam o destino das exportações da empresa e a origem das importações, em

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1988. Como se pode constatar, a participação dos EUA - seja como mercado para a produção daempresa - seja como supridor dos principais insumos que a tornam possível é significativa, fatoque confirma a tendência internacional comentada no capítulo inicial. Entre os principais paísesfornecedores de insumos para a EMBRAER estão:

- EUA: kits de aviões leves (Piper), placas de alumínio (Alcan, Alcoa), conectores, placasde inox e outras ligas, parafusos e porcas, válvulas, aviônicos, motores;

- Grã-Bretanha: motores;

- França: peças e componentes, aviônicos;

- Itália: kits de aviões militares, peças e componentes;

- Canadá: motores.

GRÁFICO 7

PRINCIPAIS CLIENTES (1982 - CACEX)

PARAGUAI (2,4%)

OUTROS (8,6%)

EUA (41,6%)

FRANÇA (15,8%)

ARGENTINA (12,7%)

BAHAMAS (5,7%)

GB (5,7%)

MALTA (3,5%)

COLÔMBIA (4,0%)

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GRÁFICO 8

PRINCIPAIS FORNECEDORES (1989 - CACEX)

OUTROS (0,4%)

ALEMANHA (0,7%)

CANADÁ (35,3%)

ITÁLIA (3,3%)

FRANÇA (6,7%)GB (1,5%)

EUA (52,1%)

2.3.3. O impacto tecnológico da IAeB na indústria nacional

Ao contrário do que poder-se-ia imaginar, nem mesmo as matérias-primas e componentesaparentemente menos sofisticados, como as chapas de alumínio extensamente empregadas nafabricação de aeronaves são produzidos no país. Os requisitos de desempenho e qualidade jácomentados obriga que a lista de ítens importados pela EMBRAER praticamente se confunda coma de insumos utilizados na fabricação de seus produtos.

A este respeito cabe assinalar que não obstante o propalado efeito de spin off que aEMBRAER exerceria sobre a indústria nacional, onde teria capacitado as cercas de 400 empresasfornecedoras, não há evidência acerca da sua existência. A exemplo do que parece ocorrer emrelação à literatura sobre os parques e pólos tecnológicos brasileiros, entre os quais o de São Josédos Campos, nucleado em torno da EMBRAER e de outras empresas produtoras de armamento, éapontado como um exemplo bem-sucedido, o aludido efeito se assemelha mais a uma justificativaad hoc do que a constatação de uma realidade.

Para formar uma idéia, ainda que aproximada, do que seria tal efeito spin off, pode-setomar como parâmetro o impacto econômico que ele determina. Mesmo sem conhecer em detalhea estrutura de custos da EMBRAER, é possível estimar que no ano de 1989, quando a produçãofoi de aproximadamente 700 milhões de dólares e a importação cerca de 350 milhões, o total dafolha de salários e encargos teria chegado a quase US$ 300 milhões4. Supondo que a empresativesse apresentado uma receita líquida nula naquele ano sobrariam então cerca de 50 milhões de

4 Tal relação entre os gastos com mão-de-obra e a produção é coerente com a experiência internacional, que a situaem cerca de 50%.

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dólares que teriam sido alocados para efetuar todos os seus outros gastos no país. O fato de aempresa ter apresentado uma receita líquida de quase 100 milhões de dólares naquele ano, torna oexercício mais complicado, mas não chega a invalidar a hipótese de o efeito econômico de spin offpor ela gerado é, ser se não desprezível pelo menos muito menor do que dão a entender osresponsáveis pela IAeB. Assim, além do alto componente importado, deveria preocupar osresponsáveis pelo setor o fato de que, mesmo sendo uma empresa pouco verticalizada (como aliásé o que costuma ocorrer na IAe mundial), é muito pequeno o impacto econômico que gera.

Restaria, entretanto, o argumento de que apesar de seu pequeno significado econômico, talefeito seria importante na medida em que poderia contribuir para o desenvolvimento tecnológicode outros setores. Esta questão é abordada com algum detalhe adiante.

Como conclusão da análise efetuada acerca da evolução dos indicadores globais dedesempenho cabe ressaltar a grande dependência em relação ao exterior que apresenta a IAeB e ofato de que ao contrário do que poder-se-ia esperar, esta dependência tende a manter-se. Estacaracterística é especialmente preocupante em relação às importações, embora possa ser tambémquestionada a alta participação das exportações na receita da empresa. O fato já assinalado, deque tanto a IAeB como IAe em nível internacional tendem a ser altamente subsidiadas e que tendea vigorar um mecanismo de fixação de preços no mercado internacional bastante distorcido, exigedos dirigentes do setor uma análise mais aprofundada acerca da real conveniência em incentivar aadoção de um perfil exportador como o observado. Ele poderia estar, na realidade, implicandoperda líquida de recursos ou escasso efeito benefício/custo global.

2.4. A Evolução dos Indicadores Desagregados de Desempenho e o Caráter da Produção daEMBRAER

A presente seção objetiva uma análise mais detalhada do desempenho da EMBRAERatravés da desagregação dos valores da produção da empresa segundo as categorias de aviões quefabrica e os mercados a que se destinam.

A EMBRAER costuma divulgar anualmente o número de aviões produzidos ecomercializados. Existe, entretanto, uma certa reserva da empresa em informar a receita oriundada venda de seus diferentes produtos para os mercados civil e militar. A partir da informaçãofornecida pela empresa e de estimativas acerca do emprego militar ou civil dos aviões, é possívelconstruir a tabela 4.

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TABELA 4

NÚMERO DE AVIÕES PRODUZIDOS PELA EMBRAER

Tipo/Emprego 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 méd tot

Band. civil 12 8 29 10 15 44 47 55 37 18 16 3 6 6 2 1 6 3 18 318Band. militar 13 13 27 23 11 24 9 14 10 4 14 6 1 9 12 178Band. total 13 25 35 52 21 39 53 61 65 41 18 30 3 6 6 8 2 15 3 24 496

Brasilia civil 6 19 33 45 53 51 31 34 238Brasilia militar 2 2 1 4Brasilia total 6 19 33 47 53 51 31 35 242

Xingu civil 2 6 18 15 10 2 1 2 1 2 6 59Xingu mil. 2 2 14 23 5 9 46Xingu total 4 8 18 15 24 25 6 2 1 2 10 105

Tucano completo 12 41 53 39 57 26 25 2 9 29 264Tucano kit 5 15 29 40 60 30 149Tucano total 12 41 58 54 86 66 85 2 9 46 413

Xavante 5 23 20 22 24 14 17 21 15 6 12 3 14 182AMX 2 5 4 4 11

Total AT 5 23 33 47 59 66 38 64 76 85 92 65 58 77 69 80 129 121 142 73 47 69 1449

L. Piper civil 77 322 270 182 323 297 114 116 56 79 94 76 54 50 95 51 41 135 2297L. Piper mil. 12 9 12 2 9 35

Ipanema civil 10 27 48 81 74 60 35 45 37 17 27 20 18 30 30 35 14 23 27 10 33 668Ipanema mil. 2 1 2 3

Total BT 0 10 27 48 158 398 343 217 368 343 143 143 76 99 124 106 89 64 118 78 51 143 3003

TOTAL 5 33 60 95 217 464 381 281 444 428 235 208 134 176 193 186 218 185 260 151 98 212 4452

Fonte: EMBRAER e estimativas.

Como indica seu título, a tabela apresenta o número de aviões produzidos ou vendidos, oque, na realidade, não autoriza o tipo de emprego dado pela empresa à informação e adotadapreliminarmente neste documento. Isto é, o procedimento de adicionar distintos tipos de aviõescomo se fossem "unidades homogêneas".

De maneira a explicitar as reais características da produção e da empresa, os aviões foramclassificados em duas categorias. O primeiro, denominados de "alta tecnologia" (AT), é formadopelos tipos de aviões que, não somente apresentam, de uma maneira geral, uma tecnologia maiscomplexa, como implicaram esforço maior do que os da outra categoria, em termos de P&D, oude absorção de tecnologia. A outra categoria, denominados de "baixa tecnologia" (BT) incluiaviões produzidos mediante licença - os da linha Piper - ou de uso agrícola - Ipanema - que nãoimplicam esforço significativo em termos de P&D, seja qualitativo ou quantitativo.

A título de exemplo, vale recordar que a produção dos aviões da linha Piper (querepresenta 55% do total de aviões fabricados pela empresa, sem contribuir em nada para asexportações) é realizada fora do complexo de São José dos Campo, a partir de "kits" importados.Esta produção é realizada com um envolvimento mínimo do pessoal da EMBRAER, pela Neivaque é às vezes considerada como uma empresa autônoma e, às vezes como uma subsidiária da

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EMBRAER. A julgar pelo fato de ter sido ser colocada (sem sucesso) à venda há alguns anosatrás, não parece ter grande importância para a operação da EMBRAER.

O acordo com a Piper, que teve um importante papel nos anos iniciais de operação daEMBRAER, não exatamente em termos de capacitação tecnológica, mas na medida em quepossibilitou um aprendizado no que tange à comercialização e assistência técnica, encontra-seenvolvido numa situação bastante difícil. Somados a dificuldades anteriores, que já há vários anoshaviam determinado a opção pela privatização da unidade que operava a linha Piper, existeatualmente o problema criado com a falência da Piper norte-americana, resultante das tendênciasinternacionais presentes no setor.

De forma a contornar a dificuldade já apontada, e poder melhor avaliar o desempenhotecnológico e econômico da empresa, atribui-se a cada tipo de avião produzido um preço médiode venda, estimado a partir do mercado internacional e interno, e obtido mediante o acesso àimprensa e a publicações especializadas. Este procedimento padece de uma série de incorreções,devido ao montante dos valores transacionados, às condições de financiamento, à ocorrência deacordos paralelos de assistência técnica, fornecimento de peças de reposição, etc. No caso dosaviões de emprego militar, a situação é ainda mais nebulosa, uma vez que, como se diz, ali "cadanegócio é um negócio". Não apenas os preços de venda internos e externos são distintos; tambémo são os cobrados por aviões semelhantes de emprego distinto ou, ainda, os do mesmo tipo paraclientes diferentes. Os dados obtidos utilizando o critério de valor da produção, juntamente comos apresentados na tabela 4, permitem analisar os aspectos econômicos e tecnológicosevidenciados nos gráficos que seguem.

2.4.1. A importância relativa das aeronaves de alta tecnologia

O gráfico 9 indica a proporção dos aviões considerados de "alta tecnologia" no total daprodução da empresa tomando os dois critérios. Em primeiro lugar, cabe destacar a flagrantediferença entre as duas curvas. A consideração da informação fornecida pela EMBRAER,representada na curva traçada tomando como referência o número de aviões produzidos,conduziria a um juízo a respeito do nível de sofisticação tecnológica da empresa bastantecontraditório, aliás em relação à imagem divulgada pelos próprios responsáveis pela IAeB. Ovalor médio do período é, respectivamente, de 33% e 93%, caso se considere o critério de númerode aviões ou de valor estimado da produção. Este fato evidencia a necessidade de estimar osvalores unitários de produção, apesar da precariedade do procedimento, para poder melhor avaliaras características e o desempenho do setor.

É flagrante, também, e ao contrário do que indicaria a curva citada, que a EMBRAERparece vir consolidando, a partir de 1986, seu perfil de produtora de aviões da categoria de "alta

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tecnologia" (AT). Isto é, de aviões que, não somente apresentam uma tecnologia mais complexa,como implicam um esforço maior de P&D, ou de absorção de tecnologia. A diminuição naprodução ocorrida a partir de 1989, mostrada no gráfico 3, pode agora ser melhor qualificada,uma vez que ela ocorre em paralelo a um aumento da produção de aviões de AT.

O gráfico 10 indica a proporção dos aviões empregados para fins militares no total daprodução da empresa tomando os dois critérios. Ele indica, também, uma contradição em relaçãoàs declarações dos responsáveis pela IAeB acerca do caráter eminentemente civil da empresa. Ovalor médio do período é, respectivamente, de 30% e 42%, caso se considere o critério de númerode aviões ou de valor estimado da produção.

O gráfico 11 mostra a proporção dos aviões empregados para fins militares na categoria deaviões considerados de alta tecnologia tomando os dois critérios. Como já assinalado, é aprodução desta categoria de aviões que demanda, não apenas uma maior capacitação tecnológica,adquirida ao longo da experiência da empresa e a maior parte de seu pessoal qualificado, comoum maior esforço empresarial. O fato de que ela é a que representa, de fato, a atividade daEMBRAER é o que autoriza, entre outras razões, a ênfase colocada ao longo deste trabalhoacerca de seu caráter estratégico-militar. É a orientação imprimida à condução da empresa aprincipal responsável pelo comportamento considerado típico pelos analistas internacionais dasempresas dedicadas à produção militar, e, conforme abordado com algum detalhe mais adiante,excessivamente ambicioso na definição dos projetos desenvolvidos e pouco preocupado com osaspectos econômico-financeiros.

GRÁFICO 9

PROPORÇÃO DOS AVIÕES AT NO TOTAL

ano

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

em nº de aviões em valor estimado

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GRÁFICO 10

PROPORÇÃO DOS AVIÕES MILITARES NO TOTAL

ano

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

em nº de aviões em valor estimado

A consideração do gráfico 11 é, por essas razões, especialmente importante. A evoluçãoverificada entre 1971 e 1991 indica, respectivamente, 58% e 48% para na proporção daquantidade e do valor dos aviões empregados para fins militares na categoria de aviões AT. Comose pode verificar, a partir da entrada em produção do Tucano, avião militar de baixo preço em1983, e do Brasília, avião eminentemente civil de alto preço em 1985, a curva que expressa ovalor das aeronaves produzidas, que até então se confundia com aquela que indica o número dasmesmas, se situa numa posição inferior.

Esta evolução, embora pareça indicar uma tendência de estabilização num patamar maisbaixo do que o histórico, não coloca em risco a afirmação realizada. Ela não pode ser interpretadacomo resultado de uma ação intencional neste sentido, uma vez que se deve, fundamentalmente, auma situação não prevista: o atraso do programa de desenvolvimento do AMX, do qual haviamsido produzidas apenas 11 unidades até 1991. Contribuíram, também, para esta evolução amanutenção da participação do Brasília na receita total; a queda da participação do Tucano; e aainda pequena participação do AMX na receita total.

Segundo esperado pelos responsáveis pelo setor, os dois últimos fatores poderão serrevertidos no futuro, em função de contratos internacionais em negociação envolvendo aprodução do Tucano e a entrada em cadência normal de fabricação do AMX (os planos daEMBRAER incluem a produção de 262 AMX). Por outro lado, embora seja plausível umarecuperação das vendas externas do Brasília (que em 1991 foram de 31 unidades) até alcançar ovolume correspondente a 1989 (53 unidades), é pouco provável que ele possa manter a elevadaparticipação na faixa do mercado mundial e norte-americano em que se insere.

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GRÁFICO 11

AVIÕES MILITARES NO TOTAL AT

ano

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

em nº de aviões em valor estimado

2.5. Oportunidades e Obstáculos à Competitividade da IAeB

A análise das condições de competitividade que a EMBRAER apresentava, até meados dadécada de 80, mostra que todos os casos bem sucedidos trataram-se de projetos concebidosautonomamente, em função de uma correta identificação de nichos do mercado internacional civil(no caso do Bandeirante e do Brasília) e militares (no caso do avião de treinamento e ataque aosolo, o Tucano). Isto é, trataram-se de situações onde, a partir de uma capacitação tecnológicasolidamente constituída, foi possível traçar uma estratégia de inovação que integrou elementosmercadológicos, de comercialização e assistência técnica apropriados para o contexto nacional.

A presente seção retoma a análise desenvolvida nos capítulos anteriores adicionandonovos elementos referentes à evolução recente do setor e às tendências prováveis que agravam osaspectos negativos que já apresentava e que alteram significativamente o relativo sucesso que atéentão demonstrava. Ela está organizada em torno à indagação a respeito das condições que dever-se-iam verificar, e a sua probabilidade de ocorrência, para que pudessem ser retomadas ascondições de competitividade do setor. Sua primeira subseção, dedicada aos fatores estruturais decompetitividade, está centrada na viabilidade de que um fluxo de recursos públicos possanovamente ser canalizado para custear os gastos de desenvolvimento e, em especial os relativos àP&D imprescindíveis à recuperação do setor. A segunda subseção, dedicada aos fatoresempresariais, aborda as condições atualmente existentes na EMBRAER após alguns anos de

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crescentes dificuldades, de recompor sua posição competitiva. A terceira aborda o contextointernacional mostrando a escassa probabilidade de reversão das condições adversas que aempresa vem encontrando.

2.5.1. Viabilidade da recuperação dos fatores estruturais

As áreas militares brasileiras e, mais especificamente, o Ministério da Aeronáutica,representam o principal esteio onde se tem assentado a criação dos fatores estruturais e sistêmicosde competitividade do setor. Além de sua participação direta no empreendimento, que teveinfluência decisiva na constituição dos fatores empresariais de competitividade, elas foramresponsáveis pelo contexto favorável à consolidação da IAeB. Seus planos e intenções semprecontemplaram a necessidade de proporcionar recursos para o desenvolvimento tecnológicoconsiderado como o elemento fundamental para a competitividade do setor, seja através dascompras militares, seja através de apoio financeiro direto e indireto, e mesmo mediante suaatuação no contexto internacional visando obter ganhos de escala que viabilizassem minimamenteo empreendimento.

Como era de se esperar, a análise da viabilidade da recuperação dos fatores decompetitividade do setor está fortemente condicionada à avaliação da posição atual dossegmentos militares em relação à IAeB. São eles, mais do que os outros atores que participam noprocesso de tomada de decisão relativo ao setor, os que tenderão a definir sua competitividadefutura.

Cabe no entanto observar que mudanças significativas ocorreram nos últimos anos quantoao papel e espaço (econômico e político) dos setores militares, não apenas no Brasil, mas tambéma nível internacional. Isto tem implicado em importantes mudanças na estratégia destes setores. Damesma forma como nos anos 80 era comum a divulgação dos sucessos e das vantagens para oPaís da produção de armamentos, atualmente são mais freqüentes as referências aos programas deP&D militares. O projeto do submarino à propulsão nuclear da Marinha, que é o que temmerecido maior destaque, já estaria bastante adiantado e é mostrado como um grande sucesso. Asinformações divulgadas revelam a intenção de angariar apoio ao programa e sensibilizar ostomadores de decisão para a ampliação dos recursos a ele destinados; fato que se tem verificado.

No caso da Aeronáutica, é também sensível a substituição das notícias relacionadas aosucesso da EMBRAER por uma preocupação maior em legitimar o programa de pesquisaaeroespacial. Por outro lado, o programa do veículo lançador de satélites, que tem desdobramentomilitar - o desenvolvimento de um míssil balístico capaz de transportar um artefato nuclear - temsido mantido intacto.

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A imagem de seriedade e eficiência para lidar com questões relativas à C&T, cultivadapelos militares, tem calado fundo na opinião pública brasileira. Até mesmo no âmbito dacomunidade científica há um ambiente favorável que inclusive pode levar a que a já significativaparcela dos recursos dedicados à P&D militar aumente ainda mais. Caso tal venha a ocorrer, oresultado para a análise aqui realizada seria uma significativa mudança na orientação do tradicionalinteresse dos militares da Aeronáutica com a capacitação tecnológica. Aliada às dificuldades jáexpostas, e aos obstáculos que serão ainda tratados mais adiante, que limitam a possibilidade demanter a posição conquistada pela IAeB, essa situação estaria contribuindo decisivamente paraessa mudança.

. Recursos governamentais para a P&D do setor

Estabelecido o panorama mais abrangente onde ao que se supõe deverá ocorrer a tomadade decisão acerca dos rumos futuros do setor, cabe explorar com maior detalhe a possibilidade deque mesmo na ausência de uma definição mais estrita em relação à questão, seja viabilizado umcontexto propício à recuperação da capacidade inovativa do setor.

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que desde a criação da EMBRAER, existindo ou nãocausalidade entre os dois eventos, ocorreu um paulatino debilitamento da capacidade científica etecnológica do CTA, determinada pela contração de recursos para pesquisa e agravada pelascondições salariais de seu pessoal. A atual situação do CTA, como aliás de muitos outrosinstitutos de pesquisa e universidades mantidas pelo poder público, é extremamente precária,sobretudo nas áreas relevantes para atuação da EMBRAER.

A transferência para a EMBRAER de muitas das atividades anteriormente desenvolvidasno CTA, assim como boa parte de seu pessoal, equipamentos, etc. teve um papel evidentementepositivo e importante para os primeiros anos de vida da empresa. Mas por outro lado, ao assumiratividades de pesquisa (sabidamente custosas, tradicionalmente financiadas a fundo perdido, eusualmente caracterizadas por despesas implícitas não computadas), a EMBRAER obrigou-se ainternalizar custos de P&D que tenderam a se avolumar ao longo do tempo. Embora sua relaçãono faturamento da empresa seja compatível com o padrão vigente internacionalmente no setor,eles são excessivos quando se considera como denominador o valor da produção efetivamenterealizado pela empresa (isto é, descontando o conteúdo importado) eventualmente asfixiantesnuma economia como a brasileira.

A expectativa de que a capacitação tecnológica e a capitalização financeira obtida a partirde projetos militares custeados pelo orçamento das Forças Armadas, diretamente ou medianteacordos de aquisição, pudessem aumentar a competitividade da empresa somente se verificou

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cabalmente no início da vida da empresa; o que não quer dizer que não se tenha mantido um fluxode recursos públicos mais ou menos regular canalizado por outras vias.

Já há alguns anos, a empresa não tem conseguido financiar internamente odesenvolvimento de seus projetos. Não obstante o apoio do Estado ter-se mantido (embora sejaquase impossível conhecer sua magnitude e, portanto, determinar uma eventual contração), aempresa tem sido obrigada a solicitar recursos adicionais ao Ministério da Aeronáutica.

O contexto atual tem se caracterizado pela redução dos recursos governamentais para apesquisa científica e tecnológica. A mudança dessa situação - o que poderia reverter a tendênciade deterioração da capacitação tecnológica da EMBRAER, seja diretamente através dofinanciamento aos seus projetos de desenvolvimento tecnológico, seja indiretamente através deuma recuperação capacidade do CTA em áreas de algum significado para a empresa - é, portanto,pouco provável.

. A eficiência global da P&D do setor

Uma análise da viabilidade de uma ação específica por parte do governo, que possibiliteque uma parcela maior dos recursos públicos destinados à P&D seja canalizada para odesenvolvimento de tecnologia relevante para a EMBRAER, deve também basear-se na opiniãoque poderiam ter outros atores que não aqueles diretamente envolvidos com as decisões quedeterminam o direcionamento do setor.

O resultado da análise acerca da P&D militar, dos quais uma parcela importante se refere àrealizada no âmbito da IAeB, mostraria que ela é relativamente ineficiente. O tratamento daquestão da eficiência técnico-econômica de setores produtores é, sabidamente, uma questãocomplexa e controversa. Inúmeros especialistas em organização industrial e em economia datecnologia têm-se dedicado a ela sem que existam indicadores de eficiência ou produtividadeaceitos consensualmente. Em conseqüência, predomina um procedimento casuístico: para cadasetor e situação são adotados indicadores específicos cujo emprego permite a comparação comoutras realidades consideradas pertinentes.

Embora o desenvolvimento tecnológico possa apresentar efeitos colaterais importantes,seu resultado principal é um insumo para a produção de bens e serviços. Uma comparação entreos setores militares brasileiro e norte-americano é uma boa maneira para mostrar esse fato, umavez que os EUA é apontado por alguns pesquisadores como um exemplo de ineficiência nesta áreae como um país que financia excessivamente, e com graves conseqüências para sua economia, asatividades de P&D militar.

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Contrariamente à costumeira informação acerca da porcentagem alocada à função "DefesaNacional e Segurança" (0,7% do orçamento público de C&T), estima-se que a despesa real com aP&D militar represente quase 20% do gasto total efetuado na área de C&T. Essa estimativa,realizada a partir de informações relativas à década passada, pode ser considerada, atualmente,como conservadora. Como se sabe, o processo de deterioração do sistema nacional de fomento àP&D não evoluiu da mesma forma.

Dado que, como já mencionado, a participação da produção de armamento no PIB éinferior a 0,2%, é possível estimar a razão entre estes dois indicadores; que a seguir sãocomparados com os correspondentes à situação norte-americana. Ela é de 100:1. Nos EUA, aparcela dos gastos com a P&D militar no total pode ser considerada, para fins de comparação como caso brasileiro, como próxima a 40%, e a participação da produção de armamento no PIB comode 4%. A razão entre estes dois indicadores é de 10:1. A comparação das razões correspondentesao Brasil e aos EUA, 100:1 e 10:1, respectivamente, mostra uma situação surpreendente. A julgarpela eficácia com que o esforço de P&D militar se traduz na produção de armamento, pode-seconcluir que: (a) a atividade de P&D brasileira é relativamente ainda mais militarizada do que anorte-americana; (b) as atividades de P&D militar brasileiras são ainda menos eficiente do que asda norte-americana.

. O impacto da P&D do setor no desenvolvimento tecnológico da indústria nacional

Um último aspecto a ser abordado é o relacionado à conveniência em alocar maioresrecursos para a P&D realizada na IAeB para desta forma contribuir para o desenvolvimentotecnológico do País. Como já apontado, a maior inovação ocorrida no setor não foi um conjuntode tecnologias (hardware) mas sim um enfoque (software) baseado na busca de autonomia comosituação oposta à de dependência tecnológica. Uma atípica e sustentada preocupação com aformação de recursos humanos e a pesquisa estabeleceu uma inusitada capacidade para integrar,de uma forma adequada e variada o conhecimento endógeno com tecnologias de distintasprocedências e idades. Desta forma, evitou-se a compra de "caixas pretas" e "pacotestecnológicos" e viabilizou-se o uso de componentes de diferentes características. O resultadodeste enfoque foi a produção de aeronaves de nível tecnológico intermediário localmenteprojetadas, que se caracterizavam pela sua simplicidade, robustez e confiabilidade, e queincorporavam componentes críticos de alta sofisticação, adequadamente selecionados, eimportados de diferentes empresas e países. Resultado da estratégia e do enfoque adotados foitambém a capacidade desenvolvida e muito bem utilizada nos quinze primeiros anos de vida deselecionar com propriedade os nichos de mercado onde poderia se inserir em condiçõesvantajosas.

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A adoção desse enfoque num setor cuja dinâmica é fortemente influenciado porconsiderações de natureza estratégico-militar, encerra dois aspectos paradoxais. O primeiro é queele somente teve sua implementação possível porque o País não estava submetido a uma ameaçaexterna. Se não fosse assim teria prevalecido um enfoque direcionado à autarquia, como seconstatou em outros países, e não à autonomia. O segundo, é que ele se mostra especialmenteadaptado para guiar o desenvolvimento tecnológico e industrial em países periféricos como oBrasil. Assim, apesar da importância que o enfoque tecnológico descrito possa representar, parecenão ter havido aporte tecnológico significativo desenvolvido no País, nos produtos da IAeB.Também não parece haver indicações possa vir a ser realizado e transferido para a indústriabrasileira de alguma maneira importante. A regra geral vigente nos setores industriais de paísestecnologicamente dependentes como o Brasil é a utilização de tecnologia importada, uma vez queesta solução, entre outras razões, é vista como mais barata, confiável, eficiente e rápida do que aalternativa de desenvolvimento local.

Esses elementos reforçam a avaliação acerca da escassa probabilidade de que recursosadicionais para P&D possam (ou devam) vir a ser canalizados para a IAeB e para a EMBRAER epermitir, pela via da modificação dos fatores estruturais, a recomposição do fator empresarialrelacionado à capacitação tecnológica, considerado determinante na competitividade do setor.

2.5.2. Viabilidade da recuperação dos fatores empresariais

A presente seção analisa alguns indicadores de desempenho da EMBRAER que permitemaprofundar a avaliação da probabilidade da recomposição dos fatores de competitividade do setor.Adotando o procedimento usual de análise econômico-financeira, o texto que segue avalia osprincipais indicadores de desempenho da EMBRAER, buscando retratar a grave situação atual esua probabilidade de recuperação.

. Receita líquida da EMBRAER

O gráfico 12 mostra a evolução da receita líquida da empresa nos últimos anos, para osquais se dispõe de informação.

Como se pode observar, já anteriormente a 1989, quando a receita total vinha crescendoaté atingir o valor mais alto até então logrado, a empresa já vinha apresentando um desempenhopreocupante. Tal desempenho se agravou substancialmente os anos de 1990 e 91, quando emsimultâneo a uma diminuição da receita total verificou-se um resultado líquido da ordem de 50%.Isto é, a empresa incorreu em perdas equivalentes a uma vez e meia o valor de sua receita. Assim,mesmo na eventualidade de uma pouco provável recuperação das vendas da empresa até chegar

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ao patamar alcançado em 1989, alguns anos teriam que se passar até que ela pudesse recuperar-sedos prejuízos já incorridos.

A dimensão dessa evolução sugere que se procure analisar suas causas imediatas, demaneira a avaliar a probabilidade de sua reversão.

GRÁFICO 12

RECEITA LIQUIDA

ano

milh

ões

de d

ólar

es

-300

-250

-200

-150

-100

-50

0

50

100

85 86 87 88 89 90 91

. Endividamento

O Gráfico 13 mostra a evolução do endividamento da empresa nos últimos anos. Éimportante observar que já anteriormente a 1989, portanto numa situação em que as vendas daempresa se encontravam em franco crescimento, o nível de endividamento e principalmente a suacomposição (baseada em créditos de curto prazo) era preocupante. Este fato permite argumentarque não foi exatamente a retração do mercado da empresa o elemento detonador da crise deendividamento na qual se encontra submergida. Na verdade, o alto nível de endividamentoacumulado pela empresa ao longo dos últimos anos, até mesmo mais do que a queda nas vendasobservada a partir de 1990, parece ser a principal causa imediata da queda observada no seudesempenho.

Embora desde meados dos 80 se reconhecia que a política de endividamento que estavasendo seguida tinha que ser revista através de novo aporte de capital isto não ocorreu. Apesar daEMBRAER ter conseguido levantar 185 milhões de dólares de 1989 nada ocorreu até 1991,quando a injeção de capital por parte do governo de centenas de milhões de dólares permitiu um

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relativo equilíbrio entre seu endividamento de curto e longo prazo. Não obstante, as despesasfinanceiras líquidas alcançaram naquele ano 122 milhões de dólares, ou seja, 30% da receita brutada empresa.

A situação atual aponta para a necessidade de que, supondo a conveniência dacontinuidade das operações da empresa, e sem prejuízo de outras medidas de distinto prazo dematuração e referentes a áreas diversas, o governo contribua para sua solução. A exemplo do quevem ocorrendo no caso de empresas aeronáuticas de outros países, mesmo a alternativa deprivatização ou associação não pode prescindir de uma urgente e decidida ação governamental.

Embora sem atacar de forma decidida os problemas que estão na origem do fracodesempenho apresentado ultimamente pelo setor, que parecem estar ligados a questões como areal viabilidade e conveniência de manter uma indústria aeronáutica do País e o tipo de orientaçãoque deveria seguir, os responsáveis pela EMBRAER têm tentado enfrentar a situação de crise pelaqual passa a empresa.

O exame de dois outros indicadores relacionados à evolução da situação da EMBRAERmostra como a difícil situação foi enfrentada pelos dirigentes do setor de uma maneira assimétrica.

. Relações trabalhistas, pessoal ocupado e produtividade

As características anteriormente apontadas da produção aeronáutica - alta intensidadetecnológica, elevada confiabilidade, alto valor agregado e pequenas séries de produção -determinam uma situação atípica em relação a outros setores industriais. O elevado padrãotecnológico necessário demanda, simultaneamente, a utilização de equipamentos e técnicas deprodução sofisticados e a manutenção de um alto nível de qualificação da mão-de-obradiretamente empregada na produção. Isto faz com que ao lado de uma equipe de engenheiros deprojeto e fabricação de alta capacitação, a produção aeronáutica tenha que contar com operáriostambém altamente qualificados.

Seguindo a tendência internacional, a EMBRAER tem-se preocupado desde sua fundaçãoem tratar de forma adequada esses dois elementos da sua equação de desenvolvimentotecnológico. No primeiro caso, contou, como já assinalado, com a inestimável colaboração doITA e do CTA na qualificação de seu pessoal. Dedicou-se, adicionalmente, a promover oaperfeiçoamento e atualização de seu quadro técnico de alto nível internamente à empresa. No querespeita à remuneração, embora tenha conseguido manter um nível superior à média do mercado,foi prejudicada pela concorrência exercida por outras empresas, notadamente do setor dearmamentos. O fato de que muitos de seus engenheiros (e também seus operários especializados)

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tenham abandonado a empresa após absorverem a qualificação a eles proporcionada é apontadocomo um elemento que tem dificultado a manutenção da competitividade da empresa.

No que respeita ao seu quadro de operários especializados, a atuação da empresa tambémtem-se pautado pela qualificação através do treinamento interno e externo. O estilo de gestãoempresarial adotado, com ênfase na qualidade indispensável à confiabilidade do produtoaeronáutico, levou a que as relações de trabalho no âmbito da produção tenham-se transformado,antes mesmo do que em outros setores industriais, no sentido apontado pelas novas técnicas degestão. No que respeita à remuneração, pode-se afirmar que a situação descrita no caso dopessoal mais qualificado não chegou a ser preocupante. Benefícios como transporte, alimentação,assistência média, etc. contribuíram para atenuá-la.

A manutenção de relações de trabalho e de remuneração melhor do que as vigentes noconjunto da indústria, não foi secundada por uma atitude adequada no que respeita à solução deconflitos trabalhistas. No meio sindical têm sido frequentes as críticas relacionadas à poucaflexibilidade predominante na direção da empresa no tratamento desses conflitos.

O gráfico 14 indica a evolução do pessoal ocupado da empresa nos últimos nove anos,para os quais se dispõe de informação.

Como se observa, a quantidade de pessoal ocupado apresenta uma tendência ascendenteaté 1989 para decrescer posteriormente até atingir, em 1991, um valor pouco inferior ao de 1986.Conforme noticiado na época, teria sido a expectativa de redução nas vendas (posteriormenteconfirmada) o que teria levado a direção da empresa a efetuar o drástico corte de pessoal ocorridoem 1990. Considerações acerca do "inchamento" de pessoal típico de empresas estataisineficientes e mal administradas foram então divulgadas de modo a justificar a diminuição doefetivo da EMBRAER.

Com o objetivo de avaliar as implicações da evolução já observada da quantidade depessoal ocupado na empresa, foi elaborado o gráfico 15. Ele indica duas relações:

- entre o número de aviões de "alta tecnologia" produzidos e a quantidade de pessoalocupado (avaliado em dezenas de aviões por mil trabalhadores); e

- a receita da empresa e a quantidade de pessoal ocupado (avaliada em milhares de dólarespor trabalhador).

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GRÁFICO 13

ENDIVIDAMENTO

ano

milh

ões

de d

ólar

es

0

200

400

600

800

1000

1200

87 88 89 90 91

curto prazo longo prazo

GRÁFICO 14

PESSOAL OCUPADO

ano

empr

egad

os

6000

7000

8000

9000

10000

11000

12000

13000

83 84 85 86 87 88 89 90 91

Como se verifica através do exame da curva inferior, embora o pessoal ocupado tenhaquase duplicado entre 1983 e 1990, o número de aviões de "alta tecnologia" produzidos por cadamil trabalhadores passou de 8 para 11, o que deve ser interpretado como um aumento daprodutividade física da empresa.

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A evolução do valor da receita por trabalhador, mostrado na curva superior, indica umresultado ainda mais surpreendente. No período 1983-90, ele mais do que duplicou, passando de25 para 54 mil dólares por trabalhador; o que indica um considerável aumento da produtividade(agora avaliada em termos econômicos) por trabalhador ocupado.

Como conseqüência esperada do corte de pessoal efetuado em 1990, o valor da receita portrabalhador aumentou para 63 mil dólares por trabalhador. Este aumento, de cerca de 14%, foi,entretanto apenas a metade da redução observada (quase 30%) no número de trabalhadoresocupados.

A nova redução do efeito efetuada em 1991, de 654 pessoas (cerca de 7% do pessoalocupado em 1990) não surtiu, entretanto, o efeito desejado. A produtividade avaliada em termoseconômicos caiu em 25% (de 63 para 47 mil dólares por trabalhador), situando-se num nívelpróximo ao existente em 1987, ano em que a empresa inicia um rápido aumento no número deempregados.

A análise efetuada permite concluir que:

- durante o período em que a empresa apresentou um crescimento na sua produção (1987-90) ocorreu um sensível aumento da produtividade;

- a julgar pela evolução observada no último período, novas reduções no pessoal ocupado,caso combinadas com a manutenção da tendência declinante das vendas, não levarão a umaumento na produtividade da empresa;

- finalmente, não parece ser o montante dos salários pagos o fator determinante doresultado negativo acumulado pela empresa nos últimos anos.

. Investimentos em P&D

O gráfico 16 indica a evolução dos investimentos em P&D efetuados pela empresa e arelação entre estes e a receita (descontado o valor e produção estimado da linha Piper, uma vezque estes não exercem demanda por desenvolvimento tecnológico).

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GRÁFICO 15

PESSOAL OCUPADO, AVIÕES AT E RECEITA

ano

0

10

20

30

40

50

60

70

83 84 85 86 87 88 89 90 91

Nº AV.AT/PESSOAL RECEITA EST/PESSOAL

GRÁFICO 16

INVESTIMENTO EM P&D

ano

(%)

0

5

10

15

20

25

30

74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

0

20

40

60

80

100

120

140

milhões de dólares

INVESTIMENTO INVESTIMENTO/RECEITA

Como se constata, o nível de investimento em P&D da empresa flutuou ao longo dotempo em função da existência de novos projetos que demandavam desenvolvimento. O períodoposterior a 1983, ano em que a empresa atingiu o menor valor da relação investimento emP&D/receita de sua história, é o que merece destaque. Naquele ano foi lançado o Tucano que,

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conforme já comentado, não parece ter demandado gastos significativos de desenvolvimento, e odesenvolvimento de Brasília estava em pleno andamento. Seu lançamento ocorreu em 1985, o quefaz supor que parte do investimento em P&D realizado em 1984 e 1985 tenha sido decorrente deseu projeto. Já estava, entretanto, também em desenvolvimento o AMX (que começa a entrar emcadência de produção em 1989). É, portanto, bastante provável (embora dificilmente passível deser documentado) que os gastos que se seguiram tenham sido em grande parte canalizados para aconsecução deste projeto.

. As opções de desenvolvimento de novos produtos

Embora, como já apontado, a situação financeira da empresa não fosse das melhores, asvendas continuavam crescendo até 1989, o que parece ter levado seus dirigentes a apostar nofuturo iniciando o desenvolvimento de dois outros projetos. Esta decisão, dadas suas implicaçõespara o futuro da empresa merece uma avaliação.

Em primeiro lugar, porque envolvia um risco bastante elevado, uma vez que alguns doselementos já presentes no contexto nacional e internacional eram suficientemente negativos paratornarem-na desaconselhável. Em segundo lugar, porque ela envolvia a captação de recursos nãodisponíveis que foram obtidos de uma forma também bastante arriscada (mediante empréstimos decurto prazo). Em terceiro lugar, porque os projetos que foram desenvolvidos envolviam tambémum risco maior do que a empresa poderia correr.

O primeiro era o do AMX, cujo cronograma e custo de desenvolvimento se mostrarammuito superiores aos programados, e cuja possibilidade de colocação junto ao Ministério daAeronáutica e no mercado externo já era remota à época. Este projeto parece nunca ter sido umaboa alternativa em termos comerciais para a empresa, só se justificando por consideraçõesestratégico-militares, possivelmente questionáveis mesmo quando analisadas segundo aperspectiva estrita das necessidades visualizadas pela Força Aérea.5

O segundo era o CBA-123 (commuter de 19 passageiros) iniciado em 1986 e objeto de umconsórcio com a FAMA argentina assinado em 1987. Este consórcio pode ser considerado comoa primeira iniciativa de cooperação de grande porte no âmbito do processo que viria a culminarcom a criação do Mercosul. Seu objetivo era a agregação da capacidade tecnológica e produtivada EMBRAER, e sua experiência adquirida através de consórcios com parceiros europeus, àcompetência argentina. A capacidade tecnológica e industrial a ser adquirida conjuntamente numaárea de ponta era um importante apelo.

5 Ao que parece ele era uma alternativa interessante apenas para as empresas italianas envolvidas no consórcio.Isto porque, que ao contrário do que ocorre com projetos de desenvolvimento realizados internamente, em que osubsídio está limitado a 70%, o governo italiano subsidia em até 100% aqueles que envolvam cooperaçãointernacional.

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No âmbito econômico, a expectativa do parceiro mais forte (a EMBRAER) de podercontar com um mercado expandido não só pelas encomendas argentinas mas com outros paísescom os quais a Argentina já mantinha ou poderia encetar relações de comércio prováveis, era oprincipal atrativo.

Do ponto de vista político, a iniciativa tinha sua existência legitimada dado que visava aaproximação entre os dois países numa área especialmente sensível, tradicionalmente controladapelos militares. Por outro lado, esperava-se que o consórcio pudesse exercer, um efeito dedemonstração positivo estimulando iniciativas futuras.

Embora tivesse sido inicialmente idealizado para substituir o Bandeirante, cujas competitividadedeclinava em função da entrada de novas aeronaves no segmento correspondente, seu projeto evoluiunuma direção demasiadamente ambiciosa para as possibilidades tecnológicas e financeiras dos parceirosenvolvidos. Ao invés de constituir-se numa aeronave mais atualizada mas que mantivesse ascaracterísticas que haviam tornado o Bandeirante um sucesso de vendas, ele pretendeu incorporarsoluções radicais ainda não suficientemente testadas à concepção do Brasília num sentido contrário aousual. Num momento em que a tendência à contração da demanda e à conglomeração do mercado jápodiam ser visualizadas, um projeto menos ambicioso e uma associação que permitisse maiorsegurança no desenvolvimento do produto e maior garantia quanto à possibilidade de comercializaçãotalvez tivesse sido um passo mais prudente para a EMBRAER.

O terceiro projeto era o EMB-145 (commuter a jato de 45 passageiros), concebido comouma versão alongada do Brasília, com o qual deveria partilhar 75% dos componentes e sistemas.Apresentado em 1989 para entrar em operação normal em 1992, o avião teve seu projeto atrasadoem função da opção pela propulsão a jato, cuja conveniência não chegou a convencer osespecialistas no assunto. Com o cronograma e custo de desenvolvimento ampliados teve seulançamento oficialmente adiado para 1995. Novamente neste caso a pouca atenção dada aos sinaispresentes no contexto nacional e internacional levaram a EMBRAER a lançar-se, sem umconveniente apoio de um parceiro externo competente, numa empreitada de elevado risco. Comoresultado, tanto este projeto como o anterior encontram-se praticamente paralisados.

Voltando à questão anteriormente levantada, acerca da maneira assimétrica como a jádifícil situação financeira da empresa foi enfrentada pelos seus dirigentes, chama a atenção o fatode que no ano de 89, quando foram tomadas drásticas medidas de redução de pessoal,praticamente se duplicou o investimento em P&D, mediante endividamento de curto prazo.

Tal situação foi agravada pelo fato de que em 1990, apesar da queda observada na receita,não ocorreu um ajuste no programa de investimentos da empresa. Seria importante isto terocorrido em algum momento antes que a situação se tornasse insustentável e a campanha movidapara a salvação da EMBRAER tivesse maiores chances de dar resultados positivos. A opção

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tomada de manter o plano de expansão, apoiando-se em financiamentos de elevado custo, pareceportanto ter sido orientada por compromissos de natureza "não-econônica".6

2.5.3. Viabilidade da recuperação dos fatores sistêmicos

Embora uma parcela crescente dos setores que de alguma forma influem no processo detomada de decisão relativo ao setor demonstrem estar cada vez mais convencidas da pequenaatratividade que apresenta o mercado militar, é conveniente comentar brevemente a tendência aque este parece submetido. Posteriormente se apresenta com um pouco mais de detalhe a situaçãodo mercado civil, retomando a análise realizada no capítulo de considerações gerais e situando aposição relativa da IAeB, uma vez que é ali que parecem estar fundadas as esperanças de umaretomada do crescimento apresentado no passado pelo setor.

. As perspectivas do mercado militar

A tendência à supersofisticação, que destacada como sendo um dos motivos importantesdo sucesso relativo logrado pela IAeB, encontra-se em franca reversão. A percepção é de queuma de suas causas mais significativas, embora não convenientemente abordada na literaturainternacional sobre o tema, parece ter sido de natureza apenas conjuntural, o que é de extremaimportância para o caso da IAeB.

A introdução prematura no setor de armamento de "pré-inovações" radicais, ainda nãorepassadas para a aviação civil e, portanto, sancionadas e otimizadas pela lógica comercial podeter sido um fator determinante da tendência à supersofisticação. A evolução da relaçãodesempenho/custo dos produtos intensivos em tecnologias pertencentes ao paradigma emconsolidação não só reforça essa hipótese como sugere que, no futuro, a ação das grandesempresas internacionais tenderão a restringir significativamente o espaço para que iniciativas bemsucedidas como a relatada possam se verificar.

Por outro lado, a evidente redução do mercado militar dos países do Terceiro Mundo, eem especial do Oriente Médio para onde se dirigiram as exportações brasileiras de armamentos, ea concentração das atenções dos países tradicionalmente orientados à produção de armas nosentido de controlarem aquele mercado, reduzem ainda mais as possibilidades de que países comoo Brasil possam voltar a ter ali uma presença ainda que marginal.

6 Frishtack (1992) aponta em seu trabalho sobre a EMBRAER, as razões que estariam na base de umcomportamento demasiadamente ambicioso no que respeita ao nível tecnológico buscado na concepção de algunsdos produtos, e à pouca importância conferida aos meios para o financiamento de seus projetos. Elas poderiam sersintetizadas na sua frase: "...(EMBRAER) let designers and performance-focussed officials have an inordinatedecision-making power, at the expense of aircraft financing and marketing requirements." Embora concordandocom sua afirmação não há como deixar de ressaltar mais uma vez, dado que isto não é sequer comentado notrabalho, que a verdadeira origem deste comportamento deve ser buscada na orientação seguida desde oestabelecimento das atividades ligadas à produção aeronáutica no País.

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. As perspectivas do mercado civil

Sem prejuízo de que, em função de arranjos institucionais internos, a situação atual daIAeB possa ser resolvida mediante uma nova transferência de recursos para a EMBRAER, éevidente que suas perspectivas num prazo menos imediato estão determinadas pela possibilidadede poderem ser comercializadas de forma compensadora as aeronaves destinadas à faixa doscommuter, cujo lançamento estão programadas e que já consumiram uma grande quantidade derecursos para seu desenvolvimento.

Por esta razão, e retomando as considerações apresentadas no capítulo inicial acerca dasituação atual e as tendências de evolução do mercado internacional - que é para onde fatalmenteteria que orientar-se a sua comercialização - avalia-se a seguir a probabilidade de que este fatopossa vir a ocorrer.

No que respeita ao Vector (CBA-123), o principal obstáculo não é o desempenhoesperado da aeronave mas sim o seu preço de aquisição demasiadamente alto (cerca de 6 milhõesde dólares). Ele é bastante superior ao dos competidores já existentes (Fairchild Beech) eprovavelmente acima do correspondente aos modelos cujo lançamento é esperado em breve, numasituação em que as companhias de aviação encontram crescentes dificuldades financeiras.

Neste sentido, é muito provável que a motivação econômica inicial do consórcio com aArgentina, relacionada à possibilidade de contas com um mercado expandido no âmbito doMERCOSUL venha a ser satisfeita.

O EMB-145, cujo preço de venda deverá situar-se em torno dos 12 milhões de dólarestambém tenderá a chegar ao mercado quando os modelos cujo lançamento está previsto pelaCanadair e pela SAAB já estiverem sendo comercializados. Além do que, o mercado para umavião com as características do EMB-145 é incerto devido ao fato de que as companhias deaviação norte-americanas não decidiram ainda qual será sua estratégia futura, se aumentar onúmero de vôos entre os pequenos e os grandes aeroportos ou introduzir vôos de maior distânciaentre cidades de porte médio, evitando os aeroportos de distribuição de passageiros situados nosgrandes aglomerados urbanos.

Como se depreende do exposto no capítulo inicial, e dos elementos agora adicionados, asituação que deverão enfrentar essas aeronaves é muito distinta da existente quando dolançamento do Bandeirante e mesmo do Brasília.

Em resumo, e concluindo, é possível afirmar que é pequena a probabilidade derecuperação dos fatores sistêmicos de competitividade que caracterizaram o ambienteinternacional em que se deu a consolidação da IAeB.

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3. PROPOSIÇÕES DE POLÍTICAS

O êxito da indústria aeronáutica brasileira (IAeB) no atendimento às necessidades internase ao mercado internacional, ao contrário do que ocorreu em outros setores de propriedadenacional, não esteve baseado nas chamadas vantagens comparativas estáticas. Mas também aocontrário de outros setores, ele não esteve orientado ao atendimento com eficiência de ummercado interno em expansão e ao fortalecimento da capacitação produtiva e tecnológica nacionalnecessária para consolidar a base de insumos que utiliza, não logrando estabelecer, portanto,condições auto-sustentadas de crescimento.

À semelhança do que ocorre em nível internacional, a IAeB possui uma motivaçãoestratégico-militar que legitima, muito mais do que as considerações ligadas à proteção à indústrianascente e de alta intensidade tecnológica, um elevado grau de protecionismo. O ambiente geradodevido a este caráter foi absolutamente determinante para o estabelecimento dos fatores decompetitividade estrutural __ atípicos na restante da indústria brasileira __ possibilitados pelodecidido e continuado apoio governamental de iniciativa dos segmentos militares.

A competitividade alcançada pela IAeB esteve alicerçada numa estratégia de inovaçãoautonomamente definida iniciada da década de 50, bem antes da criação da Empresa Brasileira deAeronáutica (EMBRAER), em 1970, que permitiu, também mediante a alocação de recursosgovernamentais, a oportuna exploração de nichos de média intensidade tecnológica do mercadocivil e militar mundial em expansão.

Características inerentes à produção aeronáutica, tais como os requisitos de qualidade edesempenho, reforçadas pela exigüidade do mercado nacional levaram à adoção de uma estratégiatecnológica e industrial marcada por um alto nível de dependência em relação ao exterior. Tanto pelolado da manutenção de uma elevada relação de insumos de produção de altos conteúdo tecnológico evalor adicionado, como pelo da destinação em proporção elevada e crescente dos seus produtos,instaurou-se uma situação de protecionismo que tornaram a IAeB extremamente vulnerável.

As condições criadas em função do caráter estratégico-militar foram responsáveis por umcomportamento empresarial pouco realista. A demasiada ênfase à produção militar, quando jáeram evidentes, em outros países, suas conotações de ineficiência, e a escassa probabilidade decolocação dos seus produtos no mercado interno e internacional é um sintoma. Embora sem sepoder assegurar a aquisição numa escala rentável dos produtos da EMBRAER, seguiu-sebuscando financiar seu desenvolvimento na expectativa de que a capacitação tecnológicaadquirida - em si mesma um objetivo estratégico privilegiado - pudesse manter a competitividadelograda pela empresa.

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Esse caráter estratégico-militar, embora tenha sido a causa primeira da competitividadepela IAeB, terminou levando, em face à deterioração das finanças públicas, a uma situação decrise manifestada pela diminuição da capacidade demonstrada nos primeiros anos de monitorar astendências do mercado internacional e de desenvolver projetos comercialmente viáveis mediantecooperação com parceiros adequados, e pela arriscada opção de financiá-los através deempréstimos de curto prazo.

As dificuldades do cenário nacional vão além de uma contração conjuntural da demandapor aeronaves civis e militares, da virtual paralisação do desenvolvimento tecnológico e industrialde outros setores à montante e à jusante que poderiam atenuar a dupla dependência externa dosetor. A elas tende a se somar a diminuição da capacidade dos segmentos militares em manter seuapoio e a decorrente mudança na perspectiva que conferem ao setor. A já elevada proporção doorçamento públicos determinados ao desenvolvimento tecnológico militar torna pouco provávelque recursos adicionais possam ser canalizados para manter os projetos em desenvolvimento, osquais poderiam eventualmente recuperar a posição de competitividade alcançada pelo setor.

Embora possa ser questionado até que ponto o relativo sucesso alcançado pela IAeB emtermos do comércio exterior tenha-se baseado numa real competitividade, não há dúvida de que asrecentes alterações do contexto internacional tendem a tornar sua situação ainda mais delicada.Também neste caso não se trata apenas de uma contração dos segmentos de mercado (militar ecivil) explorados pela IAeB, de natureza conjuntural ou temporária. No mercado militar estão emcurso modificações estruturais que apontam para sua crescente monopolização e controle, e porcondições tecnológicas, que tornam muito pouco provável a recuperação alcançada pela IAeB.No mercado dos aviões de pequeno porte, ao protecionismo já existente, somam-se tendências aoaumento dos custos de desenvolvimento e a conseqüente elevação das séries rentáveis deprodução, e à globalização e conglomeração à escala mundial que originam uma deterioração dosfatores de competitividade sistêmica da IAeB anteriormente existentes. Um grande número deempresas que anteriormente apresentaram excelente desempenho estão falindo, sendo privatizadasou absorvidas pelos concorrentes de maior poder de barganha ou grau de subsídio governamental.No âmbito deste processo, as condições favoráveis para empresas ou países do porte eimportância relativa da EMBRAER e do Brasil, mostram-se reduzidas.

Somam-se, portanto, à situação determinada pela postura adotada pela EMBRAER nacondução de sua atividade empresarial, que se acentua a partir do final dos anos 80 (seleção denovos projetos, obtenção de financiamentos, etc.), e que levaram a uma situação financeiraextremamente difícil, as adversas tendências de mercado interno e externo.

Ações encaminhadas pela empresa no período recente, como a drástica redução de pessoale a obtenção de recursos governamentais para aliviar seu passivo financeiro, não têm alcançado

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sucesso, levando a que seu futuro se mantenha indefinido. A longa e até agora pouco profícuaespera a que se estão sujeitando os dirigentes do setor na expectativa de que seja retomado o nívelhistórico de subsídio torna a situação, especialmente a relacionada à sua elevada dívida de curtoprazo, crescentemente difícil, e demanda com cada vez mais urgência uma definição por parte dogoverno.

A análise desenvolvida neste trabalho aponta que os fatores de competitividade da IAeB,não só dependeram até o passado recente da atuação do Estado, mas que a consecução de taisfatores no longo prazo demandaria, muito mais do que no caso de outros setores industriais, aadoção de uma política governamental especificamente orientada, e em especial, para acapacitação tecnológica do setor. A análise da conveniência da adoção de tal política não pode,entretanto, dadas as presentes condições relacionadas à IAeB e à grave situação em que seencontram outros setores industriais de importância relativa possivelmente maior, pautar-se porcritérios como os que no passado a presidiram.

Elementos para uma avaliação de custo-benefício como a que parece necessária estãoextensamente discutidos ao longo deste trabalho. Cabe apenas uma breve menção a alguns dosmais importantes.

Os aspectos relativos ao custo associado à manutenção da estratégia industrial etecnológica seguida pelo setor foram apontados, embora, por razões conhecidas, sem tentardimensioná-los. Em falta de uma estimativa mais acurada, e mesmo não computando o grandevolume de recursos aplicados na criação e manutenção do setor ao longo de sua existência, asimples consideração do endividamento acumulado pela EMBRAER, questão que teria que sersolucionada a curtíssimo prazo, é preocupante. À luz da análise, realizada não existe evidência deque o custo futuro de manutenção da IAeB para o governo possa diminuir. Pelo contrário, aavaliação de aspectos como a situação do mercado internacional, entre outros, aponta para umprovável aumento de um custo que se tem mostrado, se não proibitivo, pelo menos excessivo.

No que respeita aos benefícios, foram apresentados elementos que permitem questionar osargumentos que têm sido utilizados pelos dirigentes da IAeB para demonstrar a sua existência.

O impacto desprezível, se não negativo, verificado em termos da balança comercial, é umexemplo de como a ausência de análises aprofundadas sobre a IAeB tem contribuído para queuma situação de desinformação tenha mantido o setor infenso à necessária crítica.

O pequeno impacto econômico e tecnológico fica também evidente quando se procuradimensionar o propalado efeito positivo que EMBRAER exerceria sobre a indústria nacional,onde teria capacitado as cerca de 400 empresas fornecedoras. O fato de que a receita (ou o custode produção) da empresa é praticamente igual ao valor dos salários pagos e das importações

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realizadas, apesar de não ser conclusivo, é preocupante. Esta constatação, entretanto, nãosurpreende quando contrastada com a experiência internacional do setor de produção dearmamento e mais ainda com a que se pode logicamente esperar do comportamento da IAeB.

A estratégia industrial e tecnológica da IAeB esteve centrada menos na produção ouaquisição de tecnologia específicas passíveis de serem transferidas, mas na constituição de umenfoque de engenharia de sistemas. Uma atípica e sustentada preocupação com a formação derecursos humanos e a pesquisa estabeleceu uma inusitada capacidade para integrar, de uma formaadequada e variada o conhecimento endógeno com tecnologias de distintas procedências e idades.

Desta forma, evitou-se a compra de "caixas pretas" e "pacotes tecnológicos" e viabilizou-se o uso de componentes de diferentes características. O resultado deste enfoque foi a produçãode aeronaves de nível tecnológico intermediário localmente projetadas, que se caracterizavam pelasua simplicidade, robustez e confiabilidade, e que incorporavam componentes críticas de altasofisticação, adequadamente selecionados, e importados de diferentes empresas e países.Resultado da estratégia e do enfoque adotados foi também a capacidade desenvolvida e muitobem utilizada nos quinze primeiros anos de vida da empresa de selecionar com propriedade osnichos de mercado onde poderia se inserir em condições vantajosas.

Apesar do interesse que desperta, e da eventual importância que o enfoque tecnológicodescrito possa representar para informar políticas direcionadas a outros setores da indústrianacional, é possível questionar a existência passada e futura de aportes tecnológicos significativosdesenvolvidos pela IAeB; assim como sua efetiva transferência para a indústria brasileira. A regrageral vigente nos setores industriais de países tecnologicamente dependentes como o Brasil é autilização de tecnologia importada, uma vez que esta, entre outras razões, é mais barata,confiável, eficiente e prestigiada do que aquela que poderia ser localmente desenvolvida.

Entre as alternativas atualmente analisadas no cenário internacional para encaminhar adifícil situação de um número significativo de empresas aeronáuticas que se encontram emdificuldades, está a privatização. Esta pode ser vista como uma alternativa cômoda na medida queeximiria o Estado de impulsionar políticas para o direcionamento do setor. Tal alternativa,colocada na ordem do dia pela política econômica adotada pelo governo brasileiro nos doisúltimos anos - que poderia, eventualmente, levar à recomposição das condições decompetitividade da EMBRAER - poderia implicar na compra total ou parcial de seus ativos pelocapital internacional.

A tendência de reorganização do setor e dos fluxos de investimento à escala internacional,a alta dependência da IAeB do mercado externo em termos da colocação de seus produtos, o altorisco inerente à atividade de produção aeronáutica (determinado pelo seu alto componente deP&D e pela existência de um mercado altamente competitivo e de preços administrados), e o

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próprio volume do investimento já realizado e da dívida acumulada são elementos a seremconsiderados tanto pelo governo brasileiro como pelo eventual comprador. De uma forma geral, amenos que condições artificialmente favoráveis sejam oferecidas, não parece provável que algumaempresa estrangeira venha a interessar-se pelo negócio.

Além do que, e ao contrário de outros setores onde a privatização poderia desencadear aadoção de uma estratégia de inovação mais eficiente, embora provavelmente com a perda deefeitos colaterais eventualmente positivos, a privatização da EMBRAER, entendida como umadesnacionalização da IAeB, tem encontrado sérios obstáculos. No meio militar, por razões óbvias.No âmbito dos engenheiros e técnicos, existe a percepção de que a mudança da estrutura depropriedade da empresa resultaria na adoção de tecnologias e projetos desenvolvidos fora do paíse, assim, mais cedo ou mais tarde, na sua prescindibilidade. No meio sindical, devido à incertezaem relação ao futuro que uma mudança da estrutura de propriedade da empresa em condiçõescríticas determina (sobretudo numa generalizada conjuntura recessiva), e à quase absolutaconcentração espacial das atividades do setor, se cristaliza também uma forte oposição àprivatização.

A virtual impossibilidade, pelo menos a médio prazo, da privatização/desnacionalização daEMBRAER faz com que a recomposição das condições de competitividade da IAeB não possaocorrer de forma "automática", sob a coordenação de um grupo empresarial estrangeiro,demandando, ao contrário, ações específicas articuladas pelo Estado.

Diferentemente da maior parte dos setores da estrutura industrial brasileira, existe na IAeBum grau suficiente de coordenação entre os fatores e agentes nos níveis estrutural, empresarial esistêmico para a implementação de políticas, não sendo necessário o estímulo a uma maiororganicidade e concertação entre os mesmos como um alvo prioritário.

Além de um amplo espaço para a coordenação entre níveis e agentes, há na IAeB umaconsciência crescente a respeito de ações específicas para o encaminhamento de soluçõeslocalizadas para os problemas que enfrenta o setor. Esse espaço, embora tenha sido mantido sob aorientação quase exclusiva dos responsáveis pelo setor, tem sido capaz de encaminhar ações nosníveis estrutural (como o aumento da componente nacional mediante a capacitação defornecedores e consequente reforçamento da cadeia produtiva, melhoria das relações com clientesvisando estabelecimento de associações, especialização em direção a nichos de mercadopromissores, reestruturação patrimonial, entre os mais fundamentais); empresarial (como melhoriada gestão e racionalização, reforçamento e orientação das atividades de suporte tecnológico, entreoutros); e sistêmico (como financiamento às atividades da empresa líder, crédito aos clientes,tributação, treinamento de pessoal e acesso ao Mercosul).

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A eficácia de tais ações, entretanto, esbarra no obstáculo trazido pela ausência de umadefinição estratégica que leve em conta, por um lado, o caráter inteiramente subsidiado daprodução aeronáutica internacional e, por outro, a relativa prescindibilidade da IAeB no atualcenário nacional, além da situação crescentemente adversa que enfrenta no âmbito externo.

O espaço de coordenação existente não tem sido capaz de abordar, por razõescompreensíveis, a questão que está na base das perspectivas do setor: a da definição da suaprioridade relativa frente às alternativas de desenvolvimento industrial e tecnológico do país. Ésomente a partir de uma avaliação, não apenas das questões específicas do setor, mas daproblemática nacional mais abrangente, trazida por agentes externos ao mesmo, que tal definiçãoestratégica pode ser estabelecida a contento.

Assim, antes mesmo que se coloque seriamente a alternativa da privatização, ou que seproponham ações específicas do Estado no sentido da recomposição dos fatores decompetitividade do setor, a questão chave a ser aprofundada diz respeito à definição da prioridaderelativa que a sua manutenção possui no âmbito da política industrial do País.

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INDICADORES DE COMPETITIVIDADE

A definição de indicadores de competitividade para a indústria aeronáutica é tarefa degrande complexidade em função das condições particulares que regem a produção e o mercadonesse setor, em especial no que se refere às aeronaves de emprego militar.

Propõe-se a seguir uma família de indicadores de uso geral para a avaliação dacompetitividade no setor.

. Indicadores de desempenho

- número e valor das aeronaves produzidas por ano

- receita líquida das empresas

- grau de endividamento das empresas (de curto e longo prazo)

- produtividade - pessoal ocupado/número de aeronaves Alta Tecnologia e Total

- produtividade - pessoal ocupado/valor de aeronaves Alta Tecnologia e Total

- preços de venda das aeronaves competidoras por segmentos de mercado

. Indicadores de mix de produtos

- ano de lançamentos dos modelos

- proporção de aviões Alta Tecnologia no total (em valor e quantidade)

- proporção dos aviões militares no total (em valor e quantidade)

- proporção de aviões militares no total Alta Tecnologia (em valor e quantidade)

. Indicadores de grau de dependência

- participação das importações no valor da produção

- efeito externo líquido (balança comercial do setor e por aeronave/valor da produção)

- estrutura de fornecedores e compradores

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. Indicadores de esforço tecnológico

- investimento em P&D em relação ao faturamento

- investimentos em P&D em relação ao conteúdo local da produção (faturamento -importações de componentes)

- relação recursos próprios/recursos totais em P&D

- relação financiamentos a fundo perdido/gastos totais em P&D

- relação gastos em P&D militar/P&D total das empresas

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RELAÇÃO DE TABELAS E GRÁFICOS

TABELA 1MERCADO MUNDIAL DE COMMUTERS (1990)..................................................... 34

TABELA 2ESTIMATIVA DO MERCADO MUNDIAL DE COMMUTERS ................................. 38

TABELA 3MODELOS PRODUZIDOS OU EM DESENVOLVIMENTO PELA EMBRAER ....... 50

TABELA 4NÚMERO DE AVIÕES PRODUZIDOS PELA EMBRAER......................................... 59

GRÁFICO 1AERONAVES PRODUZIDAS (QUANTIDADES) ...................................................... 37

GRÁFICO 2AERONAVES PRODUZIDAS (VALOR)..................................................................... 37

GRÁFICO 3DESEMPENHO DA EMBRAER.................................................................................. 51

GRÁFICO 4PARTICIPAÇÃO DAS IMPORTAÇÕES ..................................................................... 52

GRÁFICO 5EFEITO EXTERNO LIQUIDO (EXP-IMP)/PROD ...................................................... 53

GRÁFICO 6DEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO AO EXTERIOR....................................................... 54

GRÁFICO 7PRINCIPAIS CLIENTES (1982 - CACEX) .................................................................. 56

GRÁFICO 8PRINCIPAIS FORNECEDORES (1989 - CACEX) ...................................................... 57

GRÁFICO 9PROPORÇÃO DOS AVIÕES AT NO TOTAL............................................................. 61

GRÁFICO 10PROPORÇÃO DOS AVIÕES MILITARES NO TOTAL ............................................. 62

GRÁFICO 11AVIÕES MILITARES NO TOTAL AT ........................................................................ 63

GRÁFICO 12RECEITA LIQUIDA..................................................................................................... 69

GRÁFICO 13ENDIVIDAMENTO ..................................................................................................... 72

GRÁFICO 14PESSOAL OCUPADO.................................................................................................. 72

GRÁFICO 15PESSOAL OCUPADO, AVIÕES AT E RECEITA....................................................... 74

GRÁFICO 16INVESTIMENTO EM P&D ......................................................................................... 74

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