Estudo da relação entre a morfologia crânio-facial e o ...

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ISSN 00347272 228 Estudo da relação entre a morfologia crânio-facial e o diâmetro do espaço aéreo faríngeo por meio de cefalometria Study of relationship between craniofacial morphology and pharyngeal airway space by means of cephalometry Marcela Rodrigues Alves Lígia Luzia Buarque e Silva Doutorandas em Prótese Dental da FO de Piracica- ba/Unicamp Frederico Andrade e Silva Wilkens Aurélio Buarque e Silva Professores Titulares de Prótese Fixa da FO de Piraci- caba/Unicamp Fábio Ribeiro Guedes Professor Substituto de Radiologia da FO/UFRJ Fernanda Paixão Doutora em Prótese Dental da FO de Piracicaba/Unicamp Resumo Este estudo avaliou a relação entre a morfologia crânio-facial e o diâmetro do espaço aéreo faríngeo por meio de cefalometria. Foram obtidas radiografias cefalométricas laterais de 52 voluntários (18 - 28 anos), com a cabeça em posição natural. A partir destas, fo- ram obtidas medidas lineares e angulares referentes à morfologia crânio-facial e ao espaço aéreo farín- geo. Os diâmetros faríngeos posteriores ao palato mole e à língua apresentaram relação significativa com diversas características da morfologia facial, princi- palmente com o comprimento intermaxilar e o eixo de crescimento. A variável do espaço faríngeo que apre- sentou relação mais forte com o esqueleto facial foi o diâmetro posterior à língua, que se relacionou mais fortemente com o comprimento intermaxilar e com o eixo de crescimento. Palavras-chave: ossos da face; faringe; cefa- lometria. Abstract This study evaluated the relation between the cra- niofacial morphology and the pharyngeal airway spa- ce diameter, by means of cephalometry. It were taken lateral cephalometric radiographs of fifty two volunte- ers (18-28 years old), in natural head posture. Linear and angular measurements regarding craniofacial morphology and pharyngeal airway space were taken. The pharyngeal diameters behind the soft palate and behind the tongue presented significant relation with several facial morphology characteristics, mainly with the intermaxilary length and with the growth axis. The pharyngeal space variable that presented strongest relation with the facial skeleton was the diameter behind the tongue, which presented strongest relation with the intermaxilary length and the growth axis. Keywords: facial bones; pharynx; cephalometry. Introdução Introdução Introdução Introdução Introdução R ecentemente, tem-se observado um renovado interesse na interação entre forma e função da região crânio-cervi- cal. Grande atenção tem sido focada nas dimensões do espaço aéreo faríngeo, considerando sua potencial relação com o desenvolvimento crânio-cervical e com os distúrbios respira- tórios do sono (1, 16). A apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma condição na qual ocorrem paradas respiratórias periódicas durante o sono. A bai- xa qualidade do sono leva à dificuldade de concentração e ao risco de sonolência diurna. Além de afetar a qualidade de vida, também apresenta uma considerável morbidade, pois a redu- ção da oxigenação sanguínea pode gerar hipertensão, arritmias cardíacas, angina noturna e isquemia do miocárdio. Sua etiolo- gia parece ser uma interação entre fatores anatômicos (macro- glossia, retrognatia, micrognatia, redução do lúmem da via aé- rea) e funcionais (hipotonicidade muscular), que, durante o sono, juntamente com a redução da tonicidade da musculatura da lín- gua e da faringe, alteração do controle da respiração e a posição supina atuam reduzindo o espaço aéreo faríngeo (3, 6, 19). Tem sido observado que pacientes com AOS apresentam perfis es- queléticos e teciduais anormais, como retrusão facial, retrusão dos maxilares, mandíbula pequena, altura do terço inferior da face e ângulo entre os planos maxilomandibulares aumentados, língua e palato mole mais volumosos e o espaço aéreo faríngeo e a área intermaxilar reduzidos (1, 6, 14, 19). Diversos estudos avaliaram as mudanças no diâmetro da via aérea, após a realização de cirurgias ortognáticas e demonstra- ram que o avanço cirúrgico da mandíbula resulta em um alarga- mento do espaço aéreo faríngeo, ao passo que o recuo cirúrgico da mandíbula está associado com seu estreitamento (1, 2, 10, 19). A mesma relação é obtida quando se avança à mandíbula por meio de aparelhos de protrusão. Por esse motivo, a AOS tem sido tratada com sucesso com cirurgias para avanço mandibular ou maxilomandibular ou com aparelhos de reposicionamento mandibular (6, 19). Esses procedimentos provocam aumento do espaço aéreo faríngeo devido ao avanço dos seus pilares ósseos (1, 10, 19) e dos músculos supra-hióideos e da língua (2). Com base nos dados apresentados, foi proposta deste estudo verifi- car a existência de relação entre a morfologia crânio-facial e o ARTIGO ORIGINAL Rev. bras. odontol., Rio de Janeiro, v. 66, n. 2, p.228-33, jul./dez. 2009

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ISSN 00347272

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Estudo da relação entre a morfologia crânio-faciale o diâmetro do espaço aéreo faríngeo por meio decefalometriaStudy of relationship between craniofacial morphology and pharyngeal airway space bymeans of cephalometry

Marcela Rodrigues AlvesLígia Luzia Buarque e SilvaDoutorandas em Prótese Dental da FO de Piracica-ba/Unicamp

Frederico Andrade e SilvaWilkens Aurélio Buarque e SilvaProfessores Titulares de Prótese Fixa da FO de Piraci-caba/Unicamp

Fábio Ribeiro GuedesProfessor Substituto de Radiologia da FO/UFRJ

Fernanda PaixãoDoutora em Prótese Dental da FO de Piracicaba/Unicamp

Resumo

Este estudo avaliou a relação entre a morfologiacrânio-facial e o diâmetro do espaço aéreo faríngeopor meio de cefalometria. Foram obtidas radiografiascefalométricas laterais de 52 voluntários (18 - 28 anos),com a cabeça em posição natural. A partir destas, fo-ram obtidas medidas lineares e angulares referentesà morfologia crânio-facial e ao espaço aéreo farín-geo. Os diâmetros faríngeos posteriores ao palatomole e à língua apresentaram relação significativa comdiversas características da morfologia facial, princi-palmente com o comprimento intermaxilar e o eixo decrescimento. A variável do espaço faríngeo que apre-sentou relação mais forte com o esqueleto facial foi odiâmetro posterior à língua, que se relacionou maisfortemente com o comprimento intermaxilar e com oeixo de crescimento.

Palavras-chave: ossos da face; faringe; cefa-lometria.

Abstract

This study evaluated the relation between the cra-niofacial morphology and the pharyngeal airway spa-ce diameter, by means of cephalometry. It were takenlateral cephalometric radiographs of fifty two volunte-ers (18-28 years old), in natural head posture. Linearand angular measurements regarding craniofacialmorphology and pharyngeal airway space were taken.The pharyngeal diameters behind the soft palate andbehind the tongue presented significant relation withseveral facial morphology characteristics, mainly withthe intermaxilary length and with the growth axis. Thepharyngeal space variable that presented strongestrelation with the facial skeleton was the diameter behindthe tongue, which presented strongest relation with theintermaxilary length and the growth axis.

Keywords: facial bones; pharynx; cephalometry.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Recentemente, tem-se observado um renovado interesse

na interação entre forma e função da região crânio-cervi-

cal. Grande atenção tem sido focada nas dimensões do

espaço aéreo faríngeo, considerando sua potencial relação com

o desenvolvimento crânio-cervical e com os distúrbios respira-

tórios do sono (1, 16).A apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma condição na qual

ocorrem paradas respiratórias periódicas durante o sono. A bai-xa qualidade do sono leva à dificuldade de concentração e aorisco de sonolência diurna. Além de afetar a qualidade de vida,também apresenta uma considerável morbidade, pois a redu-ção da oxigenação sanguínea pode gerar hipertensão, arritmiascardíacas, angina noturna e isquemia do miocárdio. Sua etiolo-gia parece ser uma interação entre fatores anatômicos (macro-glossia, retrognatia, micrognatia, redução do lúmem da via aé-rea) e funcionais (hipotonicidade muscular), que, durante o sono,juntamente com a redução da tonicidade da musculatura da lín-gua e da faringe, alteração do controle da respiração e a posiçãosupina atuam reduzindo o espaço aéreo faríngeo (3, 6, 19). Temsido observado que pacientes com AOS apresentam perfis es-queléticos e teciduais anormais, como retrusão facial, retrusãodos maxilares, mandíbula pequena, altura do terço inferior daface e ângulo entre os planos maxilomandibulares aumentados,língua e palato mole mais volumosos e o espaço aéreo faríngeoe a área intermaxilar reduzidos (1, 6, 14, 19).

Diversos estudos avaliaram as mudanças no diâmetro da viaaérea, após a realização de cirurgias ortognáticas e demonstra-ram que o avanço cirúrgico da mandíbula resulta em um alarga-mento do espaço aéreo faríngeo, ao passo que o recuo cirúrgicoda mandíbula está associado com seu estreitamento (1, 2, 10,19). A mesma relação é obtida quando se avança à mandíbulapor meio de aparelhos de protrusão. Por esse motivo, a AOS temsido tratada com sucesso com cirurgias para avanço mandibularou maxilomandibular ou com aparelhos de reposicionamentomandibular (6, 19). Esses procedimentos provocam aumento doespaço aéreo faríngeo devido ao avanço dos seus pilares ósseos(1, 10, 19) e dos músculos supra-hióideos e da língua (2). Combase nos dados apresentados, foi proposta deste estudo verifi-car a existência de relação entre a morfologia crânio-facial e o

ARTIGO ORIGINAL

Rev. bras. odontol., Rio de Janeiro, v. 66, n. 2, p.228-33, jul./dez. 2009

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espaço aéreo faríngeo, por meiode estudo cefalométrico.

Material e MétodoMaterial e MétodoMaterial e MétodoMaterial e MétodoMaterial e Método

Após aprovação pelo Comitêde Ética e Pesquisa da Faculda-de de Odontologia de Piracicaba– Unicamp, sob protocolo núme-ro 015/2007, foram selecionados52 voluntários, entre 18 e 28anos, de ambos os gêneros, semdistinção pela cor da pele. Foramexcluídos da pesquisa aquelesque apresentassem histórico detratamento ortodôntico, ausênciade dentes (exceto os terceirosmolares), presença de anomali-as de crescimento ou desenvol-vimento do esqueleto crânio-fa-cial, histórico de uso de qualquertipo de aparelho oclusal e pre-sença de deficiências visuais oufonoaudiológicas.

Foram realizadas radiografiascefalométricas em norma lateral,obtidas por meio do aparelhoQuint Sectograph Linear Tomo-graphy Unit (Denar Corp. – USA).Os filmes foram posicionados nointerior do chassi, de modo quesuas bordas permanecessem pa-ralelas à borda do chassi.

Os voluntários foram posici-onados de pé e com a cabeça emposição natural, não forçada (15,17). Para isso, foi solicitado queo voluntário movimentasse a ca-beça para traz e para frente, comamplitude decrescente, até queele percebesse a posição de equi-líbrio, onde a cabeça era equili-brada pelos grupos muscularescervicais posteriores, supra e in-fra-hióideos, mostrando suapostura no dia a dia. O pacientefoi orientado a não deglutir, nãomover a cabeça ou a língua, man-ter os dentes em máxima inter-cuspidação habitual e manter oslábios e a língua relaxados en-quanto era realizada a tomadaradiográfica. As olivas foram en-tão posicionadas no conduto au-ditivo externo e o apoio frontal

apoiado no Násio, exercendo o mínimo de pressão. A distância entreo foco e o filme radiográfico foi de 1,90 m e a distância entre o planomediano e o filme foi de 10 cm. A imagem sofreu uma ampliação de5,6%, mas não foi corrigida em nenhuma radiografia. Após a exposi-ção, os filmes foram processados automaticamente.

Uma folha de papel vegetal foi fixada sobre a radiografia e estaposicionada sobre um negatoscópio. A morfologia crânio-facial foiavaliada cefalometricamente, utilizando as variáveis descritas porBATTAGEL & L’ESTRANGE (6), SOLOW (16) e TURNBULL & BATTA-GEL (19) e o espaço aéreo faríngeo, utilizando as medidas descritaspor BOMMARITO, SOARES, GOLDENBERG et al. (7) e McNAMARA (13).Foram desenhados os cefalogramas, onde foram identificados pon-tos de referência cefalométricos referentes ao tecido duro e mole(Quadro I) e, a partir desses, foram traçados planos de orientação(Quadro II). As variáveis empregadas para avaliar a morfologia crâ-nio-facial e o espaço aéreo faríngeo estão expressas no Quadro III.

Quadro I. Pontos de referência cefalométricos demarcados

S

N

Ba

ENA

ENP

A

Gn

Go

Me

B

F

I

VSA

VIA

Ponto Sela

Ponto Násio

Ponto Básio

Ponto Espinha Nasal Anterior

Ponto Espinha Nasal Posterior

Ponto A

Ponto Gnátio

Ponto Gônio

Ponto Mentoniano

Ponto B

Ponto onde o plano oclusal cruza a parede posterior da faringe

Ponto mais posterior da superfície lingual do incisivo central inferior

Ponto localizado na parede posterior do palato mole, na região mais pró-xima da parede posterior da nasofaringe

Intersecção da borda da mandíbula com a borda posterior da língua

Quadro II. Planos de orientação cefalométricos demarcados

SN

NA

NB

BaS

PPl

PM

Eixo Y

GoGn

PO

Plano Sela-Násio

Plano determinado pela união dos pontos N e A

Plano determinado pela união dos pontos N e B

Plano Básio – Sela

Plano palatino, determinado pela união dos pontos ENP e ENA

Plano mandibular, determinado pela borda da base óssea da mandíbula

Eixo de crescimento facial, determinado pela união dos pontos S e Gn

Plano determinado pela união dos pontos Go e Gn

Plano oclusal

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VSA-BaS Espaço aéreo superior

VIA-BaS Espaço aéreo inferior

SNB

SN / Eixo Y

Eixo Y / hor

SN / GoGn

GoGn / hor

ANB

Prognatismo mandibular

Ângulo formado entre o plano SN e o Eixo Y

Ângulo formado entre o Eixo Y e o plano horizontal

Inclinação mandibular

Ângulo formado entre os planos horizontal e GoGn

Discrepância anteroposterior dos maxilares

Quadro III. Variáveis empregadas para avaliar a morfologia crânio-facial e oespaço aéreo faríngeo

Go – Gn

N – Me

ENA – Me

C.I.

Comprimento do corpo mandibular

Altura facial anterior total

Altura facial anterior inferior

Comprimento intermaxilar

A.I.Área intermaxilar - área do trapézio formado pelos planos PM ePPl e pelas linhas que passam pelos pontos F e I, perpendicu-lares ao PPl (Figura 5)

Morfologia crânio-facial

Medidas Lineares (mm)

Medidas Angulares (°)

Medidas de área (cm2)

Espaço aéreo faríngeo

Medidas Lineares (mm)

Para a morfologia crânio-fa-

cial foram realizadas mensura-

ções lineares (Figura 1), angu-

lares (Figura 2) e ainda o cálcu-

lo da área intermaxilar, que foi

determinada pela área do trapé-

zio formado pelos planos PM e

PPl e pelas linhas que passam

pelos pontos F e I, perpendicu-

lares ao PPl (Figura 3). Já para a

análise do espaço aéreo farín-

geo, foram traçadas perpendi-

culares ao plano BaS, passan-

do pelos pontos VSA e VIA, e

nessas foram mensurados os

s e g m e n t o s c o m p r e e n d i d o s

nos limites do espaço aéreo fa-

ríngeo (Figura 4).

As mensurações foram obti-

das manualmente, por um úni-

co avaliador. Vinte radiografias

foram selecionadas ao acaso e

tiveram o traçado e as mensu-

rações refeitas duas semanas

depois, pelo mesmo avaliador,

para cálculo da Correlação In-

traclasse, com o objetivo de de-

monstrar a reprodutibilidade

das mensurações.

ALVES, Marcela Rodrigues et al.

Rev. bras. odontol., Rio de Janeiro, v. 66, n. 2, p.228-33, jul./dez. 2009

Figura 1. Medidas lineares utilizadas para análiseda morfologia crânio-facial: Go-Gn; N-Me; ENA-Me; comprimento intermaxilar

Figura 2. Medidas angulares utilizadas para análi-se da morfologia crânio-facial: 1) SNB; 2) SN/EixoY; 3) Eixo Y/Hor; 4) SN/GoGn; 5) GoGn/Hor; 6) ANB

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ResultadosResultadosResultadosResultadosResultados

A avaliação da concordância intraexaminador em relação às duas mensurações realizadas foiobtida pelo Coeficiente de Correlação Intraclasse (r), por meio do programa SPSS 14.0, e indicouuma concordância quase perfeita entre as mensurações, de acordo com a classificação de LANDIS& KOCH (12), onde a maior concordância ocorreu para a variável N/Me (r = 0,998) e a menor paraa VSA – BaS (r = 0,891).

Os resultados da relação da morfologia crânio-facial com as variáveis do espaço aéreo estão apre-sentados na Tabela I. A mensuração referente ao espaço aéreo posterior ao palato mole (VSA-BaS) eposterior à língua (VIA-BaS) apresentaram correlação estatisticamente significativa e positiva com ocomprimento do corpo mandibular (Go-Gn), prognatismo mandibular (SNB), comprimento e área in-termaxilar. As mesmas variáveis apresentaram relação significativa e negativa com o eixo de crescimen-to facial (SN/Eixo Y) e com o ângulo ANB. A variável VIA-BaS apresentou correlação estatisticamentesignificativa e negativa com eixo de crescimento facial (Eixo Y/hor) e inclinação mandibular (SN/GoGn).

Tabela I. Valores do coeficiente de correlação (r) entre a morfologia facial e espaço aéreo faríngeo

EspaçoAéreo

VSA-BaS

VIA-BaS

Morfologia crânio-facial

Go-Gn

0,297*

0,426**

SNB

0,321*

0,442**

SN/Eixo Y

-0,371**

-0,505**

Eixo Y/hor

-0,119

-0,279*

SN/GoGn

-0,207

-0,343*

GoGn/hor

-0,053

-0,181

N-Me

0,167

0,171

ENA-Me

0,085

0,108

ANB

-0,354**

-0,293**

C.I.

0,380**

0,676**

A.I.

0,312*

0,420**

* p<0,05 ** p<0,01

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussão

Podemos verificar que há uma estreita relação entre a morfologia crânio-facial e o diâmetro das vias

aéreas. Essa relação é, basicamente, uma reação natural da musculatura, funcionando como um meca-

nismo de defesa compensatório para manter os espaços adequados à passagem de ar (7). Considerando

que o tamanho e a posição dos maxilares e as relações intermaxilares podem ser alterados por meio de

cirurgias ortognáticas, tratamentos ortodônticos, reabilitações protéticas e uso de aparelhos oclusais,

que modificam a dimensão vertical da face, torna-se importante o conhecimento dessas modificações

que ocorrem nas estruturas adjacentes à cavidade bucal.

A radiografia cefalométrica tem sido utilizada extensivamente em estudos envolvendo a mensuração

do espaço aéreo faríngeo e a morfologia crânio-facial. A tomografia computadorizada (TC) e a resso-

nância magnética (RM) também têm sido empregadas para esse propósito, pois a validade da avaliação

do espaço aéreo faríngeo, uma estrutura tridimensional, com base em imagens bidimensionais, tem

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Figura 3. Áreaintermaxilar

Figura 4. Avali-ação cefalomé-trica do espaçoaéreo faríngeo

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sido questionada. Porém, a aná-

lise cefalométrica das vias aé-reas permite mensurações pre-cisas no plano sagital, pois a lo-calização dos pontos de refe-rência anatômicos é bem defi-nida. Embora a TC e a RM per-mitam avaliação nas três di-mensões e até mensuração deáreas, torna-se difícil a compa-ração entre estudos pela dificul-dade de padronização da espes-sura e direção dos cortes e alocalização precisa dos pontosde referência (14). ACHILLEOS,KROGSTAD, LYBERG (2) e TUR-NBULL & BATTAGEL (19) afir-maram que as mensuraçõesobtidas por meio de TC e radi-ografias cefalométricas para aavaliação do espaço aéreo fa-ríngeo apresentaram uma fortecorrelação. Dessa forma, as ra-diografias cefalométricas emnorma lateral ainda são valio-sas ferramentas para estudar oespaço aéreo faríngeo. Este exa-me oferece vantagens conside-ráveis sobre os outros exames,como baixo custo, mínima ex-posição à radiação e permite aavaliação simultânea da postu-ra crânio-cervical, da posiçãodo hióide e da morfologia crâ-nio-facial (14, 19).

Visto que a posição da cabeçainfluencia as dimensões do es-paço aéreo faríngeo (1), as radi-ografias cefalométricas foramobtidas com os voluntários emposição natural. Um método uti-lizado com essa finalidade se ca-racteriza quando o paciente émantido de pé, olhando direta-mente para um espelho. Porém,SOLOW & TALLGREN (17) afir-maram que a determinação dapostura natural da cabeça com oauxílio de uma referência exter-na, como o espelho, apresenta adesvantagem de que a posiçãoobtida pode não ser a utilizadahabitualmente pelo paciente.Outra forma de obter a posturanatural da cabeça sem referênci-

as externas é descrita por SAHINSAGLAM & UYDAS (15). De acor-do com essa técnica, o voluntá-rio deve movimentar a cabeçapara traz e para frente, com am-plitude decrescente, até que en-contre a posição mais confortá-vel. Por não haver a interferên-cia de uma referência externa,essa última técnica foi escolhidapara este estudo.

O espaço aéreo superior( VSA-BaS) apresentou relaçãoestatisticamente significativa edireta com o comprimento docorpo mandibular (Go-Gn),prognatismo mandibular (SNB),comprimento mandibular (C.I.)e área mandibular (A.I.); e indi-reta com o eixo de crescimentofacial (SN/Eixo Y) e a discrepân-cia anteroposterior dos maxila-res (ANB). O espaço aéreo inferi-or (VIA-BaS) apresentou as mes-mas relações e também com oeixo de crescimento facial em re-lação ao plano horizontal (EixoY/hor) e inclinação mandibular(SN/GoGn). Como as variáveisda morfologia crânio-facial estu-dadas eram principalmente rela-cionadas com a mandíbula, osíndices de correlação foram sem-pre mais fortes para a variávelVIA-BaS. As relações observadaspara a variável VSA-BaS ocorre-ram devido à relação do palatomole com a língua, concordan-do com diversos autores (1, 2, 5,7, 8, 11, 14, 16, 18, 19, 20).

Como citado por ABU AL-LHAIJA & AL-KHATEEB (1), BAT-TAGEL & L’ESTRANGE (6), MUTO,YAMAZAKI, TAKEDA et al. (14) eTURNBULL & BATTAGEL (19), al-guns sinais característicos depacientes com desordens dosono são: retrusão dos maxilaresou micrognatia e área intermaxi-lar reduzida. Conforme foi ob-servado nos resultados deste es-tudo, o comprimento e o prog-natismo mandibular e a área in-termaxilar apresentaram-se dire-tamente relacionadas com o di-âmetro da via aérea.

Os aparelhos oclusais utiliza-dos para controle da AOS atuamprovocando uma protrusão man-dibular, evitando que o tecidomole relaxado da faringe e da lín-gua bloqueiem a passagem de ar.Eles simulam um aumento doSNB, do comprimento e área in-termaxilar e uma redução doANB, o que, como pode ser ob-servado com os resultados doestudo, promove o aumento davia aérea ( VSA-BaS, VIA-BaS).Apesar da vantagem de ser rever-sível, não promove o tratamentoda desordem, só é possível avan-çar a mandíbula até o limite deconforto do paciente, sua atua-ção é dependente do paciente,além de ser potencialmente da-nosa para os músculos mastiga-tórios e componentes das articu-lações temporomandibulares.

Uma técnica mais eficaz e ir-reversível, que vem sendo em-pregada para tratamento da AOS,é o avanço cirúrgico da mandí-bula (2, 10). Essa cirurgia promo-ve o aumento do diâmetro da fa-ringe devido à protrusão mandi-bular. De acordo com os resulta-dos obtidos, o encurtamentomandibular realizado para cor-reção do prognatismo causariaestreitamento da via aérea, po-rém a literatura não mostra oaparecimento de episódios deAOS em pacientes prognatas queforam submetidos à cirurgia (5,7, 9, 11, 19). Isso pode ocorrerpelo fato dos pacientes progna-tas apresentarem um diâmetromaior da faringe e o estreitamen-to provocado pela cirurgia nãoatingir o limite patológico.ATHANASIOU, TOUTOUNT-ZAKIS, MAVREAS et al. (4) nãoverificaram redução da via aé-rea no grupo de pacientes sub-metidos ao recuo cirúrgico damandíbula e sugerem que alte-rações no mecanismo muscularda faringe e que as condiçõesbiomecânicas dos músculos su-pra e infra-hióideos ocorremapós a cirurgia para a manuten-ção do diâmetro da via aérea.

Rev. bras. odontol., Rio de Janeiro, v. 66, n. 2, p.228-33, jul./dez. 2009

ALVES, Marcela Rodrigues et al.

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No que diz respeito à prótesedental, atenção deve ser tomadapara o correto posicionamentodo plano de cera e montagemdos dentes de próteses totais eparciais removíveis. Um posici-onamento lingualizado dessasestruturas reduz a área interma-xilar, ou seja, o espaço funcionalda língua, provocando uma pro-jeção da língua para traz e estrei-tamento da via aérea. Esse dadopôde ser comprovado pelo estu-do, que mostrou uma relação di-reta entre o diâmetro da faringee a área intermaxilar. Pelo mes-mo motivo o paciente reabilita-do deve ser orientado a não re-mover as próteses para dormir.Ao removê-las, a dimensão ver-tical do paciente diminui, redu-zindo o espaço intermaxilar e

possibilitando o colapso da viaaérea pela posteriorização dalíngua e do palato mole.

A inclinação mandibular (SN/GoGn) foi inversamente relacio-nada com o diâmetro da via aé-rea ( VIA-BaS). Esse dado podeser útil durante um tratamentoortodôntico, alertando para aimportância de evitar a rotaçãohorária da mandíbula, que podeter como consequência o estrei-tamento faríngeo. Dessa for-m a , a t u a l m e n t e , p e r c e b e - s euma maior preocupação doso r t o d o n t i s t a s e m r e a l i z a rt r a t a m e n t o s o r t o d ô n t i c o sque não provoquem esse tipode movimento mandibular.

Podemos observar a impor-tância do conhecimento das re-lações entre a morfologia facial

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

A variável do espaço aéreoque apresentou maior relaçãocom o perfi l facial foi a VIA-BaS, que se re lacionou maisfortemente com o comprimen-to intermaxilar e com o eixo decrescimento.

As radiografias cefalométricaslaterais foram eficazes para o es-tudo do espaço aéreo faríngeo eda morfologia facial.

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e as estruturas adjacentes, comoa via aérea. Visto que a confor-mação do terço inferior da facepode ser alterada por meio decirurgias, tratamentos ortodônti-cos e protéticos, o efeito dessasinterferências deve ser previsto,evitando efeitos indesejados.

Referências BibliográficasReferências BibliográficasReferências BibliográficasReferências BibliográficasReferências Bibliográficas

Recebido em: 06/05/2009Aprovado em: 30/06/2009

Marcela Rodrigues Alves

Rua Engenheiro Enaldo Cravo Peixoto, 95/603 - TijucaRio de Janeiro/RJ, Brasil - CEP: 20511-230E-mail: [email protected]

Rev. bras. odontol., Rio de Janeiro, v. 66, n. 2, p.228-33, jul./dez. 2009

Estudo da relação entre a morfologia crânio-facial e o diâmetro do espaço aéreo faríngeo por meio de cefalometria