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Estudo Neuropsicológico em Adolescentes Institucionalizados Ana Sofia Beça Ribas da Silva Dissertação de Mestrado em Medicina Legal 2010

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Estudo Neuropsicológico em Adolescentes Institucionalizados

Ana Sofia Beça Ribas da Silva

Dissertação de Mestrado em Medicina Legal

2010

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

Estudo Neuropsicológico em Adolescentes Institucionalizados

Dissertação de Candidatura ao grau de

Mestre em Medicina Legal submetida ao

Instituto de Ciências Biomédicas de Abel

Salazar da Universidade do Porto.

Orientador – Prof. Doutora Sara Fernandes

Categoria – Professora Auxiliar

Afiliação – Universidade Lusíada, Porto

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Agradecimentos

Quero agradecer ao Centro Educativo Santo António, por ter aceitado o meu

projecto e por se disponibilizarem para me receber. À Dra. Isabel, Psicóloga, por me ter

orientado e ajudado no que foi preciso, pela paciência e pela disponibilização. Ao Director

Viana que autorizou o meu projecto e que facilitou a minha recolha de dados. Aos

adolescentes da Instituição que contribuíram para que o meu projecto fosse concretizado.

À minha orientadora, Professora Dra. Sara Fernandes, pela disponibilização

dispensada para o meu trabalho, para me ajudar e apoiar em todas as questões que

surgiram.

À Professora Maria José Pinto da Costa pelo incentivo e pela paciência para o

esclarecimento de todas as dúvidas e pela ajuda fundamental em muitos aspectos.

Aos colegas do Mestrado que tive o prazer de conhecer e de quem me tornei

amiga, pelas conversas intermináveis ao telefone e no Instituto de Ciências Biomédicas

Abel Salazar, pelas ideias trocadas e pelo apoio de todos.

Aos meus amigos pela compreensão da minha ausência e por quererem contribuir

para me ajudar no que fosse preciso.

Às minhas primas, Ana e Marta, pela força e apoio ao longo deste tempo.

À minha família, Mãe e Pai, sem os quais isto não seria possível, pelo apoio,

paciência, disponibilização para tudo e por estarem presentes em todos os momentos.

A todos vós o meu Muito Obrigado!

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“Não é fácil estabelecer-se uma etiologia da criminalidade juvenil porque os factores

endógenos e exógenos são variados e variáveis. É possível, no entanto, à margem de

quaisquer escolas ou correntes apontar factos que predispõem à delinquência no jovem”

(Moura, 2000)

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

V

Resumo

Introdução: A delinquência juvenil tem crescido progressivamente e a percepção

desta situação começa a ser maior, no entanto, para definir um jovem como delinquente

é fundamental ter em conta os seus factores de risco, os padrões de conduta

delinquente, o ambiente familiar, escolar, relacional e social em que está inserido e a

existência de Perturbação do Comportamento.

Objectivos: Com este estudo, de natureza exploratório, procuramos averiguar as

possíveis alterações a nível neuropsicológico em adolescentes que delinquiram e se

encontravam a cumprir medida tutelar no Centro Educativo Santo António, no Porto,

estabelecimento integrado na estrutura orgânica da Direcção Geral de Reinserção Social.

Procuramos também analisar a existência de correlações significativas intra-teste e inter-

teste das provas de avaliação neuropsicológicas utilizadas neste estudo e também a

existência de diferenças significativas entre as variáveis sócio-demográficas em função

do rendimento dos testes utilizados.

Sujeitos e Metodologia: Para este efeito foi constituída uma amostra composta

pelos adolescentes, que na altura se encontravam no Centro Educativo (N=31). Para

avaliar as possíveis alterações foi utilizada uma bateria de testes neuropsicológicos, entre

os quais a Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças (Wechsler, 2003), Figura

Complexa de Rey (Rey, 1988), Stroop – Teste de Cores e Palavras (Golden, 2007),

TRVB – Teste de Retenção Visual de Benton (Benton, 2002) e o WCST – Teste de

Classificação de Cartas de Wisconsin (Heaton, Chelune, Talley, Kay, e Curtiss, 2001) e

foi utilizada a Entrevista Semiestruturada para Realização de Anamnese (Christensen,

1975; adaptada com autorização por Maia, Loureiro e Silva, 2002) para recolher

informação complementar. Os dados obtidos através destes instrumentos foram

submetidos a tratamento estatístico, sendo posteriormente analisados qualitativamente e

quantitativamente. Para avaliar a existência de correlações significativas intra-teste e

inter-teste procedeu-se à análise de correlações de Spearman e para a análise de

diferenças significativas entre as variáveis sócio-demográficas da amostra, optamos por

utilizar o Teste Não Paramétrico de Mann-Whitney. Esta opção de utilizar este teste foi

devida ao tamanho da amostra.

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VI

Resultados: Os resultados obtidos por esta amostra, não generalizáveis ao

universo dos adolescentes delinquentes institucionalizados, sugerem alterações

neuropsicológicas a nível da memória, das funções executivas, funções verbais e

atencionais. Verificou-se também a existência de correlações significativas intra-teste e

inter-teste e em relação às variáveis sócio-demográficas, não se encontraram diferenças

estatisticamente significativas no rendimento dos testes.

Conclusão: Este estudo permitiu identificar alterações neuropsicológicas

características em adolescentes delinquentes e a existência de factores de risco para a

delinquência na amostra estudada.

Palavras-chave: Delinquência Juvenil; Conduta Delinquente; Aspectos

Neuropsicológicos da Delinquência; Alterações de Memória; Funções Executivas; Défices

de Atenção; Dificuldades de Aprendizagem.

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VII

Abstract

Introduction: Juvenile delinquency has been increasing progressively and the

perception of this situation is starting to become bigger. Nevertheless, to define a

youngster as a delinquent it is imperative that we should take into account his or her risk

factors, the patterns of delinquency conduct, his or her family, school and social

environment and the existence of a Behavioural Disturbance.

Objectives: With this exploratory study, we are trying to find some possible

alterations in a neuropsychological level in teenagers which turned into delinquents and

were accomplishing a tutelary measure in the Santo António‟s Educational Center, in

Oporto, an establishment which is part from the organic structure of the General Board of

Social Reinsertion. We also tried to analyze the existence of significant intra-test and

inter-test correlations in the neuropsychological evaluation exams used in this study and

also the existence of significant differences between the socio-demographical variables

according to the results from the tests that were used.

Subjects and Methodology: With this purpose it was analysed a sample made by

the teenagers that were at that time in the Educational Centre (N=31). To evaluate some

possible changes it was used a battery of neuropsychological tests, among them were

Wechsler Intelligence Scale for Children (Wechsler, 2003), Rey’s Complex Figure (Rey,

1988), Stroop – Color and Word Test (Golden,2007), TRVB – Revised Visual Retention

Test from Benton (Benton, 2002) and the WCST – Wisconsin Card Sorting Test (Heaton,

Chelune, Talley, Kay and Curtiss, 2001) and also the Semi-structured Interview to the

Accomplishment of Anamnesis (Christensen, 1975; adapted with permission by Maia,

Loureiro and Silva, 2002) to gather some complementary information. The data obtained

by these instruments were submitted to a statistical treatment and later analysed in a

qualitative and quantitative manner. To evaluate the existence of significant intra-test and

inter-test correlations it was used the Spearman Correlations Analysis and to analyse the

significant differences between the socio-demographical variables we choose to use the

Non-Parametric Test of Mann-Whitney. This option was made due to the size of the

sample.

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VIII

Results: The results obtained through this sample, not applicable to the whole

universe of young institutionalised delinquents, suggest neuropsychological adjustments

concerning to memory, executive functions, verbal functions and attention functions. It

was also verified the existence of significant intra-test and inter-test correlations. As for

the socio-demographical variables, it was not found any statistical relevant difference in

the tests results.

Conclusion: This study allowed us to identify some neuropsychological changes

which were part of the characteristics from delinquent teenagers and the existence of risk

factors to delinquency in this sample.

Key-words: Juvenile Delinquency; Delinquent Conduct; Neuropsychological Aspects from

Delinquency; Memory Changes; Executive Functions; Attention Deficits; Learning

Difficulties

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IX

Índice

Resumo ............................................................................................................................ V

Abstract .......................................................................................................................... VII

Introdução ........................................................................................................................14

Parte A: Enquadramento Teórico .....................................................................................15

Capítulo 1: Delinquência ..............................................................................................16

1.1. Definição de Adolescência .............................................................................17

1.2. Definição de Delinquência Juvenil ..................................................................18

1.2.1. Tipos de Delinquência .............................................................................21

1.2.2. Factores de Risco e de Protecção ..........................................................27

1.3. Contextualização Histórica .............................................................................36

1.3.1. Enquadramento Legal - A Lei Tutelar Educativa .....................................42

1.4. Características da Delinquência .....................................................................45

1.4.1. Padrões de Conduta Delinquente ...........................................................45

1.4.2. A Importância Familiar na Delinquência Juvenil ......................................48

1.4.3. A Influência dos Pares e dos “Gangs” na Conduta Delinquente ..............51

1.4.4. A Importância da Escola no Desenvolvimento de Conduta Delinquente .58

1.4.5. O Uso de Estupefacientes na Delinquência Juvenil ................................59

1.4.6. A Importância da Comunidade no Desenvolvimento da Delinquência .....62

1.5. Neuropsicologia e o Comportamento Delinquente .........................................64

1.5.1. Perturbação do Comportamento .............................................................64

1.5.2. Aspectos Neuropsicológicos na Delinquência .........................................68

Parte B: Planeamento Empírico .......................................................................................78

Capítulo 2: Objectivos ..................................................................................................80

Capítulo 3: Metodologia da Investigação ......................................................................82

3.1. Caracterização da Amostra ............................................................................83

3.2. Instrumentos e Recolha de Dados .................................................................86

3.3. Procedimentos da Investigação .....................................................................93

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X

3.4. Análise de Dados ...........................................................................................93

Capítulo 4: Resultados .................................................................................................95

Capítulo 5: Discussão e Conclusões do Estudo ......................................................... 106

Referências Bibliográficas ............................................................................................. 115

Anexos I......................................................................................................................... 120

Anexo II ......................................................................................................................... 121

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XI

Índice de Tabelas

Tabela 1...........................................................................................................................83

Tabela 2...........................................................................................................................85

Tabela 3...........................................................................................................................87

Tabela 4...........................................................................................................................99

Tabela 5......................................................................................................................... 101

Tabela 6......................................................................................................................... 101

Tabela 7......................................................................................................................... 102

Tabela 8......................................................................................................................... 104

Tabela 9......................................................................................................................... 105

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XII

Índice de Figuras

Fig. 1 Ordenação aproximada do desenvolvimento dos factores de risco associados com

comportamento perturbado e delinquente ........................................................................34

Fig. 2 Critérios de Diagnóstico para Perturbação do Comportamento ..............................67

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XIII

Lista de Abreviaturas

ADHD – Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção

Fig. Comp. Rey – Figura Complexa de Rey

FCRC – Figura Complexa de Rey, processo de Cópia

FCRM – Figura Complexa de Rey, processo de realização de Memória

D.P. – Desvio Padrão

PD – Pontuação Directa

QIG – Quociente de Inteligência Global

QIR – Quociente de Inteligência de Realização

QIV – Quociente de Inteligência Verbal

SP – Stroop Palavras

SC – Stroop Cor

SPC – Stroop Palavra-Cor

TRVBCC – Teste de Retenção Visual de Benton, Forma C, Reproduções Correctas

TRVBCE – Teste de Retenção Visual de Benton, Forma C, Valorização de Erros

TRVBDC – Teste de Retenção Visual de Benton, Forma D, Reproduções Correctas

TRVBDE – Teste de Retenção Visual de Benton, Forma D, Valorização de Erros

TRVBEC – Teste de Retenção Visual de Benton, Forma E, Reproduções Correctas

TRVBEE – Teste de Retenção Visual de Benton, Forma E, Valorização de Erros

WCSTNE – Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin, Número Total de Erros

WCSTRP – Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin, Respostas Perseverativas

WCSTEP – Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin, Erros Perseverativos

WCSTENP – Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin, Erros Não Perseverativos

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Introdução

Quem vive no mundo real, depara-se com situações e notícias que às vezes nos

parecem impossíveis de serem reais, nomeadamente no que toca à delinquência juvenil

e principalmente o que leva a que muitos jovens enveredem por este caminho.

O facto de vivermos numa sociedade mais egocêntrica, permissiva e menos

atenta a situações de carências emocionais, educacionais, económicas e morais,

também contribui para este desajuste social.

Segundo Strecht (2004), “os actos anti-sociais ou marginais como forma de

expressão de um sofrimento psíquico têm a vantagem de ser altamente inquietantes.

Vulgarmente o acto delinquente tem um sentido, um objectivo, e esse é habitualmente

conseguido: provoca um mal-estar, uma preocupação em todos nós”.

A delinquência juvenil remonta há muitos anos atrás, pois sempre existiram

relatos de histórias de menores que caíram nas malhas do crime (Lima, 2003; Martins,

2006).

A sua história, a sua tipologia, os seus factores de risco a nível individual

(comportamento anti-social precoce, factores emocionais, desenvolvimento cognitivo e

hiperactividade (cit. Wasserman et al., 2004)) e os próprios antecedentes familiares no

mundo da criminalidade, e as suas características, quer a nível da sua evolução para a

delinquência, quer a influência do grupo de pares, juntamente com o consumo precoce

de estupefacientes, a influência familiar, a escola, a comunidade, são variáveis que na

actualidade são também estudadas pela Neuropsicologia.

Por ser uma nova perspectiva no estudo da delinquência juvenil, pareceu-nos

interessante para este trabalho de investigação, estudar as características

neuropsicológicas de adolescentes que delinquiram e verificar se as variáveis sócio-

demográficas influenciam o seu rendimento nos testes de avaliação neuropsicológica.

Esta dissertação encontra-se dividida em duas partes – uma referente à

componente mais teórica e conceptual relacionada com o nosso objecto e objectivos de

estudo e a outra parte relacionada com o estudo empírico desenvolvido, metodologias

utilizadas e apresentação e análise dos seus resultados.

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Parte A: Enquadramento Teórico

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Capítulo 1: Delinquência

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1.1. Definição de Adolescência

Não existe consenso quanto à definição do conceito de adolescência, devido aos

limites inerentes serem difíceis de precisar e devido a isso tornar-se um conceito relativo,

uma vez que se trata de uma fase decisiva no processo de desenvolvimento humano.

A adolescência é o período de transição entre a infância e a idade adulta, em que

ocorrem várias transformações, inerentes a esta fase, a nível físico, fisiológico,

psicossocial e cognitivo, provocando interferências na dimensão intrapessoal do

adolescente, acarretando consequências psicológicas que se traduzem na representação

de si próprio e do outro, na auto-estima e na auto-confiança, nas emoções e na

interacção e nas relações que estabelece no núcleo familiar e em outros grupos

(Fonseca, Miranda e Monteiro, 2003).

Neste período de desenvolvimento, a desvinculação emocional da infância é um

processo lento, existindo também um processo de maturação biológica, psicológica e

social, com consequentes mudanças que podem decorrer de forma mais ou menos

harmoniosa.

Estas mudanças necessitam de um desenvolvimento da capacidade de reformular

sentimentos internos e de reorganizar uma nova relação consigo próprio, com o mundo

que o rodeia e com o mundo interior. Esta fase termina com a resolução dos dois

objectivos principais desta etapa, a primeira é a aquisição da autonomia, isto é, o

abandono da relação de dependência infantil relativamente às figuras parentais e a

segunda, é a construção da identidade, na qual terá que se reformular um passado e

construir um futuro, em que o adolescente deverá encontrar as respostas às suas

dúvidas, questionando os valores, os interesses, as atitudes e os comportamentos

(Fonseca et al., 2003).

Actualmente, existe um paradoxo no processo de crescimento e de mudança, pois

por um lado, os adolescentes antecipam determinados movimentos de autonomia,

liberdade e atingem de forma prematura a maturidade fisiológica, por outro, atrasam a

saída da habitação dos progenitores, ou seja, o período de tempo entre a maturação

afectivo-sexual e o atingir socialmente o estatuto de adulto é cada vez mais demorado. O

que tem contribuído para esta situação é o prolongamento do tempo académico, a

dificuldade em iniciar a vida profissional e a aquisição da autonomia em termos afectivos

e materiais.

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Todas estas condicionantes associadas à falta de comunicação intra-familiar e ao

nível da estrutura escolar, podem resultar na possibilidade de o adolescente fazer uma

identificação com indivíduos que lhe são sugeridos pela sociedade de consumo ou uma

identificação com os seus pares através da adesão a formas marginais de socialização.

Esta situação poderá ser transitória se existir um suporte psicossocial equilibrado.

1.2. Definição de Delinquência Juvenil

“O conceito de delinquência reveste-se actualmente de alguma especificidade,

embora o termo continue a ser utilizado por vezes de forma indistinta e referindo-se a

diferentes níveis de interpretação” (Peres e Gonçalves, 2006).

A noção de delinquência é um conceito multidimensional, resultando de um

debate que se centra particularmente na opção de uma perspectiva legal ou de uma

perspectiva não legal, que pode ser psicológica, sociológica ou psicopatológica.

Aparece como uma construção social e institucional em torno da qual se agregam

definições e ideias sobre situações e comportamentos que contrastam com o conceito

ideal que temos da infância e da juventude. A delinquência juvenil é definida a partir de

leis, práticas e crenças relativas à conduta das crianças e dos jovens que se encontram

nas instituições responsáveis social e legalmente pelo controlo e tratamento da conduta

considerada delinquente e de outros problemas juvenis. A delinquência juvenil também

definida como comportamento; o comportamento que os jovens estabelecem com a

família, os amigos e outros adultos nos espaços onde a delinquência nasce (Ferreira,

1997).

A delinquência juvenil refere-se a todo o tipo de infracção criminal que acontece

durante a infância e a adolescência, envolvendo o conjunto de respostas e de

intervenções institucionais e legais em relação a menores que cometem infracções

criminais ou que se encontram em situações ou apresentam condutas potencialmente

delinquentes, nomeadamente nos casos em que existe grave negligência familiar ou em

que as crianças ou adolescentes demonstram comportamentos desviantes e

desajustados da realidade psicossocial do grupo etário a que pertencem.

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A compreensão da delinquência durante a adolescência não pode ser entendida

como uma oposição inqualificável entre a infracção e a moral convencional ou legal. Por

vezes, as infracções cometidas, devido à importância atribuída à reputação perante os

seus amigos e às integrações grupais. Ao procurar compreender os adolescentes,

devemos reconhecer que eles hesitam entre as exigências formais da lei e as prescrições

mais informais que resultam das pertenças e socializações grupais (Ferreira, 1997).

Conforme a perspectiva legal, o conceito de delinquência aparece associado à

situação de inimputabilidade criminal dos menores e de acordo com o Código Penal, art.º

19, indivíduos com idade inferior a 16 anos, não podem ser criminalmente imputáveis e

por isso o menor delinquente é considerado como “indivíduo sujeito à jurisdição do

tribunal de menores, isto é, todo o indivíduo que praticou um acto ilícito depois dos 12

anos e antes dos 16 anos, jovem a quem foi aplicada uma medida tutelar educativa”

(Costa, 1999, cit. Marteleira, 2005), visando objectivos de protecção e de educação.

Os menores internados em Centros Educativos são formados por jovens

delinquentes. Este conceito está frequentemente relacionado, a um determinado tipo de

conduta irreverente, de contestação ou mesmo ao consumo de drogas.

A delinquência pode ser definida quer a partir das leis, quer pelas práticas e

crenças relativas à conduta dos menores, como pela própria conduta destes últimos

(Ferreira, 1997, cit. Marteleira, 2005).

Pode dividir-se a delinquência juvenil em duas categorias: a delinquência

expressiva e instrumental. A delinquência expressiva caracteriza-se pela chamada de

atenção do jovem através da transgressão; a delinquência instrumental caracteriza-se

pela utilização do crime como meio de obtenção de determinados bens ou serviços

(Moura, 2000).

Existe uma definição dos delinquentes muito jovens em três categorias (Grupo de

Estudo da OJJDP (Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention), 2001, cit.

Loeber, Farrington e Petechuk, 2004):

Crianças com delinquência grave, que cometeram um ou mais actos punitivos,

tais como homicídio, assalto agravado, roubo, violação ou fogo posto grave;

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Outras crianças delinquentes que cometeram outros tipos de crime, talvez não

tão graves;

Crianças com comportamento perturbado persistente que se encontram em

risco de delinquir.

O comportamento passado é o melhor indicador do comportamento futuro, em

que menores com comportamento perturbado persistente têm mais possibilidade de se

virem a tornar crianças delinquentes e, consequentemente, de se tornarem delinquentes

juvenis graves, violentos ou crónicos. No entanto, nem todos os menores com

comportamentos perturbados se tornarão menores delinquentes e nem todas as crianças

delinquentes virão a ser delinquentes juvenis graves, violentos ou crónicos (Loeber et al.

2004).

O envolvimento dos jovens na delinquência está associado com a atracção que a

situação exerce, ao ponto de suspender transitoriamente o risco de punição e os valores

morais vigentes.

Para Travis Hirschi (1969), a questão que se coloca não é saber por que é que os

jovens delinquem, mas sim por que razão não o fazem. “A resposta consiste no facto dos

sistemas de sanções existentes na sociedade exercerem uma acção de controlo sobre os

indivíduos, o que explica a conformidade e um número reduzido de delinquentes”

(Hirschi, 1969). Este controlo deve-se a dois tipos: interno, que está associado à

interiorização das normas sociais, traduzindo a adesão voluntária à ordem social; e

externo, que reforça a importância e o peso das sanções.

Hoje em dia, é frequente ouvir que a delinquência está a aumentar e provocou um

aumento da preocupação do público. No entanto, a forma como se lida com este tipo de

situação provavelmente ainda não será a melhor.

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1.2.1. Tipos de Delinquência

É necessária uma distinção, do ponto de vista comportamental, entre o menor que

comete um acto de delinquência isolado e aquele que comete actos de delinquência

muitas vezes. No entanto, é difícil explicar esta distinção, pois o acto isolado pode ser

muito grave, como por exemplo um caso de crime passional, ou então ser pouco grave,

como por exemplo um pequeno furto. O que se pode concluir desta questão, é que o

acto, quer seja muito grave, quer seja pouco grave, é o resultado de um percurso pessoal

do menor que passará ao acto, enquanto um outro menor encontrará outras condutas

não delinquentes para alcançar os seus objectivos ou para resolver uma situação

problemática (Born, 2005).

A diferença entre o delinquente e o não delinquente consiste na persistência dos

actos que podem começar precocemente por volta dos 6/7 anos e se prolongam para

além dos 9 anos. O estudo dos autores Moffitt e Caspi (Moffitt, 1993; Moffitt, 1994; Caspi

& Moffitt, 1995; Moffitt, 1997, cit. Born, 2005 e Peres et al. 2006) propõem duas

categorias que sustentam esta questão: “Delinquência limitada à adolescência”

(Adolescence limited delinquency) e a “Delinquência persistente durante a vida” (Life-

course-persistent delinquency).

A “delinquência limitada à adolescência” caracteriza-se pelo aparecimento da

delinquência ao longo da puberdade, por volta dos 11/12 anos, caracterizando-se por um

período de desfasamento entre a maturidade biológica e a maturidade social, pois ainda

não tem um papel social totalmente definido, em que os menores procuram obter o ganho

material, para assim alcançarem protagonismo, estatuto e aceitação no seio do grupo,

rompendo com os valores familiares, para assim demonstrar autonomia em relação aos

pais e acelerar a sua maturação. O carácter deste tipo de delinquência é temporário, não

se prolongando para a idade adulta. A renúncia à delinquência ocorre no fim da

adolescência, por se iniciar uma vida afectiva e profissional que dá estatuto e

responsabilidades. No entanto, esta situação não é linear, uma vez que se tem

constatado que a saída da adolescência nem sempre é seguida do fim dos

comportamentos ilícitos (Moffitt, 1993, cit. Born, 2005 e Peres et al., 2006).

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A “delinquência persistente durante a vida” caracteriza-se pelo início precoce,

em que certas alterações de conduta ou mesmo de alguma delinquência se verificam

ainda na infância, quando o comportamento difícil na criança de grande risco é agravado

por um meio social igualmente de alto risco. O risco da criança tem a sua origem em

défices neuropsicológicos herdados ou adquiridos, que inicialmente começam a

manifestar-se por défices cognitivos subtis, dificuldades temperamentais ou

hiperactividade ou défice das funções de controlo, a nível da aprendizagem verificam-se

várias problemáticas e insucessos escolares. Por outro lado, os autores incluem estilos

parentais inadequados, quebra de laços familiares perturbados e, ainda, a pobreza. A

ligação aos pares delinquentes torna-se mais forte, reforçando as actividades marginais.

“Existe uma interacção entre traços pessoais e factores ambientais, desde a infância, e

ao longo de toda a vida adolescente e adulta, que ajudam a manter a actividade

delinquente” (Moffitt, 1993, cit. Born, 2005 e Peres et al. 2006).

Outra investigação, mais generalizada, sugere uma diferenciação da conduta

delinquente em que acompanha o menor desde que inicia a delinquência, a sua

frequência, a sua gravidade e a sua persistência, permitindo visualizar em que ponto se

situa o menor na sua carreira de delinquente, dividindo em dois grupos: Delinquência

“comum” ou “insignificante” e Delinquência “distinta” ou “significativa” (Frechette

e LeBlanc, 1987, cit. Baptista, 2000 e Born, 2005).

A delinquência “comum” é caracterizada por condutas delituosas menores,

pouco significativas e intrínsecas ao processo de desenvolvimento do adolescente, pode-

se considerar como uma fase de “crise” do desenvolvimento psico-social, em que os

limites e as regras sociais são constantemente desafiados, por prazer/excitação ou até

desconhecimento. Verifica-se um agravamento das circunstâncias sócio-familiares e

escolares ou problemas de desenvolvimento do menor, que criam problemas de

comportamento, socialmente pouco danosos e frequentemente de carácter auto-

destrutivo. São condutas que resultam, quer da insuficiente supervisão parental, quer da

exposição a situações delinquenciais, resultantes da integração em grupo de iguais e do

deficiente enquadramento institucional na ocupação dos tempos livres. É interpretada

como um pedido inconsciente de ajuda (Winnicott, 1987, cit. Baptista, 2000). É

fundamental, um diagnóstico diferencial oportuno e intervenção no meio natural de vida

do adolescente, tendo como objectivo reduzir as oportunidades situacionais de

desvio/delinquência, bem como a reorganização do meio familiar e o apoio psicológico ao

jovem.

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A delinquência “distinta” diferencia-se em três sub-tipos:

Delinquência de “ocasião” ou “esporádica”: associada a um número restrito de

delitos, de média gravidade, que resultam de um ligeiro atraso no desenvolvimento psico-

social de menor, verificando-se através das dificuldades de integração e de

desvalorização das aprendizagens, com episódios de indisciplina. Caracteriza-se pela

existência de um certo grau de convencionalidade, apoiado numa ligação positiva à

família, principalmente à figura materna. A avaliação da personalidade revela uma auto-

imagem desfavorável, insegura, desconfiada, insatisfeito e com sentimento de

infelicidade. Surge num momento muito específico da vida do menor e raramente

prevalece.

Delinquência de “conflito” ou “explosiva”: caracteriza-se pelo aparecimento

súbito de delitos, heterogéneos e abundantes, mas circunscritos a um determinado

período de tempo. É ligeiramente mais grave que a anterior observando maiores

dificuldades de integração no contexto escolar, sobretudo a oposição aos professores e

os fortes índices de absentismo. As ligações afectivo-relacionais familiares são fracas,

verificando uma deficiente actividade de supervisão parental e um ressentimento do

jovem contra a família. No campo da personalidade detectam-se problemas ao nível do

relacionamento interpessoal, devido à sua dificuldade em se relacionar com os adultos

com posição de autoridade. Possuem um auto-conceito negativo, desconfiança e

hostilidade e perturbações ao nível dos vínculos.

Delinquência de “condição”: pode ser de “persistência intermédia” ou de

“persistência grave”. A primeira é de gravidade intermédia, heterogénea de longa

duração, em que se verificam fugas à escola, enraizamento nas práticas delinquentes,

mas não existe uma evolução para as agressões e roubos à mão armada ou homicídios,

a carreira é oscilante e existem momentos mais tranquilos, mas não se verifica uma

desistência antes da idade adulta e é patente um mal-estar pessoal (fatalismo,

pessimismo, insatisfação permanente); a segunda caracteriza-se por um aumento do

número e da gravidade dos actos, persistindo numa carreira criminal adulta. Estas

condutas são de clara oposição aos valores de convivência social. São consequências de

perturbações sérias e precoces na dinâmica familiar que afectaram gravemente a

organização da personalidade do adolescente. Verificam-se alterações a nível da

vinculação, sobretudo fragilidade e deformação dos laços com figuras significativas, no

não envolvimento institucional (absentismo escolar intenso e/ou abandono prematuro,

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ausência de institucionalização na ocupação dos tempos livres) e na falta de interesse

pelas actividades convencionais. Enfatiza-se o papel decisivo da figura paterna na

emergência destes comportamentos delituosos dos adolescentes. Um pai ausente,

distante, desinteressado pelas actividades do filho, modelo de identificação muito lacunar

e que não favorece a autonomia e a construção da identidade positiva do jovem,

vulnerabiliza-o às influências negativas e delinquenciais. Ao nível da personalidade

detecta-se egocentrismo e isolamento interpessoal com índices elevados, associados a

traços de desconfiança, insegurança, hostilidade e fatalismo, que sustentam uma

elaboração mental compensatória, que se traduz em sentimentos de poder e numa

insensibilização às exigências da realidade. Estas características reduzem a capacidade

de desenvolver laços afectivo-relacionais com os outros e com as instituições, facilitando

o desenvolvimento da criação de uma moralidade própria, tendo como princípio o “regime

do mais forte” e que é partilhada pelo “gang” a que frequentemente se associa, ou funda,

e onde está presente a insensibilidade ao outro e a minimização do sentimento reparador

(Frechette e Le Blanc, 1987, cit. Baptista, 2000). Os jovens com estas características

necessitam de intervenção judicial, de um diagnóstico diferencial precoce e regime de

internamento, para evitar um endurecimento da personalidade e que permita neutralizar a

acção violenta e diminuir a probabilidade de reincidência, de intervenção terapêutica na

mudança de personalidade, com vista a reforçar os constrangimentos internos e reeducar

a capacidade de vinculação do jovem, no sentido de travar a evolução da delinquência.

Uma outra tipologia de delinquência juvenil foi estabelecida (Weiner, 1995, cit.

Fonseca et al. 2003), classificando o fenómeno em quatro tipos: “delinquência

socializada”, “delinquência caracteriológica”, “delinquência neurótica” e

“delinquência psicótica e neuropsicológica”.

A “delinquência socializada” consiste em actos delinquentes, do tipo grupal,

enquanto elementos bem integrados de uma subcultura delinquente. Neste caso, trata-se

de condutas adaptativas e não tanto desadaptativas. Relaciona-se mais com actos

sociais do que com os individuais, exceptuando situações em que se quer impressionar o

grupo ou a pedido do próprio grupo, é que poderão surgir situações de crimes individuais.

A “delinquência caracteriológica” considera os comportamentos como

consequência de uma perturbação da personalidade, revelando uma imaturidade social,

do “tipo solitário”, reflectindo uma orientação associal da personalidade do jovem que não

pertence a nenhum grupo. Os delitos ocorrem em virtude da indiferença pelos direitos e

sentimentos dos outros e pela incapacidade de parar de lhes fazer mal. Caracterizam-se

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por actos impulsivos, agressivos e insaciáveis de procura do prazer, violam a lei como

uma mera expressão de raiva, da procura da satisfação de um impulso ou para

adquirirem algo que desejam e não devido à influência do grupo ou pela procura de

aceitação dos companheiros. A orientação interpessoal e o padrão comportamental são

equiparados a uma forma principiante da condição adulta diagnosticada como distúrbio

psicopático ou distúrbio anti-social da personalidade.

Na “delinquência neurótica” os actos de transgressão da lei são ocasionais e

situacionalmente determinados. Os actos cometidos têm início depois de uma série de

rejeições e desilusões, sendo praticados numa tentativa individual e pessoalmente

significativa de transmitir necessidades psicológicas não satisfeitas, mas que tendem a

parar após a resolução do mesmo.

Na “delinquência psicótica e neuropsicológica”, a prática delinquencial é

causada como consequência de patologias psicóticas, nomeadamente a esquizofrenia

em que a lógica e a capacidade crítica estão alteradas, assim como a capacidade de

autocontrolo que é oscilante, e por distúrbios neuropsicológicos, principalmente

dificuldades de atenção, hiperactividade e epilepsia do lobo temporal, cujas erupções

explosivas de raiva se assemelham à conduta anti-social agressiva característica da

delinquência caracteriológica.

Existem mais estudos que apontam para dois tipos de delinquência que

caracterizam as principais explicações de fenómeno delinquente (Ferreira, 1997): o

“delinquente subsocializado” e o “delinquente socializado”.

O “delinquente subsocializado”, que deriva das teorias que realçam a

importância do controlo social. Neste ponto, a causa fundamental da delinquência reside

na ausência relativa de laços fortes entre o indivíduo e a ordem social. A família

convencional oferece uma fonte de ligações básicas à ordem da sociedade e de

envolvimento com as suas instituições e actividades. A família age como um travão

contra as influências desviantes, propiciando ao jovem uma fonte de motivações para se

conformar com as normas e regras sociais. O funcionamento adequado da família ajuda

a inibir os impulsos desviantes, limitando a probabilidade de os comportamentos

delinquentes ocorrerem, isto é, o controlo social é uma variável explicativa da

conformidade. Quando a estrutura familiar se desorganiza, perde a capacidade de

supervisionar e controlar os comportamentos dos filhos, aumentando a probabilidade da

delinquência.

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O “delinquente socializado”, explica a delinquência através da aprendizagem de

comportamentos socialmente desviantes através da exposição às acções dos outros. O

comportamento de imitação torna-se mais frequente quando gera consequências

positivas do que quando não tem consequências ou quando elas são negativas. Devido

ao reforço diferencial, as crianças aprendem a valorizar determinados comportamentos

em detrimento de outros. As definições sociais são apreendidas em virtude das

consequências proporcionadas pelo reforço dos comportamentos que são consistentes

com os valores, normas e atitudes das pessoas com quem se relacionam. Assim, as

crianças podem descrever favoravelmente condutas delinquentes devido à sua exposição

às acções de outros cujas definições dessas condutas são positivas. Este tipo de

delinquência salienta a influência dos aspectos económicos e sociais da família sobre a

natureza e o conteúdo dos controlos familiares, ou seja, a estratificação económica pode

influenciar a delinquência através das práticas educacionais familiares. Os factores sócio-

económicos têm grande importância nas práticas familiares.

Com estes dois tipos de delinquência verifica-se a existência de dois factores

fundamentais: por um lado, o papel dos controlos, interno e externo, e por outro lado, a

exposição à influência das acções dos outros, que podem constituir um meio gerador de

definições e de condutas alternativas à conformidade. Estes dois factores são

dependentes um do outro. Os controlos variam inversamente com as influências culturais.

A adolescência é definida como um tempo de mudança entre a responsabilidade e a

dependência, em que a diminuição dos constrangimentos é paralela a novas aberturas

em relação ao mundo. Mas, noutros casos, as influências culturais podem afectar

consideravelmente a natureza dos controlos sociais. As práticas educacionais e de

socialização dos diferentes grupos sociais afectam o modo como a conformidade é

reforçada. A natureza e o conteúdo dos controlos que as famílias incutem nos filhos

assumem um papel relevante na inibição e na prevenção das manifestações delinquentes

(Ferreira, 1997).

Uma outra tipologia de delinquentes foi apontada, para caracterizar a delinquência

nos dias de hoje: a “delinquência expressiva” e a “delinquência instrumental”

(Moura, 2000).

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A “delinquência expressiva” desperta atenção através da transgressão. O

delinquente procura acção, risco e às vezes a publicidade. O carácter expressivo do

comportamento resulta deste não ser instrumento de qualquer fim lucrativo ou ter

objectivo. As formas que caracterizam este tipo são: o vandalismo em bando; a violência

na escola; o fenómeno da violência no desporto; a violência xenófoba e racista;

criminalidade lúdica.

A “delinquência instrumental” é a mais semelhante à delinquência tradicional,

em que o crime é o meio para se obterem bens ou serviços. É possível estabelecer

etapas na carreira criminosa do jovem (Raldúa, 1990, cit. Moura, 2000). A primeira

poderá ir dos 11 aos 14 anos e está relacionada com a prática do furto, geralmente em

estabelecimentos ou em veículos. A partir daí fazem parte os crimes contra o património,

cometidos com alguma violência. Depois dos 17 anos, mantém-se este tipo de crime,

mas aparecem os crimes contra a liberdade sexual e o tráfico de estupefacientes.

1.2.2. Factores de Risco e de Protecção

As crianças delinquentes têm uma probabilidade maior de virem a tornar-se

delinquentes graves, violentos e crónicos do que os adolescentes cujo comportamento

delinquente apenas começa nessa altura.

A maior parte dos profissionais refere que um factor de risco não é por si só

suficiente para levar uma criança muito nova à delinquência. O que se constata é que “a

probabilidade da delinquência juvenil precoce aumenta à medida que aumenta o número

factores de risco e de áreas de factores de risco” (Wasserman, Keenan, Tremblay, Coie,

Herreenkohl, Loeber, Petechuk, 2004).

Alguns factores de risco são comuns a muitas crianças delinquentes, no entanto,

os padrões e a combinação desses factores, variam de criança para criança.

Alguns profissionais verificam que, numa fase precoce da vida da criança, os

factores de risco mais significativos são os de origem individual (complicações no parto,

hiperactividade, procura de sensações e dificuldades temperamentais) e os familiares

(comportamento parental anti-social ou criminal, abuso de substâncias e práticas de

educação de baixa qualidade). À medida que a criança se vai desenvolvendo e se integra

na sociedade, surgem novos factores de risco nomeadamente os que estão associados

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ao grupo de pares, à escola e à comunidade começando a desempenhar um papel

preponderante (Figura 1).

O período pré-escolar é fundamental para estabelecer as bases de precaução do

desenvolvimento da conduta perturbada e da delinquência infantil. O comportamento

problemático perturbado, com agressões graves e violação crónica dos direitos e da

propriedade de outros é a causa mais comum de indicação aos serviços de saúde mental

para crianças em idade pré-escolar (Keenan e Wakschlag, 2000, cit. Loeber et al., 2004);

a relação entre problemas de conduta na pré-escola e a posterior perturbação de conduta

e a delinquência infantil (Silva, 1990, cit. Loeber et al., 2004); as competências

desenvolvimentais importantes (como a linguagem) iniciam-se neste período e as

dificuldades no desenvolvimento destas competências podem quebrar as bases de

aprendizagem e contribuir para posterior conduta perturbada e delinquência infantil

(Keenan, 2001, cit. Loeber et al., 2004); o entendimento do aparecimento precoce de

condutas problemáticas pode ajudar na criação de intervenções precoces e eficazes para

a prevenção da delinquência infantil (Kadzin e Kendall, 1998, cit. Loeber et al., 2004).

Estas são algumas das razões principais que permitem explicar como o período pré-

escolar pode ter consequências fundamentais para a compreensão e prevenção da

prática de factos criminais.

As condutas que colocam um menor em risco para uma carreira precoce de

comportamento perturbado e delinquência infantil podem estar presentes numa idade tão

tenra como os 2 anos de idade (Keenan, 2001, cit. Loeber et al., 2004).

Uma outra dificuldade, nas idades pré-escolares, é lidar com os rótulos

inconvenientes tais como “perturbado” para condutas que podem estar de acordo com o

desenvolvimento da criança. Exemplos como, a agressão, a desobediência e a mentira

são condutas características no segundo ano de vida e fazem parte do desenvolvimento

da identidade própria, do auto-controlo e da compreensão da natureza das relações

sociais (Landy e Peters, 1992; Kuczynski e Kochanska, 1990; Achenbach e Edelbrock,

1981, cit. Loeber et al., 2004).

É importante verificar se existem também factores de protecção, pois são estes

que reduzem o risco de delinquência. Alguns factores de protecção, que podem contribuir

para a diminuição da delinquência e o comportamento perturbado, são serem do sexo

feminino, comportamento pró-social durante os anos pré-escolares e bom desempenho

cognitivo (desenvolvimento adequado da linguagem e bom desempenho escolar). Os

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factores de protecção podem compensar a acção da exposição da criança a múltiplos

factores de risco (Wasserman et al., 2004).

O Grupo de Estudo, constituído por 39 investigadores peritos em delinquência

infantil e psicopatologia infantil, convocado pelo Office of Juvenile Justice and

Delinquency Prevention (OJJDP), classifica os “factores de risco na infância para a

delinquência infantil e para a posterior delinquência juvenil violenta” (Loeber e Farrington,

2001, cit. Wasserman et al., 2004) em quatro grupos: Individuais, Familiares, Relativos

a pares e Relativos à comunidade.

Nos factores de risco individuais destacam-se:

Comportamento anti-social precoce: Caracteriza-se por várias formas de

violação e agressão contra a norma (furtos, agressões físicas e vandalismo). A agressão

precoce é a característica de comportamento social mais relevante para predizer o

comportamento delinquente antes dos 13 anos de idade. No entanto, o comportamento

pró-social (dar ajuda, partilhar e ser cooperante) surge como um factor de protecção,

nomeadamente para aqueles que têm factores de risco para a comissão de crimes

violentos e crimes contra a propriedade antes dos 13 anos de idade.

Factores emocionais: Aos três anos de vida, as crianças podem expressar um

conjunto de emoções humanas, tais como a fúria, orgulho, vergonha e culpa. Os pais, os

professores e o grupo de pares têm responsabilidade na influência na socialização de

expressão emocional da criança e ajudam-na a aprender a lidar com as emoções

negativas de uma forma construtiva. A forma como a criança exprime as suas emoções,

nomeadamente, a ira pode colaborar para o risco para a delinquência ou reduzir esse

mesmo risco. O Grupo de Estudo verificou que níveis elevados de activação

comportamental e níveis baixos de inibição comportamental são preditores para

comportamento anti-social. Rapazes impulsivos e não ansiosos têm uma maior

probabilidade de cometerem actos delinquentes entre os 12 e 13 anos de idade.

Desenvolvimento cognitivo: Quer o desenvolvimento emocional, quer o

cognitivo, parecem estar relacionados com a capacidade da criança controlar o

comportamento social nos dois primeiros anos de vida. Estes dois factores parecem

desempenhar um papel importante no desenvolvimento da delinquência precoce e

afectar a aprendizagem das normas sociais. O baixo desenvolvimento cognitivo e os

problemas comportamentais durante os primeiros anos de vida podem explicar a

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associação entre o desempenho escolar e a delinquência. Muitos estudos apontam para

um quociente de inteligência não verbal mais alto do que um quociente de inteligência

verbal do delinquente (Moffitt, 1993, cit. Wasserman et al., 2004), podendo também

apresentar um quociente de inteligência global médio inferior e índices de desempenho

escolar inferiores comparativamente com os não delinquentes (Fergusson e Horwood,

1995; Maguin e Loeber, 1996, todos cit. Wasserman et al., 2004). Défices

neuropsicológicos moderados presentes no nascimento podem ir complicando até

atingirem um nível de problemas comportamentais graves afectando o temperamento da

criança. Estes défices podem afectar o controlo dos comportamentos pela criança, tais

como, a linguagem, a agressão, o comportamento de oposição, a atenção e a

hiperactividade. As alterações cognitivas básicas podem estar relacionadas com

processos cognitivos sociais deficientes, tal como o fracasso em dar atenção a sinais

apropriados (instruções dos adultos e iniciações sociais dos pares).

Hiperactividade: Alguns estudos evidenciam que crianças agitadas, antipáticas

e nervosas têm uma maior probabilidade de virem a envolver-se em comportamento

delinquente (Farrington, Loeber e Van Kammen, 1990, Lynam, 1997, todos cit.

Wasserman et al. 2004).

Nos factores de risco familiares destacam-se:

Parentalidade: São três as práticas parentais específicas que estão

relacionadas com problemas de comportamento: um nível elevado de conflito entre os

pais e os filhos, uma monitorização deficiente e um baixo nível de envolvimento positivo

(Wasserman et al., 1996).

Maus tratos: Quer os maus tratos, quer a negligência de crianças, acontecem

em simultâneo com outros factores de risco familiares relacionados ao inicio precoce da

delinquência. Uma investigação que comparou crianças sem história de maus tratos ou

negligência com crianças que foram maltratadas ou negligenciadas verificou que este

grupo apresentava um maior número de detenções juvenis e na idade adulta de 25 anos

de idade (Widom, 1989, cit. Wasserman et al., 2004).

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Violência familiar: Milhões de crianças, anualmente, assistem aos maus tratos

físicos e verbais entre os pais (Jaffe, Wolfe e Wilson, 1990, cit. Wasserman et al., 2004).

O facto de testemunharem a violência doméstica tem sido associado com o aumento de

problemas de conduta nas crianças, nomeadamente do sexo masculino. O facto de

sofrerem maus tratos e de testemunharem violência doméstica, sobretudo nas mulheres,

afecta a adaptação dos menores. Outras condicionantes que conduzem a um risco

adicional nas famílias violentas incluem uma elevada ocorrência de outros problemas

comportamentais, tais como o abuso de álcool e encarceração, em maltratantes do sexo

masculino. “O sofrimento psicológico materno também pode expor as crianças a riscos

indirectos adicionais, tal como a mãe não ter disponibilidade emocional para os filhos”

(Zuckerman, 1995, cit. Wasserman et al., 2004).

Divórcio: Filhos de pais que se divorciaram apresentam uma maior

probabilidade de desenvolveram problemas com comportamentos anti-sociais, com uso

de ameaças e não conformes às regras (Hetherington, 1989, cit. Wasserman et al.,

2004). É difícil determinar os efeitos exactos do divórcio nos menores porque existem

outros factores de risco em simultâneo, tais como a perda de um dos pais, problemas de

conduta dos menores anteriores ao divórcio, conflitos familiares, diminuição do

rendimento familiar e uma possível nova união de um progenitor.

Psicopatologia parental: Perturbações de personalidade de progenitores anti-

sociais, abuso de substâncias e depressão por parte dos progenitores têm sido

associados a progenitores de rapazes que apresentam problemas de conduta.

Progenitores deprimidos evidenciam muitas dificuldades no exercício da parentalidade

relacionadas com o aumento de comportamentos anti-sociais nos filhos, tais como

oposição, irritabilidade e falta de supervisão (Cummings e Davies, 1994, cit. Wasserman

et al., 2004). A psicopatologia parental tem sido associada com o aumento das taxas de

perturbações psiquiátricas entre as crianças em idade escolar (Costello et al., 1997, cit.

Wasserman et al., 2004).

Comportamentos familiares anti-sociais: Os progenitores anti-sociais

demonstram níveis elevados de conflito familiar, exercendo uma supervisão mais fraca,

experienciando mais fracassos familiares e transmitindo hostilidade para os filhos. O facto

de se ter um irmão ou uma irmã com conduta anti-social também aumenta a

probabilidade de uma criança vir a desenvolver uma conduta anti-social (Farrington,

1995, cit. Wasserman et al., 2004).

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Parentalidade na adolescência: O facto de ser filho de uma mãe adolescente é

um forte indicador de delinquência na adolescência, embora, esta questão possa ser

consequência na própria história anti-social da mãe e no seu envolvimento com parceiros

anti-sociais (Rutter, Giller e Hagell, 1998, cit. Wasserman et al., 2004).

Estrutura familiar: Os menores que estão inseridos em famílias monoparentais,

constituídas apenas pela mãe, apresentam uma situação de risco aumentado para

deficientes resultados a nível comportamental (Pearson, 1994; Vaden-Kiernan, 1995;

McLanahan e Booth, 1989; Sampson, 1987, todos cit. Wasserman et al., 2004). As mães

isoladas têm mais problemas de saúde mental, apresentando níveis elevados de

mobilidade residencial e menores recursos para supervisionar os filhos.

Dimensão da família: Quanto maior for o número de filhos numa família, mais

difícil se torna a supervisão, daí o risco de poderem delinquir ser maior. “O Cambridge

Study verificou que, comparativamente com rapazes que têm menos irmãos e irmãs, os

rapazes que, aos 10 anos de idade, têm quatro ou mais irmãos e irmãs têm uma

probabilidade duas vezes superior de delinquir, independentemente do estatuto sócio-

económico dos pais” (West e Farrington, 1973, cit. Wasserman et al., 2004).

Aos factores de risco relativos aos pares associam-se:

Associação com pares desviantes: Os pares desviantes influenciam os

menores, que já têm um histórico de delinquência, a aumentar a gravidade ou a

frequência da sua delinquência. Um estudo com menores do Iowa corrobora esta

hipótese, pois verificaram que “o envolvimento com o sistema de justiça de menores

atingia o ponto mais elevado relativamente àqueles que revelavam comportamentos

perturbados e associação com pares desviantes numa idade baixa” (Simons, 1994, cit.

Wasserman et al., 2004). Os pares desviantes colaboram para a delinquência grave por

crianças durante a fase de transição para a adolescência.

Rejeição dos pares: A rejeição de crianças pequenas agressivas pelos pares

pode contribuir para um aumento do risco, dessas crianças apresentarem,

posteriormente, condutas anti-sociais crónicas. Um estudo recente, demonstrou que a

rejeição de crianças no terceiro ano escolar previa condutas anti-sociais crescentemente

mais graves a partir do 6º ano, mesmo tendo em conta a agressividade precoce dos

rapazes (Coie et al., 1995, cit. Wasserman et al., 2004). Em virtude da rejeição dos pares,

as crianças que são rejeitadas e agressivas têm maior probabilidade de se tornarem

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membros de grupos de pares desviantes (Bagwell et al., 2000, cit. Wasserman et al.,

2004). O facto da sua pertença ao grupo ser muito frágil, pode fazer com que se

empenhem em mais actividades anti-sociais no sentido de serem reconhecidos no seio

do grupo. O Grupo de Estudo enfatiza que a influência dos pares tem um impacto na

delinquência em duas vertentes, quer na delinquência daqueles que se iniciaram mais

tarde, quer na escalada da delinquência grave entre os que se iniciaram precocemente.

Nos factores de risco escolares e comunitários evidenciam-se:

Factores escolares: Crianças com baixo nível de empenho à escola, baixas

aspirações educacionais e desmotivadas, têm forte probabilidade de delinquirem

(Hawkins, 1998; LeBlanc, Coté e Loeber, 1991, todos cit. Wasserman et al., 2004). É

natural que crianças que têm fraco desempenho nas tarefas escolares desenvolvam

falhas no desenvolvimento de laços fortes com a escola e tenham menores expectativas

de sucesso. Em contrapartida, os bons resultados escolares e os laços à escola são

interdependentes. Uma investigação averiguou, que os menores do sexo masculino que

acabam por delinquir, não estão empenhados na escola e apresentam uma maior

probabilidade de não terem grandes perspectivas em termos escolares (LeBlanc et al.,

1991, cit. Wasserman et al., 2004).

Factores comunitários: Crianças que são educadas numa família com poucos

recursos quer económicos, quer sociais, têm maior probabilidade de delinquirem do que

aquelas que são educadas numa família abastada (Farrington, 1989, 1991, 1998, cit.

Wasserman et al., 2004). Situações de carência existentes em bairros, a sua própria

desorganização e os poucos sistemas de controlo que possuam, contribuem para o

desenvolvimento de condutas anti-sociais, muitas vezes sem vigilância e despercebidas

(Catalano e Hawkins, 1996; Elliott, 1996; Sampson e Lauritsen, 1994, todos cit.

Wasserman et al., 2004). Um estudo desenvolvido por Sampson, Raudenbush e Earls

(1997), citado por Wasserman et al. (2004), verificou que a desorganização social e a

concentração da pobreza da comunidade originam a diminuição da boa vontade dos

residentes para intervirem quando as crianças praticam actos anti-sociais, aumentando a

probabilidade de violência nos bairros.

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34

Fig. 1 Ordenação aproximada do desenvolvimento dos factores de risco associados com comportamento perturbado e

delinquente

Factores de risco que surgem durante a gravidez e a partir do nascimento

Crianças Complicações da gravidez e do parto

Lesões neurológicas

Exposição a neurotoxinas após o nascimento

Temperamento difícil

Hiperactividade/impulsividade/problemas de atenção

Baixa inteligência

Sexo masculine

Família Mãe fumadora/consumidora de álcool e de drogas durante a gravidez

Mãe adolescente

Mudança frequente de prestadores de cuidados

Pais com baixo nível de educação

Depressão maternal

Abuso de Substâncias/conduta anti-social dos progenitores e filho

Pobreza/baixo estatuto sócio-económico

Discórdia conjugal séria

Família numerosa

Factores de risco que surgem a partir dos primeiros anos de vida

Criança Comportamento agressivo/perturbado

Mentira persistente, falta de sentimento de culpa e de empatia

Correr riscos e procura de sensações

Família Hábitos disciplinares severos e/ou irregulars

Maus tratos ou negligência

Comunidade Violência televisiva

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Fonte: Adaptado de Loeber e Farrington, 1998

Factores de risco que surgem a partir do meio da infância

Criança Furto e delinquência em geral

Início precoce de outros comportamentos perturbados

Início precoce de uso de substâncias e de actividade sexual

Humor depressive

Comportamento asocial

Atitude de aprovação face a comportamento problemático

Vitimização e exposição à violência

Família Supervisão parental pobre

Escola Desempenho escolar pobre

Repetição de ano(s)

Absentismo escolar

Atitude negativa face à escola

Escolas mal organizadas e a funcionar mal

Pares Rejeição dos pares

Associação com pares desviantes e/ou com irmãos/irmãs desviantes

Comunidade Residência num bairro desfavorecido/desorganizado

Disponibilidade de armas

Factores de risco que surgem a partir do meio da adolescência

Criança Porte de arma

Tráfico de droga

Desemprego

Escola Abandono da escola

Pares Pertença a um bando

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1.3. Contextualização Histórica

A delinquência é o resultado de uma falha no controlo, de uma atitude negligente

do mundo adulto perante as suas responsabilidades em relação ao mundo mais jovem. A

falta de acompanhamento e de supervisão ao longo do desenvolvimento infantil e juvenil

pode levar ao aparecimento de condutas que em nada se assemelham àquelas que

consideramos como sendo o conceito ideal de infância e de juventude. O aparente

fracasso das estruturas de socialização convencionais e o aparecimento de condutas

desviantes justificam a intervenção de outras instituições de controlo social no processo

educativo dos adolescentes e jovens (Ferreira, 1997).

Durante muitos séculos não se demonstrou grande interesse pelas necessidades

e bem-estar das crianças, chegando a ser tratadas com indiferença e até com crueldade.

As crianças eram olhadas mais como versões pequenas e inadequadas dos adultos do

que como seres com necessidades de protecção especial. Com o despertar da Europa,

após longa hibernação intelectual e de estagnação social da Idade Média, surgiu uma

filosofia que iniciou o debate dos costumes tradicionais de educar e de tratar as crianças.

Nos séculos seguintes, a situação foi-se remodelando havendo uma preocupação maior

pelos menores. “Os cuidados familiares substituíram o sistema de aprendizagem e a

infância passou a ser vista como um período transitório no qual a protecção, mais do que

a indulgência, em relação às actividades adultas, se tornou a regra. Foi neste tempo de

mudança que emergiu o conceito moderno de infância, um conceito que enfatiza a ideia

de que as crianças são um valor em si mesma e que devido à sua fragilidade e

simplicidade deviam ser alvo de protecção enquanto não fossem devidamente

preparadas para enfrentarem o mundo adulto” (Ferreira, 1997).

Recuando até aos séculos XIX-XX, constata-se que o destino das crianças não se

diferenciou muito da vida social quotidiana dos adultos, a nível do trabalho, da família, da

mendicidade, da vagabundagem, das situações de promiscuidade, da „rua‟ e das cadeias.

A criança sofria da desorganização familiar ou de um lar considerado normal o que

levava a privações e a carências e desta maneira aprendia as normas sociais, ajudava no

lar e nas necessidades económicas familiares. Nem o adulto, nem a família se

interessavam em compreender a criança como um ser em desenvolvimento com etapas

mais ou menos definidas que exigiam uma atenção educativa, moral e afectiva especial.

A criança encontrava-se num mundo fechado dentro do próprio meio familiar, social,

cultural e educativo em que crescia. Não se considerava a família como um valor moral,

sentimental e educativo (Martins, 2006).

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A implementação dos serviços de protecção, surge no tempo da criação das

misericórdias (séculos XV-XVI), que coincide com o início de estruturas organizadas de

carácter religioso vocacionadas para a prática da caridade, da assistência e beneficência,

não só para as crianças, como para os pobres e idosos, e apoio aos presos nas cadeias.

Posteriormente, foram surgindo outros estabelecimentos assistenciais e de educação

para as crianças abandonadas, órfãs e pobres (hospícios, orfanatos, seminários,

recolhimentos, colégios, asilos, creches). No final do século XVIII, o Estado preocupado

com estas problemáticas sociais e assistenciais, cria para os menores vadios,

delinquentes e marginalizados, a Real Casa Pia de Lisboa (1780), a Casa de Detenção e

Correcção de Lisboa (1871) e a Colónia Correccional Vila Fernando (1880), em moldes

correccionais de reclusão e no século XX, cria os reformatórios e colónias (Martins,

2002).

Até finais do século XIX, as crianças e os adolescentes que não viviam dentro do

marco social normal, não constituam uma preocupação jurídico-social e socioeducativa

de „ordem‟, pois o número de delitos e os problemas sociais que provocavam eram

escassos. Apesar de existirem menores em situações de desvio social, as instituições

penais e institucionais não os separavam dos adultos, misturando-os nas instituições

onde “os menores cumpriam as suas penas nas prisões em péssimas condições

higiénicas, e em promiscuidade com os criminosos adultos, com medidas educativas

repressivas e intimidativas, falta de instrução e de trabalho” (Martins, 2006). Além disso,

eram julgados em tribunais que não apresentavam qualquer tipo de diferença dos

tribunais dos adultos, sendo sujeitos às mesmas regras processuais, assim como às

mesmas penas dos adultos, com atenuação devido a serem menores (Lima, 2003).

A família portuguesa evidenciava uma diversidade cultural e geográfica que ia

desde o norte ao sul e do litoral ao interior do país, relacionando-se o seu modo de vida

com as questões sociais, económicas e educativas que o País atravessou ao longo dos

tempos. Os comportamentos da infância caracterizavam-se por um tipo de socialização

na família, passando historicamente nos últimos séculos por três períodos de respostas

sociais que implicaram modelos de intervenção socioeducativa, práticas (re) educadoras

e de reinserção social para os que caíam em desvio social, delinquência e/ou de

abandono, que são a „moralização‟, „normalização‟ e de „tutela‟ (controlo). Muitas das

situações de „anormalidade‟ nas famílias, provocavam nos filhos formas de destruição,

abandono, vagabundagem e inadaptação, e consequentemente, para estas crianças a

sua vivência era na „escola da rua‟, sujeitas à delinquência e às situações de perigo moral

(Martins, 1995, cit. Martins, 2002).

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Algumas alterações de vida e do ambiente familiar tinham repercussões na

educação e na vida das crianças, nomeadamente as carências familiares, devido às

condições sócio-económicas, habitacionais, higiénicas e culturais em que viviam e que

provocavam nas crianças privações, carências afectivas, doenças psíquicas,

deteriorização moral, vadiagem e comportamentos agressivos, contribuindo para uma

correlação entre a delinquência e marginalidade com a pobreza, miséria, defeitos

educativos, promiscuidade moral e outros tipos de carências; a desestruturação familiar,

desde situações de pais separados, amancebados, ausência dos pais naturais ou de um

deles, influências hereditárias e doenças sociais ou psíquicas em muitos casais,

situações de consanguinidade provocava o aparecimento dos filhos ilegítimos,

abandonados e órfãos; a incapacidade educativa, cultural e moral da família nas classes

sociais mais pobres, em situação precária, de mendicidade, a ausência ou a falta dos

pais determinavam situações de orfandade e de abandono, sendo entregues a familiares

que muitas vezes os maltratavam (Martins, 2002).

A 27 de Maio de 1911, elaborou-se a primeira legislação para crianças no país, a

Lei de Protecção à Infância, em que o Estado assumia a função educativa, assistencial e

protectora em relação às crianças e jovens em perigo e delinquentes. O Decreto

determina que as Tutorias advenham sempre no interesse da criança e do jovem e não o

carácter intimidante e repressivo, mas a função tutelar das instituições que protegem.

Assim, aos jovens com idade inferior a 16 anos detidos e julgados nas tutorias,

aplicavam-se várias decisões e medidas judiciais, uma das quais era o internamento em

estabelecimento especial que adoptava o sistema de internato e semi-internato. A Tutoria

decidia em função da situação específica da criança ou do jovem e da sua família e as

penas variavam segundo as causas do crime e a idade do seu autor. Estes serviços

públicos serviam a finalidade de defesa social, contudo, apresentavam vários

inconvenientes na aplicação prática da legislação e na implementação das medidas ou

tratamento médico-pedagógico (Martins, 2006).

Em 1924, proclamaram-se os “Direitos da Criança”, de acordo com os termos da

Declaração de Genebra, em que se reconheceu um novo princípio de redenção social e a

dedicação à vida das novas gerações. Posteriormente, em 1959 na Assembleia-Geral

das Nações Unidas, proclamou-se a Declaração dos Direitos da Criança que constitui a

“Carta Magna” para que sirva de orientação no respeito à criança por todos,

independentemente da sua cultura, afinidade populacional e etnia, devendo protegê-la

contra as problemáticas de exploração, de desvio social, numa nobre missão de

Humanidade e como dever social e Humano (Martins, 2006).

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Em 1925, procede-se à simplificação da legislação anterior (Lei de 27 de Maio de

1911), através de um novo Decreto-Lei de 15 de Maio de 1925, em que se evidencia a

importância da dimensão social e médico-pedagógica da delinquência, alegando-se que

o objectivo seria o estudo do agente do crime e não o crime em si mesmo. Implementam

três níveis de intervenção das instituições e entidades que compunham os designados

Serviços Jurisdicionais e Tutelares de Menores, dependentes do Ministério de Justiça e

dos Cultos com uma coordenação e fiscalização superior, que passou a ser assegurada

pela Administração e Inspecção Geral; um nível jurisdicional, instituído por um Tribunal

Superior de Recurso, pelas Tutorias Centrais de Infância e pelas Tutorias de Infância

Comarcãs, que passariam a funcionar em todas as comarcas; um conjunto de serviços

que garantiam a detenção provisória (Refúgios das Tutorias Centrais), detenção

disciplinar (Reformatórios) e correccional (Colónias Correccionais) das crianças e jovens

delinquentes (Caldeira, 1993, cit. Lima, 2003). Por outro lado, as crianças e jovens não

delinquentes, passavam a não poder ingressar nos Reformatórios ou Colónias

Correccionais nem a permanecer nos Refúgios (Lima, 2003).

Em 1944, pelo Decreto nº 33547, as tutorias de infância passaram a denominar-se

por tribunais de menores, sendo constituídas por um juiz-presidente (no âmbito jurídico-

penal ou jurídico-social), um médico (contribuindo com as ciências médicas no

diagnóstico dos sintomas da criminalidade e delinquência infantil e juvenil) e um professor

(no âmbito pedagógico das decisões e tratamento reeducativo), formando-se tribunais

singulares de equidade, de protecção e tutela, representando a figura de um bom pai que

julga em consciência, amor e justiça os menores, de acordo com as suas problemáticas

(Martins, 2006).

A partir da década de 50, surgiram os “lares de semi-liberdade” nas cidades, como

extensões dos reformatórios e colónias. Os semi-internatos eram dirigidos às crianças e

jovens que trabalhavam ou estudavam na cidade sob a vigilância socioeducativa de

técnicos ou funcionários, jovens que se encontravam internados para serem (re)

educados, regenerados moralmente e prestar assistência a muitas crianças

problemáticas e em situações de desvio social (Martins, 2006).

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Nestes estabelecimentos, era proporcionado aos internados uma formação

baseada no trabalho, em que o silêncio era a regra, sob pena de falta disciplinar a quem

a infligisse. Os sistemas organizativos mais utilizados eram o regime disciplinar

intimidativo ou punitivo e o ambiente do internato burocrático e austero, misturando os

menores incorrigíveis e outros de mais fácil correcção, dificultando a regeneração moral

(Lima, 2003; Martins, 2006).

Nos anos 80, deu-se ênfase a dois modelos, o de “justiça” (em que se privilegia a

defesa da sociedade e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos menores) e o

modelo de “protecção” (em que se privilegia a intervenção no Estado na defesa do

interesse do menor sem que formalmente lhe seja reconhecido o direito contraditório).

O Direito de Menores quer seja o “tutelar educativo de crianças que praticam

crimes” quer o de “ protecção de crianças em risco”, procura permitir que o menor venha

a ser um actor social, assim que sejam superadas as situações que o levaram à prática

de um crime ou a uma situação de risco.

A intervenção protectora do Estado justifica-se quando o gozo ou o exercício de

direitos cívicos, sociais, económicos ou culturais do menor são ameaçados por factores

que lhe são exteriores (por exemplo, abandono, maus tratos). Este tipo de intervenção é

da responsabilidade da Segurança Social (Peres et al., 2006).

A intervenção tutelar tem outro fim e deve limitar-se aos casos em que o Estado

se encontra legitimado para educar o menor, mesmo contra a vontade de quem está

investido no poder paternal, o que apenas pode admitir-se quando se tenha manifestado

uma situação desviante que torne clara a ruptura com elementos nucleares de ordem

jurídica. Este tipo de intervenção tutelar das situações criminais de menores entre os 12 e

16 anos é da competência da Direcção-Geral de Reinserção Social do Ministério da

Justiça (Peres et al., 2006).

Perante esta situação e com a reforma do Direito de Menores, surgem duas

legislações separadas: a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º

147/99 de 1 de Setembro) e a Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99 de 14 de Setembro).

Com a reforma legislativa do direito tutelar, que engloba um conjunto de

iniciativas e medidas, permitiram a separação jurídica entre menores que cometem

crimes e menores que são vítimas de maus tratos.

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“O Estado age porque uma criança desprovida do apoio suficiente dos seus

progenitores, ou de quem lidera a sua protecção, traduz um sofrimento inaceitável, no

presente, para a própria criança e para todos os cidadãos e sugere um mau prognóstico

no que concerne aos futuros desempenhos dessa criança, sendo uma acção orientada

para recolocar, ou pelo menos tentar, reorientar esse caminho, esses caminhos de e para

a autonomia” (Peres et al., 2006).

Procura ser um sistema que promove os direitos dos menores, de prevenção de

situações de perigo e que intervém quando essas mesmas situações gradualmente se

devem subordinar aos princípios constitucionais que atribuem a condução do processo

de socialização das crianças e dos jovens aos seus próprios pais, abrindo-se um espaço

de cooperação ao Estado. O sistema de protecção de menores em perigo surge perante

situações em que às crianças e aos jovens se atravessam obstáculos susceptíveis de

colocar em crise o seu processo de socialização.

As regras e normas sobre a educação e o controlo das crianças foram elaboradas

gradualmente devido ao processo de descoberta da infância e do aparecimento da

delinquência. Num primeiro momento, apareceu um conjunto de regras informais com o

objectivo de criar uma imagem ideal de infância capaz de proporcionar orientações aos

pais na educação dos filhos, convertendo-se posteriormente em leis. Perante esta

imagem ideal, as crianças deveriam ser obedientes, trabalhadores e empenhadas no

cumprimento dos seus objectivos, autocontroladas, modestas e mantidas afastadas dos

perigos do sexo, do álcool e de outros vícios adultos e evitar a desonestidade. “A

moderna imagem de infância sublinharia, possivelmente, outros atributos psicossociais,

tais como a responsabilidade, a iniciativa e o autocontrolo, mas conservaria, com poucas

adaptações, os restantes atributos morais” (Ferreira, 1997).

Determinados comportamentos delinquentes são graves quando desafiam valores

institucionais e sociais, outros são considerados menos graves, quando não constituem

uma ameaça para esses valores, mas podem ser considerados ofensivos à sensibilidade

dos outros, podendo ser necessária uma intervenção legal. Se os crimes forem

cometidos por menores são considerados sempre delinquência, excepto quando é

cometido por alguém tão novo para que possa ser considerado responsável por ele.

Outros actos apenas são ilegais quando cometidos por menores, tais como a liberdade

de trabalhar, de casar, de mobilidade especial ou de consumo de álcool, são

considerados ilegais abaixo de uma determinada idade (Ferreira, 1997).

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1.3.1. Enquadramento Legal - A Lei Tutelar Educativa

A criminalidade é um problema social, nomeadamente entre jovens, e como tal

tem sido alvo de um processo de mediatização e politização constante. Mediante a

dificuldade que tem sido a reinserção social dos jovens, foram accionadas medidas

legislativas, como a nova Lei Tutelar Educativa, cujo objectivo é implementar um modelo

mais eficaz de reinserção social (Marteleira, 2005).

A Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro), que entrou em vigor

em Janeiro de 2001, legitima o Estado a intervir nas situações em que há prática de um

facto qualificado pela lei como crime e como isso representa necessidades de educar

para o direito e de inserir o menor, de forma digna e responsável, na vida em comunidade

(Figueiredo, 2001), aplicando-se aos menores que apresentam uma conduta desviante,

tendo como objectivo a sua educação para o Direito e para os valores fundamentais da

vida em sociedade intervindo em casos de menores agentes de actos qualificados pela

lei como crimes, os delinquentes e reconhece a necessidade de aplicação de nove

diferentes medidas tutelares, da admoestação ao internamento, diferenciando níveis de

violação da lei e níveis de gravidade na ofensa aos valores essenciais da comunidade,

isto é, reconhece e diferencia tipos de conduta delinquente e delinquentes (Baptista,

2000).

O art. 4º da Lei nº 166/99, de 14 de Setembro, diz respeito às diferentes medidas

tutelares aplicadas com graus de gravidade díspares, sendo a menos severa a

admoestação, prevendo também a aplicação de privação de alguns direitos, tais como a

condução de ciclomotores, a reparação ao ofendido, realização de prestações

económicas ou de tarefas a favor da comunidade, a imposição de regras de conduta,

imposição de obrigações, frequência de programas formativos, acompanhamento

educativo, até à mais severa que é o internamento em Centro Educativo em regime

aberto, semi-aberto ou fechado.

Segundo o art. 5º a execução destas medidas tutelares podem prolongar-se até o

jovem completar 21 anos, momento em que termina obrigatoriamente.

A medida mais severa desta legislação é o internamento em Centro Educativo, e

segundo o art. 17º: “ a medida de internamento visa proporcionar ao menor, por via do

afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos

pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos

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que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente

responsável”. Quanto à duração da medida de internamento, o art. 18º refere: “ a medida

de internamento em regime aberto e semiaberto tem a duração mínima de três meses e a

máxima de dois anos; a medida de internamento em regime fechado tem a duração

mínima de seis meses e a máxima de dois anos, salvo o disposto no número seguinte; a

medida de internamento em regime fechado tem a duração máxima de três anos, quando

o menor tiver praticado facto qualificado como crime a que corresponda pena máxima,

abstractamente aplicável, de prisão superior a oito anos, ou dois ou mais factos

qualificados como crimes contra as pessoas a que corresponda a pena máxima,

abstractamente aplicável, de prisão superior a cinco anos” (Lei n.º 166/99, de 14 de

Setembro).

A execução de medidas tutelares educativas, tem como princípios, a permissão

do confronto do jovem consigo mesmo; promoção de uma reconciliação com a sua

história; promoção da compreensão do seu presente; ajudar a perspectivar o seu futuro,

tendo em conta as limitações decorrentes do seu nível de maturidade e considerando a

potencialidade do seu “património” afectivo e intelectual; deve também assentar numa

pedagogia de responsabilidade, tendo em conta a individualidade do jovem; proporcionar

a construção da coerência de “si” próprio; promover a apreensão de valores e confrontar

o jovem com os seus direitos e deveres; manter no “tempo” a noção de respeito pelo

“outro”; ter presente que os comportamentos exteriorizam problemas emocionais, que

advêm de vivências traumáticas, em fases precoces de desenvolvimento; nos casos mais

complexos, requerer uma intervenção terapêutica com recurso a programas específicos

que visem maior estabilidade emocional, capacidade de autocontrolo, adesão à mudança

e prevenção da reincidência; e subordinar-se a rigoroso controlo temporal (Figueiredo,

2001).

A lei contempla a possível intervenção da Direcção-Geral de Reinserção Social,

quando o tribunal determinar, na reparação ao ofendido, na realização de prestações

económicas e nas tarefas a favor da comunidade e prevê, também a intervenção dos

serviços na execução das medidas de acompanhamento educativo e nas que envolvem

internamento.

Com esta legislação procura-se solucionar as problemáticas mencionadas

anteriormente e que Gersão (1998) assinalava de “… um sistema totalmente desprovido

de meios para impedir que esses jovens (considerados “a um passo de consolidarem

uma carreira criminal”) fujam repetidamente das instituições tutelares e se envolvam de

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forma crescente na criminalidade…” e assim, evitar a convivência, nessas instituições, de

menores em perigo com menores delinquentes, principalmente com aqueles cuja conduta

realça uma personalidade egocêntrica, que vai contra a convivência social, em que o

outro é percebido como objecto ao seu serviço e que reiteradamente recusam qualquer

mudança pessoal (cit. Baptista, 2000).

Os princípios desta Lei são o da mínima intervenção, idade mínima de doze anos

para a intervenção tutelar, existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais,

traduzida na prática do facto considerado na lei como crime, sendo a finalidade da

intervenção tutelar a educação do menor para o direito e a correcção da sua

personalidade (Marteleira, 2005).

Esta Lei diferencia o delinquente em função do grau e frequência da violação da

Lei, permitindo ao Tribunal a decisão da melhor medida a aplicar e o regime da sua

execução (Baptista, 2000).

No entanto, a problemática da delinquência juvenil necessita de uma intervenção

multidisciplinar, isto é, apoiado noutros conhecimentos pode-se diagnosticar, identificar,

compreender e distinguir os adolescentes judiciarizados, tendo em conta a sua conduta

delinquente no passado e no presente, de personalidade e das circunstâncias da vida

(Baptista, 2000).

Como se referiu anteriormente, o objectivo das medidas e com elas do próprio

processo tutelar educativo, é educar o menor para o direito e a sua inserção de forma

digna e responsável na vida em comunidade. O menor, dada a sua idade, apresenta uma

personalidade em formação, que ainda não está consolidada e se ao longo da sua

evolução for adoptado um comportamento que rompa com os valores fundamentais à

convivência social, que a sociedade estabeleceu como tal, então a ilicitude típica

funcionará como um sinal de que o processo de construção da personalidade não se está

a desenvolver correctamente.

Esta fase é de intensa aprendizagem, em que o menor é um actor social, em que

vai interagir para aprender. Essa aprendizagem implica a observação de certas normas

de conduta, pelo que deve ser ajudado, para que em primeiro lugar as conheça e em

segundo para que as observe.

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Se educar é propiciar um desenvolvimento coerente de uma personalidade, então,

numa meta final que é a existência de condições de felicidade, importa favorecer

equilíbrio, quer entre as várias componentes da personalidade de cada menor, quer entre

o menor e o meio em que se vai inserir. “Educar é educar para viver em sociedade, e não

está preparado para viver em sociedade quem não observa as condições mínimas de

subsistência e funcionamento da sociedade” (Moura, 2000).

A tutela educativa não procura formar jovens bons ou santos, mas sim formar

homens e mulheres que interiorizem uma ideia de interdito. Há comportamentos que

podem assumir e outros coincidentes com o ilícito penal, que a sociedade onde se vão

inserir não tolera.

O essencial é que os agentes de toda essa pedagogia percebam que com o

respeito pelo direito se vão criar condições de integração e paz social que beneficiam o

jovem acima de tudo.

Educar para o direito é, em primeiro lugar, ajudar alguém a tornar-se um cidadão

adaptado, e não apenas defender a sociedade (Moura, 2000).

1.4. Características da Delinquência

O conhecimento da delinquência juvenil envolve a interacção de factores de

diferente natureza: biológica, psicológica e social.

Os actos delinquentes são actos anti-sociais ilegais que levam ao contacto com as

instituições. Os jovens que uma ou duas vezes, na sua adolescência, roubaram um

brinquedo numa loja, não pagaram nos transportes públicos ou no cinema, faltaram às

aulas e que rapidamente abandonaram estas condutas, não são considerados

verdadeiros delinquentes (Peres et al., 2006).

1.4.1. Padrões de Conduta Delinquente

“Delinquência e “perturbação do comportamento” não são expressões sinónimas,

embora se refiram a áreas comuns do comportamento e personalidade, referem-se a

universos conceptuais distintos” (Baptista, 2000).

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Frechette e LeBlanc (1987), citado por Baptista (2000), desenvolveram uma

investigação sobre a conduta delinquente, com enfoque sobre o desenvolvimento do

comportamento durante a adolescência, a partir de uma amostra com mais três mil

adolescentes comuns e uma outra com mais de quatrocentos adolescentes com prática

delituosa reconhecida pelo tribunal.

Os indicadores, observados na investigação, que permitem qualificar a actuação

delinquente são:

Precocidade: a probabilidade da delinquência surgir é maior na faixa etária

entre os 10 e os 12 anos. Constatando-se que quanto mais cedo o adolescente se inicia

na prática de condutas delinquentes, maior é a probabilidade da sua frequência e

gravidade aumentarem.

Persistência ou duração: verificar se a actuação delinquente continua de forma

persistente. Se isso se verificar, a probabilidade de ele enveredar por esses

comportamentos é maior. Constaram num grupo restrito de adolescentes, uma prática

delinquente que continua para além do meio da adolescência.

Variedade do comportamento delinquente: comportamento delinquente variado

e persistente indica probabilidade de perpetuação do mesmo pelo adolescente.

Motivo subjacente à prática do delito: selecção da vítima, premeditação,

utilitarismo.

Os investigadores, Frechette e LeBlanc (1987), concluíram que a evolução da

delinquência juvenil processa-se por duas vias diferentes, com consequências distintas.

O primeiro processo foi designado por “delinquência regressiva”, ou seja, delinquência

transitória, acidental, que pode ser grave e constante, mas que desaparece a partir da

segunda metade da adolescência; o segundo processo foi designado por “delinquência

extensiva”, com início precoce, que se vai consolidando e fazendo parte do

comportamento do adolescente e que reside aos constrangimentos sociais.

A delinquência juvenil está constituída na lei, mas se esta é muito heterogénea, a

busca de simples variáveis psicológicas que separam os “delinquentes” dos “não-

delinquentes” não pode ser considerada uma busca estratégica. As causas não são

isoladas, daí a complexidade do processo (Quay, 1987).

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Uma outra visão considera cada delinquente como um indivíduo que partilha

pouco ou nenhuns atributos psicológicos com outros autores de actos delinquentes (cit.

Quay, 1987).

Uma terceira visão agrupa os delinquentes num grupo de pessoas com

determinado cariz psicológico.

Esta última teoria tem sido alvo de maior atenção, efectuando mesmo uma

separação de grupos, dividindo-os em sub-grupos baseados nas características pessoais

de personalidade (cit. Quay, 1987).

No entanto, a técnica estatística usada por norma é a análise factorial. Este

método permite determinar o grau de relacionamento de cada uma das variáveis e suas

dimensões. É este relacionamento que capacita a interpretação do ponto de vista

psicológico (Quay, 1987).

Segundo Quay (1987), alguns factores podem estar na origem da delinquência

juvenil, tais como:

Agressões não-sociais: relacionadas com características que envolvam

agressão, o negativismo e falta de consideração ao seu semelhante.

Agressões sociais: englobam os factores externos, estando muitas vezes

relacionado a “gangs” de delinquentes. Esta é uma resposta às circunstâncias de

desenvolvimento da sociedade.

Défices de atenção: traduzem os problemas de concentração e sua

manutenção durante certo período de tempo, impossibilitando a realização de variadas

tarefas. Este tipo de problema está, muitas vezes, relacionado também com problemas

sociais acima mencionados.

Ansiedade: está intrinsecamente ligada a uma necessidade de escape por

parte do delinquente juvenil.

Estes quatro factores estão oficialmente relacionados com a delinquência, mas

são os factores psicológicos que os fazem emergir.

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Com isto, constata-se que este sub-grupo está associado a problemas cognitivos,

a nível académico e pobre relacionamento social que poderá resultar, em alguns casos,

em delinquência. Quando diagnosticado, cuidadosamente, a grande maioria destas

crianças e adolescentes, conseguem uma melhoria significativa quando tratadas com

medicamentos estimulantes (Campbell e Werry, 1986, cit. Quay, 1987).

1.4.2. A Importância Familiar na Delinquência Juvenil

Segundo Sampaio (1985), citado por Fonseca et al. (2003), a abordagem

sistémica, a delinquência juvenil é definida como um “sintoma que funciona como

regulador da homeostasia familiar – é uma tentativa feita pela totalidade do sistema para

ultrapassar a crise e é também um sinal que não há solução possível nas modalidades

habituais de interacção familiar”. Este princípio salienta que a crise na adolescência, não

é apenas vivenciada pelo jovem, mas também pela família.

Kratcoski e Kratcoski (1982) reconheceram três tipos de modelos educativos de

famílias que podem estar, ou não, relacionados com a manifestação de condutas

delinquentes na adolescência (cit. Fonseca et al., 2003):

Estruturas familiares monoparentais: estas famílias, não contribuem para o

aparecimento de condutas associais, se adoptarem uma disciplina monoparental firme e

uma qualidade de vida considerada “normal”, contudo se a estrutura familiar funcionar de

forma disfuncional interna/relacional pode contribuir para a manifestação de condutas

delinquentes.

Rejeição parental: a rejeição parental apresenta uma relação causal com a

conduta delinquencial.

Disciplina educacional consistente e adequada: as estruturas utilizadas para

controlar a conduta juvenil podem influenciar significativamente as actividades dos

jovens, no entanto, um modelo educativo desajustado, extremamente rígido e os níveis

de controlo parental muito baixo pode conduzir à delinquência.

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O tipo de estratégias disciplinares adoptadas pelas famílias tem implicações sobre

a conduta do menor. Quanto mais coercivas forem as estratégias adoptadas, mais

positiva é a correlação com a conduta desviante das crianças, sendo mais evidente nos

casos das condutas agressivas e violentas. Crianças agressivas que tenham uma maior

tendência para provocar respostas coercivas, aumentam a probabilidade de as crianças

se exporem à agressão e à violência (Ferreira, 1997).

Pais de estatuto económico mais baixo apresentam uma maior dificuldade em

supervisionar os filhos do que os pais de estatuto económico mais elevado, havendo por

isso uma relação entre o estatuto sócio-económico, família e delinquência. As teorias de

controlo social referem que uma inadequada supervisão aumenta a delinquência porque

liberta os adolescentes dos constrangimentos familiares, defendendo que uma

supervisão fraca das relações dos seus filhos com os amigos estimula a delinquência,

porque podem obter influências favoráveis à delinquência. A aprendizagem grupal tem

grande importância na reprodução subcultural e por isso, as associações com os amigos

delinquentes são essenciais para a integração no mundo da delinquência (Ferreira,

1997).

Outra perspectiva para a aquisição de influências favoráveis à delinquência,

apresentada por Ferreira (1997), é uma consequência da intensidade com que as

condutas delinquentes são reprovadas em casa ou na comunidade. Quanto mais os pais

contrariarem a prática de condutas delinquentes, menor será a probabilidade de os filhos

se deixarem influenciar por essas condutas. Contrapondo a probabilidade de que grupos

de amigos com actos delinquentes aumentam a influência para a prática desses actos. A

família é o pilar do contexto cultural onde o adolescente pode receber e interiorizar as

orientações e as definições no sentido da conformidade, que são dominadas pelo modo

como os factores sócio-económicos ajustam as relações que estruturam o conteúdo e a

natureza das práticas educativas através das quais se incutem e se exercem os controlos

sociais.

Os factores causais parecem demonstrar consistentemente que as questões

parentais e a sua interacção estão associados ao desenvolvimento anti-social e de

delinquência (Snyder e Patterson, 1987).

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Este facto é relativamente claro. Pais de ofensores, quer na infância quer no

presente, são mais encorajadores às questões anti-sociais do que aqueles que o fizeram

isoladamente (Dishon e Loeber, 1983; Gold, 1970; Hanson, 1984; Hirschi, 1969; Loeber e

Schmaling, 1985; McCord, 1978; Pulkkinen, 1983; West e Farrington, 1973, todos cit.

Snyder et al., 1987). As dimensões parentais também são importantes, mas a queda é

maior nas famílias recidivas, que parecem dar mais oportunidades e inibem com

regularidade as práticas anti-sociais.

As diferentes associações de variáveis familiares que distinguem a questão de

“anti-social” e “delinquência” são menos claras. No entanto, podemos diferenciar estas

questões em dois grupos:

Comportamento anti-social aberto, que inclui agressão/assalto, conduta

desordeira e crimes pessoais orientados (Snyder et al., 1987).

Comportamento anti-social fechado, inclui mentir/roubar, conduta não

agressiva desordeira e crime contra a propriedade. Neste caso, as crianças que

apresentam padrões anti-sociais vêm de famílias mais punitivas, severas e restritivas

(Hetherington, 1971; Simcha-Fagan, 1975; Farrington, 1978; Petterson, 1980; Loeber,

1983, todos cit. Snyder et al., 1987).

Parece haver mais conflitos familiares e agressões, maior número de rejeições

parentais ao filho e mais frequente e fraterna relação pais-filhos em casas de crianças

com um comportamento anti-social aberto (Hewitt e Henkins, 1946; Lewis, 1954; Simcha-

Fagan, 1975; McCord, 1978, 1979; Patterson, 1980, todos cit. Snyder et al., 1987). Aqui a

característica comum é a permissividade disciplinar, bem como uma grande distância e

envolvimento entre pais e filhos (Hewitt e Jenkins, 1946; Lewis, 1954; Hetherington, 1971;

Farrington, 1978; Patterson, 1980, todos cit. Snyder et al., 1987).

Mas nem só a família tem importância na questão de anti-socialização, também os

colegas da mesma idade têm a sua quota-parte de responsabilidade. As crianças que

não adquirem os “ensinamentos” básicos de como fugir à anti-socialização, estão mais

permeáveis a continuar actos delinquentes depois de se envolverem com pessoas de

mesma idade e com hábitos negativos semelhantes.

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É cada vez mais importante distinguir os delinquentes. Tentativas que identifiquem

as variáveis familiares capazes de caracterizar os ofensores recidivos dos não-recidivos e

os com comportamento anti-social aberto do fechado são importantes na promoção de

programas clínicos de prevenção adaptáveis a cada caso singular de anti-socialização.

Outra limitação é a falta de unanimidade no processo que conduz ao

desenvolvimento da delinquência e qual o respectivo papel da família e colegas. Pais,

colegas e outros agentes socializadores não têm um efeito unidireccional no

desenvolvimento da criança. O efeito é recíproco. A criança é simultaneamente vítima e

arquitecta do seu meio-ambiente (Snyder et al., 1987).

Por outro lado, as questões genéticas, mais que as questões ambientais, tomam

lugar de destaque na delinquência. Neste caso, o fraco controlo familiar por parte dos

pais e o papel anti-social desempenhado pelo filho são expressões de uma pré-

disposição genética que, sob pressão, é evidente em ambos.

A falta de clareza quanto ao papel da família nas variáveis de desenvolvimento de

delinquência leva a um terceiro passo. Aquelas famílias associadas à delinquência

devem ser manipuladas para demonstrar convincentemente o seu status causal (Snyder

et al., 1987).

1.4.3. A Influência dos Pares e dos “Gangs” na Conduta Delinquente

Howeel (1997), citado por Albuquerque (2007), define “gang” como uma

associação organizada por pares “com uma designação oficial e símbolos identificáveis,

uma liderança clara, um território geográfico, uma forma de reunião regular e acções

colectivas destinadas ao desenvolvimento das suas actividades”. No entanto e ao que

parece, em Portugal, tal não se verifica desta maneira, porque os “gangs” apresentam

características extremamente informais e voláteis, sendo constituídos de forma muito

espontânea. Contudo, estas características contribuem para as dificuldades com que se

deparam as autoridades públicas em localizá-los e lidar com eles, devido ao facto de

estes “gangs” terem uma enorme capacidade de auto-regeneração, isto é, no caso de

alguns membros mais importantes de um “gang” forem apanhados pela polícia, tal terá

uma enorme influência sobre a sua capacidade de actuar. No entanto, se essas

estruturas forem soltas e informais, mesmo que alguns membros do “gang” sejam

capturados, algumas horas ou dias depois o “gang” já recrutou novos elementos e está

novamente em acção.

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A idade exacta de entrada de menores em “gangs” varia de país para país. Em

Portugal, a idade de risco para a integração nestes grupos situa-se entre os 13 e os 19

anos (Albuquerque, 2007).

Os factores que levam os menores a aderirem a “gangs” são externos aos

próprios grupos e são comuns ao aparecimento e à existência continuada dos mesmos

(Albuquerque, 2007). Estes factores são:

a) Existência de enclaves urbanos de pobreza: os grupos dominam territórios

específicos dentro dos centros urbanos, em áreas que são consideradas mais pobres. Os

grupos são diferenciados por um lado geograficamente e por outro socialmente. As

desigualdades sócio-económicas das populações locais nestas áreas, comparadas com

outros sectores da sociedade, contribuem para o enraizamento e permanência deste tipo

de actividade nestes grupos.

b) Subsistência de elevadas percentagens de jovens, níveis

desproporcionadamente baixos de educação e elevados de desemprego: as áreas

geográficas onde os “gangs” actuam caracterizam-se por populações com um número

muito elevado de filhos e os jovens, que aqui vivem, têm níveis baixos de educação

formal e muitos são desempregados. Os “gangs” locais, que oferecem às crianças

emprego, dinheiro, ascensão social, estatuto e poder têm um número significativo de

voluntários, acabando por não ser necessário realizar actividade de recrutamento.

c) Presença estatal diminuída ou diferenciada: a limitação ou falha de presença

das forças de segurança e de outros serviços públicos levaram ao rompimento do

contrato social entre os residentes locais e o Estado, permitindo aos “gangs” reforço da

sua presença.

d) Corrupção estatal: de forma directa ou indirecta, o Estado está constantemente

associado com os “gangs”, através da prestação de apoio financeiro ou militar, directo, ou

através de funcionários estatais, principalmente polícias corruptos.

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e) Aparelho estatal violento: os Estados são responsáveis por tentarem lidar com

os “gangs” através de uma política policial e legislativa repressiva. Contudo, não se pode

responsabilizar o Estado pela violência praticada por estes grupos, mas a repressão

colocada demonstrou não trazer benefícios quer para a redução da presença dos

“gangs”, quer para a diminuição dos níveis de violência na qual estão envolvidos.

f) Acesso à economia ilegal: os “gangs” são em grande parte financiados através

de actividades ilegais ou criminais, principalmente pelo tráfico de droga. Através da

legalização de drogas proibidas, o acesso a economias ilegais seria negado e assim a

independência económica destes grupos seria reduzida.

g) Acesso a armas de pequeno calibre: as armas de fogo são ferramentas que

podem ser usadas para exercer domínio sobre um território, populações locais e recursos

ilícitos.

Existem algumas características semelhantes às histórias pessoais das crianças e

jovens dos membros de “gangs”, no âmbito do contexto familiar, educacional e

económico (Albuquerque, 2007).

O autor identifica as seguintes situações, no âmbito do contexto familiar:

a. Famílias monoparentais: residência com um só progenitor, nomeadamente a

mãe. Por vezes resultado de os pais estarem separados ou abandono da família por

parte dos pais ou terem sido mortos.

b. Violência doméstica e mau relacionamento familiar: ausência de boa

comunicação com os pais, fracas relações familiares e famílias desestruturadas, origina

que muitas crianças e jovens vivam mais durante a noite, dormindo o dia todo, acordando

pela tarde e vivendo à noite, que é a altura propícia ao encontro com outros jovens em

situações idênticas à deles, consumindo álcool e desenvolvendo actividades no seio de

“gangs”.

c. Casas sobrelotadas: crianças que vivem em casas demasiado pequenas para

suportarem o número de pessoas que lá residem, contribuindo para que passem mais

tempo na rua e assim, muitas das vezes, juntarem-se aos “gangs”.

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No âmbito do contexto educacional, as crianças que muitas vezes se juntam a

“gangs”, geralmente desistiram da escola antes ou após a adesão ao respectivo grupo,

muitas das vezes devido ao facto de as famílias não disporem de dinheiro suficiente para

pagarem as propinas ou mensalidades escolares, ou então pelo próprio desinteresse pela

escola, já que a criança não acreditava que a escola a conduzisse a um posto de

trabalho. Noutras situações, as crianças foram expulsas da escola por mau

comportamento, devido ao facto de já estarem inseridas em “gangs”.

No âmbito do contexto económico, muitas das vezes os pais estão

desempregados, trabalham durante muitas horas por dia e recebem salários muito

baixos. Por sua vez, as crianças começam a procurar uma vida melhor, diferente e mais

fácil, acabando por se integrarem num “gang”.

No entanto, nem todas as crianças e/ou adolescentes expostas ao risco se

integram em “gangs”, devido a certos factores de resistência (cit. Albuquerque, 2007), tais

como, a existência de uma pessoa de referência, ou seja, uma pessoa a quem se

poderiam dirigir no caso de estarem com problemas, mesmo em situações de famílias

desestruturadas ou de famílias monoparentais; estudar ou seguir um programa de

formação profissional; algumas crianças que não tinham entrado num “gang” e

experimentaram uma situação de desemprego, acabaram por conseguir encontrar

trabalho a tempo inteiro ou outra forma de emprego remunerado; todas as crianças que

foram alvo de algum tipo de violência, poderia tê-las conduzido a um “gang”, no entanto,

o desejo de se manterem vivas para tomarem conta de um membro mais jovem da

família, ou o simples facto de terem testemunhado um amigo ou um familiar a ser morto

pela polícia por ser membro de um “gang”, travou essa possibilidade de integração

nestes grupos.

Voltando a fazer referência a Albuquerque (2007), as causas que podem levar

uma criança a aderir a um “gang” são variadas. Muitas vezes a questão de baixa auto-

estima, o facto de não serem aceites pelos seus pares, as quebras das estruturas

familiares e comunitárias, tornam as crianças mais receptivas a este tipo de

recrutamento, que lhes confere um certo estatuto e assim melhorar a auto-estima e

conseguir a aceitação dos seus pares. Isto acontece muitas vezes em meios mais

pobres, no entanto, pode também ocorrer em meios com melhor situação económica,

mas em que as crianças se sentem alienadas dos seus amigos e familiares. As causas

identificadas são:

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Identidade: o sentimento que une os elementos dos “gangs” aos restantes

elementos do grupo é forte porque eles identificam uns com os outros, através de um tipo

de música, roupa ou cultura específica. A exibição em público, por estes elementos, pode

motivar a adesão junto de crianças e jovens que crescem em locais onde se sente uma

forte presença deste tipo de grupos.

Protecção: muitas das vezes os menores podem integrar-se num “gang” devido

a viverem na mesma zona, correndo o risco de ofensas à integridade física ou mesmo à

sua vida, pois por vezes podem estar nos locais considerados “errados” ou encontrarem-

se com membros de um grupo rival que não seja da sua área, levando-os por isso à

procura de segurança e de protecção, sendo uma das razões pela qual aderem a estes

grupos. Embora, na realidade o risco de estarem inseridos num “gang” seja maior, mas

noção de que serão protegidos constitui um incentivo para se juntarem ao grupo.

Vingança: é uma das outras razões pela qual os menores se integram nos

“gangs” e isto verifica-se porque alguns menores se querem vingar pelo facto de terem

perdido um membro familiar, mas muitas vezes como uma forma de vingança pela

maneira como a sua comunidade é tratada pela polícia.

Lucros financeiros: menores com fracos recursos, com dificuldade de acesso à

educação e necessitados de empregos decentes, procuram aderir a um “gang” com fim

de obter proveitos económicos. O aumento do tamanho do “gang” deve-se ao facto de

através do tráfico de droga, conseguirem grandes quantidades de dinheiro, e isto quer

por um aumento do número de jovens recrutados, quer pelo prolongamento do tempo de

permanência de cada jovem ao grupo, já que preferem contratar menores para fazerem o

trabalho ilícito dos “gangs” uma vez que o tratamento judicial para com os menores é

mais brando do que para os adultos, bem como a idade de imputabilidade criminal.

Segundo Born (2005), “os co-autores e cúmplices nem sempre constituem bandos

ou “gangs”, pois pode tratar-se de associações momentâneas de duas ou três pessoas

que não constituem um grupo propriamente dito. Entre os jovens, a formação de grupos é

mais frequente, pois responde a uma lógica da adolescência, de emparelhamento, que é

normal na construção da socialização e da identidade psicossocial”.

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Quando um grupo transforma-se em bando delinquente, poderá estar patente um

desenvolvimento de uma subcultura. Contudo, estas características subculturais podem

levar a um enfraquecimento se o grupo for aumentando demasiado, pois podem

subdividir-se em subgrupos de pares. Cada nível de proximidade pode desempenhar um

papel aditivo ou interactivo em relação à aprendizagem das normas convencionais ou

desviantes (Born, 2005).

Pode definir-se uma subcultura como uma configuração de condutas adquiridas,

que inclui normas, conhecimentos, modos de comportamento e valores e que se

transmite no interior de um grupo.

No caso de os bandos adoptarem comportamentos delinquentes, é porque no

interior deles existe uma subcultura na qual o acto de delinquência é tolerado ou mesmo

encorajado (Lautner, 1954; Shaw e McKay, 1969, todos cit. Born, 2005). Bairros

desorganizados podem apresentar o aparecimento de bandos delinquentes, verificando-

se que se desenvolvem subculturas não convencionais que concebem uma

suborganização social na qual a delinquência é aceite como uma conduta normal e as

características subculturais de organização de valores e de comportamentos

permanecem em toda a grande delinquência (Robert e Lascoumes, 1974, cit. Born,

2005).

Os delinquentes quando estão envolvidos numa mesma cultura e num mesmo

processo de socialização, tendem a enriquecer o seu reportório comportamental

culminando pela partilha de certas normas de conduta que são reforçadas pelos outros,

isto é, “o comportamento é aprendido e essa aprendizagem começa pela transmissão e

imitação de técnicas e de atitudes criminais num processo de comunicação com outras

pessoas” (Sutherland, 1940; Killias, 1991, todos cit. Born, 2005).

Foi elaborada uma tipologia das subculturas delinquentes segundo as

oportunidades e os meios utilizados (Cloward e Ohlin, 1960, cit. Born, 2005): “subcultura

do conflito e da violência enquanto expressão de necessidades de afirmação e de

aquisição nos grupos que têm fracas oportunidades; subcultura criminal que se organiza

para adquirir com eficácia os bens invejados; subcultura de retirada, na qual o uso de

drogas e a procura de prazer imediato sem grandes esforços são as principais

motivações”.

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Este tipologia permite descrever os principais tipos de bandos:

Bandos conflituais: caracterizam-se pela violência física; são constituídos por

um duro núcleo central, com uma dezena de indivíduos e por um núcleo periférico móvel,

cujos indivíduos não se integram em todas as actividades e têm um estatuto menos claro;

o líder é carismático; defendem um território e reconhecem-se entre si por um modo de

vestir característico; a integração no núcleo é geralmente de forma violenta e humilhante

para o interessado, que deve comprovar a sua força e a sua submissão ao chefe e aos

assistentes; a coesão do bando é primordial.

Bandos criminosos: as suas actividades são centradas no furto, com ou sem

violência, no comércio, no tráfico de objectos ou de droga; são constituídos por quatro ou

cinco elementos, apresentando uma coesão muito forte devido a uma necessidade de

protecção recíproca; a liderança é muito estruturada e a divisão do trabalho muito

precisa; a violência é um meio de defesa dos seus bens e a sua segurança; a

delinquência é a razão de ser do bando.

Bandos marginais: estrutura e coesão fracas, emergindo muitas vezes do

consumo comum de droga; as actividades estão centradas quer na droga quer no seu

comércio; a delinquência não é sistemática e é utilizada com fins de aprovisionamento;

funcionam como grupos móveis, sem líderes indiscutíveis e estão à margem da

sociedade.

Alguns estudos que referem que as ligações entre a delinquência na adolescência

e a associação com pares delinquentes são muito fortes, pois proporcionam aos

adolescentes reforços sociais muito poderosos pela sua aprovação das condutas

desviantes (Jessor e Jessor, 1977; Born, 1983; Elliott, Huizinga e Ageton, 1985, todos cit.

Born, 2005).

Quando um menor é portador de variados factores de risco, tais como ser

proveniente de um bairro com alta taxa de delinquência, de uma família que apresenta

normas desviantes ou dificuldades de supervisão, se for impulsivo, agressivo e em

ruptura da ligação social, a probabilidade de se relacionar com pares delinquentes é

muito maior (Born, 2005).

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Estudo realizado por Patterson e Dishion (1985), constatou a existência de

correlação entre a realização de condutas delinquentes e a presença de delinquentes

entre os pares. Os pares delinquentes procuram um ambiente social propício para

fomentar a delinquência. Para estes jovens é muito importante a sua aceitação pelos

pares, possuírem um estatuto no seio grupo e até mesmo só a simples aprovação da sua

presença no grupo.

1.4.4. A Importância da Escola no Desenvolvimento de Conduta

Delinquente

Em relação à importância da escola na evolução deste tipo de conduta, importa

referir que este é o local onde se formam maioritariamente grupos etários homogéneos,

onde procuram partilhar representações e interesses comuns que constituem a chamada

subcultura juvenil. As associações grupais juvenis funcionam como uma alternativa às

relações que são proporcionadas pela família. A importância do lazer na vida dos jovens,

como espaço compensador ou mesmo alternativo à constituição e desenvolvimento da

própria identidade, pode ao mesmo tempo desautorizar as orientações escolares mais

convencionais e, por conseguinte, diminuir a influência e o controlo que a própria escola

pode exercer (Ferreira, 1997).

A relação entre a escola e a delinquência analisada pela perspectiva do controlo

social, que considera que os níveis baixos de desempenho escolar e de competência

académica criam um afastamento em relação à escola, que precipita a rejeição da

autoridade escolar e faz aumentar as possibilidades do comportamento delinquente. Essa

renúncia à autoridade escolar parece constituir um elemento fundamental para a

participação nos grupos de idade cujo estilo de vida, pelo menos em termos escolares, se

organiza em volta de uma subcultura de rejeição ou de oposição escolar. A perspectiva

do controlo sublinha os factores que accionam a conformidade (Hawkins e Lishner, 1987,

cit. Ferreira, 1997). Este aspecto evidencia a força da relação aos professores e à escola,

assim como o grau de envolvimento com os objectivos educacionais, como dois

elementos fundamentais para se garantir a conformidade. Quanto mais positivas as

atitudes face à relação com a escola e com os professores, a participação em actividades

escolares e o empenho no seguimento dos objectivos educacionais, mais negativas são

as correlações com as práticas delinquentes e o envolvimento nesse tipo de condutas.

Existem outros indicadores que também se correlacionam negativamente com a

delinquência como o tempo gasto nos trabalhos de casa e a percepção da importância da

carreira académica. Os alunos que apresentam mais dificuldade de adaptação à escola e

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que dificilmente participam nas actividades escolares acabam por apresentar mais

problemas disciplinares.

De facto, Cernkovich e Giordano (1992), citado por Seydlitz e Jenkins (1998),

defendem que o factor escola é tão importante como os factores amigos e família. Esta

literatura demonstra que o empenho escolar e esforço reduzem significativamente a

probabilidade de existir delinquência. No entanto, as evidências mostram que a escola

contribui para esta ao “etiquetar” alguns alunos como mais importantes que outros no seu

sistema de ensino. Para além disto, as escolas favorecem as condições necessárias ao

aparecimento de tais actos ao “empurrar” os alunos para fora da escola, incluindo

práticas de pobre disciplinariedade. Tal como estas práticas são usuais no seio familiar.

Também os superiores escolares as utilizam na escola. De facto, Agnew (1992) acredita

que a delinquência é o resultado de uma relação negativa entre comunidade, família e

figuras autoritárias na escola. Kelly e Pink (1982), citado por Seydlitz et al. (1998),

concluem num dos seus artigos sobre “crime escolar” que deve ser efectuada uma

investigação estruturante sobre as causas do aparecimento do comportamento

delinquente.

1.4.5. O Uso de Estupefacientes na Delinquência Juvenil

O problema dos consumos de drogas pelos mais jovens deverá ser analisado do

ponto de vista global, já que não podemos encontrar as razões para o aumento do uso de

drogas na adolescência em apenas um factor, mas sim num conjunto de possíveis

agressões (Leukefeld, Logan, Clayton, Martin, Zimmerman, Cattarello, Milich, Lynam,

1998).

Começando por abordar a questão individual e as variáveis da personalidade de

um adolescente, podemos afirmar que a conduta desordeira e uma personalidade anti-

social estão relacionadas com o abuso de drogas na generalidade da população. A

questão de problemas na infância e a baixa auto-estima são exemplos de variáveis de

personalidade que aumentam o risco de um jovem experimentar drogas. Um outro bom

exemplo é a questão das experimentações de novas sensações, fruto da adolescência,

que leva os jovens a tentar novas dimensões do ambíguo e desconhecido (Leukefeld et

al., 1998).

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60

A literatura sugere que existe uma relação entre o uso de drogas nos

adolescentes e determinadas características familiares específicas. Existem duas

características familiares que são muito importantes para esta questão: o uso de drogas

na família e a atmosfera familiar.

O uso de drogas numa família pode levar ao consumo do adolescente, assim

como os hábitos familiares e suas atitudes perante o fenómeno, que poderão influenciar a

escolha do jovem (Blum, 1972; Adler e Lotecka, 1973; Tec, 1974; Craig e Brown, 1975;

Tolone e Dermott, 1975; Beardslee, Son e Vaillant, 1986; Needle et al., 1986; Denton e

Kampfe, 1994, todos cit. Leukefeld et al., 1998).

A atmosfera familiar tem influência na medida das interacções e da própria

composição familiar. O conflito no seio de um agregado e os lares destruídos são um

fenómeno crescente e que aumentam a potencialidade do uso de drogas num jovem.

Mas também uma fraca comunicação, inconsistência, limites mal delineados e

expectativas irrealistas (Denton e Kampfe, 1994, cit. Leukefeld et al., 1998), sugerem que

o uso de drogas poderá sair reforçado face a tais características.

Outra variável responsável por este fenómeno está associado à rejeição dos

adolescentes num determinado grupo com o qual se identificam e querem ser parte

integrante.

Bauman e Ennett (1994) referem que a influência do grupo se revela com a

disponibilidade de consumo de drogas num grupo de amigos. Também consideram a

selecção e formação dos constituintes do grupo como factores importantes no consumo

de drogas.

O falhanço escolar está ligado ao abuso de drogas na adolescência (Jesson,

1976; Robins, 1980; Smith e Fogg, 1978, todos cit. Leukefeld et al., 1998). A boa

performance escolar reduz o abuso das mesmas (Hundleby e Mercer, 1987, cit.

Leukefeld et al., 1998). Crianças que gostam da escola e dos trabalhos de casa têm

menos propensão a tomar contacto com drogas (Kelly e Balch, 1971, cit. Leukefeld et al.,

1998).

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Os níveis de delinquência e criminalidade tendem a estar bem delimitadas

geograficamente. Por exemplo, as áreas maiores são, normalmente, mais violentas do

que outras de menor dimensão (Fischer, 1975, cit. Leukefeld et al., 1998). O abuso de

álcool e outras drogas tem de ser vista no contexto sócio-económico em que os

adolescentes vivem. O uso de álcool e drogas está ligado à vizinhança, sua

desorganização e problemas económicos (Wilson, 1987, cit. Leukefeld et al., 1998).

Do ponto de vista biológico, tem sido estudado a testosterona – principal hormona

masculina – e estrogénio – principal hormona feminina, como relação causal para o uso

de drogas e consumo de álcool. Comprovou-se a correlação no consumo destes dois

componentes.

Os investigadores descobriram um novo gene – D4 dopamina (Bower, 1996, cit.

Leukefeld et al., 1998), como responsável pela sensação de novas descobertas e novos

prazeres.

Apesar de os maiores factores relacionados com o uso/abuso de drogas e

delinquência estarem identificados, não existe um modelo teórico que os una. Lattieri,

Sayers e Pearson (1980, cit. Leukefeld et al., 1998), identificaram quarenta e três teorias

diferentes para o uso de drogas e Petraitis, Flay e Miller (1995, cit. Leukefeld et al., 1998),

identificaram catorze multivariáveis teorias para o consumo de drogas. Todos estes

estudos são importantes para compreender o desenvolvimento biológico, psicológico e

sociológico para melhor compreender as interacções entre as variáveis e medi-las

correctamente.

É importante compreender as causas e efeitos das múltiplas variáveis para depois

utilizar correctamente em programas de prevenção e intervenção. Mas novos estudos

terão de ser realizados para perceber as interacções escola-família-vizinhança-factores

pessoais com o objectivo de efectivar e obter maior eficiência nos programas a

implementar (Gordon, 1983, cit. Leukefeld et al., 1998).

O “timing” da intervenção será outro factor importante a ter em conta já que os

jovens intervencionados com maior brevidade obterão melhores resultados do que os

outros (McLellar, Luborsky, O´Brien, Woody e Druley, 1982, cit. Leukefeld et al., 1998).

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62

Finalmente, será importante colocar de lado a ideia de tratar os abusadores de

droga de uma forma global e começar a olhar para as necessidades das intervenções se

centrarem nas necessidades individuais de cada indivíduo.

1.4.6. A Importância da Comunidade no Desenvolvimento da

Delinquência

O uso do conceito comunidade para explicar o comportamento delinquente pode

ter diversas interpretações. Esta é usada, por vezes, para referir “vizinhança” e as suas

composições características. A vizinhança que experimenta mudanças composicionais,

também altera os comportamentos delinquentes (Bursik e Webb, 1982, cit. Seydlitz et al.,

1998). Este termo também pode significar o estrato social de uma pessoa na

comunidade.

Bursik e Grasmick (1993), citado por Seydlitz et al. (1998), centram o problema

do crime e delinquência nos aspectos da vizinhança e não individualmente. Examinaram

o grau privado de controlo social, o grau paroquial e o grau público de controlo social na

vizinhança. A delinquência ocorre nos centros onde um ou mais de três graus são pobres

na escala de controlo social.

A pobreza e o racismo são também importantes para compreender como a

delinquência provém dos grupos de vizinhança. Massey (1990, cit. Seydlitz et al., 1998)

refere que uma combinação de pobreza e racismo é uma definição clássica de baixa

classe social. Blackwell (1991, cit. Seydlitz et al., 1998) sugere que as desigualdades

étnicas são um forte predicado para os altos números de homicídio. O efeito nos

adolescentes em viverem em bairros onde ocorrem estes fenómenos é uma importante

variável para compreender a delinquência juvenil.

Weis e Sederstrom (1981, cit. Seydlitz et al., 1998) abordam a problemática do

emprego. Eles advogam um serviço vocacional operado a partir da escola, assim como

um programa para “juniores” e “seniores” interessados em possuir um treino vocacional

baseado em experiências laborais. Também referem que urge criar uma “escola-

emprego” capaz de ter uma ligação entre o presente escola e o futuro emprego. Afirmam

que aqui devem centrar as atenções naqueles alunos que deixaram a escola.

A posição pessoal de um indivíduo na comunidade/sociedade é também

importante para compreender as variáveis da delinquência.

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Uma das interpretações factuais permite-nos identificar que a delinquência ocorre

maioritariamente entre o género masculino e não no feminino, dependendo, no entanto,

da classe social (Hagan, Gillis e Simpson, 1985).

A posição sócio-económica está intimamente relacionada com este problema. A

maior parte dos investigadores aceita que os adolescentes das classes mais

desfavorecidas estão mais receptivos à delinquência.

As questões étnicas também são diagnosticadas. Os mais variados estudos

afirmam que as comunidades afro-americanas cometem mais crimes do que os brancos

e que os níveis de delinquência são maiores nas áreas onde existe um maior aglomerado

étnico e uma maior concentração de pobreza.

Uma outra questão amplamente debatida quando debatemos a delinquência é a

questão da idade. A conclusão de vários autores é a de que existe um incremento aos

actos delinquentes a partir dos 13 anos de idade, alcançando o maior pico entre os 16-18

anos. A partir daí dá-se um declínio (Steffensmeier e Streifel, 1991; Warr, 1993;

Thornberry et al., 1995, todos cit. Seydlitz et al., 1998).

No entanto, o grau de ofensas varia consoante a idade. Neste momento,

verificamos que a maior parte dos crimes de rua são cometidos por crianças cada vez

mais novas.

Thornberry (1987, cit. Seydlitz et al., 1998) acredita que a aceitação de certas

actividades sociais assim como os ideais de casamento, fazem diminuir os actos

delinquentes. Refere-se também à ajuda a que a escola poderá ter no combate a tal

fenómeno.

Urge proteger e estimular as crianças desde cedo, dar-lhes as ferramentas

necessárias para que se desviem de comportamentos que possam levar à prática de

fenómenos de delinquência.

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1.5. Neuropsicologia e o Comportamento Delinquente

A Neuropsicologia é uma área abrangente e também muito importante para

compreender certas alterações a nível comportamental.

Alguns estudos (Walsh e Beyer, 1986; Vermeiren, Clippele, Schwab-Stone,

Ruchkin e Deboutte, 2002; entre outros) apresentam uma relação entre alterações a nível

neuropsicológico e o comportamento delinquente.

1.5.1. Perturbação do Comportamento

O conceito de Perturbação do Comportamento tem como objectivo caracterizar

um tipo de comportamento anti-social que é clinicamente significativo já que é

considerado como algo que está fora dos padrões considerados normais do

funcionamento do indivíduo (Kazdin, 1987, cit. Negreiros, 2001).

As principais características de um indivíduo com Perturbação do Comportamento

englobam uma fraca empatia, insensibilidade para com os sentimentos, desejos e bem-

estar dos outros, ausência de sentimentos de culpa ou mesmo de remorso, tornando-se

muito difícil de avaliar se é sincero, dado que estes indivíduos sabem que se admitirem a

culpa o castigo pode ser reduzido ou anulado, além disto, possuem também uma auto-

estima baixa, embora não aparentem essa fragilidade, têm uma baixa tolerância à

frustração, irritabilidade, temperamento explosivo e são imprudentes. Muitas das vezes

os indivíduos considerados mais agressivos e com esta perturbação têm uma percepção

errada das intenções dos outros, interpretando-as como mais adversas e ameaçadoras

do que são na verdade, respondendo de forma agressiva (American Psychiatric

Association, 2002).

A esta perturbação estão frequentemente associadas o comportamento sexual

precoce, o consumo de álcool e de estupefacientes, e actos imprudentes e arriscados. O

consumo de estupefacientes pode aumentar o risco de persistência da Perturbação do

Comportamento. A nível comportamental esta perturbação pode levar a problemas de

suspensão ou expulsão da escola, problemas de adaptação ao trabalho, conflitos legais,

doenças sexualmente transmitidas, gravidez não desejada e danos físicos por acidentes

ou lutas. Estes problemas conduzem a uma dificuldade na permanência de escolas

normais, e a própria convivência em casa dos pais ou no lar adoptivo (American

Psychiatric Association, 2002).

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O nível de inteligência é frequentemente classificado como inferior à média,

situando-se abaixo do nível esperado para a idade e inteligência do indivíduo,

principalmente em relação ao QIV, podendo justificar-se um diagnóstico adicional de

Perturbação da Aprendizagem ou da Comunicação. A ADHD (Perturbação de

Hiperactividade com Défice de Atenção) é frequente nas crianças com Perturbação do

Comportamento. Podem também ser associadas a esta perturbação as Perturbações da

Ansiedade, Perturbações do Humor e Perturbações pela Utilização de Substâncias

(American Psychiatric Association, 2002).

Alguns factores, como o abandono e negligência dos pais, temperamento infantil

difícil, práticas educativas rígidas, falta de supervisão, abusos sexuais ou físicos,

institucionalização precoce, instabilidade a nível de mudanças constantes de pessoas

que tomam conta de crianças, famílias numerosas, história de tabagismo materno

durante a gravidez, relacionamento com grupos delinquentes, viver em bairros

considerados violentos e antecedentes psicopatológicos familiares (por exemplo,

Perturbação Anti-Social da Personalidade, Dependência ou Abuso de Substâncias),

podem contribuir para o desenvolvimento de perturbações comportamentais. Esta

perturbação também parece ser mais frequente em crianças de pais biológicos com

Dependência do Álcool, Perturbação do Humor ou Esquizofrenia ou pais biológicos que

têm uma história de ADHD ou Perturbações do Comportamento (American Psychiatric

Association, 2002).

O diagnóstico de Perturbação do Comportamento só deve aplicar-se quando este

tipo de comportamento for sintomático de uma disfunção subjacente ao indivíduo e não

apenas uma reacção a um contexto social imediato.

Os sintomas evoluem conforme a idade em que os comportamentos de menor

gravidade (por exemplo, mentir, furtos nas lojas, lutas físicas) surgem numa primeira

fase, enquanto outros comportamentos (por exemplo, roubos por assalto) vão surgindo

progressivamente até iniciarem os problemas de comportamento mais graves (por

exemplo, violação, roubo enfrentando a vítima).

Os sintomas significativos observam-se no período entre o meio da infância e o

meio da adolescência, podendo, no entanto, ocorrerem alguns sinais na idade pré-

escolar. Muitos destes indivíduos apresentam uma Perturbação de Oposição que é

considerado como prenúncio comum da Perturbação do Comportamento Tipo Início na

Segunda Infância. Na maioria dos indivíduos, a perturbação diminui na idade adulta

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conforme indicam os estudos de Moffitt (1993) sobre os tipos de delinquência

referenciados anteriormente. Muitos indivíduos, quer os de Tipo Início na Adolescência,

quer aqueles que apresentam sintomas mais ligeiros, conseguem adaptar-se socialmente

na idade adulta. No entanto, o início precoce prevê um mau prognóstico e o risco de

sofrer na vida adulta uma Perturbação Anti-Social da Personalidade e Perturbações pela

Utilização de Substâncias é maior (American Psychiatric Association, 2002; Figura 2).

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Fig. 2 Critérios de Diagnóstico para Perturbação do Comportamento

A. Um comportamento repetitivo e persistente, em que são violados os direitos básicos dos outros ou importantes

regras ou normas sociais próprias da idade, manifestando-se pela presença de 3 ou mais dos seguintes

critérios, durante os últimos 12 meses, e pelo menos, de um critério durante os últimos 6 meses:

Agressão a pessoas ou animais:

1) com frequência insulta, ameaça, ou intimida as outras pessoas;

2) com frequência inicia lutas físicas;

3) utilizou uma arma que pode causar graves prejuízos físicos aos outros (por exemplo, pau, tijolo, garrafa

partida, faca, arma de fogo);

4) manifestou crueldade física para com as pessoas;

5) manifestou crueldade física para com os animais;

6) roubou confrontando-se com a vítima (por exemplo, roubo por esticão, extorsão, roubo à mão armada);

7) forçou alguém a uma actividade sexual.

Destruição da propriedade:

8) lançou deliberadamente fogo com intenção de causar prejuízos graves;

9) destruiu deliberadamente a propriedade alheia (por meios diferentes do incêndio).

Falsificação ou roubo:

10) arrombou a casa, a propriedade ou o automóvel de outra pessoa;

11) mente com frequência para obter ganhos ou favores para evitar obrigações (por exemplo, «vigariza» os

outros);

12) rouba objectos de certo valor sem confrontação com a vítima (por exemplo, roubo em lojas sem

arrombamento, falsificações).

Violação grave das regras:

13) com frequência permanece fora de casa de noite apesar da proibição dos pais, iniciando este

comportamento antes dos 13 anos de idade;

14) fuga de casa durante a noite, pelo menos duas vezes, enquanto vive em casa dos pais ou em lugar

substituto da casa paterna (ou só uma vez, mas durante um período prolongado);

15) faltas frequentes à escola, com início antes dos 13 anos.

B. A Perturbação do Comportamento causa um défice clinicamente significativo no funcionamento social, escolar

ou laboral.

C. Se o sujeito tem 18 anos ou mais, não reúne os critérios de Perturbação da Personalidade.

Especificar o tipo em função da idade de início:

Tipo Início na Segunda Infância: antes dos 10 anos, início de pelo menos uma das características do critério

de Perturbação do Comportamento.

Tipo com Início na Adolescência: antes dos 10 anos ausência de qualquer critério característico de

Perturbação do Comportamento.

Início Não Especificado: a idade de início é desconhecida.

Fonte: DSM-IV-TR (2002)

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1.5.2. Aspectos Neuropsicológicos na Delinquência

Neuropsicologia é a “ciência que estuda as manifestações comportamentais que

têm origem em disfunções cerebrais” (Lezak, 1995, cit. Wechsler, 2003) e “as alterações

cognitivas e emocionais, assim como os transtornos da personalidade provocadas por

lesões cerebrais, que é o órgão do pensamento e, por tanto, o centro da consciência”

(Gil, 2001).

Através dos resultados de algumas investigações realizadas nas áreas das

dificuldades de aprendizagem e dos défices cognitivos, constatou-se que os testes

neuropsicológicos fornecem informações relevantes para o diagnóstico e intervenção

nestas áreas (Hynd e Obrzut, 1981; Rourke, Fisk e Strang, 1986, todos cit. Wechsler,

2003).

A interpretação dos resultados obtidos nos testes deve ter em conta aspectos

como a motivação, atenção, capacidade para recordar regras complexas necessárias a

um bom desempenho, linguagem usada na administração das provas e o contexto

cultural do indivíduo.

As escalas de Wechsler têm sido muito úteis neste campo, embora não tenham

sido construídas com este propósito.

Os testes padronizados obtidos por subteste e o QI obtido, quando se associam a

outras medidas neuropsicológicas específicas, fornecem informações bastante relevantes

para um diagnóstico neuropsicológico (Kaplan, 1988, cit. Wechsler, 2003).

Um estudo desenvolvido por Kandel, Mednick, Kirkegaard-Sorensen, Hutchings,

Knop, Rosenberg e Schulsinger (1988, cit. White, Moffitt e Silva, 1989), demonstra que

um elevado QI pode ter um efeito protector em indivíduos de alto risco no que diz respeito

à delinquência juvenil.

De acordo com este estudo, os indivíduos que se encontravam em grupos de alto

risco relativamente à delinquência juvenil e que se tornaram efectivamente delinquentes,

tinham um QI mais baixo do que aqueles que embora estivessem inseridos nesse mesmo

grupo não se tornaram delinquentes.

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Outro factor que pode ser tido em conta para fazer uma previsão acerca das

crianças que mais tarde se poderão vir a tornar delinquentes juvenis, são os problemas

comportamentais anti-sociais desenvolvidos por essas mesmas crianças precocemente

na sua infância.

Ainda inserido na temática dos comportamentos anti-sociais, um outro estudo

realizado por Walsh e Beyer (1986), refere que o QIR e o QIV apresentam diferenças

significativas, ou seja, a performance verbal é inferior à de realização. Devido a estas

discrepâncias, os jovens que as possuem tornam-se delinquentes numa fase bastante

precoce.

Também um estudo desenvolvido por Vermeiren, Clippele, Schwab-Stone,

Ruchkin e Deboutte (2002) vai de encontro a estas conclusões acerca da performance

verbal e de realização.

Segundo estes autores, um défice de QI está directamente ligado à delinquência

juvenil. De acordo com Moffitt (1990, cit. Vermeiren et al., 2002) isto acontece apesar do

controlo do estatuto sócio-económico, do grau académico, raça, motivação durante o

teste e de detenção por parte da polícia. Este elaborou algumas teorias para explicar esta

relação entre o défice verbal e os distúrbios de conduta apresentados por estes jovens. A

primeira conclusão a que chegou foi que o défice verbal podia influenciar negativamente

o desenvolvimento de estratégias de auto-controlo fazendo com que estas crianças

tivessem padrões de comportamentos mais impulsivos. Esta baixa inteligência pode

também afectar negativamente a capacidade das crianças aprenderem e generalizarem o

tipo de comportamento que será mais aceitável dentro da sociedade, podendo mesmo

limitar o leque de respostas das crianças a situações ameaçadoras ou de ambiguidade

social, tornando as reacções agressivas mais comuns. Finalmente, uma criança com

baixa inteligência estará susceptível a interagir positivamente menos vezes com os pais e

a alcançar o sucesso escolar, sendo muitas vezes alvo de castigos físicos com mais

frequência.

Associados a esta baixa inteligência estão então os problemas de aprendizagem e

os distúrbios comportamentais, como confirmam os estudos que se referem a este tópico

e que em parte demonstram estes distúrbios como sendo não só causa mas também

efeito (Howlin e Rutter, 1987; Frick et al., 1991; Hinshaw, 1992; Maughan, Pickles, Hagell,

Rutter e Yule, 1996, todos cit. Vermeiren et al., 2002).

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Deste modo, o abuso de estupefacientes e a delinquência juvenil têm alguns

pontos em comum; a influência de um modelo parental negativo (abuso de drogas ou

álcool) ou um modelo parental com uma personalidade anti-social (agressividade e

comportamentos desordeiros) são duas hipóteses que podem ser adoptadas pelos

adolescentes e que têm como consequência directa estes mesmos distúrbios

comportamentais. No entanto, permanece ainda por responder uma questão: até que

ponto a dependência de drogas destes delinquentes adolescentes interfere com as

funções neuropsicológicas?

De acordo com estudos realizados neste campo por Teichner, Donohue, Crum,

Azrin e Golden (2000), sobre a relação entre o funcionamento neuropsicológico e o abuso

de estupefacientes em adolescentes com distúrbios comportamentais e com historial de

abuso destas substâncias, não foram encontrados dados conclusivos relativamente ao

uso de Cannabis, drogas duras ou abuso de álcool. Sendo assim, seria de esperar que

adolescentes que enveredem pelo caminho da delinquência precocemente mostrassem

níveis baixos de QI particularmente em testes verbais e défices de auto-controlo ao

contrário de outros adolescentes que não estando sujeitos a estas variáveis, não

apresentam estes défices neuropsicológicos.

Outro aspecto neuropsicológico importante para este estudo é a flexibilidade

mental que consiste na capacidade de adaptar as suas escolhas às ocorrências.

O conceito de funções executivas teve origem na psicologia cognitiva, que foi

posteriormente enriquecido com dados da neuropsicologia, principalmente com aqueles

que estão relacionados com o funcionamento pré-frontal (Lussier, Guérin e Lassonde,

1998, cit. Iria e Barbosa, 2008).

A terminologia utilizada por Luria, “higher cortical function in man”, juntamente

com os contributos de Lezak (1976) e Fuster (1986), citados por Iria e Barbosa (2008),

unificou-se no conceito de funções executivas.

Segundo Lezak (1983), citado por Braun (2000), as funções executivas podem ser

caracterizadas em quatro componentes: a formulação voluntária de objectivos; a

planificação; a execução de planos intencionais e dirigidos, isto é, a execução auto-

regulada de planos orientados para objectivos; e uma performance eficazmente

executada. No entanto, há um provável quinto componente (Luria, 1973, cit. Braun,

2000): a verificação, correcção e inflexão das acções.

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Para os autores Welsh, Pennigton e Groise, 1991, citados por Lussier et al., 1998,

“as funções executivas dizem respeito ao conjunto de competências necessárias para

perseguir um objectivo e atingir a sua realização, englobando, entre outras, a capacidade

de planificação, a aplicação de estratégias flexíveis, o controlo da impulsividade, a auto-

correcção, a organização e/ou sistematização da procura”. Estes componentes são

imprescindíveis para travar a produção de respostas desadequadas em determinada

situação, para coordenar a realização simultânea de duas ou mais tarefas, e para

detectar e corrigir os erros.

Um teste que permite avaliar o funcionamento das funções executivas é o Teste

de Classificação de Cartas de Wisconsin (Heaton, Chelune, Talley, Kay e Curtiss, 2001)

que consistem em colocar quatro cartas na frente do sujeito com um número de

elementos (de 1 a 4), cores (vermelho, verde, amarelo e azul) e formas (triângulo, estrela,

cruz e círculo) diferentes para o sujeito classificar as cartas de acordo com um critério de

sua escolha. O indivíduo deve emparelhar as cartas durante seis tentativas consecutivas,

para os elementos apresentados e sem grandes esclarecimentos, deve apenas basear-

se no feedback do examinador para mudar o elemento que está a emparelhar. Após a

conclusão do teste calcula-se o número de categorias escolhidas, o número de erros e o

número de erros perseverativos, ou seja, os erros correspondentes à resposta

imediatamente anterior, embora se tenha informado o indivíduo de que estava errado,

neste tipo de situação pacientes com lesões frontais (sobretudo dorsolaterais direita ou

esquerda) cometem mais erros perseverativos do que indivíduos normais ou sem lesões

frontais.

Estudos desenvolvidos por Benson (1991), Heilman, Voeller e Nadeau (1991) e

Mattes (1980), todos citados por Heaton et al. (2001), permitiram verificar a semelhança

entre as condutas de abandono de inibição que apareciam em pacientes que haviam

sofrido dano em áreas do lobo frontal e os sintomas de inatenção, impulsividade e

hiperactividade, que aparecem em crianças e adolescentes com transtornos por défice de

atenção e transtornos por défice de atenção com hiperactividade.

Outra investigação levada a cabo por Barkley, Grodzinsky e DuPaul (1992), citado

por Heaton et al. (2001), comprovaram que as crianças com transtornos por défices de

atenção com hiperactividade haviam completado menos categorias e deram mais

respostas perseverativas e erros perseverativos.

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A resolução dos problemas necessita da activação de processos organizados pelo

lobo frontal. Todos os problemas necessitam “do interesse do indivíduo e de concentrar a

sua atenção, da análise dos dados do problema, do estabelecimento de uma estratégia

ou programa, execução controlada do programa, apoiado pela memória prospectiva,

avaliação dos resultados, ou seja, comparação dos resultados obtidos e dos dados

iniciais, em termos de aceitação e credibilidade” (Gil, 2001).

Existem várias concepções do funcionamento executivo (Callahan, 2001),

expondo nos diversos modelos que descrevem as funções executivas:

O modelo de Sohlberg e Mateer (1989) propõe a antecipação, a selecção do

objectivo, o planeamento, o início da actividade, a auto-regulação/monitorização e uso do

feedback.

O modelo de Lezak (1995) sugere um elemento volitivo (auto-consciência e

estado motivacional), o planeamento (concepção da mudança e das alternativas,

realização de escolhas, desenvolvimento de um plano de forma objectiva e focalizada), a

acção intencional (incluindo produtividade e auto-regulação) e a performance efectiva

(autocontrolo da qualidade da acção).

O modelo de Holland, Hogg e Farmer (1997) aponta a velocidade de

processamento, a sequenciação, a flexibilidade, a geração das ideias e análise das

tarefas, o planeamento e organização, a iniciação, a avaliação das estratégias, a atenção

aos detalhes, a auto-consciência e a gestão do tempo.

O modelo de Callahan (2000) recomenda a iniciação, a conclusão e a auto-

regulação.

O funcionamento executivo controla os processos mentais como a memória e a

atenção, utilizando-os na resposta à mudança, sempre que é fundamental a adaptação

do comportamento a novas exigências ambientais.

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Normalmente os estudos neuropsicológicos desenvolvidos sobre a temática de

comportamentos anti-sociais focam principalmente as funções executivas e verbais, não

fazendo grande referência às funções de memória (Moffitt, 1990; Raine, 1993; Henry e

Moffitt, 1997; Fishbein, 2000; Nigg e Huang-Pollock, 2002; Ishikawa e Raine, 2002, todos

cit. por Raine et al. 2005).

Embora haja indícios que psicopatas possuam memórias superiores, alguns

estudos recentes demonstram a existência de danos ao nível da memória em grupos

violentos e anti-sociais (Brickman, McManus, Grapentine e Alessi, 1984; R. A. Cohen,

Rosenbaum, Kane, Warnken e Benjamim, 1999; Moffitt e Caspi, 2001; Sigurdsson,

Gudjonsson e Peersen, 2001; Teichner, Golden, Van Hasselt e Peterson, 2001; Dolan e

Park, 2002; Seguin, Arsenault, Boulerice, Harden e Tremblay, 2002; Vermeiren, De

Clippele, Schwab-Stone, Ruchkin e Deboutte, 2002, todos cit. por Raine, Moffitt, Caspi,

Loeber, Stouthamer-Loeber e Lynam, 2005).

Sendo assim, no que diz respeito à Memória a Curto Prazo, esta funciona como

um sistema de capacidade limitada capaz não só de armazenar, mas também de

manipular as informações, permitindo o desempenho de tarefas cognitivas como o

raciocínio, a compreensão e a resolução de problemas, através da manutenção e

disponibilidade temporal das informações, funcionando assim como uma "memória

tampão" que permite a locação de recursos atencionais controlados por um sistema de

controlo de atenção chamado "executivo central" (análogo ao sistema de supervisão da

atenção, relacionado com o lobo frontal e descrito por Shallice, 1988, cit. Gil, 2001), que

coordena os sistemas chamados auxiliares ou subservientes, dos quais, os mais

estudados são o laço articulatório e a agenda visuo-espacial.

Segundo Shallice (1988, cit. Gil, 2001), o lobo frontal controla um sistema

atencional de supervisão que modula o nível de activação dos esquemas de acção

competitivos seleccionados por um plano de gestão, evitando assim a distractibilidade,

inibindo esquemas parasitas e a perseverança, inibindo também esquemas dominantes e

assim permitir a flexibilidade da mente.

Segundo o autor, Gil (2001), as funções visuo-espaciais são sustentadas pela

percepção visual ou pela imagem mental. O seu funcionamento análogo ao do laço

fonológico ou articulatório permite manter temporariamente informações visuais (relativas

ao reconhecimento, ou seja, o "quê") e informações espaciais (que dizem respeito à

localização, ou seja, o "onde").

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

74

Em relação aos défices das actividades perceptivo-visuais, outro aspecto

neuropsicológico de interesse para este estudo é o movimento dos olhos que regista a

identificação de imagens feita a partir de alguns detalhes que são fixados

compulsivamente, o que pode explicar alguns erros de identificação, tratando-se de uma

incapacidade para estabelecer uma estratégia comportamental (Gil, 2001). A reprodução

de Memória da Figura Complexa de Rey (Rey, 1988) mostra uma simplificação com

repetição estereotipada dos detalhes. No entanto, ao apresentar sucessivamente ao

indivíduo os diferentes detalhes da figura o seu desempenho melhora, demonstrando que

se trata de um défice de programação e deste modo, o examinador, ao indicar as etapas

da tarefa, converte-se de certo modo, no «lobo frontal do paciente».

Indivíduos com lesões frontais apresentam um maior índice de distractibilidade e

os estímulos externos do contexto afectam as tarefas (“efeito de campo”, chamado por

Luria) confirmando as dificuldades atencionais destes indivíduos. A atenção supõe, por

sua vez, uma orientação-concentração mental para uma tarefa e inibição de actividades

concorrentes.

Estes indivíduos alteram espontaneamente o tipo de estímulo e recaem neste

comportamento, uma vez que respondem em função da impressão inicial provocado pela

visão de figuras e não de acordo com a regra que foi adoptada. A sensibilidade às

interferências avalia-se selectivamente pelo processo de Stroop, o mais conhecido é o

teste de Palavra-Cor (Golden, 2007), que consiste, em primeiro lugar, ler as palavras

escritas em preto para as três cores, de seguida, ler cruzes com as três cores e,

finalmente, o nome da cor da tinta com as palavras, sabendo que esta cor não

corresponde à palavra escrita, o que prevê a existência de interferência entre a leitura da

palavra e do nome da cor que faz aumentar, no sujeito normal, o tempo da designação da

cor da tinta das palavras “conflito” (como a palavra azul escrita em vermelho), a

interferência pode ser medida quer pelo tempo de reacção quer por comparação do

número de itens referidos em cada uma das três partes da prova. No indivíduo com

alteração frontal, a interferência é muito maior do que em indivíduos normais.

Nesta última categoria, é necessário focalizar uma componente de estímulos (cor

das letras) enquanto as outras são ignoradas (cor que a palavra significa). Quando a

tarefa-irrelevante (componente ignorada) entra em conflito com a dimensão a que se

presta atenção, os participantes saudáveis demonstram um certo efeito de interferência.

Este efeito de interferência indica que, nas populações saudáveis, focar a atenção

selectivamente numa dimensão não previne completamente o processamento da

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

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dimensão ignorada. No entanto, uma interferência exacerbada indica défice de atenção

selectiva, como se reflecte no excessivo processamento da tarefa-irrelevante. Desta

forma este teste providencia medidas privilegiadas para avaliar a influência automática de

informação a negligenciar (MacLeod, 1992, cit. Hiatt, Schmitt e Newman, 2004).

Um estudo com pacientes com lesões frontais propôs que a resolução da

interferência tem uma localização pré-frontal e lateralizada no hemisfério esquerdo

(Perret, 1974, cit. Adleman, Menon, Blassey, White, Warsofsky, Glover e Reiss, 2002).

Outros investigadores aprofundam estes resultados, aludindo que pacientes com lesões

pré-frontais laterais cometem mais erros neste teste do que controlos normais (Vendrell

et al., 1995, cit. Adleman et al., 2002).

Segundo Golden (1978, cit. Golden, 2007), a capacidade de leitura simples e de

nomear cores pode estar alterada em pacientes com lesão cerebral. Em geral, as

alterações a nível da leitura de palavras relacionam-se com lesões no hemisfério

esquerdo, enquanto as alterações de nomeação de cores pode dever-se a lesões do

hemisfério direito, se a dificuldade apresentar-se na capacidade de reconhecer e

classificar os estímulos de cor, ou no hemisfério esquerdo, se a incapacidade consistir na

atribuição de um nome ao estímulo de cor.

Estudo realizado por Perret (1974, cit. por Golden, 2007) comprovou que os

efeitos da interferência apareciam mais em indivíduos com lesões no hemisfério

esquerdo, principalmente na zona anterior ou frontal.

Contudo, é importante estar atento à forma como o indivíduo realiza o teste e não

somente a pontuação obtida, como por exemplo, um indivíduo que apresente dificuldades

em seguir a ordem correcta das colunas, pode ser um sinal de uma grave dificuldade

espacial que pode acompanhar as disfunções cerebrais do hemisfério esquerdo; a

perseveração pode indicar a existência de lesões no hemisfério esquerdo; pontuações

baixas devidas à incapacidade de conter a frustração, evidenciadas pela negação de

seguir a tarefa ou mediante reacções de ira, podem ser indicativas de existência de

desordens psiquiátricas ou de lesões cerebrais agudas.

O estudo realizado por Golden (1976, cit. Golden, 2007) demonstrou que os

indivíduos psiquiátricos obtiveram valores relativamente normais nas três pontuações,

com médias 10% mais baixas que os indivíduos normais e, em geral com pontuações T

superiores a 40. Sendo frequente encontrar, em pacientes psiquiátricos, um valor de P

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baixo, um valor de C alto ou normal e um valor de PC baixo, o que é muito raro em

doentes de origem orgânica. Segundo este autor, o valor da pontuação de C por si só

pode ser capaz de discriminar os grupos de pacientes orgânicos dos psiquiátricos com

uma fiabilidade de 83%.

O uso de certos medicamentos pode afectar os resultados de Stroop, como ocorre

com outros testes neuropsicológicos. Por isso, deve aplicar-se o teste quando o sujeito

está menos afectado pelos efeitos psicomotores agudos que produzem que algumas

medicinas psicoactivas produzem (Golden, 1976, cit. Golden, 2007).

Callaway e Dembo (1958, cit. Golden, 2007) usaram o Stroop para estudar um

fenómeno a que chamaram de “atenção concentrada”, que para estes autores, se devia a

drogas estimulantes e permitia ao indivíduo concentrar a sua atenção e ignorar estímulos

irrelevantes. Desta forma o indivíduo rende melhor em provas, como a do PC do Stroop

já que pode ignorar o estímulo que supõe a palavra. Devido a isso, a interferência diminui

porque na prova C não há estímulos distractivos para eliminar. No entanto, segundo esta

teoria, as drogas depressoras deveriam produzir um efeito contrário, isto é, piores

resultados em PC e na interferência. Este efeito produz-se porque as drogas ampliam o

campo de atenção e torna-se mais difícil que o sujeito suprima os estímulos distractores.

Posteriormente, uma revisão dos dados realizados por Callaway e Stone (1969,

cit. Golden, 2007), mostraram que os estimulantes melhoravam todas as pontuações de

Stroop enquanto as depressoras as pioravam.

A nível do TRVB (Benton, 2002), o sinal mais importante que indica a patologia

cerebral é o nível geral de execução, medido pelo número de reproduções correctas ou

pela valorização de erros, uma vez que ambas constituem o índice de perfeição da

percepção e da reprodução. Este teste consiste numa tarefa que implica uma interacção

dos factores visuo-construtivos, visuo-motores e de memória visual. O fracasso na

aplicação A pode ser devido ao facto de existência de incapacidade visuo-perceptiva ou

visuo-construtiva.

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Crianças ou adolescentes que mostram com frequência uma diminuição selectiva

da função intelectual, no sentido de que as capacidades verbais estão relativamente bem

desenvolvidas, enquanto o rendimento visuo-perceptivo e visuo-motor é

significativamente defeituoso (Taylor, 1959, cit. Benton, 2002) contribuem para que este

teste tenha valor específico no exame de crianças nos quais se suspeita de lesão

cerebral.

Rowley e Baer (1961, cit. Benton, 2002) desenvolveram um estudo entre crianças

com lesão cerebral e crianças emocionalmente perturbados e chegaram à conclusão de

que “o Teste de Retenção Visual de Benton é muito útil como ajuda para discriminar entre

a patologia cerebral e as perturbações emocionais nas crianças. Uma execução

defeituosa (de três ou mais pontos) é indicativo de lesão cerebral e não é provável que

seja causada por dificuldades de atenção e concentração associadas a uma perturbação

emocional. Isto não quer dizer que tais dificuldades não possam influenciar o nível de

execução; quando influenciam, no entanto, o seu efeito típico parece consistir em baixar

o resultado total em apenas um ou dois pontos, de tal maneira que o nível de execução

todavia fica dentro dos limites normais”.

Segundo Silverstein (1962, cit. Benton, 2002) o fracasso observado na tarefa de

reproduzir de memória, em algumas crianças pequenas e em alguns deficientes mentais,

deve-se mais à incapacidade visuo-construtiva que a uma diminuição da memória

imediata. Contudo, não é aconselhável considerar a aplicação A do TRVB (Benton, 2002)

como uma tarefa visuo-construtiva, porque em muitos casos o factor memória tem um

papel decisivo.

Pelo exposto, parece que à delinquência juvenil, estão associadas a existência de

alterações neuropsicológicas significativas, nomeadamente a nível da área da

Inteligência, Memória, Funções Executivas, nas funções Visuo-espaciais e Perceptivo-

visual. São estas mesmas funções que pretendemos estudar neste trabalho, procurando

verificar se também se encontram alteradas.

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Parte B: Planeamento Empírico

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Ao longo da primeira parte deste trabalho, foram apresentados factores de risco

associados à delinquência na adolescência, nomeadamente comportamento anti-social

precoce, factores emocionais, desenvolvimento cognitivo, antecedentes familiares,

associação a pares desviantes, factores escolares e comunitários (Loeber e Farrington,

2001, cit. Wasserman et al., 2004).

Quay (1987) descreve que existem alguns factores que caracterizam a

delinquência como os padrões de conduta que muitas vezes estes jovens desenvolvem,

tais como, agressões não-sociais, agressões sociais, défices de atenção e ansiedade.

Contudo, refere que são factores psicológicos que os fazem emergir.

Estes jovens muitas vezes são diagnosticados com Perturbações do

Comportamento que caracterizam o comportamento anti-social clinicamente significativo

(Kadzin, 1987, cit. Negreiros, 2001). O facto de com muita frequência estar associado o

consumo estupefacientes, pode influenciar este tipo de perturbação, contribuindo para o

aparecimento de alterações a nível neuropsicológico em indivíduos muito jovens

(Teichner et al., 2000) e, serem caracterizados por um baixo QI Verbal (Walsh e Beyer,

1986; DSM-IV-TR, 2002; Vermeiren et al., 2002).

Ao longo da recolha da informação bibliográfica, levantaram-se algumas

questões, principalmente sobre que tipo de alterações neuropsicológicas é que estes

jovens podem apresentar e de que modo essas alterações são características comuns

neste tipo de população. A capacidade de planificar, de executar e de resolver

problemas, a atenção e, a memória, foram as funções cognitivas mais referenciadas na

literatura que podem estar alteradas nos adolescentes delinquentes.

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Capítulo 2: Objectivos

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Tendo em conta o anteriormente exposto, apresentamos os seguintes objectivos:

Objectivo Geral

1. O presente estudo tem como objectivo geral averiguar possíveis alterações a nível

neuropsicológico em adolescentes que delinquiram e que, actualmente, se encontram

no Centro Educativo Santo António, no Porto.

Objectivos Específicos

1.1. Analisar se existem correlações significativas intra-teste e inter-teste, das provas

de avaliação neuropsicológicas utilizadas neste estudo.

1.2. Estudar se existem diferenças significativas entre as variáveis sócio-demográficas

em função do rendimento dos testes utilizados neste estudo.

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Capítulo 3: Metodologia da Investigação

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3.1. Caracterização da Amostra

A amostra é constituída por 31 sujeitos do sexo masculino, que se encontram a

cumprir medida tutelar no Centro Educativo Santo António, no Porto. As idades variam

entre os 13 e os 16 anos de idade, com uma média de 15,32 (D.P. = 0.871), conforme

Tabela 1.

A amostra é representativa daquela Instituição que tinha um total de 41 elementos

no momento da recolha de dados, sendo que o número limite é de 33, mas acontecem

situações em que o número de sujeitos na Instituição é superior.

Tabela 1

Média das Idades

Mínimo Máximo Média Desvio padrão

13 16 15.32 0.871

Em relação às restantes variáveis sócio-demográficas, conforme Tabela 2,

consideram-se as seguintes variáveis: Ciclo a que pertence; Habitação com os Pais; Uso

de Drogas; Medicação; Modo de actuar; Posse de Arma ilegal; Actos ilegais; e

Antecedentes Familiares.

Verificou-se que 48.4% dos sujeitos se encontravam a frequentar o 2º Ciclo (5º/6º

ano) e 51.6% estavam a frequentar o 3º Ciclo (7º/8º/9º ano).

Quanto ao facto da Habitação com os Pais até à entrada no referido Centro

Educativo, constatou-se que 24 dos sujeitos inquiridos viviam com os seus progenitores,

enquanto 7 dos sujeitos viviam fora da habitação dos pais (com avós, tios, instituições e

famílias de acolhimento).

Alguns destes sujeitos, 58.1% apresentavam histórico de consumo de

estupefacientes (cocaína, heroína, pastilhas e haxixe) e 22.6% fazia medicação

psiquiátrica, nomeadamente, com Anti-Psicóticos (Cisordinal Depot 200, Zyprexa Velotab

5, Risperdal Consta 25 injectável, Risperidona 1, Seroquel 200 SR e Seroquel 400 SR),

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Estimulantes Inespecíficos do Sistema Nervoso Central (Concerta 18 e Concerta 36),

Anti-Depressores (Sertralina 50), Antiepiléticos e Anti-Convulsivantes (Proaxen 300) e

Sedativos (Livetan 500).

Quanto ao modo de actuar em actividades ilegais, 29.0% optava por actuar

sozinho, enquanto 64.5% preferia actuar em grupo e apenas 6.5% actuava sozinho e

outras vezes em grupo. Já em relação ao porte de armas ilegais, 25.8% afirmaram que

utilizavam armas na prática das suas actividades e 74.2% referiram que não usavam

armas.

Em relação ao tipo de actos que cometeram: 6.5% por tráfico de droga, 58.1% por

crimes contra a propriedade (furto, roubo, furto de uso de veículo e crime de dano), 3.2%

por ofensas à integridade física, já 25.8% encontravam-se a cumprir medida tutelar

nomeadamente pela prática anterior de crimes contra a propriedade e por ofensas à

integridade física e 6.5% pela prática de concurso de crimes (trilogia mais comum: crimes

contra a propriedade, ofensas à integridade física e por tráfico de droga). O crime de

Tráfico de Droga encontra-se regulado pela Lei nº 18/2009 de 11 de Maio, os Crimes

Contra a Propriedade apresentados neste estudo encontram-se consagrados nos artigos

203.º, 204.º, 208.º, 210.º, 212.º e 214.º do Código Penal e o Crime por Ofensas à

Integridade Física vem tipificado nos artigos 143.º, 144.º do mesmo código, todos eles

com remissão para a Lei Tutelar Educativa, pelo facto de os sujeitos serem menores de

18 anos e como tal, serem considerados inimputáveis em razão da idade.

Averiguou-se também que 54.8% destes sujeitos tinham antecedentes familiares

no meio criminal (consumo de estupefacientes, tráfico de droga, roubo, furto, lenocínio,

violência doméstica) e de situações de abandono e negligência.

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Tabela 2

Variáveis sócio-demográficas

Frequência

(N)

Percentagem

(%)

Ciclo a que pertence 2º Ciclo 15 48.4

3º Ciclo 16 51.6

Habitação com os Pais Sim 24 77.4

Outros 7 22.6

Uso de drogas Sim 18 58.1

Não 13 41.9

Medicação Sim 7 22.6

Não 24 77.4

Modo de actuar

Sozinho 9 29.0

Grupo 20 64.5

Sozinho e/ou Grupo 2 6.5

Posse de arma ilegal Sim 8 25.8

Não 23 74.2

Actos ilegais

Tráfico de droga 2 6.5

Crimes contra a propriedade 18 58.1

Ofensas à integridade física 1 3.2

Crimes contra a propriedade e Ofensas à

integridade física

8 25.8

Crimes contra a propriedade, Ofensas à

integridade física e Tráfico de droga

2 6.5

Antecedentes familiares Sim 17 54.8

Não 14 45.2

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3.2. Instrumentos e Recolha de Dados

Ao rever a literatura, alguns estudos na área da delinquência (Heaton et al., 2001;

Adleman et al., 2002; Vermeiren et al., 2002; Hiatt et al., 2004; Iria et al., 2008, entre

outros) apontavam para défices neuropsicológicos ao nível atencional, pré-frontal, visuo-

espacial e memória. A opção pela utilização destes testes deveu-se, sobretudo por estes

testes apresentarem critérios de validade e fidelidade e por serem muito utilizados na

comunidade científica e por alguns destes testes estarem adaptados à população

portuguesa.

3.2.1. Entrevista Semiestruturada para Realização de Anamnese (Christensen,

1975; adaptada com autorização por Maia, Loureiro e Silva, 2002)

Tem como objectivo recolher informações de forma aprofundada sobre dados

sócio-demográficos, historial de saúde e de dificuldades funcionais do sujeito (Anexo I).

A amostra é constituída por adolescentes, daí algumas questões terem sido

adaptadas (Anexo II).

3.2.2. WISC-III, Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças - III (David

Wechsler, 1949; adaptada para a população portuguesa pelo Professor Mário Simões,

2003)

Para avaliar as variáveis do nível do conhecimento mental global e em áreas

cognitivas específicas, foi utilizado, como instrumento de avaliação, a Escala de

Inteligência de Wechsler para Crianças – 3º Edição (WISC-III).

É um instrumento clínico de administração individual, que avalia a inteligência de

sujeitos com idades compreendidas entre os 6 anos e os 16 anos e 11 meses. À

semelhança de todas as escalas de inteligência de Wechsler, a WISC-III é constituída por

vários subtestes, cada um deles avaliando um aspecto diferente de inteligência.

Em termos de análise dos resultados, o desempenho dos sujeitos pode ser

sintetizado em três resultados compósitos, identificados em QIV, QIR e QIG. A análise

destes resultados permite ao avaliador determinar a qualidade do desempenho do

indivíduo relativamente a um conjunto de aptidões intelectuais.

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Na WISC-III, cinco subtestes verbais linguísticos estão subjacentes ao QIV. São

eles: Informação (conhecimento factual geral), Semelhanças (conhecimento lógico-

abstracto), Aritmética (raciocínio aritmético), Vocabulário (conhecimento de palavras) e

Compreensão (maturação social e compreensão de normas sociais).

Cinco subtestes visuo-espaciais estão subjacentes ao QIR. São eles:

Complemento de Gravuras (reconhecimento e identificação visual), Disposição de

Gravuras (sequenciação temporal), Cubos (visualização espacial), Composição de

Objectos (organização perceptiva) e Código (velocidade de processamento).

A classificação dos níveis de inteligência está representada na Tabela 3.

Tabela 3

Classificação dos Níveis de Inteligência

Percentagem

Q.I. Classificação Teórica Amostra Portuguesa

130 ou mais Muito Superior 2.2 1.9

120-129 Superior 6.7 8.4

110-119 Médio Superior 16.1 16.8

90-109 Médio 50.0 49.8

80-89 Médio Inferior 16.1 15.9

70-79 Inferior 6.7 5.7

69 ou menos Muito Inferior 2.2 1.4

Fonte: Simões, M. & Ferreira, C. (2003). WISC-III, Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças - III (p. 30).

Lisboa: CEGOC-TEA

3.2.3. Figura Complexa de Rey (André Rey, 1942; adaptada para a população

portuguesa por António Rocha e Maria Helena Coelho, 1988)

Procura avaliar a actividade perceptiva e a memória visual e, nas duas fases –

processo de cópia e reprodução de memória - o objectivo é analisar o modo como o

indivíduo apreende os dados perceptivos que lhe são fornecidos e o que foi preservado

pela memória, ou seja, este teste procura avaliar a capacidade de organização

perceptivo-motora, a atenção e a memória visual imediata.

É uma prova bastante utilizada em contexto clínico, mais propriamente na

avaliação da estrutura espacial e da organicidade dos défices manifestados.

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A prova é realizada em dois momentos, o primeiro momento é a fase do processo

da cópia e o segundo momento é a fase de reprodução de memória.

O indivíduo deverá então, num primeiro momento fazer a cópia do modelo da

Figura A ou B (dependendo da idade; Figura A aplicado a partir dos 8 anos até à idade

adulta, Figura B é aplicado dos 4 aos 7 anos de idade) e posteriormente, com um

intervalo de tempo de três minutos, fazer a reprodução de memória do mesmo desenho,

sem o ter à sua frente. A figura utilizada para a realização desta prova foi a Figura A,

devido às idades dos sujeitos deste estudo estarem compreendidas entre os 13 e os 16

anos.

As pontuações directas que são obtidas na prova são transformadas em

percentis, variando de 10 (mínimo) a 100 (máximo), considerando o percentil 50 como o

valor médio.

3.2.4. Stroop, Teste de Cores e Palavras (Charles J. Golden, 1975; adaptada

para a população espanhola por TEA-Ediciones, 2007)

Procura detectar problemas neurológicos e cerebrais, e também avaliar os efeitos

de interferência em qualquer um dos dois hemisférios, a partir da identificação de cores e

de palavras. Esta prova não depende do nível cultural do sujeito e pode ser utilizada em

diversos casos (por exemplo: lesões cerebrais, demência, psicopatologia).

Avalia a capacidade de inibição de respostas, de resolução de situações de

interferência cognitiva e de resolução de conflitos comportamentais, consideradas

processos executivos interferidos pelo lobo frontal (Adleman et al., 2002).

Investigações realizadas (Golden, 1978, cit. Golden, 2007) evidenciaram que este

teste examina processos psicológicos básicos úteis no estudo da neuropsicologia

humana e dos processos cognitivos. As dimensões básicas avaliadas, que se associam

com a flexibilidade cognitiva, a resistência à interferência procedente de estímulos

externos, a criatividade, a psicopatologia e a complexidade cognitiva, jogam um papel

evidente em muitos processos cognitivos inter-relacionados que determinam a habilidade

individual para enfrentar o stress cognitivo e processar informações complexas. Este

teste pode ser útil em estudos neuropsicológicos, neurofisiológicos, de personalidade e

de processos cognitivos em psicopatologia.

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Este teste apresenta três categorias: a leitura, a denominação e a interferência.

Na categoria de leitura são apresentadas, as palavras Verde, Vermelho e Azul escritas a

negro e o sujeito deverá lê-las. Na categoria de denominação, o sujeito deve indicar a cor

de um conjunto de cruzes que lhe é apresentado. A categoria de interferência, é idêntica

à categoria de leitura, a nível de material, mas cada designação de cor está impressa

numa cor que não corresponde à designada (por exemplo Verde surge escrita a Azul) e o

sujeito deve dizer a cor impressa, evitando ler o nome da cor. Posteriormente, para se

calcular o valor da pontuação de interferência pura, deve-se calcular a diferença entre PC

e PC‟ (PC estimada).

Devido a este instrumento não estar aferido para a população Portuguesa e se

encontrar apenas em versão Espanhola, partiu-se para a tradução para Português da

palavra Rojo para Vermelho.

As pontuações directas obtidas são posteriormente transformadas em Pontuações

T, que variam entre 20 (mínimo) e 80 (máximo), considerando 50 o valor médio para as

Pontuações T.

3.2.5. TRVB - Teste de Retenção Visual de Benton (Arthur L. Benton, 1945;

adaptada para a população espanhola por TEA-Ediciones, 2002)

Instrumento clínico e de investigação com o objectivo de avaliar a percepção

visual, a memória visual e as capacidades visuo-construtivas.

As três formas deste teste (Forma C, D e E) são constituídas, cada uma delas, por

10 pranchas com uma ou mais figuras.

Existem quatro tipos de administração, que se podem aplicar a qualquer uma das

três Formas. O tipo de administração escolhido para este estudo foi a Aplicação A,

justamente porque por cinco segundos poderia haver um maior risco de desinvestimento

na tarefa, devido a exigir maiores níveis de concentração prancha a prancha.

Os critérios de correcção são realizados através de uma dupla análise:

Quantitativa e Qualitativa.

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A análise Quantitativa é realizada através da contabilização do número de

Reproduções Correctas, que são quantificadas com base do “Tudo ou Nada” em que se

concedem 1 ou 0 pontos.

A análise Qualitativa é realizada através da Valorização de Erros específicos

cometidos que são classificados em seis categorias: Omissões, Distorções,

Perseverações, Rotações, Deslocamentos e Tamanho.

A interpretação da execução deve fazer-se com base na cotação “esperada”

correspondendo ao suposto nível intelectual original ou pré-mórbido do sujeito.

A eficiência do sujeito nesta prova é o resultado da diferença entre a Nota “Obtida”

e a Nota “Esperada”.

Nas Reproduções Correctas uma pontuação de dois pontos abaixo da esperada

pode considerar-se como “um aviso” de que está a produzir uma deterioração da função

cognitiva; uma pontuação de três pontos abaixo da esperada “sugere” esta deterioração;

uma pontuação de quatro pontos ou mais abaixo da esperada é uma “clara indicação” de

deterioração.

Na Valorização de Erros uma pontuação de três erros acima da esperada pode

considerar-se como “um aviso” de que está a ocorrer uma deterioração; uma pontuação

de quatro erros acima da esperada “sugere” essa deterioração; uma pontuação de cinco

erros ou mais acima da esperada corresponde a uma “clara indicação” dessa

deterioração.

Esta prova permite o diagnóstico de anomalias em áreas de patologia cerebral e

de organicidade.

Em Adultos mede e é especialmente sensível à Deterioração Mental e

Organicidade, tendo em conta o tipo de erros que o sujeito comete. Em Crianças mede e

é especialmente sensível à atenção e concentração.

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

91

3.2.6. WCST - Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin (Robert K.

Heaton, Gordon J. Chelune, Jack L. Talley, Gary G. Kay e Glenn Curtiss, 1981; adaptada

para a população espanhola por Mª Victoria de la Cruz López, 2001)

Desenvolveu-se para avaliar o raciocínio abstracto e a capacidade de utilizar

estratégias cognitivas para resolução de problemas e sensibilidade ao feedback do meio

(Berg, 1948; Grant e Berg, 1948, cit. Heaton et al., 2001).

É considerado como uma medida da função executiva que requer capacidade

para desenvolver e manter as estratégias de resolução de problemas que sejam

adequadas para conseguir um objectivo, através de condições que implicam mudanças

de estímulos (Luria, 1973; Shallice, 1982, todos cit. Iria et al., 2008). As suas raízes

remontam a anteriores investigações sobre a abstracção (Weilgl, 1941, cit. Heaton et al.,

2001) e os efeitos das lesões no lobo frontal na manutenção da atitude cognitiva,

realizadas em pessoas e animais (Settlage, Zable e Harlow, 1948; Tender, Battersby e

Bender, 1951; Zable e Harlow, 1946, todos cit. Heaton et al., 2001). É muito popular entre

os clínicos devido à sua sensibilidade para proporcionar informação sobre disfunções

cerebrais que afectam os lóbulos frontais (Drewe, 1974; Milner, 1963; Robinson, Heaton,

Lehman e Stilson, 1980; Weinberger, Berman e Zec, 1986, todos cit. Heaton et al., 2001).

O interesse pelos efeitos que se produzem precocemente no lobo frontal, em

aspectos cognitivos e de desenvolvimento, em crianças, fez surgir um interesse

considerável para a utilização deste teste como medida potencial da função executiva em

idade escolar.

O teste é formado por quatro cartas-chave, contendo respectivamente um

triângulo vermelho, duas estrelas verdes, três cruzes amarelas e quatro círculos azuis,

dispostos horizontalmente da esquerda para a direita do sujeito, na parte superior de uma

mesa. É apresentada ao sujeito uma carta-estímulo de cada vez, para combinar com uma

destas quatro cartas-chave, seja em função da cor, da forma ou do número. É dada a

indicação ao participante de que deverá colocar cada carta-estímulo debaixo da carta-

chave que ele julgue que é a correcta e, de seguida, o investigador indica se a escolha foi

certa ou errada, de tal forma que essa informação possa ser considerada nas respostas

seguintes.

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

92

O sujeito deve tentar obter o máximo de dez respostas correctas consecutivas

para cada categoria (Cor, Forma e Número), mas o critério de resposta altera-se sem

aviso prévio. O sujeito nunca é claramente informado sobre a categoria que está em

curso, mas deverá descobri-la de forma pragmática, formulando hipóteses e tendo em

conta o feedback fornecido pelo investigador. Há medida que vai realizando a prova,

deverá aperceber-se de que a regra de classificação muda e, em consequência,

modificar a sua resposta.

Há diversas formas para interpretar a baixa performance neste teste: dificuldade

em compreender a exigência da tarefa, défice na flexibilidade comportamental ligada a

um problema de inibição, dificuldade em utilizar feedbacks, dissociação entre a

capacidade de verbalizar as contingências impostas pela tarefa e a capacidade de utilizar

essa verbalização para dirigir a acção, défice quer na conceptualização dos critérios de

classificação, quer na capacidade de utilizar a informação para gerar hipóteses sobre a

maneira mais eficaz de classificar as cartas, incapacidade para controlar a performance

durante a prova a fim de manter um nível de desempenho correcto, dificuldade em inibir

respostas perseverativas e não pertinentes, défice na atenção selectiva (dificultando a

focalização da atenção sobre um e um só dos três atributos presentes em cada carta)

(Van der Linden et al., 2000, cit. Iria e Barbosa, 2008).

A performance pode ser avaliada pelo número de erros perseverativos, isto é, o

número de vezes em que o participante insiste numa resposta mesmo depois de ter sido

informado que estava errado, ou quando insiste numa classificação de acordo com uma

categoria que era correcta anteriormente, mas deixou de o ser. Esta medida foi utilizada

em vários estudos na área das neurociências visto apresentar-se como uma medida

sensível ao funcionamento pré-frontal (Lapierre, Braun e Hodgins, 1995, cit. Iria et al.,

2008).

As pontuações directas obtidas são posteriormente transformadas em Pontuações

Típicas, Pontuações T e em Centil. Para este estudo foram utilizadas as Pontuações T,

pois o Stroop também utiliza estas pontuações e ambos avaliam as funções executivas, o

que permite uma melhor comparação. As Pontuações T variam entre <20 (mínimo) e >80

(máximo), considerando 50 o valor médio para as Pontuações T.

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

93

3.3. Procedimentos da Investigação

Para o processo de recolha de dados elaborou-se um pedido por escrito para a

Direcção-Geral de Reinserção Social.

Para cada criança foram necessárias aproximadamente 6 sessões, sendo as duas

primeiras sessões para a realização da Anamnese, a terceira e quarta sessão para a

realização da WISC-III (Wechsler, 2003), a quinta sessão para a realização da Figura

Complexa de Rey (Rey, 1988), Stroop - Teste de Cores e Palavras (Golden, 2007) e

TRVB - Teste de Retenção Visual de Benton (Benton, 2002) e a sexta sessão foi para a

realização do WCST - Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin (Heaton, Chelune,

Talley, Kay e Curtiss, 2001).

Contudo, o tempo das sessões dependeu da capacidade do adolescente para

colaborar na Investigação, com uma duração aproximada de 60 minutos, sendo o hiato

temporal de um dia ou uma semana como limite máximo.

3.4. Análise de Dados

Estudo de natureza exploratório, sendo os dados tratados de forma quantitativa

através do SPSS, recorrendo à versão 17.0 do programa informático Statiscal Package.

Os dados relativos às características sócio-demográficas da amostra e dos

resultados obtidos nos diferentes testes utilizados no estudo foram submetidos as

diversas análises estatísticas (médias, desvio padrão e frequências) e análise qualitativas

desses mesmos resultados.

Para verificar a existência de correlações significativas inter-teste e intra-teste

procedeu-se à análise de correlações de Spearman.

Para classificar intensidade das correlações significativas utilizamos a

classificação de Bryman e Cramer (2003): .20 (muito baixa), .20 e .40 (baixa), .40

e .70 (moderada), .70 e .90 (alta), .90 (muito alta).

O valor do nível de significância pré-estabelecido foi de p≤.05, p≤.01.

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94

Para estudarmos a existência de diferenças significativas entre as variáveis sócio-

demográficas da amostra optamos por utilizar o Teste Não Paramétrico de Mann-

Whitney. Esta opção de utilizar este teste foi devida ao tamanho da amostra que de

acordo, como recomenda a literatura (Pestana e Gageiro, 2005), é um teste preferível ao

Teste t, quando se viola a normalidade para números menores ou iguais a 30, ou quando

se trata de variáveis de nível ordinal com duas ou três categorias.

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95

Capítulo 4: Resultados

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96

De seguida apresentam-se os resultados obtidos no estudo, que foram divididos em

duas partes. (1) Numa primeira parte encontram-se as correlações significativas dos

resultados dos testes utilizados neste estudo e (2) numa segunda parte os resultados do

estudo empírico para obter as características neuropsicológicas dos adolescentes

delinquentes institucionalizados.

(1) Correlações Significativas Inter-Teste e Intra-Teste

Através da análise dos resultados apresentados na tabela 4, verificamos que

existem correlações positivas e negativas entre os resultados dos testes. Contudo, nem

todas resultaram estatisticamente significativas.

Correlações Significativas Inter-Teste

Para a WISC-III (Wechsler, 1949) identificaram-se para o QIG uma correlação

positiva significativa com o processo de Memória, da Figura Complexa de Rey (Rey,

1942), de intensidade baixa (r = .383) e para o QIR apenas uma correlação positiva

significativa com o processo de Memória, da Figura Complexa de Rey.

No Stroop (Golden, 1975), os resultados encontrados evidenciam correlações

significativas positivas entre a prova P com o QIG e QIV, ambos de intensidade

moderada (r = .447) e (r = .513) respectivamente, e também com QIR, de intensidade

baixa (r = .384); para a prova C verificam-se correlações positivas significativas com o

QIG, QIR e QIV, todos de intensidade moderada (r = .525), (r = .444) e (r = .570)

respectivamente.

A Forma C, Reproduções Correctas, do TRVB (Benton, 1945), apresenta

correlações negativas significativas com o Q.I.G. e com o Q.I.V., ambos de intensidade

baixa (r = -.380) e (r = -.369) respectivamente; os resultados da Forma D, Reproduções

Correctas, revelam apenas uma correlação positiva significativa com a prova PC, do teste

de Stroop, de intensidade baixa (r = .383); a Forma D, Valorização de Erros, apresenta

correlações significativas negativas com o processo de Cópia, da Figura Complexa de

Rey, de intensidade moderada (r = -.417) e com a prova PC, do Stroop, de intensidade

baixa (r = -.386); a Forma E, Reproduções Correctas, revela unicamente uma correlação

significativa positiva com o processo Cópia, da Figura Complexa de Rey, de intensidade

baixa (r = .373); a Forma E, Valorização de Erros correlaciona-se significativa e

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97

negativamente com o processo de Cópia, da Figura Complexa de Rey, de intensidade

moderada (r = -.428).

Os resultados do WCST (Heaton, Chelune, Talley, Kay e Curtiss, 1981)

apresentam correlações negativas significativas entre o Número Total de Erros, e o

processo de Memória, da Figura Complexa de Rey, de intensidade baixa (r = -.373); entre

as Respostas Perseverativas e o processo de Memória, da Figura Complexa de Rey, de

intensidade baixa (r = -.363); entre os Erros Não Perseverativos e o processo de

Memória, da Figura Complexa de Rey, o QIV e a prova P, do Stroop, ambos de

intensidade baixa (r = -.397) e (r = -.373) respectivamente.

Correlações Intra-Teste

Através da análise realizada, verifica-se uma correlação significativa positiva entre

o processo de Memória e o processo de Cópia, da Figura Complexa de Rey, de

intensidade moderada (r = .474).

Para a WISC-III verificaram-se correlações significativas positivas de intensidade

muito alta entre QIR e QIG (r = .938) e entre QIV e QIG (r = .950), o QIV apresenta

também uma correlação positiva significativa de intensidade alta com o QIR (r = .798).

Em relação ao Teste de Stroop, observaram-se correlações positivas significativas

entre a prova C e a prova P, de intensidade alta (r = .729), entre a prova PC e a prova P,

de intensidade baixa (r = .363) e entre a prova PC e a prova C, de intensidade moderada

(r = .488).

No TRVB os resultados obtidos demonstram correlações significativas positivas

entre a Forma C com as Formas D e E, todas Reproduções Correctas, de intensidade

alta (r = .712) e de intensidade moderada (r = .562) respectivamente; entre as Formas D

e E, ambas Reproduções Correctas, de intensidade moderada (r = .636); entre a Forma C

e as Formas D e E, todas Valorizações de Erros e de intensidade moderada (r = .652) e (r

= .570) respectivamente; entre as Formas D e E, ambas Valorizações Erros, de

intensidade moderada (r = .650). Demonstraram-se ainda correlações negativas

significativas entre a Forma C, Reproduções Correctas e as Formas C, D e E, todas

Valorizações de Erros, de intensidade alta (r = -.857) e de intensidade moderada (r = -

.524) e (r = -.550) respectivamente; entre a Forma C, Valorização de Erros e as Forma D,

Reproduções Correctas, de intensidade alta (r = -.774) e, com a Forma E, Reproduções

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

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Correctas, de intensidade moderada (r = -.581); entre a Forma D, Reproduções Correctas

e as Formas D e E, Valorizações de Erros, de intensidade alta (r = -.886) e de intensidade

moderada (r = -.610) respectivamente; entre a Forma D, Valorização de Erros e a Forma

E, Reproduções Correctas, de intensidade moderada (r = -.559); e as Reproduções

Correctas e a Valorização de Erros, ambas da Forma E, de intensidade alta (r = -.866).

Os resultados obtidos no WCST revelam correlações positivas significativas entre

as Respostas Perseverativas e o Número Total de Erros, de intensidade muito alta

(r = .936); entre Erros Perseverativos e o Número Total de Erros, de intensidade muito

alta (r = .936) e as Respostas Perseverativas também de intensidade muito alta

(r = .993); entre os Erros Não Perseverativos e o Número Total de Erros de intensidade

muito alta (r = .963) e as Respostas Perseverativas e os Erros Não Perseverativos,

ambos de intensidade alta (r = .830) e (r = .829) respectivamente.

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99

*p≤.05; **p≤ .01

FCRC FCRM QIG QIR QIV SP SC SPC TRVBCC TRVBCE TRVBDC TRVBDE TRVBEC TRVBEE WCSTNE WCSTRP WCSTEP WCSTENP

FCRC

1.000

FCRM

.474

(**)

1.000

QIG

.258

.383

(*)

1.000

QIR

.316

.392

(*)

.938

(*)

1.000

QIV

.179

.329

.950

(**)

.798

(**)

1.000

SP

-.059

.117

.447

(*)

.384

(*)

.513

(**)

1.000

SC

-.067

.279

.525

(**)

.444

(*)

.570

(**)

.729

(**)

1.000

SPC

.115

.253

.189

.150

.196

.363

(*)

.488

(**)

1.000

TRVBCC

.181

-.132

-.380

(*)

-.338

-.369

(*)

-.062

-.154

.188

1.000

TRVBCE

-.188

.028

.303

.276

.269

-.004

.042

-.231

-.857

(**)

1.000

TRVBDC

.313

.103

-.186

-.173

-.160

.098

.102

.383

(*)

.712

(**)

-.774

(**)

1.000

TRVBDE

-.417

(*)

-.162

-.049

-.003

-.112

-.153

-.175

-.386

(*)

-.524

(**)

.652

(**)

-.886

(**)

1.000

TRVBEC

.373

(*)

.142

-.057

.002

-.080

.160

.175

.203

.562

(**)

-.581

(**)

.636

(**)

-.559

(**)

1.000

TRVBEE

-.428

(*)

-.104

-.130

-.137

-.164

-.174

-.252

-.121

-.550

(**)

.570

(**)

-.610

(**)

.650

(**)

-.866

(**)

1.000

WCSTNE

-.102

-.373

(*)

-.273

-.190

-.341

-.272

-.178

-.141

.208

-.002

-.028

.072

-.070

.103

1.000

WCSTRP

-.029

-.363

(*)

-.185

-.119

-.248

-.170

-.069

-.042

.247

-.017

.002

.030

.086

-.042

.936

(**)

1.000

WCSTEP

-.032

-.347

-.140

-.073

-.200

-.131

-.024

-.037

.205

-.009

.010

.004

.073

-.040

.936

(**)

.993

(**)

1.000

WCSTENP

-.214

-.391

(*)

-.343

-.277

-.397

(*)

-.373

(*)

-.237

-.189

.185

-.008

-.049

.122

-.159

.194

.963

(**)

.830

(**)

.829

(**)

1.000

Tabela 4

Correlações Significativas Intra-Teste e Inter-Teste

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100

(2) Resultados do Estudo Empírico para obter as características

neuropsicológicas dos adolescentes institucionalizados

Média dos Resultados da WISC-III

De acordo com os resultados apresentados na Tabela 5 obtidos com o cálculo da

média dos resultados obtidos do QIG, QIV e QIR da WISC - III, permitem-nos verificar,

que os resultados do QIG estão situados abaixo da média, o que representa um QI

Inferior, tendo em consideração a classificação apresentada pelo manual do teste e na

tabela 5.

Relativamente aos resultados médios obtidos no QIR, o valor situa-se dentro da

média, representando um QI Médio-Inferior.

No entanto, no QIV, verifica-se que a média dos resultados obtidos encontram-se

também abaixo da média, representando um QI Inferior.

No total dos 31 sujeitos, 14 apresentam um QIG entre 42-69 que corresponde a

um QI Muito Inferior; 9 apresentam um QIG entre 71-79 que equivale a um QI Inferior; 2

apresentam um QIG entre 83-86 que corresponde a um QI Médio Inferior; os restantes 6

sujeitos apresentam um QIG entre 92-108 que equivale a um QI Médio.

No QIR dos 31 dos sujeitos, 9 apresentam um QIR entre 46-69 que corresponde a

um QI Muito Inferior; 5 apresentam um QIR entre 72-77 que equivale a um QI Inferior; 5

apresentam um QIR entre 82-87 que corresponde a QI Médio Inferior; 9 apresentam um

QIR entre 90-109; os restantes 3 apresentam um QIR entre 113-115 que corresponde a

um QI Médio Superior.

Em relação ao QIV dos 31 sujeitos, 19 apresentam um QIV entre 47-69 que

equivale a um QI Muito Inferior; 5 apresentam um QIV entre 75-78 que corresponde a um

QI Inferior; 4 apresentam um QIV entre 80-84 que corresponde a um QI Médio-Inferior; 3

apresentam um QIV entre 91-110 que corresponde a um QI Médio Superior.

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101

Tabela 5

Média dos Resultados da WISC-III (David Wechsler, 1949; adaptada para a população

portuguesa pelo Professor Mário Simões, 2003)

Média Desvio Padrão

Q.I. Global 72.10 16.654

Q.I. Verbal 68.48 14.855

Q.I. Realização 82.45 19.204

Média dos Resultados da Figura Complexa de Rey

Através da análise da Tabela 6, verifica-se que os sujeitos no processo de Cópia

se encontram dentro da média a nível percentil, enquanto no processo de realização de

Memória o percentil dos resultados obtidos se encontra abaixo da média.

No processo de Cópia, dos 31 sujeitos, 12 situam-se abaixo do percentil 50, ou

seja, estão abaixo da média, os restantes 19 situam-se no entre o percentil 50 e acima

deste percentil, isto é, estão acima da média.

No processo de Reprodução de Memória, dos 31 sujeitos, 17 estão abaixo do

percentil 50, ou seja, estão abaixo da média, enquanto 14 estão entre o percentil 50 e

acima deste valor, ou seja, situam-se na média e acima da média.

Tabela 6

Média dos Resultados dos Percentis da Figura Complexa de Rey (André Rey, 1942; adaptada

para a população portuguesa por António Rocha e Maria Helena Coelho, 1988)Tabela 6

Média Desvio Padrão

Fig. Comp. Rey (PD) Cópia 31.87 2.872

Memória 19.65 6.058

Fig. Comp. Rey (PC) Cópia 50.52 24.811

Memória 39.68 28.488

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102

Média dos Resultados da Pontuação T do Teste de Cores e Palavras de Stroop

Pela análise da Tabela 7, podemos observar através das médias obtidas das

Pontuações T, que os resultados dos três subtestes (Palavras, Cor e Palavras-Cor) se

situam abaixo da média. No entanto, a média do valor da Interferência obtida pelas

Pontuações T situa-se dentro da média.

Dos 31 sujeitos, apenas 2 estão situados entre 50-58 das Pontuações T e

somente no subteste de Palavra-Cor, porque quer no subteste de Palavras, quer no

subteste de Cor, todos os 31 sujeitos se situam abaixo da Pontuação T 50. A nível da

Interferência, 10 sujeitos, dos 31 inquiridos, estão entre 40-48 das Pontuações T,

enquanto os restantes 21 sujeitos situam-se entre 50-72 das Pontuações T.

Tabela 7

Média dos Resultados da Pontuação T do Teste de Cores e Palavras de Stroop (Charles J.Golden,

1975, adaptação espanhola pelo Departamento de I+D de TEA Ediciones, S.A.)

Média Desvio Padrão

Palavras 32.97 7.078

Cor 34.90 7.480

Palavras-Cor 39.68 6.635

Interferência 52.77 6.960

Média dos Resultados das Diferenças entre Nota Obtida e Nota Esperada do

Teste de Retenção Visual de Benton

Ao observar a Tabela 8 verifica-se que na Forma C, Reproduções Correctas, a

nota média calculada foi de -0.81, que corresponde a uma não existência de deterioro,

assim como a média de 2.13 na Valorização de Erros, uma vez que apenas é

considerado deterioro com uma diferença ou valor inferior a dois pontos abaixo da

esperada, nas Reproduções Correctas, e com uma diferença ou valor superior a três

pontos acima da esperada, na Valorização de Erros, conforme o manual do TRVB.

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103

No entanto, na Forma D, a média calculada para as Reproduções Correctas foi de

-1.68 e este resultado aproxima-se de um “aviso de deterioro” e o mesmo se verifica pela

média de 3.39 calculada na Valorização de Erros que corresponde a um “aviso de

deterioro”, uma vez que apenas é considerado deterioro com uma diferença ou valor

inferior a dois pontos abaixo da esperada, nas Reproduções Correctas, e com uma

diferença ou valor superior a três pontos acima da esperada, na Valorização de Erros,

conforme o manual do TRVB.

Na Forma E, quer a média calculada para as Reproduções Correctas (aviso de

deterioro), quer para a Valorização de Erros, indicam uma não existência de deterioro,

uma vez que apenas é considerado deterioro com uma diferença ou valor inferior a dois

pontos abaixo da esperada, nas Reproduções Correctas, e com uma diferença ou valor

superior a três pontos acima da esperada, na Valorização de Erros, conforme o manual

do TRVB.

Na Forma C, Reproduções Correctas, 17 sujeitos não apresentam deterioro

cognitivo, 9 apresentam um “aviso” de que se está a produzir uma deterioração da função

cognitiva, 3 apresentam uma “sugestão” de ocorrência de deterioro e 2 apresentam uma

“clara indicação” de deterioro. Através da avaliação pela Valorização de Erros, na Forma

C, verifica-se que 15 sujeitos não apresentam deterioro das funções cognitivas, mas 5

sujeitos apresentam um “aviso” de deterioração, 4 sujeitos apresentam uma “sugestão”

de ocorrência desse deterioro e 7 sujeitos apresentam uma “clara indicação” de

deterioração das funções cognitivas.

Através da análise das Reproduções Correctas, da Forma D, dos 31 sujeitos

avaliados, 16 não apresentam deterioro, 3 apresentam um “aviso” de deterioração, 4

apresentam uma “sugestão” de deterioração e 8 apresentam uma “clara indicação” de

deterioração. Na análise da Valorização de Erros, 14 dos sujeitos avaliados não

apresentam indicação de deterioração, 1 apresenta um “aviso” de deterioração, 3

apresentam uma “sugestão” de deterioração das funções cognitivas e 13 apresentam

uma “clara indicação” de ocorrência de deterioração.

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

104

Pela análise da Forma E, Reproduções Correctas, 16 sujeitos não apresentam

deterioração, 5 apresentam um “aviso” de deterioração, 4 apresentam uma “sugestão” de

deterioração e 6 apresentam uma “clara indicação” de deterioração das funções

cognitivas. Na análise da Valorização de Erros, 16 sujeitos não apresentam qualquer

indicação de deterioração, 4 apresentam um “aviso” de deterioração, 2 apresentam uma

“sugestão” de deterioração e 9 apresentam uma “clara indicação” de deterioração das

funções cognitivas.

Tabela 8

Média dos Resultados das Diferenças entre Nota Obtida e Nota Esperada do Teste de Retenção Visual de

Benton (Arthur L. Benton, 1945, adaptação espanhola pelo Departamento I+D de TEA Ediciones, S.A.)

Média Desvio Padrão

Forma C Reproduções correctas -.81 1.973

Valorização de erros 2.13 3.374

Forma D Reproduções correctas -1.68 2.197

Valorização de erros 3.39 4.702

Forma E Reproduções correctas -1.45 2.047

Valorização de erros 2.35 3.980

Média dos Resultados da Pontuação T do Teste de Classificação de Cartas de

Wisconsin

Pela análise da Tabela 9, verifica-se que os resultados médios das Pontuações T

obtidos pelos sujeitos no Número de Erros situam-se dentro da média, assim como nas

Respostas Perseverativas, Erros Perseverativos e Erros Não Perseverativos.

Pela observação da categoria do Número Total de Erros, 9 sujeitos, dos 31

avaliados, estão abaixo da Pontuação T 50 e 22 estão acima da Pontuação T 50.

Na categoria de Respostas Perseverativas, 9 sujeitos estão abaixo da Pontuação

T 50 e 22 estão acima da Pontuação T 50.

Na categoria de Erros Perseverativos, 8 sujeitos estão abaixo da Pontuação T 50

e 23 estão acima da Pontuação T 50.

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

105

Na análise da categoria de Erros Não Perseverativos, 9 sujeitos estão abaixo da

Pontuação T 50 e 22 estão acima da Pontuação T 50.

Tabela 9

Média dos Resultados da Pontuação T do Teste de Classificação de Cartas de Wisconsin (Robert

K. Heaton, Gordon J. Chelune, Jack L. Talley, Gary G. Kay & Glenn Curtiss, 1981; adaptação

espanhola por Mª Victoria de la Cruz do Departamento de I+D de TEA Ediciones, S.A.)

Média Desvio Padrão

Número Total de Erros 53.71 10.982

Respostas Perseverativas 56.06 12.364

Erros Perseverativos 56.00 12.337

Erros Não Perseverativos 52.03 9.941

Verificação de existência de diferenças significativas entre as variáveis sócio-

demográficas em função do rendimento dos testes utilizados

Para analisar a existência de diferenças significativas entre as variáveis sócio-

demográficas, nomeadamente Ciclo de estudos a que pertence, Habitação com os Pais,

Consumo de Drogas, Medicação, Modo de actuar, Posse de Arma ilegal, Actos ilegais

cometidos e Antecedentes Familiares utilizamos o Teste de Mann-Whitney. Contudo, não

foram encontradas diferenças significativas em nenhuma das variáveis.

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

106

Capítulo 5: Discussão e Conclusões do Estudo

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

107

Discussão

Neste capítulo pretendemos a partir da interpretação dos nossos resultados,

realizar uma discussão dos mesmos, procurando uma comparação dos nossos

resultados com os encontrados na literatura sobre o tema.

Correlações Significativas dos Resultados dos Testes

Pode-se definir Correlação como uma força e direcção do relacionamento linear

entre duas variáveis aleatórias, mas isto não implica uma causalidade. Neste sentido

geral, existem vários coeficientes que medem o grau de correlação adaptados à natureza

dos dados. O coeficiente de correlação utilizado para este estudo foi o de Spearman que

mede a intensidade da relação entre variáveis ordinais e, não é sensível a assimetrias na

distribuição (Pestana e Gageiro, 2000).

No nosso estudo, foram encontradas correlações estatisticamente significativas,

positivas e negativas. As correlações são positivas, se a variação entre as variáveis for

no mesmo sentido, ou negativas, se a variação entre as variáveis for em sentido

contrário, ou seja, se os aumentos de uma variável estiverem associados a diminuições

da outra.

(1) Correlações Significativas Inter-Teste

Analisando as correlações, pudemos verificar que os resultados do QIG

apresentou correlações positivas significativas com o teste da Figura Complexa de Rey

(Rey, 1988) processo de Memória e com o Teste de Stroop (Golden, 2007), prova P e C,

e correlações significativas negativas com o TRVB (Benton, 2002), Forma C,

Reproduções Correctas.

O QIR apresentou correlações positivas significativas com o teste da Figura

Complexa de Rey (Rey, 1988), processo de Memória e com o Teste de Stroop (Golden,

2007), prova P e C.

O QIV apresentou correlações significativas positivas com o Teste de Stroop

(Golden, 2007), prova P e C, e correlacionou-se negativamente com o TRVB (Benton,

2002), Forma C, Reproduções Correctas e o WCST (Heaton et al., 2001) com o critério

de Erros Não Perseverativos.

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

108

Estas correlações podem sugerir que o rendimento destes testes pode estar

influenciado pelo nível intelectual dos sujeitos, principalmente nas correlações que

apresentam valores mais elevados, dado que, quanto maior é o resultado da correlação,

melhor é a relação que existe entre as variáveis.

A Forma D, Reproduções Correctas, correlacionou-se significativa e positivamente

com o Teste de Stroop (Golden, 2007), prova PC, já a Valorização de Erros, da mesma

forma, apresentou correlações significativas negativas com o teste da Figura Complexa

de Rey (Rey, 1988), processo de Cópia e com Teste de Stroop (Golden, 2007), prova PC.

As correlações existentes entre a Forma D, Reproduções Correctas e o Teste de

Stroop (Golden, 2007), prova PC evidenciam que o rendimento de uma está dependente

da outra, apresentando um valor da correlação alto, já a Valorização de Erros

correlaciona-se negativa e significativamente com o Teste de Stroop (Golden, 2007),

prova PC, pois quanto menores forem os resultados de um, maiores serão os resultados

do outro.

A correlação existente entre a Forma D, Valorização de Erros e o processo de

Cópia, da Figura Complexa de Rey (Rey, 1988), é significativa e negativa pois quanto

mais elevados forem os resultados na Valorização de Erros, pior será o resultado do

processo de Cópia da Figura Complexa de Rey (Rey, 1988).

Os resultados das correlações entre estas provas, reforçam a existência de uma

relação entre a actividade perceptivo-visual, e estratégia comportamental (programação),

tal como Gil (2001) refere existir.

A Forma E, Reproduções Correctas, apresentou correlações significativas

positivas com o teste da Figura Complexa de Rey (Rey, 1988), processo de Cópia e a

Forma E, Valorização de Erros, correlaciona-se significativa e negativamente com o teste

da Figura Complexa de Rey (Rey, 1988), processo Cópia.

Neste caso particular existe uma relação entre as pontuações obtidas entre o

TRVB (Benton, 2002) e a Figura Complexa de Rey (Rey, 1988), uma vez que ambas

avaliam a área visuo-construtiva. Quanto maiores forem os resultados obtidos nas

Reproduções Correctas do TRVB (Benton, 2002), melhor serão os resultados do

processo de Cópia da Figura Complexa de Rey (Rey, 1988), correlacionando-se por isso

positiva e significativamente. Quanto à Valorização de Erros, quanto maiores forem os

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resultados obtidos nesta categoria, menores serão os resultados obtidos no processo de

Cópia da Figura Complexa de Rey (Rey, 1988), correlacionando-se desta forma

significativa e negativamente.

As categorias de Número Total de Erros e de Respostas Perseverativas do WCST

(Heaton et al., 2001), apresentaram correlações significativas negativas com o teste da

Figura Complexa de Rey (Rey, 1988), processo de Memória, e a categoria de Erros Não

Perseverativos apresentou correlações significativas negativas quer com o Teste de

Stroop (Golden, 2007), prova P e com o teste de Figura Complexa de Rey (Rey, 1988),

processo de Memória.

As correlações existentes entre a categoria de Erros Não Perseverativos, do

WCST (Heaton et al., 2001) e a prova P, do Teste Stroop (Golden, 2007) eram

esperadas, na medida em que a escala que quantifica o rendimento é inversa. Ou seja,

quanto maior o número de erros na categoria do WCST (Heaton et al., 2001), menor é o

rendimento na prova P do Teste de Stroop (Golden, 2007). A existência desta correlação

estatisticamente significativa reforça também a validade concorrente entre estes dois

testes. Ou seja, ambos estão a medir os mesmos constructos, neste caso, funções

executivas.

(2) Correlações Significativas Intra-Teste

As correlações significativas positivas Intra-Teste encontradas foram entre o

processo da Cópia e o processo de Memória da Figura Complexa de Rey (Rey, 1988);

entre o QIG com o QIR e QIV e entre o QIR e QIV da WISC-III (Wechsler, 2003); entre a

prova C e P e entre a prova PC com a prova P e C do Teste de Stroop (Golden, 2007); no

TRVB (Benton, 2002) as correlações positivas encontradas foram entre as três Formas,

C, D e E, das Reproduções Correctas e entre as três Formas, C, D e E, da Valorização

de Erros, as correlações negativas encontradas foram entre as Reproduções Correctas e

a Valorização de Erros das três Formas; entre as Respostas Perseverativas com o

Número Total de Erros, Erros Perseverativos e Erros Não Perseverativos, entre os Erros

Perseverativos com o Número Total de Erros e os Erros Não Perseverativos, entre Erros

Não Perseverativos e o Número Total de Erros.

Analisando as correlações encontradas intra-teste verifica-se que todos

apresentaram correlações estatisticamente significativas. Perante este resultado,

podemos concluir que a validade destes testes fica bastante reforçada.

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110

Discussão dos Resultados do Estudo Empírico para obter as características

neuropsicológicas dos adolescentes institucionalizados

A média dos resultados obtidos na WISC-III (Wechsler, 2003) aponta para um QIG

Inferior, um QIV Inferior e um QIR Médio-Inferior, o que de acordo com a literatura é um

resultado esperado nesta população. Segundo Walsh e Beyer (1986), Moffitt (1990,

1993), Vermeiren, Clippele, Schwab-Stone, Ruchkin e Deboutte (2002) a diferença entre

o QIV e o QIR, em que a performance verbal é inferior à de realização, aponta para uma

correlação directa com a delinquência juvenil, uma vez que um défice verbal pode afectar

de forma negativa o desenvolvimento de estratégias de auto-controlo. A aprendizagem

também pode ser afectada diminuindo o sucesso escolar e existe também a hipótese de

uma baixa inteligência provocar uma interacção menos positiva com os progenitores.

Os problemas associados a este défice na inteligência são os problemas de

aprendizagem e os distúrbios comportamentais, sendo estes distúrbios apontados não só

como causa, mas também como efeito, segundo defendem Howlin e Rutter (1987), Frick

et al. (1991), Hinshaw (1992), Maughan, Pickles, Hagell, Rutter e Yule (1996), citados por

Vermeiren et al. (2002).

Quanto à influência do abuso de estupefacientes por adolescentes no

funcionamento neuropsicológico, não foram encontrados dados conclusivos que

demonstrassem essa correlação, como concluíram os autores Teichner, Donohue, Crum,

Azrin e Golden (2000). Contudo, seria de esperar que adolescentes que delinquíssem

precocemente apresentassem um nível baixo de QI nomeadamente em testes verbais e

défices de auto-controlo.

O facto de neste estudo se ter obtido um QIV baixo é compatível com a descrição

do DSM-IV-TR (2002) em que indivíduos com Perturbação do Comportamento

apresentam um QIV Inferior à média, situando-se abaixo do nível esperado para a idade

e inteligência do indivíduo, podendo adicionar-se o diagnóstico de Perturbação da

Aprendizagem ou da Comunicação. Já Fergusson e Horwood (1995), Martin e Loeber

(1996) apontam para um QIG Médio-Inferior sendo compatível com um nível baixo de

desenvolvimento cognitivo, e o QI obtido neste estudo foi um QIG Inferior, não se

afastando muito do resultado obtido pelos autores mencionados.

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Ana Sofia Beça Ribas da Silva

111

Em relação à média alcançada pelos resultados obtidos no processo de Cópia da

Figura Complexa de Rey (Rey, 1988), constata-se que os mesmos se encontram

situados nos padrões considerados normais, enquanto no processo de Memória a média

obtida situa-se abaixo do padrão de normalidade.

O processo de Cópia avalia a actividade perceptiva, que é influenciada pela

atenção e concentração, verificando-se neste estudo que o seu rendimento que depende

também destas funções não se encontra afectado, não se verificando também uma

alteração na actividade perceptiva. No entanto, a Memória Visual Imediata encontra-se

deteriorada, o que levanta a hipótese de uma alteração a nível da capacidade de

organização afectando a capacidade de memória dos sujeitos.

Segundo Moffitt (1990), Raine (1993), Henry et al. (1997), Fishbein (2000), Nigg et

al. (2002), e Ishikawa et al. (2002), todos citados por Raine et al. (2005) sobre esta

temática os comportamentos anti-sociais focam principalmente as funções executivas e

verbais, não dando grande importância às funções de memória. No entanto, existem

estudos que sugerem que a existência de danos ao nível da memória em grupos

violentos e anti-sociais (Brickman et al., 1984; Cohen et al., 1999; Moffitt et al., 2001;

Sigurdsson et al., 2001; Teichner et al., 2001; Dolan et al., 2002; Seguin et al. 2002;

Vermeiren et al., 2002, todos cit. Raine et al., 2005), o que sustenta os resultados

encontrados neste teste.

Estes resultados podem sugerir uma alteração quer a nível da memória, quer a

nível da atenção, não conseguindo por isso formular objectivos voluntariamente,

planificar, executar planos intencionais e dirigidos, executar de forma eficaz a

performance e ainda não conseguir verificar, corrigir e inflectir as acções, segundo Lezak

(1983) e Luria (1973), citado por Braun (2000).

Pode-se considerar a hipótese de existirem alterações a nível da capacidade de

armazenamento e de manipular a informação, afectando assim o desempenho das

tarefas cognitivas tais como o raciocínio, a compreensão e a resolução de problemas.

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112

Ao analisar a média das Pontuações T dos resultados obtidos nos três subtestes

(Palavra, Cor e Palavra-Cor) do Teste de Cores e Palavras de Stroop (Golden, 2007),

verificou-se que os mesmos situam abaixo da média, o que sugere, segundo Golden

(1978, cit. Golden, 2007), a existência de uma alteração a nível do hemisfério esquerdo,

responsável pela leitura das palavras, e também uma alteração no hemisfério direito,

responsável pela nomeação das cores.

Podendo também levantar a hipótese de existir um défice de atenção, por

dificuldades de concentração, principalmente na manutenção desta por determinado

período de tempo, como sugere Quay (1987).

Quanto ao valor obtido na Interferência, o mesmo situa-se dentro da média, não

indo de encontro ao que a literatura referência quanto à existência de uma alteração

frontal.

No que diz respeito à média dos resultados obtidos no TRVB (Benton, 2002),

verifica-se um “aviso de deterioro” quer nas Reproduções Correctas, quer na Valorização

de Erros, da Forma D, o que representa uma alteração a nível da interacção dos factores

visuo-construtivos, visuo-motores e memória visual, segundo a teoria de Silverstein

(1962, cit. Benton, 2002), embora este autor não considere que este resultado se deva a

uma diminuição da memória imediata. No entanto, como se utilizou a aplicação A, não se

pode considerar apenas como uma tarefa visuo-construtiva, porque em muitos casos o

factor memória influencia o rendimento das provas.

Os resultados médios obtidos pelas categorias Número Total de Erros, Respostas

Perseverativas, Erros Perseverativos e Erros Não Perseverativos, do WCST (Heaton et

al., 2001), situam-se nos padrões normais.

Apesar dos resultados da amostra total se situar na média, alguns destes

indivíduos apresentam valores abaixo da média, o que pode sugerir alterações ao nível

frontal pois cometeram mais Erros Perseverativos. Segundo Barkley, Grodzinsky e

DuPaul (1992), citados por Heaton et al. (2001), é o que acontece com menores que

apresentam défices de atenção com hiperactividade que, têm mais dificuldade de

completar menos categorias, fornecendo mais respostas perseverativas e erros

perseverativos.

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113

Alguns destes indivíduos tomam medicação psiquiátrica e por isso, pensamos

que, este seja um factor que pode ter influenciado o rendimento dos testes. Ou seja, o

rendimento dos testes, nomeadamente do Teste de Cartas de Wisconsin (Heaton et al.,

2001) e Teste de Stroop (Golden, 2007), poderia ter sido inferior, caso não existisse um

suporte compensatório, como sugere Golden (1976, cit. Golden, 2007).

O que se vai verificando ao longo dos resultados obtidos neste estudo, é que

estes indivíduos apresentam alguns problemas cognitivos (memória imediata, funções

executivas, concentração, défice de atenção, défice na leitura, raciocínio, a compreensão

e a resolução de problemas), a nível académico e pobre relacionamento social como

sugere Campbell e Werry (1986), citado por Quay (1987).

Quanto ao facto de consumirem estupefacientes há pouco tempo, pois ainda são

menores, poderá contribuir para o facto de ainda não haver alterações neuropsicológicas

significativas. Pensamos que avaliássemos estes indivíduos numa fase posterior a um

consumo continuado, seria possível encontrar alterações a nível neuropsicológico.

Em relação aos antecedentes familiares, alguns destes indivíduos apresentam

factores de risco nesta vertente, tais como comportamento parental anti-social, consumo

de estupefacientes e práticas de educação de baixa qualidade, como sugerem

Wasserman (1996) e Wasserman et al. (2004), muitos deles apresentavam também,

desestruturação familiar, pais divorciados e psicopatologia parental, sendo também um

factor de risco que contribuem para as atitudes delinquentes, como sugerem

Hetherington (1989), Costello (1997), Farrington (1995).

No que toca ao envolvimento com os pares, muitos dos sujeitos inquiridos

preferiam actuar em grupo, o que vai de encontra a outro factor de risco que fomenta a

delinquência, como sugere Simons (1994), citado por Wasserman (2004).

Apresentavam também factores de risco escolares, nomeadamente ao nível do

baixo desempenho escolar, desmotivação e baixas aspirações educacionais, como

sugerem Hawkins (1998), LeBlanc, Coté e Loeber (1991), todos citados por Wasserman

et al. (2004).

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114

Para finalizar, queremos dizer que o facto de não terem sido encontradas

diferenças estatisticamente significativas entre as variáveis sócio-demográficas no

rendimento dos testes, pode estar relacionado com o tamanho da amostra e

homogeneidade da mesma. Todavia, o objectivo principal deste trabalho de investigação

era o de estudar apenas um grupo de adolescentes que delinquiram e que, fosse

representativo de uma Instituição de Reinserção Social. Contudo, sabemos que se o

estudo tivesse sido alargado a outras Instituições, para além de um maior número de

sujeitos na amostra, os resultados obtidos poderiam ter sido outros.

Conclusões

De acordo com os objectivos gerais deste trabalho de investigação, e a partir dos

nossos resultados, podemos extrair as seguintes conclusões que passamos a expor:

1) Este trabalho permitiu demonstrar a existência de alterações neuropsicológicas no

grupo de adolescentes que delinquiram, nomeadamente, a nível da memória

imediata, das funções executivas, funções verbais e atencionais e que,

corroboram com alguns estudos referenciados na literatura;

2) Através das correlações estatisticamente significativas obtidas, pudemos observar

que o nível intelectual pode influenciar o rendimento dos testes utilizados neste

estudo e que, a validade dos mesmos fica bastante reforçada.

3) Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre as variáveis

sócio-demográficas, nomeadamente Ciclo de estudos a que pertence, Habitação

com os Pais, Consumo de Drogas, Medicação, Modo de actuar, Posse de Arma

ilegal, Actos ilegais cometidos e Antecedentes Familiares, no rendimento dos

testes;

4) Foram identificados factores de risco para a delinquência no grupo de

adolescentes em estudo, nomeadamente, antecedentes familiares, envolvimento

com os pares e baixo rendimento escolar.

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Anexos I

Entrevista Semiestruturada para Realização de Anamnese

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AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DE LURIA

(TRADUZIDA E ADAPTADA SOB AUTORIZAÇÃO1)

LUIS ACR MAIA, PHD; MANUEL S LOUREIRO, PHD E CARLOS F SILVA PHD

UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

PROVAS DE EXPLORAÇÃO, CONDUTA DO PACIENTE E LOCALIZAÇÃO CEREBRAL

DOS TRANSTORNOS NEUROSPICOLÓGICOS NUMA SÍNTESE PRÁTICA

MANUAL

1 Traduzida e adaptada da versão espanhola Christensen AL (1987) El diagnóstico neuropsicológico de

Luria. Aprendizaje Visor, com autorização da autora para utilização experimental.

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B - A ENTREVISTA PRÉVIA

____________________________________________

1. ESTADO DE CONSCIÊNCIA DO PACIENTE

ORIENTAÇÃO

a. Como se chama? _______________________________________________

b. Onde nasceu? __________________________________________________

c. Que dia é hoje? ___ Em que mês estamos? ___ Em que ano estamos?___

Que horas são? ______________ O que fez hoje?

_____________________________________________________________

d. E ontem? _____________________________________________________

e. Em que data se celebra o Natal? ____ E o dia da independência? ____ Qual

é o dia do trabalhador? ___ E o do descobrimento da América? ___ Onde

reside? __________________________ É casado? ___ Qual foi a data do

casamento? ________ Tem filhos? ___ Quantos anos têm? ___

NÍVEL PRÉ-MÓRBIDO

a. Em que escolas estudou? _________________________________________

Qual o grau académico alcançado? _________________ Quando? ________

b. Qual é a sua profissão? ____________ Há quanto tempo desempenha essa

profissão? _____________________________________________________

Onde trabalhou antes? ___________________________________________

O que faz aos fins-de-semana? ____________________________________

E às tardes? ___________________________________________________

Que coisas despertam o seu interesse? ______________________________

ATITUDE DO PACIENTE FACE À SUA SITUAÇÃO?

a. Como se sente? _____________________________________________

b. Onde está agora? ____________________________________________

Quando chegou cá? __________________________________________

Qual o nome do seu médico assistente?

c. Quem sou eu? ___________________ Conhecia-me anteriormente? ___

d. Descontrola-se com facilidade?

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3

e. Pode realizar bem o seu trabalho habitual?

Tem dificuldades específicas nele? _________________________________

Como é a sua vida familiar? ______________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

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____________________________________________

2. PRINCIPAIS QUEIXAS DO PACIENTE

QUEIXAS SUBJECTIVAS E ESPONTÂNEAS

a. Como se sente? ___________________________________________________

b. Sente que alguma coisa está mal consigo? (tente explicar como se sente)

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Onde se localizam as suas queixas? ______________________________________

Por vezes sente ansiedade? _____________________________________________

Como é o seu sono normal? ____________________________________________

Sente demasiada fome? __________________ E sede? ______________________

Notou recentemente alguma mudança no seu comportamento sexual? ___________

___________________________________________________________________

QUEIXAS GENERALIZADAS

a. Tem dores de cabeça? ___________ Pode descrever como são? _______________

________________________________ Onde se localizam? _________________

__________________________________________________________________

Esta é a sua única queixa? _____________________________________________

b. Tem perdido visão? ___________ Quando começou a notar? _________________

c. Tem dificuldades de audição? __________ Quando começaram? ______________

Não tem qualquer outra queixa? _________________________________________

d. Acredita ter perdido a sua capacidade de iniciativa? _________________________

Sente-se mais cansado do que o habitual? _________________________________

e. Tem dificuldades de memória? ______ De que tipo? ________________________

Por exemplo: esquece-se do que lê? Esqueceu-se do que aconteceu ontem?

Esqueceu-se do que ocorreu à uma hora? _________________________________

__________________________________________________________________

Usualmente custa-lhe a encontrar as palavras correctas? _____________________

Tem dificuldades em escrever? _________________________________________

Esquece-se das coisas que se propõe fazer? ________________________________

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QUEIXAS SOBRE OS SINTOMAS ESPECÍFICOS EPISÓDICOS

a. Tem tido desmaios? __________ Pode descrever as sensações ou experiências

relacionados com estes acontecimentos?

________________________________________________________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________

b. Alguma vez sentiu estar a ver coisas? __________ Pode descrevê-las? ____

_____________________________________________________________

Por vezes parece-lhe que os objectos para os quais está a olhar estão a mudar de

tamanho ou de forma? _________________________________________

c. Alguma vez sentiu estar a ouvir coisas? ______________ Pode descrevê-las?

_______________________________________________________________

Por vezes as músicas que está a ouvir transformam-se em ruídos?

________________________________________________________________

d. Tem sentido ou percepcionado sabores ou odores especiais?

________________________________________________________________

e. Tem sentido ou percepcionado sensações no seu corpo? ___________________

Alterações do tamanho das mãos e dos braços ou de outras partes do corpo?

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

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QUEIXAS SOBRE SINTOMAS CONSTANTES E DE EVOLUÇÃO PROGRESSIVA

a. Sente que os seus sintomas (visuais, auditivos, motores) pioraram?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

Obs. __________________________________________________________________

______________________________________________________________________

QUEIXAS SOBRE TRANSTORNOS NAS FUNÇÕES COMPLEXAS

b. Tem dificuldades em orientar-se? _______________________________________

c. Tem problemas em vestir-se ou despir-se? ________________________________

d. Tem problemas em ler ou escrever? ____________ E com a COMPREENSÃO

MUSICAL? _________________________ Descreva com mais detalhe

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

É com esforço que segue o que é dito nas conversações? _________________

e. É-lhe difícil falar espontaneamente? (e.g., gagueja para articular as palavras,

etc.)_______________________________________________________________

______________________________________________________________

Tem problemas de pronunciação? _____________________________________

f. Tem problemas de cálculo? __________ De que tipo? _____________________

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Anexo II

Questões da Entrevista de Anamnese que foram adaptadas à população estudada

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Orientação

e. E o dia da Restauração da Independência de Portugal?

Dia em que se comemora o dia de Portugal?

Não se colocou a questão: É casado? Qual foi a data do seu casamento?

Tem filhos? Quantos anos têm?

Nível Pré-Mórbido

b. Que é que estás a estudar? Disciplina que gostas mais?

Disciplina que gostas menos? Quantas vezes reprovaste?

Atitude do Paciente Face À sua Situação

e. Podes realizar bem o teu trabalho aqui na Instituição?

Com quem vives? Tomas medicação? Alguma vez consumiste drogas?

Qual foi o motivo pelo qual entraste para cá? Quanto tempo vais ficar aqui?

Queixas Subjectivas e Espontâneas

b. Não se colocou a questão: Notou recentemente alguma mudança no seu

comportamento sexual?