Ética Nas Atividades Humanas
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Raimundo de Moraes
A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS
Raimundo de Moraes1.
RESUMO
O presente texto faz uma reflexão sobre a necessidade do estudo da ética na
formação de recursos humanos, visto que a falta dela na sociedade pós-moderna é
um dos grandes entraves para que as relações profissionais e pessoais fluam dentro
de uma perspectiva “civilizada” e aceitável.
PALAVRAS-CHAVE: bem, mal, ethos, consciência, diferença, coletivo e egoísmo.
1. Ética - uma tentativa de definição
A ética é uma característica inerente a toda ação humana e, por esta razão, é
um elemento vital na produção da realidade social. Todo homem possui um senso
ético, uma espécie de “consciência moral”, estando constantemente avaliando ou
julgando suas ações para saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou
injustas.
Existem sempre comportamentos humanos classificáveis sob a ótica do certo
e errado, do bem e do mal. Embora relacionadas com o agir individual, essas
classificações sempre têm relação com as matrizes culturais que prevalecem em
determinadas sociedades e contextos históricos.
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Ano I - Número 01 - jan/dez/2003 Caderno de Administração
Unigoiás-Anhanguera
1. Filósofo, Mestre e Doutorando em Filosofia, Professor da Faculdade Anhangüera.
Raimundo de Moraes
A ética está relacionada à opção, ao desejo de realizar a vida, mantendo com
outros, relações justas e aceitáveis. Via de regra está fundamentada nas idéias de
bem e virtude, enquanto valores perseguidos por todo ser humano e cujo alcance se
traduz numa existência plena e feliz.
O estudo de ética talvez tenha se iniciado com filósofos gregos há 25 séculos
atrás. Hoje em dia, seu campo de atuação ultrapassa os limites da Filosofia e
inúmeros outros pesquisadores do conhecimento dedicam-se ao seu estudo.
A ética não é algo superposto à conduta humana, pois todas as nossas
atividades envolvem uma carga moral. Idéia sobre o bem e o mal, o certo e o errado,
o permitido e o proibido definem a nossa realidade.
Em nossas relações cotidianas estamos sempre diante de problemas do tipo:
devo sempre dizer a verdade ou existem ocasiões em que posso mentir? Será que é
correto tomar tal atitude? Existe alguma ocasião em que seria correto atravessar em
sinal de trânsito vermelho?Os soldados que matam numa guerra podem ser
moralmente condenados por seus crimes ou estão apenas cumprindo ordens?
Essas perguntas nos colocam diante de problemas práticos, que aparecem
nas relações reais, efetivas entre indivíduos. São problemas cujas soluções, via de
regra, não envolvem apenas a pessoa que os propõe, mas também a outra ou
outras pessoas que poderão sofrer as conseqüências das decisões e ações,
conseqüências que poderão muitas vezes afetar uma comunidade inteira.
O homem é um ser-no-mundo, que só realiza sua existência no encontro com
outros homens, sendo que, todas as suas ações e decisões afetam as outras
pessoas. Nesta convivência, nesta existência, naturalmente têm que existir regras
que coordenem e harmonizem esta relação. Estas regras, dentro de um grupo
qualquer, indicam limites em relação aos quais podemos medir as nossas
possibilidades e as limitações a que devemos nos submeter. São os códigos
culturais que nos obrigam, mas ao mesmo tempo nos protegem.
A ética seria uma espécie de teoria sobre a prática moral, uma reflexão
teórica que analisa e critica os fundamentos e princípios que regem um determinado 2
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sistema moral. O dicionário Abbagnano, entre considerações nos diz que a ética é
“em geral, a ciência da conduta” (ABBAGNANO, 2000, p.360) e Vázquez (1996,
p.12) amplia a definição afirmando que “a ética ou a ciência do comportamento
moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma específica de
comportamento humano”.
2. Ética e trabalho
Os animais vivem em harmonia com a sua própria natureza. Isso significa que
todo animal age de acordo com as características de sua espécie quando, por
exemplo, se acasala, protege e cria, caça e se defende. Os instintos animais são
regidos por leis biológicas de modo que podemos prever as reações típicas de cada
espécie. Os animais vêm ao mundo com impulsos altamente especializados e
firmemente dirigidos, e por isso vivem quase que completamente determinados
pelos seus instintos e cada espécie vive no seu ambiente particular.
É evidente que existem grandes diferenças entre os animais conforme seu
lugar na escala zoológica: enquanto um inseto como a abelha constrói a colméia e
prepara o mel seguindo os padrões rígidos das ações instintivas, animais superiores,
como alguns mamíferos, agem por instintos, mas também desenvolvem outros
comportamentos mais flexíveis e portanto menos previsíveis.
Essas habilidades, porém, não levam os animais superiores a ultrapassar o
mundo natural, caminho esse exclusivo da aventura humana.
O ser humano, ao contrário, é imperfeitamente programado pela sua
constituição biológica. Sua estrutura de instintos no nascimento é insuficientemente
especializada e não é dirigida a um ambiente que lhe seja específico. Sugar e chorar
são uma das poucas coisas que sabemos quando nascemos. O mundo humano é
um mundo aberto, isto é, um mundo que deve ser construído pela própria atividade
humana.
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Como os outros mamíferos, estamos num mundo que é anterior ao nosso
aparecimento. Mas, diferentemente deles, este mundo que nos precede não é
simplesmente dado colocado à nossa disposição para um relacionamento imediato.
O ser humano precisa “organizar” o mundo para superar o “caos”, necessita
construir um mundo para si, um mundo que tenha um sentido humano, e nesse
processo, construir a si mesmo.
Nesse sentido, Marx faz com extrema clareza a distinção entre trabalho
humano e a atividade instintiva do animal:
Uma aranha executa operações semelhantes às do
tecelão e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir
sua colméia. Mas o que distinguem o pior dos arquitetos da
melhor abelha é que figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho
aparece um resultado que já existia antes idealmente na
imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o
material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto
que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei
determinante do seu modo de operar e ao qual tem de
subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato
fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a
vontade adequada que se manifesta através da atenção
durante todo o curso do trabalho. E isso é tanto mais
necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo
conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe
oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicação das
suas próprias forças físicas e espirituais. (Marx, 1980, p.202).
É como se fosse pelo trabalho o homem, na condição de transformar da
natureza, pudesse atingir seu mais elevado ideal de realização, com consciência e
liberdade. Quando o homem age, cria e empreende, produzindo objetos e saberes,
bens materiais e simbólicos, está atuando não somente no campo do fazer, isto é,
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no âmbito do trabalho, mas também no campo do saber e do poder, ou seja, no
campo da cultura e da política. Tais dimensões estão entrelaçadas e carregam uma
forte componente ética.
3. A ética capitalista do trabalho
Se o trabalho como fator de enriquecimento pessoal era proibido na Idade
Média, legitima-se agora, na ética da sociedade capitalista, como tábua de salvação
divina. A riqueza não é mais vista com pecado, mas como estando de acordo com a
vontade de Deus. Trata-se de uma vontade que se confunde com os interesses do
mercado e do lucro, e que valoriza o trabalho enquanto força passível de gerar
riqueza. Ela deixa de existir apenas para atender às necessidades humanas
básicas. Sua finalidade principal é produzir riqueza acumulada.
Na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Max Weber diz que esta
necessidade de acumulação de riquezas ultrapassou os limites do bom senso
comercial e passou a ser um fim em si mesmo, uma concepção de vida, um ethos.
De fato, o summum bonum desta “ética”, a obtenção de
mais e mais dinheiro, combinado com o estrito afastamento de
todo gozo espontâneo da vida é, acima de tudo,
completamente destituído de qualquer caráter eudemonista ou
mesmo hedonista, pois é pensado tão puramente como uma
finalidade em si, que chega a parecer algo se superior
“felicidade” ou “utilidade” do indivíduo, de qualquer forma algo
de totalmente transcendental e simplesmente irracional. O
homem é dominado pela produção do dinheiro, pela aquisição
encarada como finalidade última de sua vida. A aquisição
econômica não mais está subordinada ao homem como meio
de satisfazer as suas necessidades materiais. Esta inversão do
que poderíamos chamar de relação natural, tão irracional de 5
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um ponto de vista ingênuo, é evidentemente um princípio
orientador do capitalismo, tão seguramente quanto ela é
estranha a todos os povos fora da influência capitalista. Mas,
ao mesmo tempo, ela expressa um tipo de sentimento que está
inteiramente ligado a certas idéias religiosas. Ante a pergunta:
por que se deveria “fazer dinheiro do ganho dos homens?” O
próprio Benjamim Franklin, embora fosse um deísta pouco
entusiasta, responderia em sua autobiografia com uma citação
da Bíblia, com seu pai, intransigente calvinista, sempre o
assediou em sua juventude: “se vires um homem diligente em
seu trabalho, ele estará acima dos reis”. (WEBBER, 1974,
p.187).
A ociosidade, mesmo entre as classes abastadas, passou a ser sinônimo de
negação de Deus. Só se mostrava a verdadeira fé pelo trabalho incessante e
produtivo. O trabalho era a oração moral burguesa e capitalista. Quem se resignava
à pobreza não merecia a salvação divina.
Teóricos do novo sistema descobriram no trabalho a fonte de toda a riqueza
individual e coletiva. Em 1776, Adam Smith afirmava que a riqueza de uma nação
dependia essencialmente da produtividade baseada na divisão do trabalho. Por essa
divisão, as operações de produção de um bem, que antes eram executadas por um
único homem (artesão), são agora decompostas e executadas por diversos
trabalhadores, que se especializam em tarefas específicas e complementares.
Com a produção mecanizada, o trabalho é glorificado como a essência da
sociedade do trabalho. Não se concebe mais a possibilidade de existir ordem social
fora da moral do trabalho produtivo.
Conforme Adam Smith, uma das características do ser humano, capaz de
diferenciá-lo dos outros animais é uma certa propensão para trocar coisas. Essa
propensão torna necessária a divisão do trabalho.
Outra diferença apontada por Adam Smith é que o homem, contrariamente a
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maioria dos animais que ao se tornarem adultos ficam auto-suficientes, é muito
dependente de seus semelhantes.
Havendo a necessidade de cooperação, mas tendo de conviver com seus
impulsos egotistas, as sociedades elaboram regras e leis morais para regular as
ações dos homens. As bases para a construção dessas regras são criadas a partir
de uma espécie de “jogo de interesses”. Ou seja, se necessitamos da ajuda das
grandes multidões para vivermos e é impossível fazer amizade com todos eles para
obter sua benevolência, podemos então mostrar ao outro que lhe é vantajoso nos
dar o que precisamos, num sistema de trocas.
A ética capitalista defende a idéia de que o bem estar da coletividade é
melhor obtido se apelarmos não ao altruísmo das pessoas, mas à defesa de seus
interesses em relações de mercado. Desta forma, o egoísmo (defesa do interesse
próprio) é apresentado como a melhor forma de solucionar os problemas de um
grupo social.
A eficácia econômica do sistema de mercado passou a ser o critério supremo
par todos os juízos morais. A eficácia (critério técnico) passou a ser o critério
fundamental. A ética capitalista é uma “ética” reduzida a uma questão puramente
técnica.
Também fica claro, que a revolução tecnológica dos séculos XVII e XIX, mais
do que um progresso significou a generalização de um projeto de controle social. As
teses das classes dominantes revelam que o desejo de expansão de mercado e de
aumento de suas riquezas passava pela necessidade de universalização dessa nova
ordem social.
O que estava em jogo era o fim da autonomia do trabalho artesanal e a
reunião e domesticação dos trabalhadores na fábrica. A divisão do trabalho
defendida por Adam Smith teria a função de destruir o saber-fazer do artesão,
subordinando-o à nova tecnologia da maquinofatura.
Para que essa sociedade voltada para o trabalho se viabilize, houve
necessidade de construir um corpo disciplinar que envolvesse todos os indivíduos 7
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dentro e fora da fábrica. A ordem burguesa da produtividade tornava-se a regra que
deveria gerir todas as instâncias do social. Para isso, instituiu-se um discurso
moralizante que visava cristalizar no conjunto da sociedade a ética do tempo útil.
O tempo útil do trabalho produtivo deveria funcionar como um “relógio moral”
que cada indivíduo levaria dentro de si.
O uso do tempo que não de forma útil e produtiva, conforme o ritmo imposto
pela fábrica, passou a ser sinônimo de preguiça e degeneração. Só o trabalho
produtivo, fundado na máxima utilização do tempo significava o homem.
Apresentando esta perspectiva de homem e de ética no sistema capitalista,
Weber assim se expressa:
A empresa dos dias atuais é um imenso cosmos, no qual
o indivíduo nasce, e que apresenta a ele, menos como
indivíduo, como uma ordem de coisas inalteráveis, na qual ele
deve viver. Obriga o indivíduo, na medida em que ele é
envolvido no sistema de relações de mercado, a se conformar
às regras de ação capitalistas. O fabricante que
permanentemente se opuser a estas normas será
economicamente eliminado, tão inevitavelmente quanto o
trabalhador que não puder ou não quiser adaptar-se a elas,
será lançado à rua sem trabalho. (WEBBER, 1974, p.188).
Para tornar a nova ordem, procurou-se eliminar qualquer forma de resistência.
Impôs-se um modelo de sociedade em que só o trabalho produtivo fabril imperava.
Quem se encontrasse fora desse modelo era expurgado da sociedade. A grande
massa de europeus que imigravam para a América no século XIX pode ser tomada
como exemplo desse expurgo.
4. Vocação para o coletivo
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Egressos de uma vida inculta, desorganizada, apenas em instintos, o homem,
sobre a Terra, foi se organizando, na busca de maior estabilidade vital. Foi cedendo
parcelas do referido individualismo para beneficiar-se da união, da divisão do
trabalho, da proteção da vida em comum.
A organização social foi um progresso, como continua a ser a evolução da
mesma, na definição, cada vez maior, das funções dos cidadãos e tal definição
acentua, gradativamente, o limite de ação das classes.
Sabemos que entre a sociedade de hoje e aquela primitiva não existem mais
níveis de comparação, quanto à complexidade; devemos reconhecer, porém, que,
nos núcleos menores, o sentido de solidariedade era bem mais acentuado, assim
como os rigores éticos, e poucas cidades de maior dimensão possuem, na
atualidade, o espírito comunitário; também, com dificuldades, enfrentam as questões
classistas. A vocação para o coletivo já não se encontra, nos dias atuais, com a
mesma pujança nos grandes centros.
Parece pouco entendido, por um número expressivo de pessoas, que existe
um bem comum a defender e do qual elas dependem para o bem-estar próprio e o
de seus semelhantes, havendo uma inequívoca interação que nem sempre é
compreendida pelos que possuem espírito egoísta.
Quem lidera entidades de classe, instituições, bem sabe a dificuldade para
reunir colegas, para delegar tarefas de interesse e utilidade geral.
Tal posicionamento termina, quase sempre, em uma oligarquia dos que se
sacrificam, e o poder das entidades tende sempre a permanecer nas mãos desses
grupos, por longo tempo.
O egoísmo parece ainda vigorar e sua reversão não nos parece fácil, diante
da massificação que se tem promovido, propositadamente, para a conservação dos
grupos dominantes no poder.
Com o progresso do individualismo gera sempre o risco da transgressão
ética, imperativa se faz a necessidade de uma tutela sobre o trabalho, através de
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normas éticas.
É sabido que uma disciplina de conduta protege todos, evitando o caos que
pode imperar quando se outorga ao indivíduo o direito de tudo fazer, ainda
prejudicando terceiros.
É preciso que cada um ceda alguma coisa para receber muitas outras e esse
é um princípio que sustenta e justifica a prática virtuosa perante a comunidade.
O homem não deve construir seu bem à custa de destruir o de outros, nem
admitir que só existe a sua vida em todo o universo.
Em geral, o egoísta é um ser de curta visão, pragmático quase sempre,
isolado em sua perseguição de um bem que imagina ser só seu.
5. Referências bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Trad. De Reginaldo Sant’anna.
5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. Livro Primeiro. V.I.
NIETZSCHE, Frederich. A genealogia da moral. Lisboa: Guimarães & Cª Editores,
1983.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética.Tradução de João Dell’Anna.Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: livraria
Pioneira, 1974.