Eu e a dor: sujeito composto

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7/21/2019 Eu e a dor: sujeito composto http://slidepdf.com/reader/full/eu-e-a-dor-sujeito-composto 1/9 R evista do CORREIO CORREIOBRAZILIENSE domingo, 12 de julho de 2015. ano 11. número 530 Quantos de nós podemos dizer que temos uma mente 100% saudável? A resposta é: nenhum. Em maior ou menor grau, todos passamos por períodos de sofrimento. Hoje, damos voz a quem, além de um diagnóstico psiquiátrico, tem consciência da própria dor Ecos da alma Um rabino que vende produtos de sex shop? Sim sexo e religião são compatíveis Preocupar-se com o pH da dieta está na moda e pode fazer diferença na sua vida  Assine o Correio Braziliense e leve para casa um presente especial.  Assine o Correio Braziliense: e ganhe um jogo de travessas de vidro turco com 6 peças. 12  X  ,17*  55 R$ Impresso digital + = diária /anual no cartão de crédito *Acampanhaédestinadaa novosassinantesque,duranteavigênciada campanha,contratema assinaturadojornalCorreioBraziliensenamodalidadeCBDAnual,comentregafísicae digital,desegunda adomingo,utilizando-sedasformasde pagamentoreferentesa cartãodecréditoou débitoemconta.O novoassinantedeveráefetivamentepagar,pelomenos,1 (uma)parcelada assinaturacelebrada paraa retiradadobrinde.O brindedeveráserretiradono prazodeaté10 (dez)diasúteisapósa baixadaprimeiraparcela,na sededoCorreioBraziliense(SIGQd.02, lote340,Bl. I)de 2ªa 6ªfeira,das 8hàs 12he das14hàs 18h.Acampanhaé válidaparapessoafísicaou jurídica,residenteedomiciliadanoDistritoFederalouEntorno,acimade18 anoseque aindanãosejaassinantedo jornalCorreioBraziliense. Promoçãoválidade 01/07a 31/08ouenquantoduraro estoquede200(duzentos)brindes.Paramaisinformaçõesconsulteoregulamentonositewww.correiobraziliense.com.br/assineganheouentre em contatocomaCentraldeAtendimento:(61)3342-1000. CONSULTE O REGULAMENTO EM: CORREIOBRAZILIENSE.COM.BR/ASSINEGANHE PARA ASSINAR, LIGUE: (61) 3342-1000 OUVÁATÉUMADENOSSASLOJAS PROMOÇÃO VÁLIDA ATÉ 31/08 ou enquanto durar o estoque.

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Matéria da Flávia Duarte

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RevistadoCORREIO

CORREIOBRAZILIENSE

domingo, 12 de julho de 2015. ano 11. número 530

Quantos de nós podemos dizer quetemos uma mente 100% saudável?A resposta é: nenhum. Em maior ou

menor grau, todos passamos porperíodos de sofrimento.

Hoje, damos voz a quem, além de umdiagnóstico psiquiátrico, temconsciência da própria dor

Ecos daalma

✔ Um rabino que vende

produtos de sex shop? Sim

sexo e religião são compatíveis

✔ Preocupar-se com o pH da

dieta está na moda e pode

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CORREIOBRAZILIENSE

Brasília, domingo,12 de julho de 2015

22 e23

         E       u

       e

       a

         d       o       r       :

    s    u     j    e     i     t    o    c    o    m

    p    o    s     t    o

Elias se queixade que, apesar dos40 anos de vida,a famíliaaindao tratacomo criança. Diz que as irmãs maisvelhas, muitas vezes, não levam emconsideração o que ele tem a dizer.Cerceado do direitode se expressar,

decidiu morar só. Emcasa, é donodopróprionariz e daprópria voz. Já Mar-cela não quer compartilhar o sofri-mentoquecarregadentrodesicomosparentes. Acredita quedividiro pesoélevar angústia para quem, segundoela, não teria“nadaa ver comos seusproblemas”. Prefere desabafarcom osprofissionais preparados para lidarcomos casos comoo dela. Seprecisa

de um ouvidode imediato, conversa

como espelho.Nos últimos tempos,começou a escreverum blog. Ali, en-controua possibilidade de darvozaosconflitos quecarrega. Mesmo sufocopelosilêncio forçadosentia o jornalis-ta americanoDavid Adam. Diagnosti-

cado comTOC, decidiuescreverum li-vrosobre seuspensamentos obsessi-vos e comportamentos compulsivos.Ohomemquenão conseguiaparar— oTOCeahistóriarealdeumavidaper-didaempensamentos acabaseserlan-çado noBrasil.O objetivo de Adam aoescrevê-lo era esclarecer aos leigoscomo funciona o transtorno mental,diminuir os preconceitos e organi-

zar, em palavras, os pensamentos

desgovernados que atormentamsuamente hámais de duas décadas.

Todas essas pessoas sãovítimas dodescontroleda própriamente. Difícilsaber quem não é, na verdade.“Umgraude 100%de saúde mentalé ina-

tingível”, garante o psiquiatra Eduar-do Tisher, psicoterapeuta do Progra-ma de Doenças Afetivas do Departa-mentode Psiquiatria da Unifesp(Pro-daf ). “Segundo uma pesquisa doHospital das Clínicas, cerca de 45%das pessoas entrevistadas apresen-tamalgum sintoma de doença men-tal”, acrescenta. Isso quer dizer queem algum momento da vida, todas

as pessoas passarão por um grau de

Terconsciência

deumdiagnósticopsiquiátricosignificaconhecertambémopreconceitoquerondapessoas

deprimidas,

obsessivas,esquizofrênicas

ouquetenham

qualqueroutroproblemajábatizadopelaciência.Aqui,elasprópriasexplicama

suador

PORFLÁVIADUARTE

Zuleikade Souza/CB/D.A Press

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MariaClariceGomes: umlongocaminhoatése reconhecercomopaciente

e recebertratamento

.

predispostasa tersintomase isso de-pende de três fatores:do apoiosocialque recebem, da vulnerabilidade psí-quica e da disposição de ferramentasemocionais quetêm para lidarcom osproblemas”, acrescentaa especialista.

Seadefiniçãodeloucurasignifica“aperdadojuízo,dacapacidadedeseau-

todeterminar, de saber quem eu sou,de como interajo como mundo exter-no, seposso discerniro que é conve-niente doque não é”, — comoexplicaJoão Romildo Bueno,diretor da Asso-ciação Brasileira de Psquiatria,profes-sor do Instituto de Psiquiatria da Fa-culdade de Medicinada UFRJ —, po-de-se dizerque todos são loucos emcertos momentos da vida.“Refém daprópria mentetodomundoé”,reforça

sofrimentoedeestresse.Oquevariaéa formade domaressetsunamiemo-cional. Algumasvezes, é controlável esuperável. Em outros casos, se mani-festa em sintomas, em doenças bati-zadas pela psiquiatria e queprecisamser controladaspor medicamentos.

“Isso é sofrimento e todo mundo

tem,mascadaumexpressademododiferente.Oquevariaéapenasainten-sidade. Àsvezes,é tãointenso quees-saspessoasprecisamnavegarem umarealidade paralela”, explicaa psicana-listaTânia Inessa, professora do Uni-ceube coordenadordo Projeto Inter-disciplinares de Saúde Mental do Uni-Ceub. “São pessoascom histórias devidamuito intensase profundo sofri-mento psíquico. Algumas estãomais

o psiquiatra RicardoLins,coordenador do programadeSaúdeMental no DF. Para alguns, no entanto,essesmo-mentossãomaisprofundos,persistentesecrônicos.

Uma vezinstalado o quadro patológico,surge o pre-conceito por parte de quem está do lado de fora.Esses

pacientes sãovisto como loucos, paranoicos. Pelo con-ceito, loucurapodeser é um estado psíquico que levaauma visão da vida fora da realidade. Se vivem em ummundo paralelo,o quedizem e o que sentemnão teriavalor, segundoo estigma social. Merecem sercalados eos pensamentos acalmadoscom drogasque tentames-tabilizar o humor e as confusões da mente. A avaliaçãoequivocada é carregada de desconhecimento.Ao con-trário do quese imagina, pacientes queconvivem comalguma patologiapsiquiátrica têm noção clara de algu-mas limitações a que estão expostos, sofrem com o

diagnóstico e estão dispostosa lutar porigualdade dedireitos e inserção social.

Se eles querem falar, fomos ouvi-los. Convidamos,para descrever o próprio drama, homens e mulherescom algumquadro psiquiátrico,com diagnóstico de al-gumtranstorno mentalou neurológico, quepor vezesaltera o pensamento ou os distanciam do momentopresente e modificam a percepção que eles têm domundo.São discursos conscientes de que, porvezes, asrédeas da imaginação assumem o controle da realida-

de.No entanto, eles conhecem suas capacidades e que-rem ser reconhecidospor ela. Sabemdo perigo dos ró-tulos, do qual muitas vezes sãovítimas. Ao ganharemvoz, seja em um blog privado,seja em vídeosde produ-ção autonôma, seja em um livro, seja numa reporta-gem, enfrentam as dificuldadesinternas para falar detemas tão espinhosos. Arriscam a se expor na tentativade romperem barreirase mostraremo lado nãoadoeci-do dassuaspersonalidades.➧

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CORREIOBRAZILIENSE

Brasília, domingo,

12 de julho de 2015

24 e25

“Já me falaram que eu sou doida”

Elias Lima Batista  é tratado porpsiquiatras desde os 15 anos de

idade. Ele não se encaixa em umdiagnóstico da psiquiatria, masquando as crises convulsivas co-meçaram, a família não entendeu arazão de ele, de repente, ficar trê-mulo, completamente entregue ecom o rosto retorcido por uma res-piração ofegante. Trataram logo delevá-lo a um hospital, onde os se-dativos acalmaram aquele corpoextremamento agitado.

“Fui internado diversas vezes emhospital psiquiátrico. A primeira 

 vez foi a pior. A ind a f ico ten tan dolembrar quem foi o enfermeiro queme amarrou e me aplicou umainje-ção que me deixou sem ver nada.Quando acordei, estava tão indig-nado queminha vontade erade sairdali.Então,pulei a grade,mas elesme pegaram de novo, me levarampara o mesmo lug ar, me amarra-ram mais uma vez e me aplicaramoutra injeção.”

Esse homem de fala mansa e pau-sada foi diagnosticado com epilep-

sia. Não é um transtorno mental ,mas um mal neurológico que tam-bém afeta a mente. Caso vivesse háséculos atrás, Elias seria tratado co-mo alguém especial, “tocado porDeus”, como explic a o psiquiatraJoão Romildo Bueno, diretor da As-sociação Brasileira de Psiquiatria.Mas ele não vive no tempo dessacrença e suas crises são vistas commuito preconceito e desconfiança.

antropóloga, psicóloga e assistentesocial. Sem preferências ou priorida-des. Acredita queestar na faculdade équestão de tempo. Contaque se sentecapaz e se define como “persistente e

lutadora”. “Você não pode pensar queserásempre um fracasso”, conclui.

Clarice temnome de poetisa.Tam-bém gosta de escrever as suas e dizamar os esportes.Um dia, começou acorrer para aliviar a vontade de com-prar. Fez bem para o corpo e a alma.Hoje, tenta encontrar um emprego,superar a falta de entendimento dafamília e deoutrosque não têm habi-lidade para conviver com o diferente.

Diz ter muitos amigos. “Sou fácil defazeramizade dentro do ônibus. Puxoassunto e a pessoajá é minha melhoramiga:podeser umidoso, ummendi-go... As pessoas param para me daratenção,para me ouvir.”A moça nãose considera“tão bonita nem chique”,mastem namorado, só quedeixa cla-ro quedessapauta nãovai falar.

Para os desconhecidos, não falaabertamente da doença. Prefere nãodespertar preconceitos.

“Dependendo da situação, a pes-soa até deixa de ser a sua amiga.Elaspensam que é igual à Aids, que vocêestá isolada domundo e que é conta-gioso. O preconceito é uma coisa deberço. Faltou educação, e os pais nãosouberam identificar. Já me falaramqueeu soudoida.”

E o que ela pensa disso?

“Eu me considero gente. Não umbichode setecabeças.”

Quando ela chega, não conseguedisfarçar as pernas inquietas. Osolhos

também piscamem umritmo frenéti-co. Esclareceque o corposempre dási-nais quando está ansiosa.E elaestáagi-tada porfalar desimesma.MariaClari-ce Gomes, 33anos, por vezes, se perdeno raciocínio.Sabe quea suamente,adoecida portraçosde esquizofreniaetranstornobipolarlhepregapeçasetirasua vidado controle. Quando contasuashistórias,ela própria se confunde.Nãotemcertezaseoenredoérealou

frutodasuamente.“Eununca estoupreparada.Quan-

do vejo,já me sinto dominada pelosurto.Tenho mania de perseguiçãoesíndrome do pânico. Lembrode umbandido quejá me abordou,mas nãosei seé fruto daminha cabeçaou seéimaginação. Não consigo distinguir.Sempresintoque temuma mulherquerendorir da minha cara. Issopo-deaté serpossível, mas não seiexpli-carquandoé realou não.”

 Além de se sentir perseguida porestranhos e até mesmo porfamiliares,Claricelidacomainstabilidadedehu-mor. Vive em uma gangorra movidapor dias mais depressivos e outrosmaiseufóricos.Sabequandoa tristezabate e encontra meios de lidar comela.Difícil mesmo é distinguir as fan-tasias, consequências da patologia.

Nodia emque ouviu vozes na escola,no primeiro surto, aos17 anos, tentou

se machucar. Erauma estratégia de-sesperada para se livrar daqueleeco

queinsistiaem lhetiraro sossego.Foiquandocomeçou a sermedicadae sereconhecer como paciente de umdiagnósticopsiquiátrico.

“Tem dias queestou deprimidaefico dormindo. Nem olho para o queestáao redor do meu quarto.Tenhomedo da solidão.Meu irmão é meugrandeamigo, masele mora distan-te.Ouço música quando estou assime leio livros de comportamentos so-

brea mente inquieta.Achoque todosnós temos um pouco de mente in-quieta. A gente semprequerdesco-brir novas coisas, novas fórmulas.Outras vezes,me sinto muitoeufóri-ca,com muita vontade de falar. Aí,aspessoas pensamque soumuitocha-ta. Querodiscutir política, falar sobrea crise e aspessoas àsvezes não gos-tam. Então, prefiro conversar compsicólogo. Não falo sozinha porqueachoesquisito,masresmungar de vezem quando é bom. Durante as crises,xingobastantedentro do meu quarto.Tem vezes que choro. Parei de ouvirvozes.O bipolar temseu momento detristeza, raiva e alegria,então dá paraconciliar. Mas a esquizofrenia é umacoisa totalmente fora da realidade,emboraeu ache quetenhaum poucode verdade também.”

 A moçade menteinquieta sonhavaem ser nutricionista. Agora quer ser

“Para ser incluído na sociedade,vou ter que fazer bem além do que preciso”

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Z   u  l      e i     k    a  d    e  S    o  u z   a  /     C  B   /    D   .A  

P  

r   e  s   s  

“O preconceito é tão grave,que chega a ponto de aspessoas quererem se afastar demim. Elas têmmedo do problemae achamquepodepegar.Eles queremsó vivera pró-pria vidae não aprenderama convivercom a doençadosoutros.A criseepiléticaé um pou-co assustadora.Eu atétento entender as pes-soas,mas o ponto é que, para serincluído na sociedade, vouter quefazerbem além do que

preciso.Issome deixa muito triste.Para mim,é melhor viver sozinho do que ter que vivercommeusfamiliares porqueeles queremqueeu viva segundo as vontades deles. Queremqueeuobedeçacomosefosseumacriança.”

Elias se refere aos que não compartilhamseu mesmo quadro patológico como“eles”. A denominação denota uma diferenciação. Di-ferença de tratamento e de oportunidade queelesenteno cotidiano.

“Para eles, uma pessoa com problemas é

alguém que precisa ser afastado. Para eles, écômodo não viver com alguém que tem umproblema grave. Achamque precisam manteressa pessoaafastada,mandá-la para o SãoVi-cente de Paula (Hospital Psiquiátrico em Ta-guatinga), e vê-la mantida lá dentro, para ga-rantirque cheguem à sociedade.”

Natentativadediminuiresse distanciamen-to, Elias faz parte do Movimento Pró-SaúdeMentaldoDF. Querajudara debateruma reali-dade mais igualitária entre os que não têm

problemasmentais e aqueles quecarregamumCID (Classificação Internacionalde Doenças)psiquiátrico. Elefaz partedeumprojeto condu-zido pelo UniCeub, chamado Tevesã. Ali,pa-cientes de transtornos mentais viram protago-nistasdas própriashistórias. Encenam a simes-mosemvídeosemquefalamdadoença,depre-conceitoe daspróprias necessidades. Umade-laséotrabalho.Asvagasparaquem,voltae

meia,perdeocontroledamenteepassaasede-batersemconsciênciasãoquaseinexistentes.“Já trabalheipor conta própria como aju-

dante de pedreiro, mashá quatro anos nãotrabalho.Com ascrises,você acaba sendo alvode discriminação.Isso acontece quando vocêresolvecolocarseu problemaem foco. As pes-soasnão olham o seu potencial para fazer al-go,massim o problema para justificarquenãopodemosser escolhidos para o trabalho.Se eu tenho epilepsia, paraeles soualguém

quenãoconseguefazerumtrabalho.Elesque-remalguémque tenha umavida normal.”

O olhar distorcido provoca mágoa. Eliastambém lamentaqueas pessoas saiam deper-toquandotemacriseepilética.Eelasnãosãoraras.Às vezes, é mais deumapordia.Quandochega, elecai e se machuca. Quandoacorda,nãoselembradenada.Sóosmachucadoseasdores pelo corpo dãosinaisde queaconteceumais umavez.E elavaivir novamente. Quan-do, nãose sabe. Pode serem casa sozinho, na

horadobanhoouduranteoalmoçonacasadavizinha amiga. Pode serdentro da lotação ounomeiodarua,comojáaconteceu.Elejáfoiatropeladoquando o funcionamento cerebraldeupane deuma hora paraoutra.Quandovol-taasi,sevêrodeadodegentequerendolevá-loao hospital.Mas Eliassabeque não adiantairaomédico.Ascrisesvãoemboradomesmojei-to quechegam. Passam, masvão voltar. Essa

certeza,odeixacommedodeserelacionar.“Muitas vezes,me afasto paraevitar cons-trangimento. Quando passo mal,fico cons-trangido. As crises nãoescolhem lugar. Nãoconsigo me lembrar do que acontece, masquandoacordo estou com o corpo todo arre-bentado, todo dolorido.Muitas das vezes éfrustrante, tenho que cancelar compromis-sos.Por isso,evitome aproximar daspessoas.Não consigo pensar em ficarcom umapes-soae depoisser discriminado porela.Quan-

do vier a crise, ela não vai ficar próxima a mim.Tive uma namorada,que, exatamenteporeu tero problema,nãotevecoragem decontinuar comigo.Ela também tinha o diag-nóstico e não soubeaceitar o meu. O proble-manão é dizer que tenho a epilepsia.O pro-blema é a convivência.E a crise não deixade vir. Ela acabachegando em algummomento. A única coisa que possofazerpara tentarevi-taré tomaros remédios.Meaceitar,eu aceito,porisso eu luto pormelhorias.”➧

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26e

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“Eu não tenho certeza de que meuspensamentos estão sob controle”

Arquivo Pessoal

quase tudo.Se estoucom algumcortenosdedos, ou se percebo um curativocobrindo um ferimentonas mãos da

pessoa, os pensamentos sobre meuapertode mãoe como evitá-lo come-çama obscurecer todo o resto.”

Sempreque o pânico batia,ele faziapesquisasna internet parareforçar àconsciência que não poderia estardoente.Comamedicaçãoeapsicotera-pia,foi acalmando o medosem justifi-cativas, ainda que volta e meia ele semanifeste.Atualmente,DavidAdamé

 jornalista, casado e pai.Leva umavida

Ele nunca poderia imaginar queuma insinuaçãodespretensiosainva-diria e grudaria no seu cérebro parasempre.No auge dosseus20 e poucosanos, DavidAdamsaiu comumagaro-

ta.Nãodormiucomela,masdiantedeuma pergunta insinuante de um ami-go, afirmou que teria,sim,passado anoite coma moça. Foi quando eleou-viuque poderia tercontraído Aids ca-so tivessetransado sem preservativo.

 Adam não teve relações sexuais comela,mas pensarnapossibilidadede teradoençanuncamaissaiudesuacabe-ça. Literalmente. “Um pensamentoveio como um eco, comas seguintes

palavras: “Você pode ter HIV” e eunãopodiafazer isso ir embora.”

 A partir daí, desenvolveu um qua-dro patológico chamado transtornoobsessivo-compulsivo. Sem explica-çãocoerente, o malé definido quan-do os pensamentos repetitivos inva-dema mentedo paciente. Aquilogeramedo, angústia e ansiedade. Para sever livre das preocupações inexplicá-veis, a pessoa adotacomportamentos

compulsivos. No caso desse america-no, o medo de sercontaminado pelovírus HIV o perseguiu para sempre,gerando desconforto mental e cau-sandolimitações na vidasocial.

“Confiro tudo compulsivamentepara ter certeza de que não peguei oHIV e conduzo meu comportamentode forma a ter certeza de que não voupegar a doença no futuro. Enxergo ovírus em todos os lugares. Limpo xí-carase garrafas,odeio dividir bebidase cubroqualquerarranhãozinhocommuitos curativos. Minhas compul-sões, às vezes, exigem que eu, apósser arranhado pro um prego enferru-

 jadoou cacode vidro, embrulheo ob- jeto em papel absorvente e o inspe-cione,à procura de possíveisgotasdesangue contaminado. Se a pele entreos dedos do meu péestiver rachada eeu estiver em um vestiário cheio degente, me sinto obrigadoa caminharsobre os calcanhares, para o caso dehaver sangue no chão. Inspecionopoltronasde trem,à procura de serin-gas, e vasos sanitários à procura de

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“Ninguém é feliz o tempo inteiro, mas ninguémé triste o tempo todo como eu me sinto.”

MarcelaVianaéjovem.Tem29anos.Usarou-pa descolada, lentes azuis e barriga de fora. Ocorpo magro, eladiz,foi resultado da tristeza.Opesodiminuiuquando a depressão aumentou.Tem noção de quetamanha desilusãocom omundo é fruto dasemoções adoecidas. “Nin-guém é feliz o tempointeiro, mas ninguém étristeo tempo todo como eu me sinto”, conclui.Reconhecendo o malque lhetiraa vontade deviver, pedeajuda.Faz acompanhamentomédi-co compsicológicoe compsiquiatra. Nãoquer

preocupar a família e os amigos. Por isso,pediuquefosse internada.Tem medo defazermal a simesmo. Setudo dercerto, passará umatempo-rada em umaclínica de saúde mentaleste mês. A avóficou desesperadaquando soube da deci-sãodajovem.Nãoentendeuporqueelafariais-so. “Vocênão é louca”, ponderoua matriarcadafamília.“Deus vai te curar”, ofereceu uma alter-nativa. Ela nãoestá sozinha na própria dor. Se-gundoGabriel Graça de Oliveira, professor depsiquiatria da Faculdadede Medicina da UnB,20%das pessoasdesenvolvem depressãoem al-gummomento da vida. Eleaindareforça que,entrecada 100 pacientes diagnosticados,cercade 30 sãorefratários,ou seja, nãorespondem àmedicação e não têm resposta de remissãocompleta.“A depressão envolveaspectospsico-lógicos, sociais.Há casos de alterações bioquí-micas também. É um sofrimento emocionalgrave”, esclareceo médico. Para domar os pen-samentosprofundae inexplicavelmentetristes,

Marcela toma antidepressivos há tantos anosqueatéseperdeunascontas.Quandoterminouumcasamentode11anos,háumemeio,sen-tiu-seaindamaissó.Umnovoamormalresolvi-do piorou as coisase a depressãosó aumentou.Eladecidiucriar um blog:SpeakGirl. O endere-ço da página é tãocomplicadoque elamesmanãodecorou,mas traz a palavra“freedom” nocomando.A ideia erase sentir libertaparafalarsobre os própriossentimentos. Nesse diáriovir-tual,Marcelaescreveoquenãotemcoragemde

falar. “Eunãosoufeia,sounova,masseiquenãoestoubem.Nãoquererselevantar;nãodar

 valoràprópriavida;verumdia lindo,masque-rerficaremumquartoescuro...issonãoécoisaparaumapessoaqueestábem.Tenhoplenaconsciênciadisso,masnãoconsigomudarati-tude.Atéfalo:‘Hojevoufazeralgumacoisaparamesentirbem’,mas,emseguida,mesentonacama, abro o guarda-roupae penso:‘Vale a pe-nasair?Nãoestoutrabalhando,vougastaroqueeunãotenho.’Nãovou. Entãodeitoepenso:

‘MeuDeus,comovaisermeudiaamanhã?’”Marcela conta queé formadaem radiologia,masestásem trabalhar. Issosó cavamais fundoo buracoem que ela jogaa autoestimae a auto-confiança.Semmotivosparaacordar,ficanaca-maatéas11horas.Semgrandesplanosaolongododia,chora.“Umdiaminhatiameligoueper-guntou:—Marcela,oquevocêestáfazendo?–Chorando.—Porquê?–Porquenãotenhona-daparafazer.Sãocoisasquevãoevoltasemex-plicação.Àsvezes,estouaquiconversandocom

 você e posso me lembrar de alguma coisa echorar.Nãoqueromearrumaroumemaquiar.Sedependerdemimpassoodiadepijama,meia,toda largada, descabelada.Eu conversocomoespelhoedigoaeletudoquesinto.Termomentosdetristezaéumacoisa,masterissodiariamente nãoé normal.Costumodizer queavidaéummarketing.Aspessoasolhamparameufacebookedizemestoubem,quenãote-nhoproblemas. Felicidadepara mimé fazerplanos,éestarbem,tomarumcafé,mematri-cularemumaacademia,masnãoconsigo.Pla-nejo,masnão faço.Mesintofrustrada.É comoseeufossedaroprimeiropasso,masestivessepresaaumacorrente.Éassimquemesinto.”

Marcela chora e vomitaquandoa angústiabate. Játeve a mente confundida.Pensou tersi-do agredida porum bandido. Mas a polícia ga-rantequetudonãopassoudeenredodeumamenteadoecida.Elanãosabedizersefoiverda-de ou mentira, mas nãodescarta a hipótesede

realmenteserimaginação.Tambémnarraquejátentou tirar a própria vida. Assustou-se compensamentos tãohorríveis. Por isso,não aban-dona o tratamento. Tem noção de queé vítimadeumadoençae precisase cuidar. Lamenta,noentanto, que muitos não entendem o dramamental do qual é vítima.“Minha família meachaneurótica.Euficomuito nervosa.Às vezes,achoque falam isso de brincadeira, outras achoqueé umjeito dedizerem paraeu tomarum ru-mo na vida. Nãoculpo ninguém pelasminhas

frustrações.Seiqueasituaçãonaqualestouho- je é culpaminha e somente minha. Queroumavidanormal: trabalhar, estudar, chegar em casae estar bem. Seruma mulher de sucesso,paraquemas pessoasdigam: ‘Caramba,eu quero serigual a ela’. Não quero ser uma mulher paraquem falem: “A Marcelaestá magra, não estábem”. São frases que não ajudam quem estánessa situação. O primeiro passoeu já dei. Te-nhoa consciênciade quetenho umproblemaeestoudispostaamelhorar,masnãoéfácil.➧

normal e sua luta é interna. Diz queainda não se livrou do TOC e talveznunca será liberto do mal. Professorda Faculdade de Medicina da UnB,o psiquiatra Gabriel Graça de Oli-

veira diz que 40% dos pacientescom tal doença vão ter que convivero resto da vida com alguma mani-festação de sintomas.

David Adam, hoje com 43 anos,afirma que não está imune ao quechama de “contaminação mental”.Em entrevista à Revista do Correio,ele garante que não pode controlarcompletamente os pensamentos,mas ao menos se sente capaz de do-

minar suasações.“Eu não tenho certeza de que

meus pensamentos estão sob con-trole. O que está sob controle, namaior parte do tempo,é minha res-postaaeles. Quandotenho um pen-samento irracional sobre o HIV, nãosoucapazde ignorá-lo, massei e con-fioqueelesvãodesaparecer.Eissoes-tá muito melhor que antes. Eu achoqueopânicodeterAidspelaspessoasquecresceram nosanos 1980 e 1990.Eureceboe-mailsdepessoasaoredordomundoquetêmomesmomedo.”

Para ajudar os que sofrem com omesmo transtorno, ele acaba de es-crever um livro O homem que nãoconseguia parar — TOC e a históriareal de uma vida perdida em pensa-mentos . Antes disso, nem mesmo osamigos próximos ou a famíliasabiam

de seus tormentos. Justifica que fica-va envergonhado.“Não podia fazernada para não me preocupar, então,achava que não ia ajudar em nadacontar para eles”. Hoje, fala aberta-mente do problema.Tanto que deci-diu transformá-lo em livro. A inten-ção é debater o temade maneira a ti-rar dúvidas sobre a patologia, dividira própria experiência e os conheci-mentos que acumulou nesses anos

de busca de alívio.“Este livro não tem a intenção de

ser umaobra deautoajuda. Se, noen-tanto,ele for útil, se conseguir conec-tar a alguém diretamenteafetadope-lo problema, se conseguir ajudar al-guém próximo a eles enten der, ousimplesmente abrir os olhos de ou-tras pessoas, eu ficarei feliz. Algo debom terá brotado dessa experiênciaassustadorae deprimente.!

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CORREIOBRAZILIENSE

Brasília, domingo,12 de julho de 2015

28 e29

“Aí, começo a ouvir um montão devozes ao mesmo tempo e digo: é crise”       C       C

      a      a      p      p      a      a

Zuleikade Souza/CB/D.APress

em meio a seus iguais. Interrompe aconversaepedeparaquearepórteres-crevaumacartaendereçadaaomarido

dela.Começaaditaroquesepassanacabeça. Faz rapidamente,porquetemmedodequeopensamentofuja.

“Estou em ummomentode crisee,quando estou assim, a melhor coisaquefaço é conviver compessoas co-moeu. A Inverso (umaONG que fun-ciona como centro de convivência eespaçode recriaçãosocialpara usuá-riosdesaúdemental)éaminhagran-deválvuladeescape.Temmedadovi-

da todos os dias, temme dado alegriade umaforma quenão consigoacharemoutro lugar. E é por isso que gostodaqui.E queria quevocê entendesse.”

Terminadoo ditado,ela pergunta:“Você acha que isso vai convencê-lo?”Semesperarumaresposta,conti-nuaa se justificar.

“Quando eu procuro a Inverso, éporque preciso sentir na pele, sen-

tir em mim, que as outras pessoas

tambémpassampeloquepasso.Preci-sodealguémquenãopodetomarumacervejaporquetomapsicotrópico,que

nãopodepassar de meia-noite semdormir;de gente quetem alucinações,depessoasquetêmperturbações.”

ELucienetentadescreveroqueéteramenteforadostrilhos,autoraderea-lidades paralelasdas quaiselaé espec-tadora e também personagemprinci-pal. Consciente do problema, reco-nhecequando a crisechega.Sabequenãopodeinterrompê-la,masjádesen-volveuferramentas para nãoser engo-

lidaporessemundoparaleloquesóexistedentrodesuacabeça.

“Tenhouma ótima percepção.Eavisoparameumarido:‘Amor, vouentrarem crise’.Quandovocêestáen-trandoem crise,primeiramente,tudosecala.Tudocomeça a semoverlen-tamente. Começoa sentir umaan-gústiae procuroumaválvuladeesca-pe.Aí penso:‘Nãoestoubem,preciso

fugirdisso:oqueeufaço?’Começoa 

LucieneHerculanoAlveschamaaatençãopelos olhoscuidadosamentepintados. Elagosta de maquiagem esabecoloriroprópriorostomuitobem.Conta que, quandoterminouo ensinomédio, quis fazer cursode vestuárioemoda. Também pensou em sertecnó-logaem informática.Repentinamente,mudadeideiaedizquedesejamesmoé ser cuidadora de idosos. Mas não

conseguiuestudarporque os medica-mentos a deixavamcom muito sono. Assim,elaestásemtrabalhar. Fazcabe-loemaquiagemporgostoeparaafas-taraangústiaqueapertaopeito.

 A moça fala alto. É imperativae in-siste para dar logo a entrevista. Quercontar sua história, sem testemunhasdo lado,porém. Luciene temum dis-cursocoerente,bemarticuladoecon-seguetraduzir,empalavras,ospensa-mentos confusos e as alucinaçõesque volta e meia a visitam. Não sabeexplicar por queelesaparecem,mui-to menos como controlá-los. Essa pa-rece ser uma missão impossível, do-mada em certa medida pelas drogaspsicotrópicas que toma. Quandoquestionada, responde sem a menordúvida que seudiagnóstico é F20. Natradução para os leigos, elaquer dizer

que tem esquizofrenia,diagnosticadahá sete anos.O mesmo mal que afeta4% da populaçãomundial.

“Eumeolhonoespelhoevejoumapessoa com medo de ficar só.” Essemedoétãograndequefazcomqueelacrieoutraspessoas para estaremjuntodela,pessoas que possam correspon-deràs suas necessidadese fazer tudoqueelaquer,dojeitoqueelasemprequister.“Antes,eucriavapessoas.Ago-

ra,nãocriomais.De repente, viaal-guémdomeu ladoe começavaa con- versar.Comeceiatomarmuitoantide-pressivoe pareidevê-las.Me incomo-dava criarpessoasporquemeumari-doficavagriladocomigo.”

Lucienecontaqueécasadahácincoanos.Eladizqueelenãogostaqueelafrequenteespaços de convivência on-deestãooutrosquevivemomesmo

dramaqueela.Maselagostadeestar

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lavar a casa,a louça,a roupa desesperada-mente.Aí,voufazerocabelo,aunha.Antes,via pessoas,mashojeseidistinguiroqueérealeoque é fantasia.Eu consigo distinguir porquesei queas pessoastêm um coração,que elas

têmalmae sentimentos.A plantanãotem.Osmeusamigosimaginários nãotêm.As pessoassãoquentese nelas possotocar.”

 Antesdo diagnóstico, a moça já davasinaisde algumas desordensmentais. Elacontaqueera muito agressiva. Não foi só uma vez quetentou agredir alguém próximo em um mo-mento de descontrole.Também machucou a simesmo. A cicatriz, quedeixa indelével a pala-vraalone (que,traduzidado inglês, significaso-zinha), é a marca de uma lâmina que elapas-

sou pelo braço, na tentativa de desenhar nocorpo o que sentia naalma. Pelo que lembra, odiagnóstico veio nessa época,em queo medode morrer e o temor dasolidão ficaram maisfortes. A separação do primeiromarido, pai deseu filho, agravou o quadro. Elafoi internada,perdeu o emprego e o contato com o garoto.Ganhou, então, remédios e o preconceito.

“Fui proibida de ver meufilho.Eu concordo

como queo meupsiquiatrafalou: ‘Não é por-que você é doidaque você nãotem direitodeversuas crias’. Elefala isso e dá gargalhada. Eunãome acho doida.Soumuitoé esperta. Quan-do a gente está dentro de sofrimento muito

grande, quandoseu mundo desaba, quandovocê se acha órfãde família, totalmentefora decuidados, o que aconteceé que você procura aválvula deescapemais rápida, queé a morte.”

“Fui internada muitas vezes. Todo mundoqueconviviacomigomelevavaparaohospitalpsiquiátrico porque dizia que eu estava louca.Eu puxava a faca para matar os outros. Nin-guémchegava nem pertode mim. Trancavamaportadoquartoechamavamobombeiropa-ra me pegar. Era o meninoque mandava. Ele

foiembora depoisque eucomeceia tomar osremédios. Ele conversavamuito comigo.”

O menino a qualelase refere é a personifica-çãodasprópriasalucinações.QuandoLucieneé questionada se elatemiafazer mala alguémao perder a consciência dospróprios atos porcausa dadoença,responde semtitubear:

“Possofazer mal para alguém do mesmo jeito que você pode fazer mal para mim. Isso

independe de eu ter um CID (ClassificaçãoInternacional de Doenças) e vocênão.”

Ela carrega no peito uma carteirinha comseus dados pessoaise o título de “especial”. A identificação é para protegê-lacaso um surto

a assalte de repente. Diz que as nomenclatu-ras colaboram para reforçar o preconceito e justificaque “estácom dor de cabeça” quandocomeça a falar da família. Logo, explica quenãogostade falar do assunto.

“Esta carteirinha quecarrego no pescoçonãosignificaque eu seja especiale você não.Isso aqui é para mostrar que, pormais queeutenha esquizofrenia, sou uma pessoa,souumacidadã.Aminhavidaécheiadedireitosedeveres.Muitas vezes,não me sinto respeita-

da.Algumas pessoasse afastamquandodes-cobrem o meu problema. Elas não sentampertode mimno ônibusporque gostode falarsozinha.Por queas pessoas nãodão valorpa-ramim?Seráqueeusóvouterumachancedeser alguém quando eu mostrar issoaqui?”

Ela exibe o antebraço em que está parasempre marcada, com a ponta de uma lâmi-na, todaa sua dor. ■