SUJEITO FINGE-DOR*

3
Motriviancia SUJEITO FINGE-DOR* Mauricio Roberto da Silva** Niio sou ingénuo, sou apenas romOntico. Sou ao mesmo tempo um sujeito brincante e fingidor: finjo que minto e finjo dizer a verdade; finjo que ndo vejo, vendo... finjo que nao canto, contatzdo estrelas... Niio sou tonto, sei a dor de perder a bola-de- nzeia num mundo de acrilico e plastic°. Sou contista de histOrias drattuiticas e contador de estOrias exuberantes. Nilo sou ingénuo, sou apenas quimerico, nä° sou numeric°, sou esoteric°. Sou um cientista que sofre e goza, chora e ri no mesmo tempo do tempo em que vive Alen, de tudo sou um poeta desvai- rado, alegre e desesperado. Sou orvalhado de lagrimas e sorrisos. Niio sou ingenuo, sou quebrado, sou verdadeiro e sou inteiro A minha sabedoria e exalamente nao saber muito embora saiba da dor da hitnina das decadas e dos seculos... Na verdade sou um sujeito nunto falante, sou errante, sou metafOrico. Adoro acender as luzes da casa quando toda a familia donne, quando todos Os ladriies estao .soltos pelas ruas geladas e as casas cerradas. Adoro apagar as estrelas quando todos os mendigos morrem de frio. Adoro dormir em camas !tiros * SILVA, Nlauricio. Infancia e Barbaric: tratos e mans-tratos coin a crianca brasileira. FE/Departamento de Ciencias Sociais Aplicadas Educactio/UNICAMP, I 996, mimeo. ** Professor do Departamento de Recreacao e Prat ica Desportiva/Centro de Desportos/UFSC. Doutorando em Educacno/Departainento de Ciacias Sociais A pl icadas a Educac5o/FE/UNICAMP. Bolsista do P1CD/CAPES.

Transcript of SUJEITO FINGE-DOR*

Page 1: SUJEITO FINGE-DOR*

Motriviancia

SUJEITO FINGE-DOR*

Mauricio Roberto da Silva**

Niio sou ingénuo,sou apenas romOntico.Sou ao mesmo tempoum sujeito brincante e fingidor:

finjo que minto e finjo dizera verdade;finjo que ndo vejo, vendo...finjo que nao canto, contatzdoestrelas...Niio sou tonto,sei a dor de perder a bola-de- nzeianum mundo de acrilico e plastic°.Sou contista de histOrias drattuiticas

e contador de estOrias exuberantes.Nilo sou ingénuo,

sou apenas quimerico,nä° sou numeric°,sou esoteric°.Sou um cientista que sofre

e goza, chora e ri no mesmotempo do tempo em que viveAlen, de tudo sou um poeta desvai-rado,

alegre e desesperado.Sou orvalhado de lagrimas esorrisos.

Niio sou ingenuo, sou quebrado,sou verdadeiro e sou inteiroA minha sabedoria e exalamentenao sabermuito embora saiba da dorda hitnina das decadase dos seculos...Na verdade sou um sujeitonunto falante, sou errante,sou metafOrico.

Adoro acender as luzes

da casa quando toda

a familia donne,quando todos Os ladriiesestao .soltos pelas ruas geladase as casas cerradas.

Adoro apagar as estrelasquando todos os mendigosmorrem de frio.

Adoro dormir em camas !tiros

* SILVA, Nlauricio. Infancia e Barbaric: tratos e mans-tratos coin a crianca brasileira. FE/Departamentode Ciencias Sociais Aplicadas Educactio/UNICAMP, I 996, mimeo.

** Professor do Departamento de Recreacao e Prat ica Desportiva/Centro de Desportos/UFSC.Doutorando em Educacno/Departainento de Ciacias Sociais A pl icadas a Educac5o/FE/UNICAMP.Bolsista do P1CD/CAPES.

Page 2: SUJEITO FINGE-DOR*

Dezembro, 1996

odeio o conforto das caixasde papelao corn propaganda estam-pada.

O que eu mas sinto prazer

escrever corn uma das moos

cheia de bolinhas de gude

corn a outra empinar

a borboleta dos meus sonhosOh! Minhas pipas, minhaspandorgas,

meus sexos violados sem violas...

Oh! Minhas pipas, minhas prithes

liberdades,

todas voando nas noites de papelbronco,

nas quais revelo todos as gozosnas manilas escuras de meu pals,

nas quais revelo todas as dores.

Sou capaz de fazer de tudocom minhas pernas-de-pau gigantes

corn os meus bravos de elastico

Sou capaz de reinventar o sujeito,de reinventar tintas e horizontes.

Para mim o horizonte a azul

o ceu a escarlate...

Nilo sou capaz de motor,

sou capaz de nascer.

Sou um poeta e um fingidorum sujeito agudo e obtuso

sem ser de todo falso.

Escrevo corn as visceras vitoriosas

dos sobreviventes e a coracao dostombados em

praca pablica;

escrevo com o calo do labor e orocar

do meu sexo

a ausencia do sabor;

escrevo com o riso do brinquedo,

medo da assombrocao

o terremoto do coracao.

Quero sempre poder escreversobre este tempo maravilhoso ehediondo em que vivo.Escrevo como vivo e como morto,como morto-vivo...Ainda you escrever sabre beijosprecocemente roubados

sobre coitos e bacanais a luz

do sol da noire.Escrevo sempre sobre bofetoes

caricias torpes, sobre Unguascortantes, minguas dilacerantes

dedos penetrantes.

Quero lhes con tar hoje dos ruas

desertas e das casas cheias

das lambidas de gatos pretosanzordacados.

Quero lhes colour dos orgasmos e

das facas me partindo ern pedacos

temperados.

Query lhes falar da tnordida

tatuada no pescoco e do

liquid() preto escorrendo pela boca.

Quero tambem lhes Mar de

ninhos e assobios,

de cafunes e pontapes,

de jardins desertos

desertos floridos.

Gostaria mais e tnais de escreversobre o

tempo de achado.s e perdidos,

Page 3: SUJEITO FINGE-DOR*

encontrados e abandonados.

Este tempo que e um tempo de

resgate das pequenas e grandes

vaimas da explostio da

Quero dos beijos todas as violencias

e dos abracos todas as reminiscen-cias.Escrevo hoje ainda com o rosto decientistae o coractio de artista;

escrevo hoje corn alegria, tropecos,recomecos, indignacdo e indagaciiosobre o tempo barbaro que construt.Sou um poeta, um cientista, umsujeito:um poeta que senteum cientista que menteum sujeito que finge

Sou um sujeito fingidordisposto a representar os papeis deanjo e demOnio,vaima e algoz que habitam nointerior do coraciiodo pais barbaro de cada um denos...

Para acabar coat essa histOria

mando um recado para todos os

adultos do mundo, paw todos os

donos de plantactio, bancos,edtficios,

fabricas e boatels:

voces que idium-am meus desejos,

voces que cuspiram nos meus beijos,

voces que enterraram tninhasbonecas,

Mofririticia

voces que viajaram milhOes dequilOmetros

na boleia do meu camedozinho delata,

voces que palmearam os meus

lampejos e fizeram nascer meus

ais, meus pelos e apelos...Voces que deratn de presenceum calo e um prato de comidapodre,voces que me fizeram carregar

fardos de fibres para os meus entesvoces que fizeram carregar tonela-dasde algoddo e cimento bruto...Voces que me fizeram cortar acana para beber o fel.Voces que apagaram todas asvelas acesas em minha homenagem

deixaram o mundo no escuro...A Voces que me obrigaratn a marchar

comp soldados impiedosos por entreas moitasbelicas do meu bairro,A Voces que arrancaram dagarganta o "samba-lele-ta-doente"

dos meus ouvidos o "boi-da-cara-preta",A Voces que me fizeram de escravo-de-B, escutem bent:ainda you brincar de roda,

ainda you contar estrelas,ainda you ensinar voces a

semear plantaciies e construircasas,

ainda you ensinar voces a mentir

a fingir de verdade...