Eu, Tu, Nós?

7
A casa simples, quase como que por acabar, cercada apenas pela vegetação rala e seca. Nada de energia elétrica, água encanada, rede de esgoto, posto de saúde, transporte e escola nas proximidades, mas reclamação também nenhuma. O vizinho mais próximo a 7 km. Com uma vida privada das mais básicas necessidades humanas, Salete não economiza gargalhadas e vive satisfeita com o que tem. Não é preciso muito para perceber seu humor e sua ousadia. A personalidade forte é, sem dúvida, uma virtude, mas, como um faca de dois gumes, tem o seu preço. Fugir aos padrões idealizados pela comunidade pode, às vezes, custar caro. Conheça a história dessa mulher que já se tornou parte da mitologia de Jaguaribe e que bem poderia ter inspirado o filme Eu, Tu, Eles. Pela região, não há quem não conheça “sua história”, mas só nós ouvimos o que ela tem a contar. · texto e fotos · Luciana Vasconcelos · · texto · Jakeline Diógenes·

description

Matéria para Revista A Ponte

Transcript of Eu, Tu, Nós?

Page 1: Eu, Tu, Nós?

A casa simples, quase como que por acabar, cercadaapenas pela vegetação rala e seca. Nada de energiaelétrica, água encanada, rede de esgoto, posto desaúde, transporte e escola nas proximidades, masreclamação também nenhuma. O vizinho mais próximoa 7 km. Com uma vida privada das mais básicasnecessidades humanas, Salete não economizagargalhadas e vive satisfeita com o que tem. Não épreciso muito para perceber seu humor e sua ousadia.A personalidade forte é, sem dúvida, uma virtude,mas, como um faca de dois gumes, tem o seu preço.Fugir aos padrões idealizados pela comunidade pode,às vezes, custar caro. Conheça a história dessa mulherque já se tornou parte da mitologia de Jaguaribe eque bem poderia ter inspirado o filme Eu, Tu, Eles.Pela região, não há quem não conheça “sua história”,mas só nós ouvimos o que ela tem a contar.

· texto e fotos · Luciana Vasconcelos ·· texto · Jakeline Diógenes·

Page 2: Eu, Tu, Nós?

Riachos Feiticeiro ou Jutubarana, Jatobá, Malhada, Tamanduá,das Almas, Cajá, Grande, Açude Joaquim Távora são todoscitados como acidentes geográficos. Devem ser isso mesmo.Puro acidente. Ou quiçá uma compensação divina pela quen-tura do local. Talvez seja isso mesmo.

Não subestimamos sua inteligência. Dizer que o clima ésemi-árido (por que semi?) só tem valia sentindo na pele. Orio Jaguaribe é um atrativo natural. E como não!? Pra quemvê água nesse lugar... No final das contas o que vale mesmo écomo tem gente sobrevivendo nisso tudo. E feliz.

No caldeirão da caatinga, onde só se vêem cactus,tabuleiros e pedregulhos, onde a ave não voa, porque o ven-to não sopra, bicho não come porque não há comida e aágua não se encontra com facilidade porque nem do céu elacai, mora uma família que vive abaixo da linha da pobreza.

Digo pobreza em relação ao que diz o nosso bendito “pai-dos-burros” como um estado ou qualidade de pobre, que tempouco dinheiro e recursos, está à margem do necessário àvida, na penúria e miséria. Escassez do luxo ou do básico.Mas de “pobreza de espírito”... disso nossa personagem nãosofre nem de jeito maneira.

Nesse dia descobrimos que o fim do mundo existe. Estáva-mos a pelo menos sete quilômetros do sítio mais próximo. Ali osúnicos vizinhos eram os urubus que apareciam se morria algumbicho.

Talvez o costume ou abandono tenha feito o espanto e acuriosidade dos moradores dos confins. Ao longe ainda, obarulho do nosso levante motorizado fez os habitantes espiar.Tão logo chegamos, um pequeno curioso veio de rápido to-mar sabedoria. E mais tarde soubemos que nossa vinda foimotivo de especulação. Quem será que veio por aqui? Valha!

Foi assim que fomos recebidas por Cebola, ummenino de doze anos, magro, cabelo crespo equeimado de sol. Mas a mãe também veio seachegar. De cara nos invadimos de um medo euma ansiedade. Era ela a tão falada Salete. Ago-ra não tinha mais volta. Era hora de tentar arran-car como mineradores o ouro que ela tinha guar-dado. E como? A dúvida ainda permaneceu portoda nossa estada, até a tacada final. Cerca detrês dias. Foi quando pensamos “é tudo ou nada”.Isso eu esquecemos de contar. Chegamos cercade 1 hora da manhã de uma quinta-feira. Volta-mos às 15 do domingo. Trazendo a resposta? Mediga você.

Mas voltando. Era ela! As pregas no rosto acu-mulavam um pouco de sujeira e pareciam se mul-tiplicar quando ela ria. E nós veríamos por toda aconvivência o quanto ela ria. Ora gargalhava. Namaioria das vezes até. Inesquecível esse som. Setinha uma coisa que Salete não economizava era aexibição de seus três dentes estragados. Cabelo jáem muito branco, crespo que só e nenhuma vaida-de. Às vezes nem de limpeza. Um dia Cebola gritoudo açude pálido mais achegado:

- Ô maim, vem! Deixe de cê imunda, 15dias sem tomar baim!

- Vai tomar no cú, menino! hahahahaha– Salete retrucou encabulada.

No interior da terra dos pistoleiros, ela nosrecebe gentilmente em sua casa. Uma sala, umquarto e uma cozinha, alguns metros quadra-

Page 3: Eu, Tu, Nós?

dos de miséria, muitos hectares de abandono.Sem luz. Sem banheiro. Sem carne. Junta comEdmílson, conhecido por Papel, divide o teto comos filhos de outras uniões. Convidando-nos aentrar na casa, ela diz:

- Olhe você num repare pra minha cozinhanão que minha cozinha tá toda bagunçada.

- Não Salete, a gente vai é te ajudar. – dizuma de nós.

- Má! Vai pra lá, negócio de ajudar nada!Hahaha – responde Salete.

Alguma coisa a gente tinha que dizer. Nãopodíamos anunciar assim, sem mais nem me-nos, o nosso verdadeiro propósito. Digamosentão: “Somos alunas de jornalismo e vamosfazer uma matéria sobre a vida do homem nocampo. A gente quer conhecer uma pouquinhoda sua vida.” Pra quem dizia querer só umpouquinho, bem que a gente perguntou demais.

Engravidou 13 vezes. Teve 10. Abortou 3. Dosque viveram, ela só criou 3. As condições, ou me-lhor, a falta delas, fez com que ela doasse o restan-te, sem remorso. Deu a conhecidos da região.

Um retrato comum no sertão, onde o usode contraceptivos é quase um mito. Criou seusapelidados Mascote, Cebola e Claudiano. O pri-meiro com cerca de vinte e dois anos e o tercei-ro com seus vinte e cinco. Dos outros tem ape-

nas notícia, e algumas fotos guardadas na estante da sala, naqual guarda alguns resquícios da modernidade: uma televisãoque, como diz, ela guarda do tempo “que era gente”, e umrádio a “piula”.

Na parede pendurada a foto de uma pequena, que agora jámoça vive em Juazeiro.

- Mas ela a senhora deu também? - perguntamos.- Dei. Eu vivia lavando roupa né? Aí eu deixava ela lá, aí eu

só trazia de noite. Aí um dia faltou água na lavanderia. Aí nóisfomo lavar roupa meia-noite. Aí ela pegou e ficou dormindo lá. Ecom esse negócio de dormir lá, pronto! - Diz Salete.

- Nunca mais voltou? - nos admiramos.- Nunca mais voltou. - ela confirma.- E a senhora não sente saudade não? - duvidamos.- Eu não! De primeiro eu ligava pra lá, às vezes de quinze em

quinze dias, mas tudo agora é difícil né? - ela se justifica.- E a senhora tem notícia dela, se tá bem? - continuamos.- Tem.- E dos outros a senhora não sente falta não? - nos espantamos.- Eu não! Às vezes eu me lembro. - ela responde, sem muita culpa.Quem teria o direito de julgar? Escrever, ela só sabe o nome.

E muito mal. Diz que desaprendeu. Se mudou do Baixio, de ondevivia, porque lá não tinha emprego. Continua sem. Pra ganharalgum faz malha. Uma espécie de crochê que nem sabe encherdireito. Seus dois metros são vendidos a cinco reais. Pelo menosali ela vive de favor de um rico fazendeiro, dono da terra ondemora Salete e de muitas outras da região, o mesmo que nosrecebeu em sua belíssima casa. Salete não paga aluguel, nemágua, nem luz, já que não tem mesmo. Não reclama. Se bendizpor isso. Menos uma despesa.

Falando em água lembramos de quando ela ofereceu umcafé. Na caneca, que ela só molha na água que traz do pequenoaçude, ela serve o café meio aguado. Antes de tomar uma súbitacuriosidade veio quando avistamos pontinhos que pareciam alémdo pó.

- Você ferve a água? – perguntamos meio receosas.- Nem!!! Má! Nunca tive nem dor de barriga! - ela riu.O jeito que teve foi aproveitar a entrada dela em outro “cô-

modo” pra jogar na terra o conteúdo. Aproveitamos a água de“lavar” a caneca pra despistar. Ainda bem que ela não viu. Piorainda foi comer o arroz com feijão gorduroso do dia seguinte.Esse não teve como escapar. A gentileza era bem maior do queo nosso desgosto. Mas até que não tava ruim. O pior era a des-confiança do que a gente podia encontrar no prato. Ou o quenosso estômago ia encontrar.

Um dia a gente foi lá e pra nossa surpresa tinha visita. EraToinha, mulher que se “ajuntou” com Claudiano, o filho maisvelho de Salete. Péra. Claudiano é o filho que o povo fala? Naverdade o que o povo fala mesmo é que é medonho. Mas isso épra já. Como eu ia dizendo, Toinha tem seus 48 anos e mora hojecom o filho, sem segredo mesmo para os demais, predileto de Salete.

- E a senhora, Dona Salete, ficou com muito ciúme quando

Page 4: Eu, Tu, Nós?

Ave Maria!!! Eu quero bema tudim dos meus filhos, mas com

ele é diferente.

ela levou o Claudiano daqui? – perguntamos.- Ave Maria!!! Eu quero bem a tudim dos

meus filhos, mas com ele é diferente. – ela con-fessa.

- Aff!! Chorou demais! Ele também é o pri-meiro. – diz Toinha.

- Quer ver ela chora. Falou nele ela já táchorando. – fala Cebola.

- Eu já me acostumei. – diz Salete, com umar triste.

- Ela já se acostumou. Aqui e acolá ela vailá. – continua Toinha.

- Da primeira vez a gente estranha. Todatarde eu vejo ele. – Salete.

- Oia.. no primeiro dia que ele foi embora,ela chorava, chorava, mas nem chora mais não.Só quando ele [Claudiano] vem acolá gritandocom as ovelhas, aí ela chora. – diz Cebola, man-gando da mãe encabulada.

Claudiano é o filho que dizem ter visto comSalete no curral, em dia de Natal organizadopelo grande latifundiário dono de todas aquelasterras, inclusive da casa de Salete, que resolveuorganizar um forró para reunir os moradores/trabalhadores de suas terras. Talvez não tenha-mos deixado muito claro. Dizem ter visto Saletenamorando o filho no curral. E olhe que dessahistória todo mundo dá conta na cidade. Dizem,inclusive, que ele é filho do pai de Salete. Aí ficamais medonha ainda a história. Mas isso é oque dizem. Até onde isso é verdade é o que agente quer saber.

A atual mulher de Claudiano, a Toinha, antesde viver com ele, morava com um senhor de 73

anos que foi assassinado por rixa. A diferença deidade é muita, mas ela diz nem se importar. Faladele com carinho e diz que seu “véi” foi quem atirou “da vida” que ela levou desde os catorze anos.

Assim como Salete, Toinha também temfama de cachaceira. Mas e a nossa história? Agente ainda não sabia como conseguir. Foi quan-do Salete disse, referindo-se à nora:

- E tem uma coisa. Ela conta a vida delatodinha. Porque ela sabe... agora eu digo quenem... graças a Deus eu me perdi mas nuncafreqüentei cabaré. Ela já freqüentou né?

- Ela contou todinho os pecado pra vocês né?- Não, mas num faz vergonha não, Dona Salete.- Num faz vergonha não. – Ela parece ten-

tar se convencer.- Quem num deve num teme né? – Provo-

camos.- Pois é, mas bixinha, viu? Deixa eu dizer:

sabe de uma coisa? Porque eu nunca me perdiem cabaré. Eu me perdi... eu pegava um e ou-tro quando eu ia pras festas né? Mas só que elafreqüentou cabaré como ela contou a vocês.Ela não tem vergonha.

- Bonito da parte dela. – elogiamos a cora-gem de Toinha como uma tentativa de fazercom que Salete fizesse o mesmo e nos revelas-se seus segredos.

- Pois é. E é do mesmo jeito com eu, seeu tiver uma coisa pra dizer eu digo logo né?Pois é, agora ela não teve vergonha.

- Mas ela tá certa, não tem que ter vergo-nha. É que nem ela diz né “O que é passado...”

Era essa deixa que a gente tinha queaproveitar tão logo.

Papel é o quarto companheiro de Salete.O primeiro, pai de Mascote e Claudiano, erahomem casado, que mora em São Paulo eaté hoje vem à Jaguaribe, quando é festa dapadroeira. Mas ela diz que nem se alembraque viveu com ele. O segundo era umparaplégico que morreu em acidente. O ter-ceiro, pai de Cebola. Por Papel, Edmílson, queela conheceu num bar e logo se juntou, Saleteparece ter estima e diz que não larga elepor nada. Um homem que, segundo ela, pega

Page 5: Eu, Tu, Nós?

todos os 45 reais que recebe semanalmente pelotrabalho na plantação de banana e graviola, pradespesas da casa. Tentamos medir o carinho deSalete por seu companheiro:

- Quando o Seu Papel sai, a senhora ficamorrendo de saudade?

- Aff Maria, quando Papel vai pra rua, quan-do dá nove horas... - Ela diz com veemência.

- A senhora já tá num pé e noutro.- Fico de ôi na estrada. “Ô meu Deus”.- Aí quando ele assobia, a senhora já sabe

que ele tá chegando.- Aff Maria. – ela confirma.- Todo dia o senhor assobia quando chega

ali? Perguntamos agora ao próprio Papel, quetambém se encontrava na humilde sala.

- É.- Eu se eu tirré sozinha dia de sexta-feira

quando ele chega naquele alto ele primeiro gri-to que ele dá “Wooooo”, aí eu vou de lá e gritotambém. – acrescenta Salete.

De Seu Papel a gente não tem tanto a falar.Seu papel aqui é pequeno como a sua estatura.Mas Salete diz que ele ainda dá no coro. Bastaencostar! E gargalha, satisfeita. Cachaça eletoma também como água. Talvez menos queSalete. Inclusive eles tomaram uma cachaçaempalhada que demos de presente.

Não havia mais tempo. Não tinha mais es-capatória. A gente tinha que voltar pra Fortale-za. Então tomamos coragem...

- Gostou daquele forró? [na casa do fazen-deiro] - perguntamos.

- Demais. - afirma Salete.- Dançaram a noite toda?- Foi.- Ela já conhecia nóis, rapaz! – admira-se o

Seu Papel, referindo-se a uma de nós, presentena referida ocasião.

- Conheço. Eu só lembro de Dona Salete,do senhor eu não lembro não. Dona Salete dei-xa eu perguntar uma coisa. Naquele forró, foiuma loucura danada né, era bebo pra todolado... – pergunta a presente na festa.

- Era.. – ela confirma.- Depois inventaram uma estória, num sei

se é verdade. Foi verdade aquela estória queinventaram da senhora? - a participante do even-to continua.

Ela silenciou, talvez fazendo que não ti-nha entendido.

- Foi verdade não? – ela insiste.

- Aquela história houve bicho. Foi bicho.Disseram que eu tava com meu fí, num foi? -Salete finalmente quebra o silêncio.

- Foi. – intervém Seu Papel.- Quem era o filho? – continuamos.- Claudiano, meu filho mais velho, que tá

completando ano hoje. Eu dormindo num quar-to trancado mais Edmilson, aí dizendo que eutava mais Claudiano. Nega réia, quando eu che-guei na rua que eu sube...houve bicho. – diz Salete.

- Quem foi... mas porque inventaram essahistória?

- Agora ninguém num sabe.- Você não sabe não quem foi que inventou

essa história?- Ninguém sabe quem foi.- Mas inventaram, num foi? Num foi verdade?- Foi. Agora o que eu num faço, eu num

escondo não. Aí disseram que foi Fátima, amulher que vivia antes com ele né?

- Que vivia com quem?- Com Claudiano.- Antes dele casar.- Antes dele ter outra né? Aí ela disse “Salete

não fui eu não, essa história tá correndo aí.”Mas eu nunca procurei o dono dessa história.Nega véa eu chorava ingual Madalena. Eu nãoalmoçava, nem jantava, nem nada. E Edmilsoncomeçava a brigar comigo.

- O senhor ficou com raiva dela foi, SeuEdmilson? Nos dirigimos agora a Seu Papel.

- Eu não. – ele diz sem demonstrar tantafirmeza.

- Não, ficou não. Ele num ficou não, porqueele num tava vendo eu aqui dentro de casa? Como

Page 6: Eu, Tu, Nós?

era que ele podiaficar com raiva,nera? Aí disseramque eu tava, que eue Claudiano tavatrancado lá dentrodo quarto. Mas euentrego a Deus. –Salete toma as réde-as da conversa.

Melhor deixarpra continuar essaconversa quandoSeu Papel estiverlonge. Foi o quepensamos. Talvez

assim Salete expusesse mais detalhes. Opa. Apro-veitemos então a ida à casa de Claudiano. Com opretexto de manter a promessa da visita a Toinha eainda mais de levar Seu Papel e Dona Salete paraparabenizar Claudiano, que completava seus vintee seis anos. Não podia ter dado melhor. Com adistração de Seu Edmílson... Ainda melhor. Acabine do carro só cabia três, espremendo. Elamesma sugeriu: “Nóis bota ele em cima e nóisvamo as três embaixo.”. Assim a gente podia con-versar melhor. Pronto!

- Sim... – introduzimos a conversa, agorano aperto do carro.

- Não, mulher... nóis fomo pa festa do Re-creio né...aí quando nós cheguemo lá nóiscomecemo a tomar. O que eu faço eu num negonão, mulher! Aí diz que.. levaram eu pa dormirlá no quarto da ração. Aí quando deu fé Edmilsotava bebo também. Aí quando foi ôto dia foi ocomentário que eu tava com Claudiano. Negavéa... cê acredita... eu chorava nega véa. Cê

acredita que nem comer eu num comia. Coisamais simples que tem é a pessoa levantar falsodo que a pessoa não faz né. Fiquei como doida...

- Será que a senhora não tava beba demaise não lembra hein?

- Não, mulher. Mas Claudiano num ficou maiseu. Claudiano, sabe pronde que Claudiano foi?Claudiano foi lá pro fí de João Pedro. Lá pro. Seilá onde é... Aí passou uns dois dias sem eu dizera Claudiano. Aí quando foi com uns 3 dias aí eudisse “Claudiano, você tá sabendo o que é quetá acontecendo com nóis dois?” Ele disse “Seinão, Salete” Eu disse “Pois, tão levantando fal-so, um falso Claudiano que você tinha ficado nafesta do Seu Chico comigo. O homem endoide-ceu, nega veia! Eu num sei quem disse nemquem num disse. Sei que tavam levantando essefalso. Aí ele ficou doido, começou a chorar. Eudisse “Num adianta chorar! Você sabe que vocênão fez nada comigo e eu também sei o que fezcomigo.” Aí ele disse: “Mas Salete será que Pa-pel tá sabendo dessa coisa?” Eu disse: “Ele numtá sabendo não, mas de tarde eu digo a ele.”Quando eu disse a Papel ele falou: “Não Salete,eu já venho sabendo lá do projeto”. Disseramque tinha sido a ex mulher de Claudiano, quegostava dele, que tinha dito isso. E eu fui baterna rua muito cedo. Ela disse: “Não, Salete. Todomundo tá sabendo, mas ninguém sabe quem foio pai da conversa não.” Eu sei que nóis fiquemofeito doido. Deus me livre! Eu tenho meus fí,ingual uma mãe minha. Infelizmente eu numtenho minha mãe, eu num tenho pai, mas eutenho meus fi ingual uma mãe minha.

- Mas os filhos da senhora num chamam asenhora de mãe, né... chamam de Salete.

- Chamam de Salete porque foram criadocom minha mãe.

- E parece que quando teve essa história,parece que andaram dizendo que a senhora tevefilho com o pai da senhora, foi?

- Hum? - Teve essa história também que a se-

nhora teve um filho com o pai? - Não, mas era mentira, mulher! Inven-

to do povo. É mentira do povo. É mentira dopovo. Se eu tivesse eu num tinha pra que negar!

Tínhamos escutado a versão dela. Comotodo bom aspirante a jornalista, fomos atrás dofoco da “difamação”. Tínhamos já escutado pe-los quatro ventos, embora nem sei como aindaSalete não sabia quem teria visto e espalhado o

Page 7: Eu, Tu, Nós?

De entrevistadaa entrevistadora

E em alguns momentos Salete não negava mesmo,por mais que seu pensamento pudesse chocar. Muitasvezes ela mesma incentivou que uma de nós, que tinhadeixado o namorado em Fortaleza, arranjasse outro emJaguaribe:

- Você tem namorado né? - Salete indaga a uma de nós.- Tenho.- Quantos dias você tá aqui? – Ela troca seu papel de

entrevistada por entrevistadora.- 3 ou 4 dias.- Arrumou nenhum namorado aqui? – Ela duvida.- Não, eu sou fiel.- Ai é? – Ela ironiza.- É.- Ah... nenhum namorado, mulher!? Ai você num

arranjou nem um namorado. – Ela insiste como quemacredita conseguir uma confissão, assim como nós.

- Nenhum. Falo com meu namorado todo dia portelefone.

- Mur.. Por que cê num arruma um aqui? Você numtem coragem? – Ela desafia.

- Não, tenho coragem não.- Ei, passe um chifre com Leandro. – Ela aconselha.- Não, dá certo não.- Por que? Passe um chifre com Leandro, homi. – Insiste.Perguntada sobre suas próprias aventuras, Salete é

reticente:- Eu num tive coragem de trair ele [Papel] não, agora

na hora que eu trair eu vou trair assim de uma vez!- A senhora pensa em trair Seu Papel, Dona Salete? –

Perguntamos.- O que???? MAH! Cê pensa que eu num tenho cora-

gem de trair Papel não é? Hummm vê, vá! Venha pra cá! Cêpensa que eu num tenho coragem de trair Papel não?

- E tem?Silêncio. Dizem que às vezes ele fala por mil.

causo. Seria Branco o responsável pelos boatos. Mora-dor e funcionário da belíssima fazendo em que noshospedamos, Branco tem cerca de vinte anos, é irmãode Pequeno, que é primo de Quindim, que é sobrinhode Galega, que é “junta” com Cinza, mas teve um casocom Preto. Pelo visto o costume dos apelidos não é sóda casa de Salete, mas da região.

- Como foi? - Iniciamos nosso confronto de ver-sões.

- Não, sei não... – Ele desconversou.- E como é que tu diz que tavam fazendo coisa que

não devia?- Porque tava.- Você viu?- Vi.- Você viu o negócio lá?- Não, só vi eles abraçado.- Tu num abraça tua mãe?- No escuro!!!? – Ele ironizou.- Que é que tem?E a conversa finalizou. “Daquele mato não saía

cachorro”, como se diz. Branco resolveu continuar comsuas conclusões e, não satisfeito, teria espalhado osboatos pela cidade.

Já não podíamos fazer mais nada. A verdade sócabia a quem de fato sabia. Salete e Claudiano. Nosdespedimos então.

- Ave Maria que saudade que vocês vão me fazer.– disse Salete chorosa.

- Não, mas a gente vem de novo. – prometemos.