EUNICE MARIA PINHEIRO DE OLIVEIRA - … · Agradeço à equipe de trabalho do Campus Ji-Paraná,...

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i FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS EUNICE MARIA PINHEIRO DE OLIVEIRA ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA PELA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO CRÍTICO: UM POSSÍVEL CAMINHO PARA COMPREENDER AS DIFERENÇAS Porto Velho RO 2016

Transcript of EUNICE MARIA PINHEIRO DE OLIVEIRA - … · Agradeço à equipe de trabalho do Campus Ji-Paraná,...

i

FUNDAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDNIA

NCLEO DE CINCIAS HUMANAS

MESTRADO ACADMICO EM LETRAS

EUNICE MARIA PINHEIRO DE OLIVEIRA

ENSINO DE LNGUA ESPANHOLA PELA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO

CRTICO: UM POSSVEL CAMINHO PARA COMPREENDER AS DIFERENAS

Porto Velho RO

2016

ii

EUNICE MARIA PINHEIRO DE OLIVEIRA

ENSINO DE LNGUA ESTRANGEIRA PELA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO

CRTICO: CAMINHO PARA COMPREENDER AS DIFERENAS

ORIENTADORA: PROFA. DRA. Odete Burgeile

Texto da Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao do Mestrado Acadmico em Letras da

Universidade Federal de Rondnia como parte dos

requisitos exigidos para a obteno do Grau de Mestre em

Letras.

Porto Velho RO

2016

iii

FICHA CATALOGRFICA BIBLIOTECA CENTRAL PROF. ROBERTO DUARTE PIRES

Bibliotecria responsvel: Eliane Barros CRB 11.549

O48e

Oliveira, Eunice Maria Pinheiro de Ensino de Lngua Espanhola pela perspectiva do letramento

crtico: um possvel caminho para compreender as diferenas / Eunice Maria Pinheiro de Oliveira. Porto /velho, 2016.

107 f. Orientador: Prof Dr Odete Burgeile Dissertao (Mestrado Acadmico em Letras) Universidade

Federal de Rondnia, rea de Letras e Lingustica, 2016.

1. Ensino Lngua estrangeira. 2. Ensino - Abordagem. 3. Ensino Letramento crtico. I. Universidade Federal de Rondnia. Faculdade de Letras. II. Ttulo.

CDU: 37.015.3

iii

iv

Agradecimentos

Ao concluir este trabalho, vejo o quanto me superei. Os deslocamentos semanais, as

viagens, o trabalho dirio, as aulas, as leituras e trabalhos: aprendizado. Para chegar at

aqui, contei com o auxlio de muitas pessoas, enumer-las todas, seria invivel. Reconheo,

neste espao, o auxlio que recebi e apresentarei aqueles que estiveram comigo mais de

perto, acompanhando o passo a passo e celebrando a vitria.

Agradeo vida que tive e tenho, por todos que dela fizeram e ainda fazem parte. Neste

momento especial, cito meus pais pela educao moral que recebi e aos familiares todos,

com os quais compartilhamos vnculos mais que genticos. Compartilho esta conquista com

os filhos, dos quais recebo apoio irrestrito em toda minha vida, aos meus pais, irmos e

toda famlia.

Gratido professora Doutora Odete Burgeile por ter me acompanhado nesta pesquisa,

conduzindo meus primeiros passos e, ao final, orientando a finalizao deste trabalho.

Agradeo professora Doutora Maria Cludia Fernandes Correia pela contribuio para o

desenvolvimento desta pesquisa. As professoras foram fundamentais na pesquisa,

organizao e descrio deste trabalho que, acima de tudo, me trouxe aprendizado,

possibilitando que eu amadurea como profissional, melhorando minhas condies de

trabalho e, acredito, meu desempenho como professora.

Aos amigos encarnados e desencarnados do C.E. Caminho da Redeno em Ji-Paran/RO,

minha eterna gratido por me doarem o melhor de si.

Dedico este trabalho ao querido amigo irmo Marcos Mendes Borges.

Andreia Mendona, minha eterna gratido pela amizade e pelo auxlio, de quem tive o

impulso mais que necessrio, organizando meu material e meus horrios para que eu

pudesse estudar. Jnia Maria de Paula, amiga pra todas as horas, do chimarro UTI,

minha gratido eterna.

v

Agradeo equipe de trabalho do Campus Ji-Paran, nos diversos setores pelo apoio

recebido, facilitando as condies para que eu pudesse cursar as matrias e tivesse tempo

para escrever. Aos meus colegas, com os quais convivo diariamente no ambiente de

trabalho, pelo incentivo espontneo e sincero.

Minha gratido ao grupo de alunos do Mestrado em Letras 2013 por criar um espao de

partilha em que trocamos nossas angstias e nossas vitrias.

Agradeo coordenao e aos professores do Mestrado em Letras da UNIR, dos quais

recebemos o preparo para adentrar ao mundo da pesquisa, compartilhando seus saberes, nos

orientando e incentivando.

Aos meus alunos, que so, naturalmente, meu estmulo na busca por me atualizar e

melhorar o trabalho do qual so participantes. Em especial, agradeo aos alunos que

aceitaram participar deste estudo, expondo suas opinies e sugestes. todos minha

gratido.

vi

O mundo globalizado contemporneo traz consigo a aproximao e justaposio de

culturas e povos diferentes - muitas vezes em situaes de conflito. Se todas as partes

envolvidas nos conflitos tentassem ler criticamente suas posturas, procurando

compreender suas prprias posies e as de seus adversrios, h a esperana de

transformar confrontos violentos e sangrentos.

Lyn Mrio T. Menezes de Souza

Epgrafe

vi

RESUMO

A presente pesquisa nasceu do interesse em promover a participao e interao dos

alunos durante as aulas da disciplina de lngua espanhola como lngua estrangeira. Para

isso, apresentamos a proposta para o ensino de lngua estrangeira a partir da abordagem de

ensino concebida como letramento crtico, o qual visa, por meio da leitura discursiva,

promover o envolvimento e participao dos alunos nas aulas. O trabalho foi desenvolvido

com um grupo de alunos do ensino mdio, os quais j estavam em contato com essa

abordagem. Os alunos responderam questionrio em que buscamos conhecer a percepo

deles em relao s aulas de lngua espanhola. O estudo discute lngua, ideologia, poder

hegemnico e a questo lingustica no Mercosul (PHILIPSON, 2011; MOITA LOPES,

2002; LEFFA, 1999), esclarece os conceitos de Letramento, Letramento crtico, a relao

dessas propostas com a leitura e como isso se aplica s aulas de lngua espanhola (FREIRE,

1987, 2002, 2005; ORLANDI, 1992, 1996, 1999; DUBOC, 2014; JORDO, 2013, 2014;

MENEZES DE SOUZA, 2011); apresenta uma possvel aproximao entre as teorias Ps-

Coloniais e o letramento crtico (GROSFOGUEL, 2012; QUIJANO, 2014; SANTOS,

2007); analisa os possveis efeitos do letramento crtico nas aulas de lngua espanhola, se

os alunos passaram a ter mais contato com a lngua espanhola fora da escola, se associam o

que aprendem vida prtica, como as aulas interferem ou no em suas vidas; busca

visualizar no resultado do trabalho, o que pode ser considerado positivo ou negativo e o que

pode ser melhorado. Aps as anlises, sugere a viabilidade do letramento crtico no ensino

de lngua espanhola como aliado na promoo da educao para a cidadania, pautada na

participao social.

Palavras-chave: Abordagem de ensino. Lngua estrangeira. Letramento crtico. Ps-

colonialismo.

vii

RESMEN

Esta investigacin surgi de la necesidad de encontrar una manera de estimular el inters y

la participacin de los alumnos en las clases de lengua espaola como lengua extranjera.

As que, presentamos la propuesta para la enseanza de lengua espaola como lengua

extranjera desde la perspectiva de la literacidad crtica, lo cual busca en la lectura

discursiva un medio para la promocin de la participacin de los alumnos en las clases. El

estudio cuenta con la participacin de un grupo de estudiantes de bachillerato que ya tenan

contacto con ese abordaje en sus clases. Los alumnos contestaron a una encuesta en la cual

buscamos conocer sus percepciones sobre las clases de lengua espaola. La investigacin

discute lengua, ideologa, poder hegemnico y la cuestin lingstica del Mercosur

(PHILIPSON, 2011; MOITA LOPES, 2002; LEFFA, 1999), aclara las conceptuaciones de

literacidad, literacidad crtica, como esas propuestas se relacionan con la lectura y la

manera como son aplicadas en la enseanza de lengua espaola (FREIRE, 1987, 2002,

2005; ORLANDI, 1992, 1996, 1999; DUBOC, 2014; JORDO, 2013, 2014; MENEZES

DE SOUZA, 2011); presenta una posible aproximacin entre las teoras poscoloniales y la

literacidad crtica GROSFOGUEL, 2012; QUIJANO, 2014; SANTOS, 2007); analiza los

posibles de la literacidad en las clases de lengua espaola, si los alumnos han buscado tener

ms contacto con la lengua fuera del ambiente escolar, si relacionan lo que estudian a la

vida cotidiana, como las clases interfieren o no en sus vidas; el resultado de la investigacin

busca conocer lo positivo, lo negativo y lo que puede ser mejorado en la enseanza por

medio de la literacidad crtica. Tras los anlisis de los datos, esa investigacin sugiere la

viabilidad de la literacidad crtica en la promocin de la educacin para la ciudadana, con

base en la participacin social.

Palabras clave: Abordaje de enseanza. Lengua extranjera. Literacidad crtica.

Poscolonialismo.

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Lista de Abreviaturas

AD Anlise de discurso

AIE Aparelhos Ideolgicos de Estado

DOU- Dirio Oficial da Unio

EUA Estados Unidos da Amrica

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IDH ndice de Desenvolvimento Humano

ILI Ingls Lngua Internacional

LA Lingustica Aplicada

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao

LC Letramento Crtico

LE Lngua Estrangeira

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

OCEM Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio

PCN Parmetros Curriculares Nacionais

PIBF Escolas Interculturais Bilngues de Fronteira

UE Unio Europeia

UNILA Universidade Federal da Integrao Latino-americana

ix

SUMRIO

1. CAPTULO I LNGUA E PODER HEGEMNICO ..................................................... 18

1.1 Lnguas estrangeiras ou lngua estrangeira? A hegemonia do ingls ............................. 18

1.2 Lnguas, ideologia e imperialismo lingustico ................................................................ 23

1.3 Educao no Mercosul ................................................................................................... 23

1.4 Lei 11.161 de 5 de agosto de 2005 poltica de integrao no Mercosul o espanhol no

sistema de ensino brasileiro .................................................................................................. 24

1.5 A possvel integrao lingustica entre os pases latino-americanos .............................. 26

1.6 O espao da lngua portuguesa na Espanha .................................................................... 29

1.7 Qual o propsito do ensino de lngua estrangeira no Brasil? ......................................... 31

1.8 Aparelhos ideolgicos de estado: o tradicional papel da escola ..................................... 32

1.9 Mtodos e abordagens do ensino de lnguas estrangeiras nas escolas: o antes e o agora

.............................................................................................................................................. 36

1.10 A atual poltica lingustica aplicada ao ensino de lnguas estrangeiras a caminho da

transformao ....................................................................................................................... 37

1.11 Orientaes atualizadas o dilogo com o letramento ................................................ 39

1.12 OCEM ........................................................................................................................... 40

2 CAPTULO II LETRAMENTO ..................................................................................... 42

2.1 O pensamento crtico de Paulo Freire e as novas concepes sobre educao: letramento

.............................................................................................................................................. 42

2.2 A contribuio da anlise do discurso francesa: concepes de leitura articuladas ao

letramento ............................................................................................................................. 46

2.3 Da leitura parafrstica para a leitura polissmica: em busca do letramento ................... 50

2.4 Leitura nas aulas de lngua estrangeira ........................................................................... 51

x

2.5 Letramento crtico: a aula de lngua estrangeira preparando para o respeito s diferenas

.............................................................................................................................................. 52

2.6 Concepes e propostas do letramento crtico ............................................................... 53

2.7 Escola, Aparelho Ideolgico, Discurso Pedaggico. Superao? .................................. 57

2.9 Dialogismo e interao construindo o letramento .......................................................... 60

2.10 O professor e o Letramento crtico - renovando conceitos e prticas .......................... 62

2.11 Aula de lngua estrangeira espao experimentar o lugar do outro ............................ 65

3 CAPTULO III LETRAMENTO CRTICO E PS-COLONIALISMO .......................... 70

3.1 Ps-colonialismo e letramento crtico irmanados na contribuio para o ensino de

lnguas estrangeiras. Descolonizao do pensamento e a promoo da respeitabilidade .... 70

3.2 Linhas abissais entre colonizadores e colonizados ...................................................... 73

3.3 Colonialidade conscincias colonizadas ...................................................................... 74

3.4 As vozes do sul - descolonizao em pauta .................................................................... 77

3.5 A educao no contexto da descolonizao ................................................................... 79

CAPTULO IV 4 PESQUISA E ANLISE DOS DADOS ................................................. 82

4.1 Contexto da pesquisa ...................................................................................................... 82

4.2 Perfil do leitor brasileiro comum .................................................................................... 82

4.3 Os jovens leem mais ponto positivo para o letramento crtico .................................... 83

4.5 O ensino de lngua estrangeira para a vida .................................................................. 89

4.6 Letramento crtico e transformao pessoal ................................................................... 90

4.7 Escola - o lugar de contato com a lngua estrangeira ..................................................... 91

4.8 A interatividade nas aulas ............................................................................................... 93

4.9 Nossas expectativas quanto ao LC e a realidade ............................................................ 94

4.10 O que ganhamos ou no - a balana do LC ................................................................. 95

xi

CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 99

REFERNCIAS ................................................................................................................. 102

APNDICE ........................................................................................................................ 107

QUESTIONRIO .............................................................................................................. 107

12

INTRODUO

Este trabalho resultado de nossa trajetria como professora at o presente

momento. Localizamos o incio h aproximadamente onze anos na rede pblica de ensino

do estado de Mato Grosso, passando, posteriormente, ao estado de Rondnia, onde

permanecemos. Ao concluir o curso de licenciatura plena em Letras/Espanhol pela

Universidade Federal de Mato Grosso, iniciamos esta experincia, a princpio no ensino de

lngua portuguesa, ministrando aulas na Educao de Jovens e Adultos da rede estadual de

ensino de Mato Grosso. Atualmente, nosso foco o ensino de lngua espanhola, atuando

como professora do Ensino Bsico Tcnico e Tecnolgico da rede federal. Desde a primeira

experincia comeamos a desenvolver a preocupao em nos aproximar do universo do

pblico com o qual estvamos lidando, visto que, segundo nossa perspectiva, havia certo

distanciamento entre os alunos e o objeto de estudo. A situao nos fez sentir a necessidade

de aproximar a matria de estudo, aparentemente abstrata, da realidade, levando

observao de que, em verdade, estudvamos aquilo que j conhecamos e que nos

familiar, que faz parte de nossas atividades dirias, a saber, a lngua. Aps essa experincia

inicial, tivemos a oportunidade de comear o trabalho como professora de lngua espanhola

no ensino mdio onde, mais uma vez, observamos a dificuldade em trazer o aluno para o

universo da lngua em estudo. Os materiais dos quais dispnhamos para apoio didtico

primavam pelo ensino da gramtica, fazendo da leitura dos textos um exerccio para inferir

informaes l contidas. A impresso era de que os alunos participavam das aulas de

maneira automtica, sem envolvimento ou interesse, parecendo que o que eles almejavam

era unicamente a aprovao formal na disciplina. Essas observaes nos alertaram,

mostrando que, para alcanar o objetivo de educar, preciso ateno, reflexo e

envolvimento. Assim, comeamos a buscar alternativas que possibilitassem romper com o

automatismo, tornando-nos mais independentes e ousados na busca por melhorar nossa

prtica educativa. Foi assim que, valendo-nos de uma postura reflexiva quanto ao

ensino aprendizagem, buscamos um modo de fazer das aulas uma atividade mais dinmica

do ponto de vista do educando, para que sentissem que a lngua ativa, uso. Mesmo sem

uma abordagem bem definida, buscvamos uma prtica autntica que pudesse nos

13

entusiasmar e tambm aos alunos. Ao refletir sobre o que desperta a participao de

nossos alunos, atentamos para a realidade contempornea na qual o uso das tecnologias da

comunicao fato. Apesar de no ser acessvel a toda a populao, a tecnologia faz parte

de nossas vidas, sendo preponderante entre os adolescentes. Tambm atentamos para a

criticidade de nossos alunos optando por aproveitar essa caracterstica estimulando-a e para

isso, entendemos que os textos autnticos, em sua proposta natural cumpririam esse papel.

Optamos por trabalhar textos selecionados pela internet, mostrando a fonte e a

importncia dessa informao para a compreenso dos sentidos. Como produto, passamos a

solicitar atividades aliadas leitura abordada. Nosso olhar sobre os resultados pareciam ser

positivos, logo entendemos como necessria a pesquisa que realmente ouvisse os alunos

sobre como esto recebendo essa abordagem. Nossa pesquisa nos levou ao contato com as

teorias sobre letramento crtico. Entendemos que essa a orientao que buscvamos e que

ela representa uma mudana de paradigmas. Essa mudana situa-se no questionamento

sobre o ensino de lnguas estrangeiras no Brasil, sobre o papel do ensino de lnguas na

formao dos alunos, atuando na orientao para a responsabilidade social pautada no

pensamento crtico, mostrando-lhes suas prprias condies de se transformarem.

Assim, vimos a necessidade de que esta pesquisa apresente as teorias sobre o

letramento crtico, suas origens e propostas. Buscando atender a tais questes, elencamos as

seguintes perguntas:

a) O que prope o letramento crtico? Em quais condies ocorre? Como promover o

ensino de lngua espanhola estrangeira segundo essa perspectiva?

b) Como os alunos percebem e recepcionam o ensino de lngua espanhola pela abordagem

do letramento crtico?

A busca por respostas que atendam a tais questionamentos nos trouxe a necessidade

de analis-los dentro do ambiente escolar, contando com a contribuio de participantes e

prticas reais, j que estamos todos, pesquisadora/professora e alunos/participantes,

inseridos no processo.

A primeira parte da pesquisa foi ofertada especificamente pelo programa do

Mestrado em Letras, tivemos aulas que nos prepararam para atuar como pesquisadores e

nos deram o suporte terico necessrio s nossas produes. O passo seguinte foi o

14

levantamento bibliogrfico por meio de leituras que abordam as polticas de lngua no

Brasil, a histria do ensino de lnguas no pas, as abordagens de ensino de lngua

estrangeira, sobre as teorias ps-coloniais e nos aprofundamos na leitura sobre letramento

crtico. Feito isso, passamos a estruturar o questionrio com o qual seria feita a coleta de

dados. A escrita teve incio logo no princpio do ano de 2015 e a coleta de dados foi feita

no segundo semestre do mesmo ano.

Optamos pela pesquisa participante de natureza qualitativa. Godoy (1995, p.5) ao

discorrer sobre o surgimento e aplicao deste tipo de pesquisa, conclui: do ponto de vista

metodolgico, a melhor maneira para se captar a realidade aquela que possibilita ao

pesquisador colocar-se no papel do outro, vendo o mundo pela viso dos pesquisados.

Nessa postura est o princpio da atividade de pesquisa, da temos a viso mais aproximada

possvel do nosso aluno e sua relao com o aprendizado. Os pesquisadores qualitativos,

segundo a autora (1995, p.7), tentam entender os fenmenos estudados a partir da

perspectiva dos participantes. Considerando todos os pontos de vista como importantes,

este tipo de pesquisa ilumina, esclarece o dinamismo interno das situaes, frequentemente

invisvel para observadores externos.

Ao adotar a pesquisa participante de natureza qualitativa, atentamos para a

observao feita por Demo (1995), o qual chama a ateno para a complexidade da

pesquisa tradicional, que busca mensurar em padres quantitativos as suas dimenses

qualitativas. Atendendo necessidade de equilibrar e refletir a natureza social da pesquisa,

Demo (2008) v na pesquisa participante o caminho para atender a tal complexidade. A

realidade social incrivelmente mais rica e exuberante do que as mensuraes que

possamos inventar (DEMO, p. 39, 2008). Entendemos como pesquisa participante por

tratar-se de um processo no qual houve uma transformao. Como demonstraremos, nossa

prtica de ensinar passou por uma mudana, na qual os alunos tiveram real participao.

Esclarecemos que esse processo de transformao ao qual aludimos teve incio juntamente

com nossa carreira no magistrio, portanto, esta pesquisa resultado de um tempo de

trabalho que no se restringe ao perodo no qual fizemos parte do programa de mestrado.

Os dados foram obtidos por meio da participao de um grupo de alunos do terceiro

ano do ensino mdio de uma escola pblica. Os participantes tem idade entre dezessete e

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dezoito anos e o primeiro contato deles com a lngua espanhola ocorre no momento em que

comeam as aulas na escola. J havia a aproximao entre a pesquisadora e os alunos, bem

como entre os alunos e a abordagem de ensino em estudo. O questionrio foi organizado da

seguinte maneira: seis perguntas abertas nas quais buscamos saber se o interesse dos alunos

pela lngua espanhola aumentou depois que comearam a ter aulas, se eles passaram a ter

mais contato com a lngua atravs de atividades como audio de msicas, filmes, jogos,

entre outros em lngua espanhola. As respostas a essa questo nos permitiram analisar como

as aulas, logo a abordagem em estudo, est, se est motivando os alunos, conforme o

esperado; para estimular a criticidade, pedimos que apontassem o que lhes parece positivo e

tambm o negativo das aulas e o que pensam que poderia ser diferente; se nas aulas eles

aprendem algo mais do que lngua ou no e se estariam contribuindo para a formao

pessoal, acadmica, profissional deles, at que ponto as aulas dizem respeito vida real

deles. Com esses questionamentos, espervamos ter noo do alcance do letramento crtico,

de como a abordagem vem sendo sentida na sala de aula e se isso positivo para nossa

proposta, que a motivao, o envolvimento, o desenvolvimento crtico que promove a

participao social e a cidadania. Uma das questes do questionrio elenca os possveis

meios de contato utilizados por eles para ter acesso lngua espanhola. Espervamos, desse

modo, saber em que medida esse contato acessvel e como isso influencia nos resultados

desejados. A pergunta mais exata, por assim dizer, solicita a atribuio de uma nota para as

aulas, numa escala entre 6 e 10. Assim, visualizaramos uma mdia pela qual teramos uma

referncia a mais naquilo que buscvamos, a saber, a percepo dos alunos quanto s aulas.

O conjunto de perguntas, acreditamos, pode oferecer um quadro das subjetividades, uma

vez que lhes foi oportunizada liberdade para expressar como se sentem usando suas

prprias palavras, numa estratgia cara ao letramento crtico. A interpretao dos dados tem

como parmetro as orientaes que sustentam o letramento crtico, isto , se as respostas

atendem aos pressupostos da abordagem. Para isto, amparamo-nos em JORDO (2007),

MENEZES DE SOUZA (2011), MONTE MR (2013), DUBOC (2014). O conhecimento

da percepo dos alunos sobre as aulas, alvo deste estudo, nos permite concluir que o

letramento crtico cumpre com sua proposta de motivar, de oportunizar a participao e a

interao e nisso alarga o espao para o pensamento crtico. Apesar dessa concluso,

16

destacamos que nossa postura de professor pesquisador no termina por aqui, que a auto-

observao, a constante reflexo a respeito do trabalho em sala de aula permanece. Assim,

teremos sempre em mente o quanto estamos ou no correspondendo s necessidades de

nossos alunos e s nossas prprias.

A escrita est estruturada em quatro captulos. O primeiro discute a relao entre

lngua, ideologia e poder, tal qual demonstra o domnio do ingls como lngua

internacional, tema discutido por Philipson (2011) e por Moita Lopes (2002), autores que

buscam elucidar tais fenmenos desde o passado at a contemporaneidade, expressando

suas posies, as quais servem de orientao para que tambm apresentemos a nossa

prpria viso. No mbito mais regional, feito um levantamento a respeito da educao no

Mercosul e da tentativa de integrao poltica e lingustica nessa regio, com destaque para

o Brasil, Argentina e Uruguai. As leis 11.161 de 25 de agosto de 2005 no Brasil, lei 25.181

de dezembro de 2008 na Argentina estabelecendo a obrigatoriedade da oferta do ensino de

lngua espanhola e lngua portuguesa, respectivamente, aliadas ao artigo 40 da lei 18.437 de

16 de janeiro no Uruguai, a qual reconhece a presena do portugus em suas terras e

apontam o esforo desses pases em se integrarem. O estudo analisa tais questes para

indicar uma possvel atitude do professor de lngua espanhola como lngua estrangeira em

meio a essa realidade. Ao adentrar ao ensino de lngua estrangeira apresenta um histrico

da metodologia empregada nessa rea e a atual poltica lingustica, especialmente no Brasil,

apontando o ideal de educao concebida por Paulo Freire (1987, 2002, 2005) como

precursor da concepo de letramento.

O segundo captulo faz um levantamento das concepes de letramento,

relacionando-o ao letramento crtico numa relao de derivao. Busca no aporte terico da

Anlise de Discurso Francesa desenvolvido por Eni P. Orlandi (ORLANDI, 1992, 1996,

1999) a concepo de leitura discursiva que queremos para as aulas de lngua espanhola por

entender que esse o meio vivel na promoo da participao dos alunos, sendo que essa

, tambm, a proposta base do letramento crtico. Visando esclarecer quanto s estratgias e

propsitos dessa abordagem, temos nos estudos desenvolvidos no Brasil por Ana Paula

Martinez Duboc (2014), Clarissa Menezes Jordo (2013, 2014) e Lynn Mrio Menezes de

Souza (2011) as principais contribuies, das quais lanamos mo para preparar as

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atividades ministradas durante as aulas e tambm na anlise dos efeitos dessas aulas na

percepo dos alunos.

A terceira parte da pesquisa analisa a possvel contribuio do Ps-Colonialismo,

luz das teorias concebidas por Ramn Grosfoguel (2012), Anbal Quijano (2014) e

Boaventura Souza Santos (2007), na descolonizao do pensamento a partir das aulas de

lngua estrangeira, tendo o letramento crtico como abordagem adequada para esse fim. Na

esteira de Divanize Carbonieri (2012) sustentamos a aproximao entre as teorias ps-

coloniais e o letramento crtico, ambos concebidos a partir do ideal de Paulo Freire sob a

premissa da promoo da autonomia, que conduz cidadania, princpios comuns a esta

proposta.

O quarto captulo se dedica a conhecer a percepo dos alunos quanto s aulas

orientadas pelo letramento crtico. Para isso, analisa e interpreta os dados obtidos por meio

da aplicao de questionrio. Ainda neste sentido, oferecemos nossa leitura sobre a

convergncia entre o letramento crtico e as teorias ps-coloniais aplicando, especialmente,

a observncia destas na educao e, mais especificamente, ao ensino de lngua estrangeira.

Pretendemos mostrar como os elos entre as citadas reas de estudo contribuem para os fins

que objetivamos.

18

1 CAPTULO I

LNGUA E PODER HEGEMNICO

O objetivo deste captulo tratar as questes polticas, econmicas e como elas

interferem na educao. Ao adentrar especificamente no ensino de lnguas estrangeiras,

discutimos a hegemonia de uma determinada lngua, apontando o que tem sido produzido

no sentido de questionar e resistir a essa hegemonia. O captulo apresenta uma investigao

a respeito da lngua espanhola na Amrica e da relao dos pases hispano-americanos com

o Brasil, das aes polticas no sentido de garantir a integrao lingustica e politica entre

os pases latino-americanos. H, ainda, um estudo sobre a lngua portuguesa na Espanha,

pas onde a lngua espanhola teve origem e como o pas trata a lngua portuguesa. Na

sequncia, apresenta a estrutura escolar configurada ideologicamente e como essa estrutura

atua sobre o e ensino, inclusive na rea de lnguas estrangeiras.

1.1 Lnguas estrangeiras ou lngua estrangeira? A hegemonia do ingls

Ainda que a legislao aponte para uma democratizao na escolha dos estudos de

lngua estrangeira, doravante LE, o que podemos observar o predomnio do ensino de

lngua inglesa. Para justificar esse quadro, observamos as possveis razes e entre elas

destacamos o domnio econmico exercido pelos pases de lngua inglesa, notadamente os

Estados Unidos da Amrica. Alm do mais, devemos considerar o processo histrico de

colonizao, em que pases como Reino Unido ocuparam e levaram sua lngua a diferentes

regies, o que justifica o fato de pases de distintos continentes terem o ingls como idioma

oficial, a exemplo dos Estados Unidos da Amrica, frica do Sul, Nigria, Canad,

Austrlia, Nova Zelndia, Filipinas, ndia, entre outros. Isso justifica, tambm, o destaque

exercido pelo ingls, pois alm de ser a lngua da atual potncia econmica mundial, a

lngua do pas que ocupava esse papel anteriormente.

Globalizao a palavra usada para definir o atual perodo. Kumaravadivevelu

(2008) faz um exame da atuao da Lingustica Aplicada, doravante LA, na era da

globalizao seguindo a perspectiva do ps-modernismo e ps-colonialismo, discursos

aplicados na produo de conhecimento da rea de cincias humanas e sociais em voga.

Kumaravadivelu, ao visualizar a atual fase da globalizao, cita outros autores, a partir dos

19

quais busca localizar o comeo desse processo. Citando Steger (2003), localiza o incio

dessa fase no surgimento da humanidade, remontando a 12.000 anos de histria, enquanto

Robbie Robertson (2003), outro autor citado, associa a globalizao ao incio do perodo

colonial moderno iniciado com os portugueses e espanhis. Assim, Kumaravadivelu

(2008) v na atual fase da globalizao uma mudana na paisagem mundial, cuja ocorrncia

se d de trs distintas maneiras: a primeira a diminuio das distncias de espao, ao

observar que em diferentes partes do mundo pessoas tem suas vidas afetadas por

acontecimentos que elas desconhecem; a segunda a diminuio da distncia temporal,

visto que as tecnologias mudam em ritmo cada vez mais veloz, provocando mudanas no

mercado e na vida das pessoas; a terceira remete ao desaparecimento das fronteiras que

regulam no somente os termos de comrcio, mas tambm as ideias, culturas, normas e

valores.

Tais mudanas tm como principal veculo a comunicao por meio da rede

mundial, a internet, que conecta os indivduos possibilitando a interao distncia em

tempo real. Nesse atual quadro da globalizao, est a lngua inglesa. Exatamente neste

ponto entra a Lingustica no sentido de lidar com o uso global da lngua, atentando para a

sua colonialidade, buscando estratgias que estimulem os educadores a buscarem todas as

alternativas possveis para preparar as disciplinas, assim como nossos alunos, a enfrentarem

o mundo globalizado. Dentro desse prisma, encontram-se as lnguas estrangeiras que so,

por natureza, revestidas de ideologias. Todas as lnguas tem esse carter, porm trataremos

do ingls, lngua hegemnica atual e do espanhol, lngua veculo de colonizadores.

Por se tratar do ensino de lngua estrangeira e reconhecermos a hegemonia da lngua

inglesa, esclarecemos que no propomos a substituio dessa hegemonia pela lngua

espanhola, nosso objetivo construir uma proposta de ensino que atente para a

colonialidade da lngua e seja capaz de aclarar tal situao.

Moita Lopes (2002), ao discutir o ensino de ingls como lngua estrangeira, fala em

uma tendncia a uma atitude colonizada que poderia afetar aos alunos. O autor justifica tal

proposio com base no estudo da histria da colonizao portuguesa no Brasil e a

colonizao dos demais pases da Amrica, os quais incutiram nas mentes dos colonizados

a crena na prpria incapacidade administrativa. Tal crena interditou o desenvolvimento

20

de uma autonomia e instalou, alm da dependncia administrativa, a colonizao das

mentes, ou seja, a dependncia cultural. Nas palavras do autor, o conceito de colonizao

parece repousar principalmente na dicotomia natureza e civilizao, duas realidades que se

relacionam atravs de um sistema de trocas desiguais (2002, p. 45) e essa premissa parece

ter sobrevivido mesmo aps a independncia das colnias, assim como sugere o autor, ao

demonstrar que o Brasil continua sendo explorado. Mudou a matria prima, j que acabou o

pau Brasil, mas, como sugere Moita Lopes (2002), temos as multinacionais que se instalam

no pas, destroem a natureza e utilizam a mo de obra barata do trabalhador brasileiro,

numa reedio do processo de explorao.

Podemos observar o efeito de seduo dos Estados Unidos da Amrica, doravante E

UA, sobre os demais pases. Atravs da bem sucedida indstria do entretenimento exporta,

por meio de sua produo cinematogrfica, padres de comportamento, ditam conceitos de

esttica, moda, msicas. Uma indstria empregada para alimentar o sonho americano e para

acessar esse sonho, necessrio falar a sua lngua. Por motivos como esses, vemos

expressiva quantidade de escolas de idioma, cuja oferta principal a lngua inglesa.

Leffa (2006) em discusso sobre o ensino de LE analisa o cenrio no qual uma

lngua se sobrepe s demais, atuando como lngua estrangeira hegemnica. Para o autor, o

ingls tem ocupado esse papel e, de acordo com ele, uma lngua internacional. Para tal

afirmao, o referido autor vale-se do argumento de que o ingls no pertence aos Estados

Unidos, Inglaterra ou demais pases de lngua inglesa e sim ao mundo. O autor (2006, p.15)

defende a ideia de que quando uma lngua se torna internacional, ela adquire

independncia. como se ela ficasse adulta e sasse de casa. A metrpole no a controla

mais. A ttulo de exemplos, cita o portugus, francs, espanhol e ingls. Apesar de

reconhecer o carter hegemnico do ingls, o autor diz acreditar no carter pacificador, em

sua neutralidade, uma vez que atingiu a maioridade, portanto, a independncia, da seu

emprego como ILI, Ingls Lngua Internacional. Em suas palavras,

O ILI apenas um instrumento que pode ser usado para diferentes objetivos,

servindo a diferentes interesses, quer seja de nosso pas ou do pas colonizador.

Mas a justamente em que se encontra o erro: achar que podemos us-lo para

defender os interesses de um ou de outro, quando deve ser usado para defender o

interesse de todos (LEFFA, 2006, p. 19).

21

Tais argumentos sustentam a proposta do autor de que o ensino dessa lngua seja

voltado para a solidariedade internacional, confiante de que a lngua se abstm de todas as

ideologias polticas, crenas e dios.

Contrrio a Leffa, Philipson (2011) sugere que h uma tenso advinda das foras

por trs da americanizacin e inglesizacin. Para justificar essa teoria, o autor relaciona o

cenrio atual s crenas que no passado sustentaram os argumentos do colonizador

europeu. Segundo ele, os ingleses davam por desocupadas e improdutivas as terras

localizadas no continente americano, o que justificaria sua ocupao e aproveitamento. A

dicotomia entre a civilizao europeia e selvageria dos outros continentes foi a principal

justificativa para a ocupao, escravizao e extermnio de naes indgenas no continente

americano. O mesmo se repetiu, por exemplo, na frica. Essa mentalidade formou os

Estados Unidos da Amrica, ancorado na figura do homem branco euro-americano e

possuidor de escravos. Para o autor, os Estados Unidos da Amrica constituem uma

sociedade de guerra, mais que uma sociedade de bem estar, sendo que essa realidade no

mais se limita ao territrio estadunidense, pois j uma realidade global. Cita o projeto,

segundo ele comprovado por documentos referentes dcada de noventa, no qual os EUA

teriam executado seus planos de controlar o mundo. Este controle, segundo o autor, pode

ser feito atravs da ocupao fsica ou pela mente (2011, p. 99). Philipson (2011) introduz

a ideia de que uma determinada lngua pode servir a qualquer propsito, seja ele malfico

ou benfico, como a promoo ou o combate ao capitalismo, o fortalecimento da

desigualdade ou a promoo da diversidade e o desenvolvimento sustentvel. Para ele o

ingls tem se prestado a esse papel devido ao capitalismo coletivo que marca a histria

contempornea, no processo por ele denominado como ocupao global, engendrado pelas

potncias econmicas de lngua inglesa, principalmente os Estados Unidos.

Colonialismo moderno a expresso utilizada pelo autor supracitado para abarcar a

contemporaneidade. Nesse cenrio, Philipson (2011) destaca o servio prestado pela

educao que ancorada no imperialismo lingustico, torna-se instrumento da colonizao

das mentes, segundo o autor, o meio mais eficaz de colonizar. Mais eficiente do que as

armas ou aparelhos tecnolgicos, pois introduz nas sociedades colonizadas uma categoria

de conhecimentos e de funcionamento de estruturas sociais, aos quais os colonizados

22

desconhecem. Todo esse processo engendrado e executado por meio da lngua. Aps

analisar a colonizao inglesa, posterior independncia e superao dos Estados Unidos da

Amrica em relao aos seus colonizadores, o autor conclui com as seguintes palavras sua

anlise sobre essa situao: Agora, desde 1945, os Estados Unidos tem sido quem governa

a conscincia humana (PHILIPSON, 2011, p.108). Ele elenca entre os instrumentos de

domnio estadunidense o sistema financeiro americano com seus bancos e instituies cujos

tratados no so equitativos, o poder de sua moeda, o imprio das comunicaes e a

macdonaldizao mundial. Acrescenta, ainda, o papel alienante da indstria

cinematogrfica que, segundo o autor, fomenta a cultura escapista da falta de solidariedade

social e ausncia de conscincia poltica.

Nesse contexto, visando fortalecer seus Estados, alimentar seus interesses e assim

fazer frente ao imprio dos EUA, naes europeias se organizaram e deram origem Unio

Europeia, doravante UE, (PHILIPSON, 2011) atualmente formada por vinte e sete pases e,

interessante notar, vinte e trs idiomas oficiais ativos. Para assegurar o multilinguismo

conta com servios de traduo e interpretao. No entanto, ao observar os aspectos

lingusticos dessa organizao, declara que a prpria fluidez das polticas lingusticas na

Europa faz dessa situao uma questo complexa. Neste ponto, cita a tenso criada a partir

do confronto entre o nacionalismo lingustico (de cada nao formadora da UE e suas

ideologias) e o multilinguismo prprio da organizao, ao qual se soma o crescente

domnio do ingls. Como demonstrao desse domnio, Philipson acompanha em seu

estudo o uso que a prpria UE faz do ingls em seus documentos. O ano mais recente por

ele analisado, dois mil e oito, o ingls foi empregado em setenta e dois por cento dos textos

da EU, nmero bastante superior ao francs, com doze por cento, o alemo, com trs por

cento e outros idiomas diferentes do ingls com treze por cento. Porm, segundo o autor, o

ingls reconhecido pelas instituies internacionais desprestigia as variantes dos pases

colonizados, chamados de novos tipos de ingls, tais como na ndia, Nigria, Malsia, as

variantes do Caribe, consideradas ilegtimas cujo uso aceito localmente e rejeitado fora de

suas regies. Temos com isso mais um exemplo de como o poltico interfere e determina o

lingustico ditando o que pode ou no, independente do que pensam, sentem ou das

consequncias s quais esto sujeitos os usurios das variedades consideradas ilegtimas.

23

1.2 Lnguas, ideologia e imperialismo lingustico

Adotamos a prudncia de Philipson (2011) que alerta para o risco de adotar o ingls

como ILI acreditando que seu uso em terras estrangeiras garante sua neutralidade cultural e

lingustica. Como adverte o autor, impossvel dissoci-lo, por exemplo, do fato de que a

lngua do exrcito mais poderoso do mundo e da economia mais forte do planeta. Logo, seu

uso seguramente alarga e legitima o colonialismo moderno, o enfraquecimento das

diversidades e consequente manuteno do imperialismo lingustico. De fato, assim como

aponta Philipson (2011), a lngua impregnada de ideologia e reconhecer essa realidade

uma necessidade para no cair na iluso do discurso da neutralidade lingustica. A histria

narra o emprego da lngua no processo de colonizao lingustica, culminando com a

colonizao das mentes. Ento, ao professor de lngua que se oriente pelo pensamento

crtico e acredita na tendncia emancipadora da educao, cabe a observncia sobre sua

prtica educativa, buscando alternativas que auxiliem na superao da colonialidade

veiculada pela lngua. Essa observncia pode trazer propostas de teor crtico, que so a

base para a construo da criticidade que queremos desenvolver junto com os alunos.

O pensamento crtico ao contexto do imperialismo econmico e suas vertentes fez

surgir a resistncia. So as teorias ps-coloniais cuja finalidade descolonizar, devolver a

voz aos silenciados do movimento colonizador antigo e atual. O caminho para a

descolonizao passa, necessariamente, pela descolonizao das mentes, um processo de

reconhecimento dos saberes prprios que resulte na desmistificao da crena em uma

inferioridade das (ex) colnias e a pretensa superioridade das potncias colonizadoras.

1.3 Educao no Mercosul

Figurando entre os pases colonizados, o Brasil fortemente impactado pelas

polticas econmicas exteriores. Considerado como pas em desenvolvimento, compartilha

com os vizinhos de continente sul americano a histria de ocupao e colonizao. Ianesko,

Burgeile e Lzaro (2012, p. 96) em estudo sobre a educao no contexto latino-americano,

mais especificamente no que chamam de educao mercosulina, referncia aos pases

participantes do Mercado Comum do Sul, bloco econmico formado por Brasil, Uruguai,

Paraguai, Argentina e Venezuela, analisam as semelhanas e as diferenas relativas

educao entre os pases do Mercosul. Segundo os autores, as comparaes apontam, entre

24

outras semelhanas, a existncia de investimentos em formao voltada para a tecnologia

no sentido de manipul-las sem, contudo, incentivar a inovao e criao tecnolgica. O

estudo conclui que, apesar dos avanos em relao democratizao dos sistemas de

ensino, no h um plano poltico pblico capaz de elevar a educao criticidade, o que se

aplica a todo o contexto mercosulino.

A mudana prescinde da educao e nesse sentido que as teorias ps-coloniais

trazem luz, revisitando a histria para, a partir dela, propor a retomada dos prprios passos

no movimento de descolonizar o colonizado para, ento, promover a justia e igualdade

social. Dentro desse contexto, a educao ps-colonial se prope a formar cidados

conscientes da importncia de lutar para ter seu protagonismo social na construo de uma

sociedade mais igualitria (IANESKO, BURGEILE e LZARO, 2012, p. 96). Com esse

propsito, a educao ps-colonial busca, por meio da prtica dialgica, superar o sistema

e, desse modo, garantir o poder da escolha, da autonomia dos educandos. Nos prximos

captulos, desenvolveremos a teoria ps-colonialista, sua sintonia com o letramento crtico

e como ambos colaboram na realizao da proposta de transformao elaborada por Paulo

Freire. O educador brasileiro parte do pensamento crtico para justificar e divulgar a

necessidade de mudanas que tragam a emancipao crtica em nossos alunos e na

sociedade. Tido como novidade em sua poca, as propostas de Paulo Freire ecoam e

tornam-se, podemos dizer, concretas, como exemplificaremos neste trabalho.

Para falar em educao no Mercosul, bloco ao qual o Brasil est filiado,

analisaremos os aspectos legais do ensino de lngua espanhola no Brasil, lngua falada pelos

parceiros do bloco e demais vizinhos de continente.

1.4 Lei 11.161 de 5 de agosto de 2005 poltica de integrao no Mercosul o

espanhol no sistema de ensino brasileiro

Ao concordarmos a respeito do predomnio da lngua inglesa, inclusive nas escolas,

nos perguntamos: qual o espao da lngua espanhola nas nossas instituies pblicas de

ensino?

A resposta faz-se acompanhar da referncia lei 11.161/2005. Considerada uma

estratgia para impulsionar o ensino de lngua espanhola, estabelece a obrigatoriedade da

oferta do ensino de espanhol nas escolas pblicas do pas. Porm, a obrigatoriedade para

25

o estabelecimento, no para o aluno, que pode optar pela frequncia ou no s aulas. O

prazo para sua implementao, cinco anos, j se esgotou e agora nos perguntamos o que

mudou com a lei. Para responder a esse questionamento, faremos uma reviso do ensino de

lngua espanhola no Brasil ao longo da histria.

De carter poltico lingustico, a legislao referente implementao do ensino de

lngua espanhola no Brasil foi estudada por Rodrigues (2010), a qual localiza em 1.919 o

primeiro registo desta lngua no ensino oficial, quando o professor Antenor Nascentes foi

contratado para ministrar aulas no colgio Pedro II no Rio de Janeiro, porm, no como

disciplina obrigatria. A obrigatoriedade veio com a Reforma Capanema, em 1.949,

contudo, a carga horria dedicada disciplina era menor do que as outras lnguas

estrangeiras. Se j era desprestigiado, o ensino de lngua espanhola foi fortemente atingido

com a criao da primeira LDB em 1.961, pois ela tornou o ensino desse idioma ainda mais

desprestigiado, uma vez que na referida lei, segundo Rodrigues (2010) no h referncias

ao ensino de lngua espanhola ou qualquer outro idioma estrangeiro. A lei, porm, no

eliminou a possibilidade da oferta do ensino das lnguas estrangeiras, o que ocorreu foi a

descentralizao das diretrizes. O governo federal passou a dividir com os estados a

responsabilidade por elaborar o currculo escolar. Assim, havia uma abertura para que os

estados adotassem disciplinas consideradas mais adequadas para suas regies, inclusive as

lnguas estrangeiras. Entre outras razes, o tempo em que vigorou como obrigatrio foi

insuficiente para consolidar o ensino de lngua espanhola. Isso, ao pouco espao ocupado

na carga horria, ocasionou a diminuta incluso no currculo, o que fez com que o espanhol

praticamente desaparecesse da grade curricular das escolas e somente voltasse a ser

apreciado com a lei 11.161 de 2005.

No entendimento de Rodrigues (2010) a lei 11.161, ao contrrio da pretenso de

fortalecer o ensino de lngua espanhola no pas, a lei desoficializa esse ensino, pois

possibilita sua terceirizao pela rede privada, ou seja, permite que as aulas sejam

oferecidas em centros de estudo desvinculados da escola, portanto, da prtica pedaggica

oficial. Concordamos com a autora nesse sentido, pois ao retirar do estado a

responsabilidade da oferta de ensino, retira-se a interdisciplinaridade pedaggica, bem

26

como a oportunidade de uma formao conscientizadora e engajada que permeie, tambm,

a lngua estrangeira, para dar lugar a uma pretensa neutralidade.

Apesar dos prejuzos educativos causados pela desoficializao, a autora reconhece

o ganho de espao dedicado ao ensino de lngua espanhola mediante as Orientaes

Curriculares para o Ensino Mdio, doravante OCEM. Considera um marco positivo, visto

que o documento destina-se tanto rede privada, como os centros de idioma, quanto s

escolas. O aspecto positivo reside na concepo do ensino de lnguas estrangeiras como

uma construo coletiva cuja finalidade a formao integral, calcada no respeito ao outro,

s diferenas. Para alcan-la, necessria a relao entre os saberes, que atingido

somente por meio da transdiciplinaridade da grade curricular escolar, algo que as OCEM se

propem a fazer.

O ensino de lngua espanhola, acreditamos, pede mais esforos para sua

concretizao. Apesar de no apresentarmos nmeros, ousamos dizer que em Rondnia a

minoria das escolas oferece essa disciplina. Exemplar, a Universidade Federal de Rondnia

a nica instituio pblica a oferecer a graduao em Letras/Espanhol, sendo que essa

oferta ocorre na capital, onde h, por conseguinte, uma concentrao dos profissionais da

rea e, consequentemente, a falta deles nas cidades do interior. Essa uma demonstrao

local de como est o ensino de lngua espanhola.

1.5 A possvel integrao lingustica entre os pases latino-americanos

Em publicao do Anurio de 2012 o Instituto Cervantes, importante centro de

estudos hispnicos, expe os fatores que influenciam na valorizao econmica de

determinada lngua, elencando os seguintes: a quantidade de falantes e o nmero de pases

em que ela oficial, a abrangncia geogrfica, o ndice de desenvolvimento humano (IDH)

desses pases, a capacidade comercial, a tradio literria ou cientfica ou papel na

diplomacia multilateral. Nesses quesitos, a publicao concorda quanto ao destaque do

ingls. Contudo, a mesma reconhece o valor das lnguas espanhola e portuguesa para o

mundo dos negcios. De acordo com o Anurio supracitado, so mais de 400 milhes de

falantes da lngua espanhola na regio da Amrica Latina, distribudos em 19 pases.

Cuadro 1. Poblacin de los pases hispanohablantes

27

Pas Poblacin

Fuente: elaboracin propia, a partir de los censos de cada pas publicados desde 2010 hasta la

actualidad y, en su defecto, de las ltimas estimaciones oficiales (marcadas con un asterisco) facilitadas

por los Institutos de Estadstica de cada pas.

Mxico 112.336.538

Colombia 46.485.485

Espaa 46.185.697

Argentina 40.117.096

Per 28.220.764

Venezuela 27.150.095

Chile* 17.402.630

Guatemala* 14.713.763

Ecuador 14.483.499

Cuba* 11.241.161

Repblica Dominicana 9.378.818

Bolivia* 10.426.154

Honduras* 8.385.072

Paraguay* 6.337.127

El Salvador* 6.183.000

Nicaragua* 5.815.524

Costa Rica 4.301.712

Puerto Rico 3.725.789

Panam 3.405,813

Uruguay 3.251.526

Guinea Ecuatorial 720.000

Total 416.861.450

Tal realidade confere fora e solidez lngua espanhola, tanto em seu alcance

geogrfico, como no potencial comercial. Essa fora, que global, afeta muito

especialmente a regio da Amrica Latina. Ela marca as relaes diversas entre os pases da

regio, entre os quais o Brasil. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatstica (IBGE) e publicados no DOU, Dirio Oficial da Unio, de agosto de

2015 a populao brasileira j ultrapassa os duzentos milhes, nmero equivalente ao de

falantes de portugus, lngua oficial no pas. Esses dados dimensionam o merecido destaque

do portugus e propem uma anlise sobre a relao lingustica nesse contexto.

28

Podemos dizer que existe uma busca por integrao lingustica patenteada pelas leis

que instituem o ensino de lngua espanhola no Brasil e de lngua portuguesa em alguns

pases hispano-americanos. A Argentina, importante parceira e vizinha, tornou obrigatria a

oferta do ensino de portugus em seu sistema de educao atravs da lei 25.181 de

dezembro de 2008, a qual prev oferta obrigatria, porm matrcula optativa e prazo at

2016 para que as instituies se adequem. A citada lei inova ao tornar a oferta obrigatria

desde as sries iniciais nas cidades da fronteira entre Argentina e Brasil e, ao prever um

plano de formao de professores de portugus. Tais cursos j so ofertados na modalidade

professorado, em que os cursos de formao so instalados fora das universidades. Essas

aes denotam o interesse em atender s necessidades do ensino de portugus no territrio

argentino.

No Uruguai existe o reconhecimento oficial da presena do portugus em suas terras

por meio da lei 18.437 de 16 de janeiro de 2009, artigo 40, o qual dispe:

5) La educacin lingstica tendr como propsito el desarrollo de las

competencias comunicativas de las personas, el dominio de la lengua

escrita, el respeto de las variedades lingsticas, la reflexin sobre la

lengua, la consideracin de las diferentes lenguas maternas existentes en el

pas (espaol del Uruguay, portugus del Uruguay, lengua de seas

uruguaya) y la formacin plurilinge a travs de la enseanza de segundas

lenguas y lenguas extranjeras (URUGUAY, 2009).

J fato a oferta do ensino de lngua portuguesa em cursos universitrios e tambm

de cursos de formao de professores de portugus em universidades uruguaias. Tal postura

revela a aceitao e valorizao do portugus em territrio uruguaio, o que entendemos

como passos em direo integrao lingustica no territrio latino americano.

No caminho da integrao entre os pases da Amrica Latina, destacamos ainda a

criao da Universidade Federal da Integrao Latino Americana (UNILA), ocorrida em

2010, ao exemplar na caminhada pelo fortalecimento do intercmbio cultural/lingustico

latino-americano, ao qual acrescentamos a criao das Escolas Interculturais Bilngues de

Fronteira, as PIBF, em cidades fronteirias entre Brasil e Argentina (Foz do Iguau e Puerto

Iguaz). Essas experincias sero modelo para futuras iniciativas dessa natureza nas regies

fronteirias do Brasil.

29

Apesar de poucos, os exemplos da Argentina e do Uruguai apontam a possibilidade

de que as relaes lingusticas e culturais entre Brasil e os pases hispnicos ocorram com

reciprocidade. Ao menos na Amrica Latina, os pases esto engatinhando nessa direo.

1.6 O espao da lngua portuguesa na Espanha

O que podemos esperar da Espanha, antiga metrpole de onde irradiou o

espanhol/castelhano? Haver a possibilidade de o portugus adentrar ao sistema lingustico

oficial do pas? O quadro lingustico da Espanha , desde sua formao, plurilngue. Essa

caracterstica, alm de diversidade, agrega intensidade s paixes nacionalistas tpicas

daquele pas formado por comunidades autnomas, as quais possuem suas prprias lnguas

reconhecidas oficialmente. So lnguas oficiais da Espanha o catalo, lngua da Catalunha,

o euskera/basco, do Pas Vasco e o galego, sendo este ltimo praticado na regio da

Galcia, fronteira com Portugal, situao que confere familiaridade e grande semelhana

com a lngua portuguesa. Apesar da oficializao das lnguas comunitrias, a

obrigatoriedade do castelhano, que se tornou espanhol, produz insatisfaes e serve como

argumento na luta pela independncia de algumas das comunidades. Citamos o caso da

Catalunha, a qual tem como lngua o catalo e sua propagada luta por independncia. Em

Outro caso conhecido, o Pas Basco cuja lngua o euskera, tambm lutou para tornar-se

independente da Espanha e tinha, entre outros argumentos, o de que j possuem uma lngua

e so, portanto, uma nao.

Esta pesquisa apurou registros que podem ser entendidos como fomentadoras do

plurilinguismo na Espanha. Em publicao elaborada e difundida pelo Ministrio da

Educao, Cultura e Esporte direcionado ao ensino de lnguas estrangeiras o pas marca sua

postura logo na introduo do documento:

En un contexto global en el que la movilidad de nuestros estudiantes y de

nuestros jvenes talentos es cada vez mayor, ha sido imprescindible establecer

como una de nuestras prioridades que la juventud espaola domine una primera

lengua extranjera y, al menos, conozca otra (objetivo de la Unin Europea dentro

de la Estrategia Europa 2020) (ESPAA, 2013).

Atendendo ao objetivo proposto, o documento expe as diversas possibilidades de

oferta de lngua estrangeira no sistema educativo espanhol. Observamos a forte presena de

programas de formao em lngua inglesa e alguns de portugus por meio do Programa de

Lngua y Cultura Portuguesa:

30

El Programa de Lengua y Cultura Portuguesa tiene como objetivo principal

mantener las referencias lingsticas y culturales de los hijos de los trabajadores

migrantes portugueses o lusohablantes, as como potenciar en el alumnado

espaol el inters, respeto y conocimiento de la lengua y cultura portuguesa. El MECD, coordinado con la Embajada de Portugal, participa en la gestin del

Programa junto a las Comunidades Autnomas adscritas al mismo: Asturias,

Castilla y Len, Catalua, Extremadura, Galicia y Madrid. Se desarrolla

principalmente en los niveles de Educacin Infantil y Primaria mediante la

adscripcin de profesorado portugus. En estos centros, las actividades de

enseanza del portugus forman parte del conjunto de actividades lectivas,

adems de realizar otras actividades complementarias, como intercambios de

alumnado y visitas de estudio en ambos pases, semanas culturales y Clubes de

Portugus (ESPAA, 2013).

Podemos entender tal iniciativa como sinal de respeito aos falantes de portugus

naquele pas e tambm como incentivo, ainda tmido, ao estudo do idioma. No

acreditamos, ao menos em curto prazo, em uma poltica massiva de ensino de portugus na

Espanha, seja pelos motivos polticos que envolvem a Comunidade Europeia e seus

acordos, seja por conflitos permeados pelo lingustico vivenciados em seus prprios

domnios.

Seria, ento, o ensino de lngua espanhola no Brasil uma via de mo nica, na qual

no h correspondncia entre os pases hispano falantes? Haveria desequilbrio ou mesmo

imperialismo do espanhol em relao ao portugus?

Uma resposta segura exige um estudo mais aprofundado a fim de bem conhecer e

analisar as possibilidades e viabilidade de uma mo dupla. Ainda que timidamente, aes j

esto sendo tomadas neste sentido. Para estabelecer uma reciprocidade, a nosso ver, faz-se

necessrio a observao e o estudo para conhecer as necessidades, a receptividade e

produtividade da oferta de portugus entre os pases envolvidos. So diversos povos

empregando a mesma lngua, mas isso no os iguala.

Isso posto, acreditamos que de forma responsvel e com boa vontade poltica a

lngua portuguesa pode sim ser levada aos pases hispnicos. No apenas como modo de

promover uma reciprocidade, mas principalmente para veicular cultura, modos de interagir

e de estar no mundo. desejvel que as culturas se aproximem e solidarizem superando

seus conflitos e complexos e a lngua a via de acesso pela qual essa integrao poder

realizar-se. Apesar disso, sabemos que os interesses econmicos e polticos so os que

ditam os acordos. Sendo assim, a ns que lidamos com lngua e educao, nos toca o

trabalho de pesquisar e propor aes para, dentro de nossas possibilidades, oferecer nossa

31

contribuio para a promoo do dilogo e do intercmbio entre povos, culturas e lnguas.

Esta pesquisa, ao propor o letramento crtico como abordagem no ensino de lngua

espanhola, caminha nesta direo.

1.7 Qual o propsito do ensino de lngua estrangeira no Brasil?

Metodologias de ensino e abordagens mudam conforme o momento histrico. Elas

acompanham as transformaes sociais, polticas, tecnolgicas, entre outras. Nesse sentido,

observamos, por exemplo, mudanas na dinmica social, como o acesso e mesmo os

objetivos da educao. Hoje, existe lei que obriga as famlias a manterem seus filhos na

escola, situao distinta em relao ao passado recente, quando famlias com necessidades

financeiras dependiam do trabalho dos membros do grupo, inclusive os jovens, para

manuteno das despesas do lar. Essa necessidade de trabalhar para gerar renda ocasionava

alto ndice de evaso escolar. Ento, com objetivo de corrigir situaes como essa, o

governo passou a oferecer bolsas, auxlios, cuja finalidade manter crianas e jovens

estudando. Apresentamos os dados gerados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatstica, IBGE, que acompanha a evoluo da populao brasileira em suas diversas

manifestaes. O quadro comea em 1.980 e vai at 2010. Nele podemos observar que, de

fato, a escolaridade do brasileiro aumentou nesse perodo, o que nos permite acreditar que

esta uma tendncia. Optamos por apresentar as informaes relativas ao ensino mdio

porque este estudo est voltado a essa populao.

Abrangncia: Brasil | Unidade: percentual

Taxa lquida de escolarizao por nveis de ensino

Perodo Mdio

1980 14,3

1991 17,6

1994 20,8

1998 30,8

1999 32,6

2000 33,3

32

Fonte: MEC/INEP/Censo Escolar 1980/2000. Edudata Brasil; IBGE, Censo Demogrfico.

A tendncia ao avano no acesso educao vem acompanhada dos avanos na rea

tecnolgica. Enquanto novos produtos so lanados ou aperfeioados, outros se tornam

obsoletos. Essa realidade pode ser observada em todas as reas do conhecimento, a

medicina avana em suas pesquisas, das quais resultam novos medicamentos para doenas

antes incurveis, novas tcnicas cirrgicas, procedimentos que garantem melhor qualidade

os tratamentos de sade. No campo das pesquisas espaciais presenciamos os satlites que

alcanam distancias antes inimaginveis, descobertas de novos sistemas solares, novas

galxias, o universo se expande aos olhos dos cientistas espaciais, que sonham e trabalham

para alar voos a outros planetas na busca por formas de vida fora da terra. Esses so alguns

exemplos, pois os avanos ocorrem em todas as reas e, em maior ou menor grau, todos so

afetados por elas, inclusive a educao.

1.8 Aparelhos ideolgicos de estado: o tradicional papel da escola

Para entender como a educao afetada pelas transformaes, necessrio ter em

conta que seu material, o homem, a formao humana, vive essa realidade. Atualmente,

devido s novas tecnologias da informao, observamos a popularizao do uso da internet,

que possibilita o intercmbio entre culturas, o contato com pessoas de todo o mundo e suas

diversas lnguas. A rede usada para diferentes fins, seja comercializar produtos, informar,

ou simplesmente na busca por novos relacionamentos. Na rede mundial esto diariamente

disponveis tradutores para todos os idiomas, alm de programas de leitura em que o

usurio digita uma palavra, que logo verbalizada oralmente por um programa criado para

ilustrar como tal palavra deve ser pronunciada no idioma solicitado. O impacto do uso

das tecnologias na educao pode ser observado pela presena e crescimento das

universidades virtuais. Essa uma modalidade de ensino que aumentou a oferta de cursos

nos ltimos anos, assim expandindo o acesso educao. Por meio de satlites, cidades

recebem aulas transmitidas de outros estados da federao, superando as distncias

geogrficas e a ausncia de formao acadmica, principalmente, em cidades interioranas.

O ensino de lnguas estrangeiras tambm recebe a contribuio dos avanos tecnolgicos.

Os ambientes virtuais de aprendizagem disponibilizam materiais e aulas sem que os alunos

http://www.edudatabrasil.inep.gov.br/

33

necessitem deslocar-se at a escola ou centro de idiomas. A oferta de cursos virtuais pagos

e at gratuitos amplia o acesso ao aprendizado de lnguas.

A formao geral administrada segundo normas estabelecidas pelo Estado, atravs

de entidades oficiais reguladoras. H, por conseguinte, um currculo bsico a ser seguido

em uma estrutura convencional elaborada para executar e avali-los. Sendo assim, as

teorias que permeiam a prtica pedaggica e inspiram os materiais utilizados por

educadores passam, necessariamente, pelo crivo do Estado. Althusser (1974) em ensaio no

qual analisa as estruturas nas quais o Estado se sustenta e a forma como isso acontece criou

a teoria dos Aparelhos Ideolgicos do Estado, doravante AIE, responsveis pela

sustentao e manuteno do sistema administrativo oficial.

A escola considerada por Althusser como AIE, visto que organizada para

reproduzir a ideologia do Estado, que por sua vez est sob o controle da burguesia. Nessa

leitura, o Estado representa os interesses da classe dominante, que manipula

ideologicamente as instituies a fim de que a situao seja reproduzida sempre a seu favor.

Apresentam-se, de acordo com Althusser, a servio do Estado as seguintes instituies: as

igrejas, famlia, jurdico, poltico, sindical, cultural, escola e outros. escola cabe

disseminar a ideologia dominante, a fim de garantir a reproduo das condies

antagnicas que dividem o mundo do trabalho entre burguesia e assalariados.

(...) os Aparelhos Ideolgicos de Estado funcionam de um modo massivamente

prevalente pela ideologia, embora funcionando secundariamente pela represso,

mesmo que no limite, mas apenas no limite, esta seja bastante atenuada,

dissimulada ou at simblica. (No h aparelho puramente ideolgico). Assim a

escola e as igrejas educam por mtodos apropriados de sanes, de excluses,

de seleo, etc.(ALTHUSSER, 1974, p. 47).

Althusser elaborou sua teoria inspirado no pensamento marxista, que distingue o

sistema capitalista em duas classes: a classe burguesa, detentora dos meios de produo

(fbricas, indstrias, propriedades privadas, capital financeiro, etc.) e a classe proletria ou

trabalhadora que por no deter os meios de produo, precisa vender sua fora de trabalho

para garantir o sustento. A manuteno dessa relao assegurada pela explorao da fora

de trabalho, que est na mo de obra barata do trabalhador. Nesse propsito, a Ideologia

estabelece os princpios dessa relao que mantm a classe explorada subordinada aos

interesses do Estado por meio de seus Aparelhos Ideolgicos. Entre eles, de acordo com

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Althusser (p.116), o mais importante a escola. Para ele a diviso social de classe no

sistema capitalista tem origem na diviso do trabalho, estrutura que a escola trata de

reforar: na verdade no existe, exceto na ideologia da classe dominante, diviso tcnica

do trabalho: toda a diviso tcnica, toda a organizao tcnica do trabalho a forma e a

mscara de uma diviso de classes. A diviso social do trabalho estipula um posto, uma

colocao na produo para cada indivduo. nesse sentido que a ideologia atua, por meio

de seus aparelhos de transmisso, inculcando em cada sujeito a diviso do trabalho como

algo natural.

A princpio, Althusser se inspira na teoria marxista de ideologia como o sistema

das ideias e das representaes, que domina o esprito de um homem ou de um grupo

social (Karl Marx in Althusser, 1974, p. 69). Ao desenvolver seu prprio conceito,

Althusser (1974, p. 77) apresenta a ideologia em duas vertentes: a imaginria e a material.

A ideologia imaginria apresentada como a representao imaginria dos indivduos

com as suas condies reais de existncia. So concepes de mundo, quase sempre

fantasiosas sobre suas condies de existncia no que se refere religio, ao jurdico,

poltica, moral, sendo que essas concepes no correspondem realidade. Por outro lado,

a ideologia material, outra vertente de ideologia segundo Althusser, tem existncia material,

no como algo que possui massa, mas que se apresenta em diversas modalidades todas

manifestadas em comportamentos prticos do indivduo. So os ritos nos quais os

indivduos reproduzem comportamentos que correspondem s ideologias assimiladas.

Desse modo, o autor demonstra que a ideologia vai alm da imposio de ideias, pois elas

so efetivadas em prticas sociais, ideologia a prtica, que est inscrita e regulada pelos

ritos dos AIE:

(...) a materialidade de uma deslocao para ir missa, de um ajoelhar, de um

gesto de sinal da cruz ou de uma mea culpa, de uma frase, de uma orao, de uma

contrio, de uma penitncia, de um olhar, de um aperto de mo, de um discurso

verbal externo ou de um discurso verbal interno (a conscincia)... (ALTHUSSER,

1970, p. 89).

Assim, o autor em suas duas teses sobre a ideologia sustenta que as prticas sociais

s existem devido ideologia, e a ideologia s existe para os sujeitos e por meio deles.

Logo, toda ideologia tem por funo (que a define) constituir os indivduos concretos em

sujeitos. (ALTHUSSER, 1970, p. 94). De acordo com essa leitura, a ideologia interpela o

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sujeito para que se submeta, espontaneamente, s ordens do Sujeito e aceite naturalmente a

sua sujeio. Por esse prisma, so considerados bons sujeitos os que seguem passivamente

o esquema social gerado pelo capitalismo sem questionar. A origem da ideologia

dominante est na formao das classes sociais no seio do prprio estado e de seus

aparelhos. O Estado o representante da classe dominante, que se utiliza tanto da fora

repressiva quanto da fora ideolgica para manter-se no poder. A escola , portanto, o AIE

imbudo da manuteno do sistema de diviso de classes por meio da transmisso e

reproduo do pensamento que assegura a inrcia dos cidados em relao sua condio

social. Para os casos de desobedincia de suas normas, o Estado dispe dos aparelhos

repressivos de estado, os quais garantem a ordem agindo pela fora coercitiva e direta sobre

os sujeitos, podendo empregar, inclusive, a fora fsica, como faz a polcia, exrcito,

tribunais, etc. Esses aparelhos garantem, em ltima instncia, as relaes de explorao da

classe dominante, que detm o poder do Estado. Apesar da escola no estar na origem deste

sistema, onde se aprende e refora essa ideologia, uma vez que segue orientaes e

normas estabelecidas pelo Estado em benefcio dos interesses de classe.

A escola reprodutora, principal responsvel pela formao de mo de obra, est

subordinada ao mercado de trabalho, produo. A distribuio das profisses se configura

de modo que as mais rentveis so privilgios das classes financeiramente privilegiadas,

confirmando a educao em funo da reproduo da ideologia da classe dominante.

Assim, por muito tempo, geraes foram instrudas a no fazerem questionamento, a

decorar, ou receber como resposta o porque . Nesse quadro, no existe reflexo, as

individualidades so submetidas homogeneizao por meio da padronizao de

comportamentos. Como exemplo, podemos observar as edificaes, notadamente da rede

pblica, que seguem um padro de construo, adotam as mesmas cores em suas pinturas e

uniformizam os alunos sob o argumento de que a identidade est representada nos

uniformes. H a expectativa de que todos se adaptem ao sistema para que possam ser bem

sucedidos.

Entender a configurao da instituio escolar e sua finalidade fundamental para

provocar a discusso sobre o jogo de interesses no qual a educao a viga de sustentao,

estruturada para a manuteno do poder de uma classe social privilegiada. Observar,

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refletir, confirmar essa realidade e, ainda assim, permanecer indiferente nos parece

impossvel. No momento em que nos conscientizamos de que somos educadores

comprometidos com a transformao social, nos engajamos para conduzir o processo de

modo a conscientizar a massa, o trabalhador e assim dar-lhe condies de lutar contra a

dominao e opresso que lhe imposta.

O ensino de lngua estrangeira igualmente perpassado pela ideologia do Estado.

A anlise das abordagens empregadas no ensino de LE ao longo da histria da educao

nos permite observar o carter meramente reprodutivo do conhecimento sobre o

funcionamento do idioma estudado.

1.9 Mtodos e abordagens do ensino de lnguas estrangeiras nas escolas: o antes e o

agora

Pautados nos estudos de Vilson J. Leffa (1999), apresentamos a evoluo das

abordagens de ensino de lnguas estrangeiras: a Abordagem da gramtica e da traduo

(AGT) surgiu devido ao interesse pelas culturas grega e latina poca do Renascimento. A

lngua estrangeira estudada a partir da lngua materna, seus pilares so a memorizao, os

exerccios de verso e traduo, a deduo da regra para o exemplo. O objetivo era a

apreciao da cultura e literatura da lngua estudada. O passo seguinte trouxe a abordagem

direta (mtodo direto), desenvolvido como reao AGT. As evidencias apontam seu incio

no sculo XVI. Nessa concepo, a aprendizagem ocorre exclusivamente atravs do uso da

lngua estrangeira estudada, recorrendo, para isso, ao uso de gravuras, gestos, sendo vedada

a traduo. Adota a sequncia de habilidades ouvir, falar, ler, escrever, os dilogos

situacionais e tcnica de repetio de exerccios orais. Mais um passo e chegou a vez da

abordagem para a leitura (Mtodo da leitura), criada nas escolas dos Estados Unidos

quando por l entenderam que no estavam preparados para a adoo do mtodo da

abordagem direta, j que o domnio da oralidade no era o objetivo principal das aulas de

lnguas estrangeiras nas escolas e s seria alcanado minimamente. Para encontrar uma

soluo, o Modern Foreign Language Studies (MFLS), realizou uma das maiores pesquisas

sobre ensino de lnguas, comeando nos Estados Unidos em 1923 e terminando no Canad

em 1927. Atravs desse estudo concluram que a aprendizagem de lnguas nas escolas

deveria ser prtica, o que seria alcanado pela combinao da abordagem da traduo com

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a abordagem direta. Esta abordagem surgiu da necessidade que o exrcito americano tinha

de falantes de lnguas estrangeiras. Logo, para solucionar essa necessidade, foram criadas

turmas reduzidas, aulas com nove horas de durao por um perodo de seis a nove meses.

Considerada uma reedio da abordagem direta, passou a ser rejeitada pelo automatismo,

num momento em que predominavam teorias humanistas e cognitivistas.

Posteriormente, o ensino de lnguas passou por um perodo de crise, em que

surgiram vrios mtodos, mas com propostas consideradas pouco convencionais. Ao final

dessa etapa, surgiu a abordagem comunicativa. Nessa viso, o aluno o centro, o professor

o orientador, encorajador, sensvel aos interesses dos alunos, a afetividade ganha espao.

Todas essas teorias j foram ou continuam sendo adotadas e aplicadas nas escolas. As

abordagens servem de orientao para a produo de materiais didticos e permeiam a

formao de professores, fazendo parte da prtica pedaggica. Mas no so as nicas

orientaes. No Brasil, o Estado elabora documentos cuja finalidade embasar a adoo de

abordagens. So orientaes oficiais, portanto enquadradas como atos de poltica pblica,

propostas por pesquisadores e estudiosos de cada rea do conhecimento, no intuito de

auxiliar educadores, produtores de materiais didticos, tudo que se relaciona educao.

Entre essas orientaes, apresentaremos os PCN, Parmetros Curriculares Nacionais e

OCEM, Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio.

1.10 A atual poltica lingustica aplicada ao ensino de lnguas estrangeiras a caminho

da transformao

Os PCN foram elaboradas em atendimento s diretrizes estabelecidas pela

9.394/96. Eles delimitam as reas de conhecimento e apontam situaes em que essas reas

se entrelaam que so os temas transversais. Neles:

(...) a linguagem considerada como a capacidade humana de articular

significados coletivos e compartilh-los em sistemas arbitrrios de representao,

que variam de acordo com as necessidades e experincias da vida em sociedade.

A principal razo de qualquer ato de linguagem a produo de sentido

(Parmetros Curriculares Nacionais, 2000, p.5).

Dessa forma, reconhece-se a diversidade da linguagem, sendo todas vlidas, pois o

que atesta essa validade a produo de sentido. Essa viso liberta a linguagem da camisa

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de fora que so as estruturas formais normatizadas pela gramtica, bem como dos

conceitos de certo e errado que, por longo tempo, predominaram no ensino de lnguas. Ao

reconhecer a construo de sentidos como sendo o que valida a linguagem, passa-se a

valorizar as diversidades, as variedades lingusticas passam a ser reconhecidas, no mnimo,

no plano das teorias. A abordagem relativa s variedades lingusticas pode ser considerada

como um movimento da escola em direo ao seu pblico. No ensino de lnguas, adotamos

a perspectiva das variedades que reconhece a lngua como prtica discursiva e, por isso, sua

adaptabilidade s diferentes situaes em que praticada.

Em relao ao ensino de lngua estrangeira os PCN atentam para as relaes entre as

Linguagens e o mundo do trabalho e formao geral, reconhecendo a predominncia do

ensino da lngua inglesa, em detrimento das demais, sob a justificativa de ser o idioma mais

usado no mercado de trabalho. Mas reconhece, tambm, a necessidade de ofertar o ensino

de um idioma que seja significativo para a comunidade, que esteja inserido na vida dos

educandos, como as regies que possuem colnias de imigrantes e poderiam ofertar o

ensino da lngua usada pelos colonos. Essa postura representa um avano, pois vincula o

aprendizado ao exerccio, prtica, corrigindo o velho costume de ensinar a

metalinguagem, de transmitir conhecimentos tericos, estruturais, insuficientes para a

integrao e interao social entre comunidades de lnguas diferentes.

O documento cita como bons exemplos a oferta dos centros de idiomas nos estados

de So Paulo e Paran, sob a responsabilidade dos governos estaduais e vinculados s

escolas de ensino regular, afirmando que a estrutura e funcionamento desses centros,

oferecem condies para uma aprendizagem real, que propicia ao aluno dominar o idioma e

empreg-la em situaes reais de comunicao. Ao reconhecer a eficcia da terceirizao

do ensino de idiomas nas escolas pblicas, os PCN reconhecem, tambm, a incapacidade do

estado para tal. Ainda que reconhea as enormes dificuldades que impedem a consolidao

do ensino de lnguas estrangeiras nas escolas pblicas, os PCN buscam, atravs de suas

orientaes, superar os obstculos. Os parmetros so pensados para contextualizar,

motivar o ensino aprendizagem de LE e integr-las s demais reas do conhecimento. Essa

contextualizao e integrao teriam a tarefa de garantir o desenvolvimento da competncia

discursiva. Assim, encontramos o seguinte:

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A viso de mundo de cada povo altera-se em funo de vrios fatores e,

consequentemente, a lngua tambm sofre alteraes para poder expressar as

novas formas de encarar a realidade. Da ser de fundamental importncia

conceber-se o ensino de um idioma estrangeiro objetivando a comunicao real,

pois, dessa forma os diferentes elementos que a compem estaro presentes,

dando amplitude e sentido a essa aprendizagem, ao mesmo tempo em que os

esteretipos e os preconceitos deixaro de ter lugar e, portanto, de figurar nas

aulas (BRASIL, 2000, p. 31).

Os parmetros representam avano para o ensino, no somente de lnguas

estrangeiras. Todas as reas esto contempladas sendo que h, para as reas, a orientao de

que sejam tratadas de forma transdisciplinar, considerando que o conhecimento integrado,

as reas, ainda que divididas para fins didticos, se integram.

1.11 Orientaes atualizadas o dilogo com o letramento

Como salientam os PCN, a viso de mundo altera-se e a lngua acompanha essas

alteraes. Na ltima dcada, observamos o rpido avano da tecnologia, os tradicionais

telefones fixos foram substitudos por telefones celulares. As cartas, enviadas pelo servio

dos Correios, substitudas pelos correios eletrnicos. Atravs da internet, trocamos

mensagens com pessoas de qualquer lugar do planeta, ou at no espao, desde que

estejamos conectados rede mundial. Os telefones celulares oferecem servios de internet,

possibilitando que as pessoas se conectem em tempo real. Essa comunicao acontece em

todos os espaos, seja no ambiente familiar, rede de amigos, trabalho, ou mesmo entre

desconhecidos. Entre os vrios servios oferecidos pela internet, encontramos pginas de

relacionamento, de pesquisa de todos os temas, alm de pginas para reas especficas de

conhecimento. A rede oferece tradutores em tempo real e servio de voz, em que

determinado programa l palavras no idioma solicitado pelo usurio. A comunicao virtual

uma prtica diria, conforme constatamos ao observar adolescentes e adultos com os

dedos grudados no teclado de seus smartphones enviando mensagens, fotos. Esto sempre

interligados. Nesse cenrio, o comportamento dos educandos, seus interesses tambm

mudaram. Para acompanhar essas mudanas, foram construdas, com a participao de

profissionais das redes pblicas estaduais de ensino, alunos e comunidade acadmica, as

Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio, como parte de um conjunto de medidas

governamentais para o fortalecimento do ensino mdio. Essas medidas visam acompanhar e

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adaptar as metodologias, as abordagens de ensino ao perfil dos alunos, s suas reais

necessidades e vivncias.

1.12 OCEM

Linguagens, cdigos e suas tecnologias e demais blocos das OCEM so abertas com

uma Carta ao professor, que esclarece: (BRASIL, 2006, p. 5) O objetivo deste material

contribuir para o dilogo entre professor e escola sobre a prtica docente. Esse gesto de

chamar para o dilogo marca a atitude de construir coletivamente, buscar a participao dos

atores envolvidos na educao. Ao tratar do ensino de lngua espanhola, a proposta

sinalizar os rumos que esse ensino deve seguir, o que faz com que tenham um carter

minimamente regulador, marcar posies terico metodolgicas, sugerir caminhos de

trabalho, etc (p. 127). O texto reafirma a necessidade da participao coletiva no sentido

de ler, discutir o documento para que ele ganhe sentido e produza efeitos. importante

destacar a observao que o Documento faz sobre o interesse brasileiro de, atravs do

ensino de lngua espanhola, estreitar os laos com os pases de lngua espanhola,

especialmente os do Tratado Mercosul. Esse no , no entanto, o nico motivo para que

se oferea um ensino de espanhol de qualidade, nem o mercado deve ser o objetivo

fundamental para o ensino dessa lngua (p. 127). Temos aqui uma proposta para que

reflitamos sobre o lugar da lngua espanhola no ensino, para que no seja reduzida sua

importncia, para que estimule, impulsione o respeito s diferenas e nelas se reconheam:

Trata-se de uma reflexo de carter amplo, que inclui alguns indicadores cuja

finalidade nortear o ensino de lngua estrangeira, nesse caso o Espanhol, no

ensino mdio, dar-lhe um sentido que supere o seu carter puramente veicular,

dar-lhe um peso no processo educativo global desses estudantes, expondo-os

alteridade, diversidade, heterogeneidade, caminho frtil para a construo da

sua identidade (BRASIL, 2006, p. 129).

Nessa perspectiva, o ensino de lngua espanhola deve visar no apenas o aspecto

comunicativo, mas a tarefa de conduzir o aluno observao, a discutir, analisar a realidade

e como ele est inserido nela. O que ensinar substitudo por como ensinar. O documento

no se fecha, isto , no encerra suas orientaes como acabadas, sancionadas. Ao

contrrio, alerta para a necessidade de revisitar, de adaptar-se para acompanhar o

desenvolvimento e comportamento da sociedade. Tambm no oferece uma ementa com

contedos, mas sugere assuntos, temas que podem ser abordados, analisados a partir da

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crtica e da uma prtica que se alie a essa perspectiva, cuja finalidade a formao cidad.

Pelas orientaes em relao prtica docente, especialmente no que tange ao

ensino de lngua espanhola, podemos dizer que as OCEM se constituem como prticas de

letramento crtico. A nosso ver o letramento significativo da superao em relao ao

tradicional modelo escolar de ensino bancrio pautado na transmisso de conhecimentos de

forma acrtica.

Este captulo termina com as Orientaes nas quais reconhecemos indcios do

rompimento com a estrutura escolar ideologicamente construda para reproduzir. Ao

apontar para o aluno e reconhecer sua autonomia, inicia-se um processo de reconstruo de

valores e para