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Evangelização viva e simples

Misael B. Nascimento

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Misael Nascimento © 2015.

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Dedico estes estudos a Deus que inexplicavelmente me amou, me regenerou por seu

Espírito e me redimiu por Jesus Cristo. Dedico-os também ao Samuel, o pré-adolescente “ruim de bola” que em uma manhã triste me convidou para ir com ele à

igreja. Minha vida foi abençoada por aquele jovem, simples e amoroso evangelista.

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Sumário

Sumário iiiIntrodução 11 Evangelização, comunicação e oposição 2

1.1 Conceito de evangelização e o que não é evangelização 21.2 Evangelização e comunicação 41.3 A evangelização bíblica é uma tentativa de persuasão 4

1.3.1 Os três elementos da mensagem persuasiva 61.3.2 Os três estágios de recepção da mensagem 7

1.4 Evangelização é semeadura combatida 81.4.1 Um texto não apenas evangelístico, mas para evangelistas 81.4.2 Um plantio diuturnamente combatido 91.4.3 As quatro causas dos combates na instalação do reino 101.4.4 O reino é instalado e frutifica nos que recebem a Palavra 101.4.5 Evangelização e a dinâmica de implementação do reino 11

2 A moldura bíblica e primitiva da evangelização 142.1 Evangelho, evangelização e evangelista no NT 14

2.1.1 A trilha neotestamentária do evangelho 142.1.2 Os evangelistas do NT 16

2.2 O método paulino de evangelização e plantação de igrejas 182.3 A prática evangelizadora dos primeiros crentes 22

2.3.1 Doze contrastes entre a igreja primitiva e a igreja atual 222.3.2 Três aspectos da mensagem cristã primitiva 232.3.3 Os métodos de evangelização dos primeiros crentes 23

3 A evangelização e os dons espirituais 263.1 Dons espirituais em 1Coríntios 12.1—14.40 26

3.1.1 Edificação ou evangelização? 273.1.2 Dons, serviços e realizações 273.1.3 Quem recebe os dons e sua ligação com o fruto do Espírito 29

3.2 Os dons espirituais e a graça comum 293.3 Os dons e o voluntariado simples e frutuoso 303.4 Os dons em Efésios 4.7-16 31

3.4.1 Os dons de Cristo são homens que lideram pela Palavra 323.4.2 A igreja é um corpo vivo e não uma instituição morta 333.4.3 Mais do que um programa, uma igreja 353.4.4 Uma nota final sobre o “dom de evangelismo” 36

4 A igreja pactual-missional 414.1 A contribuição de Lausanne 414.2 Diversidade de modelos eclesiásticos 444.3 A igreja pactual-missional 46

4.3.1 O problema atacado pela igreja missional 474.3.2 A missão emoldurada pelos pactos da criação e redenção 484.3.3 A visão pactual-missional e a falsa ortodoxia inoperante 50

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5 A evangelização viva e simples 535.1 A influência do crente evangelista na família e igreja 53

5.1.1 Orar como evangelista 535.1.2 Identificar-se e portar-se como evangelista 545.1.3 Estabelecer e cumprir uma agenda de evangelista 545.1.4 Enxergar os vínculos humanos com olhar de evangelista 545.1.5 Moldar uma família evangelista 55

5.2 Possíveis iniciativas eclesiásticas de evangelização 575.2.1 Pregar e ensinar para edificar uma igreja evangelista 575.2.2 Criar, motivar e apoiar atividades de evangelização 585.2.3 Estabelecer metas de evangelização e trabalhar duro 585.2.4 Colaborar com evangelização extralocal 595.2.5 Orar como igreja evangelista 60

5.3 Uma rápida nota sobre os descrentes 605.4 Uma rápida nota sobre o valor da simplicidade 61

Considerações finais 62Apêndice 1:�O perfil de um evangelista 63

A1 Os problemas de alguns perfis contemporâneos de “evangelista” 64A2 Qualificações de um ganhador de almas 65

A2.1 Qualificações em relação a Deus 65A2.2 Qualificações em relação aos homens 68

A3 Anotações finais sobre o perfil de evangelista 70A4 Um questionário útil e limitado 71

Referências bibliográficas 72

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Introdução

Desde minha adolescência eu ouço que a igreja deve evangelizar. A partir de então, sinto-me compungido a cumprir esta incumbência. Bondosamente, Deus tem trazido pessoas a Cristo por meu intermédio. No entanto, como pastor, luto com algumas dificuldades. Primeiramente, as tarefas relacionadas à administração, treinamento, resolução de conflitos entre crentes e cuidado geral da igreja deixam pouco tempo para a prática do evangelismo pessoal. Por causa disso eu sou tentado a deixar de evangelizar, argumentando que sou muito ocupado. “Não tenho como pregar aos perdidos, porque estou mergulhado nos afazeres da igreja”!

Em segundo lugar, o trabalho evangelizador parece não apenas exigente, mas também complexo. Proliferam propostas e modelos. Multiplicam-se cursos básicos e de pós-graduação ligados à evangelização, missões, plantação e revitalização de igrejas. Como conhecer, avaliar e aplicar tudo isso? “Sem dúvida”, justifico, “evangelizar é muito complicado”.

O que é mais complicado, a evangelização ou eu mesmo? Aqui a honestidade é tanto necessária quanto dolorosa. O meu problema fundamental (talvez este não seja o problema do leitor) é que sair e evangelizar contraria meu temperamento e configuração psicológica (rótulos bonitos para o que nossos pais espirituais chamavam de “inclinações naturais”). Eu fui apresentado a um modelo de evangelização que exige um cristão extrovertido, que se conecta facilmente às pessoas, criativo (capaz de fazer links de qualquer coisa, de uma compra de pão e leite na padaria a uma discussão sobre a inflação, com a pessoa e obra de Jesus) e cativante. Contrariando tudo isso, eu sou tímido, péssimo piadista e dado à introspecção. Não tenho dificuldade de investir horas ininterruptas meditando, orando, lendo e escrevendo, mas sinto-me desconfortável batendo de porta em porta ou puxando conversa com gente que eu não conheço. Como eu disse, Deus tem me usado para conduzir pessoas a Cristo, integrá-las à igreja e capacitá-las para a vida cristã, mas eu não me considero um evangelista fluente.

Pensando na igreja da qual eu fui membro até minha ordenação, as igrejas que pastoreei desde 1997 e outras de diferentes concílios, parece-me que a ausência de evangelização é um problema comum. Igrejas e, por conseguinte, cristãos fervorosos e eficazes no testemunho são, cada vez mais, exceção e não regra. Uma rápida olhada nas agendas eclesiásticas revela que a maior parte das atividades de algumas igrejas é voltada para seu próprio entrosamento e subsistência. Ademais, há crentes que ainda não compreendem a evangelização adequadamente, ou que, mesmo entendendo o ensino, não conseguem unir a teoria à prática. Como escreve um estudioso da pregação, após examinar uma pesquisa sobre o testemunho dos crentes, “as pessoas que dizem acreditar nas Escrituras têm grandes dificuldades [...] em aplicá-las”.1

Tal quadro pode ser mudado? Esta é a pergunta que norteará este curso. A questão é fundamental para assegurar nosso foco. Além de fornecer aprimoramento conceitual, nosso objetivo é motivar e capacitar para a prática da evangelização. Alimentar sua mente e mover sua vontade, prezado leitor.

O autor.

1 CHAPELL, Bryan. Aplicação Sem Moralismo. In: ROBINSON, Haddon; LARSON, Craig B. A Arte e o Ofício da Pregação Bíblica. São Paulo: Shedd Publicações, 2009, p. 354.

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1 Evangelização, comunicação e oposição

Iniciamos este curso conceituando evangelização. Afirmamos sua relação com a comunicação e sugerimos que a evangelização bíblica é sempre humana e espiritualmente contestada.

1.1 CONCEITO DE EVANGELIZAÇÃO E O QUE NÃO É EVANGELIZAÇÃO O que é evangelização? Assumimos o conceito elaborado no Congresso Internacional de Evangelização Mundial realizado em 1974, na cidade de Lausanne:

Evangelizar é difundir as boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e ressuscitou segundo as Escrituras, e de que, como Senhor e Rei, ele agora oferece o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito a todos os que se arrependem e creem. A nossa presença cristã no mundo é indispensável à evangelização, e o mesmo se dá com aquele tipo de diálogo cujo propósito é ouvir com sensibilidade, a fim de compreender. Mas a evangelização propriamente dita é a proclamação do Cristo bíblico e histórico como Salvador e Senhor, com o intuito de persuadir as pessoas a vir a ele pessoalmente e, assim, se reconciliarem com Deus. Ao fazermos o convite do evangelho, não temos o direito de esconder o custo do discipulado. Jesus ainda convida todos os que queiram segui-lo a negarem-se a si mesmos, tomarem a cruz e identificarem-se com a sua nova comunidade. Os resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em sua igreja e um serviço responsável no mundo.2

Evangelizar exige não apenas presença (o “exemplo cristão sem palavras”). É necessário articular com clareza a mensagem sobre a pessoa e obra redentora de Jesus Cristo, convidando o ouvinte a arrepender-se e crer. Ademais, consta na tarefa evangelística o discipulado, bem como a integração do novo crente ao serviço da igreja e no mundo.

Na esteira da conceituação fornecida por Lausanne, é importante também sabermos o que não é evangelização. Mark Dever escreve: “No que diz respeito à evangelização, preocupa-me certas coisas que as pessoas admitem como evangelização, mas que, de fato, não o são”. 3 Daí ele lista quatro coisas que não podem ser confundidas com a evangelização:

1. Evangelização não é imposição. 2. Evangelização não é testemunho pessoal. 3. Evangelização não é ação social e envolvimento público. 4. Evangelização não é apologética.4

O primeiro item é ponto pacífico. Dever lida com a objeção atual “não é errado impor nossas crenças aos outros?” e sugere que alguns crentes não evangelizam por medo de “errar” neste ponto.5 Admitamos que o modo como alguns praticam a evangelização pode ser facilmente considerado como impositivo, mas isso não nos exime de evangelizar, especialmente quando consideramos a natureza do evangelho.6 O evangelho não é inventado por homens; não se trata de “nossas crenças” e sim de um “fato histórico” com

2 STOTT, John. John Stott Comenta o Pacto de Lausanne. 2. Imp. 1984. São Paulo: ABU, 1983, p. 23. 3 DEVER, Mark. O Evangelho e a Evangelização. São José dos Campos: Editora Fiel, 2013, eBook Kindle, posição 896 de 1698. (IX 9 Marcas). 4 DEVER, op. cit., posição 896-1039 de 1698. Grifo nosso. 5 Ibid., posição 896-907 de 1698. 6 Ibid., posição 907 de 1698.

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poderosas implicações teológicas, espirituais e, por conseguinte, existenciais. 7 Como afirma Dever:

[...] as verdades do evangelho não lhe pertencem, no sentido de que se referem unicamente a você, ou à sua perspectiva, ou à sua experiência; ou no sentido de que você as descobriu. Quando você evangeliza, não está dizendo: “Isso é o que eu penso sobre Deus”; ou: “É assim que eu vejo as coisas”. Você está apresentando o evangelho de Cristo. Você não o inventou e nem tem autoridade para alterá-lo.�Na evangelização bíblica não impomos nada. De fato, não podemos fazer isso. De acordo com a Bíblia, evangelizar é apenas contar as boas-novas.8

O segundo item proposto por Dever produz desconforto, uma vez que é comum confundirmos evangelização com testemunho pessoal. Isso se dá primeiramente pelo fato da Bíblia nos denominar “testemunhas” (Lc 24.48; At 1.8).9 Segundo, pela profusão de igrejas que usa testemunhos pessoais como método de propaganda de seus ministérios. Dever não desvaloriza os testemunhos pessoais; pelo contrário, considera-os bíblicos e “poderosos”, utilizando-os nos cultos de batismos em sua igreja, em Washington.10 Apesar disso, ele esclarece que “um relato de uma vida mudada é maravilhoso e inspirador, porém é o evangelho de Cristo que explica por que e como a mudança aconteceu. É o evangelho que torna o compartilhar um testemunho em evangelização”.11 Por fim, ele chama nossa atenção para algo sério:

O testemunho é popular nesta época pós-moderna, do “isso é bom para você”. Quem se oporia à sua maneira de pensar, se você está obtendo algo bom de Cristo? Mas espere e veja o que acontece quando você tenta mudar a conversa do que Jesus tem feito por você para os fatos da vida, morte e ressurreição de Cristo e como isso se aplica ao seu amigo não-cristão. Nesse momento descobrimos que testemunho não é necessariamente evangelização.12

A terceira proposição de Dever — evangelização não é ação social e envolvimento público — tem a ver com a presença e serviço cristão no mundo como cumprimento dos mandatos social e cultural. Ainda que ações para o bem da sociedade sejam bíblicas e necessárias, ainda não equivalem à evangelização.

Das muitas ações planejadas para melhorar a sociedade, algumas são maravilhosas [...] e outras são terríveis. Nenhuma delas, nem mesmo a melhor, é o evangelho de Jesus Cristo [...]. Envolver-se em ministérios de misericórdia pode recomendar o evangelho. [...]. Todavia, essas ações não são evangelização. Elas recomendam o evangelho, mas não o compartilham com ninguém. A evangelização acontece quando o evangelho é comunicado claramente, em forma escrita ou oral.13

Finalmente, Dever sinaliza para os que misturam a evangelização com a defesa da fé ou apologética. Esta última encarrega-se de “responder perguntas e objeções que as pessoas podem ter a respeito de Deus ou de Cristo, a respeito da Bíblia ou da mensagem do evangelho”.14 O ministério apologético tem valia e pertinência ao sustentar “que o

7 Ibid., loc. cit. 8 Ibidem. 9 O “testemunho” apontado tanto em Lucas quanto em Atos não é sobre nós mesmos, e sim o anúncio sobre a vida, a morte, a ressurreição e a exaltação do Senhor Jesus Cristo, acompanhado da convocação para o arrependimento e fé. Neste estudo, especialmente a partir do próximo capítulo, “testemunho” é usado como sinônimo de “evangelização”. 10 DEVER, op. cit., posição 944-956 de 1698. 11 Ibid., posição 956 de 1698. 12 Ibid., posição 967 de 1698. 13 Ibid., posição 980 de 1698. 14 Ibid., posição 1003 de 1698.

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Cristianismo explica melhor o senso de anelo que todas as pessoas parecem ter” ou explicar “melhor a racionalidade humana”.15 Mais uma vez, ainda que a apologética seja “uma coisa boa, [...] não é evangelização”.16 Para Dever, “a apologética pode oferecer oportunidades excelentes para evangelização”, mas ela “tem seu próprio conjunto de perigos”.17 E qual o maior deles?

O maior perigo da apologética é sermos distraídos da mensagem principal. A evangelização não é defender o nascimento virginal ou a historicidade da ressurreição. A apologética é defender a fé, respondendo as perguntas dos outros a respeito do Cristianismo. É responder a agenda que outros estabelecem. Evangelizar é seguir a agenda de Cristo, as notícias a respeito dele. A evangelização é o ato positivo de contar as boas-novas sobre Jesus Cristo e o caminho da salvação por meio dele.18

A partir destes esclarecimentos iniciais, prossigamos para o entendimento da evangelização como comunicação.

1.2 EVANGELIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO Evangelizar é comunicar. Criar e vincular pela Palavra é o que Deus faz desde Gênesis 1.1 até Apocalipse 22.21. O século 20 consolidou os estudos da Filosofia da Linguagem e da Comunicação como ciência, mas suas raízes encontram-se na Retórica de Aristóteles.19

A arte retórica ganha, com Aristóteles, o sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que é capaz de gerar a persuasão; o exame acurado das formas que compõem o discurso (ou rethón), levando em conta cada situação social; de acordo com o momento, o ambiente, a cultura e as pessoas envolvidas.20

Aristóteles propõe o esquema clássico “fonte — mensagem — receptor”.21 Uma elaboração recente destes elementos origina um esquema quádruplo, como segue:

O emissor (E), que emite a mensagem; o receptor (R), que recebe a mensagem; a mensagem, que é o objeto da comunicação e é constituída pelo conteúdo transmitido;�o meio ou canal de comunicação.22

Um dos objetivos da comunicação é a persuasão.

1.3 A EVANGELIZAÇÃO BÍBLICA É UMA TENTATIVA DE PERSUASÃO Evangelização é comunicação persuasiva. Isso pode parecer estranho ao leitor, especialmente à luz da palavra paulina: “A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus” (1Co 2.4-5). Uma interpretação superficial da passagem pode levar ao equívoco de pensar que o testemunho cristão não faz uso da persuasão.

15 Ibid., loc. cit. 16 Ibid., posição 1016 de 1698. 17 Ibid., posição 1028 de 1698. 18 Ibid., posição 1039 de 1698. 19 ARISTÓTELES. Aristóteles: Obras Completas: Retórica. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. 20 LIMA, Marcos Aurélio de. A Retórica em Aristóteles: Da Orientação das Paixões ao Aprimoramento da Eupraxia. Natal: Editora do IFRN, 2011, p. 15. 21 KIRST, Nelson. Rudimentos de Homilética. 5. ed. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2007, p. 31. 22 KIRST, op. cit., p. 34.

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Persuasão é convencimento. O Dicionário Houaiss explica que persuadir é “levar (alguém ou a si mesmo) a acreditar, a aceitar ou a decidir (sobre algo)”.23 Notemos a ideia de conduzir ou “levar”. Os cristãos se unem declarando que o convencimento que produz arrependimento e fé salvadora é realizado pelo Espírito Santo (Jo 16.7-11). Isso não invalida, no entanto, a ideia de evangelização como persuasão, por quatro razões.

Primeira razão: Persuasão é diferente de manipulação. A manipulação é sempre um ato enganoso e de má fé, um encaminhamento que leva alguém a obter vantagem sobre outrem. Dave Lakhani24 afirma que normalmente o resultado da manipulação não dura, uma vez que a pessoa que foi manipulada se sente prejudicada e abandona a crença ou prática adotada anteriormente. A persuasão, por sua vez, é de boa fé e visa o benefício de quem está sendo convencido. Quem convence pode inclusive não ganhar nada, ou até submeter-se a perdas no processo de convencimento.

Segunda razão: O Novo Testamento (NT) registra Paulo tentando persuadir biblicamente pessoas de Roma interessadas no evangelho.

Havendo-lhe eles marcado um dia, vieram em grande número ao encontro de Paulo na sua própria residência. Então, desde a manhã até à tarde, lhes fez uma exposição em testemunho do reino de Deus, procurando persuadi-los a respeito de Jesus, tanto pela lei de Moisés como pelos profetas. Houve alguns que ficaram persuadidos pelo que ele dizia; outros, porém, continuaram incrédulos (At 28.23-24).

Sendo assim, a evangelização persuasiva é bíblica. O vocábulo peithō, traduzido como “persuadi-los” (v. 23) ou “persuadidos” (v. 24, na Bíblia Almeida Revista e Atualizada — ARA) tem o sentido de convencer usando argumentos; comover; influenciar por palavras ou motivos. A palavra pode ser encontrada também em Atos 17.4; 18.4; 19.8,26; 19.26. Como se dá esta persuasão? O relato demonstra que Paulo busca persuadir expondo e aplicando as Sagradas Escrituras.

Terceira razão: A legitimidade da persuasão bíblica é reforçada por outros vocábulos. Atos menciona dialegomai, “arrazoar”, discutir, lutar com palavras (At 17.3,17; 18.4,19; 19.8,9; 20.7,9; 24.12,25) e dianoigō, “expor”, abrir ou explicar (At 17.3; cf. At 16.14). Além destes, paratithēmi, “demonstrar” ou distribuir (At 17.3), e por fim, ektithēmi, “expor”, apresentar, declarar ou explicar (At 11.4; 18.26; 28.23). “Indiscutivelmente, evangelização em Atos corresponde a concatenar e esclarecer doutrina, em interação pessoal que alcança razão, emoção e vontade”.25

Quarta razão: À luz do que foi exposto, não podemos entender o dito de Paulo (em 1Co 2.4-5) como um desprezo absoluto da persuasão. Paulo rejeitou persuadir com base em “sabedoria”, ou seja, nos recursos da filosofia grega, mas persuadiu expondo e aplicando as Sagradas Escrituras, confiando unicamente no Espírito de Deus para abençoar seu trabalho de evangelização.

Tal entendimento estabelece um link entre a evangelização e os três elementos aristotélicos da comunicação persuasiva.

23 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales. (Ed.). Persuadir. Novo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa — Com a Nova Ortografia. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009. CD-ROM. Grifo nosso. 24 LAKHANI, Dave. Persuasão: A Arte de Conseguir o Que Você Quer. Rio de Janeiro: Alta Books Editora, 2009, p. 1. 25 NASCIMENTO, Misael Batista do. Discipulado Integral. São José do Rio Preto: Edição do autor, 2014, p. 54. v. 1. (Série Discipulado Integral). Disponível em: <http://www.misaelbn.com/produto/discipulado-integral/>. Acesso em: 07 Ago. 2014.

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1.3.1 Os três elementos da mensagem persuasiva

Bryan Chapell menciona três elementos que, segundo Aristóteles, constituem uma mensagem persuasiva (figura 01).26

Figura 01. Três elementos da mensagem persuasiva

O evangelista comunica o evangelho a partir da Bíblia (o caminho do evangelho). O Espírito Santo é o agente da iluminação e aplicação da mensagem (o caminho do Espírito Santo). O receptor ouve o que dizemos (logos) e analisa tanto nossa convicção (pathos) quanto o modo como vivemos (ethos).

A finalidade primeira do discurso retórico é a persuasão. Para alcançá-la o orador deve apresentar provas (pisteis) que façam a audiência aderir à tese defendida. Dentre essas provas, Aristóteles distingue as não-técnicas (atechnoi) das técnicas (entechnoi). As primeiras são as seguintes: A lei, as testemunhas, os contratos, os depoimentos de escravos extraídos sob tortura, e os juramentos. As provas técnicas, por sua vez, são de três espécies: A prova lógica ou pelo próprio logos (discurso), a prova pelo ethos (caráter) do orador e a prova pelo pathos (emoção) do ouvinte.27

Dito de outro modo, ethos relaciona-se ao caráter percebido do evangelista, logos, ao conteúdo lógico ou verbal da evangelização e pathos ao conteúdo emocional. Chapell entende que o princípio de Aristóteles é corroborado pela Bíblia28 e demonstra isso com a afirmação de Paulo em 1Tessalonicenses 1.5.

Porque o nosso evangelho não chegou até vós [o caminho do evangelho] tão-somente em palavra [logos], mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo [o caminho do Espírito Santo] e em plena convicção [pathos], assim como sabeis [o caminho do ouvinte] ter sido o nosso procedimento [ethos] entre vós e por amor de vós.

Quais os desdobramentos disso para a evangelização? Há um conteúdo doutrinário (logos) denominado “evangelho”. Este conteúdo é apresentado por um agente humano (no caso, Paulo). Esta apresentação é feita na dependência e poder de Deus, de um modo vivo (pathos) e o próprio comunicador é uma demonstração palpável — uma “testemunha” — daquilo que o evangelho realiza (ethos).

26 CHAPELL, op. cit., p. loc. cit.; CHAPELL, Bryan. Pregação Cristocêntrica. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 26-33. A figura 01 é adaptada de CHAPELL, 2007, p. 27. 27 FRANCISCO, Maria de Fátima Simões. Caráter, Emoção e Julgamento na Retórica de Aristóteles, in FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, Letras Clássicas, n. 4 (2000), p. 91. 28 Ele menciona alguns textos bíblicos e as implicações do ethos para a comunicação da mensagem bíblica; cf. ibid., p. 28-33.

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1.3.2 Os três estágios de recepção da mensagem

A interação na evangelização é complexa. Para Kirst,29 o conteúdo da mensagem percorre três estágios ao ser ouvido pelo receptor: Entrada, seleção e elaboração (figura 02).

Figura 02. Entrada, seleção e elaboração dos signos

Em todos os estágios há possibilidade de “desligamento”, ou seja, “os signos dirigidos ao ouvinte podem atingir um aparelho receptor ligado ou desligado. O desligamento pode: (a) ocorrer a qualquer momento [...] e, (b) ser breve ou prolongado. Ele ocorre por fatos exógenos [externos] ou inerentes à prédica”.30

Os fatores exógenos são “localizados fora do sistema [...]; sobretudo, de disposições físicas, fisiológicas e psicológicas do ouvinte, de condições ambientais as mais diversas, de ‘ruídos’”.31 Quando aos fatores inerentes à mensagem, o receptor é desligado quando esta se mostra “demasiadamente densa, compacta, abstrata e monótona, exigindo, portanto, muito esforço para ser acompanhada”.32

Na seleção o ouvinte coleta “o que lhe interessa, aquilo que lhe faz sentido, aquilo que o ajuda a dar conta de certo problema”.33 Dito de outro modo, a resposta do ouvinte depende de como a mensagem é processada na alma, ou, como diz Wolf, dos “processos psicológicos intervenientes”.34

Kirst explica que “a elaboração dos signos captados e selecionados pelo ouvinte dá-se em dois níveis: No emocional e no racional. Ocorre frequentemente que o ouvinte consegue assimilar mais conteúdos por via emocional do que através do raciocínio lógico”.35 A totalidade dos estágios é exemplificada a seguir. Ainda que sua aplicação primária seja a pregação pública, algo semelhante ocorre em qualquer diálogo de evangelização:

29 KIRST, op. cit., p. 59. A figura 02 é uma adaptação do esquema sugerido por Kirst (ibid., loc. cit.). Escrevendo de um contexto luterano, para Kirst, sermão ou pregação corresponde a “prédica”. Tomamos a liberdade de aplicar os construtos de sua obra, relacionados à Homilética, ao entendimento e prática da evangelização. 30 Ibid., loc. cit. 31 Ibid., p. 60. 32 Ibid., loc. cit. 33 Ibidem. 34 MAURO WOLF, Mauro. Teorias das Comunicações de Massa. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 19. 35 KIRST, op. cit., p. 64.

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a) O ouvinte procura seguir cuidadosamente a exposição do pregador, reconhece nela seu problema pessoal de culpa e assimila a referida passagem.

b) O ouvinte não reconhece o seu problema pessoal na exposição do pregador. Persegue, então, um tanto distraído, suas próprias associações, desvia-se e só retorna ao contato com a prédica, ao enganchar em outra expressão que chame sua atenção. Aquela passagem da prédica, que não o tocou, não é registrada.

c) A expressão “perdão” desencadeia uma tal avalanche de sentimentos talvez não superados, que o contato com a prédica é interrompido instantaneamente, o ouvinte não toma conhecimento da explicação dada na prédica e, em vez disso, desenrola-se uma reação em cadeia de lembranças e pensamentos.36

Se não bastasse tudo isso, a evangelização é implementada em um contexto de beligerância não apenas conceitual, mas também espiritual e moral.

1.4 EVANGELIZAÇÃO É SEMEADURA COMBATIDA Em Marcos 4.1-2, lemos que nosso Senhor investe tempo e energia ministrando aos seus opositores, à multidão e aos discípulos. Na maior parte de Marcos 4, ele ensina sobre o reino. Jesus faz assim porque sem a captação de sua palavra — a Palavra do Rei — nós não podemos ser salvos — entrar no reino (Jo 5.24-25). Repetindo, Rei e reino, estão estreitamente ligados. Concepções erradas de ambos nos distanciam de Deus. Por isso o Redentor ensina as parábolas de Marcos 4.

Tudo começa com a parábola do semeador (Mc 4.1-20). Sua importância não é pequena; quem não a entende, não consegue compreender as outras parábolas (Mc 4.13). Ela é uma espécie de “porta” que dá acesso a todas as outras parábolas de Marcos 4.

1.4.1 Um texto não apenas evangelístico, mas para evangelistas

É comum olhar para a parábola do semeador como um texto sumamente evangelístico, algo a ser lido e explicado a descrentes, convidando-os a acolher a “palavra” do evangelho. Isso é legítimo à luz de Marcos 4.1-2, onde lemos que nosso Senhor fala a uma “numerosa multidão” e a “todo o povo” (v. 1).

Apesar disso, Marcos 4.10-12 registra que, despedido o povo, Jesus e seus discípulos conversam privativamente. Nesse contexto mais íntimo, aqueles poucos podem fazer perguntas (v. 10). Jesus responde aos seus questionamentos e lhes dá a “conhecer o mistério do reino de Deus” (v. 11). Ele usa um vocabulário distintivo, falando de “vós outros” — os que estão próximos dele — e mencionando “os de fora” (v. 11). Isso repercute o tema de Marcos 3.13-14. No ensino público, a voz de Jesus repercute na multidão. No ensino privado, sua voz nos alcança na comunhão. É a intimidade dos que querem conhecê-lo de perto, fazer perguntas sinceras e em amor e ser mais do que meros ouvintes (cf. Sl 25.14).

O que está acontecendo aqui? O Redentor está formando discípulos-testemunhas-evangelistas. Eis o ponto. Você conhece a Filosofia de Sócrates ou Aristóteles, bem como tópicos sofisticados de Teologia em uma sala de aula, mas você só conhece Jesus e as coisas do reino em um relacionamento pessoal com ele. Os “de fora” podem até estar presentes na multidão. Podem até ouvir o ensino geral. O problema é que há a possibilidade de “ver e não perceber” ou de “ouvir e não entender”, ter contato com a Palavra de Jesus e não se converter, nem receber seu perdão (v. 12). Isso que estava

36 Ibid., loc. cit.

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acontecendo com os opositores de Jesus, mencionados em Marcos 3.20-35. Nós corremos o mesmo perigo hoje.

1.4.2 Um plantio diuturnamente combatido

A palavra “evangelização” não aparece na parábola do semeador, mas não é ilegítimo utilizá-la aqui. Em Marcos 4.1-9, Jesus menciona o plantio em diversos solos, identificando o que é plantado como “uma parte” ou “outra parte”. Na explicação da parábolas, nos v. 10-20, estas “partes” são denominadas simplesmente “a palavra”.37 Desde cedo os crentes entenderam evangelização de dois modos:

• Anúncio das boas notícias sobre a vida e obra de Jesus. • Anúncio das palavras, ou seja, o registro canônico dos ditos de Jesus.38

Neste estudo, evangelização é o anúncio da palavra de Jesus que instala e consolida o reino de Deus. A instalação deste reino é parecida com um trabalho de plantio que é diuturnamente combatido.

“Eis que saiu o semeador a semear” (v. 3). Há um “semeador” tentando plantar, mas não há frutificação duradoura em todos os solos. O “semeador” trabalha duro, porém, seu trabalho sofre oposição de todos os lados. Quem é este “semeador”? Sem dúvida é o Senhor Jesus Cristo. E esta identificação se encaixa com perfeição ao contexto desta seção do Evangelho de Marcos.

O semeador semeia a “palavra”, como lemos nos v. 14-20 (sete menções). Que “palavra” é esta? A palavra de Cristo — o ensino do Redentor. Algo está sendo dito e precisa ser ouvido. Daí, seis vezes a ideia de “ouvir” (cf. a interessante moldura dos v. 3 e 9; e ainda os v. 12, 15, 16, 18). Trata-se de sua mensagem que acompanha suas obras. Algo está feito e pode ser visto. Daí a ideia de “ver”, no v. 12.

Esta semeadura é abrangente. A palavra é lançada em diferentes solos. É o que acontece neste relato; nosso Senhor lança sua palavra à “multidão”. Os solos, como lemos nos v. 16-20, são diferentes pessoas. Em algumas a Palavra produz fruto. Em outras não.

Prestemos atenção. Nosso Senhor revela que as pessoas estão “ouvindo” (v. 14, 16, 18, 20). Isso significa que elas todas são muito privilegiadas! O semeador está entre elas; e o semeador está trabalhando duro. Que privilegiadas! Mas o que é isso? Uma plantação ou um campo de guerra? No texto, o plantio é acompanhado do trabalho de adversários! Que adversários são esses?

O primeiro adversário é Satanás (v. 15). Ele é ousado, pois age “enquanto a ouvem” (v. 15). Isso lança luz sobre o primeiro sinal do Evangelho de Marcos (Mc 1.21-28). Qual foi o sinal? Nosso Senhor expulsou um “espírito imundo”. Onde isso aconteceu? Dentro “da sinagoga”. Que inimigo petulante! E como isso lança luz sobre aquilo que ocorre na evangelização. E como isso lança luz sobre a semana que passou. Isso nos ajuda a entender porque é tão difícil evangelizar. Evangelização implica em confrontar um mundo espiritual tenebroso. É semear enquanto o inimigo não apenas ronda, mas também “tira a palavra semeada neles” (v. 15).

O termo grego airō é utilizado para o “transporte”. Satanás age de tal modo que a pessoa ouve a Palavra e, imediatamente ou pouco tempo depois, percebe: “Ué, mas onde está a Palavra que estava comigo? Ela estava aqui e não está mais! Alguém a carregou! A 37 Dedicaremos uma parte deste curso para conhecer a terminologia bíblica da evangelização. 38 Como veremos a seguir, a Teologia Bíblica nos ajuda a compreender como “palavras de Jesus” não apenas seus ditos do NT. Toda a Sagrada Escritura é cristocêntrica.

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palavra foi ‘transportada’; levada de um lugar para outro”. Jesus ensina que quem faz isso é Satanás. Será que entendemos a seriedade deste ensino?

O segundo adversário da evangelização é a carne (v. 16-17). Observe o quadro. O coração enganoso e corrompido — o ego no centro de tudo, ainda que disfarçado com uma roupa religiosa. Há uma recepção festiva da palavra (v. 16). O termo aqui é lambanō, “receber algo”. Depois, a palavra é desvalorizada (v. 17). A tranquilidade pessoal é considerada mais importante do que o privilégio de sofrer perseguição por causa da Palavra (Mt 5.10-12).

O terceiro adversário é o mundo (v. 19). O fascínio, as pressões e enlaces do mundo “sufocam” e tornam improdutiva a Palavra.

1.4.3 As quatro causas dos combates na instalação do reino

Os combates na instalação do reino possuem quatro causas. Isso é subentendido quando percebemos que Marcos 4.11-12 contém um enigma. Especialmente as palavras “para que”, que iniciam o v. 12, bem como aquilo que segue, sobre ver e não perceber, ou ouvir e não entender, evocam temas bíblicos solenes. Primeiro, o tema da depravação total do coração humano. O homem sem Deus é naturalmente insensato e rebelde. Daí as falas de Jeremias e Ezequiel (Jr 5.21; Ez 12.2).

Segundo, o tema da cegueira, da surdez e do embotamento dos sentidos. O homem natural é absolutamente incapaz de enxergar, ouvir e discernir as coisas de Deus (Is 42.19; 2Co 3.14).

Terceiro, o tema do cativeiro imposto por Satanás. As pessoas não creem no evangelho porque são escravas do “deus deste século” (2Co 4.3-4).

Em quarto lugar, e por cima de tudo isso, encontra-se o tema da soberania de Deus. Ouvem a Palavra de Jesus aqueles a quem é dado um “coração para entender”. Os que não creem estão sob o misterioso decreto do juízo de Deus (Dt 29.4; Rm 11.8).

Eis o enigma. Como resolvê-lo? A solução é apontada nesta mesma parábola.

1.4.4 O reino é instalado e frutifica nos que recebem a Palavra

Em Marcos 4.8 lemos que a palavra cai “em boa terra” e frutifica. Ela “vinga” e “cresce”, “produzindo a trinta, a sessenta e a cem por um”. O v. 20 explica: “Os que foram semeados em boa terra são aqueles que ouvem a palavra e a recebem, frutificando a trinta, a sessenta e a cem por um”.

Dito de outro modo, o reino é instalado e produz frutos nos que recebem a Palavra. Destarte, somos convidados a conferir estes “frutos” em nossa própria vida. Há os frutos de expansão do reino; o reino expandido para fora: Boas obras e testemunho. E há os frutos do reino expandido para dentro: Fé em Jesus, coração transformado e vida com Deus sob a autoridade da Palavra de Jesus.

Do ponto de vista de da segurança, os que acolhem o evangelho podem estar certos de sua inserção no reino. Do ponto de vista da motivação evangelística, os crentes podem testemunhar certos de que a Palavra produzirá fruto de acordo com a soberania de Deus. Do ponto de vista exortativo, a parábola convoca os leitores inconversos a crer em Jesus Cristo antes do “dia da colheita” (o tema da parábola da semente, v. 26-29) e os cristãos a não arrefecer a obra de evangelização, apesar da oposição constante.

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Juntando tudo, evangelizar é mais do que confrontar ideias. O evangelista trabalha em um ambiente de contestação e oposição espiritual (figura 03).39

Figura 03. A comunicação do evangelho contestada por oposição espiritual

Isso nos remete à necessidade de oração. Toda capacidade retórica e habilidade teológica é nada, sem o poder do Espírito Santo fluindo na vida do cristão (At 1.8). Em Discipulado Integral40 mencionamos uma visita realizada à Igreja Presbiteriana SaRang, em Seoul. Na ocasião, aqueles crentes dedicavam-se a trinta dias de oração, antes de realizar um avanço evangelístico.

O ministério terreno de Jesus foi realizado sob a égide da oração (Mt 14.23; Mc 1.35; Lc 3.21; 5.16; 6.12; 9.18; Jo 17.1-26). No Pentecostes, o Espírito Santo capacitou um grupo de crentes dedicados à oração (At 1.12-14; 2.1, 42). O testemunho poderoso da ressurreição, dado pelos primeiros cristãos, decorreu de oração (At 4.24,29-31). Felipe e Pedro realizaram inserções missionárias interagindo com Deus (At 8.26, 29, 39; 10.9-16). A primeira viagem missionária foi iniciada depois de uma experiência de busca da presença divina (At 13.1-3). A igreja em Filipos nasceu em um ambiente de oração, às margens de um rio (At 16.13-15). Paulo pediu aos crentes de Colossos que orassem para que ele fosse um evangelista melhor (Cl 4.2-6).

Estes poucos exemplos são suficientes para assegurar que, nos termos do NT, evangelização progride de mãos dadas com oração.

1.4.5 Evangelização e a dinâmica de implementação do reino

Retornando a Marcos, este Evangelho oferece um panorama da dinâmica de implementação do reino de Deus ao iniciar o seu terceiro capítulo mencionando milagres e curas (Mc 3.1-19, abre-se um parêntese para a narrativa da escolha dos doze, nos v. 13-19). É possível categorizar os atos de Jesus aqui como iniciativas de expansão. Seguem-se confrontos com os familiares de Jesus e alguns escribas de Jerusalém, ou seja, desgaste com pessoas (Mc 3.20-35). A réplica de Jesus vem em forma de ensino aos oponentes, aos discípulos e à multidão, ou seja, ele responde à oposição com doutrinação fiel (Mc 4.1-34). O que vem adiante é um confronto entre Jesus e as forças de Satanás, ou seja, uma intromissão das trevas (Mc 4.35—5.20).

39 Figura adaptada de KIRST, op. cit., p. 59. 40 NASCIMENTO, op. cit., p. 75.

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O interessante é que o ciclo se repete a partir de Marcos 5.21 até 7.30. Primeiro, mais iniciativas de expansão do reino (Mc 5.21—6.56). Abre-se um novo parêntese para a narrativa da responsabilização e envio dos doze (Mc 6.7-52), observando-se que o registro da morte de João Batista (em Mc 6.14-29) tem a função de esclarecer sobre o lugar do sofrimento e morte na experiência dos apóstolos-testemunhas de Cristo. Segundo, novo confronto com fariseus e escribas de Jerusalém — mais desgaste com gente (Mc 7.1-13). Terceiro, mais doutrinação fiel (Mc 7.14-23). Por fim, novo confronto com as trevas (Mc 7.24-30).

Notemos a beleza desta estrutura. Percebamos que as partes se conectam como uma engrenagem, como segue, (1) atos de expansão; (2) desgastes com pessoas; (3) doutrinação fiel e, por fim, (4) intromissão das trevas. Daí, (5) mais atos de expansão; (6) mais desgastes com gente; (7) mais doutrinação fiel e (8) mais intromissão das trevas, ad gloriae (até a glória — tabela 01).

Ocorrência-referência Marcos 3.1—5.20 Marcos 5.21—7.20

Milagres e curas – Atos de expansão

3.1-19 [p1 chamado dos doze 3.13-19]

5.21—6.56 [p2 os doze, 6.7-52; João 6.14-29]

Confronto com fariseus e escribas – Desgastes com gente

3.20-35 [e família] 7.1-13

Ensino – Doutrinação fiel

4.1-34 7.14-23

Confronto com Satanás – Intromissão das trevas

4.35—5.20 7.24-30

Tabela 01. A dinâmica de implementação do reino de Deus

Marcos está consignando o modo como o reino de Deus deixa de ser promessa e abstração e se torna concreto. Destacam-se aqui Cristo e os apóstolos como agentes obedientes de implementação deste reino. Os homens — inconversos e também convertidos, pois mesmo os discípulos mostram-se confusos e incrédulos às vezes — e Satanás são agentes de discordância beligerante. Mas Marcos não está mostrando apenas os agentes do reino. Ele descreve sua dinâmica, o modus operandi de sua implementação (figura 04).

Figura 04. A dinâmica de implementação do reino de Deus em modo gráfico

Apliquemos isso à evangelização. Do ponto de vista da vontade humana, tudo começa quando nós nos engajamos em iniciativas ou atos de expansão, o que implica em assumir nossa função de testemunhas de Cristo e, sob a égide do Espírito, pregar o

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evangelho (Is 6.8; At 1.8; 2Tm 4.1-5). Sem isso o reino permanece como promessa e abstração — a igreja fala sobre evangelização, mas não a pratica. Por conseguinte, a igreja não apenas deixa de crescer; ela entra em estagnação, definha e morre.

Por que alguns que começam bem (empolgados com a evangelização) subitamente desistem? Uma das razões é o desgaste com pessoas. Foi assim com Jesus e, sugere-nos Marcos, é assim com os seus discípulos. Decidimos pregar ou servir a Deus de verdade e levantam-se pessoas (ou instituições humanas) que parecem não compreender o que fazemos, ou compreendem muito bem, opondo-se resolutamente ou simplesmente minando toda colaboração. Em alguns casos, questionam e colocam obstáculos ao trabalho. Embolamo-nos com gente; daí desanimamos.

O paradigma de Jesus exige que, ao invés de parar, respondamos ao confronto humano com a Palavra de Deus. Quanto mais oposição, mais devoção bíblica, pregação e ensino (doutrinação fiel). A Bíblia aplicada com poder no coração é o único recurso para mover o coração dos homens. Mesmo que a oposição não seja aparentemente vencida, nós cumpriremos nossa função de testemunhas. O resultado de tal doutrinação não depende de nós, mas de Deus (1Co 3.6).

Se permanecermos firmes na Palavra e no propósito santo de colaborar com a expansão do reino, o inferno se levantará contra nós (intromissão das trevas). Não desanimemos. O Evangelho de Marcos nos consola revelando que sempre que Satanás e seus agentes se intrometem, são vencidos por Cristo.

E isso deve ser repetido até a glória.

Eis a obra de evangelização. Ferramenta de implementação do reino. Contestada. Difícil, mas triunfante.

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2 A moldura bíblica e primitiva da evangelização

O que a Bíblia diz sobre a evangelização e como os primeiros crentes a praticavam? E qual o impacto disso para os cristãos e igrejas atuais? Michael Green nos convida a pensar em um quadro ideal.

Apenas imaginem o que não aconteceria se [...] metade dos cristãos de todos os países fosse composta de alegres, amorosas e corajosas testemunhas de Jesus; se a nossa vida na igreja fosse tão viva e tão cheia de amor que as pessoas desejassem conhecer o nosso segredo; se realmente nos preocupássemos com os que não têm Cristo; se conversássemos acerca das boas novas com a naturalidade com que os ingleses falam do tempo e os brasileiros de futebol!41

Delírio? Utopia evangélica? Ideal inalcançável? Como veremos neste capítulo, Cristianismo compromissado com a evangelização é, simplesmente, o padrão das Escrituras. Biblicamente, menos do que isso é não apenas incorreto, mas inaceitável.

2.1 EVANGELHO, EVANGELIZAÇÃO E EVANGELISTA NO NT Tanto o verbo euangelizomai, “evangelizar”, quanto os substantivos euangelion, “evangelho” e euangelos, “evangelista”, eram de uso comum no Grego Clássico. Becker esclarece que tais termos derivam “de angelos, ‘mensageiro’ [...] ou do verbo angellō, ‘anunciar’”,42 e prossegue:

[...] euangelos [...] é aquele que traz uma mensagem de vitória ou quaisquer outras notícias políticas ou pessoais que causam alegria. No período helenístico a palavra também pode significar “alguém que anuncia oráculos”. De modo semelhante, o verbo euangelizomai pode querer dizer “falar como mensageiro da alegria” [...].43

Os autores do NT fazem uso destes sentidos para elaborar um significado consistente com a história da revelação (Teologia Bíblica).

O uso que o NT faz do vocábulo grego euangelion, “notícias jubilosas”, “boas-novas”, tem como base Isaías 40—66, em que o verbo, na LXX, euangelizomai, “dar boas notícias”, é usado a respeito da declaração de libertação de Jerusalém do cativeiro (Is 40.9; 52.7) e, ainda, para anúncio mais amplo, da libertação dos oprimidos (Is 61.1-2). [...] A mensagem de Jesus era descrita de outra maneira, como o evangelho, as boas-novas, do reino de Deus. [...]. Com a morte e a ressurreição de Jesus, começa nova fase do evangelho. O pregador se torna o preconizado [...]. Assim, “o evangelho de Deus [...] acerca de seu Filho” (Rm 1.1-3) diz como, na obra redentora de Cristo, Deus havia cumprido sua antiga promessa de abençoar todas as nações.44

2.1.1 A trilha neotestamentária do evangelho

Mateus mostra Jesus “pregando o evangelho do reino” (Mt 4.23; 9.35). A evidência de que ele é o Messias Prometido é esta: “Os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são

41 GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva (Comentário). In: GRAHAM, Billy et al. A Missão da Igreja no Mundo de Hoje. 2. ed. São Paulo; Belo Horizonte: Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABU); Visão Mundial, 1984, p. 75. 42 BECKER, U. Evangelho. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 758. v. 1. 43 BECKER, op. cit., loc. cit. As abreviações foram substituídas por este autor pelas designações completas. 44 BRUCE, F. F. Evangelho. In: FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F. (Ed.). Novo Dicionário de Teologia. São Paulo: Hagnos, 2009, p. 405.

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purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho” (Mt 11.5; cf. Lc 7.22).

Marcos considera seu relato “evangelho de Jesus Cristo” (Mc 1.1). Ele também chama a atenção para um fato: Logo depois de ser batizado e vencer Satanás no deserto, após a prisão de João Batista, o primeiro ato de Jesus é pregar o evangelho (Mc 1.14-15). Em seguida, o anúncio do evangelho é duas vezes definido como “necessário”: No contexto do discurso escatológico de Jesus (Mc 13.10; cf. Mt 24.14) e na Grande Comissão de Marcos 16.15-16.45

Lucas informa que, antes mesmo de Jesus, João Batista “anunciava o evangelho ao povo” (Lc 3.18). O Redentor é imbuído de uma convicção santa. É preciso anunciar o evangelho do reino de Deus “às outras cidades” (Lc 4.43). E o ministério terreno de Jesus é dedicado a isso (Lc 8.1; 9.6; 16.16).

Na pregação de Pedro, na casa de Cornélio, o apóstolo menciona como palavra divina a Israel “o evangelho da paz, por meio de Jesus Cristo” (At 10.36). O mesmo apóstolo diz que o evangelho contém “coisas [...] que os anjos anelam perscrutar” e exige obediência (1Pe 1.12; 4.17). Os crentes que se estabelecem em Antioquia anunciam “o evangelho do Senhor Jesus”. De modo semelhante a Pedro, Paulo prega aos judeus falando-lhes sobre “a palavra desta salvação”, que corresponde ao “evangelho da promessa feita a nossos pais” (At 13.26, 32). Logo mais, na Licaônia, Paulo e Barnabé também anunciam o evangelho (At 14.7).

O objetivo da evangelização em Listra é “para que vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que há neles” (At 14.15). O resultado de evangelização é fazer discípulos (At 14.21). “Anunciar o evangelho” é o que move Paulo para a Macedônia (At 16.10). De fato, o apóstolo resume seu ministério como uma resposta ao

45 Alguns manuscritos de Marcos não contêm os v. 9-20 do capítulo 16. Hendriksen (HENDRIKSEN, William. Marcos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 860. [Comentário do Novo Testamento]) nos informa que os v. 9-20 não constam “nos dois códigos mais antigos B e Aleph (Vaticano e Sinaítico), no códice K (código Bobiense, o melhor exemplar dos antigos textos latinos africanos), no Sinaítico Siríaco, e em outros manuscritos. Os mais antigos pais da igreja, como Clemente de Alexandria e Orígenes, não parecem ter conhecido esse texto. De acordo com Eusébio, o famoso historiador da igreja, nascido em 260 d.C. e falecido em 340 d.C., ‘as cópias mais exatas e quase todas as outras cópias’ do Evangelho de Marcos terminam com as palavras de 16.8 [...]. Jerônimo, que provavelmente nasceu no ano da morte de Eusébio, também informa que, em quase todas as cópias gregas, esses versículos não se encontram presentes”. Sendo assim, algumas edições do Evangelho de Marcos optaram por terminar em Marcos 16.8. A dificuldade adicional é que existem diferenças de estilo e outros detalhes (clareza e conteúdo) no texto grego de Marcos 16.9-20 que levam alguns a concluir que esta parte foi produzida por outro escritor (HENDRIKSEN, 2003, p. 860-865). Para complicar, alguns manuscritos trazem uma conclusão breve: “Mas, o que quer que elas tenham ouvido, relataram brevemente para Pedro, e aqueles com ele. Por intermédio deles, Jesus enviou, um pouco depois, de leste a oeste, a proclamação sagrada e imperecível da salvação eterna” (ibid., p. 865). Tais questões levaram alguns especialistas a cogitar que estes últimos v. não são “Palavra inspirada de Deus”. As discussões podem ser conferidas em ibid., p. 858-865. A posição do autor deste estudo é que este debate não invalida nem desautoriza o texto. Concordando com Hendriksen, eu considero plausível que a parte final do Evangelho de Marcos tenha se perdido (ibid., p. 858; cf. a posição contrária em Myers, que enxerga em Marcos 16.1-8 uma “apoteose cuidadosamente elaborada, cheia de simbolismo narrativo, que não deixa respostas, mas perguntas. [...] Não se trata de ‘final feliz’ em que tudo fica resolvido; pelo contrário, à narrativa do discipulado é dado novo fôlego para continuar”; cf. MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 470. [Grande Comentário Bíblico]). Deus, porém, em sua providência, levantou alguém (assim como ele fez em outros livros bíblicos) para compor o texto que temos hoje, que se ajusta com perfeição ao ensino dos outros Evangelhos e ao restante do NT. Por esta razão, entendemos que Marcos 16.15-16 contém, sim, uma “comissão” para a igreja cristã.

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chamado “do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At 20.24; cf. Rm 15.16; 1Tm 1.11).

Em todo o NT, é Paulo quem mais usa o vocábulo euangelion, referindo-se ao “evangelho de Deus” (Rm 1.1; 15.16; 2Co 11.7; 1Ts 2.2,8,9), “evangelho de seu Filho” (Rm 1.9), “evangelho de Cristo” (2Co 9.13; 10.14; Gl 1.7; Fp 1.27; 1Ts 3.2; cf. 2Ts 1.8), “meu evangelho” (Rm 2.16; 16.25; 2Tm 2.8), “nosso evangelho” (2Co 4.3; 1Ts 1.5; 2Ts 2.14), “evangelho de incircuncisão” (Gl 2.7), “evangelho da vossa salvação” (Ef 1.13), “evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8), “evangelho da paz” (Ef 6.15), “mistério do evangelho” (Ef 6.19), “palavra da verdade do evangelho” (Cl 1.5), “evangelho da glória do Deus bendito” (1Tm 1.11) ou simplesmente “o [único, poderoso e suficiente] evangelho” (Rm 1.15-17; 10.16; 11.28; 15.19-20; 1Co 1.17; 4.15; 9.12,14,16,18,23; 15.1; 2Co 2.2; 4.4; 8.18; 10.16; Gl 1.8-9,11; 2.2,5,14; 3.8; 4.13; Ef 3.6; Fp 1.5,7,16; 2.22; 4.3,15; Cl 1.23; 1Ts 2.4; 2Tm 1.8,10: Fm 13).

O último livro do NT (Ap 14.6-7) revela um anjo pregando um “evangelho eterno”, destinado “cada nação, e tribo, e língua, e povo” (v. 6).

Tais boas novas originam-se na eternidade, vêm “do céu” (v. 6). Não são mera invenção humana, mas revelação divina para os homens de todos os tempos. Sua aplicabilidade é universal. Elas atravessam barreiras culturais e alcançam todos os grupos étnicos da terra.�Longe de ser um amontoado de declarações piegas, esta mensagem é um ultimato centrado na glória de Deus. Os homens são convocados a temê-lo, glorificá-lo e adorá-lo por seu poder criador e majestade (v. 7). Isso difere da evangelização atual, focada em promessas de alívio emocional de curta duração, ou em benefícios de saúde, sucesso ou prosperidade, obtidos imediatamente de Deus, caso a pessoa o “aceite”. O evangelho do Apocalipse é teocêntrico. As boas novas consistem no fato do Deus Magnífico conceder-nos a graça de conhecê-lo, amá-lo e servi-lo. Outra ênfase deste evangelho apocalíptico é sua nota de juízo (v. 7).46

2.1.2 Os evangelistas do NT

Isso nos leva a considerar os evangelistas. Quem são eles e o que fazem? Olhemos o exemplo de Filipe. Em Atos 6.3-6, ele consta entre os sete homens eleitos para servir a igreja. No oitavo capítulo de Atos, Filipe rompe uma barreira étnica e cultural testemunhando aos samaritanos. O que ele faz? Ele “prega” e opera “sinais” (expulsão de demônios e curas; At 8.5-7). Logo adiante (At 8.26-40) ele fala de Cristo a “um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes” (v. 27). A partir de uma profecia de Isaías 53, Filipe apresenta Cristo ao etíope, que professa a fé e é em seguida batizado (v. 27-38). Por esta razão, Atos 21.8 o identifica como “Filipe, o evangelista”.

Seguem três notas finais sobre a atividade de Filipe.

Primeira, o evangelismo de Filipe nasce na esteira da evangelização de toda a igreja dispersa pela perseguição. “Entrementes, os que foram dispersos iam por toda parte pregando (euangelizō) a palavra” (At 8.4). É no contexto deste ímpeto evangelizador da igreja perseguida e espalhada, que desponta Filipe como evangelista (At 8.5).

Segunda nota, a atividade de Filipe replica o chamado dos primeiros discípulos. Os Doze foram chamados por Jesus para “estarem com ele”, para “pregar” e para “exercer a autoridade de expelir demônios” (Mc 3.14-15). Cumprindo ordens de Cristo, os apóstolos “pregavam ao povo que se arrependesse; expeliam muitos demônios e curavam numerosos enfermos” (Mc 6.12-13). Tempos depois, Jesus incumbe setenta obreiros de

46 NASCIMENTO, Misael B. O Apocalipse: Um Chamado ao Discipulado Radical. Brasília: Apostila Não Publicada, 1994, p. 74.

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tarefa semelhante: “Quando entrardes numa cidade [...] curai os enfermos que nela houver e anunciai-lhes: A vós outros está próximo o reino de Deus” (Lc 10.8-9). Os enviados retornam exultantes: “Então, regressaram os setenta, possuídos de alegria, dizendo: Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo teu nome!” (Lc 10.17).

Em terceiro lugar, toda esta atividade — pregar-ensinar, curar enfermos e expulsar demônios — remete ao ministério de Cristo (Mc 1.32-39; At 10.37-39). Isso condiz perfeitamente com o preâmbulo de Atos, onde lemos sobre “todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar” (At 1.1; cf. Mc 6.30). Dito de outro modo, o trabalho de evangelização iniciado por Cristo tem prosseguimento por meio dos cristãos.

Organizando os dados bíblicos, temos os seguintes agentes: Jesus, os Doze, os Setenta, a igreja perseguida ou espalhada e Filipe. Todos realizando a seguinte tarefa: Pregar-ensinar, curar e libertar. Ao fazer estas três coisas, Filipe é identificado como “evangelista”. Visto por este ângulo, de modo amplo, é evangelista quem reproduz o modelo missionário de Cristo pregando-ensinando, curando e libertando (figura 05).

Figura 05. Os agentes e as tarefas da evangelização

O que está acontecendo aqui? Uma inversão dos efeitos da queda, ou, mais precisamente, o cumprimento da promessa pactual de Gênesis 3.15. Cristo, o “último Adão”, desfaz os estragos causados pelo primeiro Adão (Rm 5.12-21; 1Co 15.45). O evangelho é o anúncio da irrupção do “reino” que nada mais é do que a ratificação, retomada e garantia de efetivação do Pacto da Criação — o estabelecimento do domínio de Deus sobre tudo o que existe (Mc 1.15; 1Co 15.20-28). Muito mais abrangente do que qualquer proposta de “Missão Integral”, como veremos a seguir, evangelização bíblica corresponde a Missão Pactual.47

Voltando ao conceito de evangelista, Paulo escreve a Timóteo: “Faze o trabalho de um evangelista” (2Tm 4.5). Junto de Silas, Timóteo acompanha Paulo em sua segunda viagem missionária e o apoia na plantação da igreja em Corinto (At 17.15; 18.5). Na terceira viagem, Timóteo é enviado à Macedônia (a fim de preceder Paulo, provavelmente tomando as providências necessárias à sua instalação e trabalho). Enquanto Paulo viaja até a Macedônia, Timóteo é enviado a Éfeso, para corrigir problemas de doutrina e providenciar a correta eleição, ordenação e instalação de presbíteros (1Tm 1.3-4; 3.1-16; 5.22). Tanto ele quanto Erasto “servem” (diakoneō) ao apóstolo (At 19.22). Na viagem tumultuada de retorno, Timóteo mais uma vez precede Paulo em Trôade (At 20.4-6). Ele, Timóteo, “trabalha na obra do Senhor”, assim como o apóstolo (1Co 16.10). Auxilia-o na redação de 2Coríntios, Filipenses, Colossenses, as duas epístolas aos tessalonicenses e Filemom (2Co 1.1,19; Fp 1.1; Cl 1.1; 1Ts 1.1; 2Ts 1.1; Fm 1). É emissário do apóstolo também aos filipenses e tessalonicenses (Fp 2.19; 1Ts 3.1-2,6). Por tudo isso, Paulo denomina Timóteo “meu cooperador” (Rm 16.21), “filho amado e fiel no Senhor”, incumbido de lembrar aos coríntios os caminhos de Paulo “em Cristo Jesus” (1Co 4.17) e “filho na fé” (1Tm 1.2; 2Tm 1.2). Por fim, Timóteo não é mostrado curando nem expulsando demônios. O cumprimento do mandato evangelístico, em Timóteo, dá-se primordialmente com a pregação-ensino do evangelho (1Tm 4.11-16; 2Tm 2.15; 4.1-5).

O exemplo de Timóteo sugere uma qualificação do evangelista. Timóteo não é apenas uma testemunha geral de Cristo, mas um oficial designado para pregar-ensinar e também

47 A moldura pactual da evangelização será explicada no próximo capítulo.

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governar e estabelecer, em uma ou várias igrejas locais, a doutrina apostólica e o oficialato. Timóteo — e de modo semelhante, Tito, cf. Tt 1.5-16 — fala e age com autoridade incontestável, auxiliando Paulo a fundar e organizar a gestão piedosa das igrejas recém-instituídas. É nesse sentido que Paulo inclui os “evangelistas” na lista de ofícios da igreja, em Efésios 4.11. É procedente considerar estes oficiais como incumbidos do auxílio aos apóstolos na organização das primeiras igrejas. Eles têm autoridade menor que a dos apóstolos e profetas e, ao mesmo tempo, maior que a dos pastores e mestres, pois, a mando dos apóstolos, lideram os processos de estabelecimento e organização eclesiástica.

Os dados bíblicos permitem nova organização, com três distinções ou categorizações do trabalho de evangelista (tabela 02).

Tudo começa com a igreja evangelista. Atos 8.4 fala de toda uma igreja — os crentes de modo geral, espalhando-se e evangelizando por toda parte. Foi assim que aconteceu naquele tempo e, com base no mandato missionário de Jesus, devemos orar e trabalhar, não esperando menos da igreja de hoje.

Em seguida temos os evangelistas destacados do meio da igreja, pessoas chamadas pelo Espírito Santo para dedicar-se à evangelização extensiva, reconhecidas como “evangelistas” ou “missionárias” e, talvez, sendo até sustentadas pela congregação. Tome-se o cuidado, porém, de não compreender esta segunda categoria como substituta da primeira. Os evangelistas destacados da igreja complementam a tarefa de evangelização que é realizada fiel e sistematicamente por cada crente.

A igreja evangelista O evangelista destacado do meio da igreja O ofício de evangelista

Atos 8.4 Atos 8.5 et seq. Efésios 4.11; 2Tm 4.5

A igreja perseguida e espalhada Filipe Timóteo e Tito

Crentes evangelizando espontaneamente

Crentes singularmente dotados e separados

Emissários dos apóstolos no estabelecimento das primeiras igrejas cristãs

Relevância contemporânea Relevância contemporânea Relevância no 1º século

Tabela 02. Três categorias de evangelistas

Os oficiais evangelistas, tais como Timóteo e Tito, tiveram seu papel na igreja do primeiro século, mas, com a morte dos apóstolos, estando a igreja devidamente balizada, tal ofício deixou de existir.

2.2 O MÉTODO PAULINO DE EVANGELIZAÇÃO E PLANTAÇÃO DE IGREJAS Atos destaca o trabalho paulino de fundação de novas igrejas sob a direção divina (At 9.15-16, 13.1-4, 16.6-7). A questão que se levanta é: Ele utiliza alguma estratégia ou método? É possível aventar que ele, no estabelecimento de novas igrejas, segue um plano previamente estabelecido?

Lemos sobre três viagens orientadas para a implantação e consolidação de igrejas,48 realizadas em um período de aproximadamente dez anos. O impacto dessas incursões é descrito por Allen:

48 Estas viagens são popularmente conhecidas como “viagens missionárias”, mas o fato é que a palavra “missionário” não se encontra em Atos — e nem no restante do NT. No texto bíblico os seguidores de Jesus, de modo geral, são “irmãos” (At 1.15), “testemunhas” (At 1.8), “crentes” (At 5.14), “discípulos” (At

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Em menos de uma década Paulo estabeleceu a igreja em quatro províncias do Império: Galácia, Macedônia, Acaia e Ásia. Antes de 47 A.D. não havia igrejas nessas províncias; em 57 A.D. Paulo pode falar que seu trabalho foi completado e que ele deseja viajar para o Oeste, sem mostrar-se ansioso de que as igrejas por ele fundadas sofram devido à falta de liderança ou suporte.49

Na primeira viagem Paulo e Barnabé saem de Antioquia da Síria, passam por Selêucia e vão para Chipre. Em Pafos testemunham ao procônsul Sérgio Paulo que crê, “maravilhado com a doutrina do Senhor” (At 13.1-12). De lá rumam para Perge e, em seguida, para Antioquia da Pisídia, onde muitos creem (At 13.13-52). Falam na sinagoga de Icônio, com resposta positiva tanto de judeus quanto de gregos (At 14.1). As próximas paradas são Listra e Derbe, onde o evangelho é também anunciado e produz fruto (At 14.8-18, 20-21). A partir desse ponto começa o retorno. Paulo e Barnabé passam pelas cidades recém-visitadas fortalecendo os irmãos, promovendo a eleição de presbíteros e encomendando tais líderes às igrejas. Passam pela Pisídia e Panfília, pregam em Perge, descem para Atália e chegam, por fim, em Antioquia da Síria de onde haviam saído “para a obra que haviam cumprido” (At 14.21-26). A igreja os recebe e se alegra com as notícias por eles transmitidas (At 14.27-28).

A narrativa cobre o período de 46 a 48 d.C.50 Considerando apenas Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia, e reconhecendo que há espaço para a inclusão de outras localidades (Derbe, por exemplo), pode ser afirmado que, em dois anos, foram organizadas — com presbíteros eleitos — três igrejas.

A segunda viagem ocorre após o Concílio de Jerusalém (At 15.1-36). Paulo e Silas saem de Antioquia e passam pela Síria e Cilícia “confirmando as igrejas” (At 15.40-41). Chegam a Derbe e, em Listra, Timóteo se junta a eles (At 16.1-3). Transmitem às igrejas — provavelmente de Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia — as decisões do Concílio e estas são fortalecidas e crescem em número (At 16.4-5). Tentam pregar na Ásia. De Mísia tentam ir para a Bitínia, mas terminam aportando na Macedônia (At 16.6-10). A partir de Atos 16.10 a descrição da viagem é feita na primeira pessoa do plural até 16.17, o que é retomado em 20.5. Isso indica a participação do narrador, Lucas, nesses eventos.51 De Trôade vão para Neápolis e, dali, a Filipos, onde uma igreja é estabelecida (At 16.11-40). Passam por Anfípolis e Apolônia, e chegam a Tessalônica, onde outra igreja é implantada (At 17.1-9). Os irmãos enviam Paulo e Silas para Bereia e surge uma terceira nova igreja (At 17.10-12; cf. 20.4). Paulo prega em Atenas, onde alguns creem e segue para Corinto onde conhece Priscila e Áquila, estabelece outra igreja e permanece por um ano e seis meses (At 17.16-18-11). O retorno dá-se a partir de Corinto para Cencreia, daí para Éfeso (onde deixa Priscila e Áquila) e prega algumas vezes aos judeus. Saindo de Éfeso os viajantes desembarcam em Cesareia e daí, vão para Jerusalém e Antioquia (At 18.18-22).

A segunda viagem ocorre provavelmente de 49 a 52 d.C.52 O registro de Atos sugere, considerando-se Éfeso, que além do fortalecimento das igrejas anteriormente

6.1) e “cristãos” (At 11.26), e os que ocupam ofícios são designados “apóstolos” (At 1.2), “profetas” (At 11.27), “presbíteros” (At 14.23) ou “bispos” (At 20.28) e “evangelistas” (At 21.8). 49 ALLEN, Roland. Missionary Methods: St. Paul’s or Ours? Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 2001, p. 3, tradução nossa. 50 DOWLEY, Tim. (Ed.). Atlas Vida Nova da Bíblia e da História do Cristianismo. 1. ed. Reimp. 1998. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 68. ALLEN, op. cit., loc. cit., entende que a primeira viagem foi iniciada em 47 d.C. 51 MARSHALL, I. Howard. Atos: Introdução e Comentário. 1. ed. Reimp. 1985. São Paulo: Mundo Cristão; Vida Nova, p. 249. KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: Atos. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 122. v. 2. 52 DOWLEY, op. cit., loc. cit.

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estabelecidas, foram iniciadas cinco igrejas e um grupo de convertidos em Atenas, em três ou quatro anos.

Na terceira viagem Paulo “confirma” os discípulos provavelmente em Tarso, Derbe, Listra, Icônio e Antioquia, as “regiões mais altas” citadas em Atos 19.1 (cf. At 18.23) e chega a Éfeso, onde prega o evangelho e consolida a igreja por dois anos (At 19.1-41). De Éfeso prossegue até a Macedônia (provavelmente Filipos, Tessalônica e Bereia) e vai para a Grécia (talvez Atenas e Corinto). Volta a Macedônia e, de lá, segue para Trôade (At 20.1-12). Chegando a Mileto, despede-se dos presbíteros de Éfeso e dali segue passando por Rodes, Pátara, Tiro, Ptolemaida e Cesareia, até Jerusalém (At 20.17-21.17 et seq.).

Nessa jornada, realizada de 53 a 57 d.C.,53 nenhuma nova igreja é plantada e seu término é marcado pela chegada de Paulo em Jerusalém, onde ocorre uma turbulência que enseja sua prisão e envio posterior a Roma.

Assegurar que Paulo trabalha baseado em um planejamento detalhado é ir além das informações disponíveis na Escritura. O apóstolo lida com imprevistos em diversas ocasiões, e os textos de Atos não permitem afirmar que ele responde a todas essas situações segundo uma estratégia previamente definida (cf. At 14.1-7, 19). Na segunda viagem Paulo é impedido pelo Espírito Santo de pregar na Ásia e na Bitínia, recebendo divina orientação para dirigir-se à Macedônia (At 16.6-10). No retorno da terceira viagem, estando prestes a embarcar da Grécia para a Síria, ele é forçado a voltar por outro caminho (At 20.2-3). Por fim, ao escrever aos cristãos gálatas, informa que o estabelecimento da igreja entre eles não decorreu de um plano cuidadosamente elaborado, mas de uma “enfermidade física” (Gl 4.13).54 Se as viagens paulinas em Atos têm algo a dizer sobre planejamento na implantação de novas igrejas, é que tal atividade é dinâmica, aberta a interferência de fatores transcendentes e passível de mudanças operacionais decorrentes das limitações humanas e de oposições ao evangelho.

Isso não significa, porém, que Paulo seja afeito à improvisação. Mesmo rejeitando a ideia de uma estratégia formal, o uso da expressão ergon, “obra” ou “trabalho”, no relato da primeira viagem (At 13.2, 14,26, 15.38), permite cogitar ao menos em uma atividade minimamente organizada.

Allen chama a atenção para o fato de — nas viagens em questão — Paulo abordar não apenas cidades isoladamente, mas províncias. Ele nota ainda que o trabalho é realizado dentro dos limites da administração romana e estabelece centros de vida cristã em algumas localidades importantes.55 Mais: As igrejas iniciadas por Paulo estão inseridas em centros da administração romana, da civilização grega, da influência judaica ou de comércio pujante. 56 A administração romana providencia não apenas proteção dos inimigos externos, o que possibilita a realização de viagens e outras iniciativas de propagação da fé, mas uma estrutura legal que permite a Paulo e aos discípulos proteger-

53 Ibid., p. 69. 54 ALLEN, op. cit., p. 10. STOTT, John R. W. A Mensagem de Gálatas: Somente Um Caminho. São Paulo: ABU, 2003, p. 106 (A Bíblia Fala Hoje), presume que “se não foi uma crise de alguma condição crônica, ele teria apanhado uma infecção a caminho da Galácia, a qual fê-lo deter-se ali”. HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Gálatas. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 246 destaca, a partir do versículo 14, que se trata de “uma enfermidade tão séria que poderia ter suscitado nos gálatas um sentimento de desprezo e nojo”. 55 ALLEN, op. cit., p. 12. 56 Ibid., p. 13.

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se da violência interna incitada pelos judeus.57 A civilização grega, por sua vez, contribui com a estrutura cultural, uma base comum de referenciais e linguagem, especialmente, a tradução do AT em grego, a LXX. A educação grega fornecida nas cidades visitadas por Paulo permite a comunicação em termos compreensíveis.58 O judaísmo é uma porta para a pregação. De cidade em cidade, Paulo é recebido nas sinagogas como um irmão — ainda que perseguido posteriormente — e argumenta com base na Escritura, a fim de provar que Cristo é o Messias (At 13.5,14-15, 17.1, 10, 18.4,19, 19.8).59 Nos centros comerciais transita grande quantidade de pessoas e abre-se espaço para um maior intercurso de ideias. A característica cosmopolita dessas cidades as torna núcleos de difusão do evangelho.60

Ao estabelecer a igreja em dois ou três centros Paulo considera que evangelizou toda a província. Dez anos após sua primeira partida de Antioquia, ele percebe que “desde Jerusalém e circunvizinhanças até ao Ilírico, tenho divulgado o evangelho de Cristo” (Rm 15.19), e se avalia como “não tendo já campo de atividade nestas regiões” (Rm 15.23).61

Para Lopes62 o trabalho de evangelização de Paulo é uma aplicação de sua teologia, especificamente sua convicção de que os últimos dias já começaram e a igreja é a plenitude de Cristo. A época atual é especial. Paulo experimenta a graça salvadora e nutre a esperança de um rápido retorno do Senhor. As profecias da Escrituras estão se cumprindo. O tempo atual deve ser usado com propriedade para o anúncio da salvação. Além disso, central no cumprimento de tais promessas, é a igreja. Esta é a “plenitude de Cristo”, a comunidade escatológica através da qual Deus está trazendo a si os seus eleitos. Daí a necessidade de edificação da igreja, o que envolve sua expansão e fortalecimento.63 Isso é feito pela proclamação da Palavra.64 Em suma, o apóstolo assume uma metodologia que, na verdade, é uma aplicação de sua teologia: Fixação em centros estratégicos para iniciar e fortalecer as igrejas através da pregação e ensino da Palavra de Deus.

Resumindo, o registro das viagens de Paulo para implantar e fortalecer igrejas sinaliza padrões metodológicos e estratégicos, ainda que a fidelidade aos textos não permita dizer que o apóstolo trabalhe com base em planejamento altamente elaborado. O cuidado de Paulo, de operar dentro dos limites do Império, bem como o estabelecimento de igrejas no contexto da cultura grega merecem nossa atenção. Os relatos de Atos sobre as viagens de Paulo contêm, ainda que não uma prescrição, pelo menos uma sinalização positiva quanto ao uso de planejamento e estratégia na evangelização e plantação de igrejas.

57 Ibid., loc. cit. GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 12-14, fala da PAX ROMANA como um dos caminhos da providência — no primeiro século — para a evangelização mundial. 58 ALLEN, op. cit., p. 14; GREEN, 2000, p. 14-21. 59 ALLEN, op. cit., p. 15; GREEN, 2000, p. 21-26. 60 ALLEN, op. cit., p. 15-16. LOPES, Augustus Nicodemos. Paulo, Plantador de Igrejas: Repensando Fundamentos Bíblicos da Obra Missionária. In: Fides Reformata, v. II, n. 2 (jul./dez. 1997), p. 12, reportando-se a BRUCE, F. F. Paul, Apostle of the Free Spirit. ed. rev. 1980. reimp. 1992. Carlisle, Pa.: Paternoster Press, 1977, p. 314-315, afirma que Paulo estabelece três centros estratégicos: “Tessalônica como base para a província da Macedônia; Corinto como base para a província da Acaia e Éfeso como base para a Ásia proconsular”. 61 ALLEN, op. cit., p. 13, tradução nossa. 62 Op. cit., p. 7-9. 63 LOPES, op. cit., p. 9-11. 64 Ibid., p. 11-12.

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2.3 A PRÁTICA EVANGELIZADORA DOS PRIMEIROS CRENTES Depois de olhar para Paulo, o grande plantador de igrejas, atentemos para a igreja primitiva como um todo. Como os primeiros cristãos evangelizavam e quais os principais contrastes entre a igreja dos primeiros séculos da era cristã e a igreja atual?

2.3.1 Doze contrastes entre a igreja primitiva e a igreja atual

Green apresentou um sumário de seu trabalho no Congresso Internacional de Evangelização Mundial realizado em Lausanne, em 1974. Na ocasião ele sugeriu doze contrastes entre a igreja primitiva e a igreja atual:65

1. “A igreja primitiva fez da evangelização sua meta prioritária. Hoje essa preocupação parece bem lá embaixo na lista de prioridades”.

2. “A igreja primitiva tinha profunda compaixão pelas pessoas sem Cristo. Muitos setores da igreja moderna estão longe de se convencerem de que importa muito saber se alguém tem Cristo ou não”.

3. “A igreja primitiva era muito flexível na prédica das boas novas, mas inteiramente oposta ao sincretismo (a mistura de outros elementos com o evangelho) de qualquer tipo. Diversas partes da igreja moderna tendem a ser rígidas em suas categorias evangelísticas, porém se inclinam fortemente para o sincretismo”.

4. “A igreja primitiva era muito aberta à liderança do Espírito Santo [...]. Na moderna igreja do Ocidente, técnicas gerenciais, reuniões de comitê e discussões intermináveis são tidas como essenciais à evangelização; a oração e a dependência em face do Espírito parecem, como frequência, opções extras”.

5. “A igreja primitiva não era indevidamente cônscia do papel do pastor. [...] Hoje tudo tende a centrar-se em torno do pastor. Espera-se que o servo remunerado da igreja empenhe-se em falar de Deus, mas não os outros”.

6. “Na igreja primitiva, esperava-se que cada pessoa fosse uma testemunha de Cristo. Hoje [...] admite-se que somente compete aos pastores bem-dotados o testemunhar — isso na melhor das hipóteses — mas nunca aos cristãos de mediana inteligência”.

7. “Na igreja primitiva construções não tinham importância. Não houve uma sequer durante o período inteiro de seu maior avanço. Hoje as construções parecem a coisa mais importante para muitos crentes”.

8. “Na igreja primitiva, a evangelização era um ‘bate-papo’ espontâneo e natural sobre as boas novas, e nele se engajavam continuamente todos os cristãos, de maneira natural e como um privilégio. Hoje a evangelização é espasmódica, pesadamente organizada, e em regra dependente das técnicas e do entusiasmo do especialista visitante”.

9. “Na igreja primitiva, a política adotada era ir ao encontro das pessoas, onde elas estivessem, e fazer discípulos entre elas. Hoje é convidar pessoas para virem à igreja [...]. A igreja de hoje tenta a implosão, o convite, ou seja, procura ‘arrastar’ o visitante; a igreja primitiva praticava a explosão, a invasão; saía ao encalço das pessoas”.

10. “Na igreja primitiva o evangelho era sempre debatido nas escolas filosóficas, discutido nas ruas e até nas lavanderias. Hoje já não se discute muito o evangelho sob nenhum aspecto, e com toda a certeza não o fazem no terreno ‘secular’. Seu lugar é a igreja, no domingo, e um pastor convenientemente ordenado para isso é que deve encarregar-se de toda a palestra”.

65 A lista a seguir cita e adapta o conteúdo de GREEN, 1984, p. 56-57.

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11. “Na igreja primitiva, ao que tudo indica, comunidades inteiras costumavam converter-se de uma só vez. Na igreja atomística do Ocidente, o individualismo corre solto, e a evangelização, como muita coisa mais, tende a atingir seu clímax num confronto pessoal”.

12. Na igreja primitiva o impacto maior era produzido pelas vidas transformadas e pela qualidade da comunidade cristã. Hoje muito do estilo de vida cristão quase não se distingue do estilo de vida não-cristão, e muitas são as congregações religiosas que ficam famosas por sua frieza”.

Recomenda-se a leitura do texto integral. A explicação de cada um dos pontos de contraste é instrutiva e desafiadora para a prática evangelística atual.

2.3.2 Três aspectos da mensagem cristã primitiva

Estabelecidos os contrastes, Green prossegue sugerindo três aspectos da mensagem dos crentes primitivos.66

1. “A mensagem era cristocêntrica. Jesus era o centro do que proclamavam”. 2. “A mensagem era flexível. [...] Quando estudei os diferentes modos pelos quais os

cristãos dos dois primeiros séculos de nossa era pregavam a judeus e a gentios, a ricos e a pobres, a inteligentes e a não-inteligentes, fiquei impressionado com a variedade da sua proclamação. [...] Se tomarmos a variedade do próprio NT como nosso modelo, nunca seremos monocrômicos ou monótonos. Se submetermos nossa mensagem retraduzida ao juízo do NT, não cairemos no erro de desgastar o evangelho no curso da tradução. Essa é uma operação delicada e perigosa, mas todo evangelista precisa empreendê-la se quer ser fiel tanto a Cristo como à sua própria geração”.

3. “A mensagem era definida. [...] é interessante observar que os cristãos fizeram uso de todos esses meios para trazer homens a Cristo, porém, não se renderam a nenhum deles”.

Essa seção do tratado de Green deve ser lida e retida com cuidado. Má compreendida, pode gerar a falsa noção de que o evangelho pode ser modificado no processo de evangelização. Pelo contrário, se alteramos o evangelho, não há mais evangelização. O evangelho deve ser mantido intacto, fiel à revelação bíblica, mas sua apresentação pode ajustar-se a cada contexto, sempre destacando a centralidade de Cristo. Os primeiros crentes que não conseguiram manter esse equilíbrio caíram em heresia.

[...] os primeiros cristãos cometeram dois tipos de erro na tentativa de pregar o evangelho de maneira significativa vinculando-o com a situação própria de cada um. O Gnosticismo, que era uma forma de salvação através do conhecimento, era fruto de uma aceitação acrítica de esquemas de referência pagãos, assim como é hoje o sincretismo. E o Ebionismo, que enfatizava a humanidade de Jesus Cristo a ponto de excluir-lhe a deidade, foi fruto da rígida determinação de pregar Jesus como “Filho de Deus” a judeus que provavelmente não poderiam ouvir aquelas palavras sem a impressão de que isso fosse blasfêmia.67

A partir deste ponto Green nos conduz à próxima ponderação, sobre os métodos da evangelização primitiva.

2.3.3 Os métodos de evangelização dos primeiros crentes

De que modo os primeiros crentes evangelizaram? Antes de prosseguir, Green destaca um ponto importante:

66 Ibid., p. 58-65. Os grifos são do autor. 67 Ibid., p. 62.

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Parece não ter havido nada muito notável na estratégia e na tática da missão cristã primitiva. Na verdade, não é certo nem mesmo que tenham tido uma estratégia e uma tática. Não creio que levassem consigo nenhum esquema planificado. Tinham, isso sim, uma convicção inabalável de que Jesus era a chave da vida e da morte, da felicidade e do propósito, e simplesmente não podiam silenciar-se acerca dele. O Espírito de Jesus que habitava no interior deles levou-os a empreender a missão. [...] a missão eficiente não é a que provém de planos ou de roteiros humanos.68

Sendo assim, eis um apanhado de métodos usados por aqueles cristãos:69

1. “Eles trabalhavam do centro para fora. [...] começando de onde estavam, esses doze homens rapidamente cresceram através da oração, da comunhão, de uma profunda experiência do Espírito e de uma destemida pregação, mesmo quando perseguidos, formando um corpo a que Jesus acrescentava diariamente novos convertidos, e que encheu toda a Jerusalém com a sua mensagem. Atos, então, mostra sucintamente a difusão do evangelho na Judeia, depois na Samaria, e daí para os confins da terra. Mas parece que a regra era sempre conseguir aquecer o coração do grupo, pois só assim o grupo estaria preparado para receber novas adesões”.

2. “Eles se deixavam envolver, mas eram dinâmicos. É verdade: deixavam-se envolver, e o faziam de corpo e alma. [...] Celso, no 2º século, queixa-se dos cristãos que no trabalho, na lavanderia, na escola, na esquina da rua ficavam sempre falando demais acerca de seu Jesus. Poderia algum crítico do Cristianismo fazer a mesmo acusação hoje? Para dizer tudo numa única frase, diremos que a igreja primitiva triunfou porque, de fato, cada homem era um missionário; a igreja moderna fracassa porque ‘missionário’ virou palavrão. Esses cristãos primitivos estavam todos envolvidos na missão; e se achavam profundamente envolvidos na vida de sua comunidade também”.

3. “Eles usam de sua influência. Quer me parecer também que muitos desses homens planejavam o seu tempo com certo cuidado, conscientes de que só tinham uma vida, e de que estavam determinados a usá-la para o Senhor, em toda a plenitude. De maneira que passaram a participar de rodas onde sua influência seria sentida em toda a capacidade”.

4. “Eles exerciam supervisão. [...] Desde o início, já saíam a campo para consolidar conquistas. [...] os apóstolos revisitaram seus conversos, nomearam presbíteros para cuidar deles, enviaram-lhes mensageiros e oraram por eles. [...] uma sábia supervisão cristã foi o instrumento para manter a unidade criada por Deus”.

5. “Eles produziam testemunhas. [...] Era coisa normal, não uma exceção feliz, o cristão empolgar-se tanto com Cristo, que ele precisasse encontrar uma maneira de comunicar isso a seus semelhantes não-cristãos. [...] parece que os primeiros evangelistas se dispuseram a aumentar o número de testemunhas de Cristo, e não o dos que pudessem persuadir a assistir às mensagens acerca de Cristo. Eles saíam não para reunir ouvintes, mas para equipar missionários”.

Após discutir cada método, Green assevera que não podemos desprezar que os cristãos realizavam atividades ao ar livre e visitação.70 Ao ser perguntado sobre os

68 Ibid., p. 65. 69 Ibid., p. 65-68. Grifos do autor. 70 Ibid., p. 68

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métodos que ele considera principais, quatro coisas são mencionadas: O impacto da comunhão, o valor do lar, o emprego da apologética e a prioridade da conversa pessoal.71

Quanto à comunhão, “esses cristãos abraçavam todas as cores, todas as classes e todos os intocáveis da sociedade antiga numa unidade”.72 Destarte, a própria vida comunitária era um testemunho, ou, como sugere Green:

A igreja é, num sentido muito real, parte do evangelho. A menos que a comunhão na assembleia cristã seja muito superior a qualquer outra forma de integração que possa ser achada na sociedade, os cristãos poderão falar do amor e do poder transformador de Jesus até ficarem roucos, mas ninguém estará disposto a ouvir com muita atenção.73

Acerca das reuniões nos lares, “esse foi um dos métodos essenciais da igreja primitiva. E ainda é. [...] O valor do encontro nos lares, a oportunidade do diálogo, o clima de amizade, o prazer da descoberta, a reação em cadeia, tudo isso nota-se claramente”.74 E quanto à conversa pessoal:

Talvez seja esta a maior lição a tirar da igreja primitiva em meio aos transtornos de nosso tempo. O método evangelístico mais eficiente, e o mais difundido por seus resultados acaba sendo a evangelização pelo diálogo, em que aquele que já teve um encontro com Jesus partilha a sua descoberta, os seus problemas, as suas alegrias e as suas tristezas com quem se acha ainda tateando no escuro. Não há gozo maior do que o de apresentar um amigo a Jesus desta maneira. Não é necessário ser esperto ou experiente. Não é preciso ser um orador eloquente, ou capaz de organizar o material evangelístico de maneira ordenada. O que é preciso é amar ao Senhor, amar o amigo, e falar-lhe, em atitude de oração e dependência do Espírito, acerca de quem se descobriu estar vivo e ser capaz de transformá-lo. Se todos os cristãos se dispusessem a fazer isso, não precisaríamos aprender muita coisa mais com a igreja primitiva, em termos de metodologia. O evangelho, uma vez mais, se espalharia como fogo.75

O extenso estudo de Green surpreende por revelar uma igreja primitiva viva e simples. A evangelização entre os primeiros crentes foi realizada como transbordamento da vida de Jesus, no poder do Espírito Santo e em todos os contextos da vida.

71 Ibid., p. 69-73. 72 Ibid., p. 69. 73 Ibid., loc. cit. 74 Ibid., p. 84. 75 Ibid., p. 73.

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3 A evangelização e os dons espirituais

Há uma relação estreita entre frutificação evangelística e exercício dos dons espirituais.76 Pedro nos informa que há dons relacionados ao “falar” e outros ligados ao “servir” (1Pe 4.11). Ambas as categorias são úteis à evangelização. Esta frutifica quando dedicamos ao Senhor tudo o que somos e temos para ajudar pessoas a conhecerem Jesus Cristo. O serviço ao Rei ratifica o testemunho do evangelho do reino.

3.1 DONS ESPIRITUAIS EM 1CORÍNTIOS 12.1—14.40 Paulo escreve 1Coríntios para esclarecer os cristãos acerca dos dons espirituais: “A respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes” (1Co 12.1).77 Ele estende a instrução sobre este assunto até 1Coríntios 14.40. É possível aprender sobre os dons porque agora pertencemos ao Senhor (1Co 12.2-3).

Uma proposta de espiritualidade deturpada ameaçava a saúde da igreja em Corinto. Pessoas consideradas espirituais estavam blasfemando. Como nos informa Calvino, “afirmar que Jesus é anátema significa pronunciar blasfêmia contra ele. Afirmar que Jesus é Senhor significa falar dele com honra e reverência visando a exaltar sua majestade”.78 Aqueles cristãos corriam o perigo de assumir práticas fanáticas e orgulhosas que os deixavam desatentos à edificação do corpo e, por conseguinte, ao cumprimento da missão.79

76 Isso é confirmando tanto por Green (1984, Tese, p. 69-70; Comentário, p. 83) quanto por Snyder (op. cit., p. 90-91, 96-99). 77 Parte desta seção adapta o conteúdo da apostila utilizada para Escola Dominical de NASCIMENTO, Misael Batista; PORTO, Ivonete Silva. Introdução aos Ministérios e Dons Espirituais. Exemplar do Instrutor ou Discipulador. Brasília: Igreja Presbiteriana Central do Gama, 2008, p. 12-33. (Discipulado Maduro e Reprodutivo). v. 16. Estou consciente de que tanto em 1Coríntios 12.1, quanto em 14.1, “dons espirituais” traduzem pneumatika, “plural neutro do adjetivo pneumatikon” (FEE, Gordon D. Dons do Espírito. In. HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P. Dicionário de Paulo e Suas Cartas. São Paulo: Paulus; Vida Nova; Loyola, 2008, p. 412). Isso possibilita o entendimento de que Paulo refere-se aos “espirituais”, o grupo responsável pela confusão sobre os dons em Corinto. Richards e Martin sugerem que aqui Paulo fala “sobre o assunto da espiritualidade em geral” (RICHARDS, Lawrence O.; MARTIN, Gib. Teologia do Ministério Pessoal: Os Dons Espirituais na Igreja Local. São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 85). Assumo, no entanto, que o texto trata dos dons espirituais, concordando com Owen, para quem “a imaginação de alguns, relativas às pessoas espirituais a serem destinadas aqui, ao contrário do sentido de todos os antigos, é inconsistente com o contexto”. Cf. OWEN, John. A Discourse Concerning The Holy Spirit. In: GOOLD, William H. (Ed.). The Works Of John Owen. Edinburgh: T&T Clark, [201-?], p. 15-16. v. 3. Edição digital. Logos Bible. Grifos nossos. Uma testemunha deste entendimento antigo é Crisóstomo, cf. CRISÓSTOMO, João. 2: Homilias Sobre a Primeira Carta aos Coríntios: Homilias Sobre a Segunda Carta aos Coríntios. São Paulo: Paulus, 2010, p. 402. (Coleção Patrística). Calvino traduz “no tocante às questões espirituais”. Cf. CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura: 1Coríntios. São Paulo: Edições Paracletos, 1996, p. 371. 78 CALVINO, op. cit., p. 373. 79 Kistemaker tenta responder à pergunta “quem são as pessoas que colocam uma maldição sobre Jesus?” sugerindo, como possibilidades, os “líderes judeus” e os “mestres gnósticos”. O v. 3 apresenta ideias opostas. Nesse caso, o sentido seria: “Quem tem o Espírito reconhece o senhorio de Cristo; quem não tem é contrário a ele”. Destarte, Kistemaker abraça a seguinte interpretação: “Em vista da ênfase que Paulo coloca no Espírito, confiamos que ele não esteja falando sobre um local específico ou determinado grupo de pessoas. Ele frisa a ausência ou presença do Espírito Santo pelo qual as pessoas falam sobre Jesus”. Cf. KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: 1Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 574-576. Respeitosamente eu discordo deste erudito. A dificuldade em Corinto não parece decorrer de

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3.1.1 Edificação ou evangelização?

A razão pela qual Deus concede os dons espirituais é revelada em 1Coríntios 12.7: “visando a um fim proveitoso”. O termo sympherō, “proveitoso”, pode ser traduzido como “útil” ou “benéfico”. Daí a NVI: “A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito, visando ao bem comum”. Semelhantemente, a NTLH: “Para o bem de todos”.

Edificação é “uma importante tarefa do Espírito de Deus na comunidade. [...] é realmente um termo para o processo de crescimento e desenvolvimento da comunidade na história da salvação”.80 Sendo assim, os dons não são para uso egoísta, muito menos para divisão. Eles são explicados em um contexto de ênfase corporativa. Eles pertencem ao “corpo”, muito mais do que ao indivíduo. Isso é reafirmado no restante do capítulo 12, e também nos capítulos 13 e 14 de 1Coríntios.

Por que Paulo insiste nisso? Retornando ao final da seção 2.2, para Paulo, edificar a igreja e cumprir o mandato evangelizador são a mesmíssima coisa. Uma de suas instruções acerca da “ordem do culto”, em 1Coríntios 14.20-26, tem como objetivo assegurar que a mensagem seja compreensível aos “indoutos”, de modo que estes sejam “convencidos” e “julgados” (v. 24); daí, diante da manifestação dos “segredos” de seus corações, eles poderão “prostrar-se” e “adorar a Deus” reconhecendo: “Deus está mesmo no meio de vocês!” (v. 25; NTLH).

Trocando em miúdos, pelo correto uso dos dons no culto, o visitante é regenerado e convertido. Isso é cumprimento da missão e expansão do reino. E como Paulo designa isso? “Seja tudo feito para edificação” (v. 26). Dito de outro modo, segundo a Teologia Paulina, igreja edificada é igreja expandida. Destarte, o fortalecimento da igreja corresponde ao fortalecimento da missão (retornaremos a isso ao abordar os “dons” em Efésios 4.11-16).

3.1.2 Dons, serviços e realizações

Em 1Coríntios 12.4 o apóstolo menciona “dons” ligados ao Espírito, “serviços”, ao Senhor Jesus Cristo81 e “realizações”, a Deus o Pai. Os leitores de Paulo precisam compreender que a vida da igreja e expansão do reino resultam de uma ação coordenada da Trindade.82

A palavra traduzida por “dom” é charisma, no singular (“dons”, charismata, no plural) formada a partir de charis.83 Tal vocábulo tem o sentido de “doação”, “um

mestres do judaísmo ou gnosticismo, e sim de membros da igreja assumindo práticas fanáticas e orgulhosas que fomentavam confusão e divisão. 80 KITTEL, Gerhard; BROMILEY, Geoffrey W.; FRIEDRICH, Gerhard. (Ed.). Theological Dictionary Of The New Testament. Electronic ed. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1964, p. 140-41. v. 5. 81 A palavra “Senhor” é usada por Paulo para referir-se a Cristo (cf. Ef 4.4-6; Fp 2.11). Cf. BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA (BEG1). 1. ed. Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 1999, nota 12.4, p. 1360. 82 Calvino (op. cit., p. 375) afirma que “os Pais usaram estes versículos contra os arianos como evidência em apoio da Trindade de Pessoas” (grifo do autor). 83 É por isso que, em determinados contextos, aqueles que enfatizam os dons espirituais são denominados “carismáticos”.

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revestimento pessoal com graça”,84 “dotação particular”85 ou “uma expressão concreta de graça”.86 Isso indica que os dons espirituais são imerecidos.

A partir daqui, de modo amplo, é possível entender os dons espirituais como “habilidades que o Espírito Santo concede à igreja”.87 No contexto deste estudo sobre evangelização, parecem adequados os três conceitos a seguir:

1. Dons espirituais são “poderes práticos para demonstrar Cristo”.88 2. “Um dom espiritual é uma habilidade para expressar, celebrar, demonstrar e,

portanto, comunicar Cristo de um modo que edifique e fortaleça a fé em outros cristãos e faça a igreja crescer”.89

3. O mais adequado à evangelização como recurso de expansão do reino. Dons espirituais são “os meios e poderes divinamente ordenados pelos quais o Rei capacita sua igreja a realizar sua tarefa na terra”.90

Enquanto os dons são ligados ao Espírito, os serviços são vinculados ao Senhor Jesus. Na passagem, “serviços” traduz diakonia, serviço amoroso e humilde a Deus e ao próximo.91 O Redentor utiliza a mesma expressão em Marcos 10.45. Um sinônimo para serviço é “ministério”. Um estudioso lê 1Coríntios 12.5 assim: “E há variedades de ministérios”.92 Na ARA, em alguns casos, “ministério” traduz diakonia.93 Sendo assim, serviço é qualquer ato realizado segundo o exemplo de Cristo, com a finalidade de agradar a Deus e abençoar ao próximo.

O texto fala ainda de “realizações” (energēmata). O termo só ocorre duas vezes no NT, em 1Coríntios 12.6, traduzido como “realizações” e em 1Coríntios 12.10, traduzido como “operações” (de milagres). Ligada aos “dons” e “serviços” a palavra se refere às atividades da igreja. “A palavra, que tem derivados em nossa língua (energia, energético e energizar), significa ação como resultado do poder ativador de Deus”.94

Consideremos uma visita evangelística feita por voluntários a um casal que começa a frequentar a igreja. Deus é o responsável último por esta realização. É ele quem fornece o ânimo, o thelō ou desejo, bem como energeō, a operação ou efetivação de cada iniciativa (Fp 1.6). O serviço cristão é teocêntrico; a motivação e o desempenho do homem decorrem do Senhor como fonte derradeira de toda boa obra.

84 ESSER, Hans-Helmut. Graça, Dons Espirituais. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 907, 913. v. 1. 85 HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Efésios e Filipenses. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2005, p. 223. 86 FEE, op. cit., p. 411. 87 ELWELL, Walter A.; BEITZEL, Barry J. (Ed.). Baker Encyclopedia Of The Bible. Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1988, p. 425. 88 PACKER, J. I. Na Dinâmica do Espírito: Uma Avaliação das Práticas e Doutrinas. Reimp. 2010. São Paulo: Vida Nova, 1991, p. 80. 89 BEG1, p. 1406. 90 KUYPER, Abraham. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 209. 91 HESS, Klaus. Servir. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 2343, 2344. v. 2. 92 KISTEMAKER, op. cit., p. 578. 93 Em Atos 6.4, e.g., “ministério da palavra” pode ser traduzido como serviço (diaconia) da palavra. O termo “ministério” traduz ainda hipēretēs, (cf. Lc 1.2; 2Co 4.1), com o mesmo sentido de servo. Cf. HESS, op. cit., p. 2343. 94 KISTEMAKER, op. cit., p. 580. Grifo nosso. Outro estudioso traduz por “modos de ação”, cf. FEE, op. cit., p. 410.

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3.1.3 Quem recebe os dons e sua ligação com o fruto do Espírito

Os dons são dados à igreja — a todos os crentes. Isso é depreendido das afirmações de que os crentes de Corinto são libertos da idolatria e reconhecem o senhorio de Cristo pelo Espírito (1Co 12.1-3), e de que “Deus [...] opera tudo em todos”, ou seja, em cada cristão (v. 6). Logo adiante, encontramos duas vezes a expressão “cada um” (v. 7, 11), aparentemente indicando a concessão dos dons a todo crente (cf. 1Co 12.12-30).

Há um detalhe a acrescentar. No AT Deus profetiza por meio de um homem ambicioso e desonesto chamado Balaão (Nm 24.2-25; cf. 2Pe 2.15; Jd 11; Ap 2.14). O NT se refere a pessoas espiritualmente reprovadas, mas que “provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo” (Hb 6.4). Daí a afirmação acertada de Owen:

[Os dons] não mudam o coração com poder, embora possam reformar a vida mediante a eficácia da luz. E embora Deus não os conceda normalmente a pessoas perversas, nem permita que eles continuem a operar em pessoas que, depois da sua recepção, se tornam perversas, contudo, eles podem existir em pessoas que não foram renovadas e não têm em si nada que as preserve absolutamente dos piores pecados.95

Como um ímpio pode ser usado pelo Espírito Santo? Isso diz algo à evangelização, pois, retornando à seção 1.3.1, é possível que o leitor conheça pessoas que foram convertidas a partir da evangelização realizada por pregadores cujo ethos é na melhor das hipóteses preocupante, e na pior, escandaloso. Isso nos remete às palavras apostólicas de Filipenses 1.15-18.

O fato de alguém ser usado por Deus não significa que ele seja verdadeiramente crente, ou, como sugere Packer, “ninguém deve tratar os seus dons como prova de que agrada a Deus ou como garantia da sua salvação. Os dons espirituais não realizam nenhuma dessas coisas”.96 Mais importante do que a demonstração de poder é a verdadeira conversão e santificação — antes dos dons, o “fruto do Espírito” (Rm 8.1-17; Gl 5.16-26). Por isso nosso Senhor declarou: “Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus” (Lc 10.20; cf. Mt 7.15-23).

3.2 OS DONS ESPIRITUAIS E A GRAÇA COMUM Usar os dons para o agrado divino é mais importante do que os distinguir detalhadamente. Uma pessoa pode investir mais tempo tentando saber se determinada capacidade é um dom ou talento, do que efetivamente trabalhando.97 O melhor é entender que na criação, graça comum98 e redenção, Deus nos configura para que atendamos ao

95 OWEN, John. Works. In: GOOLD, W. (Ed.). Londres: Banner Of Truth, 1967, 4:437, apud PACKER, op. cit., p. 30. 96 PACKER, op. cit., loc. cit. Grifo nosso. 97 Wagner afirma que não podemos confundir dom espiritual com talento natural (WAGNER, C. Peter. Descubra Seus Dons Espirituais. Nova Edição Atualizada e Ampliada Pelo Autor. 5. ed. São Paulo: Abba Press, 2009, p. 85-88). O livro de Wagner é popular, mas nem todas as suas explicações decorrem de exegese sadia. Ele dá mais atenção ao consenso verificado em pesquisa sociológica e bibliográfica, do que ao significado exato da Sagrada Escritura. Ademais, sua interpretação da Bíblia ocorre dentro de uma grade heterodoxa. Uma posição mais equilibrada é sugerida por STOTT, John. Batismo e Plenitude do Espírito Santo. 3. ed. Reimp. 2011. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 95-99 e RICHARDS; MARTIN, op. cit., p. 83-84. 98 A doutrina da graça comum surgiu da constatação, dentre outras coisas, da existência de “dons e talentos especiais” no “homem natural”, e também “do desenvolvimento da ciência e da arte por gente totalmente vazia da nova vida que há em Cristo Jesus” (BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2. ed. Reimp. 2002. São Paulo: Cultura Cristão, 2001, p. 399). Berkhof (op. cit., loc. cit.) esclarece que, “diversamente da

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seu chamado. Alguns têm pendor para música, outros possuem habilidades manuais e outros, intelectuais. Deus é quem soberanamente nos constitui.

Os dons da criação e da graça comum são as aptidões com as quais nascemos, ou que adquirimos ao longo de nossa vida. A Bíblia nos permite afirmar que “os dons mais significativos da vida da igreja (pregação, ensino, liderança, conselho, sustento) normalmente são capacidades naturais santificadas”.99 Em suma, tudo o que somos e temos é para ele (Rm 11.36). Nossas competências adquiridas ou desenvolvidas antes da conversão devem ser utilizadas no serviço divino. Todas podem servir para uso direto ou indireto na evangelização.

O Espírito dotou artífices em madeira e metal com habilidades especiais (Êx 31.3,6). O Espírito Santo deu a Sansão sua força singular (Jz 14.6). Sabedoria política foi o dom do Espírito a Otniel (Jz 3.[9-]10), e sem dúvida também a Daniel. O Espírito deu a José os dotes exigidos para administrar a casa de Potifar e, mais tarde, toda a terra do Egito (Gn 41.28). Este dom poderia ser hoje considerado como o dom de “negócios” ou “administração”. [...] somos ajudados a ver que todas as qualidades humanas são, de direito, atribuídas a Deus. Ele pode fazer uso de todas elas para realizar seus propósitos.100

Não é necessário separar radicalmente o que é “natural” do que é “espiritual”. Deixemos de lado a rotulagem e dediquemo-nos a servir. Nos mandatos da criação, o natural é para o agrado de Deus.

3.3 OS DONS E O VOLUNTARIADO SIMPLES E FRUTUOSO Os dons espirituais capacitam o crente para o voluntariado simples que produz frutos. Isso precisa ser enfatizado por causa da crescente influência da cultura dos negócios, que nos faz abraçar tanto a profissionalização quanto uma ideia distorcida de excelência no serviço.

O que eu quero dizer com profissionalização? Na igreja, trata-se da tendência de substituir o trabalho voluntário pelo serviço remunerado dos especialistas profissionais. E o que motiva isso? Dizem: “Os voluntários fazem mal; paguemos alguém para fazer bem, porque, para Deus, tudo deve ser feito com excelência”.

Nenhum cristão de bom senso é contra a ideia de que alguns serviços da igreja exigem trabalho profissional. Esperamos, por exemplo, que o cálculo estrutural e a instalação elétrica do prédio onde a igreja se reúne tenham sido feitos por pessoas verdadeiramente qualificadas. Semelhantemente, concordamos que devemos fazer o melhor possível para Deus. No entanto, tenhamos cuidado com o perigo da profissionalização exagerada do ministério, incluindo a evangelização. Quando os profissionais entram em cena, é possível o serviço voluntário perder espaço. Os crentes podem posicionar-se como “clientes” ou “patrões” que sustentam e “avaliam” os “trabalhadores”. Será que conseguimos entender a tragédia disso? Ao invés dos cristãos assumirem-se como “trabalhadores” eles se veem como “empregadores” e deixam de trabalhar. Assume-se o clericalismo; a igreja é teologia Arminiana”, a “teologia Reformada não considera a doutrina da graça comum como parte da Soteriologia [doutrina da salvação]”. Isso se encaixa perfeitamente com o que temos colocado até aqui: Deus soberanamente pode conceder dons a uma pessoa inconversa a fim de realizar seu santo propósito. Ele afirma (op. cit., p. 402) que “quando falamos de ‘graça comum’, temos em mente, ou (a) as operações gerais do Espírito Santo pelos quais ele, sem renovar o coração, exerce tal influência sobre o homem por meio da sua revelação geral ou especial, que o pecado sofre restrição, a ordem é mantida na vida social, e a justiça civil é promovida; ou (b) as bênçãos gerais, como a chuva e o sol, a água e o alimento, roupa e abrigo, que Deus dá a todos os homens indiscriminadamente, onde e quando lhe parece bom fazê-lo” (grifos do autor). 99 PACKER, op. cit., p. 28. 100 RICHARDS, op. cit., p. 84.

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dividida em duas categorias, os “leigos” e os “clérigos” e desconsidera-se o padrão bíblico da prática de evangelização.

Deus merece nosso melhor, mas isso não equivale a excelência nos moldes empresariais. Pensemos, por exemplo, em uma pessoa que evangeliza com empenho e de todo o coração, mas não articula bem o idioma. A gente olha e pensa “esse trabalho de evangelização não ficou profissional”. Saibamos, no entanto, que tal iniciativa — de pregar, mesmo que imperfeitamente — é agradável a Deus por demonstrar obediência simples ao mandato evangelizador. É como uma criança que mostra aos pais um desenho feito na escola. Os adultos olham para os rabiscos e elogiam, “que lindo! Parabéns!”. A criança não pintou como Rembrandt ou Leonardo da Vinci, mas agradou o coração dos pais. É assim que operam os dons.

Um grupo de jovens vai até um lugar movimentado e canta ao som de um violão. Então alguém abre a Bíblia e fala. Depois distribui-se literatura com os horários de atividades da igreja. Coisa simples. Tanto quem toca o violão quanto os cantores não possuem excelência técnica musical, mas obedecem ao Grande Comissão na dependência de Deus e de todo coração. Nada mais é necessário. Evangelização, porém, é cada vez mais confundida com um evento pirotécnico, conduzido por um animador de grandes multidões e bandas famosas que “encantam” o público, fazendo-o rir, chorar, vir à frente e, via de regra “ofertar”. Trabalho profissional de manipulação.

Realizemos o trabalho louvando a Deus pela pessoa que toca um instrumento — mesmo que a performance não seja “perfeita”. O dom reflete “graça”; o evangelho é reproduzido no serviço. Deus nos acolhe e tem prazer em nós, tão imperfeitos, unicamente por causa de quem Cristo é e faz. Então nós olhamos para a pessoa que trabalha e louvamos “Deus, obrigado por esta mostra de vida e dinamismo de seu Espírito!”. É assim que deve ser.

3.4 OS DONS EM EFÉSIOS 4.7-16 Vejamos o que nos é ensinado sobre os dons em Efésios 4.7-16. A passagem é precedida por uma urgente convocação a um esforço deliberado pela preservação da unidade dos crentes com base na unidade da Trindade (Ef 4.1-6).

Qual é a relação de Efésios 4 com a doutrina dos dons espirituais, especialmente dentro da moldura do ensino sobre evangelização? Simples: A igreja precisa funcionar como um corpo Vivo e não como instituição morta.

No v. 7 Paulo menciona a “graça” de Deus e “o dom de Cristo”, sublinhando o corolário da redenção na exaltação de Cristo.101 O termo traduzido como “dom” não é charisma, como em 1Coríntios 12, e sim dōrea, um presente ou “oferta” (o mesmo vocábulo que consta em Mt 5.24). Cristo deu-nos o “dom” que é ele mesmo e sua obra suficiente para nossa salvação. Por causa disso nós temos acesso a “toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais” (Ef 1.3). Logo depois, nos v. 8-10, o apóstolo diz-nos que o Cristo ressurreto e exaltado concedeu “dons” aos homens (v. 8). De novo, a palavra aqui não é charisma. Trata-se agora de doma, com o sentido de “dádivas” (traduzida como “donativo” em Fp 4.17). Isso é comunicado por meio da figura do guerreiro vencedor, que, após descer às mais baixas regiões da terra (uma referência à encarnação

101 É o que nos diz Henry: “O grande dom que Cristo deu à igreja na sua ascensão foi o ministério da paz e da reconciliação. O dom do ministério é o fruto da ascensão de Cristo”. HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento: Atos a Apocalipse. Edição Completa. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2010, p. 592.

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de Cristo), sobe às alturas e leva presa a própria prisão! (cf. Fp 2.5-11).102 Como bem afirma Martin Bucer:

É dessa graça, pela qual Deus justifica os santos, antes de tudo, que vêm todos os dons espirituais que ele lhes dá. Paulo chama esses dons de dons de Cristo porque ele é o mediador por meio de quem todos os dons nos são concedidos.103

A partir de então (dos v. 11-16) Paulo identifica tais dons e fala de sua aplicação à vida cotidiana da igreja.

3.4.1 Os dons de Cristo são homens que lideram pela Palavra

Deus concede à igreja “uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres” (v. 11). Isso quer dizer que, diferentemente de 1Corintios 12.1—14.40, ao mencionar “dons”, em Efésios 4.8, Paulo não aponta para capacidades específicas dadas aos crentes e sim para “as pessoas que são dons de Deus para a igreja”.104 Como afirmam Richards e Martin, “nesta passagem os dons são mais pessoas capazes do que dotações especiais”.105 Eis o que nos diz Calvino:

É possível que nos surpreendamos com o fato de que, quando o apóstolo fala dos dons do Espírito Santo, ele enumera os ofícios em vez dos dons. Respondo que, sempre que os homens são chamados por Deus, os dons são necessariamente conectados aos ofícios. Pois Deus não veste homens com máscaras ao designá-los apóstolos ou pastores, e, sim, os supre com dons, sem os quais não têm eles como desincumbir-se adequadamente de seu ofício. Portanto, aquele que for designado apóstolo mediante a autoridade de Deus não exibe um título vazio e inútil; pois ele é investido, ao mesmo tempo, tanto com a autoridade como com a capacidade.106

O que fazem os apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres? Lideram, evangelizam, doutrinam, consolam e desafiam a igreja pela Palavra.

Os apóstolos [...] foram enviados pelo próprio Cristo para pregar o evangelho por todo o mundo, para confirmá-lo como milagres evidentes e dar testemunho da ressurreição de Cristo. [...] Profetas são aqueles que têm o dom e o ministério de interpretar as Escrituras, o que depende da analogia da fé. Evangelistas são pessoas que têm o dom de consolar as consciências com o evangelho e sabem como transmitir o ensino do evangelho como deve ser transmitido. Pastores são aqueles que governam [...] pela Palavra, que afugentam os lobos, os falsos mestres que vêm vestidos de pele de ovelha. [...]�Mestres são aqueles que simplesmente ensinam a Palavra [...], e aqueles que têm o dom de ensinar na igreja não devem ser oprimidos com outros afazeres e responsabilidades. [...] Muitos pregam, mas poucos ensinam.107

102 Interessados em uma explicação detalhada da passagem podem consultar HENDRIKSEN, 2005, p. 223-231; Para obter uma panorama da interpretação reformada, cf. BRAY, Gerald; GEORGE, Timothy F.; MANETSCH, Scott M. (Org.). Comentário Bíblico da Reforma: Gálatas e Efésios. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 357-372. 103 BUCER, Martin. Preleções Sobre Efésios. In: BRAY; GEORGE; MANETSCH, op. cit., p. 358. 104 ERICKSON, Milard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 357. Para FEE (op. cit., p. 416), “esses ‘dons’ não são citados como charismata, nem existe a sugestão de serem ‘dons do Espírito’”. O mesmo autor discorda, porém, da consideração dos oficiais como dons à igreja: “De fato, Cristo os deu à igreja, e eles não são citados como ‘dons’ em si. São, antes, pessoas que atuam desta maneira dentro da igreja, com o único propósito de ‘por os santos em condições’, evidentemente para que estes últimos cumpram ‘o ministério para edificar o corpo’” (ibid., p. 416-417). Eu não vejo dificuldade em sustentar que os ofícios são dons de Cristo à igreja, notadamente à luz da promessa pactual contida em Jeremias 3.15. Cf. GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, notas 7 e 8, p. 887. 105 RICHARDS; MARTIN, op. cit., p. 89. 106 CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura: Efésios. São Paulo: Edições Paracletos, 1998, p. 119, 120. Grifos nossos. 107 SARCERIUS, Erasmus. Anotações Sobre Efésios. In: BRAY; GEORGE; MANETSCH, op. cit., p. 363.

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Há um sentido em que os apóstolos, profetas e evangelistas do NT são singulares, ou, conforme a terminologia da Teologia Sistemática, são extraordinários e temporários. Isso é assim porque apóstolos e profetas são recipientes e canais da revelação infalível de Deus, o “alicerce de doutrina” mencionado por Paulo em Efésios 2.20. Terminada a obra de fundação da igreja, eles não são mais misteres. Como os evangelistas eram auxiliares diretos dos apóstolos, finda a tarefa apostólica, também estes não são mais necessários. Sendo assim, dentre os ofícios mencionados em Efésios 4,11, temos como pertinentes e, por conseguinte, contemporâneos, os “pastores e mestres”.

Eis o ponto a destacar: Qual é a função dos pastores e mestres? O que cabe à liderança com que Cristo presenteia sua igreja? E afinal de contas, o que isso tem a ver com a evangelização?

3.4.2 A igreja é um corpo vivo e não uma instituição morta

Os líderes ou oficiais são estabelecidos com que finalidade? A resposta encontra-se em Efésios 4.12-16. O v. 12 revela a finalidade e os v. 13-16 a explicam. O “corpo de Cristo” deve ser edificado. Isso ocorre quando os “santos” são “aperfeiçoados” ou como consta na NVI e NTLH, “preparados”. Eis a finalidade dos pastores e mestres: Eles são os responsáveis por “aperfeiçoar” ou “preparar” os santos.

Até aqui não há divergência entre os cristãos. A confusão surge quando levantamos a questão: Preparar para quê? Pastores e mestres preparam os crentes para os conflitos da adolescência e juventude, para o namoro e casamento, para firmar família e educação de filhos sadia. Pastores e mestres preparam para o infortúnio e, de modo especial, para a boa morte, confirmada na confissão de Cristo como único e suficiente Senhor e Salvador do crente. Tudo isso é admitido na consciência cristã, mas escapa-nos o sentido primordial de Efésios 4.11-16. E nos escapa a implicação disso para a evangelização e cumprimento da missão.

Pastores e mestres, bem como toda a liderança da igreja são separados por Deus para “aperfeiçoar” ou “preparar” os santos para o trabalho do reino, “o desempenho do seu serviço”, ou, como diz a NVI, “para a obra do ministério” e ainda, como sugere a paráfrase de Peterson, “para treinar os seguidores de Cristo, para que haja um serviço de qualidade no corpo de Cristo, a igreja” (Bíblia A Mensagem).

O que temos aqui? Uma liderança dotada espiritualmente trabalha na igreja motivando, instruindo e ajudando as pessoas a servir a Deus com os dons espirituais. A “Maria” sabe que tem o dom de ensino e quer trabalhar para Cristo, realizando as boas obras que Deus separou para ela (Ef 2.10). Ela exercitará seu dom provida e orientada por seus oficiais e líderes cristãos. Esse é o modo prático dos crentes se esforçarem pela unidade (Ef 4.1-3). Daí a ênfase apostólica na edificação do “corpo” até que cheguemos à unidade e à maturidade espiritual (v.13-14).108

108 A realidade descrita por Paulo é tão sublime que alguns comentaristas afirmam tratar-se de algo a concretizar-se apenas na glória. Ademais, assevera-se que a Epístola aos Efésios contém uma apresentação da Igreja Universal, não devendo ser interpretada como um “programa” para a igreja local. Isso equivale a assumir Efésios 4.1-16 como ideal inatingível, e, portanto, irrelevante e indigno de nosso empenho. Lemos a passagem, suspiramos e seguimos em frente, sem colocá-la em prática, haja visto que poucos líderes da igreja, assim como poucos crentes, compreendem sua função à luz de Efésios 4.11-12 (isso é trágico para a evangelização!). Ainda que a perfeição de tudo ocorra somente na consumação, Efésios 4.7-16 é um desdobramento da instrução divina sola fide da necessidade de os crentes se esforçarem para, na vida concreta, preservarem a “unidade no vínculo da paz” (Ef 4.3 [1-6]). O serviço em unidade, o crescimento em maturidade e, por conseguinte, o “aumento” saudável da igreja, bem como os deveres de santidade,

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Isso significa que é no uso prático dos dons, no envolvimento diuturno no trabalho cristão, que desenvolvemos maturidade e unidade. E o padrão da maturidade é Cristo. Por isso Paulo menciona o “pleno conhecimento do Filho de Deus”, bem como a “perfeita varonilidade” e a “medida da estatura da plenitude de Cristo” (v. 13).

Como isso se dá? O infantil não consegue trabalhar com outras pessoas. Detesta ter de olhar o outro nos olhos, ministrar e receber ministração numa situação de espontaneidade não fingida. O infantilismo caracteriza-se por dificuldade relacional, exigindo que o outro se adeque a “seu” padrão. A pessoa imatura quer que os outros se ajustem a ela. O serviço na igreja com base nos dons força a aproximação promovendo um desnudamento diante do outro. Descobrimos quem somos e quem são as pessoas que nos rodeiam quanto mais convivemos, interagimos, servimos e somos servidos por elas.

Nossa expectativa imatura é que a pessoa que canta ao nosso lado seja um querubim dourado, mas ela não é muito gentil e ainda pisou em nosso calo nesta manhã! Essa é a realidade humana e pecadora presente nos que compõem a igreja.

Buechner descreve bem o ridículo desta humanidade chamada por Deus:

Quem poderia ter predito que Deus não iria escolher Esaú, o rapaz honesto e confiável, mas sim Jacó, o enganador e miserável; que ele iria valer-se de Noé, o beberrão; ou de Moisés, que estava tentando fugir da polícia em Midiã, por ter “despachado” um homem no Egito [...]?�E é claro que existe também a comédia, o caráter imprevisível da própria eleição. Dentre todos os povos que [Deus] poderia ter escolhido para ser o seu povo santo, ele elegeu os judeus, que, como alguém já disse, são exatamente iguais a todo mundo, só que exageradamente — mais religiosos do que qualquer pessoa, quando eram religiosos; e quando eram seculares, agiam como se tivessem inventado o secularismo. E a comédia da aliança — Deus dizendo: “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo” (Êx 6.7) para um povo que, antes de tais palavras cessarem de ecoar em seus ouvidos, já estava dançando ao redor de um bezerro de ouro como aborígenes, e carregando nos ombros toda e qualquer divindade agrícola e deus ou deusa de fertilidade que surgisse em cena.109

O quadro é completado como segue:

A exceção parece ser a regra. Os primeiros seres humanos que Deus criou saíram e fizeram a única coisa que Deus lhes pedira para não fazer. O homem que ele escolheu para gerar uma nova nação conhecida como “povo de Deus” tentou penhorar a sua esposa para um Faraó que de nada suspeitava. E a própria esposa, quando foi informada, na idade madura de noventa e um anos que Deus estava preparando-o para entregar-lhe o filho que lhe havia prometido, irrompeu em gargalhadas convulsivas, diante da face de Deus. Raabe, a prostituta, tornou-se reverenciada por sua grande fé. E Salomão, o homem mais sábio que jamais viveu, saiu do seu próprio caminho, negando todos os provérbios que havia composto de maneira tão perspicaz.�Mesmo depois da vinda de Jesus, esse padrão continuou. Os dois discípulos que mais fizeram para disseminar a palavra depois da sua partida, João e Pedro, foram os dois que ele havia repreendido mais frequentemente por discussões bobas e por serem cabeças-duras. E o apóstolo Paulo, que escreveu mais livros do que qualquer outro escritor bíblico, foi escolhido para a tarefa enquanto estava levantando poeira das estradas, de cidade em cidade, farejando cristãos para torturá-los. Jesus teve muita ousadia, confiando os grandes ideais de amor, unidade e comunhão a um grupo como esse. Não é de admirar que os cínicos observaram a igreja e suspiraram: “Se acreditam que esse grupo de pessoas representa Deus, eu me colocarei contra ele, sem nem pensar”. Ou, como o expressou

demarcados em Efésios 4.17—6.20, devem sim, ser compreendidos como programa histórico e aplicável a cada crente, família e igreja em particular. 109 BUECHNER. Telling The Truth. Nova Iorque: Harper & Row, 1977, p. 57, 58, apud BRAND, Paul; YANCEY, Philip. As Maravilhas do Corpo: A Igreja Refletida No Corpo Humano. São Paulo: Vida Nova, 1989, p. 31-32.

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Nietzsche: “Os discípulos dele precisarão parecer mais salvos, para que eu possa crer no seu salvador”.110

É com pessoas imperfeitas como essas que eu e você temos de lidar praticando unidade e respeitando diversidade. Sejamos sinceros, nós somos tais pessoas. E essa comunhão de pecadores salvos pela graça, motivada pelo sublime exemplo da Trindade, tem de “preservar a unidade” provida por líderes estabelecidos por Cristo, crescendo em maturidade e fé (v. 13-14).

Eis uma primeira aplicação de Efésios 4 para a evangelização. O autor deste estudo conhece pessoas que dizem querer evangelizar, que afirmam ter disposição para investir toda sua vida falando de Jesus ao mais crônico viciado da Cracolândia, mas mostram-se impacientes com os defeitos de seus irmãos que com elas adoram na mesma igreja local. Proficientes para evangelizar multidões, mas críticas da igreja e aborrecidas em trabalhar com outros crentes no contexto do corpo de Cristo. Entendamos que sem incremento de maturidade não há unidade. Sem prática da unidade a evangelização não possui credibilidade (Jo 13.35; 17.21-23). Colocando de modo invertido: Você já viu uma igreja em que todos brigam uns com os outros praticando a evangelização com bons frutos?

A igreja que chega a esse ponto segue a “verdade em amor” e cresce integralmente “naquele que é a cabeça, Cristo” (v. 15). O “corpo” funciona em uma base orgânica e multifuncional, com o “auxílio de toda junta, segundo a cooperação de cada parte” (v. 16). O resultado é crescimento contínuo e espontâneo. Percebemos como isso relaciona-se com a evangelização?

Isso nos leva de volta à pergunta do início desta seção: Os líderes ou oficiais são estabelecidos com que finalidade? Eles são dados para que a igreja deixe de ser criança e aprenda a trabalhar em unidade para a expansão do reino. O vocábulo oikodomē , traduzido em Efésios 4.12 como “edificação”, é usado como metáfora para “promover crescimento em sabedoria cristã, afeição, graça, virtude, santidade e bem-aventurança”.111 Dito de outro modo, todo o pastoreio (cada visita, encontro de discipulado, aconselhamento, pregação, ensino e até atos de gestão eclesiástica) deve se concentrar em cumprir esta delegação de Efésios 4.12. O objetivo final é a pessoa amadurecida à semelhança de Cristo (cf. Cl 1.28), que serve na edificação da igreja. Como vimos, isso equivale à expansão do reino.

3.4.3 Mais do que um programa, uma igreja

O desafio diante de nós é muito maior do que elaborar um programa de evangelização. É necessário edificar uma igreja. Jesus prometeu fazer isso em Mateus 16.18-19. Efésios 4.7-16 revela que a promessa de Jesus é cumprida quando líderes “aperfeiçoam” os cristãos para o trabalho em unidade.

Repetindo, o ideal do NT não é apenas do cristão evangelista, mas da igreja evangelista, um corpo cujas partes interagem construtivamente promovendo crescimento não meramente umbilical, mas do reino (Ef 4.16). Mais do que iniciativas individuais ou de um segmento restrito, o padrão bíblico é da igreja como comunhão que “efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor” (Ef 4.16). Comunhão de expansão e não de manutenção. A missão como conexão humana amadurecida — anunciar e viver o evangelho nas relações com os irmãos e com as pessoas de fora —

110 BRAND; YANCEY, op. cit., p. 32-33. 111 STRONG, James. Strong's Concordance with Hebrew and Greek Lexicon. Spokane WA: Olive Tree Bible Software, Inc., [201-?], 3619.

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fluindo nas veias e dando o ritmo da batida do coração da igreja. Todos usando seus dons para contribuir com a edificação do corpo de Cristo e, destarte, cumprindo a missão.

Quando isso acontece, não é mais necessário enviar aquele jovem “fervoroso” para “fazer missões” fora. Uma vez que a evangelização se encontra no DNA da própria igreja, nenhum de seus membros terá de filiar-se a uma associação ou estrutura paralela, a fim de evangelizar.

Dito de outro modo, os dons são dados para que cada cristão sirva com fé e humildade junto de seus irmãos, efetivando o testemunho de Cristo no mundo. Em suma, a igreja é importante. Ela é a única instituição que continuará existindo depois da volta de Cristo. O que chamamos de “consumação” nada mais é do que o transbordamento da redenção dada à igreja sobre todas as coisas, até o ponto em que Cristo entregará o reino ao Pai e Deus será “tudo em todos” (1Co 15.28). Pelo serviço a Deus na igreja, centrado no cumprimento do mandato evangelizador, nós deixamos um legado eterno (1Co 15.58; Ap 14.13).112 Daí a afirmação dos pais reformados:

Como você entende “a comunhão dos santos”? Primeiro: Entendo que todos os crentes, juntos e cada um por si, têm, como membros, comunhão com Cristo, o Senhor, bem como todos os seus ricos dons. Segundo: Que todos devem sentir-se obrigados a usar seus dons com vontade e alegria para o bem dos outros membros.113

Um documento mais recente declara:

Pela presença do Espírito Santo no coração, todos os crentes, estando intimamente unidos a Cristo, a Cabeça, estão assim unidos uns aos outros na igreja, que é o seu corpo. Ele chama e unge os ministros para o seu santo ofício, prepara todos os outros oficiais na igreja para o seu trabalho especial e concede vários dons e graças aos demais membros. Ele torna eficazes a Palavra e as ordenanças do evangelho. Por ele a igreja será preservada e aumentada até cobrir a face da terra, será purificada e, afinal, tornada perfeitamente santa na presença de Deus.114

Dito isto, prossigamos para o último ponto.

3.4.4 Uma nota final sobre o “dom de evangelismo”

Considerando o que vimos, o desenvolvimento providencial da igreja em Atos e nas epístolas paulinas sugere que, no contexto da igreja evangelista surgiu Filipe, o evangelista itinerante. No contexto de Efésios 4.11, evangelistas eram oficiais ordenados que representavam os apóstolos na organização das igrejas — tal ofício cessou com a morte do último apóstolo.

Ao longo das eras, Deus mantém a chama da evangelização acesa. Ele continua chamando e ungindo seu povo para o testemunho (isso é confirmado pela História de Missões). Nesse processo, não é incomum que Deus conceda a alguns personalidade, disposição de alma e capacidades facilitadoras da evangelização. Para estes, evangelizar é tanto indispensável quanto mais fácil. Em Discipulado Integral eu mencionei que Charles Spurgeon identificava estes membros de sua igreja fervorosos quanto à evangelização. Ele 112 Alguns cristãos desvalorizam suas igrejas. Eles não as sustentam com sua presença construtiva e atuação, muito menos “moral” e “financeiramente” (cf. CI/IPB, Capítulo III, Seção 1ª — Classificação, Direitos e Deveres dos Membros da Igreja, Artigos 14 e 15. In: CAMPOS, CAMPOS, Silas. (Org.) Manual Presbiteriano. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 24). 113 Catecismo de Heidelberg, pergunta 55, apud BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. 2. ed. rev. atual. Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2009, p. 1765. 114 Confissão de Fé, XXXIV.IV, acréscimo de 1903, apud MARTINS, Valter Graciano. (Ed.). A Confissão de Fé, o Catecismo Maior e o Breve Catecismo. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991, p. 162-D. Grifos nossos.

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os via como “cristãos desejosos de fazer tudo que puderem para cooperar [...] na obra de ganhar almas para Cristo”.115 Ele os incumbia de abordar pessoalmente os ouvintes, logo após a pregação, convidando-os a arrepender-se e crer em Cristo. Spurgeon descreve o irmão “que pressiona pessoas — sabem o que quero dizer. É coisa boa pegar um amigo pelo cabelo ou pela gola do casaco para o fim que buscamos. [...] Assim, tratem de agarrar os pecadores, de chegar bem junto deles”.116 Estes “evangelistas pós-sermão” eram chamados de “cães farejadores” ou “atiradores bem treinados”, aos quais Spurgeon dedicava tempo em comunhão e treinamento.

É preciso haver na igreja de Cristo um grupo de atiradores bem treinados que atinjam os indivíduos um por um, e que estejam sempre alertas, vigiando a todos os que entram no local, não para aborrecê-los, mas para garantir que não saiam dali sem receber uma advertência pessoal, um convite pessoal e uma exortação pessoal para que venham a Cristo. Desejamos treinar a todos os nossos irmãos para este serviço, de modo que se tornem verdadeiros exércitos de salvação.117

Na seção 4.3.3 eu mencionarei duas pessoas de meu relacionamento que exemplificam esse pendor acentuado para a evangelização.

Outro detalhe a considerar é que algumas denominações cristãs contemporâneas estabelecem institutos que formam obreiros por elas denominados “evangelistas”, suprindo demandas urgentes em trabalhos pioneiros, congregações e igrejas já estabelecidas.

Tudo isso, porém, não equivale a admitir o que tem sido sugerido por alguns teólogos carismáticos, que Deus concede aos crentes da igreja atual um dom espiritual específico de evangelismo (ou evangelista). Wagner, e.g., define o dom como segue:

O dom ministerial de evangelista é a capacidade especial que Deus dá a certos membros do Corpo de Cristo para que compartilhem do evangelho com os incrédulos, de tal modo que homens e mulheres venham tornar-se discípulos e membros responsáveis do corpo de Cristo.118

Tanto quanto Wagner, Lida E. Knight encontra em Efésios 4.11 uma base para a proposição de um “dom espiritual de evangelista”.119 Ela menciona a paráfrase da Bíblia Viva, “alguns têm a habilidade especial para ganhar pessoas para Cristo, ajudando-as a crer nele como seu Salvador” e emenda: “O evangelista não só é um bom comunicador da verdade, mas também é persuasivo e persistente, levando a pessoa abordada a tomar a iniciativa de aceitar a mensagem, preenchendo assim o vácuo espiritual na sua vida”.120

Bugbee, Cousins e Hybels também creem em um “dom de evangelista”:

É a capacitação divina para comunicar o evangelho aos descrentes de modo eficaz, para que eles respondam com fé e busquem ao discipulado. As pessoas com esse dom: Comunicam a mensagem de Cristo com clareza e convicção, buscam oportunidades para conversar com descrentes sobre assuntos espirituais; desafiam descrentes a darem um passo de fé e a se tornarem verdadeiros e

115 SPURGEON, Charles H. O Conquistador de Almas. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 96. 116 SPURGEON, op. cit., loc. cit. 117 Ibid., loc. cit. 118 WAGNER, op. cit., p. 173. 119 KNIGHT, Lida E. Quem é Você no Corpo de Cristo. Campinas: Luz Para o Caminho, 1996, p. 176-187. 120 KNIGHT, op. cit., p. 176.

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frutíferos discípulos de Cristo; adaptam a apresentação do evangelho para atingir as necessidades do indivíduo; buscam oportunidades para construir relacionamentos (íntegros) com os descrentes.121

A Enciclopédia Baker segue na mesma direção:

Outro dom para a igreja é a capacidade de fazer evangelismo. [...] A tarefa de pregar o evangelho, embora teoricamente responsabilidade de todos, é confiada pelo Espírito Santo, especificamente, a determinados indivíduos. Estes exercem o seu ministério na plena realização proveniente do poder de Deus, de modo que o uso de técnicas caprichosas e manipuladoras não é só desnecessário, mas errado. Quando tais estão presentes, evidencia-se que o Espírito [Santo] está ausente. Os convertidos por meio do ministério do evangelista devem ser integrados à igreja, onde serão edificados por aqueles que exercem os outros dons.122

Percebamos o detalhe: A tarefa de pregar o evangelho é responsabilidade de todos apenas “teoricamente”. Será que tal declaração é fiel às Sagradas Escrituras?

Schwarz corrobora tais posições.123 Ele organiza os dons em três categorias coloridas: Verde, com maior repercussão entre os liberais; vermelho, com maior repercussão entre os evangelicais e azul, com maior repercussão entre os carismáticos.124 Menciona um “dom de evangelização” que, segundo ele, “capacita cristãos a comunicar o evangelho a não-cristãos de tal forma que estes encontrem a fé e se tornem membros responsáveis da igreja”.125 Schwarz afirma com segurança:

Nossa pesquisa provou que a tese, defendida com naturalidade nas igrejas evangelisticamente ativas, de que ‘cada cristão é um evangelistas’, é incorreta. O verdadeiro cerne (comprovado empiricamente) desse lema é, sem dúvida, que a tarefa de cada cristão é investir os seus dons específicos para o cumprimento da Grande Comissão. Mas, isso, de forma alguma, faz de cada cristão um “evangelista”. Evangelista é aquele a quem Deus deu o dom espiritual correspondente.126

Outro detalhe é que tanto Wagner quanto Schwarz afiançam que dez por cento dos membros das igrejas possuem esse “dom”.

121 BUGBEE, Bruce; COUSINS, Don; HYBELS, Bill. Rede Ministerial: Pessoas Certas... Nos Lugares Certos... Pelas Razões Certas... Guia do Participante. 3. Impressão, 1997. São Paulo: Vida, 1996, p. 51. 122 ELWELL; BEITZEL, op. cit., p. 1996. Tradução e grifos nossos. 123 SCHWARZ, Christian A. O Desenvolvimento Natural da Igreja: Guia Prático Para as Oito Marcas de Qualidade Essenciais das Igrejas Saudáveis. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2010, p. 36-37; SCHWARZ, Christian. Evangelização Básica: Uma Maneira Agradável de Ensinar as Boas Novas. 2.ed. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2011, passim. 124 SCHWARZ, Christian A. As 3 Cores dos Seus Dons. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2003, p. 34. Assim como Wagner, como teólogo, Schwarz é um pesquisador estatístico razoável. Suas proposições não decorrem de boa exegese das Sagradas Escrituras. Ele tem o mérito de ser imaginativo e publicar livros práticos e agradáveis de ler. 125 SCHWARZ, 2003, p. 116. 126 SCHWARZ, 2010, p. 36. A menção à “pesquisa” e “comprovação empírica” cria uma aura de sofisticação que embaça o ensino da Bíblia sobre a evangelização. Como aprendemos nas seções 1.2 a 2.4, cada crente é testemunha de Jesus Cristo e responsabilizado de evangelizar. Wagner (op. cit., p. 178) reconhece que todo cristão é testemunha de Cristo, ao mesmo em que argumenta que “é uma distorção do ensino bíblico [...] tentar convencer a todo crente de que precisa compartilhar constantemente de sua fé, como parte de seu dever diante do Mestre”.

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De acordo com as nossas pesquisas, podemos contar com o fato de que dez por cento dos cristãos têm o dom de evangelização. Quem descobre que tem esse dom, deveria concentrar-se totalmente nele e geralmente ser liberado de outras tarefas na igreja.127

Wagner é incisivo em assegurar que:

A igreja evangélica média pode esperar que aproximadamente dez por cento de seus membros adultos ativos possuem o dom de evangelismo. Um considerável acúmulo de evidências empíricas sugere que, se uma igreja conta com dez por cento de seus membros dotados com esse dom, ou mesmo ligeiramente menos, haverá uma taxa média de crescimento de duzentos por cento por década, sendo isso uma expectativa realista.128

Wagner sugere meios de integrar os que possuem o “dom de evangelismo”, liberando-os para serem mais produtivos.129 É importante, diz ele, “ajudar àqueles que possuem o dom de evangelizar para descobrir, desenvolver e começar a usar os seu dom”.130 Schwarz assegura que “em igrejas com índice de qualidade elevado a liderança [...] conhece aqueles que têm o dom de evangelismo [...] e os estimula e encaminha para o seu ministério”.131

Administradores atribuem papéis, capacitam e concedem poder de ação para indivíduos e equipes executarem funções específicas. Isso é assim porque, no âmbito da gestão, “uma tarefa de todos é tarefa de ninguém”. Sendo assim, reconhecer pessoas com um perfil mais evangelístico, motivá-las, treiná-las, colocá-las em funções que lhes permitam produzir bom fruto e acompanhar seus desempenhos é uma prática boa e recomendável, já encontrada em Spurgeon. Além disso, aprender com tais irmãos é uma bênção. Kenny Burchard menciona estas pessoas “a quem a evangelização vem naturalmente”.132 Como lidar com elas?

Precisamos mudar a nossa forma de vê-las e nos relacionar com elas. Em vez de pensar no evangelismo como “trabalho delas”, é preciso passar mais tempo com elas, observando-as enquanto se relacionam com outras pessoas e aprender com elas enquanto se movimentam [...] como elas veem as pessoas e como tratam as que ainda não são crentes. Observemos como elas ouvem as pessoas e são sensíveis ao Espírito de Deus, a fim de saber o que responder. Sejamos honestos: Muito do que fazemos como crentes é aprendido por orientação e modelagem. Aprendi a fazer muitas coisas — inclusive a compartilhar a minha fé, assistindo evangelistas fazê-lo. Eles aprenderam a compartilhar sua fé naturalmente; nós precisamos superar o nosso medo de lhes pedir ajuda e procurar maneiras de ser mais eficaz em nossa responsabilidade de evangelizar — já que isso não é um dom, mas sim um ponto de maturidade.133

Na seção 4.3.3 eu mencionarei como tenho aprendido a ser mais efetivo em minha prática de evangelização fazendo exatamente isso.

Afirmar (baseado em Efésios 4.11) que algumas pessoas possuem um “dom de evangelismo” é ir além dos dados da Escritura.134 Alguns podem concluir erroneamente 127 SCHWARZ, 2003, loc. cit. Grifo nosso. Schwarz (ibidem) cita como textos-prova Atos 8.5-6, 26-40; Efésios 4.11; Atos 14.13-21; Romanos 10.14-15. Pergunta: Qual destes textos ensina que existe um “dom de evangelista” e que tal dom é concedido a dez por cento dos membros da igreja? 128 WAGNER, op. cit., p. 177. Grifo nosso. 129 Ibid., p. 186-193. Cf. SCHWARZ, 2011, p. 80-81. 130 WAGNER, op. cit., p. 189. 131 SCHWARZ, 2010, loc. cit. 132 BURCHARD, Kenny. Evangelism is Not a Spiritual Gift. In: Think Theology. Disponível em: <http://thinktheology.org/2014/02/23/evangelism-is-not-a-spiritual-gift/>. Acesso em: 03 Out. 2014. Tradução nossa. 133 BURCHARD, op. cit., loc. cit. 134 Repetindo, o “evangelista” de Efésios 4.11 servia como auxiliar dos apóstolos para edificar a igreja como um todo, não apenas dedicar-se a iniciativas de evangelização. CULVER, Robert D. Teologia

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que, se não têm o dom de evangelismo, não são responsabilizados por evangelizar. Eu sei que esta não é a intenção de Wagner e outros proponentes desta doutrina. O próprio Wagner adverte que “todo aquele que usa sua falta do dom espiritual de evangelismo como justificativa para não testificar de Cristo, desagrada a Deus”,135 mas o perigo de acomodação e paralização evangelística é real.

O missiólogo e plantador de igrejas Ed Stetzer sustenta uma posição digna de atenção. Ao mesmo tempo em que descarta a ideia de um “dom de evangelismo, ele enxerga a contemporaneidade do “evangelista” como “ofício” ou “função” destinada a capacitar todos os crentes para a evangelização. Considerando os perigos da doutrina popular do “dom de evangelismo”, ele ressalta o seguinte:

Eis por que é tão inútil referir-se ao evangelismo como um dom espiritual reservado para poucos: Isso remove a responsabilidade de todos os crentes de compartilhar sua fé. Em outras palavras, muitos pensam que se não têm o dom, então não é o seu trabalho. Mas na Bíblia o evangelismo não é um “dom”. [...] Em vez disso, compartilhar sobre Cristo é um convite a todos os crentes. Em algum lugar ao longo do caminho, as pessoas confundiram o “ofício” do evangelista (Ef 4.11) com o “dom” de evangelismo. Não há dom de evangelismo, mas uma chamada para que todos evangelizem. A igreja é dotada de evangelistas cujo trabalho é equipar todo o povo de Deus para fazer evangelismo. O “evangelista” é um papel bíblico e um dom para a igreja. O evangelismo é um mandamento bíblico para todos os crentes e uma responsabilidade da igreja. Não devemos esperar o dom de evangelismo, antes de assumir a tarefa de evangelização.�O ministério da reconciliação é dado a todos os crentes (2Co 5.18). Portanto, todos os cristãos são chamados a ser agentes de reconciliação e a compartilhar como homens e mulheres devem ser reconciliados e redimidos-transformados pelo poder do evangelho proclamado.136

Não há dúvida de que a evangelização é uma tarefa muito além de nossa capacidade (2Co 2.14-17). Certamente, não podemos realizá-la sem a direção, assistência e poder do Espírito Santo (At 1.8). O fato é que todos fomos divinamente ungidos e colocados em lugar de destaque, como testemunho vivo à presente geração (Mt 5.13-16; Fp 2.15). Afirmando que Deus concede os dons espirituais, e utilizando-os nos termos da Sagrada Escritura e para a glória de Deus, declaramos que todos os crentes, sem exceção, foram constituídos “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamar as virtudes daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9).

Sistemática Bíblica e Histórica. São Paulo: Shedd Publicações, 2012, p. 1236, denomina os ofícios de funções e as divide em duas categorias, quais sejam, “extraordinárias” e “comuns”. 135 WAGNER, op. cit., p. 186. 136 STETZER, Ed. There's No Such Thing as the Gift of Evangelism. In: Church Leaders. Disponível em: <http://www.churchleaders.com/pastors/pastor-articles/174968-theres-no-such-thing-as-the-gift-of-evangelism.html?p=1>. Acesso em: 03 Out. 2014. Tradução nossa.

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4 A igreja pactual-missional

No Congresso de Lausanne, Howard A. Snyder afirmou que “a igreja é o único meio divinamente indicado de divulgação do evangelho”.137 Em seguida ele sugeriu que “a igreja que deixa de evangelizar é biblicamente infiel e estrategicamente míope”.138

Como raras exceções, crentes e igrejas concordam que a evangelização é importante, e que devemos orar e trabalhar para que vidas sejam alcançadas pelo evangelho de Jesus Cristo. Apesar disso, não há uma compreensão bíblica compartilhada da evangelização. Como assevera Schwarz:

Dificilmente um aspecto do crescimento de igreja está tão preso a clichês, dogmas e mitos como a área da “evangelização”. Isso tanto para os céticos em relação à evangelização quanto na vida daqueles que fizeram da evangelização a missão da sua vida.139

Para o mesmo pesquisador, a confusão decorre da dificuldade em diferenciar formas e princípios de evangelização.

Muito já se debateu a respeito deste tópico a ponto de não haver uma distinção clara entre os métodos da evangelização, que podem ter sido usados com sucesso por algumas igrejas, e os verdadeiros princípios de evangelização, que se aplicam a todas as igrejas sem exceção.140

A tese de Schwarz não esgota o assunto. Mais do que discernir entre formas e princípios de evangelização, falta-nos uma moldura teológica consiste — uma grade que permita compreender e praticar a evangelização com fidelidade fervorosa.

4.1 A CONTRIBUIÇÃO DE LAUSANNE Lausanne propôs uma grade. Snyder sugeriu que evangelização deve ser eclesiocêntrica. Primeiro a igreja faz-se presente na cidade; em seguida, ela proclama o evangelho e, por meio de persuasão, faz discípulos. Por fim, os novos discípulos propagam a fé, e assim sucessivamente141 (figura 06).

Presença (a igreja na cidade) » Proclamação (a igreja pregando o evangelho) » Persuasão (a igreja fazendo discípulos) » Propagação (os novos crentes repetindo o processo)

Figura 06. As quatro ações da evangelização eclesiocêntrica

Mais do que para uma experiência isolada, “o apelo evangelístico pretende chamar pessoas para o corpo de Cristo, que é a comunidade de crentes, onde Jesus pontifica como membro essencial e soberano, o cabeça”.142 A dinâmica desta evangelização “é o Espírito Santo”143 e quatro fatores144 são determinantes para o crescimento de igrejas:

137 SNYDER, Howard A. A Igreja Como Agente de Deus na Evangelização (Tese). In: GRAHAM, Billy et al, op. cit., p. 87. Grifo do autor. 138 SNYDER, op. cit., p. 95. 139 SCHWARZ, 2010, p. 36. 140 SCHWARZ, op. cit., loc. cit. Grifos nossos. 141 SNYDER, op. cit., p. 94. 142 Ibid., loc. cit.. Grifo do autor. 143 Ibid., p. 95. 144 Ibid., p. 95-101.

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1. A proclamação evangelística. “A evangelização é a prioridade essencial do ministério eclesiástico no mundo”.145

2. A multiplicação de congregações. “A proclamação do evangelho não é um fim em si mesmo, mas deve ultrapassar-se a si própria, possibilitando a formação de discípulos. Não é o [...] crescimento numérico, mas sim a multiplicação de igrejas locais que é o teste de uma igreja sadia”.146

3. A formação de comunidades. “A evangelização requer a existência de uma comunidade testificadora, se queremos que o crescimento da igreja se transforme num processo contínuo”.147

4. O exercício dos dons espirituais. O uso harmônico dos dons espirituais pela igreja “é em si mesmo uma demonstração da verdade do evangelho, [...] preparando o caminho da evangelização”.148

Cada fator entrelaça-se com as palavras e exemplo de Cristo e, por conseguinte, sugere um princípio de vida para a igreja. Cada fator tem sua própria função e gera um movimento. Por fim, os quatros fatores devem estar presentes conjuntamente. Enfatizar um ou alguns em detrimento dos demais produz disfunções (tabela 03).

Proclamação evangelística

Multiplicação de congregações

Formação de comunidades

Exercício dos dons

Palavras de Cristo

Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura (Mc 16.15). Sereis minhas testemunhas (At 1.8)

Fazei discípulos de todas as nações (Mt 28.19). [...] Jerusalém, Judeia, Samaria e confins da terra (At 1.8)

Ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado (Mt 28.20). [...] para que sejam um, como nós o somos (Jo 17.22)

Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto (Jo 15.5). [...] fará também as obras que eu faço e outras maiores fará (Jo 14.12)

Exemplo de Cristo

Proclamação das boas novas

Preparação de discípulos para este ministério

Vida comunitária com os discípulos

Pregação, cura, aconselhamento, ensino etc.

Princípio de vida

Plantação de sementes

Reprodução, divisão de células

Metabolismo, “vida corporal”

Videira e ramo; diversidade na unidade

Função Comunicação. Conquista de conversos

Instalação de novas igrejas, conservação do fruto, acompanhamento

Maturação espiritual, adestramento, aperfeiçoamento dos discípulos

Ministério para dentro e para fora; evangelização, realização, autoexpressão

Movimentos relacionados

Evangelização de massas e pessoal

“Crescimento da igreja”; movimentos missionários

Movimento de renovação, pequenos grupos

Movimento carismático, pentecostalismo

Riscos de ênfase parcial

Fruto perdido, inanição espiritual, “tecnologia evangelística”

Denominacionalismo exagerado, “mentalidade de sucesso”; mundanismo

Subjetivismo exagerado, egocentrismo, afastamento do mundo

Individualismo exagerado, negligência para com a doutrina; facciosidade

Tabela 03. Quatro fatores para o crescimento bíblico de igrejas

A proclamação do evangelho multiplica congregações e gera novas igrejas, implementando um impacto evangelístico. As novas igrejas são edificadas como

145 Ibid., p. 95. 146 Ibid., loc. cit. Grifo nosso. 147 Ibid., p. 96. 148 Ibid., p. 99.

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“comunhão dos santos” por meio do exercício correto dos dons espirituais. Os dons são para edificação interna do corpo cristão e prestação de serviço — dentro e fora da igreja. Isso alavanca um impacto cultural. E tudo acontece ao mesmo tempo em que o evangelho continua sendo pregado, revitalizando o ciclo (figura 07).

Figura 07. Elementos horizontais de uma igreja bíblica149

Snyder reconhece que este ciclo é incompleto.

Figura 08. Elementos horizontais e verticais de uma igreja bíblica150

Esse ciclo é o que acontece no plano horizontal, por assim dizer. Tal crescimento, entretanto, só é verdadeiramente bíblico quando a igreja mantém uma viva e vital relação de verticalidade com Deus. De modo que uma concepção mais completa da vida da igreja representa-se na figura [08]. Uma avaliação cuidadosa de cada um dos elementos deste diagrama há de revelar a fragilidade dos elos que compõem a cadeia da tarefa evangelizadora em qualquer igreja ou organização que se ocupe de tal mister.151

A contribuição de Snyder (bem como de todos os palestrantes de Lausanne) é útil mesmo quatro décadas após seus pronunciamentos originais. Ali mesmo discutiu-se o perigo de um evangelho desencarnado, focado na doutrina da salvação (na garantia de bem-aventurança da “alma”), mas desconectado da doutrina da criação (despreocupado com o próximo, a sociedade e o cosmos).

149 Adaptado de ibid., p. 99. 150 Adaptado de ibid., p. 100. 151 Ibid., p. 100-101.

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Isso motivou a produção de documentos, dentre outros, sobre a natureza da evangelização, a responsabilidade social cristã e evangelização e cultura (estas últimas discussões receberam subsídios destacados de René Padilla e Samuel Escobar). Nasceu o slogan “o evangelho todo para o homem todo” e, em sua esteira, a proposição de Missão Integral, apregoando que “a mensagem de salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam”.152

Como uma avaliação detalhada da Missão Integral foge ao escopo deste curso, cabe-nos demonstrar que, após Lausanne, surgiram diferentes propostas de ministério, todas com implicações profundas para o entendimento e a prática da evangelização.

4.2 DIVERSIDADE DE MODELOS ECLESIÁSTICOS A partir de Lausanne, proliferaram diferentes modelos ministeriais. No mundo dividido entre ricos e pobres, são espiritualizados os princípios bíblicos relacionados à ética econômica ou criam-se novas versões do evangelho, nas quais a promessa de riqueza vem mesclada ou até mesmo substitui o anúncio de reconciliação através de Jesus Cristo. Onde ocorre essa mistura entre evangelho e prosperidade, surgem novas versões de cristianismo, com seus respectivos modelos eclesiásticos, dentre eles, a “nova igreja” descrita por Charles Trueheart, no Atlantic Monthly de agosto de 1996:

A nova igreja está redefinindo a natureza e o papel da própria comunidade por seu excelente desempenho em cinco práticas básicas: Ênfase na liderança e no desenvolvimento de lideranças, redes de conhecimento na comunidade, relevância cultural, ênfase no atendimento das necessidades individuais dentro do contexto de uma comunidade e mobilização da paróquia. Ao perseguir esses processos com grande propósito, a nova Igreja cria uma massa crítica cujo porte lhe permite ser o que a igreja tradicional não pode: uma igreja que oferece “serviço completo”.153

A dificuldade surge da expressão “serviço completo”. Um autor chama a atenção para a necessidade das igrejas serem “amigáveis” e “acolhedoras”, afirmando que cada cristão “é um gerente de marketing”.154 Tal modelo é denominado seeker friendly, ou seja, adaptado ao usuário ou orientado para o consumidor.155

Especialmente na última década, além do modelo seeker friendly, pastores e líderes brasileiros têm sido apresentados a outras propostas de “pacotes” ministeriais que favorecem evangelização: Igreja em células segundo Robert Lay,156 igreja em células no

152 STOTT, 1983, p. 27. 153 BUFORD, Bob. Os Baby Boomers, as Igrejas e os Empreendedores Podem Transformar a Sociedade. In: HESSELBEIN, FRANCES. et al. (Ed.). A Comunidade do Futuro: Ideias Para Uma Nova Comunidade. São Paulo: Futura, 1998, p. 51, grifo nosso. 154 BARNA, George. Igrejas Amigáveis e Acolhedoras. São Paulo: Abba Press, 1995, p. 99-107; cf. PEREIRA, C. e LINHARES, J. Os novos pastores, in Veja, ed. 1964, ano 39, n. 27 (12.7.2006), p. 76-85. 155 MEISTER, Mauro. Igreja Emergente, a Igreja do Pós-Modernismo? Uma Avaliação Provisória, in Fides Reformata, v. XI, n. 1 (2006), p. 102. 156 Sobre esse modelo, cf. NEIGHBOUR JR., Ralph W. Manual do Líder de Célula: Fundamentação Espiritual e Prática Para Líderes de Células. 2. ed. Curitiba: Ministério Igreja em Células, 1999; LAY, Robert Michael. O Ano da Transição: Vamos Mostrar a Você Como Fazer!!! Curitiba: Ministério Igreja em Células, 2005. Uma proposta semelhante é encontrada em EBERT, Claudio Ernani. Grupos Familiares: Um Modelo Brasileiro. São Paulo: Vida, 1997. Outra abordagem digna de nota é a de KORNFIELD, David; ARAÚJO, Gedimar de. Implantando Grupos Familiares: Estratégia de Crescimento Segundo o Modelo da Igreja Primitiva: Manual Para Líderes. São Paulo: Editora SEPAL, 1995.

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modelo G-12,157 o Modelo de Discipulado Apostólico (MDA)158 e, por fim, o fenômeno da igreja emergente, que não pode ser considerado como um movimento, nem mesmo uma iniciativa denominacional; talvez seja mais adequada a referência a “igrejas emergentes” — grupos multifacetados que abraçam determinada perspectiva. Segundo Meister, trata-se de uma tentativa de redefinir completamente as comunidades cristãs, adaptada ao pós-modernismo e caracterizada pelas “atitudes de pluralismo e protesto, demonstradas através de sua definição missional, uso da linguagem, expressão de culto e pregação”.159 O mesmo autor considera que a igreja emergente nega a “possibilidade de qualquer metanarrativa abrangente”.160 Isso equivale a dizer que, ao mesmo tempo em que rejeita o modelo seeker friendly, descarta qualquer tentativa de sistematização doutrinária:

O que necessitamos é de algo vivido, não apenas falado ou escrito. A última coisa de que necessitamos é de um novo grupo de reformadores orgulhosos, superprotestantes, hiperpuritanos, ultrarrestauracionistas que digam: “Só nós estamos certos!”161

Eis o dilema para os pastores e líderes. Uma leitura superficial dessas propostas pode produzir a noção de que igrejas que não são plenamente eficientes no “atendimento” de sua membresia ou comunidade (proposta seeker friendly), não assumem modismos metodológicos ou não abandonam o padrão modernista a fim de adotarem o pós-modernismo (proposta da igreja emergente) são irrelevantes. Abre-se espaço para um perigoso desdobramento funcional: Teologias e práticas das igrejas tradicionais podem ser descartadas ou consideradas relativas. Todo o conjunto do cristianismo ocidental é visto com suspeitas — como algo a ser relido e adaptado.

Diante disso, como pastorear e gerir a igreja, de modo a garantir sua fidelidade, saúde e obediência ao mandato evangelizador de Jesus? Em um sermão pregado em 1959, o Dr. Martin Lloyd-Jones chamou a atenção para esse desafio:

[...] a não ser que nós, individualmente como cristãos, sintamos uma preocupação séria acerca da condição da Igreja e do mundo hoje em dia, então somos cristãos muito medíocres. Se nos associamos com a Igreja Cristã simplesmente para recebermos ajuda pessoal, e nada mais, então somos meras crianças em Cristo.162

Na ocasião o pregador desafiou seus ouvintes a não permitir que “métodos” substituam a dependência da igreja do poder do Espírito Santo.163 Nesse ponto ele é seguido por outros autores. Alguns se dedicam ao estudo das raízes da secularização da igreja,164 outros, aos problemas específicos de sua atual teologia e prática,165 ou, mais

157 Sobre o modelo de igreja em células G-12, cf. BATISTA, Jôer Corrêa; SAHIUM, Leonardo; BATISTA, Jocider Corrêa. G12 História e Avaliação. Goiânia: Seminário Presbiteriano Brasil Central, 2000; FIGUEIREDO, Onezio. Os Segredos do G-12. São Paulo: Cultura Cristã, 2001. 158 Cf. PORTAL MDA. A Visão MDA. Disponível em: http://www.visaomda.com/a-visao-mda/. Acesso em: 03 Ago. 2015. 159 MEISTER, op. cit., p. 95. 160 Ibid., p. 97. 161 MCLAREN, Brian. Uma Ortodoxia Generosa: A Igreja Em Tempos de Pós-Modernidade. Brasília: Editora Palavra, 2007, p. 26. 162 LLOYD-JONES, D. Martin. Avivamento. 2.ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1993, p. 12. 163 Ibid., passim. 164 Cf. SOUZA, Jadiel Martins. Charles Finney e a Secularização da Igreja. São Paulo: Parakletos, 2002; SINE, Tom. O Lado Oculto da Globalização: Como Defender-se dos Valores da Nova Ordem Mundial. São Paulo, Mundo Cristão, 2001, passim.

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especificamente, às ciladas desta nova mentalidade para a identidade e integridade pastoral.166 Outros constatam que a igreja está confusa quanto à sua missão — ou pelo menos, quanto ao modo bíblico de cumpri-la. 167 De modo geral, externaliza-se o sentimento de que a secularização e pós-modernidade, amalgamadas na sopa do mundo globalizado, contribuem para o declínio e a esterilidade evangelística da igreja.

Diante de tal quadro, como prosseguir? Um escritor cristão popular propõe uma síntese amadurecida:

A igreja que fica sentada de cara fechada ao futuro, pouco fazendo além de lustrar os louros de ontem, se tornará uma igreja à qual falta relevância e entusiasmo. Ao mesmo tempo, a igreja que amolecer sua posição teológica e alterar a Escritura para combinar com o estilo do futuro, perderá seu poder.168

A palavra de Swindoll foi publicada no mesmo ano que, em Cambridge, Massachusetts, líderes cristãos se uniram em torno de um pacto reformado. Em uma reunião convocada pela Aliança de Evangélicos Confessionais, ocorrida de 17 a 20 de abril de 1996, 120 pastores, docentes e líderes evangélicos de organizações paraeclesiásticas assinaram a Declaração de Cambridge, um documento que convoca a igreja ao arrependimento de seu mundanismo, e para incorporar a verdade divina na doutrina, no culto e na vida.169 Tal iniciativa preconiza um movimento na direção do equilíbrio: Reconhece-se que a igreja deve ser relevante e bíblica.

4.3 A IGREJA PACTUAL-MISSIONAL “A igreja existe para os outros” — repetiu o preletor, baseando seu argumento na bênção abraâmica de Gênesis 12.1-3 e entremeando seus arrazoados com a citação de um teólogo da Alemanha. O autor destes estudos ouviu aquelas palavras com profundo respeito e admiração, louvando a Deus por estar diante de um de seus servos frutíferos e orando para que tudo o que foi falado produzisse real edificação. Saiu do auditório, fechou sua conta no hotel e desceu a serra a fim de pegar a rodovia de volta para casa. Na mente a frase “a igreja existe para os outros” indo e voltando, enlaçada pelos ditos e apresentação empolgantes.

165 Cf. BANKS, Robert. A Teologia Nossa de Cada Dia: Aplicando os Princípios Teológicos no Cotidiano. São Paulo: Editora Vida, 2004; HORTON, Michael Scott. (Ed.). Religião de Poder: A Igreja Sem Fidelidade Bíblica e Sem Credibilidade no Mundo. São Paulo: Cultura Cristã, 1998; MACARTHUR JR., John F. Com Vergonha do Evangelho. São José dos Campos: Fiel, 1997; NASH, Laura; MACLENNAN, Scotty. Igreja aos Domingos, Trabalho às Segundas: O Desafio da Fusão de Valores Cristãos com a Vida dos Negócios. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003; ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em Crise. São Paulo: Mundo Cristão, 1995 e VIEIRA, Samuel. O Império Gnóstico Contra-Ataca. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. 166 Cf. HANSEN, David. A Arte de Pastorear. Santo Amaro: Shedd Publicações, 2001; PETERSON, Eugene H. À Sombra da Planta Imprevisível: Uma Investigação da Santidade Vocacional. Campinas: Editora United Press, 2001; PETERSON, Eugene H. O Pastor Contemplativo: Voltando à Arte do Aconselhamento Espiritual. Rio de Janeiro: Textus, 2002; SITTEMA, John. Coração de Pastor: Resgatando a Responsabilidade Pastoral do Presbítero. São Paulo; Cultura Cristã, 2004; STEUERNAGEL, Valdir; BARBOSA, Ricardo. (Ed.). Nova Liderança: Paradigmas de Liderança em Tempo de Crise. 2. ed. Curitiba: Encontro, 2003; WHITE, Peter. O Pastor Mestre. São Paulo: Cultura Cristã, 2003 e ARMSTRONG, John. (Org.). O Ministério Pastoral Segundo a Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. 167 BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal; Faculdades EST, 2009, passim. 168 SWINDOLL, Charles L. A Noiva de Cristo: Renovando Nossa Paixão Pela Igreja. São Paulo: Editora Vida, 1996, p. 141. 169 BOICE, James M. et al. Reforma Hoje. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, passim.

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Eis o resumo da palestra: Tudo deve adaptar-se para o alcance dos “de fora”; os crentes assumem o desafio da contextualização e a igreja tradicional dá lugar à igreja missional: Culto, estratégias, estrutura e programas convergem para o supremo objetivo de ganhar vidas para o Senhor Jesus Cristo.

As igrejas históricas — defendeu o preletor — conformam-se com sua dificuldade de fazer a curva de mudança e sua morte iminente (porque, sem mudança na forma, não há como alcançar os “de fora”) e investem na plantação de novas igrejas desenhadas desde o início de acordo com o perfil de seu “público-alvo”: Uma igreja decorada com paredes pretas e em cujo centro do local de reuniões se posiciona uma banda de rock, para alcançar os “metaleiros”, ou uma igreja perfilada ao estilo country para atrair os que gostam de música sertaneja. De longe a igreja histórica motiva e sustenta, mas nada de tentar reproduzir seu modo de fazer as coisas na nova comunidade. Aliás, o título “igreja” envelheceu; “comunidade” parece ser o mais adequado e “culto” passa a ser “celebração”, pois a contextualização exige uma nova linguagem.

Esta proposta “missional” prioriza o alcance dos de fora e a formação de uma comunidade inclusiva, nos moldes da igreja em Atos. Como vimos no capítulo anterior, isso pode ser defendido como bíblico e não necessariamente ruim, mas pode conduzir ao reducionismo da missão.

4.3.1 O problema atacado pela igreja missional

A proposta de uma igreja centrada nos de fora é interessante porque toca no problema do grupo de crentes que se isola e demonstra completa indiferença à comunidade e cultura circundantes. Toda instituição corre o risco de engessar-se. Quando isso acontece, não se consegue mais enxergar as reais necessidades existentes. É assim nas corporações de modo geral e também na igreja. Uma igreja pode lutar pela ortodoxia e liturgia, manter uma agenda de atividades exaustiva e, ainda assim, falhar na prática do amor — o que inclui a evangelização — ao ponto de ser riscada do mapa (Ap 2.1-7;170 cf. 1Co 13.1-3). Ano após ano, uma igreja pode orientar-se por uma cultura de manutenção e saudosismo, destacando os feitos do passado ao mesmo tempo em que pouco ou nada faz para cumprir a missão no presente.

Cada Evangelho contém um mandato missionário e a caminhada da igreja em Atos é marcada pela contínua expansão geográfica da Palavra de Deus (cf. At 2.47; 4.4; 5.14; 6.1,7; 9.31). Paulo ajustou toda sua vida ao propósito de “ganhar” pessoas para Cristo (1Co 9.16-22).

Outros apóstolos confirmam o padrão: Para Pedro, o propósito da igreja é proclamar “as virtudes” divinas (1Pe 2.9) e João, no Apocalipse, depois de “comer” o “livrinho aberto” do evangelho, recebe a incumbência de anunciá-lo aos “povos, nações, línguas e reis” (Ap 10.1-11). Tudo isso confirma que, de fato, a igreja incorre em grave erro quando passa a viver em função de si mesma.

Ocorre reducionismo quando se imagina a evangelização como única missão da igreja, especialmente quando se perde a perspectiva dos mandatos pactuais estabelecidos na criação (tabela 04).

170 Este autor escreveu um breve comentário sobre a carta de Cristo à Igreja em Éfeso. Você pode conferi-lo em http://www.misaelbn.com/2011/10/carta-a-igreja-de-efeso-religiao-sem-amor/. Quanto a 1Coríntios 13, é assustadora a ideia de alguém poder empreender atos aparentemente altruístas — distribuir os “bens entre os pobres” — ou sacrificiais — entregar o “próprio corpo para ser queimado”, v. 3 — sem um pingo de amor genuíno!

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Proposta missional reducionista v. Proposta pactual-missional A missão reduzida Proposta pactual-missional

Tudo é voltado para a evangelização Destaque aos mandatos da criação

Tabela 04. Diferentes entendimentos da missão

A declaração missional de que a igreja deve existir “para os outros” sustenta-se sobre o pressuposto de que o esforço maior da igreja deve concentrar-se na evangelização. Tal proposta não é contrária à ideia de pacto, uma vez que enfatiza consideravelmente o pacto da redenção. A questão é que há risco de compreendermos a adoração (teologia do culto), o pastoreio (a teologia prática) e a igreja (eclesiologia), como círculos concêntricos estabelecidos a partir da evangelização (figura 09).

Figura 09. O centro missional da evangelização

Em algumas propostas missionais, tudo se ajusta ao fim evangelístico. Ganhar pessoas é o objetivo primordial, o pastoreio é ferramenta da missão e o culto se torna um encontro facilitador, um evento cuidadosamente projetado e executado para atrair e produzir impacto no visitante não-crente. Cada detalhe da estrutura da igreja é desenhado e redesenhado quase que ininterruptamente, a fim de otimizar o crescimento numérico da congregação.

Igrejas pactuais-missionais, por sua vez, compreendem que o pacto da redenção, que culmina com a comissão evangelística, encaixa-se dentro do pacto da criação no qual são estabelecidos os mandatos espiritual, social e cultural.

Quais as bases deste modelo? Vejamos a seguir.

4.3.2 A missão emoldurada pelos pactos da criação e redenção

A obra de Cristo garante a plena realização da vontade de Deus quanto à totalidade do universo (o reino de Deus). O homem é criado à imagem e conforme a semelhança de Deus, com a finalidade de atuar com seu vice-gerente, tendo com ele comunhão de amor e obediência (o mandato espiritual), estabelecendo sociedade (o mandato social) e dominando a terra de modo agradável ao Criador (o mandato cultural — Gn 1.26-31, 2.15-16).

Por causa da desobediência de Adão e Eva o homem torna-se pecador e, consequentemente, separado de Deus (Gn 3.1-11; Is 59.2). Tal quadro desolador parece

Evangelização

Igreja

Pastoreio

Culto

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significar, em um primeiro momento, que o propósito divino revelado na criação é frustrado. Observe-se, no entanto, que imediatamente após a entrada do pecado na história humana, Deus anuncia a redenção: O estrago feito pela serpente é reparado por Jesus Cristo (Gn 3.15; Cl 2.14-15). Geração após geração, Deus ratifica a aliança. Ele faz isso com Noé (Gn 9.1-17), Abraão (Gn 12.1-3, 15.1-21, 17.1-14), Moisés (Êx 19.3-6; Dt 18.15) e Davi (2Sm 7.12-16; Jr 33.17-22). Cada um desses pactos aponta para o Messias que sela a “nova” e definitiva aliança (Jr 31.31-34; Mt 26.26-28).

A obra vitoriosa de Cristo estabelece não apenas a redenção dos crentes, mas também, a reconciliação de “todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus” (Cl 1.20; cf. Rm 8.19-22). Cada aspecto da realidade, a partir de Cristo, pode e deve ser considerado pelos ângulos da criação, queda e redenção. João enxerga o universo, simbolizado por “quatro seres viventes”, proclamando a santidade de Deus (Ap 4.6-8). Este louvor do universo precede o dos redimidos (simbolizados pelos vinte e quatro anciãos — Ap 4.9-11). Em outras palavras, quem Cristo é e o que ele realiza impacta todo o cosmos. Cabe à igreja desafiar e capacitar os cristãos a marcarem todas as áreas da vida com o nome de Jesus (Cl 3.17). Como nos diz Peterson, “há uma verdadeira batalha espiritual em curso. Há uma intensa batalha moral. [...] Não existe zona neutra no Universo. Cada centímetro quadrado é área de contestação”.171

Resumindo, a Bíblia faz referência ao cumprimento tanto das ordens ligadas à evangelização quanto dos mandatos criacionais. Evangelizar é um dos aspectos da “edificação” e serviço da igreja. A igreja pactual-missional tem como centro os mandatos criacionais, cujo cumprimento se torna possível graças à redenção (a faixa vermelha da figura 10).

Figura 10. Os mandatos criacionais no centro, tornados possíveis pela obra de Cristo

A redenção produz a igreja, uma comunidade aberta não apenas a uma sociedade em particular, mas à criação (observe que a linha que separa a igreja do restante da criação é pontilhada — figura 11).

171 PETERSON, Eugene. Corra Com os Cavalos: Para Quem Busca Uma Vida da Excelência. São Paulo: Ultimato e Textus, 2003, p. 46-47.

AbraãoAdão Noé Moisés Davi Jesus

Pacto da redenção

Mandatos espiritual, social e culturalPacto da criação

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Figura 11. Os mandatos criacionais no centro (igrejas pactuais-missionais)

A perspectiva pactual-missional não apenas preconiza a conversão individual, mas concede devido espaço ao “reino de Deus”, indo ao encontro do anseio registrado por Green:

Temos a tendência de isolar o que chamamos de evangelho do que Jesus chamava de Reino de Deus. Quantas vezes teremos ouvido falar aqui [em Lausanne] do reino de Deus? Não muitas. É outra linguagem. Mas era a preocupação central de Cristo. Ele veio mostrar que a soberania real de Deus havia se rompido em nosso meio: Ela já não estava inteiramente no futuro, mas em parte realizou-se nele e nos que o seguiram.172

Nesses termos, o foco exclusivo na evangelização de algumas igrejas missionais as coloca em risco de serem deficientes na capacitação dos santos para a totalidade do ministério (elas podem enfatizar métodos de busca de vidas sem fornecer aos convertidos uma visão cristã da realidade). O discipulado é visto como treinamento missionário (apenas) e não como formação do crente como agente do reino, com responsabilidades espirituais, sociais e culturais. Dito de outro modo, a aparente centralidade evangelística mascara um reducionismo ou disfunção que podemos denominar evangelizite ou missionite.

4.3.3 A visão pactual-missional e a falsa ortodoxia inoperante

Um desdobramento da grade teológica pactual-missional é o desmantelamento da falsa ortodoxia inoperante. Como agentes pactuais, todos os crentes são chamados à missão.

Cristo convocou Pedro e André para serem “pescadores de homens” (Mt 4.18-19). Após a ressurreição eles os incumbiu de pregar o evangelho e fazer discípulos na dependência do Espírito Santo (Lc 24.48; Jo 20.21-22; Mt 28.18-20; At 1.8). Paulo recebeu uma vocação semelhante (At 26.12-18). Ele considerou a evangelização como “obrigação” (1Co 9.16-18). Os demais apóstolos e as igrejas de Filipos e Tessalônica entenderam este chamado e cumpriram a tarefa (Fp 1.5; 1Ts 1.8).

Além do esforço dos apóstolos e evangelistas, a força vital para a evangelização residia no testemunho dos crentes em suas esferas de influência.

172 GREEN, 1984, Comentário, p. 80.

Mandatosespiritual,

social ecultural

Criação

Igreja

Redenção

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Levi convidou seus colegas de trabalho para uma refeição (Mc 2.14-15). O geraseno foi enviado à sua casa (Mc 5.19). Pedro conheceu Jesus através de seu irmão André (Jo 1.41). Natanael, por meio de Felipe (Jo 1.45). Na cura do filho do “oficial do rei”, creram “ele e toda a sua casa” (Jo 4.53). Cornélio ouviu a pregação de Pedro juntamente com “seus parentes e amigos íntimos” (At 10.24). Lídia foi batizada juntamente com “toda a sua casa” (At 16.15). De modo semelhante o carcereiro de Filipos (At 16.30-34). A evangelização não era um programa, mas o transbordamento da vida espiritual dos crentes para aqueles à sua volta.

Isso se aplica a nós. Não há um cristão sequer que não seja chamado para a missão. Pensemos no ladrão pregado na cruz ao lado de Jesus e que creu no Senhor. Ele não teve tempo de realizar qualquer ação missionária, mas até hoje os últimos momentos de sua vida são um testemunho (Lc 23.39-43). Não há desculpa para negligenciarmos a evangelização. Somos agentes pactuais de Deus e testemunhas do evangelho de Jesus Cristo. O chamado para a missão não é uma opção.

Nós sabemos que a missão não é opcional, mas é possível que a própria igreja (estabelecida para a expansão do reino), se torne pedra de tropeço e obstáculo da evangelização. Como vimos na seção 1.4.5, dois dos aspectos da dinâmica de implementação do reino são o desgaste com pessoas e a intromissão das trevas. Não é incomum isso tomar vulto entre as próprias fileiras eclesiásticas. Antes de John Knox afirmar: “Existe aqui a mais perfeita escola de Cristo desde os dias dos apóstolos”,173 João Calvino enfrentou catorze anos de oposição dentro dos muros de Genebra.174 Permanecer amando a igreja, insistir em sua doutrinação fiel (pregando e ensinando sobre o privilégio, obrigatoriedade e urgência do mandato evangelizador) e perseverar nos atos de expansão é fundamental para o cumprimento da missão.

Mais do que isso, é importante delimitar o primeiro agente humano da missão. Quem é ele? A resposta correta é: Este primeiro agente da missão sou eu. Isso quer dizer que, antes de lançar qualquer crítica à “igreja”, ou ao “ministério” ou ao “Cristianismo contemporâneo” como abstrações, é fundamental analisar meu próprio coração e rotina evangelística.

Exemplifico com meu próprio erro. Na introdução eu escrevi que as tarefas do ministério me deixavam com “pouco tempo” para evangelizar. Para piorar eu li em algum lugar (não me lembro da fonte) que pastores lidam com os membros da igreja (as ovelhas), daí, têm pouco contato com inconversos. Sendo assim, a responsabilidade maior da evangelização é dos leigos, não dos pastores. Talvez você já tenha ouvido esse ditado bem-intencionado, mas pouco bíblico. “Quem gera ovelhas são ovelhas e não pastores”.175 Pois bem, o Senhor foi gracioso comigo e me mostrou que eu não estava sendo honesto com ele, nem comigo mesmo. Ele fez isso me fazendo conhecer alguns pastores muito mais atarefados do que eu, verdadeiros e frutuosos evangelistas. Tais colegas me santificaram, humilharam e motivaram com seus exemplos.

Fui pregar na igreja de um deles, o Rev. Jaime Marcelino de Jesus, em Manaus. Hospedei-me em sua casa alguns dias além do domingo. Tive o privilégio de acompanhá-lo comprando hortaliças em uma venda de madeira e camarões em uma peixaria. Estive

173 VAN HALSEMA, Thea B. João Calvino Era Assim. São Paulo: Editora Vida Evangélica, 1968, p. 191. 174 John Knox permaneceu em Genebra de 1556 a 1559. A mais grave oposição a Calvino durou de 1541 a 1555. Van Halsema (op. cit., p. 163-190) descreve em detalhes os enfrentamentos entre Calvino, os Conselhos, o povo de Genebra e oponentes externos. 175 Por que o ditado não é verdadeiro? Simplesmente porque cada pastor também é — ou pelo menos, deveria ser — ovelha do rebanho de Cristo.

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junto dele em diversas outras interações. A maioria das pessoas que ele encontrava já o conheciam como o pastor da Igreja Presbiteriana Cidade Nova e ele as conhecia nominalmente. Aos que não o conheciam ele se apresentava evangelisticamente. Em cada interação ele demonstrava interesse pessoal, perguntava pelo pai, pela mãe, queria saber se estava tudo bem quanto a determinado problema e referia-se a Cristo. O estudo bíblico em um condomínio terminou tarde com um gostoso lanche. Ele pediu para embalarem comida e, na saída, desceu do carro e entrou na guarita dos seguranças, presenteando-os com alimento e uma palavra cristã. Um pastor ocupadíssimo. Evangelista.

O Rev. Dr. Elias Medeiros (professor do Reformed Theological Seminary) já esteve em São José do Rio Preto duas vezes desde 2011, pregando em minha igreja. Cada vez que ele vem eu sou santificado e motivado para a evangelização, no simples contato cotidiano com ele. Aprendo que preciso cumprimentar o frentista do posto de gasolina, o recepcionista do hotel e o garçom do restaurante. 176 Não apenas cumprimentar formalmente, mas saber o nome, apresentar-me como pastor, dizer qual é minha igreja, colocar-me à disposição para orar, presentear com a Sagrada Escritura e outras literaturas e, acima de tudo, falar sobre Jesus. Mesmo que a interação seja de poucos segundos. O Rev. Elias faz isso o tempo todo. Professor de Teologia ocupadíssimo. Evangelista.

O que eu posso e devo fazer para evangelizar mais e melhor? É quando nos dispomos a responder esta pergunta, e mais do que respondê-la, colocar a resposta em prática, que a evangelização deixa de ser teoria e se torna real, viva e frutífera. Tanto o reducionismo da missão, quanto a falta ortodoxia paralisante caem por terra diante de um crente simples disposto a evangelizar com fidelidade bíblica e na dependência de Deus.

176 As convicções e testemunho do Rev. Dr. Medeiros felizmente contradizem o comentário pouco edificante de Wagner: “Provavelmente prejudica o corpo de Cristo, mais do que o ajuda, quando fazemos os crentes sentirem-se culpados, se não compartilharem de Cristo com o frentista do posto de gasolina, se não deixam folhetos evangélicos com o carteiro, ou se não testificam ao garçom do restaurante” (WAGNER, op. cit., p. 179).

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5 A evangelização viva e simples

Este capítulo aborda a questão “e daí, o que fazer diante de tudo que aprendemos sobre a evangelização?”. Vimos que Jesus Cristo é o modelo primário da evangelização. Por onde passava, ele interagia redentivamente e fazia o bem (At 10.38). Os apóstolos e cristãos primitivos fizeram o mesmo e, três séculos após a ressurreição, o Cristianismo conquistou o Império. Estamos diante de desafio similar. Daí algumas sugestões para a evangelização viva e simples.

5.1 A INFLUÊNCIA DO CRENTE EVANGELISTA NA FAMÍLIA E IGREJA Evangelização inicia no coração do indivíduo e transborda para o âmbito familiar. Quando isso acontece, a igreja é santificada e animada para o testemunho.

Vejamos alguns passos práticos para que isso suceda de fato.

5.1.1 Orar como evangelista

Jesus dedicou-se à oração (Mc 1.35). Antes de evangelizar é necessário orar por nós mesmos e pelos inconversos. Temos de suplicar a Deus que nos proteja, ilumine e guie em todas as nossas interações deste dia, tornando-as frutíferas. Isso é necessário para que sejamos instrumentos da graça e amor de Deus — ministros da reconciliação — nas vidas das pessoas que encontraremos hoje.

E temos de ir além, pedindo que Deus nos conceda amor pelas pessoas. Precisamos ser providos com sentimento de compaixão pelos perdidos. Supliquemos ao Altíssimo que opere em nós, fazendo com que nos identifiquemos com as pessoas, assim como Cristo se identificou conosco na encarnação. Que possamos sentir com elas e respeitá-las, colocando-nos no lugar delas, sendo instrumentos da Palavra e da redenção de Deus para suas vidas. Que consigamos apresentar a elas o amável e glorioso Redentor. Esta é uma boa oração para começar o dia.

O dia deve ser fechado com mais oração. Antes de dormir é um bom momento para analisar nosso desempenho evangelístico naquele dia que está terminando. Aproveitamos as oportunidades? Falamos o que convém? Falhamos? Se constatarmos que fomos negligentes, peçamos perdão a Deus. Wagner parece não considerar saudável o sentimento de culpa por omissão na evangelização.

É uma distorção do ensino bíblico, em minha opinião, tentar convencer a todo crente de que precisa compartilhar constantemente de sua fé, como parte de seu dever diante do Mestre. [...] Provavelmente prejudica o corpo de Cristo, mais do que o ajuda, quando fazemos os crentes sentirem-se culpados, se não compartilharem de Cristo com o frentista do posto de gasolina, se não deixam folhetos com o carteiro, ou se não testificam ao garçom do restaurante.177

Indubitavelmente a tarefa evangelística, assim como qualquer outro mandato divino, pode ser encarada com rigor legalista. Porém, entendamos que há culpa doentia (uma patologia psicológica) e culpa real (decorrente de transgressão da vontade revelada de Deus). O sentimento relativo a esta última é saudável e necessário. Se a evangelização é um mandato, não evangelizar é pecado e, por conseguinte, produz culpa que resulta da obra graciosa do Espírito Santo, confirmando nossa conversão e abrindo espaço para o arrependimento e fé derramados em confissão.

177 WAGNER, op. cit., p. 178-179.

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5.1.2 Identificar-se e portar-se como evangelista

Jesus identificou-se como enviado de Deus (Jo 4.25-26). A segunda coisa a fazer é identificar-se e portar-se como cristão e evangelista.

Se você é um obreiro cristão, imprima cartões de visita com seu nome, com o nome de sua igreja e outros dados pertinentes para contato (endereço, telefones, e-mails etc.). Assegure-se de levar esses cartões por onde quer que andar e distribua-os às pessoas com as quais você encontrar-se durante o dia. Diga seu nome, identifique-se como pastor ou ministro de Deus e coloque-se à disposição para orar, visitar e ler e estudar a Bíblia. Diga às pessoas que elas poderão ligar e falar com você e não descumpra esta promessa. Repetindo, distribua seu cartão ao maior número possível de pessoas com as quais você conversar durante o dia, mesmo as mais obscuras e humildes. A ideia é identificar-se e colocar-se à disposição como servo de Deus.178

Faça o mesmo em suas interações nas redes sociais. Ao ser chamado para uma conversa privativa em uma rede social por alguém que você não conhece muito bem, apresente de cara a pergunta: “O que eu posso fazer por você como pastor e servo de Deus?” Imediatamente insira a Bíblia na conversação.

Dito de outro modo, a primeira providência da evangelização viva e simples é assumir, de forma propositada e mais pública possível, que pertencemos a Cristo, dirigindo palavras intencionais de testemunho às pessoas com as quais nos encontramos.

No meu caso, isso exige vencer a timidez e outras indisposições (2Tm 1.6-8). Maravilhosamente, esta prática simples tanto abre espaço para a colheita de frutos evangelísticos, quanto também santifica. O modo como eu me posto em todos os lugares é afetado por minha identificação como obreiro cristão.

5.1.3 Estabelecer e cumprir uma agenda de evangelista

Jesus foi fiel aos compromissos do reino (Mc 1.37-38). A terceira coisa a fazer para praticar a evangelização viva e simples é verificar diariamente o que fazemos e quanto tempo dedicamos ao que fazemos, entendendo que não é a bíblica a agenda que não abre espaço para a evangelização pessoal.

Um servo de Deus checava antes de dormir se ele tinha evangelizado naquele dia. Se constatasse que não falara de Cristo, ele se vestia e saía para fazer isso.179 Como vimos na seção 5.1.1, é recomendável analisar nosso desempenho na evangelização durante o dia que passou. Isso nos ajuda a corrigir erros e aperfeiçoar nossa abordagem. Pode ser o caso de incluir na agenda dos próximos dias uma “passada” naquele escritório ou escola, a fim de falar novamente com determinada pessoa a quem deixamos de testemunhar.

5.1.4 Enxergar os vínculos humanos com olhar de evangelista

Jesus tirou proveito santo dos vínculos familiares e de amizade (Jo 1.43-49). A quarta coisa a fazer para praticar a evangelização viva e simples é considerar as redes de relacionamento — profissionais, de parentesco e amizade — dos membros da igreja como oportunidades para o testemunho. Enxergar todas as relações com um olhar de evangelista. Explico isso com dois exemplos.

178 Se você se acha tímido e sentir-se embaraçado em fazer isso, ore pedindo a ajuda de Deus e insista em fazê-lo. Eu tenho aprendido isso com o meu amigo e colega Rev. Dr. Elias Medeiros. Depois de sua última visita à IPB Rio Preto, minha primeira providência foi solicitar a impressão de cartões de visita. 179 O autor supõe referir-se a D. L. Moody, mas trata-se de leitura de décadas e a fonte não é recordada.

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Enquanto realizava um procedimento de saúde eu perguntei ao médico que me atendia se era casado e descobri que sua esposa era sua assistente, que estava ao seu lado. Perguntei se eles frequentavam alguma igreja e ele respondeu que não; sua esposa se interessava por religião, mas ele não. Convidei-o para visitar minha igreja e percebi o constrangimento típico de quem recebe um convite sem querer aceitá-lo. Então informei que um dos membros da igreja é um médico cujo trabalho e família são conhecidos em toda cidade. Os olhos de meu médico brilharam e ele perguntou-me os dias e horários de cultos. Certamente foi útil utilizar, naquela conjuntura, a relação de meu médico com um dos membros de minha igreja. Isso ainda não é evangelização, mas trata-se de uma abertura providencial.

Em outra ocasião eu fui atendido por uma jovem dermatologista que tem um filhinho de um ano. Sabendo que eu sou pastor, ela perguntou-me como é minha igreja, se é uma igreja cristã, quais nossas principais doutrinas etc. Eu disse a ela que Cristo é o fundamento da fé presbiteriana e que, conforme o ensino da Bíblia, Jesus deve estar no centro da vida humana. Com sua morte e ressurreição ele nos reconciliou com Deus, de modo que agora, confiados unicamente nele, podemos ter comunhão com nosso Criador. Ademais, Deus estabelece aliança que alcança nossa descendência, e isso demonstra a bênção que a fé cristã representa não apenas para ela — minha médica —, mas também para seu filhinho e família. Ela interagiu com interesse e também perguntou detalhes sobre horários de reuniões. Minha oração é que Deus toque no coração dos profissionais de saúde que me atendem, para que eu seja instrumento da luz dele por onde quer que eu passe. Acima de tudo, para que Deus seja glorificado e estas pessoas sejam salvas.

Algo semelhante pode ser replicado em outras ocasiões e contextos. Podemos aproveitar aniversários, noivados, casamentos, celebração de bodas, outros eventos familiares e até profissionais — e.g., palestras em empresas — para pregar o evangelho. Tais situações propiciam oportunidades imperdíveis.

5.1.5 Moldar uma família evangelista

A casa de Simão tornou-se um centro de cura e evangelização (Mc 1.29-31; cf. Js 24.15). A quinta coisa a fazer para praticar a evangelização viva e simples é envolver nossa família na missão.

Fale, ore e estude sobre o mandato evangelizador com sua família. Junte os conceitos às vezes abstratos e complicados deste estudo e peça a ajuda de Deus, para que você consiga torná-los fáceis de entender, motivando seus familiares a serem testemunhas de Jesus Cristo.

5.1.5.1 A FAMÍLIA EVANGELISTA FORMATA A IGREJA EVANGELISTA

A maior necessidade da igreja atual é de famílias inteiras testemunhas. Imaginemos o que aconteceria se, em todos os lares de determinada igreja, o marido, a esposa, os filhos jovens, os adolescentes e até a crianças fossem testemunhas fervorosas e fiéis. Para começar, isso reduziria o problema corriqueiro de falta de santidade nos ministérios e departamentos. Não se ouviria mais o dito infelizmente comum, “nossa mocidade não quer saber de santidade”. A despreocupação com santidade é um dos resultados diretos do descaso evangelístico. Repetindo, assumir-se como evangelista santifica; se as diversas gerações da igreja se assumirem como testemunhas e evangelistas, a igreja será mais santa. Várias das questões que exigem centenas de horas em aconselhamento pastoral simplesmente desaparecerão. Michael Green menciona uma igreja crescente, cujos membros são comprometidos em falar de Jesus aos seus amigos:

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O pastor muitas vezes é chamado pelo telefone por um novo convertido no momento em que este se acha falando com algum amigo não-cristão. Ele diz: “Alô, reverendo, o que eu respondo para quem me diz assim e assado?” Será motivo de surpresa que naquela congregação pessoas se rendam a Cristo todos os dias?180

Quando nos preocupamos com a evangelização, o Espírito Santo nos guia a abandonar diversas coisas para ganhar as pessoas. Nosso comportamento é regulado pela prática da evangelização (1Co 9.16-22; 10.23—11.1).

Um segundo resultado. Em uma igreja cujas famílias são evangelistas, a evangelização influencia os planos dos departamentos. Quando o ministério infantil reunir-se para decidir “o que nós vamos fazer?”, o fervor evangelístico das pessoas envolvidas afetará a agenda do ministério. O mesmo se dará em cada segmento da igreja — um avivamento de evangelização!

Onde isso começou? Dentro de casa, com esta família cristã que entende sua função de replicadora da bênção de Abraão a outras famílias da terra (Gn 12.1-3). Esta família se reúne, ora e chora pelos perdidos.

Uma família evangelista tem suas prioridades alteradas. Ela investe muito mais dinheiro em missões e evangelização do que em entretenimento e lazer. Ela implementa iniciativas criativas de expansão do reino. Uma reunião com o círculo familiar mais amplo se torna uma oportunidade. O filho adolescente convida os amigos para assistir a um filme em sua casa e a evangelização é realizada. Os jovens evangelizarão ao sair para um cinema ou passeio. A igreja não terá de lidar com problemas de jovens que saem na noite de sábado para beber, porque tais jovens são comprometidos com a evangelização.

Cada casa se torna um ponto de pregação e uma potencial congregação e nova igreja. Ocorre uma revolução santa quando a evangelização é praticada no contexto familiar. O fervor evangelístico começa pelo pai, alcança a vida da mãe e, daí, transborda para os filhos. E não como algo forçado, mas como uma resposta amorosa ao chamado de Jesus.

5.1.5.2 O PARADIGMA DE FAMÍLIA EVANGELISTA REDEFINE TUDO

Tal paradigma implica em uma redução significativa da conversa banal. Não é que os cristãos deixam de falar sobre o tempo, futebol ou uma postagem engraçada ou perspicaz em uma rede social. Eles não abandonam sua humanidade para ser evangelistas. Simplesmente eles se tornam mais atentos em suas conexões, a fim de cumprir o mandato da evangelização. E o modelo desse tipo de vida é o Senhor Jesus que transitou por lugares diferentes, aproveitando cada interação como oportunidade para revelar-se como Cristo.

Isso muda tudo: O modo como interatuamos com as pessoas (a comunicação banal cede espaço ao diálogo intencional); o modo como realizamos nossas atividades e eventos; o modo como gerenciamos nosso tempo e dinheiro e até nossos hábitos de consumo (saber que vamos nos identificar como cristãos ao caixa de supermercado altera o que colocamos no carrinho). Isso afeta as bandeiras que defendemos; passamos a defender bandeiras ideológicas, filosóficas e teológicas que favoreçam a evangelização (o que não for pertinente para a expansão do reino é inútil). “Isso é útil para a expansão do reino?” passa a ser uma pergunta determinante em cada uma de nossas escolhas (1Tm 6.3-5; 2Tm 2.14-26; 4.1-5).

180 GREEN, 1984, p. 83.

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5.1.5.3 A FAMÍLIA EVANGELISTA E O PACTO DA CRIAÇÃO

Deixamos de lado os mandatos social e cultural, estabelecidos na criação? Nada disso. Como afirmamos antes, consideramos pertinente o alerta de Green, não isolando o evangelho do reino.181 Pelo contrário, nós evangelizamos a partir do entendimento de que é o pacto da redenção que assegura o implemento do pacto da criação. Sem vidas regeneradas, não há amor e obediência a Deus. Sem a pessoa e obra de Cristo não há criação redimida (Rm 8.18-25; Ef 1.10; Cl 1.10). Destarte, o evangelista é um agente de Deus no contexto do pacto da redenção. O cristão é agente do testemunho divino a fim de ratificar plenamente o pacto da criação.

Dito de outro modo, a vida como um todo é beneficamente afetada. Crentes, famílias e a igreja caminham discernindo cada coisa a partir da pergunta evangelizadora. Fazendo isso, eles são santificados e motivados e o Cristianismo se torna relevante para a presente geração. Fazendo isso a igreja agrada a Deus e cumpre o seu papel na história. Isso ocorre não se assumindo perspectivas ministeriais mirabolantes, mas com o testemunho seguro, concreto e sistemático da igreja viva e simples.

5.2 POSSÍVEIS INICIATIVAS ECLESIÁSTICAS DE EVANGELIZAÇÃO Quando os passos da seção 5.1 forem dados, a igreja estará pronta para assumir iniciativas corporativas de evangelização. Isso não significa que ela deva ficar parada até lá. Nosso Senhor enviou os discípulos em missão mesmo quando estes ainda estavam duvidosos e confusos (Mc 6.7-13, 52; 7.18; 8.4, 17-21). A grande colheita, porém, aconteceu após o Pentecostes, quando todos os crentes foram embevecidos no poder de Deus e na missão (At 2.41-47).

Segue uma lista de sugestões para que isso suceda.

5.2.1 Pregar e ensinar para edificar uma igreja evangelista

Jesus ensinou a seus discípulos sobre a necessidade e a dinâmica da expansão do reino (Mc 4.2-3). A primeira iniciativa para a prática corporativa da evangelização viva e simples é pregar e ensinar sobre a evangelização.

Eis a ordem das coisas, fazer para depois ensinar (cf. At 1.1). As ovelhas do rebanho detectam a hipocrisia de longe. Primeiro evangelizamos pessoalmente e como família. Depois pregamos e ensinamos sobre evangelização.

Isso não equivale a pregar apenas sermões evangelísticos ou missionários. Trata-se de pregar a Bíblia inteira fazendo bom uso da Teologia Bíblica a fim de elaborar e entregar sermões pactuais sólidos e desafiadores, nos quais os mandatos divinos sejam consistentemente destacados e aplicados. O cristão que compreende seu papel como agente pactual de Deus — e enxerga sua própria história como parte do maravilhoso drama da Criação, Queda e Redenção — tem tudo para se tornar um evangelizador e discipulador.

Esta pregação é para inconversos, desigrejados e membros da igreja. O não-crente precisa entender logo não apenas que Cristo salva, mas que esta igreja, na qual ele ouve o evangelho, é comprometida com a salvação do mundo. Visitantes desigrejados (desligados de suas igrejas de origem) devem ter a oportunidade de ouvir o evangelho puro, bem como os desafios deste evangelho para os que outrora se declararam crentes e agora estão afastados. Os membros da igreja devem ouvir o evangelho e suas implicações evangelísticas até a “ficha cair”, ou seja, até assumirem seu lugar na obra de 181 Ibid., p. 80-81.

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evangelização; ou até “caírem fora” buscando outra igreja na qual poderão assentar-se confortavelmente e ser supridos por um ministério de manutenção.

Em suma, a pregação deve motivar, despertar, consolidar e desalojar. Produzir bom fruto de salvação, santificação e consolação, isto é, edificar a igreja na expansão do reino.

5.2.2 Criar, motivar e apoiar atividades de evangelização

Jesus realizou atividades de evangelização (Mc 1.14-15). A segunda iniciativa para a prática corporativa da evangelização viva e simples é criar, motivar e apoiar atividades de evangelização.

Eu tive o privilégio de organizar igrejas que nasceram com muita simplicidade, a partir de voluntários comprometidos com a evangelização. Uma delas surgiu do trabalho de distribuição de folhetos e pregação em praça pública de um grupo cabeludo de jovens mais animados do que instruídos. Outra, do desejo de uma irmã de contar histórias bíblicas às crianças de sua rua. Outra, da hospitalidade de alguém que disponibilizou sua garagem para a realização de estudos bíblicos. Outra, do desejo de um presbítero de ver o evangelho estabelecido em um bairro paupérrimo e perigoso. Quatro igrejas organizadas em 20 anos. A igreja não desenhou um mapa estratégico, nem planejou detalhadamente nenhuma destas igrejas. Apenas apoiou crentes que se assumiram como discípulos e evangelistas.

A igreja deve motivar e abrir espaço para tais iniciativas. Não cabe a ela coibi-las e sim fornecer-lhes apoio e pastoreio. Nisso ela se assemelhará à igreja primitiva, pois, tanto nos Evangelhos quanto em Atos, os empreendimentos de evangelização fluem da vivência apaixonada dos crentes sob a direção do Espírito Santo.

Última observação: O apoio a estas atividades deve ser não meramente institucional, mas concreto e numericamente expressivo. Esta é uma tônica do registro de Atos. Lucas às vezes menciona números (At 1.15; 2.41; 4.4). Outras vezes ele usa o adjetivo “unânimes” (At 2.46; 4.24). A ideia é de volume colaborativo — os crentes juntos servindo ao Senhor. O que se vê com frequência é um apoio meramente institucional, ou seja, os líderes da igreja e membros dizem que “apoiam” o evangelismo proposto, mas não participam ativamente dele. “Apoiar” equivale a estar presente na implementação, sofrer junto e trabalhar duro nas dificuldades e celebrar as vitórias de cada ação de evangelização.

Um termômetro deste apoio e motivação são os cultos de recebimento de novos membros. Para uma igreja evangelista, tais reuniões são eventos de grande alegria e participação. Eis um dos pontos altos da vida da igreja — pessoas declaram que passaram das trevas para a luz, dispondo-se para avocar a cidadania cristã! Em igrejas que não se assumiram como evangelistas, os cultos de recebimento de novos membros não passam de rotina litúrgica.

Isso nos conduz ao passo seguinte.

5.2.3 Estabelecer metas de evangelização e trabalhar duro

Jesus assumiu um programa de evangelização (Jo 4.4).182 Após sua ressurreição, ele estabeleceu um programa evangelístico para sua igreja — alcançar a cidade, a região circunvizinha, as localidades mais distantes e os confins da terra (At 1.8). A terceira

182 A “necessidade” de “atravessar a província de Samaria”, em João 4.4, atende muito mais a uma logística missionária do que a um imperativo geográfico. Cf. MACLEOD, A. J. João. In: DAVIDSON, F. (Ed.). O Novo Comentário da Bíblia. Reimp. 1985. São Paulo: Vida Nova, 1963, p. 1070, v. 2: “Nestas palavras se vê a urgência constrangedora de Jesus, para cumprir a sua missão”.

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iniciativa para a prática corporativa da evangelização viva e simples é instituir metas de evangelização e trabalhar duro para cumpri-las.

Algumas igrejas estabelecem metas de números de membros, expressas em termos de expansão ou restrição. Os dois tipos de metas relacionam-se com o crescimento da igreja. Eis alguns exemplos:

• Meta numérica de expansão: “Em cinco anos, esperamos ter 600 membros”. • Meta numérica de restrição: “Nossa visão é sermos uma igreja de 400 membros;

organizaremos uma nova igreja cada vez que ultrapassarmos esse número”.

Estabelecer tais metas é benéfico no sentido do corpo de Cristo intuir que o mandato evangelístico impetra ação esforçada. Igrejas que assumem alvos têm mais probabilidade de crescer numericamente do que igrejas destituídas de intencionalidade evangelística, simplesmente porque elas “plantam”, “regam” e “choram” mais (Sl 126.5-6; 1Co 3.6).183 Quanto maior a semeadura, maior a probabilidade de colheita (2Co 9.6). Destarte, o segredo do crescimento de algumas igrejas que assumem alvos numéricos não é o ato de abraçar os alvos em si. A chave é o maior envolvimento prático dos crentes na evangelização.

O problema com estes dois tipos de metas é sua fragilidade bíblica. Não encontramos o precedente no ministério de Jesus, nem na expansão da igreja em Atos, muito menos nas epístolas ou no Apocalipse.

Um procedimento mais bíblico é assumir metas geográficas (Jerusalém, Judeia, Samaria e confins da terra); emoldurar um mapa, definir áreas a serem “cobertas” e realizar avanços missionários até alcançar aqueles limites. Uma igreja deve poder dizer, no fim de um tempo, “semeamos a Palavra nos primeiros sete quarteirões da parte leste de nossa cidade”, e ao fim de outro, “plantamos a semente na parte oeste”. Tais avanços serão implementados sob a direção e assistência do Espírito Santo, dados em uma conjuntura singular. Trocando em miúdos, cada igreja deve configurar seu ministério para atender as necessidades de seu próprio contexto.

Executar isso exige esforço árduo. E enquanto a tarefa é realizada, torna-se mister redefinir as metas; chegado o fim do ano, pode-se constatar que não foi possível cobrir todo o bairro, o que implica em alterar os planos para o ano seguinte.

Isso cumpre uma das facetas do mandato evangelizador; não necessariamente garante o crescimento numérico da igreja. O importante é poder afirmar que a igreja está evangelizando a cidade, ao mesmo tempo em que se admite que o “crescimento vem de Deus” (1Co 3.6-7). É cômodo, mas antibíblico, dizer que “o crescimento vem de Deus”, mas não assumir compromisso pessoal, programático e geográfico com o “plantio” e a “rega” do evangelho.

5.2.4 Colaborar com evangelização extralocal

O exemplo e instrução de Jesus, mencionados anteriormente, bem como os registros em Atos, abrem espaço para a colaboração com ações extralocais. Ajudar um ponto de pregação, congregação ou igreja de outra cidade, realizar uma viagem missionária,

183 O autor reconhece que precisa qualificar o uso de Salmos 126, que evoca o anelo pela restauração de Judá do cativeiro babilônico. A ideia primordial deste salmo é de emergência da perseverança em meio a intensa tribulação. Assim como o semeador sofre até colher seus “feixes”, Judá deve manter-se firme até o dia da “colheita”, ou seja, até sua restauração. Este princípio de persistir no trabalho árduo, mesmo sofrendo, é pertinente para a evangelização.

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sustentar um obreiro em um campo distante — tais iniciativas condizem com o cumprimento fiel do mandato evangelizador de Jesus.

Mais uma vez, observe-se a ordem. Evangelização extralocal acontece na igreja que pratica a evangelização local. Senão, o investimento à distância na primeira pode tornar-se analgésico para a dor de consciência de quem desconsidera a segunda. Investir em missionários que atuam em lugares distantes é bíblico e bom. No entanto, tal investimento deve ser sempre visto como um complemento ao testemunho pessoal, diário e local de cada indivíduo e família cristã.

5.2.5 Orar como igreja evangelista

É claro que todos os passos anteriores só podem e devem ser realizados após oração (o que foi dito na seção 5.1.1 se aplica à prática corporativa da evangelização). No entanto, temos de ser libertos da hipocrisia da oração evangelística sem coração e prática evangelística. A oração pela bênção evangelística deve ser proferida no encadeamento do choro, semeadura e rega.

5.3 UMA RÁPIDA NOTA SOBRE OS DESCRENTES Alguns autores se esforçam em compreender a mentalidade contemporânea, a fim de aprimorar o modo como abordamos as pessoas com o evangelho. Lee Strobel, um desses pesquisadores, fornece quinze observações sobre os descrentes:184

1. O descrente rejeitou a igreja, mas isso não quer dizer que todo descrente tenha também rejeitado a Deus.

2. O descrente pode estar moralmente à deriva, mas, no fundo do coração, deseja uma âncora.

3. O descrente opõe-se a regras, mas é sensível ao raciocínio. 4. O descrente não entende o Cristianismo, mas também não conhece exatamente

aquilo em que afirma acreditar. 5. O descrente tem perguntas autênticas sobre assuntos espirituais, mas não acha

que os cristãos respondam. 6. O descrente não pergunta: “O Cristianismo é verdadeiro?” No geral, ele

pergunta: “O Cristianismo funciona?” 7. Quem está longe de Deus não quer apenas conhecer algo. Quer ter a

experiência. 8. O descrente não quer ser o projeto de alguém. Ele gostaria, porém, de ser

amigo de alguém. 9. O descrente pode não confiar em autoridades, mas é receptivo à liderança

bíblica autêntica. 10. O descrente não segue denominações. É atraído a lugares onde possa satisfazer

os anelos de sua alma. 11. O descrente não quer fazer parte de uma organização. Mas está ansioso para

trabalhar em conjunto por um mesmo objetivo. 12. O descrente pode não demonstrar interesse espiritual na igreja, mas quer que

os seus filhos recebam treinamento moral de alta qualidade. 13. O descrente está confuso com os papéis sexuais. Ele não sabe que a Bíblia pode

lhe deixar bem claro o que significa ser homem ou mulher. 14. O descrente tem orgulho de ser tolerante com os diversos tipos de fé, mas acha

que os cristãos têm mentalidade estreita.

184 STROBEL, Lee. Como Alcançar Os Que Evitam Deus e a Igreja. São Paulo: Vida, 1997, p. 44-79.

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15. O descrente poderá ir a uma igreja se um amigo convidá-lo. Mas isso pode lhe trazer mais prejuízo do que bem. [...] Um dentre quatro descrente pode ir a uma igreja, mas o que encontrarão lá?

Podemos levar em conta tais considerações, pedindo a Deus direção e auxílio. Podemos também ir até estas pessoas e dizer-lhes que “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Resumindo, cada objeção dos descrentes pode ser respeitosamente recebida e amorosamente respondida, com santa expectativa do Espírito Santo nos usar como instrumentos efetivos de sua graça.

5.4 UMA RÁPIDA NOTA SOBRE O VALOR DA SIMPLICIDADE Atualmente evangelizar é confundido com realizar eventos impactantes. Proficiência em evangelização equivale ao domínio de métodos e técnicas. O bom evangelista é exímio em multimídia, artes visuais, música, teatro e dança, com uma pitada suficiente de conhecimento de textos-chave da Bíblia (aquelas passagens boas para o “apelo”). O gênio criativo assume o lugar do crente comum. Se a igreja quiser evangelizar, deve convidar um destes “obreiros-dramaturgos geniais”.

Diante deste quadro é bom relembrar o conceito de Lausanne. Para evangelizar basta um coração convertido e cheio do Espírito Santo, uma vida coerente com Cristo e uma boca disposta a dizer que Cristo morreu e ressuscitou por nossos pecados, e agora oferece nova vida aos que se arrependem e creem nele. Nada mais do que isso.

Na evangelização, simplicidade é melhor do que criatividade. Mais vale a simplicidade fiel do que a criatividade célebre. Aos cristãos vivos e simples Deus concede fruto doce e privilegiado.

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Considerações finais

É fácil mastigar conceitos e deixá-los de lado, em busca da próxima novidade bíblica ou teológica. Melhor do que isso, é ouvir a voz de Deus e obedecê-la. Daí a pertinência de Strobel:

Não se deixe esmagar pelo tamanho da tarefa. Jesus disse aos seus discípulos que pregassem o evangelho a todas as nações, mas que começassem lá onde estavam: Em Jerusalém.�Portanto, comece onde está. Pense em três pessoas sem religião que façam parte da sua vida. Não um conjunto de céticos, mas apenas três indivíduos dentro da sua esfera de influência. Pessoas por quem você possa orar. Pessoas com as quais possa desenvolver um relacionamento profundo. Pessoas com quem possa falar sobre a sua fé depois de algum tempo. Pessoas a quem você possa convidar para eventos orientados para elas. Faça delas o seu campo missionário.185

Como eu afirmei na introdução, sou introspectivo, mas isso não me isenta da evangelização. De fato, eu não posso deixar de anunciar o evangelho. Pelo contrário, repito as palavras de Paulo:

Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho! Se o faço de livre vontade, tenho galardão; mas, se constrangido, é, então, a responsabilidade de despenseiro que me está confiada (1Co 9.16-17).

Queira ou não, goste ou não, Deus me responsabiliza. Trata-se de uma incumbência, uma “obrigação”. Não pertenço a mim mesmo; não devo ser orientado por minha própria vontade. Não apenas como pastor, mas acima de tudo como cristão, eu preciso evangelizar.

Concluindo, nós não precisamos de uma nova revelação para sabermos se o Senhor deseja que evangelizemos. O que precisamos urgentemente é crer, orar e obedecer. Os frutos virão segundo a vontade de Deus.

185 STROBEL, op. cit., p. 214.

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Apêndice 1:�O perfil de um evangelista

Palestra para pastores e esposas, em encontro da Federação de Senhoras (SAFs) do Presbitério de Votuporanga. Igreja Presbiteriana de Ilha Solteira. 22 de agosto de 2015. 9h.

Deus soberanamente separa pessoas para o serviço evangelístico. Algumas o servem por anos como membros discretos da igreja, conduzindo outras a Cristo e ajudando-as em seus primeiros passos do discipulado. Outras aparecem mais, integrando-se como voluntárias em iniciativas, departamentos ou ministérios de evangelização. Há quem se dedique como evangelista reconhecido formalmente pela igreja, em tempo parcial ou integral e às vezes recebendo remuneração. E há os pastores ordenados, servindo ao Senhor em pontos de pregação, congregações e igrejas.

O evangelismo acontece, primeiramente, no púlpito. Nesses termos, Matthew Simpson descreve o pregador de modo sublime, em sua obra Lectures on Preaching:

Seu trono é o púlpito; ele representa a Cristo, sua mensagem é a palavra de Deus, em derredor dele há almas imortais; o Salvador, sem ser visto, está a seu lado; o Espírito Santo paira sobre a congregação; anjos contemplam a cena, e o céu e o inferno aguardam o resultado. Que associações e que vasta responsabilidade!186

E o evangelismo prossegue no oficialato. Os primeiros presbíteros da igreja foram os apóstolos. E eles todos foram evangelistas. Ademais, dentre os primeiros diáconos, tanto Estêvão quanto Filipe dedicaram-se ao evangelismo (At 6.5, 8—8.1; 8.4–8, 26–40; 21.8). Em 2013, visitando uma igreja presbiteriana na Coreia do Sul, ouvi uma palestra proferida por um presbítero. No fim da exposição, abriu-se um espaço para perguntas. Perguntaram àquele irmão quais eram as prioridades de um presbítero de uma igreja na Coreia do Sul. Ele respondeu sem pestanejar:

Primeiro vem a oração. Todos os presbíteros desenvolvem uma disciplina diária de oração e estão na igreja de segunda a sexta-feira às 5h30h.

Segundo vem a evangelização. O Conselho da igreja fica atento a cada abertura de novo bairro. Assim que uma nova área da cidade é aberta, é visitada e evangelizada pelos presbíteros da igreja.

Isso enquadra tanto presbíteros quanto diáconos, na sublime tarefa da evangelização.

Sem evangelização eu não falaria a vocês nesta manhã. Não haveria Igreja Presbiteriana do Brasil. Um jovem chamado Samuel nunca compartilharia sua fé comigo em 1979 e, pelo menos considerando minha linha de tempo regular, eu não seria cristão. Sem evangelização não haveria igreja. Nem pastorado. Nem o Presbitério de Votuporanga.

Deus ordena a evangelização porque nós precisamos dela. Fomos alcançados por ela e fomos chamados — todos nós — para ela. Não há desculpas. Não há exceções. Com todo respeito aos que pensam diferente, eu não creio que haja um dom de evangelismo, de tal

186 SIMPSON, Matthew. Lectures on Preaching. New York: Phillips & Hunt, 1879, p. 166, apud ROBINSON, Haddon W. Pregação Bíblica: O Desenvolvimento e a Entrega de Sermões Expositivos. São Paulo: Shedd Publicações, 2002, p. 16.

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forma que somente alguns foram chamados para a tarefa de evangelização. Todos precisamos nos envolver na evangelização. Simples assim.

Mas, se temos de evangelizar, o que Deus nos concede e, ao mesmo tempo, requer de nós, para que evangelizemos?

A1 OS PROBLEMAS DE ALGUNS PERFIS CONTEMPORÂNEOS DE “EVANGELISTA” A tendência da igreja contemporânea é criar ferramentas que auxiliem a traçar um perfil objetivo do evangelista. Igrejas que abraçam a ideia de um “dom de evangelismo” propõem o preenchimento de “testes de dons”. Outras, mesmo descartando a proposição de um “dom de evangelismo”, adaptam ferramentas da Administração, Ciências Sociais e Psicologia, e as usam para contratar, avaliar e demitir obreiros.

Gradualmente, vemos surgir uma caricatura do evangelista, assumida cada vez mais como se fosse o retrato verdadeiro. O que se verifica é a popularização de ideias descoladas tanto da Bíblia quanto da prática cristã. Eu tenho lido alguns destes testes, produzidos por pesquisadores e igrejas sérias, e que insistem em sugerir que um evangelista, especialmente um “plantador de igrejas” (um termo novo, que não se encontra no NT), deve possuir duas características, quais sejam:

• Deve ser extrovertido; alguém que gosta de estar no meio de gente, e que se conecta facilmente a pessoas desconhecidas.

• Deve ser agregador; alguém que “atrai” e “influencia” pessoas rápida e naturalmente.

Considero estas características boas e úteis, reconhecendo que realmente facilitam a ligação com os não-cristãos. A complicação surge quando o NT menciona Timóteo como oficial evangelista, um jovem introvertido, às vezes vacilante e nem sempre agregador (1Tm 4.11–16; 2Tm 1.6–8; cf. At 16.1–3).

Outra distorção é a falácia do evangelista show-man, supercriativo e brincalhão. Dizem que um evangelista ou “plantador” deve ser criativo e especialmente aberto a métodos de ajuntamento de público por meio das artes, jogos e atividades visíveis de prestação de serviços comunitários. Mais uma vez, entendo que tais coisas têm seu lugar e aplicação, mas ainda não são, biblicamente falando, evangelização.

A dificuldade adicional é que, historicamente, este paradigma — comunicar o evangelho por meio das artes plásticas, música e teatro — foi predominante na Idade Média até a Reforma Protestante do 16º século. A arquitetura das igrejas católicas, com seus vitrais adornados com as estações da paixão de Cristo e outros temas bíblicos e sua acústica privilegiada, bem como as dramatizações do evangelho em praças públicas, sublinhavam a ideia de apresentar o Cristianismo de modo artístico, imagético e, portanto, atrativo. Uma das razões para isso era a constatação de que o público daquele tempo, iletrado e inculto, não conseguiria compreender uma exposição falada das Sagradas Escrituras.

É sintomático que este tipo de proposta — evangelização como ação de ajuntamento por meio de atividades atrativas — retornou aos arraiais protestantes a partir do 19º século, com os métodos pragmáticos de evangelismo de Charles Finney.187 Notemos a trapalhada aqui: Nós confundimos o que Deus deixou claro. Biblicamente, evangelização é “falar” sobre a pessoa e obra de Jesus Cristo; daí o dito de Paulo, “a fé vem pelo ouvir”

187 Para conhecer mais sobre os prejuízos da influência da Finney ao protestantismo reformado, cf. NASCIMENTO, Misael Batista. Discipulado Vivo e Simples. São José do Rio Preto: Edição do autor, 2015.

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(Rm 10.17). E não se trata de “ouvir” uma “música”, por mais que esta seja doutrinariamente correta, bela e edificante (e mesmo que algumas pessoas nos digam que “vieram a Cristo” por meio de um hino ou canção). Por mais impopular que pareça, para os cristãos reformados, a fé salvadora não vem nem mesmo por meio de um “filme” sobre Jesus. Isso é assim porque o meio estabelecido por Deus para a salvação do pecador é a “loucura da pregação” (1Co 1.21). Contrariando tudo isso, a proposição imagético-artístico-social contemporânea sugere que iniciativas artísticas, esportivas ou sociais são evangelização. Elas podem ser realizadas em contextos e ocasiões pertinentes, mas nunca devem ser confundidas com a evangelização em si. Evangelização, nos termos da Escritura, envolve sempre a exposição falada da Bíblia.

E isso nos leva a um último ponto desta seção, considerando o paradigma evangelístico predominante, talvez o mais controvertido e difícil de aceitar. Nos termos das Escrituras, um evangelista é sempre um mensageiro enviado por Deus. E os exemplos da Bíblia provam que Deus sempre comissiona profetas e não comediantes. O autor deste estudo reconhece que se expõe a tomatadas aqui e escreve com elevado respeito aos que pensam diferente, disposto a mudar de opinião se alguém mostrar-lhe, no AT ou NT, um exemplo de evangelista que cumpriu sua missão utilizando técnicas de entretenimento ou sendo engraçado. Pelo contrário, parece que, biblicamente, Deus transmite vida aos corações por meio de mensageiros santos e que infundem respeito.

Isso precisa ser muito bem-entendido. Especialmente pensando-se na comunicação do evangelho a crianças, ou em comunidades desprovidas de uma igreja consolidada, a evangelização pode ser precedida ou seguida de iniciativas tanto criativas quanto divertidas. Os missionários estrangeiros que serviram no Brasil exemplificam isso. Eles usaram flanelógrafos, música e atividades envolventes, como escolas bíblicas de férias e acampamentos. Tudo isso para atrair, comunicar e integrar. Apesar disso, aqueles obreiros demonstravam, em sua conduta pessoal e pastoreio, e com o máximo de simplicidade e simpatia, que eles tinham consciência de estar realizando um trabalho muito sério. Quando um deles nos chamava para orar ou conversar sobre o nosso estado espiritual, sabíamos que não se tratava de brincadeira.

A2 QUALIFICAÇÕES DE UM GANHADOR DE ALMAS Descartando o modismo vigente, quais são as verdadeiras qualificações de um ganhador de almas?

As respostas já foram dadas no século 19, em dois capítulos de um livro de Spurgeon, O Conquistador de Almas,188 que inicia assim:

Ganhar almas é a principal ocupação do ministro cristão. Na verdade, deveria ser a principal atividade de todo crente verdadeiro.189

Spurgeon lista 15 (ou catorze) qualificações de um ganhador de almas, em relação a Deus e em relação aos homens.

A2.1 Qualificações em relação a Deus

Antes de sequer abrir a boca para falar do evangelho a outros, é necessário que nos apresentemos a Deus, como segue:

188 Cf. SPURGEON, Charles. H. O Conquistador de Almas. 2.ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 30-61. 189 SPURGEON, op. cit., p. 7. Grifo nosso.

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1. Caráter santo.190 “Deus não trabalha com instrumentos que viriam a comprometer o seu caráter”.191 E ainda:

Na escola de Deus, os professores têm que ser mestres da arte da santidade. […] Um ministério que não fosse santo seria motivo de zombaria para o mundo, e uma desonra para Deus. […] Vocês podem pregar excelentes sermões, mas se não forem santos em vossas vidas, nenhuma alma será salva”.192

2. Alto grau de espiritualidade.193

Vocês sabem, irmãos, que o nosso labor, sob a graça de Deus, consiste em comunicar vida a outros. […] A vida tem que ser transmitida por um instrumento vivo, e o homem ao qual compete transmitir a vida deve possuí-la em abundância. […] Deus não usará instrumentos mortos para produzir milagres vivos; ele requer homens vivos, e plenamente vivos”.194

3. Humildade.195 “Deus detesta o orgulho, e sempre que vê gente altiva e poderosa, passa de largo; mas toda vez que encontra o humilde de coração, deleita-se em exaltá-lo”.196 E ainda: “Ser humilde não é considerar-se indigno. […] A verdadeira humildade vos levará a pensar acertadamente sobre vocês mesmos, a pensar a verdade acerca de vocês mesmos”.197 Por fim, “se não temos sucesso, a humildade nos leva a culpar nossa estultícia e nossa fraqueza, e não a soberania de Deus. […] A humildade é um dos principais requisitos para que a pessoa seja utilizável”.198

4. Uma fé viva.199

Se vocês não crerem, tampouco serão usados por Deus. “Seja feito segundo a vossa fé”. Esta é uma das inalteráveis leis do seu reino. […] Irmãos, devem ter fé quanto à vossa vocação para o ministério; devem crer sem vacilar que vocês são aceitos de Deus para serem ministros do evangelho de Cristo. […] Seria melhor que não começassem a pregar enquanto não estivessem completamente seguros de que Deus vos chamou para essa obra.200

5. A confiança de que a mensagem que nos cabe transmitir é a Palavra de Deus.201

Creiam mesmo naquilo que creem, ou do contrário jamais vão persuadir outros a crerem nisso. […] Deus utiliza a fé de seus ministros para produzir fé em outras pessoas. Estejam certos de que o pregador que duvida não leva ninguém à salvação; e de que pregar suas dúvidas e suas indagações nunca pode fazer com que uma alma se decida por Cristo.202

E ainda:

Devem crer também que essa mensagem tem o poder para salvar pessoas. Decerto já ouviram a respeito de um dos nossos primeiros estudantes que me procurou e disse: “Faz meses que prego, e não creio ter conseguido uma conversão sequer”. Disse-lhe eu: “E você espera que o Senhor irá abençoá-lo e salvar almas todas as vezes que você abrir a boca?” “Não Senhor”, respondeu ele. “Muito

190 Ibid., p. 31-33. 191 Ibid., p. 31. 192 Ibid., p. 32. Grifos nossos. 193 Ibid., p. 34-35. 194 Ibid., p. 34. Grifos nossos. 195 Ibid., p. 35-38. 196 Ibid., p. 35. 197 Ibid., p. 36, 37. 198 Ibid., p. 37. 199 Ibid., p. 39-40. 200 Ibid., p. 39. Grifos nossos. 201 Ibid., p. 40-42. 202 Ibid., p. 40.

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bem, pois”, disse eu, “aí está por que você não vê conversões. Se tivesse crido, o Senhor o teria abençoado”.203

6. Ardor constante.204 Spurgeon menciona aqueles “que pregam de maneira tão sem vida, que dificilmente alguém se impressiona com o que dizem”.205 Ele fala de...

Sermões […] polidos, brilhantes e frios; [que] fazem pensar que poderiam ter alguma relação com os habitantes das estrelas, mas não têm nenhuma ligação com ninguém neste mundo. […] Tenho a certeza de que não têm poder para matar uma barata ou uma aranha; quanto mais dar vida a uma alma morta.206

E para piorar:

Há alguns ministros que vivem esgotados de não fazer nada. No domingo pregam dois sermões, ou algo parecido, e dizem que esse esforço quase acaba com eles. Fazem umas ligeiras visitas pastorais, que consistem em tomar uma [xícara] de chá e em conversa fiada. Mas não há neles nenhuma ansiosa paixão pelas almas, nenhum “Ai!” em seus corações e em seus lábios, nenhuma consagração completa e nenhum zelo no serviço de Deus. Não será de estranhar, pois se Deus os varrer do caminho, se os arrancar com as ervas daninhas.207

7. Singeleza de coração. 208 Singeleza de coração é oposto de sofisticação desnecessária.

Certamente conhecem homens demasiadamente sábios para serem apenas simples crentes. Têm tantos conhecimentos que não creem em nada que seja fácil e simples. […] Não há leite recém-tirado que os satisfaça, pois são ultrarrefinados para tomar dessa bebida. Tudo que tomam tem que ser incomparável. Ora, Deus não abençoa estes finos almofadinhas celestiais, estes aristocratas espirituais.209

E prossegue:

Por singeleza de coração quero dizer que, evidentemente, o homem se dedica ao ministério para a glória de Deus e para conquistar almas, e não para outra coisa. […] Quando estranhos vão ouvir certos pregadores, tudo que lembram depois é que foram excelentes atores; mas eis aqui um tipo muito diferente de homem. Os que ouvem a sua mensagem nem pensam na aparência dele, ou em como ele falou, mas sim nas solenes verdades proclamadas por ele.210

Por fim, o evangelista “deve procurar agradar a Deus com verdadeira singeleza de coração, agrade ou não aos homens e mulheres”.211

8. Completa submissão a Deus.212 Spurgeon aborda nossa submissão a Deus quanto ao pensar e falar...

No sentido de que, de agora em diante, vocês queiram pensar, não os vossos próprios pensamentos, mas os de Deus, estejam resolvidos a pregar, não algo que inventem, mas a Palavra de Deus; e mais, se decidam a anunciar a verdade, não a vosso modo, mas à maneira de Deus. […] Não pretendam escrever nada [em seus sermões] que não esteja inteiramente de acordo com a mente de Deus.

203 Ibid., p. 41. Grifos nossos. 204 Ibid., p. 42-44. 205 Ibid., p. 42. 206 Ibid., loc. cit. Grifos nossos. 207 Ibid., p. 44. Grifos nossos. 208 Ibid., p. 44-46. 209 Ibid., p. 44. Grifos nossos. 210 Ibid., p. 45. Grifos nossos. 211 Ibid., p. 46. 212 Ibid., p. 46-49.

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Quando encontrarem uma palavra pomposa, perguntem-se se poderá ser uma bênção para os ouvintes; se acharem que não, deixem-na de lado.213

E continua:

Se quiserem abandonar-se inteiramente às mãos de Deus, é provável que sejam levados a fazer algumas afirmações simples, alguma observação vulgar, algo com que todos na congregação estão familiarizados. Caso se sintam movidos a colocar essas coisas nos sermão, façam-no, ainda que tenham de renunciar às expressões grandiosas, à poesia e às joias literárias, pois pode ser que o Senhor faça daquela simples exposição do evangelho uma bênção para algum pobre pecador que esteja em busca do Salvador.214

Tal submissão implica em pregar o sermão do tamanho certo:

Assim fala o Senhor a respeito de alguns sermões: “Não posso fazer nada de bom com eles; são grandes demais”. Vejam lá aquele sermão de catorze divisões; cortem sete, e talvez o Senhor o abençoe.215

Ademais, a submissão a Deus nos faz pregar sem medo: “Ora, irmãos, disponham-se a dizer tudo quanto vos diga o Senhor, sem ligar para quaisquer consequências, sem dar a mínima atenção àquilo que pensem os extremistas de cá ou de lá, e quem mais for”.216 Por fim, submissão relaciona-se com sensibilidade e sujeição da alma:

[Tomara] vocês sejam tão movíveis sob o poder de Deus como a cortiça na superfície do mar! Estou certo de que esta submissão pessoal é uma das principais qualidades do pregador que deva ser um conquistador de almas para Cristo. Há algo que é preciso dizer, se querem ser o meio de salvação para o homem que está naquele canto. Ai de vocês se não estão dispostos a dizê-lo! Ai de vocês se estão com medo ou com vergonha de dizê-lo. Ai de vocês se não se atrevem a dizê-lo porque alguém do auditório pode achar que estão sendo fervorosos demais, entusiastas demais, zelosos demais.217

Queremos ser úteis na evangelização? Eis as oito qualificações que, como ganhadores de almas, devemos apresentar a Deus. É aqui que começamos.

A2.2 Qualificações em relação aos homens

E uma vez apresentados a Deus, temos de nos apresentar aos homens. Daí outra lista, agora com sete itens.

1. Sinceridade evidente. 218 Aqui Spurgeon menciona a teatralidade de alguns pregadores. As pessoas notam quando não somos sinceros, ou quando realizamos nosso trabalho como “mera formalidade ou rotina”.219 Ele critica quem “desempenha um papel, apenas, como numa peça de teatro. Não fala do fundo da alma, como um enviado de Deus”.220

2. Fervor evidente.221 É uma aplicação do primeiro grande mandamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” (Mt 22.37). Spurgeon explica: “Se um homem há de ser conquistador de

213 Ibid., p. 46. 214 Ibid., p. 47. Grifo do autor. 215 Ibid., p. 48. 216 Ibid., loc. cit. Grifo nosso. 217 Ibid., p. 49. Grifos nossos. 218 Ibid., p. 50–52. 219 Ibid., p. 51. Grifos nossos. 220 Ibid., p. 52. 221 Ibid., p. 52–54.

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almas, deve existir nele intensidade emocional bem como sinceridade de coração”.222 E prossegue:

Tenho visto e ouvido alguns que eram fracos na pregação e que, entretanto, levaram muitas almas ao Salvador pelo fervor com que entregavam suas mensagens. […] Não era tanto o que os pregadores diziam, mas como diziam, que transmitia convicção aos corações dos ouvintes.223

Então conclui:

Portanto, irmãos, não é a grandiosidade das vossas palavras, mas o poder com que as proclamam que decidirá do resultado da pregação. […] Não faz mal que os homens digam que vocês são demasiados entusiastas, ou mesmo fanáticos. Disparem-lhes balas vermelhas de calor. Não há nada que se compare a esse recurso para o fim que têm em vista. Aos domingos não saímos para atirar bolas de neve, mas sim balas de fogo; devemos lançar granadas nas fileiras inimigas.224

3. Amor pelas pessoas evidente.225 “É preciso que tenham real interesse pelo bem-estar das pessoas”.226 E ainda: “Os homens vencem no ministério e conquistam almas para Cristo em proporção à grandeza do seu coração”.227

4. Desprendimento evidente, ou seja, servir sem desejar obter ganho financeiro pessoal.228

5. Santidade de caráter evidente. 229 Agora, uma manifestação daquilo que, secretamente, apresentamos a Deus (1ª qualificação da seção anterior).

De nada vale falar nos domingos da ‘vida superior’, e depois viver o resto da semana a vida inferior. […] Quando o povo vê que não somente pregamos sobre a santidade, mas que nós mesmos somos santos, sentir-se-á atraído para as coisas santas, tanto por nosso caráter como por nossa pregação.230

6. Seriedade nas maneiras.231 Spurgeon não elogia a seriedade excessiva: “Caros irmãos, se algum de vocês é muito sério, nem sempre deverá atribuí-lo à graça divina, pois bem pode ser devido às condições do seu fígado”.232 No entanto, ele chama nossa atenção para o perigo da brincadeira exagerada:

Todos necessitamos todo o bom humor que pudermos ter, se queremos consolar e reanimar os abatidos. Mas não levaremos muitas almas a Cristo, se estivermos cheios daquela frivolidade de certas pessoas. O povo dirá: “É tudo uma graça. Vejam só como esses jovens brincam com a religião. Uma coisa é ouvi-los do púlpito; outra muito diferente é ouvi-los quando estão à mesa para comer”.233

E conclui: “Em toda a nossa vida deve predominar a seriedade. Doutro modo, não nos cabe esperar conduzir outros a Cristo”.234

7. Muitíssima ternura. 235 Ao mesmo tempo em que fala de Jesus com “santa ousadia”, o evangelista não deve ser “duro e insolente”.236 E ainda: “Quando pregarem, 222 Ibid., p. 52. Grifos nossos. 223 Ibid., p. 53. Grifo do autor. 224 Ibid., p. 53. Grifos nossos. 225 Ibid., p. 54-56. 226 Ibid., p. 54. 227 Ibid., p. 55. 228 Ibid., p. 56-57. 229 Ibid., p. 57. 230 Ibid., loc. cit. 231 Ibid., p. 57-59. 232 Ibid., p. 58. 233 Ibid., loc. cit. 234 Ibid., p. 59.

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falem com coragem, também com ternura. E se for preciso dizer algo desagradável, tenham o cuidado de colocá-lo da maneira mais amável possível”.237

Spurgeon menciona o tipo de obreiro que não consegue atrair ou ajuntar pessoas, não porque seja comprometido com a verdade, mas pelo seu trato indelicado com pessoas e situações: “Acha que foi chamado para a obra de separar o precioso do vil, e a confusão que apronta é sempre ‘preciosamente’ vil”.238 O comportamento e modo de expressão terna sinalizam um coração pacificado:

Se têm malícia, ou má vontade, ou mau gênio, supliquem ao Senhor que o estirpe do vosso coração […]. Não entrem nas igrejas para brigar, como outros têm feito. […] Tenham o cuidado de sempre falar a verdade com amor, principalmente quando estiverem atacando o pecado.239

Atentando para estas quinze (ou catorze) qualificações em relação a Deus e aos homens, tornamo-nos mais úteis e produtivos como evangelistas. Desprezando-as, abrimos espaço para o pecado, com consequente desagrado de Deus, e para a diminuição ou extinção do fruto evangelístico.

A3 ANOTAÇÕES FINAIS SOBRE O PERFIL DE EVANGELISTA Comentando esse texto com um presbítero de minha igreja, ele perguntou-me: — Pastor, considerando estes critérios, quem seria aprovado? Colocando de outro modo, na igreja contemporânea, quem está apto a produzir bons frutos de evangelização?

Parece-me que minha pergunta pode estreitar-se mais. O foco pode ser ajustado sobre nós, líderes, presbíteros, pastores, esposas de oficiais. Diante destas quinze (ou catorze) qualificações, como nós nos enxergamos?

Há 156 anos, um jovem e sua esposa se dispuseram para ser evangelistas em um país exótico. Assim nasceu a Igreja Presbiteriana do Brasil.

Os lares — as famílias dos pastores e oficiais da IPB — devem ser os celeiros missionários de nossa denominação. Mas nem sempre as coisas vão bem na casa do presbítero. Nem na casa do pastor. De fato, há uma possibilidade muito plausível dos lares dos oficiais e pastores serem espaços para exercício de política eclesiástica, ou fofoca maldosa, ou depreciação da igreja. É possível que haja abatimento e feridas abertas. E talvez nossos próprios filhos estejam afastando-se, ou já bem longe dos caminhos de Deus. Talvez, em nossa casa, reine o desânimo. Precisamos clamar a Deus, hoje mesmo, por cura e revitalização evangelística de nossas famílias. Nossos lares são “testemunhas destas coisas” (Lc 24.48) e “eu e a minha casa serviremos ao SENHOR” (Js 24.15).

Os pastores são, às vezes, desviados de sua meta. São soterrados por administração e enredados por trapalhadas de crentes imaturos. E lidam com o maior obstáculo — eles mesmos, suas almas às vezes murchas, presas a pecados resilientes, medo e incredulidade, quais mulas mancas em uma pista de corrida. Esvai-se a vida. Incha o ego. A fé se enfraquece. Vai embora a autoridade. Apaga-se o ardor. Complica-se o coração. Não é mais ouvida a voz de Deus que traz coragem e convicção. Demora-se a dormir, ou acorda-se na madrugada, ofegante, sem saber o que fazer, o que dizer e para onde ir. Deixa-se de ser sinceros. Fraqueja-se na pregação. Diminui o amor e o pastor sente-se sugado, exaurido e explorado. Ele vive a vida inferior, tendo de pregar a superior. Perde 235 Ibid., p. 59-62. 236 Ibid., loc. cit. 237 Ibid., p. 60. Grifo nosso. 238 Ibid., p. 61. 239 Ibid., p. 62. Grifo nosso.

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tanto a seriedade quanto a ternura. Remói mágoa, rancor e raiva. Torna-se cínico, incrédulo e improdutivo.

A palavra de Paulo a Timóteo é um chamado a recomeçar a fazer o que é certo. Isso pode ser feito quando olhamos para nosso Redentor Jesus Cristo, nos termos de uma música antiga.

Olhando para Cristo, grande autor da salvação,�Prossigo, pois avisto soberano galardão.�De Deus ministro, me revisto do poder do meu Senhor Para servi-lo com todo ardor! Hino 579 (Cantor Cristão).

Realmente os tempos são maus, mas o Espírito Santo de Deus é poderoso para nos fazer sóbrios em todas as coisas, para nos ajudar a suportar as aflições e a fazer o trabalho de um evangelista (2Tm 4.5). O Deus que começou boa obra em nós a completará até o dia de Cristo Jesus. Ele nos ajudará a cumprir “cabalmente” o nosso ministério (Fp 1.6; de novo, 2Tm 4.5). Vamos orar.

A4 UM QUESTIONÁRIO ÚTIL E LIMITADO Na seção 3.4.4 esclarecemos que não assumimos, com base em Efésios 4.11, que a Escritura mencione um ofício contemporâneo ou dom de evangelismo (ou evangelista). Argumentamos também que não há base bíblica para afirmar que “dez por cento” dos membros de cada igreja local recebem o dom de evangelismo, tal como sugere Wagner, apoiado por Schwarz. Mesmo assim, admitimos que Deus concede “a alguns personalidade, disposição de alma e capacidades facilitadoras da evangelização”.

Na Igreja Presbiteriana do Brasil, denominação do autor deste estudo, cristãos são chamados a servir a Deus como evangelistas, sem assumir o ofício presbiterial docente (de pastor ordenado por um presbitério). Homens e mulheres com tal chamado são treinados em Institutos Bíblicos e encaminhados para servir sob uma supervisão pastoral, em pontos de pregação, congregações e igrejas. Ademais, nas igrejas locais, Deus destaca pessoas para produzir fruto evangelístico diferenciado. Reconhecer isso não equivale a diminuir a responsabilidade evangelística de toda a igreja, nem assumir a grade doutrinária-estatística de Wagner ou Schwarz. Simplesmente, reafirma-se a “diversidade” e “sabedoria de Deus”, distribuída e revelada na igreja, que é seu corpo (1Co 12.12-26).

Este curso provê um questionário para verificação de perfil evangelístico, com perguntas sobre suas preferências, hábitos, sentimentos (impressões) e constatações de fatos. Você pode responder e, se desejar, compartilhar com um avaliador (amigo, cônjuge ou irmão na fé).

Entendamos que este teste não é infalível e jamais substitui a direção do Espírito Santo. Sempre que tentamos sistematizar uma lista objetiva de características dos possuidores de determinado chamado divino, esbarramos com a complexidade do ser humano e com o mistério do decreto de Deus. Isso significa que não tencionamos forçar as pessoas a encaixarem-se em moldes previamente estabelecidos. O objetivo do questionário é duplo. Primeiramente estimular a reflexão e, em segundo lugar, motivar as pessoas ao trabalho evangelístico, uma vez que a comprovação do resultado do perfil ocorre, de fato, no serviço prático.

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