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EVASO ESCOLAR E DESINTERESSE DOS ALUNOS NAS AULAS DE EDUCAO FSICAAlvaro Rego Millen Neto Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, Brasil Ronaldo Pimenta da Cruz Centro Universitrio de Barra Mansa, Barra Mansa, Rio de Janeiro, Brasil Simone da Silva Salgado Colgio Pedro II, Rio de Janeiro, Brasil Renata Ferreira Chrispino Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, Brasil Antonio Jorge Gonalves Soares Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil Resumo O artigo aborda a evaso escolar e o desinteresse dos alunos nas aulas de Educao Fsica. Apontase para algumas das propostas de combate evaso escolar no Bra sil, como a proposta de escolarizao por ciclos e o programa Bolsa Escola, e as metas que tais investiduras conseguiram atingir. Em relao ao desinteresse, pode mos pensar a problemtica a partir de percepes que envolvem: a) questes soci ais e econmicas que incidem sobre o processo de escolarizao, tais como a necessidade de trabalhar para suprir as carncias familiares e b) questes de den tro da escola, como a organizao e estrutura da escola ou, mais especificamente, a relao dos contedos de ensino selecionados para compor o currculo da Educa o Fsica com as experincias prvias dos alunos. Palavraschave: Evaso Escolar Desinteresse Escolar Educao Fsica

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Introduo

educao como um processo de humanizao ocorre ao longo da vida em diferentes contextos de socializao, como a casa, a rua, o trabalho, a igreja, a escola, entre outros espaos e tempos (DAMBROSIO, 2004). um continuum ligado aquisio e arti culao de conhecimentos de origem popular e cientfica, na medida em que (re)organiza, (re)incorpora e (re)cria tais saberes. Para que possamos pensar em um processo educacional sistematizado na esco larizao, fundamental levar em considerao os aspectos que fazem parte da cultura dos educandos.Pensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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Os saberes populares so aqueles construdos com base nas experi ncias e nas necessidades das pessoas. Eles possuem carter significa tivo, pois expressam os conhecimentos e os valores culturais de determinados grupos: os significados e contedos existentes so oriundos exclusivamente dos sujeitos em seus cotidianos. Por isso, so criados e recriados permanentemente. Os saberes cientficos so os contedos acumulados em carter formal, articulados e adquiridos por meio de instituies geradoras como as universidades e os centros de pesquisa, por exemplo , e cujas transmisso e seleo esto a car go da escola, nosso foco de ateno. A escola que conhecemos traba lha com o que chamamos de conhecimentos sistematizados na forma de disciplinas e responsvel pela escolarizao dos corpos, habilitan doos ao exerccio social e profissional. Porm esse apenas um as pecto do processo, pois os sujeitos no so uma tbula rasa: so oriundos de contextos determinados e suas empirias estabelecem di logo permanente com os contedos formais. Esse argumento um dispositivo para pensarmos como a educao fsica, inserida no processo de escolarizao, constitui um componente curricular que assimila (res)significaes acerca da cultura de movi mento humano. Nesse sentido que consideramos os aspectos da cul tura dos jovens educandos como elementos que fundamentam o seu relacionamento com a escola no geral e que, em particular, preconi zam condutas e aspiraes para com a disciplina Educao Fsica as pectos esses que tm relao com o objeto do presente artigo: a evaso escolar e o desinteresse dos alunos nas aulas de Educao Fsica. Em relao influncia cultural na identificao e na permanncia dos alunos nas aulas de Educao Fsica, Bidutte (2001) considera que as influncias da personalidade de cada indivduo, suas experincias individuais e o ambiente social da escola so fatores determinantes na motivao para as aulas de Educao Fsica. Sendo assim, a anlise dos signos e prticas da educao fsica nos tempos e espaos da esco la pode contribuir para a compreenso da juventude como categoria sciohistrica e cultural. Nesse sentido, precpua a compreenso de que a insero do jovem no contexto escolar promove a constituio do sujeito jovem escolar, permitindo o reconhecimento de sua con dio de jovem na constituio do cdigo disciplinar da educao fsica (DEBORTOLI LINHARES VAGO, 2004). Amparado por tais assertivas, o presente texto tem o objetivo de estabelecer um dilogo que permita o aprofundamento dos temas refePensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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rentes evaso escolar e ao desinteresse dos alunos no tempo e espa o da educao fsica na escola notadamente no que tange ao pero do de escolarizao que envolve a passagem do ensino fundamental para o ensino mdio. Para tal, realizamos uma reviso da literatura acompanhada de novas reflexes sobre os dados apresentados pelas pesquisas que ampararam este estudo, com a inteno de colaborar no debate e suprir algumas carncias argumentativas. A evaso escolar A evaso escolar um tema que historicamente faz parte dos deba tes e reflexes no mbito da educao pblica brasileira e que ocupa espao de relevncia no cenrio das polticas pblicas e da educao em particular. As discusses acerca da evaso escolar tm tomado co mo ponto central de discusso a interseo entre os papis da famlia e da escola em relao vida escolar da criana (QUEIROZ, 2006). A legislao vigente, que estabelece diretrizes para a educao no Brasil, determina a responsabilidade da famlia e do Estado no dever de orientar a criana em seu percurso socioeducacional. A Lei de Di retrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN), de 1996, bastante clara a esse respeito. Em seu art. 2, fica expresso que: A educao, dever da famlia e do Estado, inspirada nos princ pios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho. A despeito disso, o que se observa que a escolarizao neste pas cresceu em termos quantitativos, mas ainda no tem sido plena no que se refere ao alcance de todos os cidados. E essa disparidade ainda maior no que se refere concluso de todos os nveis de escolaridade. Ou seja, a evaso escolar continua limitando o acesso de nossos jo vens cidadania plena e, como consequncia, mantmse na pauta das discusses e reflexes realizadas pelo Estado e pela sociedade civil, especificamente pelas organizaes e movimentos relacionados edu cao no mbito da pesquisa cientfica e das polticas pblicas (FREI TAG, 2003). Essa autora destaca o fato de que vrios estudos tm ressaltado os aspectos sociais considerados fatores determinantes da evaso escolar, dentre eles: a desestruturao familiar, as polticas dePensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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governo, o desemprego, a desnutrio e a prpria organizao da esco la. Em seu livro, Freitag aborda a viso da escola, dos professores, dos pais/responsveis e dos alunos em relao ao assunto. Na tica da escola, de forma geral, a evaso escolar consequncia da desestruturao familiar, de problemas familiares como a pobre za, a necessidade dos filhos trabalharem para ajudar a famlia e a au sncia dos pais no acompanhamento dos estudos dos filhos, alm das drogas e do desemprego. Em sntese, os fatores responsveis pela eva so escolar encontrarseiam fora da escola. H, portanto, certa isen o de responsabilidade, creditandose aos aspectos externos escola toda a responsabilidade pela evaso dos alunos. Para os professores, as razes da evaso escolar dos alunos podem estar enraizadas na famlia, no aluno e na escola. No que se refere famlia, destacase a sua no participao na vida escolar do aluno. Na tica dos professores, a famlia uma instituio carregada de proble mas afetivos e financeiros, e se a mesma fosse mais presente, partici pativa e demonstrasse interesse pelo saber do aluno seria possvel minimizar a evaso escolar. Na viso dos pais/responsveis, os fatores determinantes da evaso escolar dos filhos devemse s ms companhias e violncia no in terior da escola. Quando se referem s ms companhias, os pais/res ponsveis em geral afirmam que as amizades dos filhos so consequncia da necessidade de se ausentarem de casa durante todo o dia para trabalhar e, em virtude disso, no terem tempo para acompa nhar seus filhos, no somente no que diz respeito s atividades escola res, mas tambm, no que diz respeito s amizades. O discurso indica que o problema est nos filhos dos outros. Na percepo dos alunos, a evaso escolar no est dissociada da vida social. Situaes vivenciadas na famlia podem influenciar, direta ou indiretamente, suas atitudes e decises em relao continuidade ou no dos estudos. Dentre essas situaes, os alunos mencionam o desemprego dos pais, e a consequente necessidade de trabalhar para ajudar a famlia os problemas familiares, que desmotivam os alunos a continuarem frequentando as aulas e o prprio desinteresse pelo estu do. Tambm foram mencionados fatores internos escola, como as brigas, a baguna e o desrespeito (FREITAG, 2003). Assim, sob a percepo de seus diferentes atores, os dados coleta dos por Freitag (2003) revelam uma realidade bastante preocupante que atinge a escola e sua relao com a sociedade. Diante disso, inPensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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meras medidas governamentais foram tomadas, em diferentes planos, a fim de tentar erradicar a evaso escolar. Como exemplo, podemos citar as propostas de organizao escolar em ciclos e a criao do pro grama Bolsa Famlia. A organizao escolar em ciclos uma proposta de poltica curri cular consideravelmente disseminada no Brasil1, notadamente a partir do final da dcada de 1980. Tratase de uma ruptura com o modelo tradicional de escolarizao seriada, que tem na estandardizao das fases de ensino e aprendizagem a cada ano uma srie sua principal caracterstica. A proposta de ciclos subentende a ampliao do tempo de durao e a flexibilizao dos nveis de escolarizao. Em sntese, a mudana permitiria uma diminuio das reprovaes e, por conse guinte, da evaso escolar. Alm de e por causa de se tornarem interessantes como opo para as polticas pblicas, essas propostas tambm ganharam espao no meio acadmico. H uma significativa e crescente produo sobre a organizao escolar em ciclos no campo das pesquisas educacionais no Brasil. Entre 2000 e 2006, foram defendidas 123 teses e disserta es sobre escolaridade em ciclos, distribudas em 45 programas de psgraduao de diferentes reas (educao, administrao, cincias do movimento humano, letras, psicologia, semitica e lingustica apli cada). Essa produo abordou a temtica a partir de diferentes vieses que podem ser agrupados nas seguintes temticas: implementao de polticas de ciclos avaliao da aprendizagem dos alunos processos de ensinoaprendizagem na escola em ciclos (sala de aula) opinio de professores, pais e alunos ciclos, organizao do trabalho pedaggico e questes curriculares concepo e formao de polticas de ciclos a poltica de ciclos e seus fundamentos (psicolgicos, filosficos, hist ricos e sociolgicos) ciclos e formao continuada de professores anlise do desempenho dos alunos e ciclos: impacto sobre o trabalho docente (MAINARDES, 2009). Ao abordar a subtemtica os ciclos e o tensionamento da seria o, temtica que nos interessa em especial para pensarmos os pro blemas da evaso escolar, Alavarse (2009) traz alguns apontamentos interessantes. Para esse autor, a ideia dos ciclos rompe com o condici onamento, caracterstico da educao seriada, de um transcurso de es1De acordo com Miranda (2009), a organizao escolar em ciclos tambm foi uti lizada em outros pases, como Espanha, Frana, Blgica, Canad e Sua.Pensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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colarizao crivado por ameaas de reprovao. A noo utilitarista dos processos avaliativos, para os quais a aprovao uma premiao eivada de promessas de ascenso social, seria substituda por um pro cesso fluido e continuado. Sustentase, portanto, a possibilidade de transformar a escola num centro promotor de aprendizagem sem ter minalidade profissional, tampouco com destinos sociais traados (Alavarse, 2009, p. 38). Nesse sentido, seria um equvoco compreen der a escolarizao por ciclos como um alargamento de um perodo no qual, em seu trmino, haveria uma aprovao ou reprovao. Fica ex plcita a associao da (polmica) ideia de aprovao automtica com a proposta dos ciclos. Outro exemplo de polticas pblicas para combater a evaso esco lar no Brasil problematizado nesse artigo o programa de enorme am plitude denominado Bolsa Famlia. Com objetivo de garantir a escolarizao de crianas e jovens por meio da distribuio de bolsas que supostamente viriam a diminuir a necessidade de trabalho, esse programa tambm concentrou as polticas pblicas nacionais para a distribuio de renda. O que se verificou, grosso modo, foi uma estra tgia politicamente questionvel de redistribuio de renda deixando suspeitas de possveis usos eleitoreiros da mquina estatal (SCHWARTZMAN, 2006). O autor no questiona a necessidade de se redistribuir renda no Brasil, mas sim a impropriedade de se misturar essas duas polticas controle da evaso escolar e distribuio de ren da. A crtica aponta para um investimento na educao que no reper cutiu positivamente e para uma forma de tornar corresponsveis por tais polticas profissionais diretores e professores que, hipotetica mente, no esto preparados para gestar programas sociais de distri buio de renda. Com base na anlise dos dados disponveis sobre a educao no Brasil e sobre o programa Bolsa Famlia, Schwartzman (2006) considera no ter esse programa atingido suas metas por um problema de foco. Nesse sentido, o autor considera que o programa Bolsa Famlia investiu equivocadamente na fixao dos alunos no en sino fundamental, quando o problema da evaso escolar no Brasil se situa na passagem do ensino fundamental para o mdio. Rodrigues (1984), que j h algum tempo compartilha da preocu pao com o problema da evaso escolar, considera que esse no um problema restrito a algumas unidades escolares, mas uma questo na cional e que ocupa relevante papel nas discusses e pesquisas educa cionais no cenrio brasileiro. Cada vez mais, os acadmicos daPensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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educao em nosso pas vm se preocupando com as crianas que chegam escola, mas que nela no permanecem. De maneira geral, os estudos analisam o fracasso escolar a partir de duas abordagens: a primeira, que busca explicaes nos fatores ex ternos escola, e a segunda, nos fatores internos. Dentre os fatores externos relacionados questo do fracasso escolar, so citados o tra balho, as desigualdades sociais, a criana e a famlia dentre os fatores intraescolares, so mencionados a prpria escola, a linguagem e o pro fessor. O desinteresse dos alunos na educao fsica Nas escolas pblicas brasileiras, h fatores internos e externos ao ambiente escolar que incidem na evaso escolar. Entre os problemas internos escola, a anlise do desinteresse pelas disciplinas curricula res pode contribuir para levantarmos os motivos da evaso escolar. O esclarecimento das razes pelas quais os alunos no se interessam por determinadas disciplinas pode auxiliar na compreenso de parte dos problemas que desencadeiam a evaso. No entanto, apesar de suas distines, partimos da premissa de que os fatores (internos e externos escola) de evaso escolar esto relacionados. Os aspectos sociais e culturais incidem sobremaneira nas formas de determinar a evaso e o desinteresse escolar. Em relao ao desinteresse dos alunos nas aulas de Educao Fsi ca, h uma caracterstica que o torna mais explcito e controlvel. Isto , as aulas de Educao Fsica em geral so pedagogicamente tratadas como atividades de fruio corporal. Enquanto em outras disciplinas os alunos desinteressados podem passar despercebidos, na Educao Fsica eles so facilmente localizveis. Pensemos em uma aula de ma temtica na qual o professor proponha a resoluo de vinte exerccios. Se o aluno, por qualquer que seja o motivo, no estiver interessado em resolvlos, nada o impede de rapidamente assinalar qualquer opera o e fazer (ou no fazer) qualquer outra coisa que no implique sair de sua carteira. No caso das aulas de Educao Fsica, se o professor prope alguma atividade pela qual o aluno no se interesse, e ele opte por no realizla, a no prtica ser facilmente detectada. Desse mo do, o estudo do desinteresse dos alunos nas aulas de Educao Fsica constitui um campo de observao mais explcito para a compreenso dos motivos internos escola que resultam em seu fracasso ou abanPensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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dono. Relacionamos a seguir, dentro das limitaes de espao deste artigo e sem ter a inteno de apontar a pesquisa mais relevante ou controlada, parte da produo sobre o tema. Darido (2004) publicou um relatrio de pesquisa sobre alunos no praticantes das aulas de Educao Fsica que, alm de realizar uma in teressante reviso da literatura sobre a prtica regular da Educao F sica na escola, apresenta novos dados sobre as origens e razes da no prtica de Educao Fsica. A autora conclui que h um progressivo afastamento dos alunos da Educao Fsica na escola, e tambm fora dela, especialmente no ensino mdio. Um dos fatores desencadeantes desse afastamento seria a repetio dos programas de Educao Fsi ca: os programas desenvolvidos no ensino fundamental so os mes mos do ensino mdio. Tais programas, grosso modo, se restringiriam execuo dos gestos tcnicos esportivos. Barbosa (2007) corrobora as interpretaes de Darido (2004) e considera que o desinteresse dos alunos nas aulas de Educao Fsica ocorre em virtude do modo inapropriado como esse componente cur ricular interpretado. As aulas de Educao Fsica no deveriam atin gir extremos, como a prtica descontextualizada ou somente a chamada teorizao. A educao fsica seria uma rea de conhecimen to que possui uma especificidade: o movimento humano consciente. Nesse sentido, preciso que sua interveno se realize com reflexes, mas sem perder suas caractersticas procedimentais. Consideramos pertinentes as reflexes de Darido (2004) e Barbosa (2007). No entanto, destacamos que, em virtude de uma tradio insti tuda, comum que os alunos, a comunidade escolar e, por vezes, os seus professores vejam a Educao Fsica como uma disciplina exclu sivamente prtica e, muitas vezes, voltada para os interesses imediatos dos alunos (como exemplo, o jogar futebol). Assim, apesar de existir uma construo social, no sentido de Goodson (2008), para que a Educao Fsica se constitua enquanto um componente do currculo escolar, ela ainda percebida por muitos como uma atividade comple mentar escola e com objetivos utilitrios tais como extravasar as energias ou disciplinar os alunos. Rodrigues e Galvo (2005) apresentam um pressuposto que se tor nou notrio no campo acadmico da educao fsica na ltima dcada: para dar conta de objetivos mais amplos e equilibrar aprendizagens de destrezas fsicas com aprendizagens intelectuais, a Educao Fsica na escola deveria preocuparse com todas as dimenses dos contedosPensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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propostos por Zabala (1998). So eles os contedos conceituais (o que o aluno deve saber), os contedos procedimentais (o que o aluno deve saber fazer) e os contedos atitudinais (como o aluno deve ser). Para Darido (2005), as trs dimenses dos contedos esto permanente mente interligadas ou seja, no podem ser dissociadas , e o que po de variar a nfase que determinado ensinamento aplica em cada dimenso. Ao longo de sua histria, a Educao Fsica priorizou o en sino de seus contedos com nfase quase exclusiva no contedo pro cedimental. Consideramos que, academicamente, essas questes tm sido quase consensuais no entanto, ainda existem dificuldades no co tidiano para a seleo e a implementao de contedos conceituais e procedimentais. Kolyniak (2006) outro autor a reforar o argumento de que os fa tores que levam no prtica de Educao Fsica na escola esto asso ciados a problemas especficos dessa disciplina, por exemplo, a ausncia de um corpo terico prprio que seja referncia para toda a categoria profissional. Nesse sentido, embora tenham forte aceitao no campo acadmico da educao fsica algumas publicaes que de monstram preocupao com a necessidade de uma educao fsica que trate pedagogicamente do conhecimento de uma rea, denominada de cultura corporal, no houve grande impacto dessa viso no cotidiano escolar. Estudos demonstraram que tais elaboraes tericas pouco in fluenciaram nas perspectivas de Educao Fsica dos professores que esto na ponta e ainda menos influncia exerceram sobre sua forma de ensinar (MUNIZ, 1996 MILLEN NETO, 2003). Segundo Betti e Zuliani (2002), essa situao gera um questiona mento da atual prtica pedaggica da Educao Fsica escolar por par te dos prprios alunos, que, no vendo mais significado na disciplina, desinteressamse e foram situaes de dispensa. Contudo, eles valori zam muito as prticas corporais realizadas fora da escola. O fenmeno mais agudo no ensino mdio, no qual, desconsiderando as mudanas psicossociais por que passam os adolescentes, a educao fsica pre serva um modelo pedaggico concebido para o ensino fundamental posio semelhante de Darido (2004). Dessa forma, as aulas de Edu cao Fsica perdem o significado no ensino mdio, pois se no so percebidas pelos alunos como atividades recreativas e de lazer, so consideradas como uma prtica especfica de atividade esportiva. Numa outra perspectiva, poderamos considerar, com base nas idei as de Aquino (2005), que alunos adolescentes possuem uma opinioPensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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formada sobre a Educao Fsica baseada em experincias pessoais anteriores. Se elas foram marcadas por sucesso e prazer, o aluno ter uma opinio favorvel quanto a frequentar as aulas. Ao contrrio, quando o aluno registrou vrias situaes de insucesso, e de alguma forma se excluiu ou foi excludo, sua opo ser pela dispensa das au las, utilizando como primeiro discurso aquele pautado em no gostar da atividade. Dentro dessa perspectiva, Aquino (2005) analisou as di ficuldades que os professores afirmam enfrentar no seu cotidiano quanto ao desinteresse dos alunos. A falta de interesse mostrou relao com o nvel de habilidade, e, obviamente, tais habilidades esto relaci onadas s vivncias anteriores. Do mesmo modo, experincias negati vas associadas ao medo de errar mostraramse determinantes. Note que essa argumentao leva em considerao fatores externos esco la. Consideramos que tais fatores associamse mas no excluem queles que tomam a dinmica intrnseca da Educao Fsica na esco la como obstculo participao plena dos alunos. Consideraes finais No podemos pensar a evaso escolar e o desinteresse dos alunos pelas aulas de Educao Fsica como uma questo de propriedade ex clusiva da escola. Obviamente que fatores externos influenciam nas possibilidades de se manter e obter sucesso nela. Alunos com baixa renda familiar tm propenso maior a largar os estudos mais cedo em virtude de necessidades econmicas e sociais. Alm disso, como nos mostram Bourdieu e Passeron (1982), ocorre um choque cultural quando os alunos provenientes das classes populares se encontram com os conhecimentos considerados importantes pela escola com a cultura da escola. Porm essa percepo unvoca talvez nos leve a al guns desvios de percurso. O programa Bolsa Famlia, e sua estratgia de combate evaso escolar, serve de exemplo. A considerao de que existam questes so ciais envolvidas nas possibilidades de permanncia de crianas e jo vens na escola constitui a base dos argumentos que justificam tal investida. A lgica simples, disponibilizase alguma renda para evi tar o ingresso precoce do aluno no mercado de trabalho, impedindo a continuidade de seus estudos. No entanto, como destaca Schwartzman (2006), o programa no se mostrou suficiente para garantir a perma nncia das crianas e jovens e as suas progresses na escola. Em certoPensar a Prtica, Goinia, v. 13, n. 2, p. 115, maio/ago. 2010

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sentido, houve um efeito contrrio: crianas que recebem o auxlio, aquelas de famlias mais pobres, continuam ingressando mais no mer cado de trabalho do que aquelas que no recebem. E, a despeito do que se veicula atualmente na mdia vide propaganda do ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (Ideb) , no se pode afirmar com segurana que aps a implementao do Bolsa Famlia a educa o no Brasil tenha tido um salto de qualidade. Se pretendermos atacar os ndices de evaso e desinteresse, pare cenos importante que se considerem mltiplas estratgias. No h de se desconsiderar os aspectos sociais, seria de uma ingenuidade incon cebvel, mas as questes que se encontram dentro dos muros da escola no podem ser esquecidas. Como nos mostra Freitag (2003), no po demos isentar o papel e o poder do cotidiano no processo de escolari zao. Sem o aporte de polticas para a educao que leve em considerao fatores sociais e econmicos teremos impedimentos. Contudo, uma poltica descontextualizada certamente errar o alvo. Como exemplo, podemos citar novamente o programa Bolsa Famlia, que investiu nos alunos do ensino fundamental, quando o problema maior se encontra na passagem do ensino fundamental para o mdio. O foco das estratgias tem de ser amplo e no desconsiderar nenhuma esfera da dinmica escolar. Apesar de percebermos que tanto a evaso escolar quanto o desinteresse pelas aulas de Educao Fsica aconte cem em maior escala na passagem do ensino fundamental para o ensi no mdio, devemos lembrar que esse fato ocorre por causa de experincias anteriores vivenciadas pelos alunos. So exemplos de questes internas escola que devem ser consi deradas por programas que visem diminuio da evaso escolar e do desinteresse dos alunos o choque cultural que alunos das classes po pulares sofrem ao se depararem com os conhecimentos valorizados pela escola e, mais especificamente, o desinteresse pela Educao F sica no ensino mdio, relacionado com os exames vestibulares. Nesse sentido, entendemos que a produo acadmica do campo dos estudos pedaggicos sobre a educao fsica precisa ser repensada. Se conti nuarmos simplesmente idealizando uma educao fsica com perti nncia social e poltica, mas sem entender a cultura de nossos alunos e o que se passa dentro dos muros da escola, continuaremos a dar tiros ngua.

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10.5216/rpp.v13i2.7559 Truancy and studentsdisinterest in physical education lessons Abstract In this study, the truancy and students disinterest in Physical Education lessons are broached. We stress some of the proposals to fight the truancy in Brazil (e.g. the school education by cycles and Bolsa Escola [School Grant] programme) and the goals that such investments achieved. Concerning the disinterest, we can think on the problem considering the perceptions including (a) economic and social subjects affecting the school education process, e.g. the need to work for family necessities, (b) internal school matters, e.g. how to organise and structure the school, especially the correlation of the selected education contents to compose the Physical Educati on syllabus with the previous experiences of students. Keywords: Truancy School Disinterest Physical Education La evasin de la escuela y el desinters de los alumnos en las clases de educa cin fsica Resumen El artculo aborda la evasin de la escuela y el desinters de los alumnos en las cla ses de Educacin Fsica. Seala para algunas de las propuestas de batalla referente a la evasin de la escuela en el Brasil, como la propuesta de escolarizacin por ci clos y del programa Bolsa Escola, y las metas que tales investiduras consiguieron alcanzar. Con respecto al desinters, podemos pensar la problemtica a partir de percepciones que implican: a) las cuestiones sociales y econmicas que incurren en el proceso de escolarizacin, tal como la necesidad de trabajar para suministrar las carencias familiares b) cuestiones de dentro de la escuela, como la organizacin y estructura de la escuela o, ms especficamente, la relacin de los contenidos de enseanza seleccionados para componer el currculum vtae de la educacin fsica con las experiencias anteriores de los alumnos. Palabras clave: Evasin de la Escuela Desinters Escolar Educacin Fsica

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10.5216/rpp.v13i2.7559 Endereo para correspondncia [email protected] Alvaro Rego Millen Neto Universidade Gama Filho. Rua Manoel Vitorino 553 Piedade 20740900 Rio de Janeiro, RJ Brasil

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