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3ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE QUIRINÓPOLIS Av. Brasil, n. 588, Bairro Alexandrina, Quirinópolis/GO Fone/Fax: (64) 3651-2188 EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DAS FAZENDAS PÚBLICAS DA COMARCA DE QUIRINÓPOLIS Autos n. 201100540533 Apelante: Willian Francisco Pereira Apelado: Ministério Público do Estado de Goiás Natureza: CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO (art. 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil) O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por sua Promotora de Justiça subscrita, no uso das atribuições constantes na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, com fulcro no artigo 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil, vem, a presença de Vossa Excelência, nos autos epigrafados da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, que move contra WILLIAN FRANCISCO PEREIRA, apresentar CONTRARRAZÕES ao recurso de Apelação interposto contra a sentença das fls. 1.140-1.177, requerendo sejam recebidas e remetidas ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Nestes termos, pede deferimento. Quirinópolis, 26 de janeiro de 2017. FERNANDA BALBINOT Promotora de Justiça 1

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DAS FAZENDAS

PÚBLICAS DA COMARCA DE QUIRINÓPOLIS

Autos n. 201100540533Apelante: Willian Francisco PereiraApelado: Ministério Público do Estado de GoiásNatureza: CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO (art. 1.010, §1º, do Código de Processo Civil)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por sua

Promotora de Justiça subscrita, no uso das atribuições constantes na

Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, com fulcro no artigo

1.010, § 1º, do Código de Processo Civil, vem, a presença de Vossa

Excelência, nos autos epigrafados da Ação Civil Pública por Ato de

Improbidade Administrativa, que move contra WILLIAN FRANCISCO

PEREIRA, apresentar CONTRARRAZÕES ao recurso de Apelação interposto

contra a sentença das fls. 1.140-1.177, requerendo sejam recebidas e

remetidas ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

Nestes termos, pede deferimento.

Quirinópolis, 26 de janeiro de 2017.

FERNANDA BALBINOTPromotora de Justiça

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CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃOCONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO

Autos n. 201100540533Apelante: Willian Francisco PereiraApelado: Ministério Público do Estado de Goiás

EGRÉGIO TRIBUNAL,

COLENDA CÂMARA,

DOUTA PROCURADORIA DE JUSTIÇA.

I) RELATÓRIO:

Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade

Administrativa c/c Obrigação de Não Fazer aforada pelo MINISTÉRIO

PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS em face de WILLIAN FRANCISCO

PEREIRA e do MUNICÍPIO DE QUIRINÓPOLIS-GO, esposando a pretensão

condenatória do ora apelante em virtude de violação aos preceitos insculpidos

na Lei n. 8.429/92, em razão de suposta venda de receituários médicos, bem

como, e principalmente, em virtude de ter incorrido em omissões de

atendimento e graves erros médicos, causando, dentre outros resultados, o

óbito de três pacientes e o aborto involuntário de outra, com nítida

imperícia e negligência.

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Na época dos fatos, o apelante pertencia ao quadro de

funcionários da Secretaria Municipal de Saúde de Quirinópolis, trabalhando

como médico generalista.

Ainda, por força de um contrato de credenciamento para

prestação de serviços médicos específicos, celebrado em 6 de janeiro de 2010,

com o Município de Quirinópolis, atendia a população como médico no PSF VI

- Programa de Saúde da Família, Unidade VI - desta cidade. Entre suas

atribuições também se inseria a obrigação de prestar atendimento no Hospital

Municipal de Quirinópolis, na qualidade de plantonista do Pronto Socorro.

Nada obstante, ao longo do inquérito civil, bem como da instrução

probatória em juízo, restou devidamente comprovado que o apelante, de forma

dolosa e voluntária, deixou de atender adequadamente seus pacientes,

concorrendo para eventos trágicos e extremamente graves, tais como óbito e

aborto, em atitude que ultrapassava a simples imperícia ou falta de

capacidade técnica, a ponto de caracterizar verdadeira desídia no

exercício da profissão e patente descaso ou desdém para com a vida

alheia.

Em vista desses fatos, o órgão ministerial pleitou, liminarmente, a

suspensão dos efeitos de todo e qualquer contrato para prestação de serviços

médicos firmados entre o Município de Quirinópolis e o ora apelante, por

violarem os princípios constitucionais da Administração Pública, além da Lei de

Licitações (Lei n. 8.666/93), com a consequente determinação ao Poder

Executivo local para que deixasse de celebrar novos contratos de prestação de

serviços com o apelante, bem como deixasse de efetuar o pagamento de

quaisquer despesas decorrentes dos contratos suspensos, sejam elas relativas

às parcelas vencidas ou vincendas, sejam elas relativas a outras despesas

inerentes ao cumprimento do contrato, até a sentença final. Requereu, ainda

em sede liminar, a suspensão da licença do apelante até pronunciamento

sobre o caso por parte do Conselho Federal de Medicina.

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No mérito, o Ministério Público do Estado de Goiás requereu a

condenação de WILLIAN FRANCISCO PEREIRA como incurso na conduta

vedada pelo artigo 11 da Lei n. 8.429/92, impondo-lhe as sanções descritas no

artigo 12, inciso III, do mesmo Diploma.

Requereu, também, a confirmação das liminares, em especial, a

determinação de suspensão da licença médica do apelante até

pronunciamento definitivo sobre o caso por parte do Conselho Federal de

Medicina, bem como fosse declarada a nulidade de todo e qualquer contrato

para prestação de serviços médicos firmado entre o Município de Quirinópolis e

o apelante e determinada a vedação de nova contratação deste pelo Executivo

local.

Por meio de decisão liminar, foi determinada a suspensão dos

efeitos dos aludidos contratos celebrados entre o apelante e o Município de

Quirinópolis, com o consequente afastamento cautelar daquele de suas

funções até o pronunciamento definitivo do Conselho Federal de Medicina.

Por sua vez, o Município de Quirinópolis, originariamente no polo

passivo, noticiou o afastamento cautelar do apelante, com a consequente

instauração de procedimento administrativo disciplinar, passando a litigar como

litisconsorte ativo.

Após regular desenvolvimento da marcha processual, com

observância do contraditório e da ampla defesa, inclusive no tocante à

manifestação preliminar, sobreveio decisão condenatória.

Por meio do mencionado decisum, o juízo de primeiro grau julgou

parcialmente procedente a pretensão ministerial para condenar o apelante a

perda da função pública; a suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos;

ao pagamento de multa civil de 50 (cinquenta) vezes o valor da remuneração

percebida pelo agente quando do afastamento do cargo; e a proibição de

contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou

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creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica

da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

No ensejo, também foi ratificada a decisão concedida

liminarmente, com observância à parte modificada por decisão de instância

recursal que, julgando o agravo interposto, manteve o pagamento da

remuneração durante o afastamento cautelar do ora apelante.

Irresignado, o apelante interpôs o presente recurso, pleiteando a

reforma da sentença que lhe condenou.

Aduziu, como razão a sustentar o clamo reformatório da sentença,

em síntese, que não foram comprovados os fatos alegados na inicial; que não

houve prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito; que tampouco houve violação

aos princípios da Administração Pública, porquanto o simples descumprimento

de princípio constitucional sem conotação de desonestidade, má-fé ou

probidade não pode ser tido como ímprobo; que eventuais irregularidades em

seu atuar não têm força suficiente para serem alçadas à condição de

improbidade administrativa; que o atendimento médico fora prestado de forma

satisfatória; que a ausência de má-fé, premissa do ato ilegal e ímprobo, torna

sua conduta fática insuscetível de ser tida como ímproba.

É o relato do necessário.

II) DA TEMPESTIVIDADE RECURSAL:

Ab initio, impende consignar que o recurso de apelação interposto

é tempestivo, na medida em que, consoante preconiza o artigo 1.003, § 5º, do

Código de Processo Civil, "excetuados os embargos de declaração, o prazo

para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias",

sendo este lapso contado em dias úteis, ex vi do artigo 219, caput, do Código

de Ritos.

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Embora não regularmente juntado aos presentes autos pela

escrivania competente o extrato de publicação da sentença recorrida, é

possível aferir, observadas as informações disponíveis no sítio eletrônico desse

Tribunal, que a sentença foi publicada na data de 1º de julho de 20161, tendo o

recurso sido protocolado no dia 22 subsequente, ou seja, no 15º – e último –

dia útil do prazo.

O recurso manejado, dessa forma, merece conhecimento.

III) DO MÉRITO:

Em que pese os esforços argumentativos expedidos pelo

apelante, razão não lhe assiste.

O manuseio do caderno processual e do amplo conjunto

probatório a ele amealhado é suficiente para demonstrar a correição da bem

lançada sentença condenatória de WILLIAN FRANCISCO PEREIRA às

sanções da Lei n. 8.429/92.

Em que pese as pretensas justificativas apresentadas pelo

apelante, fato é que todo o arcabouço probatório evidencia que, no exercício do

cargo público que ocupava, mostrou-se totalmente indiferente à situação de

risco de seus pacientes, nem sequer se preocupando em atendê-los

pessoalmente.

As servidoras de enfermagem foram unânimes e categóricas

ao afirmar que, durante os plantões, o apelante não se dignava a sair da

sala de repouso dos médicos (dentro do próprio hospital) e que, de lá

mesmo, prescrevia, sem realizar exame direto e pessoal no paciente,

remédios paliativos que só camuflavam a origem da doença ou

agravavam-na.

1 Observadas as regras havidas nos artigos 224, § 2º e 231, VII, ambos do CPC.

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Era do conhecimento de todos os médicos, bem como do corpo

de enfermagem, que o demandado tinha hábitos avessos à ética médica, ao

ponto de ser suspenso pela Diretora Clínica e Técnica do Hospital

Municipal, Dra. Claudia Mendes Horevicht Silva Castro.

Houve, inclusive, apuração por parte do Conselho de Ética

Médica do Hospital Municipal, que concluiu pela existência de patente

infração ética por parte do apelante.

A conduta ímproba do recorrente resultou em diversos resultados

gravíssimos, como aqueles sofridos pelos pacientes Luzia Rosa de Oliveira,

Francisco Alves da Silva, Priscila D'Addaria e Patrícia Santos de Oliveira, todos

detalhadamente relatados na peça de ingresso.

No primeiro caso, a paciente Luzia Rosa de Oliveira deu entrada

no Pronto Socorro do Hospital Municipal de Quirinópolis, levada pelo SAMU, no

dia 11 de agosto de 2010, às 18h15min.

O apelante foi informado pela técnica de enfermagem do SAMU

que a paciente havia apresentado uma crise convulsiva. Ele, então, medicou-a

com Decadron, Soro Glicosado, Diazepam endovenoso e não voltou mais a vê-

la. Após o atendimento, o réu foi para o quarto de descanso dos médicos,

dentro do próprio Hospital.

Já na enfermaria, a técnica de enfermagem Arima Lima Justina

Freitas percebeu que a paciente Luzia não andava, não verbalizava, apenas

urrava e debatia-se. Como a paciente não apresentava melhoras, ao contrário,

estava muito mal e piorando gradativamente, a técnica ligou no quarto de

descanso dos médicos e, relatando a piora da paciente, chamou o apelante

para atendê-la novamente. Nesse momento, WILLIAN, terminantemente,

negou-se a atender novamente a paciente.

Como Luzia continuou a piorar, a técnica Arima telefonou para a

Diretora Clínica do Hospital, Dra. Claudina, e relatou o ocorrido. De imediato, a

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Diretora ligou para o apelante, cobrando uma explicação, e este foi enfático em

afirmar que a paciente Luzia estava bem, que havia apresentado apenas uma

crise convulsiva, sendo medicada para tanto, e que a técnica estava

exagerando em sua avaliação.

Mesmo assim, a Diretora pediu ao apelante que fosse novamente

avaliar a paciente e se certificasse de que ela estava em boas condições

clínicas. O apelante, entretanto, manteve-se inerte.

Diante do agravamento do quadro da paciente, a técnica Arima foi

pessoalmente no quarto em que o apelante estava e, por outra vez, clamou

que fizesse o atendimento. Nesse momento, a técnica informou a WILLIAN

que acreditava que a paciente estava, na verdade, com um Acidente Vascular

Cerebral - AVC e não apenas com uma crise convulsiva. Indiferente, o

apelante disse para a técnica aguardar o próximo plantão.

Diante da insistente e irritante omissão do apelante, a Diretora

Claudina telefonou e pediu para o outro plantonista checar o estado da

paciente Luzia. Então, os médicos Dr. Álvaro Neto e Dr. Marco Túlio foram

avaliar a paciente. Logo que a viu, o Dr. Marco Túlio pediu o material de

entubação, entubando-a. Em seguida, ligou para a Dra. Claudina para informar

que a paciente estava em coma, isto é, em choque, com saturação de 53%,

Glascow 6, com quadro de bronco-aspiração, e que o caso era extremamente

grave, necessitando de encaminhamento imediato para a UTI em Goiânia.

De imediato a Diretora Clínica foi até o Hospital, passando a

acompanhar a paciente até a cidade de Goiânia. A Diretora Claudina relatou:

Prontamente me dirigi ao hospital e me certifiquei que o caso era grave ea avaliação do Dr. Marco Túlio estava correta. O caso era dramático,tomou todos os esforços dos três médicos presentes, eu, Dr. Marco Túlioe Dr. Álvaro Neto. Dispensamos longo tempo para a estabilização parcialdo quadro, dada a sua magnitude (...). Telefonei para o Dr. William echamei a sua atenção para a gravidade do caso, informando-o de que apaciente estava sendo transferida em UTI móvel para Goiânia a fim deser internada em UTI (...). Ele apenas se dignou a dizer que a paciente

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devia ter piorado após a sua avaliação e que coisas do tipo podemacontecer.

Posteriormente, já em Goiânia, foi confirmado que a paciente

realmente teve um AVC hemorrágico e que, em razão disto, veio a falecer na

UTI, cerca de 24 (vinte e quatro) dias depois.

Quanto às inúmeras falhas do apelante no caso em tela, são

precisas as informações prestadas pela Dra. Claudina:

Neste caso em especial, o Dr. William agiu erradamente em todos osaspectos, não só técnicos como também éticos.Em primeiro lugar deixou de realizar anamnese, examinar a paciente everificar seus sinais e sintomas. Se assim tivesse feito, teria sabido pelafamília que a paciente nunca havia tido crises convulsivas no passado eque, portanto não era epilética. Uma pessoa adulta que faz o primeiroepisódio de crise convulsiva, o faz devido a algum processo patológicocerebral (neste caso, se houve mesmo a tal crise convulsiva, esta sedeu devido ao AVC hemorrágico). Teria ficado sabendo também, que apaciente tem história familiar de hipertensão e cardiopatia, pois umairmã faleceu recentemente devido a Infarto Agudo do Miocárdio, erahipertensa e fazia tratamento no ambulatório da Cardiologia sob minharesponsabilidade. Teria sido informado também que a paciente estavarezando quando fora acometida de um desmaio súbito, com queda aosolo, seguido do quadro que se instalou, motivo pelo qual fora acionadoo SAMU que fez a remoção da mesma para o pronto socorro.Considerando a forma abrupta de instalação do quadro, qualquermédico percebe que não se trata de caso simples e que merece atençãoespecial. Se houvesse examinado a paciente, teria percebido que suarespiração não era normal podendo evoluir rapidamente para ainsuficiência respiratória. Errou também na medicação. Ao usarDiazepam endovenoso numa paciente que estava neurologicamentedeprimida, provocou a aceleração do estado de insuficiência respiratóriacom aspiração de material gástrico, que uma vez se depositando nospulmões acarreta piora do estado, atrapalha grandemente oprocedimento de entubação orotraqueal e leva o paciente a óbito. Háque se considerar que o Diazepam é depressor do sistema nervosocentral em especial no que se refere ao controle da respiração e é usadopelos anestesistas como medicação pré-anestésica nas anestesiasgerais. Errou ainda ao ferir o Código de Ética Médica, ao deixar dereavaliar paciente sob sua responsabilidade quando solicitado pelaDiretora Clínica, retirar-se do plantão sem passar o caso para o médicoque o substituía, não proceder com o melhor da sua condição e oferecera paciente todos os recursos disponíveis para seu tratamento. Isso semconsiderar a forma ilegível e pouco esclarecedora que preencheu a fichade atendimento.

Não bastasse, o apelante também obrou de forma

manifestamente repreensível no caso do Sr. Francisco Alves da Silva, idoso,

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com mais de 80 (oitenta) anos, que havia dado entrada no Pronto Socorro do

Hospital Municipal de Quirinópolis, no dia 22 de agosto de 2010, às 09h25min,

levado pelo SAMU.

Depois de ter sido liberado pelo apelante, após rápida consulta e

precipitado diagnóstico de que se tratava de paciente senil que havia sofrido

queda, com dor em joelho esquerdo e tórax, o Sr. Francisco foi novamente

conduzido pelo SAMU ao Hospital Municipal, às 10h00min do mesmo dia.

Atendido pela Dra. Claudina, esta diagnosticou suspeita de AVC, solicitando

que fosse realizada uma Tomografia Computadorizada de Crânio na cidade de

Rio Verde-GO, que confirmou o seu diagnóstico. Encaminhado para a cidade

de Goiânia-GO, onde o diagnóstico de AVC hemorrágico foi confirmado, o

idoso veio a falecer posteriormente.

Procurado pela Dra. Claudina, que chamava sua atenção por,

novamente, liberar paciente com quadro de AVC, o apelante se limitou a

afirmar que o paciente ia morrer de qualquer forma e que, por isso, eventual

tentativa de atendimento conduziria ao mesmo resultado.

Já no dia 27 de junho de 2008, o apelante havia sido escalado

para a função de anestesista na cirurgia de cesária da paciente Priscila

D'Addaria, oportunidade na qual, mesmo não possuindo especialidade médica

para tanto, realizou uma raquianestesia na paciente.

Como o próprio apelante confessou, acompanhado de seu

advogado, em declarações prestadas na fase investigativa, houve erro na

aplicação da anestesia, isto é, em termos médicos, houve uma raquianestesia

total: "Que realmente houve uma raque total, isso é, o anestésico subiu

mais do que devia, o que causou a paralisia do cérebro".

Para piorar, após ser detectado a raquitotal, o apelante entubou

de forma errada a paciente, impedindo que fosse realizada a necessária e

urgente oxigenação.

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A auxiliar de enfermagem Edileusa da Silva confirmou: “Que o Dr.

Guillermo comentou que houve erro na anestesia; Que o Dr. Willian tentou

entubar a paciente Priscila, no entanto deve ter feito algo errado, pois saiu

fezes pelo tubo; Que então o Dr. Guillermo refez a entubação".

Também o Dr. Guilherme Barcelos Alves Urzedo atestou a falha

no entubamento da paciente:

Que chamou a atenção do Dr. Willian para o fato e este foi entubar a

paciente para melhorar a oxigenação; Que o declarante continuou

suturando a paciente, no entanto, mesmo entubada a oxigenação

continuava a baixar; Que a técnica de enfermagem Edileusa, sugeriu

que o declarante deixasse a sutura e auxiliasse o Dr. Willian na

entubação; Que assim procedeu; Que verificou que o Dr. Willian havia

entubado de forma errada a paciente; Que ao invés de passar o tubo

pelas vias aéreas este estava posicionado no esôfago; Que havia

material digestivo, de cor escura no tubo; Que conseguiu entubar

corretamente a paciente, mas esta não possuía mais pulso; Que, então,

iniciaram a massagem cardíaca e chamara o Dr. Eliseu para auxiliar na

reanimação da paciente.

Em seu relato sobre o caso, Dra. Claudina informa: "até onde eu

sei, o Dr. Willian não sabe entubar, tanto que em muitas ocasiões fui chamada

ao hospital para realizar tal procedimento por ele".

Em razão da entubação errada, a paciente permaneceu em

insuficiência respiratória. Mesmo após a correção da entubação pelo Dr.

Guilherme, que foi tardia, o quadro da paciente evoluiu para parada

cardiorrespiratória.

De imediato, Dr.Guilherme iniciou manobras de reanimação

cardiopulmonar e mandou que fosse acionado o Dr. Eliseu. O Dr. Eliseu, por

sua vez, foi ao hospital e, entrando no centro cirúrgico, auxiliou nas manobras,

enquanto o Dr. Guilherme voltou ao campo cirúrgico para fechar a incisão.

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A paciente, aparentemente, não respondeu às manobras de

reanimação e foi declarada morta. A técnica de enfermagem Edileusa, todavia,

percebeu que a paciente apresentava batimentos débeis. Chamou a atenção

da equipe, que reiniciou as manobras de reanimação e a paciente respondeu

ao procedimento.

O Dr. Guilherme, então, fez contato com a UTI do Hospital

Materno-infantil em Goiânia e passou o caso para a médica plantonista. A

paciente foi encaminhada para o UTI do Hospital Materno-infantil, em Goiânia.

Posteriormente, em razão da falta de oxigenação no cérebro, a paciente veio a

falecer - morte cerebral - na UTI daquela mesma instituição.

Pelo que se depreende, mais uma vez, o apelante demonstrou

completo despreparo para exercer sua função de forma eficiente, contribuindo

decisivamente para o resultado trágico. Sua conduta vai de encontro ao

tratamento adequado indicado pela literatura médica em caso de eventual

raquianestesia total:

Injetando-se inadvertidamente um grande volume de anestésico local noespaço subaracnóideo, haverá um rápido colapso respiratório ecardiovascular. Essa complicação é um resultado direto da falha aoseguir a técnica apropriada, pela não administração de uma dose-tese antes da definitiva ou por injetar-se a dose total de uma só vez .Neste caso, foi observado que a bupivacaína é inconfiável para umadose-teste. Quando ocorre raquianestesia total, a voz da paciente toma-se um sussurro por causa da queda da capacidade vital adequada. Senão for instituído tratamento imediato, se sucederá severahipotensão e apnéia. Uma hipoxia não tratada resultará em falênciacardíaca. O tratamento consiste em intubação traqueal, ventilação,vasopressores para a circulação e alívio da compressão aorto-cava.O coração letal deve ser bem monitorizado. Se houver evidência debradicardia letal ou se a ressuscitação materna for impossível, o bebêdeve ser retirado imediatamente. (Sivam Ramanathan, AnestesiaOsbétrica - 1ª Ed. Capítulo 09 - Anestesia em Cesariana).

O mais alarmante é que o apelante confessou já ter realizado

centenas de anestesias iguais ao do caso em tela, mesmo não possuindo

especialidade na área, e ainda continuava a realizá-las em hospitais

particulares, veja-se: "Que o declarante é clínico geral e já fazia anestesias, na

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época, há mais de quatro anos no hospital municipal; Que ainda faz anestesias

no hospital Nossa Senhora D'Abadia".

Em derradeiro, tem-se, também, o caso da Sra. Patrícia Santos

de Oliveira, que, no plantão noturno do dia 28 de junho de 2010, havia dado

entrada no pronto-socorro, às 02h40min, levada pelo esposo, gestante de

cerca de 4 (quatro) meses, queixando-se de dores na barriga.

O apelante era o médico de plantão e naquele momento estava

no quarto de repouso dos médicos. A técnica de enfermagem, pelo

interfone, avisou o apelante da chegada da paciente, porém, este, sem

sair do recinto, deu ordem verbal, por telefone, para que a paciente fosse

medicada com Dipirona e Voltarem e que fosse orientada a voltar pela

manhã ou que procurasse o PSF (Programa Saúde Família - Posto de

Saúde).

A paciente foi medicada conforme a ordem do médico e liberada

em seguida. Pela manhã do mesmo dia, a paciente retornou ao hospital, desta

vez, encontrando o Dr. Geraldo como médico plantonista. De pronto, a paciente

foi encaminhada à sala de avaliação de gestantes e colocada em posição

ginecológica.

Quem estava de plantão neste setor era a técnica de enfermagem

Núbia Benta Nogueira Maia, que relatou à Diretora Claudina que já era possível

ver a cabeça da criança. Tão logo o Dr. Geraldo se preparou para proceder à

avaliação da gestante, ela expulsou feto que nasceu vivo, mas era inviável

devido à baixa idade gestacional.

Diante desse cenário, o Dr. Geraldo acionou o obstetra de

sobreaviso, Dr. José Manoel de Souza, e a pediatra, Dra. Márcia Vale Caetano.

Os dois médicos vieram para auxiliar o plantonista, no entanto, a criança

agonizou alguns minutos, vindo a falecer em seguida.

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Este caso é emblemático quanto à postura do apelante. A médica

Dra. Márcia Caetano esclarece:

Que possivelmente as dores que Patrícia sentia de madrugada, antes doaborto, eram em razão das contrações do parto prematuro; Que jáatendeu inúmeros pacientes que foram medicados anteriormente comVoltarem e Dipirona pelo Dr. Willian, sem ser averiguado qual era causada dor; Que é do conhecimento da declarante que o Dr. Willian, duranteos plantões, faz os atendimentos por telefone, sem ver o paciente.

A técnica de enfermagem Arima Lima Justina Freita, ao prestar

declarações na fase do inquérito civil, foi categórica:

Que era muito comum o Dr. Willian, durante o seu plantão no hospitalmunicipal, sem ver os pacientes, prescrever a medicação pelo telefone;Que são muitos os casos em que ocorreram complicações em razão dafalta de atendimento pelo Dr. Willian ou por este sequer atender ospacientes pessoalmente; Que normalmente o paciente relata dor, o Dr.Willian sem fazer exames prescreve Voltarem e Dipirona.

No mesmo sentido, foi a declaração da enfermeira Andréa

Henrique da Silva, ao afirmar que o apelante "prescreve medicamentos,

durante o plantão, sem examinar os pacientes".

O desdém do apelante para com seus pacientes é assustador. O

Dr. Guilherme Barcelos Alves Urzedo afirmou, na fase investigatória, que já

ocorreram vários outros casos similares aos apontados em linhas recuadas e,

como exemplo, relatou o seguinte:

Que se recorda de vários outros casos de falhas no atuar do Dr. Willian,mas um em especial lhe chamou a atenção; Que assim que chegou emQuirinópolis, por volta de 2004, foi realizar a troca de plantão, às 07horas da manhã, com o Dr. Willian, este disse que não havia nada degrave ocorrendo; Que segundo o Dr. Willian na observação de gestanteshavia apenas uma gestante com trabalho de parto evoluindonormalmente, mas que tinha tido um pequeno sangramento a poucosminutos; Que o declarante, então, pediu ao Dr. Willian que oacompanhasse até a referida paciente; Que ao chegar na paciente,observou que esta se retorcia toda e sentia muitas dores; Que odeclarante perguntou a paciente se estava tendo sangramento e desdequando; Que a paciente disse que estava tendo o sangramento desde oinício da noite; Que então o declarante disse para enfermeira trazer osonar para auscultar o batimento cardíaco fetal; Que não conseguiu ouvirnada e percebeu que o caso era de cesariana com urgência; Que odiagnóstico era descolamento prematuro de placenta; Que então dissepara o Dr. Willian fazer a cesariana; Que sabe que o feto nasceu morto eque a mãe teve complicações, mas que sobreviveu.

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Diante de todos esses casos, afigura-se imperioso observar que o

apelante foi advertido e repreendido diversas vezes tanto pela Diretora Clínica

do Hospital Municipal na época dos fatos, no entanto, continuou a agir com

desídia, reincidindo nos mesmos erros.

Gize-se, outrossim, que as inúmeras irregularidades são

integralmente confirmadas pelos elementos de informação colhidos ao

longo de extensiva investigação ministerial, bem como pela prova obtida

em contraditório.

A propósito, para além do vasto manancial informativo extraído

dos autos do Inquérito Civil que instrui o presente feito, em juízo, as

testemunhas que foram ouvidas ratificaram suas declarações prestadas

na sede do Ministério Público e demonstraram firmeza nas acusações

direcionadas ao apelante.

A título ilustrativo do quadro probatório desenhado em desfavor

do demandado, a testemunha Marina Lima Freitas afirmou em sua oitiva

judicial:

QUE, trabalhou com o requerido por aproximadamente 9 (nove) ou 10(dez) anos, no Hospital Municipal; QUE, presenciou os atendimentos aPatrícia e Luzia Rosa; QUE, a Sra. Luzia havia chegado no hospital porvolta das 18:00 horas com uma crise convulsiva; QUE, o requerido aatendeu e a medicou para crise convulsiva; QUE, em determinadomomento a paciente estava muito mal, inclusive com vômitos; QUE adeclarante ligou para o requerido informando-o da situação, mas este,como de costume, desligou o telefone sem falar nada; QUE, apesar dorequerido ter diagnosticado crise convulsiva, a paciente estava com AVChemorrágico; QUE a declarante chegou a alertar o requerido sobre oquadro clínico assemelhado ao AVC, mas o requerido lhe respondeu queo próximo plantonista chegaria em 10 (dez) minutos e assumiria o caso;QUE, no caso da Sra. Patrícia, esta teria chegado ao hospital por voltadas 02:00 horas; QUE, após fazer o atendimento prévio à paciente, ligoupara a sala do requerido, mas este não atendia ao telefone; QUE, depoisde insistir, o requerido atendeu ao telefone; QUE, informou a situação dapaciente ao requerido; QUE, o requerido declinou para a declarantemedicação a ser repassada para a paciente e para que a declarantedissesse para a paciente voltar para casa; QUE, indagou o requerido seele não iria examinar a paciente, mas este lhe disse para repassar amedicação e que com isso a paciente iria melhorar; QUE, o requeridonão examinou a paciente; QUE, na manhã do dia seguinte, por volta das08:00 horas, a paciente retornou ao hospital já em processo de

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abortamento; QUE, apesar da intervenção de outros médicos, o recém-nascido não sobreviveu; QUE, o requerido chegou a ser repreendidopela direção do hospital na época dos fatos […].

Da mesma forma, a testemunha Reginelza da Silva assegurou,

em juízo:

QUE, trabalhou por alguns anos com o requerido no Hospital Municipal;QUE, presenciou o caso relacionado a um parto por cesária; QUE, nodecorrer do processo médico a paciente necessitou ser entubada; QUEo requerido fez a intubação, mas de forma errada; QUE, os profissionaisque estavam acompanhando o procedimento notaram que haviam algumproblema; QUE outro profissional médico que realizava o procedimento,Dr. Guilherme, teve que refazer a entubação; QUE, o requerido estavana sala no momento do procedimento, mas não foi ele quem refez aentubação; QUE, o requerido não era anestesista, mas na época dosfatos realizava algumas anestesias; QUE já presenciou situação emque o requerido determinou que fosse indicado a pacientes amedicação, sem que ele houvesse examinado-os, pois era bastantecomum isso acontecer na época dos fatos.

Em reforço à demonstração da improbidade destacada na

conduta do apelante, a testemunha Bertha Lúcia aduziu em sua oitiva judicial:

QUE, na época dos fatos a declarante fazia parte da comissão de éticado Hospital Municipal; QUE, que chegou a receber denúncias de máconduta do requerido; QUE, averiguados os fatos a comissãoapresentou posição desfavorável ao requerido; QUE, os casos foramrepassados ao Conselho Regional de Medicina; QUE, se fosse um errojustificável, a comissão ética poderia optar por não encaminhar adenúncia ao CRM; QUE, o requerido já havia sido advertido em outrasoportunidades, mas não modificou sua conduta.

Por fim, o também profissional da medicina, Dr. Guilherme

Alves, arrolado como testemunha, reiterou expressamente, e de forma íntegra,

as declarações prestadas na fase da investigação ministerial, oportunidade na

qual, de modo técnico, demonstrou o despreparo, a negligência, a ineficiência e

o dolo com que o apelante reiteradamente se portava no ambiente hospitalar,

em completo menoscabo à vida de seus pacientes.

Não se olvide, ainda, que o apelante, em decorrência de

suas atitudes ilícitas versadas na presente ação de improbidade, também

está sendo processado criminalmente pela prática de crime doloso contra

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a vida (Autos n. 201101012832), no bojo de cuja ação penal, inclusive, foi

pronunciado.

Destarte, o arcabouço probatório jungido aos presentes autos

revela, com insofismável clareza, que o apelante WILLIAN FRANCISCO

PERERIA, na qualidade de médico do Hospital Municipal de Quirinópolis e,

portanto, de servidor sujeito à responsabilidade administrativa prevista na Lei n.

8.429/92, praticou atos que demonstram a ocorrência de improbidade,

sancionável nos termos em que expostos na inicial.

Não houve, in casu, simples erro médico. Houve

verdadeira e grave negligência, com comportamento extremamente

repreensível por parte do demandado.

O caso tampouco versa sobre deficiência estrutural e humana

do Hospital Municipal de Quirinópolis, mas trata de aviltante má conduta do

apelante, com erros médicos grosseiros e com insuficiência de tratamento, em

muitos casos se limitando à prescrição de medicamentos sem sequer se dignar

em realizar o prévio exame clínico do paciente.

Em vista da conduta levada a cabo pelo apelante, restou

evidenciada a violação ao princípio da eficiência administrativa, porquanto,

conforme afirmado na inicial, sua postura omissiva e comissiva mostrou-se

plenamente injustificada, além de indicar falhas graves na gestão da coisa

pública, em especial na administração da Saúde Pública.

Outrossim, houve malferimento do princípio da legalidade,

em razão da patente desconformidade aos preceitos normativos que regem a

atuação médica, notadamente no que tange aos aspectos da ética e da moral,

além de ter incorrido, mais de uma vez, em vários delitos penais.

Por fim, estreme de dúvidas, houve menoscabo aos princípios

da moralidade, honestidade e lealdade às instituições, na medida em que,

atuando como médico da rede pública de saúde, não observou seus deveres

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funcionais, deixando de prestar o escorreito atendimento à população

mais carente e financeiramente incapaz de buscar na rede privada a

convalescença de sua saúde.

De tudo quanto se expôs decorre o inegável acerto da

decisão de primeira instância ao reconhecer não apenas as ilegalidades

objetivamente extraídas da conduta do apelante, mas, também, o elemento

anímico suficiente para tornar certa a improbidade no seu atuar.

Dessarte, sem embargo da tentativa do demando de se furtar à

responsabilidade pelos atos dolosamente cometidos, fato é que, a toda

evidência, encontram-se presentes todos os elementos ensejadores de

responsabilização por ato de improbidade por violação aos princípios da

Administração Pública, na medida em que foram agredidos os princípios

basilares do regime jurídico-administrativo, por meio da inobservância dos

deveres de eficiência, moralidade, legalidade, honestidade, imparcialidade e

lealdade pelo servidor público demandado.

Nesse passo, cumpre rememorar que o artigo 11 da Lei n.

8.429/92 enuncia:

[…] constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra osprincípios da administração pública qualquer ação ou omissão queviole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade elealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento diversodaquele previsto, na regra de competência; e II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício: [...].

Sem dúvida, os princípios da legalidade, eficiência, moralidade,

honestidade, impessoalidade e lealdade às instituições foram violados,

merecendo o servidor público violador, pois, a reprimenda da lei.

É oportuno rememorar, ainda, que o disposto no artigo 11 da

Lei n. 8.429/92 distingue-se, em essência, da lesão ao erário, consoante deixa

claro o artigo 21, inciso II, da Lei n. 8.429/92, que afirma: “a aplicação das

sanções previstas nesta lei independe da efetiva ocorrência de dano ao

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patrimônio público.”

Dessa forma, a ocorrência da improbidade prescinde de dano

material concreto ao erário, porque vulnerar um princípio é a mais grave

agressão ao sistema: a inobservância da eficiência, da legalidade e da

moralidade administrativa atentam contra os valores imateriais da

Administração Pública.

Ademais, para a configuração do ato de improbidade

administrativa nos moldes do artigo 11 da Lei n. 8.429/92, não há necessidade

de indicar o dolo enquanto finalidade específica.

De qualquer forma, no caso concreto, há farta argumentação e

provas de que o réu agiu com dolo e patente má-fé.

Tal como afirmado na sentença condenatória, em relação ao

caso da paciente Luzia, "o dolo da omissão ficou demonstrado pelas várias

recusas no atendimento da paciente, inclusive diante do pedido da diretora

clínica do hospital" (fl. 1.158).

Quanto ao paciente Francisco Alves da Silva, mais uma vez

labora com acerto o juízo de primeiro grau ao identificar o elemento subjetivo

da conduta do apelante, afirmando restar "caracterizado o dolo na atitude de

retardo e ausência de atendimento da parte requerida, diante da falta de

responsabilidade e do exercício efetivo de sua função de médico plantonista do

Hospital Municipal, e no desleixo completo no atendimento à população,

sobretudo o paciente em questão" (fl. 1.168).

Em vista da situação da paciente Patrícia Santos Oliveira, mais

uma vez, o magistrado primevo ressalta a presença do elemento subjetivo da

conduta ímproba ao ponderar que "a conduta omissa da parte requerida foi

dolosa, houve a intenção do requerido em não prestar atendimento à paciente.

A servidora da enfermagem requereu que o médico fosse ao encontro da

paciente e este recusou a atendê-la" (fl. 1.169).

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Ad argumentandum, calha pontuar, ainda, que não se pode

perder de vista o caráter objetivo do axioma da moralidade administrativa, do

que resulta não poder o agente se comprometer apenas com seus princípios

éticos anímicos ou subjetivos, mas com o interesse público, aferível tão

somente por meio de condutas que objetivamente demonstrem a lisura de

seu ato.

Fulcrada, essencialmente, na teoria do desvio de poder ou de

finalidade, a noção de moralidade administrativa albergada pela Constituição

não está a cuidar de uma simples percepção subjetiva do agente público, e,

portanto, de uma moralidade filosófica interna à sua consciência.

Ao revés, tutela a moralidade administrativa objetivamente

aferida, mediante predeterminação da seletividade administrativa dos meios

e fins, impondo a eleição, pelo agente público, de opções decisórias que

atendam ao interesse social. Vale dizer, considera-se observada pelo fato de

não se desviar das finalidades constantes da lei (o interesse público),

operando por meios legais.

Dessarte, pode, até mesmo, não ter ocorrido o dolo

específico, consubstanciado na manifesta intenção violar os princípios da

administração pública. Entrementes, é inegável que da conduta adotada

pelo apelante sobressai a existência do elemento subjetivo suficiente para

ensejar a sua condenação, porquanto, sem dúvidas, teve a livre e consciente

vontade de laborar com patente descaso para com a vida de seus pacientes,

se limitando, no mais das vezes, a ofertar-lhes atendimento precário e

desinteressado.

Com efeito, a ação do apelante revela enorme desprestígio com

o escorreito atuar dos agentes públicos, em especial dos médicos que aten-

dem na rede pública de saúde, provocando a morte e ofensas à integridade

de seus pacientes, em manifesta desconformidade com o regime jurídico que

rege a máquina administrativa.

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Em casos tão graves como o que se extrai dos presentes autos

bastaria a simples ilicitude da conduta, afastando-se, até mesmo, a exigência

de dolo ou culpa, tal como já chegou a decidir o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. AÇAO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINIS-TRATIVA. LESAO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTOSUBJETIVO. COMPROVAÇAO. DESNECESSIDADE. 1. A lesão aprincípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429 /92 nãoexige dolo ou culpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erá-rio público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativapara restar configurado o ato de improbidade. 2. Recurso especialimprovido. (REsp 826.678, rel. Min. Castro Meira, j. 05/10/2006. Gri -fou-se.)

Tudo isso posto – considerando-se, inclusive, o farto conjunto

probatório amealhado aos autos -, medida outra não se impunha senão a

condenação do ora apelante às sanções da Lei n. 8.429/92.

Dessa forma, revela-se irretocável a sentença proferida pelo juí-

zo a quo, não merecendo ela qualquer reparo nesta superior instância.

IV) DA CONCLUSÃO:

Em face do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE

GOIÁS requer que o presente recurso seja recebido, porque próprio e

tempestivo, porém desprovido, mantendo-se incólume a sentença objurgada.

Quirinópolis, 26 de janeiro de 2017.

FERNANDA BALBINOTPromotora de Justiça

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