EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) … · Rua Frei Evaristo, 142- Centro – 88.015-410...
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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A)
FEDERAL DA ____ VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO DE
FLORIANÓPOLIS/SC
A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, presentada pelo
Defensor Público Federal que subscreve, com fulcro no art. 134, da
Constituição Federal, art. 5º, inc. II, da Lei nº 7.347/85, e art. 4º, incs. VII,
X e XI, da Lei Complementar nº 80/94, vem propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido LIMINAR
contra (a) AUTOPISTA LITORAL SUL S/A; (b) ANTT –
AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES; (c)
UNIÃO; e, (d) PREFEITURA MUNICIPAL DE BIGUAÇU, todos com
endereço conhecido do juízo, uma vez que cadastrado no EPROC da JFSC,
pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:
1. DAS CONSIDEREÇÕES INICIAIS
1.1. Esta Ação Civil Pública busca a tutela de direitos de
comunidade tradicional de pescadores de Biguaçu, região conhecida como
Praia de Baixo ou Bento Francisco –, bairro São Miguel (Comunidade de
São Miguel):
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1.2. A Carteira de Pescador a seguir, de 1968, pode comprovar
que a comunidade exerce posse muito antiga sobre a área; realizando, para
subsistência, a pesca, a maricultura (cultivo de ostras) e diversificadas
plantações:
1.3. Em data muito posterior ao início da ocupação, na década de
50 do século passado, a comunidade foi cortada pela construção da rodovia
BR-101 – concluída a pista simples em 1957.
1.4. Há relatos dos moradores mais antigos dizendo que, quando
da construção da estrada, boa parte do Vilarejo de São Miguel foi cortada e
destruída, sendo que aos moradores era dito que “escolhessem um dos
lados para morar”.
1.5. Considerando que muitos eram – e ainda são – pescadores,
decidiram ficar com a área de terra próxima ao mar.
1.6. Em 1985 foi iniciado o projeto para construção da “nova
pista”, que passaria no local em que estão localizadas as casas dos
moradores; após grande conflito, a comunidade conseguiu se manter no
local.
1.7. Na década de 1990, com a duplicação da rodovia o fluxo de
veículos aumentou consideravelmente e a AUTOPISTA, por intermédio da
ANTT, obteve a concessão do serviço público (em anexo).
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1.8. Pois bem, já em meados desta década, a AUTOPISTA vem
notificando extrajudicialmente e ajuizando diversos processos individuais
contra moradores da Praia de Fora.
1.9. A concessionária alega ter direito à reintegração de posse,
dizendo que se trata de área objeto de esbulho, por ser faixa de domínio da
rodovia, por isso non aedificandi.
1.10. Sem maiores cuidados ou compromisso com a comunidade
tradicional que está consolidada na área, a AUTOPISTA simplesmente
busca a retirada dos moradores, sem qualquer tipo de indenização.
1.11. Aliás, no tocante à indenização, no processo histórico de
construção e alargamento da via, alguns imóveis teriam sido objeto de
desapropriação mediante indenização das benfeitorias.
1.12. Todavia, até o momento não resta claro quais teriam sido os
eventuais beneficiados; se haveria algum morador atual dentre eles;
tampouco é possível saber algum dos atuais ocupantes recebeu algum tipo
de indenização – a AUTOPISTA nas ações individuais refere estar
buscando essa informação junto ao DNIT.
1.13. Ao contrário, pode-se presumir que boa parte da ocupação
seja plenamente regular; inclusive, além do IPTU, há diversos imóveis
regularmente inscritos na SPU, pagando a Taxa de Ocupação:
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1.14. Para além do acima juntado (por amostragem), há diversos
outros documentos, de diversas décadas, que comprovam as inscrições dos
imóveis na SPU, bem como o pagamento das Taxas de Ocupação e IPTU.
1.15. A área também está dotada de equipamentos públicos,
como sistema de iluminação, fornecimento de água e energia elétrica.
1.16. Nesse contexto, pode-se entender que se trata de uma
ocupação consolidada,
2. DOS MORADORES – COMUNIDADE TRADICIONAL
2.1. A ocupação da área é feita sobretudo por famílias integrantes
de comunidade tradicional de pescadores, que sobrevivem da pesca:
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2.2. Há grande quantidade de barcos; também se encontram
dentre os moradores maricultores, que cultivam ostras; a facilidade de
acesso ao mar é fator decisivo à própria sobrevivência da comunidade.
2.3. Não há possibilidade de realocação em área distante da praia.
Conforme a Defensoria Pública da União pode apurar em visita ao local:
não há interesse das pessoas em serem realocadas.
2.4. Hoje a comunidade é composta em grande parte da 2ª ou 3ª
gerações de pescadores; o local pode ser considerado de multiplicação da
cultura da pesca e subsistência; nesta condição, está protegida por diversos
regulamentos internacionais.
2.5. Assim, o objetivo principal desta ACP é a manutenção da
comunidade em seu local, mediante a adoção de providências que
permitam a coexistência com o fluxo da rodovia BR 101.
2.6. Destaca-se, desde já, que há grande obra de readequação de
fluxo – conhecido “contorno viário externo” –, que acarretará considerável
redução do tráfego de veículos na área.
2.7. Também deve ser considerada a existência de um posto da
Polícia Rodoviária Federal bem na área; por isso, já há severa redução de
velocidade na região.
2.8. Poder-se-ia pensar na colocação de sinalização ostensiva,
bem como controladores de velocidade, que mitigassem ainda mais os
riscos. Já há uma passarela subterrânea para travessia entre dois lados da
rodovia.
2.9. Ou seja, medidas simples, razoáveis e de baixo custo
poderiam permitir a coexistência pacífica da rodovia e da comunidade
tradicional; sem acarretar aos bolsos dos contribuintes grandes prejuízos
financeiros que poderão advir de indenizações; e havendo respeito ao
patrimônio cultural e social que é a comunidade de pescadores artesanais
de São Miguel.
3. DOS RÉUS
3.1. A AUTOPISTA é a concessionária da rodovia, estando a
frente das tentativas da retirada dos moradores da área, por expressa
outorga de poderes prevista no contrato de concessão.
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3.2. Entre os deveres previstos no do Edital 003/2007, atinentes a
vencedora, importa ressaltar o seguinte item 16.7, c): controlar todos os
terrenos e edificações integrantes da Concessão e tomar todas as medidas
necessárias para evitar e sanar uso ou ocupação não autorizada desses
bens, inclusive na "area non aedificandi", mantendo a ANTT informada a
esse respeito. (Contrato em anexo)
3.3. Em reunião anterior ao ajuizamento desta ACP, foi requerido
pelo Município de Biguaçu e pela DPU, especial atenção da Agência sobre
o local e das situações provocadas pela concessionária.
3.4. Quanto à ANTT, Agência Reguladora da área, escolheu ficar
ao lado da Concessionária, pedindo para ingressar em feitos individuais na
condição de assistente da AUTOPISTA. Isso pode ser visto no Evento 07,
do Processo nº 5029769-88.2016.4.04.7200, que corre na 2ª Vara Federal
de Florianópolis.
3.5. Ou seja, pela postura contrária à comunidade tradicional,
deve ser também acionada nesta Ação como ré.
3.6. Já em relação à UNIÃO, existem diversos imóveis que estão
regularmente inscritos da SPU, pagando a taxa de ocupação; parecem, pois,
estarem sendo tratados como regulares.
3.7. A faixa “non aedificandi” da rodovia atinge diretamente bem
público, a saber, praia e faixa de areia conforme gráfico abaixo:
3.8. Nesse contexto, pede-se que a UNIÃO se manifeste se
pretende seguir na posição de ré nesta Ação Civil Pública ou litigar ao lado
da DPU como autora.
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3.9. O mesmo se aplica ao Município de Biguaçu, o qual tem por
dever constitucional promover o adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação
do solo urbano, e que, até agora, vem demonstrando estar ao lado da
Comunidade.
4. DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA
4.1. A Defensoria Pública da União está legitimada para causa,
nos termos do artigo 134 da CF; art. 5º, inciso II, da Lei nº 7.347/1985,
com a redação dada pela Lei nº 11.448/07; e, art. 4º, incisos VII e VIII, da
Lei Complementar nº 80/1994, com as modificações instituídas pela Lei
Complementar nº 132/09.
4.2. O STF julgou constitucional a legitimidade da Defensoria
Pública para propor ações civis públicas:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR
AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985,
ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE
INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E
DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA:
INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À
JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS
HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS
CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE
EXCLUSIVIDAD DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO
DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO
INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO
RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA
PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.” (ADI 3943, STF,
Tribunal Pleno, Minª. Cármen Lúcia, 07-05-2015)
4.3. Também foi julgado Recurso Extraordinário, em regime de
repercussão geral, a legitimidade da Defensoria Pública defender Direitos
Difusos em juízo:
“EMENTA Direito Processual Civil e Constitucional. Ação civil pública.
Legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública em
defesa de interesses difusos. Interpretação do art. 134 da Constituição
Federal. Discussão acerca da constitucionalidade do art. 5º, inciso II, da Lei
nº 7.347/1985, com a redação dada pela Lei nº 11.448/07, e do art. 4º,
incisos VII e VIII, da Lei Complementar nº 80/1994, com as modificações
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instituídas pela Lei Complementar nº 132/09. Repercussão geral
reconhecida. Mantida a decisão objurgada, visto que comprovados os
requisitos exigidos para a caracterização da legitimidade ativa. Negado
provimento ao recurso extraordinário. Assentada a tese de que a Defensoria
Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pública que vise a
promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam
titulares, em tese, pessoas necessitadas.” (RE 733433, STF, TRIBUNAL
PLENO. Min. Dias Toffoli, 04-11-2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO) (GRIFEI)
4.4. Também, o STJ:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DEFENSORIA
PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
MUTUÁRIOS. SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL.
PERTINÊNCIA SUBJETIVA. NECESSITADOS. SENTIDO AMPLO.
PERSPECTIVA ECONÔMICA E ORGANIZACIONAL. 1.Cinge-se a
controvérsia a saber se a Defensoria Pública da União detém legitimidade
para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais
homogêneos, a exemplo dos mutuários do SFH. 2. A Defensoria Pública é
um órgão voltado não somente à orientação jurídica dos necessitados, mas
também à proteção do regime democrático e à promoção dos direitos
humanos e dos direitos individuais e coletivos. 3. A pertinência subjetiva da
Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses
transindividuais está atrelada à interpretação do que consiste a expressão
"necessitados" (art. 134 da CF) por "insuficiência de recursos" (art. 5º,
LXXXIV, da CF). 4. Deve ser conferido ao termo "necessitados" uma
interpretação ampla no campo da ação civil pública para fins de atuação
inicial da Defensoria Pública, de modo a incluir, para além do
necessitado econômico (em sentido estrito), o necessitado organizacional,
ou seja, o indivíduo ou grupo em situação especial de vulnerabilidade
existencial. 5. O juízo prévio acerca da coletividade de pessoas
necessitadas deve ser feito de forma abstrata, em tese, bastando que possa
haver, para a extensão subjetiva da legitimidade, o favorecimento de grupo
de indivíduos pertencentes à classe dos hipossuficientes, mesmo que, de
forma indireta e eventual, venha a alcançar outros economicamente mais
favorecidos. 6. A liquidação e a execução da sentença proferida nas ações
civis públicas movidas pela Defensoria Pública somente poderá ser feita
aos que comprovarem insuficiência de recursos, pois, nessa fase, a tutela
de cada membro da coletividade ocorre de maneira individualizada.
7. Recurso especial provido.” (REsp 1449416/SC, Rel. Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2016,
DJe 29/03/2016)
4.5. Neste caso, trata-se de interesse de comunidade tradicional
de pescadores que está sobre área da União, havendo interesse de grupo
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vulnerável na tutela de direito cultural e ambiental, sendo expressa a
legitimidade da DPU, nos termos do art. 4º, inc. X, da LC 80/94:
“Art. 4 - São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras
(...)
X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos
necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais,
econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de
ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação dada
pela Lei Complementar nº 132, de 2009).”
4.6. Ou seja, a DPU é parte legítima para causa.
5. DO DIREITO
5.1. O reconhecimento do direito à moradia digna e adequada é
um direito humano protegido em diversos tratados internacionais, os quais
o Brasil voluntariamente aderiu. Um desses diplomas é a Declaração
Universal dos Direitos Humanos que diz:
“Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua
família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança
em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos
de perda dos meios de subsistência fora de seu controle (NAÇÕES
UNIDAS, 1948).”
5.2. Além disso, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais também estabeleceu garantias dentre as
quais a de uma moradia digna e adequada, conforme disposto no
Comentário Geral n° 4 de 12-12-19911.
5.2.1. O exercício do direito a moradia deve ser revestido de
garantias, dentre as quais: o direito de viver em um lugar com segurança,
paz, e dignidade sendo observada a segurança jurídica da posse.
5.3. Não é outro o entendimento do Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto nº 591 de 1992) que, em
inteira consonância com os direitos já mencionados na Declaração, assim
advertiu sob a forma de preceitos obrigatórios e vinculantes:
1 Conforme http://www.sdh.gov.br/assuntos/bibliotecavirtual/promocao-e-defesa/publicacoes-
2013/pdfs/direito-a-moradia-adequada, acesso em 28-06-2017
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Art. 11-1: “Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de
toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família,
inclusive à alimentação, vestimenta, e moradia adequadas, assim como uma
melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão
medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito,
reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação
internacional fundada no livre consentimento”.
5.4. Também na Constituição o Direito à Moradia é consagrado
como Direito Fundamental (social) previsto no art. 6º, sendo
responsabilidade de todos os entes, conforme preceitua o art. 23, IX.
5.5. Quando se fala no âmbito das relações de moradia, cumpre
ressaltar também a importância do princípio da função social da
propriedade, previsto no art. 5º, XXIII c/c art. 170, III da Constituição.
5.6. Se de um lado, a Constituição garantiu o direito fundamental
à propriedade, de outro estabeleceu que para ser juridicamente protegida
deve cumprir uma função social.
5.6.1. Neste sentido, o direito subjetivo da propriedade não se
limita pela origem e pelo título, mas sim pela extensão desse direito
compatível com o bem coletivo, a segurança e o bem-estar dos cidadãos.
5.7. A farta documentação que ora se junta, comprova que a
comunidade de São Miguel tradicionalmente exerce a atividade de pesca de
subsistência, vinculada plenamente ao local, área que cumpre assim uma
importantíssima função social, inclusive preservando a cultura histórica,
patrimônio histórico imaterial.
5.8. A defesa do patrimônio cultural imaterial é marca indelével
da Constituição Federal, arts. 215 e 216, também sendo direito resguardado
pela Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho – OIT e Decreto
nº 6.040/2007.
5.9. Em relação à Convenção 169, recepcionada pelo Decreto
5.051/04, ampara as comunidades tradicionais e reconhece uma série de
direitos específicos aos povos indígenas e a grupos cujas condições sociais,
econômicas e culturais os distingam de outros setores da coletividade
nacional. No art. 14 fica estabelecido que:
“1. Os direitos de propriedade e posse de terras tradicionalmente ocupadas
pelos povos interessados deverão ser reconhecidos. Além disso, quando
justificado, medidas deverão ser tomadas para salvaguardar o direito dos
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povos interessados de usar terras não exclusivamente ocupadas por eles às
quais tenham tido acesso tradicionalmente para desenvolver atividades
tradicionais e de subsistência. Nesse contexto, a situação de povos nômades
24 e agricultores itinerantes deverá ser objeto de uma atenção particular”
5.10. Os pescadores e maricultores da Comunidade tradicional de
São Miguel/Biguaçu constituem população tradicional, que apresentam
modos de criar, fazer, e viver, amparados pelo art. 216 da Constituição
Brasileira, verdadeiro patrimônio cultural brasileiro.
5.11. Também o Decreto 6.040/2007, que instituiu a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais - PNPCT reconheceu o conceito de Povos e Comunidades
Tradicionais como “grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização
social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição
para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela
tradição”.
5.12. E o só fato de se tratar de área da UNIÃO não basta à
retirada compulsória do local. Conforme já decidiu o E. TRF4:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO EM
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. DIREITO
À MORARIA. PRINCÍPIOS DA PROPROCIONALIDADE E
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Em que pese a importância do
direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme preceitua
a CF/88, não se pode olvidar que à proteção da dignidade da pessoa humana
é princípio fundamental da República, insculpido no art.1.º da Carta
Constitucional, sendo quiçá a razão de ser do Estado. Em face das precárias
condições financeira e física da moradora do imóvel construído em área de
preservação permanente, determinar a sua demolição e a consequente
remoção da apelante de sua residência acarretaria prejuízo
incomparavelmente maior do que aquele suportado pelo meio ambiente.”
(Apelação Cível nº 0004307-40.2004.404.7200/SC, 4ª Turma do TRF4,
Des. Fed. Jorge Antônio Maurique, 29-09-2010)
5.13. Inclusive, no Decreto-Lei nº 2.490/1940, que estabelece o
regramento sobre a ocupação dos terrenos de marinha, é estabelecida a
preferência aos pescadores no aforamento de áreas necessárias à prática de
suas atividades:
Art. 10. Tem preferência para a concessão do aforamento. (...) 7º, os
pescadores nacionais ou colônias de pescadores nacionais, que se
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proponham á criação de estabelecimentos de pesca ou de indústria
resultante, relativamente aos terrenos de marinha e seus acrescidos
situados nas costas de terra firme e nas ilhas.
5.14. Há perfeita possibilidade de manutenção da comunidade
tradicional no exato lugar em que se encontra. Pode-se, inclusive, adotar
providências baratas e simples para permitir uma utilização ainda mais
segura da área, que está localizada atrás de Posto da Polícia Rodoviária
Federal.
5.15. Conforme já referido acima, pode-se entender que a
remoção das famílias sequer atende ao princípio da razoabilidade, que deve
nortear a realização de qualquer ato administrativo (art. 2º, Lei 9.784/99).
6. DA MANIFESTAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES
6.1. A Câmara de Vereadores da Biguaçu encaminhou à
Defensoria Pública da União Moção de Apoio à permanência da
comunidade.
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6.2. Conforme a DPU pode constatar nas vistorias realizadas, há
grande clamor no Município pela defesa dos moradores, podendo ser
percebido sentimento generalizado de inconformidade com a ação dos réus.
7. DA SUSPENSÃO DOS PROCESSOS INDIVIDUAIS
7.1. A sistemática adotada pelo Novo Código de Processo Civil
privilegia a solução coletiva de demandas repetitivas, sendo que, neste
caso, os diversos processos individuais que estão sendo propostos pela
AUTOPISTA e ANTT devem ser reunidos no juízo da Ação Civil Pública,
sendo sobrestados até que se decida a macro lide.
7.2. Sobre o tema, a decisão em pelo rito do Recurso Repetitivo
do E. STJ:
RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSPENSÃO.
AÇÃO INDIVIDUAL. A Seção, ao apreciar REsp submetido ao regime do
art. 543-C do CPC e da Res. n. 8/2008-STJ, por maioria, firmou o
entendimento de que, ajuizada a ação coletiva atinente à macro lide geradora
de processos multitudinários, admite-se a sustação de ações individuais no
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aguardo do julgamento da ação coletiva. Quanto ao tema de fundo, o Min.
Relator explica que se deve manter a suspensão dos processos individuais
determinada pelo Tribunal a quo à luz da legislação processual mais recente,
principalmente ante a Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/2008),
sem contradição com a orientação antes adotada por este Superior Tribunal
nos termos da legislação anterior, ou seja, que só considerava os
dispositivos da Lei da Ação Civil Pública. Observa, ainda, entre outros
argumentos, que a faculdade de suspensão nos casos multitudinários abre-se
ao juízo em atenção ao interesse público de preservação da efetividade da
Justiça, que fica praticamente paralisada por processos individuais
multitudinários, contendo a mesma lide. Dessa forma, torna-se válida a
determinação de suspensão do processo individual no aguardo do
julgamento da macro lide trazida no processo de ação coletiva embora seja
assegurado o direito ao ajuizamento individual. (REsp 1.110.549-RS, Rel.
Min. Sidnei Beneti, julgado em 28/10/2009. – Informativo nº 413,
outubro/2009).
7.3. A DPU possui uma lista preliminar das Ações propostas:
7.4. Todavia, não há certeza sobre o número exato de processos;
isso poderá ser melhor esclarecido pelos réus, inclusive tendo em vista o
dever de lealdade processual e boa-fé.
8. DA LIMINAR – TUTELA DE URGÊNCIA
8.1. O perigo de dano fica evidente, considerando as possíveis
lesões ao direito de moradia das famílias da comunidade tradicional, bem
como o risco pela proximidade da via, em mau estado de conservação.
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8.2. Além da velocidade – que somente é reduzida no Posto da
Polícia Rodoviária –, há falta de sinalização e uma grande declividade no
acostamento, conforme se pode verificar na seguinte foto:
8.3. Desde já, inclusive por estar expressamente previsto no
contrato de concessão, é dever da AUTOPISTA e da ANTT implementar
todas as medidas técnicas para minorar os riscos de utilização da área, seja
pela comunidade, ou pelos usuários da rodovia.
8.4. Uma das áreas com maior índice de acidentes na região –
conforme apurado informalmente junto à Prefeitura de Biguaçu – é a curva
que antecede a comunidade e o Posto da Polícia Rodoviária Federal:
8.5. Na foto acima, inclusive, pode-se notar marcas de acidentes
no acostamento e muro de contenção. Uma das medidas que poderiam ser
tomadas de imediato é a redução de velocidade – utilizando radar – antes
da curva.
8.6. Ou seja, desde já podem ser implementadas medidas que
beneficiarão não só a comunidade, mas todos os usuários.
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9. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS
9.1. Ante o exposto, requer-se:
9.1.1. Sejam os réus intimados para, previamente, no prazo legal,
manifestem-se sobre os termos da Inicial, sendo determinado:
a) à AUTOPISTA que apresente a lista completa de ações que
ingressou referentes à área.
b) à UNIÃO e à PREFEITURA DE BIGUAÇU que digam se
seguem como réus ou se pretendem integrar o polo ativo da demanda.
c) Intimação do Ministério Público Federal.
9.2. LIMINARMENTE, pede-se que:
9.2.1. enquanto estiver tramitando esta Ação, que sejam
sobrestadas todas as ações relativas à remoção da Comunidade de São
Miguel/Biguaçu da área que tradicionalmente ocupa, com reunião dos
processos no juízo da ação coletiva;
9.2.2. seja vedado aos réus que ingressem nas áreas particulares
sem a devida autorização ou molestem a posse dos moradores, inclusive
mediante o corte de serviços públicos, tais como, fornecimento de água,
energia elétrica etc;
9.2.3. seja determinado à AUTOPISTA e ANTT que promovam
imediatamente obras que permitam uma utilização segura da área pela
comunidade, notadamente com a melhoria do acesso – retirada da
declividade –, sinalização e redução de velocidade desde o trecho anterior à
curva que antecede o Posto da Polícia Rodoviária Federal.
9.3. Requer-se a marcação de audiência para tentativa de
conciliação, na qual seja garantida a participação, com voz, aos moradores
ocupantes da área, assegurada a presença de um magistrado federal na
condução do ato, inclusive consideradas as peculiaridades e complexidade
da lide.
9.4. Requer-se a citação dos Réus, na pessoa de seus
representantes legais, para que, no prazo legal, querendo, apresentem
defesa.
Rua Frei Evaristo, 142- Centro – 88.015-410 - Florianópolis - SC Telefone: (48) 3221-9400 – www.dpu.def.br
9.5. NO MÉRITO, pede-se que:
9.5.1. seja reconhecido o direito de permanência dos moradores
na área, mediante plena legalização junto às instituições públicas, seja
Prefeitura ou UNIÃO, inclusive com regularização da ocupação mediante
inscrição na Secretaria de Patrimônio da União – para os que ainda não a
tem;
9.5.2. a AUTOPISTA e ANTT sejam condenada a implementar
medidas que resguardem a ocupação segura do local, seja com redução de
velocidade da rodovia, colocação de placas de sinalização, tapumes,
radares, correção de declividades etc;
9.5.3. ao final, inclusive sendo levado em conta o caráter dúplice
das demandas possessórias, o julgamento de improcedência das Ações de
Reintegração de posse ajuizadas pelos réus AUTOPISTA e ANTT.
9.6. Pede-se a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e
outros encargos.
9.7. Por fim, pede-se a condenação dos réus em honorários à
Defensoria Pública da União.
9.8. Requer-se a produção de todos os meios de prova em direito
admitidos, em especial a documental, testemunhal e pericial, sendo desde já
solicitada a realização de perícia antropológica para comprovação da
existência de comunidade tradicional.
Atribui à causa o valor de R$ 100.000,00.
Pede deferimento.
Data, Hora e Local do EPROC.
João Vicente Pandolfo Panitz Defensor Público Federal,
Defensor Regional de Direitos Humanos da DPU/SC