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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR RELATOR DA SEGUNDA SEÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO Denúncia nº 001/2018 – LPCN/PRR-1/MPF IP nº 0025962-98.2016.4.01.0000/BA (IPL nº 0047/2016) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador Regional da República infra-assinado, em conformidade com o art. 129, inciso I da Constituição da República, o art. 6º, inciso V da Lei Complementar nº 75/1993, o art. 410 do Regimento Interno desse Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, vem oferecer DENÚNCIA contra 1. WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, CPF nº 803.423.105-34, prefeito do Município de Encruzilhada/BA, podendo ser intimado na sede da Prefeitura localizada na Praça Pedro Ferraz, nº 23, Centro, Encruzilhada/BA ; 2. ANTÔNIO COSME SILVA, CPF nº 086.255.735-68, residente e domiciliado na Rua Guilhermino Novais, 163, Recreio, Vitória da Conquista/BA ; 3. PAULO CESAR LIMA BRITO, CPF nº 709.738.655-04, residente e domiciliado na Rua D, casa nº 32A, Loteamento Vila Marina, Bairro Felícia, Vitória da Conquista/BA ;

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR RELATOR DA SEGUNDA

SEÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO

Denúncia nº 001/2018 – LPCN/PRR-1/MPFIP nº 0025962-98.2016.4.01.0000/BA (IPL nº 0047/2016)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador

Regional da República infra-assinado, em conformidade com o art. 129, inciso I da

Constituição da República, o art. 6º, inciso V da Lei Complementar nº 75/1993, o art. 410

do Regimento Interno desse Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, vem oferecer

DENÚNCIA

contra

1. WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, CPF nº 803.423.105-34, prefeito do

Município de Encruzilhada/BA, podendo ser intimado na sede da Prefeitura localizada na

Praça Pedro Ferraz, nº 23, Centro, Encruzilhada/BA;

2. ANTÔNIO COSME SILVA, CPF nº 086.255.735-68, residente e domiciliado

na Rua Guilhermino Novais, 163, Recreio, Vitória da Conquista/BA;

3. PAULO CESAR LIMA BRITO, CPF nº 709.738.655-04, residente e

domiciliado na Rua D, casa nº 32A, Loteamento Vila Marina, Bairro Felícia, Vitória da

Conquista/BA;

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4. MARCOS MENEZES MOREIRA, CPF nº 603.873.195-49, residente e

domiciliado na Avenida Burle Max, nº 92, Cidade Jardim, Boa Vista, Vitória da

Conquista/BA;

5. ANA KAROLINNE ADOLFO DA SILVA, CPF nº 035.259.365-24, residente e

domiciliada na Av. Expedicionários, nº 153, Recreio, Vitória da Conquista/BA;

6. VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO, CPF nº 316.578.005-63, residente e

domiciliado na Av. Alquelino José Dias, nº 30, Nova Brasília, Centro, Ribeirão do

Lago/BA; e

7. JOSENI SILVA DE SANTANA, CPF nº 440.702.845-91, residente e

domiciliada na Rua 36, casa 45, CONVEIMA, Vitória da Conquista/BA;

tendo em vista o quanto apurado no inquérito policial referido e pelos fatos criminosos a

seguir narrados1.

I – ESCLARECIMENTOS INICIAIS

A presente denúncia criminal tem por base os inclusos autos de inquérito

policial, no qual se apurou que os acusados associaram-se de forma ordenada e mediante

divisão de tarefas para a prática de diversos crimes, no período de 2011 a 2016, visando à

obtenção de vantagens pecuniárias em detrimento de inúmeros municípios no Estado da

Bahia.

Para tanto, os denunciados promoveram dispensa ou inexigibilidade de

licitações fora das hipóteses previstas em lei, simulação de procedimentos licitatórios e

contratação pública para o desvio e ocultação de recursos públicos repassados pelos

Fundos Municipais de Saúde à cooperativa de profissionais de saúde fictícia, denominada

COOPERATIVA DE TRABALHO COOPERLIFE – COOPERATIVA DE

TRABALHADORES NA SAÚDE, e ao final, realizaram a lavagem do dinheiro não

utilizado para pagamento dos serviços médicos.

1 Todos qualificados, respectivamente, às fls. 453, 390, 405, 294, 398, 304, 298 do volume II do inquéritopolicial em epígrafe. Relatórios de Pesquisa nºs 156 a 162/2018 anexos à cota à denúncia.

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Em que pese o recebimento da impressionante quantia de R$

121.340.119,53 (cento e vinte e um milhões, trezentos e quarenta mil, cento e dezenove

reais e cinquenta e três centavos) de 30 (trinta) prefeituras baianas, entre 2011 e 20162, a

presente denúncia tem por objeto os crimes praticados pelos denunciados entre 2013 e

2014 em Ribeirão do Largo/BA, pequeno município com população estimada de 7.437

(sete mil quatrocentos e trinta e sete) habitantes3.

II – DA CONDUTA DOS RÉUS

II – 1 – DO CRIME DE DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO (ART. 89 DA LEI Nº

8.666/93)

Entre os dias 02.01.2013 e 20.02.2013, os denunciados VALDOMIRO

GUIMARÃES BRITO e WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, como autor e partícipe

respectivamente, com vontade e consciência, dispensaram licitação fora das hipóteses

previstas em lei e sem observar as formalidades pertinentes, inclusive para assegurar a

prática de outros crimes de desvio e ocultação de recursos públicos destinados à saúde.

Com efeito, VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO, então prefeito do

município de Ribeirão do Largo/BA, no quadriênio 2013/2016, como partícipe, aderindo à

prática de crimes pela organização criminosa acima mencionada, num dos primeiros atos

de sua gestão, editou o Decreto nº 14, de 02.01.2013, com vigência de 30 (trinta) dias, para

declarar estado de emergência no Município de Ribeirão do Largo de forma genérica, em

razão do suposto “caos administrativo” deixado pela administração anterior, o que

justificaria, então, a aquisição de bens e a contratação de serviços por dispensa e

inexigibilidade de licitação, consoante arts. 1º e 7º do próprio ato normativo (fls. 67-68).

Em verdade, o referido decreto criou uma falsa situação de emergência, para

embasar a adequação à hipótese do art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/934 e, assim,

2 Conforme relatório da Controladoria Regional da União no Estado da Bahia, constante do IP nº0025962-98.2016.4.01.0000/BA (IPL nº 0047/2016), vol. II, fls. 270-281.

3 Fonte: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/ribeirao-do-largo/panorama4 Lei nº 8.666/93 Art. 24. É dispensável a licitação:

… IV-nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento desituação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços,

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promover a contratação da COOPERLIFE, cooperativa utilizada pela organização

criminosa e representada pelo denunciado WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, mediante

dispensa de licitação. Tal avença efetivamente ocorreu por meio do Procedimento de

Dispensa nº 003/2013 – destinado à contratação de cooperativa para a intermediação de

serviços médicos especializados, plantonistas e outros profissionais de saúde para o

município –, concluído e adjudicado à cooperativa pelo valor global de R$ 238.000,00

(duzentos e trinta e oito mil reais), no incrível interregno de dois dias após a edição

decreto, isto é, em 04.01.2014 (fl. 73).

Registre-se que até essa data não havia nenhuma solicitação desses serviços

médicos pela Secretaria Municipal de Saúde, o que veio a ocorrer somente muitos dias

após a contratação.

Ademais, a própria Secretária de Saúde do município, JOSENI SILVA DE

SANTANA, fora avisada pelo denunciado VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO, antes

dos procedimentos licitatórios, de que a COOPERLIFE seria contratada para a prestação de

serviços médicos, demonstrando, assim, o especial fim de agir de lesar o erário e promover

o enriquecimento ilícito dos integrantes da organização criminosa por meio da dispensa de

licitação.

Além disso, no momento da contratação, o valor de contratação pelos

serviços médicos foi fixado sem metodologia alguma. Não houve pesquisa de preços de

mercado, quantificação e especificação detalhada dos serviços a serem prestados com

planilhas ou estimativas de custo por seus preços unitários.

O denunciado VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO, não obstante todas

as irregularidades existentes, voluntária e conscientemente, ratificou formalmente a

dispensa de licitação referida (fl. 72), adjudicou o seu objeto (fl. 73), autorizou o empenho

(fl. 74) e assinou o Contrato Administrativo nº 012/2013 referente à dispensa (fls. 75-78v),

na mesma data em 04.01.2013.

Por sua vez, o denunciado WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, como

presidente da COOPERLIFE, voluntariamente e com pleno conhecimento das

equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimentoda situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídasno prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência daemergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

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irregularidades, assinou nessa mesma data, o Contrato Administrativo nº 012/2013

referente à dispensa, com vigência até 04/03/2013 (fls. 75-78v).

Em seguida, o denunciado VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO, como

prefeito, sem nenhuma comprovação de fiscalização ou de execução dos serviços

prestados, entre os meses de janeiro e fevereiro de 2013, promoveu o pagamento à

COOPERLIFE, referente à dispensa de licitação, por meio dos processos de liquidação nº

313, 298, 300, 205, 206, 624, 363 e 362, no montante de R$ 266.178,87 (duzentos e

sessenta e seis mil, cento e setenta e oito reais e oitenta e sete centavos), conforme

documentos constantes da mídia do Auto de Apreensão, encaminhada pelo Ofício 64/2016

pela Prefeitura Ribeirão do Largo.

Por conseguinte, o denunciado WEKISLEY TEIXEIRA SILVA,

representante da COOPERLIFE, concorrendo para a consumação da ilegalidade na

contratação pública, beneficiou-se pecuniariamente da dispensa ilegal.

A pressa na deflagração do processo de dispensa foi tamanha que o parecer

da comissão permanente de licitação (fl. 71), também proferido em 04.01.2013, referiu-se à

contratação da COOPERLIFE para a prestação de serviços de zeladoria urbana e de coleta

de lixo, teor absolutamente genérico e dissociado das atividades de uma cooperativa

médica, o que foi corrigido pelo denunciado VALDOMIRO no ato administrativo de

ratificação do processo de dispensa (fl. 72 do IP).

Não bastasse isso, como assinalado, a contratação de profissionais

prestadores de serviços médicos foi solicitada pela Secretaria Municipal de Saúde somente

em 18.01.2013 (fl. 84) e a avaliação de preço de mercado requisitada por VALDOMIRO

em 22.01.2013 (fl. 85), e cujo valor de R$ 1.500.000,00 foi apresentado de forma

imprecisa5 em 23.01.2013 (fl. 85v), a realçar de forma inconteste a inobservância das

formalidades pertinentes à dispensa.

A materialidade e a autoria do delito do art. 89, caput da Lei nº 8.666/1993

foram demonstradas pelas provas documentais e testemunhais, especialmente pelos

seguintes elementos probatórios: i) cópia do Decreto nº 14, de 02.01.2013, expedido por

5 De fato, a avaliação de preços de mercado realizada pela divisão de compras da prefeitura apresentaapenas um valor global de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), sem qualquerdetalhamento da metodologia ou das fontes utilizadas para se chegar a esse montante (fl. 85v doinquérito).

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VALDOMIRO (fls. 67-68); ii) cópia do parecer da comissão permanente de licitação (fl.

71); iii) ratificação do ato formal de dispensa de licitação, expedido por VALDOMIRO (fl.

72); iv) ordem de empenho e quitação dirigida por VALDOMIRO ao setor de

contabilidade da prefeitura de Ribeirão do Largo/BA em 04.01.2013 (fl. 74); v) cópia do

contrato administrativo nº 012/2013, assinado por VALDOMIRO e WEKISLEY (fls. 75-

78); vi) autorizações de pagamento das despesas do contrato por VALDOMIRO (fls. 79-

82); vii) solicitação de abertura de procedimento licitatório formulada por JOSENI SILVA

DE SANTANA apenas em 18.01.2013 (fl. 84); viii) solicitação de estimativa de custos por

VALDOMIRO e resposta da divisão de compras da prefeitura em 23.01.2013 (fls. 85-

85v); e ix) cópia integral do processo de dispensa de licitação e processos de pagamento e

liquidação constantes na mídia do Auto de Apreensão, encaminhada pelo Ofício 64/2016

pela Prefeitura Ribeirão do Largo

O elemento subjetivo do tipo, por sua vez, é revelado principalmente pelas

seguintes circunstâncias: i) o caráter genérico do decreto expedido por VALDOMIRO; ii)

a incomum celeridade do procedimento de dispensa nº 003/2013 – iniciado e concluído no

mesmo dia; iii) a solicitação dos serviços por parte da secretaria municipal de saúde e pela

realização de estimativa de preços apenas posteriormente; e iv) as declarações de JOSENI

perante a autoridade policial no sentido de que, em janeiro de 2013, o então prefeito

VALDOMIRO já havia comunicado à secretária municipal de saúde que a COOPERLIFE

seria a responsável pela contratação e pelo pagamento dos profissionais da área de saúde

(vol. II, fls. 298-299 do IP).

Em suma, essas circunstâncias desvelam a vontade livre e consciente de

VALDOMIRO e de WEKISLEY no sentido de dispensar indevidamente licitação e de

não observar as formalidades pertinentes à dispensa, com o intuito de causar dano ao erário

e enriquecimento ilícito, concretizado a partir da utilização de apenas parte dos recursos na

execução do objeto contratual e do desvio da quantia remanescente6.

Por fim, o dolo de causar dano ao erário já era evidenciado no próprio

contrato administrativo nº 12/2013, o qual previu no § 4º da cláusula terceira: “pelos

serviços enumerados nos itens acima salientamos que as despesas serão computadas da

seguinte forma – 60% dos serviços serão computados com pessoal e 40% serão

computados em insumos no intuito de não ser contabilizado todo o valor dentro do

6 Esse desvio de recursos públicos será tratado em novo tópico adiante.6

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limite estipulado no art. 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal” (fl. 75v do IP). Não

bastasse a clara intenção de burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal, foi amplamente

comprovado nos autos que o pequeno Município de Ribeirão do Largo/BA fornecia

integralmente os insumos para a execução dos serviços de saúde de forma contrária ao que

fora pactuado, consoante depoimentos prestados por Luís Mário da Silva Moreira (fls. 228-

229 do IP), por Fábio Santos Prado (fls. 242-243 do IP) e por Ivaldo Pereira de Araújo e

Silva (fls. 146-147 do IP).

II-2 – DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO (ART. 1º, INCISO

I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67)

No período de 16.01.2013 a 29.04.2014, os denunciados VALDOMIRO

GUIMARÃES BRITO, como prefeito do Município de Ribeirão do Largo/BA, JOSENI

SILVA DA SANTANA, Secretária Municipal de Saúde, WEKISLEY TEIXEIRA SILVA,

presidente da COOPERLIFE, MARCOS MENEZES MOREIRA, representante da

COOPERLIFE, PAULO CÉSAR LIMA BRITO, secretário da COOPERLIFE, e

ANTÔNIO COSME SILVA, representante oculto da TRANSCOPS, como autores e

partícipes, com vontade e consciência, apropriaram-se de bens e rendas públicas e as

desviaram em proveito próprio ou alheio, no mínimo setenta e uma vezes, no montante de

R$ 693.529,57 (seiscentos e noventa e três mil, quinhentos e vinte e nove reais e cinquenta

e sete centavos)

Para tanto, dando continuidade ao esquema criminoso e com o intuito de

simular licitação para posteriormente apropriar e desviar os recursos públicos de saúde, em

fevereiro de 2013, o denunciado VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO, como prefeito

de Ribeirão do Largo/BA autorizou e promoveu a publicação do edital do pregão presencial

nº 004/2013 – destinado à contratação de empresa para a prestação de serviços médicos

especializados e outros relacionados à saúde no município de Ribeirão do Largo/BA –, com

sessão pública marcada para o dia 19.02.2013.

Nessa sessão, apenas compareceu um representante técnico da

COOPERLIFE, o denunciado MARCOS MENEZES MOREIRA, quando foi

classificada a proposta no valor de R$ 1.458.000,00 (um milhão, quatrocentos e cinquenta7

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e oito mil reais), conforme ata assinada pela comissão de licitação e pelo denunciado

MARCOS MENEZES MOREIRA (fl. 98 do IP).

O pregão presencial nº 004/2013 foi promovido pelos denunciados de forma

simulada e seu caráter ilusório é revelado pelas seguintes circunstâncias: i) em janeiro de

2013 o denunciado e ex-prefeito VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO comunicou à

denunciada e então secretária municipal de saúde JOSENI SILVA DE SANTANA que a

COOPERLIFE seria a responsável pela contratação e pelo pagamento dos profissionais da

área de saúde; ii) a COOPERLIFE, por meio do denunciado WEKISLEY TEIXEIRA

SILVA, contratou com o município de Ribeirão do Largo/BA, em 01.03.2013 (Contrato

nº030/2013) sem qualquer registro no Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia,

em contrariedade ao disposto nos arts. 17 e 18 da Lei nº 5.764/1971, que define a Política

Nacional de Cooperativismo; iii) a denunciada JOSENI SILVA DE SANTANA

selecionava previamente os profissionais de saúde prestadores de serviço com base nos

currículos à disposição da secretaria municipal de saúde e, após, repassava uma relação das

pessoas a serem contratadas ao denunciado MARCOS MENEZES MOREIRA,

encarregado das tratativas da COOPERLIFE com a administração municipal; iv) a

COOPERLIFE, por sua vez, integrada pelos denunciados WEKISLEY TEIXEIRA

SILVA, MARCOS MENEZES MOREIRA e PAULO CÉSAR LIMA BRITO, apenas

realizava o pagamento dos profissionais previamente selecionados pela secretaria

municipal de saúde, os quais não faziam parte do reduzido quadro de cooperados da

entidade.

Destarte, os denunciados VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO, então

prefeito, JOSENI SILVA DE SANTANA, como secretária municipal de saúde, e

WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, presidente da cooperativa, com vontade e consciência

da simulação do ato, assinaram o contrato administrativo nº 030/2013, com vigência até

31.12.2013.

Percebe-se que tanto a dispensa de licitação fora das hipóteses previstas em

lei e a inobservância das formalidades pertinentes à dispensa (dispensa nº 003/2013), item

anterior, e a simulação do pregão presencial nº 004/2013 – arquitetadas por WEKISLEY e

MARCOS MENEZES e viabilizadas por VALDOMIRO – constituíram condutas

criminosas relevantes de um esquema criminoso de desvio de rendas públicas. No primeiro

os crimes foram praticados em concurso material e com desígnios autônomos – dispensa8

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ilegal da licitação e crime de responsabilidade na modalidade de desvio de recursos

públicos. No segundo caso, a simulação do pregão foi a forma escolhida pelos denunciados

para desviar recursos públicos (modus operandi), integrando-se ao iter criminis do crime

de responsabilidade de prefeito.

Assim, a partir da dispensa nº 003/2013 e do pregão presencial nº 004/2013,

a COOPERLIFE recebeu R$ 1.375.032,65 (um milhão, trezentos e setenta e cinco mil e

trinta e dois reais e sessenta e cinco centavos)7 da Prefeitura de Ribeirão do Largo/BA, para

suposta execução dos objetos contratuais, oriundos do Fundo Municipal de Saúde,

mediante pagamentos autorizados pelo denunciado VALDOMIRO GUIMARÃES

BRITO, à época prefeito da cidade. Desse montante, somente R$ 681.503,08 (seiscentos e

oitenta e um mil, quinhentos e três reais e oito centavos) foram efetivamente utilizados na

contratação de profissionais pela COOPERLIFE. O valor remanescente, no montante de

R$ 693.529,57 (seiscentos e noventa e três mil, quinhentos e vinte e nove reais e cinquenta

e sete centavos), foi desviado pelos denunciados em proveito próprio ou de terceiros.

Deve-se frisar que essa quantia remanescente não foi utilizada para as

finalidades da cooperativa ou foi destinada a outro fim por meio de deliberação em

assembleia geral, nos termos do art. 4º, inciso VII da Lei nº 5.764/19718, a reforçar

massivamente a ocorrência dos desvios.

De fato, a partir da análise dos relatórios de afastamento de sigilo bancário,

verifica-se que os denunciados WEKISLEY TEIXEIRA SILVA e ANTÔNIO COSME

SILVA, com o apoio técnico do denunciado PAULO CESAR LIMA BRITO, secretário

da COOPERLIFE e responsável por suas contas, e do denunciado MARCOS MENEZES

MOREIRA, também encarregado da movimentação financeira da cooperativa,

transferiram recursos públicos das contas da COOPERLIFE para inúmeros beneficiários,

dentre os quais os próprios denunciados WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, ANTÔNIO

COSME SILVA e JOSENI SILVA DE SANTANA, conforme quadro seguinte:

7 Valor decorrente da soma de todas as transferências bancárias identificadas no relatório da quebra desigilo bancário (fls. 358-359)

8 Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de naturezacivil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se dasdemais sociedades pelas seguintes características. (…) VII – retorno das sobras líquidas do exercício,proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da AssembleiaGeral.

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Descrição Período Valor total Beneficiário

47 (quarenta e sete)transferências bancárias(apenso I, vol. I, fls. 360-361 e 412 do IP)

16.01.2013 a 29.04.2014 R$ 165.600,00 WEKISLEY TEIXEIRA SILVA

19 (dezenove) depósitosbancários (apenso I, vol. I,fls. 376-388 e 419 do IP)

07.05.2013 a 24.04.2014 R$ 60.280,000 ANTÔNIO COSME SILVA

5 (cinco) transferênciasbancárias (apenso I, vol. I,fl. 450 do IP)

05.08.2013 a 31.01.2014 R$ 9.553,00 JOSENI SILVA DE SANTANA

Como dito anteriormente, a COOPERLIFE recebeu R$ 1.375.032,65 (um

milhão, trezentos e setenta e cinco mil e trinta e dois reais e sessenta e cinco centavos)

oriundos do fundo municipal de saúde de Ribeirão do Largo/BA para a execução dos

objetos contratuais (apenso I, vol. I, fls. 358-359 do IP). No entanto, apenas R$ 681.503,08

(seiscentos e oitenta e um mil, quinhentos e três reais e oito centavos) foram efetivamente

utilizados na contratação de profissionais pela COOPERLIFE, conforme relatório de

pagamentos em folha da cooperativa (apenso I, vol. I, fls. 435-449 do IP).

E tais trabalhadores foram selecionados diretamente pela denunciada

JOSENI mediante contato direto com MARCOS MENEZES MOREIRA, encarregado

da COOPERLIFE junto à administração municipal, conforme verificado no depoimento de

JOSENI (vol. II, fls. 298-299 do IP), bem como no instrumento de mandato por meio do

qual WEKISLEY e PAULO CESAR LIMA BRITO conferem amplos poderes a

MARCOS MENEZES para a prática dos atos pertinentes ao pregão presencial nº

004/2013, tais como assinar contratos, dar e receber quitação (fl. 89 do IP).

A realização dos desvios de recursos públicos decorrentes da relação

contratual em favor dos denunciados WEKISLEY, ANTÔNIO COSME SILVA e

JOSENI é visualizada nos documentos sumariados na tabela acima (item II.2) desta

exordial, os quais comprovam, ainda, a coautoria delitiva dos beneficiários.

No que concerne à participação de ANTÔNIO COSME SILVA nos

desvios, convém destacar que o denunciado participava informalmente da administração da

COOPERLIFE e chegou a tratar diretamente com médicos contratados sobre o pagamento

de salário. O vínculo entre WEKISLEY e ANTÔNIO COSME no esquema delituoso era

tão intenso que confundia os profissionais contratados pela COOPERLIFE e os servidores

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públicos de Ribeirão do Largo/BA. Segundo o médico contratado Ivaldo Pereira de Araújo

e Silva, “um dos proprietários da COOPERLIFE era o ex-prefeito de Encruzilhada/BA

ANTÔNIO COSME (…) e já fez contato com ANTÔNIO COSME por conta de atrasos

nos pagamentos de salário” (fl. 146 do IP). O servidor público municipal Rui Rodrigues

de Oliveira, presidente da comissão de licitação de Ribeirão do Largo/BA em 2013,

afirmou à autoridade policial que “PAULO é proprietário da cooperativa COOPERLIFE

juntamente com o ex-prefeito de Encruzilhada/BA ANTONIO COSME” (fl. 231 do IP).

Em relação a PAULO CESAR, sua condição de secretário da

COOPERLIFE (ata de assembleia geral ordinária às fls. 110-112 do IP) e o registro de seu

nome como corresponsável pelas contas da cooperativa nos relatórios de quebra de sigilo

bancário (apenso I, vol. I, fls. 370, 375 e 400 do IP), juntamente a WEKISLEY, gera a

certeza de sua responsabilidade pelos desvios efetuados, o que é corroborado pelo

depoimento do médico Ivaldo Pereira de Araújo e Silva, contratado pela COOPERLIFE em

2013, o qual afirmou perante a autoridade policial que “PAULO CESAR é técnico de

enfermagem e um dos responsáveis pelo escritório” (fls. 146-147 do IP).

O concurso de MARCOS MENEZES na empreitada criminosa, por seu

turno, inicia-se com sua participação ativa no pregão presencial nº 004/2013 – consoante

ata assinada por ele e pela comissão de licitação (fl. 98 do IP) –, prossegue na fase de

contratação dos profissionais por intermédio da secretaria de saúde (JOSENI) e encerra-se

na movimentação das contas bancárias da COOPERLIFE, admitida pelo próprio acusado

em declarações prestadas à autoridade policial (vol. II, fls. 294-296 do IP).

O dolo é extraído, de um lado, das próprias circunstâncias comprovadas

acima – mormente porque o recebimento reiterado de quantias provenientes da

COOPERLIFE sem qualquer fundamento legítimo torna clara a intenção criminosa –, e, de

outro, da flagrante ilegalidade dos desvios, porquanto os valores excedentes deveriam ter

retornado às finalidades da cooperativa ou serem destinados a outro fim conforme

deliberação em assembleia geral – nos termos do art. 4º, VII da Lei nº 5.764/1971 –, o que

não ocorreu no caso dos autos.

É relevante destacar, ainda, que os denunciados WEKISLEY, JOSENI,

MARCOS MENEZES e PAULO CESAR trabalharam diretamente nos atos de execução

do contrato administrativo, sendo irrefragável a vontade livre e consciente dos denunciados

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no sentido de desviar bens e rendas públicas, recursos financeiros oriundos do fundo

municipal de saúde de Ribeirão do Largo/BA.

Os desvios de recursos financeiros oriundos dos fundos municipais de saúde

– incluído o do Município de Ribeirão do Largo/BA – em benefício de inúmeras pessoas

físicas e de sociedades empresárias, contou ainda com um esquema de ocultação e de

dissimulação da origem, da localização e da propriedade desses valores, a seguir descrito.

II.3 – DOS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º, CAPUT, DA LEI Nº

9.613/98)

No período entre 08.01.2013 e 30.04.2014, os denunciados WEKISLEY

TEIXEIRA SILVA, MARCOS MENEZES MOREIRA, PAULO CESAR LIMA

BRITO, representantes da COOPERLIFE, e os denunciados ANTÔNIO COSME SILVA

e ANA KAROLINNE ADOLFO DA SILVA, representantes da TRANSCOPS, voluntária

e conscientemente, como autores e partícipes, ocultaram e dissimularam a natureza, a

origem, a localização e a propriedade de valores no montante de R$ 693.529,57 (seiscentos

e noventa e três mil, quinhentos e vinte e nove reais e cinquenta e sete centavos), por

dezenas de vezes, provenientes de infração penal tipificada no art. 1º, inciso I, do Decreto-

lei nº 201/67 (item anterior), qual seja, o desvio de recursos públicos destinados à saúde do

Município de Ribeirão do Largo/BA.

Com efeito, a partir do deferimento da medida cautelar de afastamento do

sigilo bancário da COOPERLIFE – presidida por WEKISLEY TEIXEIRA SILVA – e do

denunciado ANTÔNIO COSME SILVA – administrador de fato do grupo de cooperativas

TRANSCOPS, presidido por sua filha ANA KAROLINNE ADOLFO DA SILVA – foi

possível verificar um gigantesco fluxo de valores entre essas cooperativas por meio de

inúmeras transações bancárias ocorridas no período de 08.01.2013 a 30.04.2014, não

obstante a inexistência de relação contratual entre elas. Tampouco há similitude quanto às

atividades exercidas pelas cooperativas. O único ponto que as une é o parentesco entre

seus líderes.

Conforme se depreende do relatório de quebra de sigilo bancário (apenso I,

vol I., fls. 394-396 e 410-413 do IP), a COOPERLIFE, através das contas bancárias geridas

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pelos denunciados WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, PAULO CESAR LIMA BRITO e

MARCOS MENEZES MOREIRA, transferiu R$ 1.694.830,00 (um milhão, seiscentos e

noventa e quatro mil, oitocentos e trinta reais) às cooperativas do grupo TRANSCOPS

mediante 68 (sessenta e oito) movimentações financeiras. Desse montante, R$

1.287.330,00 (um milhão, duzentos e oitenta e sete mil, trezentos e trinta mil reais) são

provenientes da conta-corrente destinatária dos recursos do fundo municipal de saúde de

Ribeirão do Largo/BA, valor que engloba os R$ 693.529,57 (seiscentos e noventa e três

mil, quinhentos e vinte e nove reais e cinquenta e sete centavos) desviados no esquema

descrito no item anterior . Considerando o elevado número de transferências, infere-se

que pelo menos dezenas delas foram destinadas à ocultação e à dissimulação da origem, da

localização e da propriedade dos recursos federais desviados.

De outra banda, as cooperativas do grupo TRANSCOPS – administrado

pelo denunciado ANTÔNIO COSME sob o manto da identidade de sua filha ANA

KAROLINNE – remeteram no intervalo entre 02.01.2013 a 30.04.2014: i) R$ 253.200,00

(duzentos e cinquenta e três mil e duzentos reais) à COOPERLIFE por intermédio de 11

(onze) movimentações financeiras; e ii) R$ 156.350,00 (cento e cinquenta e seis mil,

trezentos e cinquenta reais) a ANTÔNIO COSME , por meio de 37 (trinta e sete)

transações bancárias (apenso I, vol. I, fls. 416-421 do IP).

As inúmeras operações financeiras envolvendo a COOPERLIFE e a

TRANSCOPS revelam a consecução de duas etapas do ciclo da lavagem de capitais9,

quais sejam, a ocultação e a dissimulação (mascaramento) da natureza, da origem, da

localização e da propriedade dos valores decorrentes dos desvios de rendas públicas,

suficientes para a configuração do delito. O suporte probatório da materialidade delitiva foi

devidamente indicado.

Quanto à autoria delitiva, cabe, prefacialmente, convencionar, para fins

dessa acusação, a distinção entre o “laranja” e o “testa de ferro”: o primeiro refere-se a uma

pessoa sem pleno conhecimento dos fatos ilícitos, que se oferece para representar outra ou

que é por outra usada para a prática de atividade ilegal, a exemplo de algumas pessoas

convidadas por WEKISLEY para integrar a COOPERLIFE quando de sua instituição,

9 O crime de lavagem de capitais estará consumado quando houver o primeiro ato de mascaramento dosvalores ilícitos, porquanto o tipo penal em questão não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visadopelo agente, nem grande vulto e complexidade. Vide: STF RHC 80816, Relator(a): Min. SEPÚLVEDAPERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/04/2001, DJ 18-06-2001.

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como Marcos Antônio Fontes Tigre e João Paulo Fernandes Silva, os quais sempre ficaram

alheios às atividades da cooperativa (depoimentos de fls. 225-226 e 234-235 do IP); o

segundo, pelo contrário, integra e faz parte do ardil empregado para que o verdadeiro dono

não seja responsabilizado pelos atos ilícitos praticados pela empresa, como é o caso da

denunciada ANA KAROLINNE ADOLFO DA SILVA na qualidade de presidente da

TRANSCOPS, presidida de fato pelo denunciado ANTÔNIO COSME.

No pormenor, a denunciada ANA KAROLINNE afirma categoricamente

durante o depoimento colhido pelo delegado de polícia que “quem movimentava as contas

correntes da TRANSCOPS era o administrador da empresa que era ANTONIO

COSME; QUE não sabe dizer quem gerenciava os contratos com as prefeituras, mas

acredita que seja ANTONIO COSME” (apenso I, vol. II, fls. 398-401 do IP). No mesmo

sentido, declara MARCOS MENEZES que “esse pessoal da TRANSCOPS era o

Presidente que ligava para o declarante, que era ANTONIO COSME, o responsável pela

TRANSCOPS” (apenso I, vol. II, fls. 294-296 do IP). O próprio ANTÔNIO COSME

admite extrajudicialmente que movimentava as contas-correntes da TRANSCOPS

(apenso I, vol. II, fl. 391). Tais depoimentos são corroborados pelos relatórios de quebra

de sigilo bancário, segundo os quais houve a remessa, pelas cooperativas do grupo

TRANSCOPS, de R$ 156.350,00 (cento e cinquenta e seis mil, trezentos e cinquenta reais)

a ANTÔNIO COSME, por meio de 37 (trinta e sete) transações bancárias (apenso I, vol.

I, fls. 416-421 do IP), conforme adrede mencionado.

Tudo isso explica a enorme discrepância entre os rendimentos declarados

por ANTÔNIO COSME e sua movimentação financeira – revelada por meio de medida

cautelar de afastamento do sigilo fiscal (apenso I, vol. I, fls. 33-42 do IP) –, consoante

tabela abaixo:

Ano Rendimentos totais Movimentação financeira

2012 R$ 89.644,13 R$ 1.127.952,69

2013 R$ 89.420,00 R$ 1.088.049,26

2014 R$ 24.800,00 R$ 2.459.924,19

Diante desses elementos de prova, não há dúvidas de que as inúmeras

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transações bancárias ocorridas no período de 08.01.2013 a 30.04.2014 entre a

COOPERLIFE – por intermédio de WEKISLEY, MARCOS MENEZES e PAULO

CESAR (corresponsáveis pelas movimentações financeiras, consoante demonstrado

acima) – e a TRANSCOPS – sob a direção de ANTÔNIO COSME, camuflada por ANA

KAROLINNE – visavam a ocultar e a dissimular a origem, a localização e a propriedade

dos recursos desviados, sendo certa a autoria delitiva dos denunciados.

A natureza, o volume de recursos transferidos e a expressiva quantidade de

movimentações financeiras demonstra o elemento subjetivo do tipo. No tocante à

denunciada ANA KAROLINNE, é de se considerar o seu dolo eventual, vez que tinha

conhecimento dos fatos ilícitos, assumindo em qualquer hipótese o risco do resultado

criminoso. Não há como conceber não estar na sua esfera cognitiva a possibilidade de

práticas ilícitas após ela aceitar figurar, apenas formalmente e sem justificativa plausível,

presidente da TRANSCOPS.

Aplica-se nesse caso, igualmente, o que denominamos de “teoria da

cegueira deliberada” (willfull blindness), também conhecida como doutrina das instruções

da avestruz (ostrich instructions) ou da evitação da consciência (conscious avoidance

doctrine)10, porquanto não se afigura razoável a assunção de um cargo de presidente de um

grupo de cooperativas, administrada de forma oculta por seu pai, sem que haja

questionamentos sobre as atividades exercidas por intermédio desta.

Isentá-la de responsabilidade importaria considerar a licitude de sua

atividade de “testa de ferro”, autorizando-a criar mecanismos para impedir sua perfeita

percepção dos fatos ilícitos e permanecer completamente alheia ao fluxo financeiro

milionário nas contas da cooperativa.

Em verdade, ANA KAROLINNE colocou seu nome a serviço dos

propósitos delitivos de seu pai ANTÔNIO COSME e, também, de seu irmão

WEKISLEY, uma vez que também chegou a figurar como cooperada da COOPERLIFE

10 LIMA, Renato Brasileiro de. In Legislação Criminal Especial Comentada.- 3ª ed.rev., atual. e ampl. - Salvador: Editora Jus Podivm, 2015, pp. 326/329.Segundo o autor referido, ad litteram: “Restará configurado o delito, a título de dolo eventual, quandocomprovado que o autor da lavagem de capitais tenha deliberado pela escolha de permanecer ignorante arespeito de todos os fatos quando tinha essa possibilidade. Em outras palavras, conquanto tivessecondições de aprofundar seu conhecimento quanto à origem dos bens, direito ou valores, preferiupermanecer alheio a esse conhecimento, daí por que deve responder pelo crime a título de dolo eventual.Afinal, nos mesmos moldes que a actio libera in causa, positivada no art. 28,II, do CP, ninguém podebeneficiar-se de uma causa de exclusão da responsabilidade penal provocada por si próprio.

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sem ter qualquer formação na área da saúde, conforme se vê em ata de assembleia geral

ordinária (fl. 91v do IP).

Como se vê, a COOPERLIFE, em nenhum momento, foi constituída com o

escopo de prestar serviços aos associados, mas apenas para servir de instrumento à

consecução dos objetivos da organização criminosa. Não houve divisão das sobras líquidas

entre os cooperados ou sua aplicação nos objetivos da cooperativa, em clara violação ao

art. 4º, VII da Lei nº 5.764/1971.

Aqueles que participaram de sua instituição logo ficaram alheios às

atividades da cooperativa, conforme depoimentos prestados por Marcos Antônio Fontes

Tigre e João Paulo Fernandes Silva (fls. 225-226 e 234-235 do IP); os demais trabalhavam

apenas na qualidade de contratados mediante processo seletivo realizado pela própria

secretaria municipal de saúde, presentada por JOSENI SILVA DE SANTANA.

É relevante acentuar, novamente, que o vínculo entre WEKISLEY e

ANTÔNIO COSME na empreitada criminosa era tão intenso que confundia os

profissionais contratados pela COOPERLIFE. Segundo o médico contratado Ivaldo Pereira

de Araújo e Silva, “um dos proprietários da COOPERLIFE era o ex-prefeito de

Encruzilhada/BA ANTÔNIO COSME (…) e já fez contato com ANTÔNIO COSME por

conta de atrasos nos pagamentos de salário” (fl. 146 do IP). Por seu turno, o servidor

público municipal Rui Rodrigues de Oliveira, presidente da comissão de licitação de

Ribeirão do Largo/BA em 2013, afirmou à autoridade policial que “PAULO é proprietário

da cooperativa COOPERLIFE juntamente com o ex-prefeito de Encruzilhada/BA

ANTONIO COSME” (fl. 231 do IP).

II.4 – DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º DA LEI Nº

12.850/2013)

Os denunciados WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, atual prefeito de

Encruzilhada/BA (quadriênio 2017/2020), ANTÔNIO COSME SILVA, PAULO CESAR

LIMA BRITO, MARCOS MENEZES MOREIRA e ANA KAROLINNE ADOLFO

DA SILVA, associaram-se para a prática de crimes, no período de 2011 a 2016, visando à

obtenção de vantagens pecuniárias em detrimento de inúmeros municípios no Estado da

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Bahia, mediante promoção de dispensa ou de inexigibilidade de licitação fora das hipóteses

previstas em lei, simulação de procedimentos licitatórios e contratação pública para o

desvio e ocultação de recursos públicos dos Fundos Municipais de Saúde.

Especificamente em relação ao Município de Ribeirão do Largo/BA, o

denunciado VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO, então prefeito de Ribeirão do Largo

no quadriênio 2013/2016, e a denunciada JOSENI SILVA DE SANTANA, como

Secretária Municipal de Saúde, voluntária e conscientemente, passaram a integrar

pessoalmente a referida organização criminosa já constituída e formada pelos demais

denunciados, para a prática de crimes previstos na Lei nº 8.666/93, no Decreto-lei nº

201/67 e na Lei nº 9.613/98, todos descritos nessa peça acusatória.

A Organização Criminosa (ORCRIM) foi estruturada em dois núcleos

distintos: o NÚCLEO POLÍTICO e o NÚCLEO EMPRESARIAL. Eventualmente, os

denunciados migravam do núcleo empresarial para o político ou vice-versa, em razão de

eleições para o cargo de prefeito ou de ocupação de outras funções públicas por seus

integrantes.

O NÚCLEO POLÍTICO foi constituído pelo denunciado VALDOMIRO

GUIMARÃES BRITO, ex-prefeito de Ribeirão do Lago/BA, e pela denunciada JOSENI

SILVA DE SANTANA, ex-secretária de saúde municipal. O NÚCLEO EMPRESARIAL

esteve formado pelos denunciados WEKISLEY TEIXEIRA SILVA, ANTÔNIO

COSME SILVA, PAULO CESAR LIMA BRITO, MARCOS MENEZES MOREIRA

e ANA KAROLINNE ADOLFO DA SILVA.

Para a empreitada criminosa, o denunciado WEKISLEY TEIXEIRA

SILVA, de um lado, constituiu cooperativa de profissionais de saúde fictícia, denominada

COOPERATIVA DE TRABALHO COOPERLIFE – COOPERATIVA DE

TRABALHADORES NA SAÚDE, com o escopo obter vantajosos contratos

administrativos fraudulentos com diversos municípios no Estado da Bahia; ANTÔNIO

COSME SILVA, de outra banda, formou grupo de cooperativas denominado

TRANSCOPS, por intermédio de sua filha ANA KAROLINNE ADOLFO DA SILVA,

com o objetivo de contratar com os entes municipais e de auxiliar a COOPERLIFE, de

maneira recíproca11, na ocultação e na dissimulação de rendas públicas desviadas no

11 Não é mera coincidência que em 01.03.2013, no mesmo dia em que foi assinado o contratoadministrativo nº 030/2013 com a COOPERLIFE, a prefeitura de Ribeirão do Largo/BA firmou contrato

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contexto dos contratos administrativos celebrados.

Convém detalhar que a “cooperativa” COOPERLIFE, com sede atual no

município de Barra do Choça/BA, foi constituída pelo denunciado WEKISLEY em 19 de

agosto de 2010, mediante recrutamento de alguns cooperados que nunca laboraram em

favor da entidade ou acompanharam suas atividades posteriores. Essas pessoas recrutadas

eram interpostas pessoas, meros “laranjas”, utilizados por WEKISLEY para seus

propósitos, notadamente no início da empreitada criminosa.

Digno de nota, ainda, que o registro da COOPERLIFE na Junta Comercial

do Estado da Bahia foi efetivado em 28.12.2010, e o registro no Conselho Regional de

Medicina do Estado da Bahia (CREMEB) concluído apenas em 2013, conforme admitido

pelo próprio WEKISLEY – presidente e responsável pela “cooperativa” – perante o

Ministério Público Federal12.

Como bem apontado pela Controladoria Regional da União no Estado da

Bahia13, o caráter fictício da COOPERLIFE é evidenciado pelo reduzido número de

cooperados prestadores de serviço (inferior a trinta), em contraste com a intensa atuação

em 22 (vinte e dois) municípios baianos tão somente em 2013, ano de maior faturamento

da entidade, na ordem de R$ 43.475.176,85 (quarenta e três milhões, quatrocentos e setenta

cinco mil, cento e setenta e seis reais e oitenta e cinco centavos).

Houve o recebimento da impressionante quantia de R$ 121.340.119,53

(cento e vinte e um milhões, trezentos e quarenta mil, cento e dezenove reais e cinquenta e

três centavos) entre 2011 e 2016, fruto da atuação em 30 (trinta) prefeituras baianas.

Com efeito, no que guarda pertinência com fatos apurados na investigação,

o conjunto probatório dos autos descortina a estabilidade e a permanência de

organização criminosa com intensa operação nos anos de 2013 e 2014 no pequeno

Município de Ribeirão do Largo/BA, integrada por WEKISLEY TEIXEIRA SILVA,

ANTÔNIO COSME SILVA, PAULO CESAR LIMA BRITO, MARCOS MENEZES

administrativo no valor de R$ 1.925.200,00 (um milhão, novecentos e vinte e cinco mil e duzentos reais)com a TRANSCOPS (vol. II, fls. 379-379v), grupo de cooperativas de transportes administrada de fatopor ANTÔNIO COSME SILVA e presidida por sua filha, ANA KAROLINNE ADOLFO DA SILVA, aqual funcionava como “testa de ferro”, colocando-se à frente da cooperativa mesmo sem trabalhar noramo de transportes e pouco saber sobre o funcionamento da entidade, mantendo, assim, oculto overdadeiro chefe e líder.

12 IP nº 0025962-98.2016.4.01.0000/BA (IPL nº 0047/2016), vol. I, Termo de Declarações às fls. 17-19. 13 IP nº 0025962-98.2016.4.01.0000/BA (IPL nº 0047/2016), vol. II, fls. 270-281.

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MOREIRA e ANA KAROLINNE ADOLFO DA SILVA desde o início das atividades da

COOPERLIFE em 2011 e completada pelos funcionários públicos VALDOMIRO

GUIMARÃES BRITO e JOSENI SILVA DE SANTANA a partir de 2013, quando

ocorreram os inúmeros fatos delituosos narrados nesta peça acusatória.

Houve uma estrutura ordenada caracterizada pela divisão de tarefas,

uma vez que: i) VALDOMIRO e WEKISLEY, i.1) em um primeiro momento, na

condição de autor e partícipe, dispensaram licitação fora das hipóteses previstas em lei e

sem observância das formalidades pertinentes (Procedimento de Dispensa nº 003/2013),

em claro benefício da COOPERLIFE, e, em seguida i.2) simularam procedimento

licitatório (pregão presencial nº 004/2013) com o apoio técnico de JOSENI e MARCOS

MENEZES, visando ao desvio de rendas públicas em proveito próprio e de terceiros; ii)

VALDOMIRO providenciou a paulatina liberação de recursos do fundo municipal de

saúde entre 08.02.2013 e 06.02.2014; iii) JOSENI e MARCOS MENEZES cuidaram,

respectivamente, da contratação e do pagamento dos profissionais contratados durante toda

a execução dos contratos administrativos; iv) WEKISLEY, com o auxílio de MARCOS

MENEZES e PAULO CESAR, desviou a maior parte dos recursos recebidos do

município, ocultando e dissimulando sua origem, localização e propriedade; e v)

ANTONIO COSME, através de sua filha ANA KAROLINNE, movimentou as contas

bancárias da TRANSCOPS com o escopo de auxiliar WEKISLEY a ocultar e a dissimular

a origem, a localização e a propriedade dos valores provenientes dos desvios de rendas

públicas.

Todos os crimes praticados pela organização criminosa e constantes das

demais imputações da peça acusatória possuem pena máxima superior a 4 (quatro)

anos. Por sua vez, a finalidade de obtenção de vantagem econômica foi suficientemente

demonstrada acima.

Em se tratando de crime formal, consuma-se o crime de organização

criminosa com a simples associação de quatro ou mais pessoas para a prática de crimes

com pena máxima superior a 4 (quatro) anos, sendo irrelevante a prática de qualquer ilícito

pelos agentes reunidos. Por essa razão, justifica-se o concurso material entre o delito do art.

2º, caput, com a causa de aumento do § 4º, II da Lei nº 12.850/2013 e os demais ilícitos

praticados pela societas delinquentium.

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III – AS IMPUTAÇÕES E OS PEDIDOS

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do

Procurador Regional da República ao final firmado, denuncia:

a) WEKISLEY TEIXEIRA SILVA como incurso nos crimes previstos no art. 89, caput e

parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993, no art. 1º, inciso I do Decreto-Lei nº 201/1967 c/c

art. 29 do Código Penal – por setenta e uma vezes14 em concurso material –, no art. 1º

caput da Lei nº 9.613/1998 – por dezenas de vezes em concurso material –, tudo na forma

do art. 69 do Código Penal, e no art. 2º, caput e § 4º, II da Lei nº 12.850/2013;

b) ANTÔNIO COSME SILVA pela prática dos delitos descritos no art. 1º, inciso I do

Decreto-Lei nº 201/1967 c/c art. 29 do Código Penal – por setenta e uma vezes15 em

concurso material –, e no art. 1º caput da Lei nº 9.613/1998 – por dezenas de vezes em

concurso material –, tudo na forma do art. 69 do Código Penal, e no art. 2º, caput e § 4º, II

da Lei nº 12.850/2013;

c) MARCOS MENEZES MOREIRA como incurso nos crimes previstos no art. 1º,

inciso I do Decreto-Lei nº 201/1967 c/c art. 29 do Código Penal – por setenta e uma vezes16

em concurso material –, e no art. 1º caput da Lei nº 9.613/1998 – por dezenas de vezes em

concurso material –, tudo na forma do art. 69 do Código Penal, e no art. 2º, caput e § 4º, II

da Lei nº 12.850/2013;

d) PAULO CESAR LIMA BRITO como incurso nos crimes previstos no art. 1º, inciso I

do Decreto-Lei nº 201/1967 c/c art. 29 do Código Penal – por setenta e uma vezes17 em

concurso material –, e no art. 1º caput da Lei nº 9.613/1998 – por dezenas de vezes em

concurso material –, tudo na forma do art. 69 do Código Penal, e no art. 2º, caput e § 4º, II

da Lei nº 12.850/2013;

e) ANA KAROLINNE ADOLFO DA SILVA pela prática dos delitos descritos no art. 1º

caput da Lei nº 9.613/1998 – por dezenas de vezes em concurso material –, tudo na forma

14 Corresponde à quantidade de desvios de recursos identificados na tabela do item II.15 Corresponde à quantidade de desvios de recursos identificados na tabela do item II.16 Corresponde à quantidade de desvios de recursos identificados na tabela do item II.17 Corresponde à quantidade de desvios de recursos identificados na tabela do item II.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA NA 1ª REGIÃO

do art. 69 do Código Penal, e no art. 2º, caput e § 4º, II da Lei nº 12.850/2013;

f) VALDOMIRO GUIMARÃES BRITO pela prática dos delitos encartados no art. 89,

caput da Lei nº 8.666/1993, no art. 1º, inciso I do Decreto-Lei nº 201/1967 – por setenta e

uma vezes18 em concurso material –, tudo na forma do art. 69 do Código Penal, e no art. 2º,

caput e § 4º, II da Lei nº 12.850/2013; e

g) JOSENI SILVA DE SANTANA pela prática dos delitos previstos no art. 1º, inciso I do

Decreto-Lei nº 201/1967 c/c art. 29 do Código Penal – por cinco vezes19 em concurso

material –, tudo na forma do art. 69 do Código Penal, e no art. 2º, caput e § 4º, II da Lei nº

12.850/2013.

Por essa razão, pede o Parquet: i) a autuação e o processamento da exordial,

com notificação dos acusados para defesa preliminar, nos termos do art. 257 do Regimento

Interno do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (RI/TRF1ª); ii) recebida a peça

acusatória, a citação dos denunciados para apresentar resposta escrita nos termos dos arts.

260 e 261 do RI/TRF1ª; iii) a regular instrução do feito, com a oitiva das testemunhas

abaixo relacionadas; iv) a condenação dos denunciados às sanções penais previstas; v) a

fixação do valor mínimo de R$ 693.529,57 (seiscentos e noventa e três mil, quinhentos e

vinte e nove reais e cinquenta e sete centavos) para reparação dos danos causados pelas

infrações penais, com fundamento no art. 387, IV do Código de Processo Penal, bem como

a incidência dos efeitos extrapenais dos arts. 91 e 92 do Código Penal.

Rol de testemunhas:

1) Luís Mário da Silva Moreira (qualificado à fl. 228 do IP);

2) Marcos Antônio Fontes Tigre (qualificado à fl. 225 do IP);

3) Ivaldo Pereira de Araújo e Silva (qualificado à fl. 146 do IP);

4) João Paulo Fernandes Silva (qualificado à fl. 234 do IP)

5) Fábio Santos Prado (qualificado à fl. 242 do IP)

6) Rui Rodrigues de Oliveira (qualificado à fl. 231 do IP)

Nestes termos, pede deferimento.

18 Corresponde à quantidade de desvios de recursos identificados na tabela do item II.19 Diz respeito aos desvios de recursos dos quais foi diretamente beneficiada, descritos na tabela do item II.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA NA 1ª REGIÃO

Brasília, 27 de fevereiro de 2018.

LAURO PINTO CARDOSO NETOProcurador Regional da República

(assinado digitalmente)

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