EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL …
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA
PÚBLICA DA COMARCA DE LIMEIRA – SÃO PAULO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelo órgão de
execução abaixo assinado, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem
respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 129,
inciso III, da Constituição Federal, no artigo 5º, “caput”, da Lei nº 7.347/1985, no artigo
17, “caput”, da Lei nº 8.429/1992, no artigo 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei nº
8.625/1993 e no artigo 103, inciso VIII, da Lei Complementar Estadual nº 734/1993 –
Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo, em face dos elementos coligidos no
Inquérito Civil nº 01/2008, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA PRÁTICA DE ATO
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face de (1) SILVIO FÉLIX DA SILVA,
brasileiro, casado, Prefeito de Limeira, portador do RG nº 15.612.137 e inscrito no
CPF/MF sob o nº 051.227.158-58, com endereço funcional na Rua Doutor Alberto
Ferreira, nº 179, Centro, nesta cidade e comarca; (2) ANTÔNIO MONTESANO
NETO1, brasileiro, casado, Secretário Municipal de Educação em Limeira, portador do
RG nº 14.029.338 e inscrito no CPF/MF sob o nº 033.428.048-66, residente e
domiciliado na Rua Boa Morte, nº 135, Centro, nesta cidade e comarca; (3)
MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA., pessoa jurídica de
direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 74.509.993/0001-68, situada na Avenida
Nove de Julho, nº 550, Bairro Ponte de Campinas, cidade e comarca de Jundiaí – São
Paulo, representada nos termos da lei; (4) PAULO CÉSAR LEITE FROIO, brasileiro,
casado, empresário, portador do RG nº 6.312.103 e inscrito no CPF/MF sob o nº
655.652.668-15, residente e domiciliado na Rua José Maria Lisboa, nº 514,
apartamento 92, Jardim Paulista, comarca de São Paulo – Capital; (5) WLADEMIR
RONDINONI, brasileiro, portador do RG nº 5.582.224-1 e inscrito no CPF/MF sob o nº
493.984.588-53, residente e domiciliado na Alameda Itapecuru, nº 119, apartamento
113 B, Bairro Alphaville, comarca de Barueri – São Paulo; e (6) MUNICÍPIO DE
1 Importante ressaltar que referido réu foi por diversas vezes oficiado para se manifestar acerca dos fatos,
na condição de representado (fls. 2.830, 2.977, 3.199 e 3.207); entretanto, quedou-se inerte, optando por não exercer seu direito de defesa no âmbito administrativo.
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LIMEIRA2, pessoa jurídica de direito público interno, representada pelo alcaide, com
sede na Rua Doutor Alberto Ferreira, nº 179, Centro, nesta cidade e comarca, pelos
motivos fáticos e jurídicos doravante expostos.
I – SITUAÇÃO FÁTICA
O inquérito civil em anexo foi instaurado com supedâneo na representação
encaminhada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado –
GAERCO, sede de Campinas, noticiando ter chegado ao seu conhecimento, por meio
de “denúncia anônima”, eventual prática de crime de corrupção ativa, formação de
quadrilha e fraude à licitação, envolvendo desvio de dinheiro público destinado ao
pagamento de material didático obtido por meio de procedimento licitatório realizado
em diversas comarcas, inclusive no MUNICÍPIO DE LIMEIRA, representado pelo
alcaide SILVIO FÉLIX DA SILVA.
Em razão dos fatos ventilados e dos documentos juntados na representação
(fls. 05/116), esta Promotoria de Justiça iniciou as investigações no âmbito cível em
relação ao contrato celebrado entre o MUNICÍPIO DE LIMEIRA, representado pelo
alcaide SILVIO FÉLIX DA SILVA e a empresa MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA
EDUCACIONAL LTDA., representada por seu sócio administrador PAULO CÉSAR
LEITE FROIO, com a participação de WLADEMIR RONDINONI – que possui forte
vínculo com referida empresa, bem como no esquema ilícito a seguir descrito –,
vencedora da Concorrência Pública nº 01/2006, tipo “técnica e preço”, visando à
contratação de empresa especializada para criação de projeto educacional, de
material de apoio pedagógico e de sistema de avaliação para rede de ensino municipal
de Limeira, conforme de infere do Edital nº 37/2006 (fls. 2.148/2.207).
O referido procedimento licitatório foi conduzido no Processo Administrativo nº
2.379/2006, o qual se iniciou mediante requisição feita pelo Secretário Municipal de
Educação, ANTONIO MONTESANO NETO, contendo a descrição detalhada do
material e serviço (fls. 2.040/2.043), cuja justificativa se encontra acostada a fls. 2.046.
2 Ressalte-se que o MUNICÍPIO DE LIMEIRA apenas integra o polo passivo da presente demanda pelo
fato de que eventual procedência da ação deverá resultar a nulidade da contratação celebrada com a empresa MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA.
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Objetivando instruir os procedimentos da fase interna do certame licitatório em
questão, solicitou-se o fornecimento de orçamento a três empresas (fls. 2.063, 2.066 e
2.069), a fim de estimar o valor da futura contratação.
Nesse sentido, a empresa OG – Oficina Gráfica Impressos de Conveniência
apresentou um valor total de R$ 6.427.524,00 por ano letivo (fls. 2.072/2.074); por sua
vez, a empresa New Color’s Artes e Editora Gráfica Ltda., por ano letivo, ofereceu R$
5.829.652,00 (fls. 2.075/2.077); e, por fim, a empresa KEOPS Indústria Gráfica S.A.,
também por ano letivo, estimou um valor de R$ 6.451.812,00 (fls. 2.078/2.081).
Após publicado o edital (fls. 2.208/2.210), dezoito empresas o retiraram, pelo
montante de R$ 10,00 (dez reais), consoante se extrai a fls. 2.212/2.218. Entrementes,
apenas duas empresas, a saber, Editora CDE Comércio de Material Didático Ltda. e
MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA., participaram, de fato,
da licitação em análise (fls. 295/1.811).
Conforme se observa da ata encartada a fls. 1.812/1.813, a primeira editora
apresentou o valor total do projeto em R$ 3.151.782,40 (três milhões, cento e
cinquenta e um mil, setecentos e oitenta e dois reais e quarenta centavos), enquanto
que a MÚLTIPLA ofereceu o importe de R$ 3.881.675,40 (três milhões, oitocentos e
oitenta e um mil, seiscentos e setenta e cinco reais e quarenta centavos).
Em que pese ter apresentado valor muito acima da outra concorrente (ou seja,
R$ 729.893,00 a mais, o que equivale a aproximadamente 19% de sua proposta), a
empresa MÚLTIPLA sagrou-se vencedora do processo licitatório, considerando o
critério de julgamento constante no “item 7” do Edital nº 37/2006 (fls. 2.148/2.207),
consoante se observa da ata de julgamento das propostas (fls. 1.814/1.815), onde se
obteve a média ponderada das empresas.
Assim sendo, por ter obtido maior pontuação geral (“técnica e preço”), o objeto
do aludido certame foi homologado e adjudicado à empresa MÚLTIPLA EDITORA E
TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA. pelo Secretário Municipal da Educação,
ANTONIO MONTESANO NETO (fls. 1.819).
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Na sequência, no dia 13 de julho de 2007 foi celebrado o Contrato nº 123/2007
entre a referida empresa e o MUNICÍPIO DE LIMEIRA, neste ato representado pelo
Secretário Municipal da Educação, ANTONIO MONTESANO NETO, no importe de R$
3.881.675,40, e pelo prazo de 12 (doze) meses, prorrogáveis nos termos da lei,
consoante se verifica a fls. 1.829/1.836.
De acordo com a relação de pagamentos e respectivas notas fiscais acostadas
a fls. 2.815/2.825, a Municipalidade de Limeira pagou efetivamente à empresa
contratada valor idêntico ao estipulado no contrato, qual seja, R$ 3.881.675,40.
Entretanto, consoante se demonstrará a seguir, referido certame licitatório se
encontra gravemente maculado, notadamente diante do fato de a licitação ter sido
nitidamente direcionada em favor da empresa vencedora MÚLTIPLA, o que configura
os repudiados e inaceitáveis atos de improbidade administrativa.
II – O DIREITO APLICÁVEL À ESPÉCIE
II. 1 – DIRECIONAMENTO DA LICITAÇÃO E FAVORECIMENTO DA EMPRESA
MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA.
A licitação tem sede constitucional e consiste num procedimento administrativo
formal, inspirado nos princípios da moralidade, legalidade, impessoalidade, isonomia
em sentido formal e material, publicidade, entre outros, tendo com fim a obtenção de
proposta mais vantajosa à Administração Pública, em relação ao contrato de seu
interesse.
O artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal dispõe o seguinte:
(...) ressalvados os casos especificados na legislação, as
obras, serviços, compras e alienações serão contratados
mediante processo de licitação pública que assegure igualdade
de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
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estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as
exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações (grifo nosso).
A licitação, em outras palavras, cuida-se de um conjunto de atos tendentes a
abrir uma disputa igualitária entre interessados em contratar com o Poder Público,
almejando, ao final, alcançar a proposta mais benéfica aos cofres públicos, e,
consequentemente, à coletividade, de sorte que não se afigura lícita a presença de
qualquer óbice ao caráter competitivo do certame, capazes de restringi-lo ou mesmo
eliminá-lo, como é o caso do direcionamento.
É exatamente o que dispõe o artigo 3º, “caput”, da Lei nº 8.666/1993:
Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do
princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta
mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada
em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório,
do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos (grifo nosso).
Logo em seguida, o § 1º, inciso I, do dispositivo supramencionado estabelece o
seguinte:
§ 1º - É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de
convocação, cláusulas ou condições que comprometam,
restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos
casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou
distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos
licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou
irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o
disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23
de outubro de 1991 (grifo nosso).
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Porém, em que pesem as determinações legais e constitucionais, os acionados
foram totalmente de encontro com os princípios mais básicos, que deveriam nortear os
que tratam de algum modo com a coisa pública, sejam os agentes públicos, investidos
em seus cargos justamente para zelar pelo interesse público, sejam aqueles que irão
estabelecer algum vínculo com o Poder Público, no caso, participando de licitação e
firmando contrato.
A empresa MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA.,
representada por seu sócio administrador PAULO CÉSAR LEITE FROIO, constituída
no dia 07 de março de 1994, cujo objeto social inicialmente consistia na execução de
serviços gráficos não especificados ou não classificados, e que, a partir de 07 de
novembro de 2006, passou a possuir como objeto social a “edição de livros, ensino
fundamental”, conforme de depreende do cadastro extraído perante a Junta Comercial
do Estado de São Paulo (fls. 45/49).
Extrai-se da gravação ambiental ocorrida em meados do segundo semestre de
2007, que embasou a “denúncia anônima” encaminhada ao GAERCO de Campinas, e
cuja transcrição se encontra juntada a fls. 17/25, que mencionada empresa,
responsável pela produção das apostilas, existe desde 1994, época na qual
funcionava como gráfica e editora, e apenas produzia para terceiros, sendo que, em
2002, PAULO CÉSAR FROIO se enveredou na área educacional, trazendo esse
“know-how”, e que sua empresa vem atuando em diversos municípios do Estado de
São Paulo, dentre eles, o MUNICÍPIO DE LIMEIRA.
Ressalta-se que WLADEMIR RONDINONI, a despeito de não ser sócio da
empresa, possui estreita ligação com o esquema, conforme se evidencia na conversa
ambiental gravada e transcrita a fls. 17/25.
Participaram da aludida conversa PAULO CÉSAR FROIO (F), WLADEMIR
RONDINONI (W) e uma pessoa de nome Luiz (L), o qual, na verdade, tratava de um
jornalista da Rede Record de Televisão, que se passou por algum tipo de
intermediador dos negócios da empresa demandada.
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Ao tratarem do “modus operandi” das negociações efetuadas nos municípios
para os quais os serviços eram prestados, necessário transcrever alguns trechos da
conversa, em que se poderá visualizar todo o esquema de fraude em licitações,
utilizando-se da venda de apostilas para os ensinos fundamental e básico.
Veja-se:
F – Me fala uma coisa, Luiz. O “vendedor” que fala com o
prefeito, com o secretário, sou eu. Sempre tem as pessoas, como
você, que nos indicam, nos leva até quem faz o negócio com a
prefeitura, tal. Para esse tipo de trabalho, na verdade é uma
assessoria que você está me prestando, certo? Nós remuneramos
com 3%. Se o negócio sair, nós remuneramos, em cima do valor do
contrato, com 3%. Certo? Bom, não sei se você, se o prefeito vai
querer comentar com você alguma coisa de quanto tem de
retorno para o partido, porque nunca é pra ele...
L – Provavelmente ele vai falar. Mas é uma coisa
(incompreensível).
F – Então, você fala pra ele: nós não tratamos disso, mas
nós sabemos que nunca é abaixo de 10.
L – 10%?
F – É. Então, por que nunca é abaixo? Dez já é uma tabela.
Então o prefeito fala: “pô, mas eu precisava mais...”. Nós
podemos dar mais, mas nós vamos ter que aumentar o preço. E
eu não posso aumentar também muito porque senão eu fico fora
do parâmetro. Eu faço esse material aqui a 286, que eu fiz aqui
no ano passado em Limeira, certo? Com a correção passa um
pouco de 300, não posso chegar lá e vender por 400. Tem que
ser um negócio que se o valor hoje tá em torno de 300, 310, 315 é
uma coisa que você consegue defender. Até 320... Então o que
nós podemos fazer? Olha, nós vamos te dar mais R$ 300,00 por
aluno, mas nos vamos cobrar R$ 320,00. R$ 5,00 é para
compensar um pouco de imposto aí no meio. Entendeu? (...)
(grifo nosso – fls. 24).
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Ao final da conversa, com a nítida intenção de ocultar o esquema fraudulento,
PAULO CÉSAR diz:
F – Essa conversa final que eu tive com você eu não vou
ter na frente de mais ninguém. Então, tudo o que nós vamos
conversar nós podemos conversar na frente de todo mundo, então...
Porque normalmente o cara para vir para cá pergunta: “mas quanto
que eu vou ganhar se eu fizer o contrato?” Aí você fala: “Olha, eu não
acertei nada disso com ele, mas a gente sabe que tem uma
bonificação para dar para quem faz o negócio” (grifo nosso – fls.
25).
E o representante da empresa completa:
É. Essa linha de trabalho que a gente adota com o prefeito, ele
colhe dois frutos na gestão dele: o cara que implantou uma qualidade
de ensino, que trouxe uma qualidade de ensino para a cidade, e isso
representa para ele um ganho eleitoral (fls. 25).
Diante de toda conversa gravada (transcrição a fls. 17/25), notadamente dos
trechos acima destacados, é possível perceber um claro esquema de direcionamento
de licitações no que toca à prestação de serviços relacionados à produção de material
pedagógico para diversas municipalidades, inclusive no MUNICÍPIO DE LIMEIRA,
cuja contratação, aliás, como ainda se verá, sequer seria necessária, tendo em vista
que o governo federal fornece gratuitamente.
Nesse cenário, o MUNICÍPIO DE LIMEIRA, representado pelo alcaide SILVIO
FÉLIX DA SILVA, deu início ao Processo Administrativo nº 2.379/2006, referente à
Concorrência Pública nº 01/2006, cujo objeto consiste, em breves linhas, na
“contratação de empresa especializada para a elaboração de Material de Apoio
Pedagógico”3.
3 1 – Objeto. Constitui-se em objeto do presente instrumento a prestação de serviços intelectuais
para: A) A criação de um Projeto de Educação para toda a Rede Pública Municipal de Limeira que
conceitue e materialize um Programa de Formação Continuada e Aperfeiçoamento Profissional da Rede Municipal de Educação; B) A criação de Material de Apoio Pedagógica destinado ao cotidiano de uma parcela de Alunos do Ensino Fundamental I (...) que contemple desde sua concepção, desenvolvimento, e produção de conteúdos originais, segundo a orientação da Equipe de Coordenação Pedagógica da
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Dessa forma, o Secretário Municipal da Educação, ANTONIO MONTESANO
NETO, requisitou referida contratação, no tocante a Educação Infantil, cuja descrição
detalhada é seguinte:
Contratação de empresa especializada para a elaboração de
Material de Apoio Pedagógico em conjunto com o corpo docente
da Rede Municipal de ensino de Limeira, com a respectiva
confecção e entrega do material, conforme especificações
fornecidas pela Secretaria Municipal de Educação e de acordo
com o detalhamento da grade curricular do Município, para o
cotidiano de uma parcela da Educação Infantil – Pré I, Pré II e Pré
III, conforme indicação de números apresentados abaixo nas quatro
tabelas pela Nomenclatura “Alunos” e elaboração de um Programa de
Formação Continuada e Aperfeiçoamento Profissional aos
Educadores da Rede Municipal de Ensino de Limeira, conforme
indicação exata de números apresentados abaixo nas quatro tabelas
pela nomenclatura “Educadores”; pelo período de 24 meses a contar
da assinatura (grifo nosso – fls. 2.040/2.041).
Nos mesmos moldes, requisitou a contratação para o cotidiano de todo o
Ensino Fundamental, consoante se extrai a fls. 2.042/2.043.
E o mesmo Secretário emitiu a seguinte justificativa:
A Secretaria Municipal da Educação de Limeira reuniu-se
com os Diretores de Escola e com os responsáveis pelo trabalho
pedagógico das Unidades da Rede Municipal, para discussão
das ações necessárias à melhoria do ensino oferecido às
crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Dentre
as propostas apresentadas, destacou-se a que ressaltava a
necessidade de construção de um material de apoio pedagógico,
Secretaria Municipal da Educação de Limeira, e consequente Logística e Distribuição às Unidades Escolares da Rede Municipal de Limeira; C) A criação de um Sistema de Avaliação (semestral), a ser aplicado em toda a Rede de Ensino Municipal de Limeira, com o objetivo de avaliar os alunos e cuja ação sirva de instrumento para acompanhamento da evolução do Projeto Educacional pela Equipe de Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal da Educação de Limeira (fls. 2.148/2.149).
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o que poderia facilitar e enriquecer o trabalho docente. Foi
constituída, então, na oportunidade, uma equipe que se dispôs a
estudar o tema e conhecer Redes de Ensino que utilizavam
material de apoio pedagógico (apostilas). A partir das discussões e
das visitas realizadas por essa equipe em alguns municípios, o grupo
concluiu que um material de apoio pedagógico bem elaborado, que
valorize as experiências locais e considere a realidade cultural/social
de nossos alunos, contribuiria significativamente com o trabalho
docente, resultando melhoria do ensino oferecido em nossas escolas
que oferecem a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.
Dessa forma, considerando o parecer dessa equipe técnica, e,
enquanto educador que vislumbra um melhor atendimento de nossas
escolas às crianças da Rede Municipal de Ensino, que, em sua
maioria, não dispõem de recursos para aquisição de material de
enriquecimento curricular, propomos que nosso município ofereça em
suas escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental o referido
material de apoio pedagógico (apostilas) (grifo nosso – fls. 2.046).
Ora, o detalhamento da descrição do material/serviço a ser contratado, bem
como a justificativa lançada por ANTONIO, encaixa-se, perfeitamente, ao “modus
operandi” da empresa MÚLTIPLA, consoante se extrai de toda a conversa gravada
(fls. 17/25), e, em especial, dos seguintes excertos:
F – Porque o nosso projeto nós trabalhamos com os
professores locais. Nós não levamos material pronto. Nós
produzimos o material em conjunto. Agora, para a gente poder
fazer isso nós temos que ter um mínimo de alunos (fls. 17).
Ao discursarem sobre o projeto gráfico, indagando-se se este é sempre o
mesmo, WLADEMIR pondera:
W – O projeto gráfico, sim. O editorial, não. Por quê? Porque
ele vai fazer exatamente em função do município em que
estamos atuando. Por exemplo: esse material de Limeira eu
jamais poderia vender em Peruíbe. O de Peruíbe jamais eu
colocaria em Itu. Por que são independentes e totalmente diferentes.
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(...)
W – Sim. Tanto que isso que é a verdadeira confirmação de
que o material é feito para o município. Nós vamos até o município,
conversamos com a equipe pedagógica, depois de tudo
aprovado nossos professores-autores vão ao município,
conhecem... Então é feito o material sob medida mesmo, é o
alfaiate da educação. Ele vai fazer o terno para aquele município.
Um terno não serve para o outro (fls. 18).
Como se pode notar das referidas transcrições, bem como da justificativa da
contratação em apreço, salta aos olhos o esquema de direcionamento de licitações
de materiais didáticos operado pela empresa MÚLTIPLA, por meio de seu sócio
administrador PAULO CÉSAR e com o auxílio de WLADEMIR, notadamente na
Concorrência Pública nº 01/2006, na Municipalidade de Limeira.
Todos os detalhes, assim como a forma pela qual se operava todo o esquema
de fraude à licitação apontados na conversa, encaixam-se perfeitamente ao
procedimento ocorrido nesta Municipalidade, nos autos da Concorrência Pública nº
01/2006.
Mas não é só!
Para corroborar com as alegações acima descritas, o Relatório de Inteligência
do GAERCO de Campinas (fls. 2.265/2.269), analisando toda a documentação
apreendida no dia 06 de dezembro de 2007, na sede das empresas MÚLTIPLA e
Forma Escrita Projeto Editorial Ltda.4, referente ao MUNICÍPIO DE LIMEIRA, concluiu
que existem:
Fortes indícios de que o edital foi confeccionado pela
própria Múltipla, considerando que: pudemos analisar dois
modelos de edital sobre o objeto contratado, sendo um puro e
simples e outro com anotações realizadas no documento
geradas pelo próprio “Microsoft Word”, o qual veio a se
4 Esta empresa, segundo informes, forneceu material didático em nome da Múltipla Editora e Tecnologia
Educacional Ltda., para a prefeitura de Vinhedo (fls. 27).
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transformar, “ipsis litteris”, no edital nº 37/06, que regulou a
compra do material didático; e que se encontra, entre os
documentos apreendidos, um modelo de edital genérico, sem
qualquer identificação de cidade ou datas, no qual se baseou
integralmente o edital nº 37/06 (grifo nosso – fls. 2.268).
E, conforme será visto mais adiante, no que se refere à análise do edital da
concorrência pública em questão, possível concluir que foi confeccionado visando
privilegiar a empresa certa e determinada, qual seja, a MÚLTIPLA.
Embora já nítida a ocorrência do direcionamento, para espancar qualquer
dúvida, transcreve-se outra conclusão do setor de inteligência do GAERCO:
Outros indícios de relacionamento ilícito entre a
Municipalidade e Paulo César Froio são as anotações
manuscritas onde constam o nome do “Dr. Túlio” e uma série de
questionamentos sobre a licitação, tais como, “qual o prazo do
edital?”, “qual o prazo do contrato?” e “poderá ser renovado
automaticamente até somar 60 meses?”. Ressalte-se que o
mencionado “Dr. Túlio” é procurador do município de Limeira,
conforme informação transmitida a este Setor de Inteligência (grifo
nosso – fls. 2.268).
Ora, o “Dr. Túlio”, ao qual se referem as anotações, só pode se tratar de Thulio
Caminhoto Nassa, que à época dos fatos estava lotado no cargo de provimento em
comissão de Diretor de Direito Administrativo II da Secretaria Municipal de Assuntos
Jurídicos, cuja nomeação se deu no dia 09 de janeiro de 2006 pelo alcaide SILVIO (fls.
xxxx).
Ressalte-se, no entanto, que, consoante demonstrado na ação civil pública por
improbidade administrativa na qual figura como réu5, Thulio exercia funções exclusivas
de Procurador Jurídico Municipal, em nítido desvio de finalidade em sua nomeação,
tendo, ainda, exercido a defesa em juízo de terceiros estranhos à Administração
5 Processo nº 11.766/2010, que tramita perante a Vara da Fazenda Pública da Comarca de Limeira – São
Paulo.
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Pública, tais como a empresa SP Alimentação e Serviços Ltda. (que também é ré da
ação em comento, bem como da famigerada ação relativa ao caso da “merenda
escolar”, que tramita na Vara da Fazenda Pública local, sob o nº 4.112/2009).
Interessante citar alguns trechos da ação civil pública intentada contra Thulio:
Ao revés, as nomeações de THULIO e MILTON por SILVIO,
representante do MUNICÍPIO, almejaram, única e exclusivamente, a
contratação ilícita da empresa SP ALIMENTAÇÃO, propriedade de
ELOIZO, pelo MUNICÍPIO e, após, a manutenção do malfadado
contrato, inclusive com a sua defesa em Juízo.
Inicialmente, THULIO, antes de ser nomeado pelo alcaide,
foi responsável pela elaboração do Edital de Licitação nº
18/2.005, atinente à Concorrência Pública nº 05/2.005, que
resultou na contratação da empresa SP ALIMENTAÇÃO pelo
MUNICÍPIO, e, por conseqüência, no dispêndio indevido de R$
56.316.618,54, extraídos dos cofres públicos.
Ao redigir o Edital de Licitação nº 18/2.005, THULIO,
atendendo aos comandos de ELOIZO, sócio presidente da
empresa SP ALIMENTAÇÃO, e de SILVIO, eivou-o de cláusulas
restritivas, objetivando obstaculizar qualquer espécie de
competição, afastando demais empresas interessadas e, por
corolário, permitindo a satisfação dos escusos interesses da
empresa SP ALIMENTAÇÃO, de seu sócio presidente ELOIZO, e
do alcaide SILVIO, garantindo-lhes polpudo contrato com o
MUNICÍPIO.
Ressalte-se, por oportuno, o questionamento dos termos
restritivos e, muitas vezes, inconstitucionais e ilegais, do Edital de
Licitação nº 18/2.005 e, do mesmo modo, da Concorrência Pública nº
05/2.005, bem como de seu direcionamento em prol da empresa SP
ALIMENTAÇÃO, no bojo do mandado de segurança nº 8.057/2.005,
da ação popular nº 1.339/2.007 e da ação civil pública por ato de
improbidade administrativa nº 4.112/2.009, impetrado e ajuizados
perante este i. Juízo da Vara da Fazenda Pública local.
Do mesmo modo, alegou o exercício de funções exclusivas de
Procurador Jurídico Municipal por THULIO, ocupante de cargo em
comissão de direção, e, ainda, a defesa em Juízo de terceiros
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estranhos à Administração Pública, tais como a empresa SP
ALIMENTAÇÃO, representada por seu sócio presidente ELOIZO.
Assim sendo, fica ainda mais claro o envolvimento da empresa MÚLTIPLA no
esquema de fraude à licitação retratado nesta inicial. Em verdade, impossível cogitar
outra hipótese senão a de que a licitação foi dirigida em favor da empresa ré, tendo
em vista todas as provas elencadas nos autos.
De outro flanco, o E. Tribunal de Contas, em decisão transitada em julgado no
dia 26 de agosto de 2011 (fls. 3.300), negou provimento ao pedido interposto pelo
Secretário de Educação de Limeira, ANTONIO MONTESANO NETO, confirmando,
integralmente, o julgamento proferido pela C. 1ª Câmara que considerou irregulares a
Concorrência Pública nº 01/2006, o contrato firmado com MÚLTIPLA EDITORA E
TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA. (fls. 3.273/3.281).
Assim sendo, as questões enfrentadas pelo E. Tribunal de Contas confirmam o
direcionamento do certame em favor da empresa vencedora.
Em verdade, não existe outra razão para a exigência prevista no item 4.1.3.2, a
saber, realização de visita técnica nas setenta unidades escolares da rede municipal,
senão a de restringir a competitividade e lisura do certame, considerando, ademais,
que este requisito não possui qualquer ligação com o objeto do contrato, o que viola o
artigo 3º, § 1º, inciso I, da Lei de Licitações.
Nesse sentido o entendimento do Tribunal de Contas:
(...) visualizando o conteúdo do projeto básico proposto, não se
justifica o ônus transferido às licitantes, uma vez que a elaboração do
projeto de educação essencialmente se materializava por atividades
de formação continuada e aperfeiçoamento profissional, elaboração
de material de apoio pedagógico e formatação de sistema de
avaliação, o que, compreendo, prescindiria de tal visita, ao menos na
forma como foi imposta (fls. 3.292).
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Tanto restringiu a competitividade que das 17 (dezessete) empresas que
retiraram o edital, apenas 02 (duas) participaram efetivamente do certame.
O direcionamento na licitação é demonstrado, também, pelo fato de o edital (o
qual, diga-se de passagem, há fortes indícios de ter sido confeccionado pela própria
vencedora da concorrência) privilegiar a “técnica” em detrimento do “preço”, sendo que
houve flagrante inadequação quanto à atribuição de pontos em relação à técnica, eis
que não foram levados em consideração elementos providos de conteúdo técnico,
mas sim itens irrelevantes à execução do contrato, o que jamais poderiam ter
cumprido papel decisivo no que tange à vencedora do certame, como ocorreu no caso.
É possível perceber a irrelevância para perquirir a melhor técnica para a
execução dos serviços por meio dos seguintes itens do edital em apreço:
O item 5.3.2.1 estabelece a forma de composição e apresentação do material
didático “capa”, estabelecendo o décuplo de pontos para aquela que contenha
“brasão a quatro cores do Município de Limeira, além de imagem ou ilustração com
motivo relacionados ao Município de Limeira”, em detrimento da capa que não possua
tais características.
No mesmo sentido, o item 5.3.2.3 avalia a forma de composição e
apresentação da “1ª contracapa interna” (verso da capa), cujo critério oferece 10
pontos para a licitante que a elabore contendo “hino do Município de Limeira ou
identificação do aluno a quatro cores”.
Ainda, no item seguinte (5.3.2.4), avalia-se a forma de composição e
apresentação da “2ª contracapa interna” (verso interno da contracapa final), atribuindo
a pontuação máxima (10 pontos) para aquela que contenha “duas ou mais
informações geopolíticas do Município de Limeira a quatro cores”.
Se não fosse suficiente, o item 5.3.2.5 confere pontuação máxima para quem
apresentasse a “contracapa final” (contracapa externa) contendo “imagem ou
ilustração a quatro cores com motivos relacionados ao Município de Limeira, além de
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texto informativo sobre a equipe pedagógica da Secretaria de Educação que colaborou
com o desenvolvimento do Projeto”.
Ora, em que aspecto os itens acima mencionados poderão avaliar a melhor
técnica para a contratação de empresa especializada para criação de projeto
educacional, de material de apoio pedagógico e de sistema de avaliação para rede de
ensino municipal de Limeira?
Em nada! As capas ou contracapas feitas de uma ou outra forma, com essas
ou aquelas cores, não são capazes de influenciar na qualidade dos materiais, de modo
que resta evidente a desnecessidade dessas exigências para aferir a melhor técnica
das empresas licitantes, não havendo outra razão senão a de facilitar e dar ensejo ao
direcionamento perpetrado pelos acionados.
Outro item que em nada interessa a melhor técnica para a contratação de
empresa especializada para criação de projeto educacional, de material de apoio
pedagógico e de sistema de avaliação para rede de ensino municipal de Limeira diz
respeito ao 5.3.2.6 intitulado “logística e distribuição do material de apoio pedagógico”,
o qual estabelece pontuação máxima para a “entrega e acondicionamento adequado –
em caixas identificadas com os dados técnicos do produto (ano, unidade e série) em
caixas com até 30 exemplares – de todo material de apoio pedagógico distribuídos em
cada unidade escolar indicada pela Secretaria de Educação”.
Assim sendo, é fácil perceber o porquê da preferência pela melhor técnica.
Ora, ainda que a proposta não fosse a melhor, uma vez direcionado o certame com
itens irrelevantes e já conhecidos de antemão por uma das empresas, resta fácil obter
êxito na licitação.
Tanto assim foi que, conforme apontou o Tribunal de Contas:
No caso, significativa ao resultado do processo seletivo a
demonstração de que o material seria personalizado com referências
ao contexto histórico, geográfico, cultural e social de Limeira ou com
símbolos do Município (brasão, hino, motivos locais e informações
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geopolíticas), itens sobre os quais a licitante vencedora obteve
pontuação máxima e a segunda colocada pontuação mínima (fls.
3.294 – grifo nosso).
Se tudo isso não fosse suficiente, extrai-se do edital, mais especificamente a
fls. 2.164/2.165, que o peso atribuído aos preços apresentados pelas empresas é
deveras ínfimo, de modo que o critério diferencial consiste basicamente apenas na
“melhor técnica”, cujos itens, consoante visto, não são capazes de aferi-la e justificar a
contratação da empresa melhor preparada para execução do objeto do contrato, com
o menor custo para o erário.
Ora, conforme se observa dos itens constantes a fls. 2.164/2.165, a empresa
que apresentar o menor preço total receberá 200 pontos, a segunda colocada, 196, a
terceira, 192, e assim sucessivamente, ou seja, a cada colocação abaixo aplicar-se-á
a redução de 04 pontos. Após, esses pontos serão multiplicados por 4, enquanto os
pontos obtidos pela proposta técnica, por 6.
Assim sendo, é fácil constatar que a diferença entre a empresa que apresentou
a primeira e segunda melhor proposta, no tocante aos pontos obtidos nesta seara,
será de apenas e tão somente 16 pontos (200x4 – 196x4).
Considerando que os itens relativos à proposta técnica possuem pontuação 1,
5 ou 10, com peso 6, um item que a licitante que apresentou maior preço obteve
pontuação média (5) e outra, pontuação mínima (1), já é suficiente para aquela
ultrapassar esta no quadro geral de pontuação, o que demonstra a irrelevância no
que tange à apresentação do menor preço.
Assim, não há que se falar em peso 6 para a proposta técnica e peso 4 para a
proposta de preço. Trata-se, pois, de mera aparência de licitação realizada no tipo
“melhor técnica e preço”, uma vez que a pontuação atribuída à proposta de preço não
possui qualquer capacidade de influenciar na totalização dos pontos, não tendo, como
aparenta ter pelo edital, peso 4.
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E assim foi feito justamente para facilitar o direcionamento da licitação em favor
da empresa que, apesar de não apresentar o menor preço, já conhece de antemão
todos os itens exigidos pelo edital referente à proposta técnica, que, frise-se, são em
sua maioria totalmente dispensáveis, não tendo qualquer relação com o objeto do
contrato, consoante já demonstrado.6
Se não bastasse, absurda a discrepância entre o preço ofertado pela empresa
vencedora e a segunda melhor classificada. A primeira (MÚLTIPLA) apresentou o
valor de R$ 3.881.675,40 (três milhões, oitocentos e oitenta e um mil, seiscentos e
setenta e cinco reais e quarenta centavos), enquanto que a segunda colocada
apresentou ofereceu R$ 3.151.782,40 (três milhões, cento e cinquenta e um mil,
setecentos e oitenta e dois reais e quarenta centavos), consoante se extrai da ata
encartada a fls. 1.812/1.813.
Como se vê, nenhuma atenção foi dada à proposta de preço, e, como
consequência, ao erário municipal!
Com o intuito de facilitar todo o raciocínio acima exposto, pode-se resumi-lo da
seguinte forma:
a) o esquema de fraude à licitação, notadamente no que tange ao seu direcionamento
em favor da empresa ora demandada em diversas cidades, inclusive em Limeira, é
revelado por meio de conversa ambiental gravada pela equipe da Rede Record de
Televisão, demonstrando o “modus operandi” de todo o negócio ilícito (fls. 17/25), o
qual se encaixa com o modo pelo qual se efetivou a contratação em apreço;
b) Após tal denúncia ter sido encaminhada ao GAERCO de Campinas, houve a busca
e apreensão com a devida autorização judicial no estabelecimento da MÚLTIPLA,
onde foram encontrados vários documentos que, ao serem analisados pelo setor de
inteligência do aludido grupo, demonstraram fortes e fundados indícios de que a
própria empresa que confeccionava o edital (fls. 2.264/2.269);
6 Importante salientar que, como será visto no tópico seguinte desta ação, as apostilas confeccionadas
pela empresa vencedora possuem inúmeros erros crassos de português e de conhecimentos básicos, sendo inapropriados para o uso escolar, o que demonstra não possuir técnica alguma, quanto mais a melhor, ensejando a sua contratação pelo Poder Público.
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c) O Tribunal de Contas, em decisão transitada em julgado, concluiu pela existência
de diversos itens do edital que são irrelevantes e desnecessários para se aferir a
melhor técnica, e que, mesmo assim, foram determinantes para que a MÚLTIPLA
vencesse a licitação em análise, mesmo tendo apresentado uma proposta de R$
729.893,00 a mais em relação à segunda colocada;
d) Analisando com maior cuidado o edital, foi possível constatar que, na realidade, não
se trata de uma licitação do tipo “melhor técnica e preço”, com peso 6 (seis) para a
proposta técnica e peso 4 (quatro) para a proposta de preços, mas mera aparência,
haja vista que a diferença da primeira colocada para a segunda, no tocante à proposta
de preços, é de apenas 16 pontos, consoante raciocínio expendido linhas acima;
e) Assim sendo, considerando que: 1) a proposta de preço possui, em verdade, um
peso insignificante para a totalização dos pontos, sendo, pois, na prática, indiferente o
valor apresentado pelas licitantes; 2) os itens do edital eram de prévio conhecimento
da empresa vencedora, a qual é suspeita de ter sido a responsável pela confecção do
próprio edital da concorrência por ela vencida; 3) diversos itens do edital não possuem
relevância para a apreciação da melhor técnica, sendo que a empresa vencedora
obteve pontuação máxima em tais itens, em detrimento da segunda colocada, que, por
sua vez, obteve pontuação mínima; 4) o modo pelo qual ocorreu todo o esquema ora
exposto na inicial é justamente o mesmo daquele revelado em conversa gravada; 5) a
existência de graves erros nas apostilas confeccionadas pela empresa contratada,
demonstrando a péssima qualidade de seus serviços; não há outra conclusão se
não a de que configurou claramente o direcionamento da licitação em apreço em
favor da empresa MÚLTIPLA.
Os demandados agiram, destarte, em nítido desvio de finalidade, ao tentarem
dar aparência de legalidade a ato fraudatório e imoral, consistente no direcionamento
da licitação em favor de empresa certa e determinada.
A respeito do tema, segundo os escólios de Hely Lopes Meirelles:
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O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a
autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica
o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou
exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder
é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a
violação moral da lei, colimando o administrador público fins não
queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais
para a prática de um ato administrativo aparentemente legal (grifo
nosso).7
Cristalino, portanto, o direcionamento na Concorrência Pública nº 01/2006, por
parte da empresa MÚLTIPLA e seu sócio administrador PAULO CÉSAR LEITE
FROIO, bem como de WLADIMIR RONDINONI, que possui vínculo com a empresa,
juntamente com o MUNICÍPIO DE LIMEIRA, representado pelo alcaide SILVIO FÉLIX
DA SILVA e pelo Secretário Municipal da Educação, ANTONIO MONTESANO NETO,
que assinou o malsinado contrato.
II.2 – INADEQUAÇÃO TÉCNICA DAS APOSTILAS CONFECCIONADAS PELA
EMPRESA MÚLTIPLA
Se não bastasse todo o esquema de direcionamento do certame licitatório em
favor da empresa MÚLTIPLA, conforme evidenciado no item antecedente, o material
didático entregue à Municipalidade em virtude de tal contratação fraudulenta é de
péssima qualidade, cujo conteúdo pode ser capaz de causar um efeito contrário ao
esperado, isto é, além de inservível para a aprendizagem básica do aluno, a presença
de erros crassos nas apostilas pode fazer com que os alunos aprendam de forma
errada, o que é repugnante e inaceitável.
Ao analisar o material organizado por bimestre, abrangendo as áreas de língua
portuguesa, matemática, ciências naturais, história, geografia e artes, a Coordenadoria
de Estudos e Normas Pedagógicas do Governo do Estado de São Paulo, em parecer
técnico (fls. 2.480/2.482), constatou que “o material não está em consonância com
7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006,
pp.112-113.
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os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto no que diz respeito aos conteúdos,
quanto à metodologia proposta nas sequências das atividades” (grifo nosso).
A título de exemplo, o aludido laudo afirma categoricamente que “as atividades
propostas em Língua Portuguesa não contribuem para desenvolver a competência
leitora e escritora, não trabalha com linguagem oral” (fls. 2.480).
Além disso, as apostilas apresentam equívocos em no tratamento de diversos
temas:
A forma restrita como o tema Folclore é tratado deixa a ideia de
que somente contos e causos fazem parte do folclore.
Ao invés de apresentar ao aluno diferentes tipos de contos
presentes no folclore, opta por definir superficialmente os diferentes
tipos, acreditando que isso é suficiente para que aluno aprenda sobre
eles.
Utiliza texto como pretexto para o trabalho com gramática ou
interpretações que não contribuem com o desenvolvimento da
compreensão leitora, nem para análise e reflexão sobre a língua.
Propõe produção de texto sem definir interlocutor, gênero,
finalidade. Recomenda que faça revisão sem ensinar ao aluno
procedimentos para isso.
No tema Água não fica claro se o objetivo é trabalhar com
conteúdos de Ciências Naturais ou de língua. Da mesma forma, trata
do tema superficialmente.
As questões apresentadas para interpretação não colaboram
para que o aluno aprenda sobre o tema apresentado.
Pede produção de texto, deixando para o aluno a escolha do
gênero, propaganda ou história em quadrinhos. Mas não trabalha
procedimentos de produção desses gêneros. A propaganda sequer é
apresentada, portanto o aluno não tem repertório para produção
textual.
O último tema Nossa Pátria, nossa cidade. Trata da história da
cidade e não da pátria, como sugere o título.
Não constrói com o aluno a compreensão do texto.
Apresenta um texto narrativo e um poético sobre o tema.
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Pede produção de texto poético, sem trabalhar com o gênero
(fls. 2.480/2.481).
Se não bastasse, o laudo técnico consigna que “há pouco espaço para que as
crianças trabalhem com suas hipóteses, desenvolvam conceitos e apliquem os
conceitos aprendidos”, concluindo que “a forma como os conteúdos são apresentados
e tratados no livro só colocam uma série de informações que não ajudam o aluno a
desenvolver postura investigativa de modo a fazê-los construir novos conhecimentos”
(fls. 2.481).
Ora, diante da constatação de inúmeras e graves falhas técnicas nas apostilas,
pergunta-se: como a empresa MÚLTIPLA obteve quase uma pontuação máxima
(181 de 200) no que se refere à proposta técnica, quando a contratação tem
como objeto a contratação de empresa especializada para criação de projeto
educacional, de material de apoio pedagógico e de sistema de avaliação para
rede de ensino?
E, ainda: como é possível que a empresa MÚLTIPLA, em que pesem todas
as falhas técnicas apontadas pelo laudo técnico, que demonstram um alto déficit
de qualidade do material didático fornecido, apresente um montante de R$
729.893,00 superior à proposta da outra empresa concorrente classificada em
segundo lugar?
Por final, e ainda mais intrigante: como é possível, diante de todo o acima
exposto, que a empresa MÚLTIPLA vencesse a licitação?
Não há outra resposta senão a de que todo o procedimento licitatório referente
à Concorrência Pública nº 01/2006 encontra-se maculado, corroborando com toda a
situação já devidamente demonstrada no tópico anterior, que revela o esquema de
direcionamento da licitação em favor da empresa MÚLTIPLA.
Não é à toa que a pontuação da proposta de preço, diversamente do que
possa aparentar, possui peso insignificante em relação à pontuação da proposta
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técnica, que, por sua vez, contém itens com critérios irrelevantes para aferir a melhor
técnica, conforme bem salientado pelo E. Tribunal de Contas.
É verdade que a toda e qualquer fraude tende a propor uma aparência de
legalidade, todavia, no presente caso, essa maquiagem caiu por terra, restando nítida
nos autos a fraude à licitação, consistente no direcionamento da licitação em prol da
empresa MÚLTIPLA.
II.3 – DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MATERIAL DIDÁTICO AOS MUNICÍPIOS
PELO GOVERNO FEDERAL
Se tudo isso não fosse suficiente, importante salientar que, embora com outra
denominação, existe, desde o ano de 1929, no âmbito do governo federal, o Programa
Nacional do Livro Didático – PNLD, cujo objetivo consiste na distribuição de obras
didática aos estudantes da rede pública de ensino, sendo certo que pelo menos a
partir de 2004 (portanto, bem antes da celebração do contrato em questão, que se
deu em 2007), há a distribuição gratuita de grandes quantidades de apostilas para as
escolas públicas, consoante se extrai da documentação de fls. 3.306/3.316.
Nesse diapasão, qualquer ente municipal que manifeste interesse, por meio de
termo de adesão, pode obter, de forma gratuita, o material didático disponibilizado pelo
ente federal, cuja qualidade, é bom que se frise, passa pelo crivo do Ministério da
Educação – MEC.
Entretanto, não foi essa a opção escolhida pelo alcaide SILVIO, juntamente
com o Secretário Municipal de Educação ANTÔNIO, preferindo onerar o erário com a
contratação milionária de empresa privada para a obtenção de materiais didáticos,
cuja qualidade é no mínimo questionável, conforme se depreende do item anterior, e
que poderiam ter sido obtidos gratuitamente do governo federal.
Impensável se falar em desconhecimento da existência desse programa, o qual
existe, como visto, desde 1929. Dessa maneira, não pairam dúvidas de que SILVIO e
ANTÔNIO não optaram por receber, gratuitamente, as apostilas confeccionadas com
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o aval do MEC, justamente com o escopo de possibilitar a realização da prática de ato
de improbidade administrativa demonstrada alhures, qual seja, o direcionamento da
licitação.
É sabido que se trata de ato discricionário do administrador, isto é, cabe a ele a
faculdade de optar pela adesão ou não ao aludido programa federal, mediante juízo de
conveniência e oportunidade. No entanto, sua opção pela não adesão e consequente
contratação de empresa particular para oferecer os materiais contribui para corroborar
ainda mais com toda a nefasta situação narrada nesta petição inicial.
Em resumo, mesmo havendo materiais didáticos de qualidade certificada pelo
MEC disponíveis pelo governo federal gratuitamente, SILVIO e ANTÔNIO preferiram
celebrar contrato milionário com empresa privada, para o mesmo desiderato. Mas não
é só, o material fornecido pela empresa contratada é de péssima qualidade, colocando
em xeque os reais motivos da contratação.
Assim sendo, diante de todas as provas e indícios apresentados não há outra
conclusão senão a de que todo o procedimento licitatório foi direcionado em favor da
empresa MÚLTIPLA, em nítido desvio de finalidade e de poder.
III – DA PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Ao agirem na forma acima relatada, SILVIO FÉLIX DA SILVA, ANTÔNIO
MONTESANO NETO e a empresa MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA
EDUCACIONAL LTDA., representada por seu sócio administrador PAULO CÉSAR
LEITE FROIO, bem como por WLADEMIR RONDINONI, cada qual com sua
responsabilidade, incorreram nas definições previstas pela Lei nº 8.429/1992, que
conceitua os repudiados ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
III.1 – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
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Ao agirem da forma narrada, a empresa MÚLTIPLA EDITORA E
TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA., bem como seu sócio administrador PAULO
CÉSAR LEITE FROIO, com a concorrência de SILVIO FÉLIX DA SILVA, ANTÔNIO
MONTESANO NETO e WLADEMIR RONDINONI, incorreram na tipificação prevista
no artigo 9º, “caput”, da Lei nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa,
definidor dos atos de improbidade administrativa que causam enriquecimento ilícito.
O artigo 9º, “caput”, da Lei Federal nº 8.429/1992 assim dispõe:
Art. 9.º Constitui ato de improbidade administrativa
importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de
vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo,
mandato, função, emprego ou atividade nas entidades
mencionadas no art. 1.º desta Lei, e notadamente: (grifo nosso).
Da norma acima citada, é possível extrair que não apenas o agente público
pode responder pela prática de ato de improbidade administrativa na modalidade de
enriquecimento ilícito, mas também o particular que auferir qualquer tipo de vantagem
patrimonial indevida em razão do exercício de atividade nas entidades mencionadas
no artigo 1º da Lei nº 8.429/1992, que inclui os municípios.
Nesse sentido os ensinamentos doutrinários:
Terceiros que se relacionem com a administração pública estão
sujeitos ao regramento do art. 9º, já que há a disciplina do art. 2º,
bem como do emprego da expressão “(...) ou atividade nas entidades
mencionadas no art.1º desta lei (...)”, o que afasta qualquer
alegação de que o sistema de regras do mencionado artigo
estaria direcionado apenas para os agentes públicos (grifo
nosso).8
8 GAJARDONI, Fernando da Fonseca, et al .Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 108.
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Evidente que, na prática, haverá pelo menos a concorrência de um ou mais
agentes públicos para a caracterização do ato ímprobo pelo terceiro.
No presente caso, diante de todo o esquema de fraude à licitação desvendado
nesta exordial, em razão do direcionamento do certame em favor da empresa
MÚLTIPLA, verifica-se que esta, juntamente com seu sócio administrador PAULO
CÉSAR, enriqueceu-se ilicitamente, ao receber a vultosa quantia de R$ 3.881.675,40
por uma contratação nula, eis que todo o prévio e necessário processo licitatório foi
dirigido para que a empresa mencionada vencesse a forjada disputa, celebrada com a
Municipalidade de Limeira, por meio de seu alcaide SILVIO FÉLIX DA SILVA e do
Secretário Municipal de Educação ANTÔNIO MONTESANO NETO, e, ainda, com a
contribuição de WLADEMIR RONDINONI.
Os fatos, portanto, subsumem-se perfeitamente ao tipo legal previsto no artigo
9º, “caput”, da Lei nº 8.429/1992, haja vista que a empresa MÚLTIPLA, em razão do
exercício de atividades no MUNICÍPIO DE LIMEIRA (no caso, a contratação celebrada
com este ente público, em nítido abuso de poder e desvio de finalidade, ante o
direcionamento do certame licitatório que resultou tal contrato), auferiu vantagem
patrimonial (a saber, a grande monta de R$ 3.881.675,40) indevida (uma vez que,
como já dito, fruto de uma contratação nula, posto que todo processo licitatório prévio
e necessário foi fraudulento, em razão do direcionamento da licitação em favor da
empresa demandada).
Aplica-se, assim, o princípio de direito romano do não enriquecimento sem
causa, uma vez que o princípio constitucional da equidade proíbe o aumento do
patrimônio de um indivíduo de forma ilícita, em especial pela prática de atos de
improbidade administrativa. É o escólio de Wallace Paiva Martins Júnior:
Analisando a corrupção como um dos fatores da crise da
governabilidade, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, baseado em
Samuel Huntington, demonstra que a sua existência nas sociedades
modernas liga-se à distinção entre o público e privado e define-a
como a “conduta de autoridade que exerce o Poder de modo
indevido, em benefício de interesse privado, em troca de uma
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retribuição de material”. Para José Alfredo de Oliveira Barracho, “a
corrupção gera a alteração ou desnaturação da função pública”.9
Arremata:
Para os fins da Lei Federal n. 8.429/92, é indiferente que a
vantagem econômica indevida, que constitui o fruto do
enriquecimento ilícito, seja obtida por prestação positiva ou
negativa. (...) Também pode ser obtida de forma direta ou indireta
pelo agente público (ou seja, por interposto pessoa, terceiros,
conhecidos, como testas-de-ferro, laranjas, membro da família,
operação simulada ou triangularização), pois basta que ele venha a
incorporar ao seu patrimônio bens, direitos ou valores de
maneira indevida, ou seja, a que o agente público não faz jus,
aquela que é contrária à legalidade ou à moralidade
administrativa, no exercício do cargo, emprego ou função
pública.10
Os ensinamentos de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves caminham no
mesmo sentido:
A corrupção, a partir da relação estabelecida entre corruptor e
corrompido, busca minimizar os custos e maximizar as oportunidades.
Nessa perspectiva, a corrupção se apresenta como um meio de
degradação do interesse público em prol da satisfação do
interesse privado. O agente público, apesar de exercer suas
funções no âmbito de uma estrutura organizacional destinada à
consecução do bem comum, desvia-se dos seus propósitos
originais e passa a atuar em prol de um interesse privado
bipolar, vale dizer, aquele que, a um só tempo, propicia uma
vantagem indevida para si próprio e enseja um benefício para o
particular que compactuou com a prática corrupta. A questão,
acaso dissociada de balizamentos éticos, sendo analisada sob uma
ótica meramente patrimonial, permitirá concluir que, em inúmeras
oportunidades, o particular tenderá a aceitar a prática corrupta para a
9 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001. pp. 182-183.
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satisfação mais célere ou menos custosa de seu interesse privado,
ainda que o interesse público termine por ser prejudicado.11
Magistralmente, conclui, asseverando que “deve-se afastar a vetusta
concepção de que a coisa pública não é de ninguém”.12
Por outro lado, diante da fraude à licitação em decorrência do direcionamento
da licitação em favor da empresa MÚLTIPLA, que restou devidamente caracterizada
na presente ação, inexistem dúvidas acerca do dolo na conduta da empresa e de seu
sócio administrador PAULO CÉSAR.
Evidente, não há fraude sem dolo. Ninguém frauda uma licitação sem a
intenção deliberada de alcançar tal resultado, aproveitando-se ou não de tal prática.
Destarte, uma vez comprovado ter havido nítida burla à licitude do processo
licitatório, em razão do direcionamento da licitação em favor da empresa MÚLTIPLA e,
consequentemente, de seu sócio administrador PAULO CÉSAR, consoante se infere
de toda a fundamentação contida nesta inicial, resta patente o dolo dos demandados
acima aludidos.
De se turno, SILVIO e ANTÔNIO concorreram dolosamente para a prática de
atos improbidade administrativa que causou o enriquecimento ilícito da empresa
MÚLTIPLA e, consequentemente, de seu sócio administrador PAULO CÉSAR na
medida em que, responsáveis por prezar pela licitude do procedimento licitatório em
questão, nada fizeram para impedir tal enriquecimento, contribuindo, por conseguinte,
com o acréscimo patrimonial indevido da empresa acionada e seu respectivo sócio
administrador.
Ainda, WLADEMIR também concorreu para o enriquecimento ilícito da
empresa acionada e seu sócio administrador, considerando que era o responsável
10
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Op cit., pp. 182-183. 11
GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. pp. 17-18. 12
GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Op. cit., p. 18.
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pelas negociações efetuadas pela empresa com o MUNICÍPIO DE LIMEIRA,
consoante se infere de fls. 18.
Ausente, pois, qualquer dúvida possível acerca da inconstitucionalidade e da
ilegalidade das condutas praticadas por SILVIO, ANTÔNIO, WLADEMIR e da
empresa MÚLTIPLA, representada por seu sócio administrador PAULO CÉSAR,
todas maculadas pela ilicitude, pelo dolo e pela má-fé, tal como pelo descaso com a
cidadania, com a probidade na gestão dos negócios públicos e, especialmente, com
os munícipes de Limeira.
Portanto, não paira nenhuma dúvida que os atos praticados pela empresa
empresa MÚLTIPLA, representada por seu sócio administrador PAULO CÉSAR, com
a concorrência de SILVIO, ANTÔNIO e WLADEMIR, foram os responsáveis pelo
enriquecimento ilícito dos primeiros na quantia de R$ R$ 3.881.675,40 (três milhões,
oitocentos e oitenta e um mil, seiscentos e setenta e cinco reais e quarenta centavos),
devendo ser aplicado aos demandados as sanções dispostas no artigo 12, inciso III,
da Lei nº 8.429/1992.
III.2 – LESÃO AO ERÁRIO MUNICIPAL
Os demandados causaram lesão ao erário, compreendido como o conjunto de
bens que compõem o patrimônio público, na medida em que fraudaram a licitude do
procedimento licitatório, haja vista que houve o direcionamento da licitação em favor
de determinada empresa.
Configurou-se, portanto, o ato de improbidade administrativa definido pelo
artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/1992, abaixo transcrito:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou
culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens e haveres das
entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: VIII –
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frustrar a licitude do processo licitatório, ou dispensá-lo
indevidamente (grifo nosso).
Imprescindível esclarecer que há uma notória presunção legal de prejuízo ao
erário quando se trata de frustração da licitude do procedimento licitatório, que,
segundo apregoa a doutrina, refere-se às hipóteses em que há o descumprimento de
normas e princípios da licitação, de modo a restringir, comprometer ou mesmo eliminar
o seu caráter competitivo, em prejuízo real da igualdade entre os concorrentes e da
seleção da proposta mais vantajosa à Administração Pública.13
É por demais sabido que a licitação é a regra no tocante à contratação de
obras e serviços pela Administração Pública, que tem por fim, notadamente, garantir a
igualdade entre os administrados e a obtenção da proposta mais vantajosa para o
Poder Público, sendo certo que qualquer mecanismo ilegal que afronte a finalidade
precípua da licitação configura lesão ao erário.
Consoante determina o artigo 3º, “caput”, da Lei nº 8.666/1993:
A licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais
vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento
nacional sustentável e será processada e julgada em estrita
conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório,
do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos (grifo nosso).
Como não poderia deixar de ser, no presente caso houve o direcionamento da
licitação em favor de uma empresa, consoante bem detalhado no tópico pertinente, o
que vai totalmente de encontro com as finalidades do instituto, restando evidente e
incontroverso nos autos a afronta ao artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/1992.
13
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 266-
267.
- 31 / 68 -
Ora, interpretando-se sistematicamente o referido dispositivo legal, não se
pode chegar a outra conclusão senão a de que a concretização da situação hipotética
descrita no aludido inciso (VIII - frustrar a licitude do processo licitatório ou
dispensá-lo indevidamente) caracteriza, por si só, a existência de lesão ao erário,
sendo prescindível a prova da efetiva perda patrimonial.
No que se refere ao “caput” do artigo em questão, em verdade, necessária se
faz a prova acerca do efetivo dano ao erário. Deveras, ao mencionar “qualquer ação
ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º
desta lei”, a norma automaticamente requer a prova de que a conduta do agente, seja
ela qual for (excetuando aquelas descritas nos incisos elencados na sequência), foi
capaz de causar o dano ao erário.
Por outro lado, os incisos que seguem o artigo em comento, os quais se tratam
de rol meramente exemplificativo, descrevem algumas condutas, ativas ou omissivas –
talvez aquelas mais corriqueiras e graves –, em que já se pressupõe o dano ao erário.
Ou seja, o legislador, a fim de facilitar a aplicação da norma, previu algumas situações
nas quais configuram o prejuízo ao erário.
Em outras palavras, o raciocínio que deve ser feito é o seguinte:
1) O “caput” do artigo 10 indica, de modo genérico, o que vem a caracterizar o ato de
improbidade administrativa que causa lesão ao erário, isto é, ele conceitua o dano ao
erário, o que, por óbvio e em atenção à regra básica do ônus da prova, o nexo de
causalidade entre a conduta do acionado e o prejuízo efetivo aos cofres públicos (ou
seja, que ensejou perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei) deve ser
demonstrado e provado pelo autor de uma eventual ação civil.
2) Entretanto, a própria Lei de Improbidade Administrativa elencou algumas hipóteses
(rol não taxativo) em que o dano ao erário é presumido e implícito, de maneira que
o ônus do autor se restringe à comprovação de que o acionado praticou aquela
conduta definida em lei. Destarte, no presente caso, o ônus da prova do autor consiste
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em demonstrar que os réus frustraram a licitude do processo licitatório. Uma vez
comprovado, como ocorreu, o dano é presumido por lei.
Consoante explica a doutrina:
(...) qualquer fato que se amolde às hipóteses elencadas nos
incisos do art. 10 da LIA, ou então às hipóteses previstas no art. 4º da
Lei de Ação Popular (Lei 4.171/1965), tem a sua lesividade implícita.
Nesses casos, opera-se a inversão do ônus da prova, é dizer, basta
ao autor a prova da inexistência do dano.14
Raciocínio outro não se mostraria razoável e caminharia em direção oposta ao
da própria finalidade da Lei de Licitações.
Ora, partindo-se do pressuposto de que a licitação tem por escopo a garantia
da igualdade entre os administrados e a obtenção da proposta mais vantajosa para a
Administração Pública, é lógica a conclusão de que a frustração do processo licitatório
causa prejuízo ao erário. Isso porque, maculado de vícios que restringem,
comprometem ou mesmo eliminem o caráter competitivo da licitação, não será
possível alcançar a própria razão de ser do instituto, qual seja, a obtenção da proposta
mais vantajosa, o que, por conseguinte, já é mais do que o suficiente para configurar o
dano.
Em outros termos, ao frustrar a licitude do certame licitatório, em virtude do seu
direcionamento em favor de determinada empresa, consoante se verificou nos autos
em apreço, a Administração Pública ficou privada da oportunidade de contratar pelo
menor preço, tendo em vista que a contratação já estava, de antemão, acertada,
direcionada a uma empresa específica, eliminando qualquer possibilidade de obtenção
de uma proposta mais vantajosa. De tal forma, indiscutível o prejuízo, tanto patrimonial
quanto moral, ao erário municipal, e, consequentemente, a toda população limeirense.
Tanto é verdade que, no caso concreto, a empresa classificada em segundo
lugar tinha oferecido um valor de R$ 729.893,00 a menor. Porém, uma vez
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direcionado o certame, qualquer oferta de preços, por mais baixa e vantajosa à
Administração Pública que fosse, não teria qualquer efeito, estando fadada ao
fracasso. Isso se comprova no presente caso diante das cláusulas do edital que
privilegia, de fato, apenas a melhor “técnica”
Nesse diapasão, diverso não é o entendimento jurisprudencial:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE.
FRAUDE AO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. DANO AO ERÁRIO.
ART. 10 DA LEI 8.429/1992. REVISÃO DO CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
APLICAÇÃO DAS SANÇÕES. AUSÊNCIA DE
DESPROPORCIONALIDADE. 1. Cuidam os autos de Ação Civil
Pública ajuizada contra ex-prefeita e servidores públicos do Município
de Santa Albertina, por suposta prática de improbidade administrativa
decorrente de licitações irregulares para aquisição de alimentos e
material de limpeza. 2. O Tribunal a quo julgou procedente o pedido,
com base na comprovada ocorrência de fraude. Asseverou que o
valor da compra impunha licitação pela modalidade de concorrência,
contudo foram feitas várias aquisições diretas. 3. A situação
delineada no acórdão recorrido enquadra-se no art. 10, VIII, da Lei
8.429/1992, que inclui no rol exemplificativo dos atos de improbidade
por dano ao Erário "frustrar a licitude de processo licitatório ou
dispensá-lo indevidamente". 4. O desprezo ao regular
procedimento licitatório, além de ilegal, acarreta dano, porque a
ausência de concorrência obsta a escolha da proposta mais
favorável dos possíveis licitantes habilitados a contratar.
Desnecessário comprovar superfaturamento para que haja
prejuízo, sendo certo que sua eventual constatação apenas torna
mais grave a imoralidade e pode acarretar, em tese,
enriquecimento ilícito. 5. O Tribunal de origem consignou que, na
hipótese, a fraude perpetrada pelo recorrente e seus
litisconsortes, que ora figuram como interessados, provocou
evidente prejuízo ao município (...).15
14
ANDRADE, Adriano, et al. Interesses Difusos e Coletivos Esquematizado. São Paulo: Método, 2011, p. 665. 15
REsp 1130318 / SP, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 27.04.2010.
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Ora, o prejuízo, que se presume, causado ao erário no presente caso refere-se
aos valores efetivamente pagos à empresa contratada, a saber, R$ 3.881.675,40,
tendo em vista que a contratação foi oriunda da fraude à licitação respectiva, em face
do direcionamento em favor da empresa demandada.
Uma vez que toda a contratação é nula, os valores pagos são nada mais nada
menos do que o efeito de uma causa nula de direito (contrato). Assim sendo, todo o
montante efetivamente pago à empresa deve ser ressarcido, sob pena de, mesmo que
nulo do contrato (causa), como se espera na presente ação, continuar prevalecendo
os seus efeitos (valores pagos).
É exatamente o que apregoa o artigo 59, e parágrafo único, da Lei nº
8.666/1993:
Art. 59. A declaração de nulidade do contrato
administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos
jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de
desconstituir os já produzidos.
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração
do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado
até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos
regularmente comprovados, contanto que não lhe seja
imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu
causa (grifo nosso).
Destarte, pode-se concluir que a nulidade no procedimento licitatório, no caso,
causada pela fraude consistente no direcionamento do certame, opera de maneira
retroativa, bem como contaminam os contatos ou ajustes dele decorrente.
De outro flanco, importante ressaltar que o ressarcimento dos importes pagos
não constituem, de maneira alguma, enriquecimento indevido do Município, sob
eventual alegação de que a empresa teria efetivamente prestado os serviços.
- 35 / 68 -
E nem poderia. Caso contrário, configuraria uma situação bastante cômoda aos
réus, que pode ser sintetizada pela seguinte situação: “frustro a licitude do processo
licitatório, contrato com a Municipalidade, recebo por isso e, caso venha a ser
responsabilizado no futuro, apenas devolvo eventual diferença, caso haja, entre o
valor contratado e o valor estimado para tal contratação”.
Traria uma sensação aos “fraudadores de plantão” de que tal prática ímproba e
nefasta valeria a pena. E, de fato, para tais pessoas, valeria!
Oportuno trazer a lume interessantíssimo raciocínio da doutrina a respeito do
tema, em tese intitulada “A nulidade das licitações fraudulentas e a recuperação do
Erário”:
A presunção de lesividade desses atos ilegais é fácil intuir.
Se o ordenamento jurídico obriga o procedimento licitatório, para
o cumprimento da isonomia e da moralidade da Administração, o
esquivar-se a esse procedimento constitui inequívoca lesão à
coletividade. Será esta ressarcida pela devolução do dispêndio à
revelia do procedimento legal. Aquele que praticou o ato terá
agido por sua conta, risco e perigos. Ainda que pronta a obra,
entregue o fornecimento ou prestado o serviço, se impassível de
convalidação o ato praticado, impõe-se a devolução. Não
estaremos diante do chamado enriquecimento sem causa. Isso
porque o prestador do serviço, o fornecedor ou executor da obra
serão indenizados, na medida em que tiverem agido de boa-fé.
Entretanto a autoridade superior que determinou a execução sem as
cautelas legais, provada sua culpa (o erro inescusável ou o
desconhecimento da lei) deverá, caso se negue a pagar
espontaneamente, em ação regressiva indenizar o erário por sua
conduta ilícita. O patrimônio enriquecido, o da comunidade e
nunca o da Administração (pois esta é a própria comunidade)
não terá sido com ausência de título jurídico. Mas sim, em
decorrência de uma lesão aos valores fundamentais, como da
moralidade administrativa. Compete à parte, e não à
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Administração, a prova de que o dano, decorrente da presunção
da lesividade, é menor do que a reposição integral (grifo nosso).16
Frise-se que a presente ação não cuida de responsabilização por possível
contratação superfaturada ou por valor acima do valor de mercado, mas por fraude ao
processo licitatório. Por conta disso, o fato de a empresa contratada ter ou não
prestado os serviços e entregue os produtos não é suficiente para afastar o prejuízo
ao erário, pois os valores pagos à empresa se são resultados de uma contratação
fraudulenta, ressaltando-se, ademais, que, como já visto, sequer era necessária, eis
que o governo federal disponibiliza de modo gratuito os mesmos serviços (aquisição
de materiais didáticos). Para arrematar, os mesmos serviços foram prestados de forma
inadequada.
Em interessante julgado, o E. Superior Tribunal de Justiça ratifica a posição
contida nesta inicial, no sentido de que, no âmbito das ações de improbidade relativa a
procedimentos licitatórios, a pura e simples prestação de serviços não é capaz de, por
si só, afastar o prejuízo ao erário.
Veja-se:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. FORNECIMENTO DE PRODUTOS MÉDICOS
SEM LICITAÇÃO. ART. 11 DA LEI N. 8.429/92. ELEMENTO
SUBJETIVO DOLOSO. CARACTERIZAÇÃO. 1. Discute-se nos
autos a caracterização de improbidade administrativa na
tipologia do art. 11 da Lei n. 8.429/92 em razão da entrega de
produtos médicos a certa municipalidade sem prévia realização
de licitação e sem justificativa para dispensa do procedimento
licitatório. 2. O Tribunal de Contas do Estado, após inspeção
especial, constatou inúmeras irregularidades na aquisição dos
mencionados produtos por meio de requisições, com possível
prejuízo ao erário na ordem de aproximadamente R$147.000,00
(cento e quarenta e sete mil reais). 3. Além disso, o acórdão pontuou
16
FIGUEIREDO, Lúcia Valle e FERRAZ, Sérgio apud COELHO, Alexandre Mauro Alves. I Congresso do Patrimônio Público e Social do Ministério Público de São Paulo. São Paulo: Edições APMP, 2011, p. 215-
216.
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que as referidas aquisições não foram esporádicas, mas contínuas,
afastando, assim, a caracterização de situação emergencial. (...) 6.
Não fosse isto suficiente, esta Corte Superior, especialmente por
sua Segunda Turma, vem entendendo que, no âmbito de ações
por improbidade administrativa relativa a procedimentos
licitatórios, a pura e simples prestação do serviço e a entrega
dos produtos não são suficientes para afastar o prejuízo ao
erário, pois o valor pago pela prestação ou pelo produto pode
estar além do valor médio de mercado, bem como pode ser até
mesmo indevido (nas hipóteses, p. ex., em que o serviço e/ou o
produto em si são desnecessários à luz da realidade).
Precedente (...). 17
Basta, portanto, para a aplicação das penas correspondentes à conduta
tipificada no artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/1992, a comprovação da frustração
da licitude do processo licitatório, cuja prática caracteriza o dano ao erário, que
corresponde ao valor efetivamente pago pela contratação, considerando que esta é
nula de pleno direito.
Em situação semelhante, o E. Superior Tribunal de Justiça se posicionou da
seguinte forma:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE.
CONTRATAÇÃO ILEGAL DE SERVIÇOS DE PUBLICIDADE. DANO
AO ERÁRIO. REVISÃO DOS ELEMENTOS FÁTICO-
PROBATÓRIOS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
DIVERGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. 1. A agravante e seus
litisconsortes foram condenados pela prática de improbidade
administrativa decorrente da contratação ilegal de serviços de
publicidade, sem o necessário procedimento licitatório e com
desvio de expressiva verba pública - R$ 1.300.000,00. 2. A
configuração de improbidade administrativa por dano ao Erário,
modalidade censurada pelo art. 10 da Lei 8.429/1992, prescinde da
comprovação de dolo, sendo admitida também por culpa.
Precedentes do STJ. 3. De qualquer modo, o Tribunal a quo foi
17
AgRg no Ag 1316690/RO, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. 26.10.2010.
- 38 / 68 -
categórico quanto à conduta dolosa dos réus, asseverando que
"houve um verdadeiro conluio entre os agentes no intuito de
burlar a licitação dos serviços, auferindo vantagens indevidas".
4. O prejuízo causado ao Erário também foi inequivocamente
constatado, ante o desvio de vultosa quantia em benefício dos
agentes e das empresas contratadas, entre as quais se inclui a
ora agravante. Além disso, ficou registrado que não há nos autos
prova incontroversa da efetiva prestação de serviços de propaganda
e publicidade a justificar a despesa (...).18
De outro flanco, a participação detalhada de cada demandado no esquema de
direcionamento de licitação evidenciado nesta peça inicial, notadamente em seu item
II, denominado “o direito aplicável à espécie”, demonstra, com clareza, o dolo na
conduta dos acionados.
Em breve síntese, SILVIO FÉLIX DA SILVA, causou lesão ao erário na medida
em que, representando o MUNICÍPIO DE LIMEIRA, frustrou a licitude do processo
licitatório, eis que permitiu e anuiu com o direcionamento da licitação em favor da
empresa MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA., com a
posterior celebração de contrato, não se atendo, destarte, ao que melhor reclama o
interesse público, haja vista ter impedido o recebimento de uma proposta mais
vantajosa à Municipalidade, infringindo a Lei de Improbidade Administrativa, conforme
visto linhas acima.
Saliente-se, por oportuno, que malgrado não tenha assinado o contrato em tela
possui responsabilidade direta no concernente a todas as contratações celebradas
com a Municipalidade.
Ou seja, estando investido na chefia do Poder Executivo municipal e, portanto,
responsável direto pela celebração ou não de contratos com terceiros, possui o dever
legal zelar pela legalidade, moralidade e impessoalidade da contratação, de maneira a
não permitir prejuízos ao erário, o que não ocorreu “in casu”.
18
AgRg no Ag 1305899/RO, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 24.08.2010.
- 39 / 68 -
A participação de ANTONIO MONTESANO NETO também restou deveras
comprovada nos autos. Nesse sentido, a licitação em apreço teve seu início mediante
requisição feita pelo referido acionado, cuja descrição detalhada do material e serviço,
bem como a justificativa, encontram-se acostadas a fls. 2.040/2.043 e fls. 2.046,
respectivamente.
Após os trâmites de praxe, o objeto do processo licitatório em questão foi
homologado e adjudicado à empresa vencedora por ANTONIO (fls. 1.819). Em
seguida, mesmo sabendo, ou, devendo saber, das ilegalidades apontadas nesta
exordial, assinou o malsinado contrato, pactuando com as narradas práticas de atos
de improbidade administrativa.
Deveras, infirmando sua assinatura, chancelou a celebração de um contrato
ilegal, direcionado à empresa MÚLTIPLA.
Presente, portanto, o dolo nas condutas perpetradas por SILVIO FÉLIX DA
SILVA e ANTONIO MONTESANO NETO.
Se não fosse suficiente, PAULO CÉSAR LEITE FROIO, representante da
empresa MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA., bem como
WLADEMIR RONDINONI, mesmo não sendo agente público, restou evidente nos
autos terem concorrido para a prática do ato de improbidade administrativa,
beneficiando-se diretamente dele, o que faz jus à aplicação das sanções do artigo 12
da Lei nº 8.429/1992, nos termos do artigo 3º da aludida lei.
PAULO, na condição de representante da empresa MÚLTIPLA, além de terem
concorrido para a prática ímproba descrita na inicial, beneficiaram-se diretamente
com a ilegal contratação. Ora, foram R$ 3.881.675,40, isto é, quase quatro milhões de
reais pagos indevidamente em favor da empresa.
Concorreram na medida em que, negociando com a Municipalidade, fraudaram
a licitude do processo licitatório, consoante se observa do teor desta peça inicial. E se
beneficiaram a partir do momento em que se efetuou a fraude com a celebração do
contrato e posterior pagamento integral.
- 40 / 68 -
Por final, restou evidenciado nos autos a participação de WLADEMIR
RONDINONI, eis que era o responsável pelas negociações efetuadas pela empresa
com o MUNICÍPIO DE LIMEIRA, conforme se infere da gravação ambiental de fls.
17/25.
O trecho da conversa transcrita a seguir deixa claro que WLADEMIR concorreu
para a prática do ato de improbidade administrativa:
W – Sim. Tanto que isso que é a verdadeira confirmação de
que o material é feito para o município. Nós vamos até o município,
conversamos com a equipe pedagógica, depois de tudo
aprovado nossos professores-autores vão ao município,
conhecem... Então é feito o material sob medida mesmo, é o
alfaiate da educação. Ele vai fazer o terno para aquele município.
Um terno não serve para o outro (fls. 18 – grifo nosso).
Importante salientar que, ainda que tivesse agido culposamente, alegando
eventual inabilidade ou desconhecimento da lei, e não por dolo, o que somente se
admite a título de argumentação, nenhuma diferença haveria para fins de aplicação
das sanções pertinentes ao artigo 12, inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa.
No ensinamento de Márcio Fernando Elias Rosa:
Em princípio, pode parecer de excessivo rigor legal, a
punição do agente público que laborou culposamente para a
consumação de lesão ao erário. Todavia, assim não é.
Os agentes públicos em geral, inclusive os que servem
empresas estatais ou que de qualquer modo envolvam dinheiro
público, têm a obrigação de se conduzir com diligência no
desempenho de suas funções, sendo incompatível com a
natureza delas a imprudência e a negligência.
Agente público imprudente é o que age sem calcular as
consequências previsíveis para o erário, do ato que pratica.
Negligente é o que se omite no dever de acautelar o patrimônio
- 41 / 68 -
público. Tanto um como outro descumprem dever elementar
imposto a todo e qualquer agente público, qual seja, o de zelar
pela integridade patrimonial do ente ao qual presta serviços, à
medida que se trata de patrimônio que, não sendo seu, a todos
interessa e pertence (grifo nosso). 19
Nesse sentido, ao lecionar sobre a contratação sem concurso público, Emerson
Garcia e Rogério Pacheco Alves, magistralmente, asseveram que:
Afigura-se nítida a lesividade ao interesse público, sendo
injurídico afirmar que a lei somente visa a punir o administrador
desonesto, não incompetente. Que seja incompetente na gestão de
seus bens, não na condução do patrimônio público; que viole sua
moral individual, não a moralidade administrativa; que presenteie os
amigos com seus pertences, não com cargos públicos. Enfim,
até mesmo para a incompetência deve ser estabelecido um
limite! (grifo nosso). 20
Assim sendo, faz-se jus à aplicação das sanções pertinentes à prática de ato
de improbidade administrativa diante da caracterização do dano ao erário, nos termos
do artigo 12, inciso II, da Lei nº 8.249/1992.
III.3 – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Se não fosse suficiente, os demandados também violaram diversos princípios
da administração pública, na forma estatuída pelo artigo 11 da Lei de Improbidade
Administrativa.
O dever jurídico de observância aos princípios que regem a Administração
Pública é imposto aos agentes públicos, de forma expressa, no artigo 37, “caput”, da
Lei Maior, ao estabelecer que: “A administração pública direta e indireta de qualquer
19
ROSA, Márcio Fernando Elias, PAZZAGLINI FILHO, Marino e FAZZIO JÚNIOR, Waldo, Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. 4ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 1999, p. 78. 20
GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2.ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2004. p. 390.
- 42 / 68 -
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
(...)”.
De seu turno, o artigo 4º da Lei de Improbidade Administrativa, praticamente
repete o mandamento constitucional, apregoando que: “os agentes públicos de
qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhes são afetos”.
Mais adiante, o referido diploma infraconstitucional estabelece em seu artigo 11
que constitui ato de improbidade administrativa a violação dos princípios da
Administração Pública, impondo a respectiva sanção no artigo 12, inciso III.
No caso em apreço, a conduta dos demandados se enquadra no “caput” do
artigo 11, da Lei nº 8.429/1992, o qual assim dispõe:
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra
os princípios da administração pública qualquer ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (grifo nosso).
Deveras, restou plenamente evidenciada nos autos a violação a diversos
apotegmas da administração pública na conduta dos acionados, consistente na fraude
ocorrida no processo licitatório em razão de seu direcionamento.
III.3.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade tem previsão expressa no artigo 37, “caput”, da Lei
Fundamental, significando que aos agentes públicos somente é dado agir nos limites
da lei. Em outras palavras, os agentes públicos somente podem praticar ato que a lei
expressamente autoriza.
- 43 / 68 -
Segundo os escólios de Seabra Fagundes:
Onde há lei escrita, não pode haver arbítrio. Por outro
lado, sendo a função administrativa, que constitui o objeto das
atividades da Administração Pública, essencialmente realizadora
do direito, não se pode compreender seja exercida sem que haja
texto legal autorizando-a ou além dos limites deste (grifo nosso).21
Assim sendo, referido postulado assume duas facetas distintas, uma no Direito
Público e outra no Direito Privado.
No Direito Privado, impera a regra traçada pelo artigo 5°, inciso II, da
Constituição Federal, segundo a qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
De seu turno, no âmbito de Direito Público, aplica-se a norma prevista pelo
artigo 37, “caput”, da Lei Suprema, de sorte que, consoante visto, não pode o agente
público, representando a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, fazer tudo o
que a lei não proíbe. Mas ao contrário, está autorizado a agir apenas e tão somente na
forma expressamente prevista pela legislação.
Como bem destaca Diógenes Gasparini:
O princípio da legalidade, resumido na proposição „suporta a
lei que fizeste‟, significa estar a Administração Pública, em toda a sua
atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo
afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu
autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou
que exceda ao âmbito demarcado pela lei é injurídica e expõe-se à
anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do
particular. De fato, este pode fazer tudo que a lei não proíbe;
aquela só pode fazer o que a lei „autoriza‟ e, ainda assim,
„quando‟ e „como‟ autoriza. Vale dizer, se a lei nada dispuser, não
21
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Ed. São Paulo:
Saraiva, 1984, p. 81.
- 44 / 68 -
pode a Administração Pública agir, salvo em situações
excepcionais (grave perturbação da ordem e guerra quando
irrompem inopinadamente). A esse princípio também se submete
o agente público. Com efeito, o agente da Administração Pública
está preso à lei e qualquer desvio de suas imposições pode
nulificar o ato e tornar o seu autor responsável, conforme o caso,
disciplinar, civil e criminalmente. Esse princípio orientou o
constituinte federal na elaboração do inciso II do art. 5° da
Constituição da República (grifo nosso).22
Em seguida, arremata:
Por fim, observe-se que o princípio da legalidade não incide
só sobre a atividade administrativa. É extensivo às demais atividades
do Estado. Aplica-se, portanto, à função legislativa, salvo nos casos
de países de Constituição flexível, onde o Poder Legislativo pode,
livremente, alterar o texto constitucional (...). Em suma, ninguém
está acima da lei” (grifo nossos).23
Feitas essas considerações, questiona-se: considerando que ao agente público
(no caso, SILVIO e ANTÔNIO) somente é dado agir nos limites da lei, ou seja, apenas
pode praticar ato que a lei expressamente autoriza, e, sendo óbvio que não há (e nem
poderia haver, sob pena de contrariar o próprio conceito de Estado Democrático de
Direito) uma legislação que autoriza o agente público a frustrar a licitude do processo
licitatório (ao contrário, há previsão legal expressa proibindo tal conduta), restou
deveras caracterizada a violação ao princípio da legalidade. Sem contar que também
foi infringida a Lei nº 8.666/1993.
Por suas vezes, os demais demandados (PAULO, WLADEMIR e MÚLTIPLA),
igualmente, violaram princípio em análise, uma vez que, malgrado serem particulares,
consoante dito, frustraram a licitude do processo licitatório, o que é terminantemente
vedado pelo artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/1992. Ademais, afrontaram a Lei nº
22
Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva: 2000, p. 08-09. 23
Idem, Ibidem, p. 09.
- 45 / 68 -
8.666/1993, na medida em que deixaram de cumprir seus ditames, mormente no que
tange a seu artigo 3º, “caput”, que prevê as finalidades da licitação.
Ante as condutas dos demandados, devidamente individualizadas na presente
ação, é possível perceber que houve uma nítida e grave afronta à Lei de Licitações e à
Lei de Improbidade Administrativa, e, consequentemente, ao princípio da legalidade.
III.3.2 – PRINCÍPIO DA MORALIDADE
Com previsão também expressa no artigo 37, “caput”, da Constituição Federal,
e no artigo 111 da Constituição Bandeirante, o princípio da moralidade administrativa
pode ser definido como a regra pela qual se prega a observância de regras éticas na
atividade administrativa, informadas por valores como boa-fé, dever de boa
administração, honestidade, lealdade, interesse público e imparcialidade, que devem
estar presentes na conduta do agente público e no ato praticado.
Observa-se, porém, não ter sido previsto, de forma expressa, nos textos
constitucionais anteriores, encontrando-se, todavia, há muito arraigado no
ordenamento jurídico pátrio, eis ser considerado princípio regente da atuação
administrativa.
Recorde-se, por exemplo, do Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930,
que instituiu o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, ao
manter em vigor, consoante seu artigo 7º, as leis, obrigações e direitos na esfera
pública, “salvo os que, submetidos a revisão, contravenham o interesse público e a
moralidade administrativa”.24
Ao contrário, a imoralidade resulta de um confronto lógico entre os meios de
que se vale o agente público e os fins colimados com o ato. Adequação e
compatibilidade, ou como atualmente se prefere: proporcionalidade.
24
GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004. p.79.
- 46 / 68 -
Não se trata, pois, da moralidade comum, mas da observância das regras da
melhor administração como meio para o perfeito atendimento da finalidade da atuação
administrativa.
A moralidade obriga a eleição, pelo agente público, da opção decisória que
atenda, a um só tempo, ao interesse público sem o rompimento da moral
hodiernamente aceita. O fim almejado haverá de ser sempre consentâneo com a
moral, que não cederá em face de nenhuma circunstância excepcional que ao agente
se lhe apresentar.
Nas palavras de Carmen Lúcia Antunes Rocha, Ministra do Supremo Tribunal
Federal, o “Estado define o desempenho da função administrativa segundo uma
ordem ética acordada com os valores sociais prevalentes e voltada à realização de
seus fins”.25
A moralidade, que serve como fundamento de todos os demais princípios
constitucionais da Administração Pública, impede pelos agentes públicos o exercício
de atividades caracterizadoras de contradição com o interesse público.
Elas naturalmente garantem a imparcialidade administrativa – e nessa medida
contribuem para a moralidade –, viabilizando valores como neutralidade,
independência, isenção e objetividade.
Corolário disso, exsurge o princípio da probidade, o qual valoriza a
implementação prática do princípio da moralidade administrativa, conferindo à Nação,
ao Estado, ao povo, enfim, um direito público subjetivo a uma Administração Pública
dotada de lisura e honestidade, com agentes públicos revestidos das mesmas
qualidades, mediante o uso de instrumentos preventivos e sancionadores da
improbidade administrativa.
Cumpre invocar as lições de Marcello Caetano, ao definir o dever de probidade
como aquele pelo qual o “funcionário deve servir à Administração com honestidade,
25
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte:
Del Rey, 1994. p. 192.
- 47 / 68 -
procedendo no exercício de suas funções sempre no intuito de realizar os interesses
públicos, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em
proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer” (grifo nosso).26
Nesse sentido, toda a situação fática descrita na presente ação mostra-se total
e visivelmente contrária à moralidade administrativa, haja vista que os demandados
não agiram com a necessária probidade na condução da atividade pública.
Deveras, não agiram com observância de regras éticas e morais na atividade
administrativa, informadas por valores como boa-fé, honestidade, lealdade e interesse
público, que devem estar presentes na conduta do agente público e no ato praticado.
Ora, não é honesto, tampouco moral a conduta dos demandados em favorecer
uma empresa no certame licitatório, frustrando seu caráter lícito, de modo a restringir a
competitividade e a isonomia, elementos essenciais e inerentes ao instituto em apreço,
em detrimento das demais empresas.
Conforme preleciona Hely Lopes Meirelles:
A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para
sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente
público para sua conduta interna, segundo as exigências da
instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum
(grifo nosso).27
Definitivamente, os acionados não agiram em conformidade com as exigências
da Municipalidade, eis que contrariaram normas essenciais à adequada utilização da
máquina pública, as quais regulam as licitações (cujos procedimentos são corriqueiros
numa Administração Pública) e a probidade administrativa.
26
CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1997. t. 2. p. 749. 27
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006,
p. 89.
- 48 / 68 -
Ademais, com tal prática, observaram apenas o interesse de uma empresa,
deixando de canto o interesse da coletividade e o bem comum, o que vai gravemente
de encontro à moralidade administrativa.
III.3.3. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
Como determina o artigo 1º, “caput”, da Constituição Federal, vivemos sob a
égide de uma República. Dessa forma, não podem os agentes públicos fazer seus ou
de alguns aquilo que é de todos. Com peculiar maestria ensinava Geraldo Ataliba:
A simples menção ao termo „república‟ já evoca um universo de
conceitos intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do
princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais
conceitos, o de responsabilidade é essencial.
Regime republicano é regime de responsabilidades. Os
agentes públicos respondem pelos seus atos. Todos são, assim,
responsáveis.28
Além disso, o interesse público é indisponível e todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, nos termos do artigo 5º, inciso II, da Constituição
Federal. Em uma democracia, na qual o prefeito e seus asseclas são representantes
do povo, gerindo a coisa pública por ele e para ele, de forma geral, já que todo poder
dele emana, não há sentido lógico na conduta administrativa não intentada aos
interesses da comunidade, ou seja, vinculada a destinatários particulares, específicos
e determinados.
Dessas regras decorre o princípio da impessoalidade, também consagrado
pelo artigo 37, “caput”, da Lei Maior e, ainda, pelo artigo 111 da Constituição do
Estado de São Paulo.
Com efeito, o exercício de um mandato público é um exercício institucional e
não pessoal. A atuação do alcaide e de seus asseclas deve ser objetiva, afastada do
intersubjetivismo e das motivações pessoais.
- 49 / 68 -
As lições de José Afonso da Silva demonstram ter o princípio da
impessoalidade o significado de que “os atos e provimentos administrativos são
imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa
em nome da qual age o funcionário”.29
Em verdade, a conduta de um membro do Poder Executivo, representante do
povo que é, deve ser geral e abstrata, e não focalizada em pessoas ou grupos. Busca-
se a realização do bem comum, que é a meta final a ser alcançada pelos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 3º da Constituição
Federal.
Os antigos romanos já conheciam essa lição, deixada por Marco Túlio Cícero:
Quem quiser governar deve analisar estas duas regras de
Platão: uma, ter em vista apenas o bem público, sem se preocupar
com a sua situação pessoal; outra, estender as suas preocupações
do mesmo modo a todo o Estado, não negligenciando uma parte para
atender à outra. Porque quem governa a República é tutor que deve
zelar pelo bem de seu pupilo e não o seu: aquele que protege só uma
parte dos cidadãos, sem se preocupar com os outros, introduz no
Estado o mais maléfico dos flagelos, a desavença e a revolta.30
A doutrina pátria, por sua vez, acompanha o posicionamento aventado,
consoante nos demonstra a manifestação de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca
do princípio da impessoalidade:
Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que
tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas
ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são
toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou
ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e
28
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 41. 29
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
667.
- 50 / 68 -
muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de
qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio
princípio da igualdade ou da isonomia.31
É, ainda, acompanhado por Ruy Cirne Lima:
A atividade administrativa obedece, cogentemente, a uma
finalidade, à qual o agente é obrigado a adscrever-se, quaisquer que
sejam as suas inclinações pessoais; e essa finalidade domina e
governa a atividade administrativa, imediatamente, a ponto de
assinalar-se, em vulgar, a boa administração pela
impessoalidade, ou seja, pela ausência de subjetivismo.32
Assim sendo, percebe-se ter o constituinte pátrio almejado a imparcialidade e a
independência no trato da coisa pública, requisitos necessários para a consecução do
interesse público.
Infelizmente, os demandados não agiram conforme tais ensinamentos, os quais
consistem a base de um Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, os demandados violaram o princípio em comento, na medida
em que direcionaram todo um processo licitatório a uma empresa, de sorte que não se
preocuparam com o bem comum, mas apenas em satisfazer interesses espúrios e
pessoais de empresa certa e determinada, em prejuízo da coletividade limeirense.
Ora, a contratação em apreço ocorreu de forma pessoal, cujo procedimento
licitatório foi maquiavelicamente manipulado pelos acionados para que a empresa
MÚLTIPLA vencesse o certame e celebrasse o contrato milionário, como de fato
aconteceu.
30
CÍCERO, Marco Túlio Apud GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. pp. 56-57. 31
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 68. 32
LIMA, Ruy Cirne. Sistema de direito administrativo brasileiro. Porto Alegre: Santa Maria, 1953. v. 1. p.
23.
- 51 / 68 -
Não houve competição, característica intrínseca ao processo licitatório, mas
mera aparência, o que retira o caráter impessoal que deveria imperar nas licitações.
III.3.4. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Adicionado ao artigo 37, “caput”, da Constituição Federal pela Emenda
Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, e presente no artigo 111 da Constituição
Bandeirante, o princípio da eficiência obriga o agente público a realizar suas
atribuições com rapidez, perfeição e rendimento funcional.
O agente público deve ser eficiente, ou seja, “deve ser aquele que produz o
efeito desejado, que dá bom resultado, exercendo suas atividades sob o manto da
igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade e imparcialidade”.33
Consequentemente, as atividades da Administração Pública direta e indireta e
de seus agentes devem sempre perseguir o bem comum, como bem apontam Luiz
Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior:
O princípio da eficiência tem partes com as 'normas de boa
administração', indicando que a Administração Pública, em todos os
seus setores, deve concretizar atividade administrativa predisposta à
extração do maior número possível de efeitos positivos ao
administrado. Deve sopesar relação de custo-benefício, buscar a
otimização de recursos, em suma, tem por obrigação dotar de
maior eficácia possível todas as ações do Estado.34
Idênticas são as lições de Alexandre de Moraes:
Assim, 'princípio da eficiência' é aquele que impõe à
Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a
persecução do bem comum, por meio do exercício de suas
competências de forma imparcial, neutra, transparente,
33
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 309. 34
ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. São
Paulo: Saraiva, 1998. p. 235.
- 52 / 68 -
participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da
qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais
necessários para a melhor utilização possível dos recursos
públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma
maior rentabilidade social.35
Ademais de almejar a consecução do interesse público, o princípio da
eficiência, como bem aponta Henrique de Carvalho Simas, corresponde ao “dever de
boa administração”.36 Assim sendo, a eficiência funcional deve ser avaliada em
sentido amplo, abrangendo não só a produtividade do agente público, mas também a
adequação técnica do serviço aos fins colimados pela Administração.
É o escólio de Hely Lopes Meirelles:
Assim, a verificação da eficiência atinge os aspectos
quantitativo e qualitativo do serviço, para aquilatar do seu
rendimento efetivo, do seu custo operacional e da sua real
utilidade para os administrados e para a Administração. Tal
controle desenvolve-se, portanto, na tríplice linha administrativa,
econômica e técnica.37
Não é divergente a posição encampada por Diogenes Gasparini:
É, pois, a relação custo-benefício que deve presidir todas
as ações públicas. Destarte, não se deve estender rede de energia
elétrica ou de esgoto por ruas onde não haja edificações ocupadas;
nem implantar rede de iluminação pública em ruas não utilizadas.
Nos dois exemplos, a execução dessas obras não apresentaria
resultados positivos. Toda a comunidade arcaria com seus
custos, sem qualquer benefício.38
35
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 309. 36
SIMAS, Henrique de Carvalho. Manual Elementar de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 1974, pp. 98 e 237. 37
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 92. 38
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 20.
- 53 / 68 -
Desse modo, denota-se a necessidade de se resguardar o patrimônio público
na execução de serviços pela Administração, realizando-os da forma mais eficiente
possível.
No entanto, no caso em questão tal princípio foi deixado para trás. Em verdade,
a imparcialidade da contratação jamais existiu, tampouco a busca pela qualidade dos
serviços, sendo certo que, a partir do momento em que não há mais competitividade
no certame (que foi anulada em face da fraude à licitude do processo licitatório em
decorrência do direcionamento), impossível se falar também em obtenção de
proposta mais vantajosa à Administração Pública.
Não se pode ser eficiente, ou ao menos primar pela eficiência, se o instrumento
pelo qual se busca justamente a proposta mais vantajosa encontra-se maculado, já
direcionado de antemão para que determinada proposta, seja ela qual for, seja a
escolhida.
Assim sendo, os mandamentos do artigo 37, “caput”, da Constituição Federal,
bem como as regras traçadas pela Lei nº 8.429/1992 foram olvidadas, sendo
necessária a pronta atuação jurisdicional para o restabelecimento do ordenamento
jurídico.
Na esteira dos ensinamentos de Konrad Hesse:
Em outras palavras, a força vital e a eficácia da Constituição
assentam-se na sua vinculação às forças espontâneas e às
tendências dominantes do seu tempo, o que possibilita o seu
desenvolvimento e a sua ordenação objetiva. A Constituição
converte-se, assim, na ordem geral objetiva dos complexos de
relações da vida (grifo nosso). 39
Um pouco adiante, arremata o Professor da Universidade de Freiburg e Ex-
Presidente da Corte Constitucional Alemã:
- 54 / 68 -
A Constituição jurídica logra conferir forma e modificação à realidade.
Ela logra despertar „a força que reside na natureza das coisas‟,
tornando-a ativa. Ela própria converte-se em força ativa que influi e
determina a realidade política e social. Essa força impõe-se de
forma tanto mais efetiva quanto mais ampla for a convicção
sobre a inviolabilidade da Constituição, quanto mais forte
mostrar-se essa convicção entre os principais responsáveis pela
vida constitucional. Portanto, a intensidade da força normativa
da Constituição apresenta-se, em primeiro plano, como uma
questão de vontade normativa, de vontade de Constituição (Wille
zur Verfassung) (grifo nosso).
40
Neste momento, ficam reiteradas as alegações feitas no item anterior, que
demonstram a presença do elemento subjetivo (dolo) na conduta dos demandados.
De direito, pois, a aplicação das sanções pertinentes à prática de ato de
improbidade administrativa pela violação dos Princípios da Administração Pública, nos
termos do artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.249/1992.
IV – DA NULIDADE DO CONTRATO
Ante o descumprimento das normas constitucionais e infraconstitucionais
apontadas, de rigor seja decretada a nulidade do Contrato nº 123/2007 celebrado
pelo MUNICÍPIO DE LIMEIRA, representado pelo alcaide SILVIO FÉLIX DA SILVA e
pelo Secretário Municipal de Educação ANTONIO MONTESANO NETO, com a
empresa MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA.,
representada por seu sócio administrador PAULO CÉSAR LEITE FROIO, haja vista
ter se originado de uma licitação fraudada.
39
A força normativa da Constituição (DIE NORMATIVE KRAFT DER VERSSAFUNG). Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 18. 40
Op. cit., p. 24.
- 55 / 68 -
Em sendo nulo, por corolário, mostra-se impossível a convalidação e não
produz efeitos válidos no mundo fenomênico, por ser praticado com desvio de
finalidade e contrariamente às normas jurídicas em vigor.
Com efeito, a declaração se mostra necessária, em especial na parte
dispositiva da sentença, uma vez que somente com a decretação da nulidade do
referido contrato, invalidando os atos praticados (causa) se justifica a condenação nos
termos do artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade
Administrativa (efeito).
V – A DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA MÚLTIPLA
O artigo 50 do Código Civil, ao versar sobre as disposições gerais das pessoas
jurídicas, prevê as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os
efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da
pessoa jurídica.
Cuida-se de dispositivo cujo intuito é coibir a utilização temerária e fraudulenta
das sociedades por seus próprios sócios. O seu intuito não é anular a personalidade
jurídica, mas tão somente “afastá-la em situações-limite, onde comprovada a sua
utilização em desconformidade com o ordenamento jurídico e mediante fraude”.41
41
BERTOLDI, Marcelo e PEREIRA RIBEIRO, Marcia Carla. Curso Avançado de Direito Comercial. 3. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 144.
- 56 / 68 -
Ainda, pauta-se na teoria oriunda do direito anglo-saxão denominada
“disregard of legal entity”, ou seja, desconsideração da pessoa jurídica. São os
ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa:
Assim, quando a pessoa jurídica, ou melhor, a
personalidade jurídica for utilizada para fugir a suas finalidades,
para lesar terceiros, deve ser „desconsiderada‟, isto é, não deve
ser levada em conta a personalidade técnica, não deve ser
tomada em conta a sua existência, decidindo o julgador como se
o ato ou negócio houvesse sido praticado pela pessoa natural
(ou outra pessoa jurídica). Na realidade, nessas hipóteses, a
pessoa natural procura um escudo de legitimidade na realidade
técnica da pessoa jurídica, mas o ato é fraudulento e ilegítimo.
Imputa-se responsabilidade aos sócios e membros integrantes
da pessoa jurídica que procuram burlar a lei ou lesar terceiros.
Não se trata de considerar sistematicamente nula a pessoa jurídica,
mas, em caso específico e determinado, não levar em consideração.
Tal não implica, como regra geral, negar validade à existência da
pessoa jurídica.42
Ao discorrer sobre a fraude, afirma:
A modalidade de fraude é múltipla, sendo impossível
enumeração apriorística. Dependerá do exame do caso concreto.
Poderá ocorrer fraude à lei, simplesmente, fraude a um contrato ou
fraude contra credores.43
A empresa MÚLTIPLA, representada por seu sócio administrador PAULO
CÉSAR, concorreu diretamente para a violação dos princípios da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade e da eficiência, todos estampados no artigo 37,
“caput”, da Constituição Federal, bem como para a lesão ao erário municipal, na
medida em que com a participação do alcaide SILVIO, bem como do Secretário de
Educação ANTÔNIO, direcionou todo o certame licitatório para si, eliminando qualquer
42
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 309. 43
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit,. p. 309.
- 57 / 68 -
possibilidade de concorrência, e, consequentemente, de oferta mais vantajosa para a
Municipalidade.
Ausente qualquer dúvida acerca da utilização da personalidade jurídica da
empresa MÚLTIPLA por seu sócio administrador PAULO CÉSAR com o intuito de
violar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, e
de causar prejuízo aos cofres públicos.
Impossível, portanto, se conceder a proteção da personalidade jurídica ao
sócio administrador da empresa MÚLTIPLA, qual seja, PAULO CÉSAR, eis a ter
utilizado para fins estritamente ilícitos.
VI – PEDIDO LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS DOS ACIONADOS
Com o fim de restabelecer a moralidade administrativa, assegurando, em caso
de procedência da ação, o integral ressarcimento do dano ou o perdimento dos bens
ou valores patrimoniais acrescidos ilicitamente pelos responsáveis e beneficiários da
prática de atos de improbidade administrativa, a Constituição Federal impõe a
indisponibilidade de seus bens (artigo 37, § 4º), providência cautelar prevista no artigo
7º da Lei nº 8.429/1992.
Nesse sentido, o artigo 7º, “caput”, da Lei de Improbidade Administrativa dispõe
que:
Quando o ato de improbidade administrativa causar lesão ao
patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à
autoridade responsável pelo inquérito representar ao Ministério
Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado (grifo
nosso).
Ainda que assim não fosse, o Código de Processo Civil contempla a
determinação judicial das medidas cautelares inominadas, permitindo-se, pois, que se
confira atuação concreta à previsão constitucional de indisponibilidade de bens.
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O conjunto da legislação citada, que se ajusta com perfeição ao caso, torna
indeclinável o dever de ressarcir os danos gerados pela improbidade administrativa,
bem como de devolver os valores acrescidos ilicitamente pela empresa demandada e
seu sócio administrador, ensejando a presença do “fumus boni iuris”.
Em verdade, tal requisito diz respeito à existência de plausibilidade do direito
afirmado pela parte, ou seja, requer não um conjunto probatório vasto, concreto e
exaustivo acerca do direito pleiteado, mas sim indícios deste.
Consoante se extrai da própria denominação do requisito, exige a presença de
fatos e indícios capazes de concluir pela existência do bom direito, ou, em outras
palavras, uma probabilidade do direito, já que só na instrução processual que deverá
se fazer uma análise mais pormenorizada e de cognição exauriente em relação aos
fatos e alegações apontados.
Com efeito, lecionando acerca do assunto, Marcus Vinícius Rios Gonçalves
consigna que:
Importa que juiz não profira sua decisão em cognição de
certeza, mas de mera probabilidade. Verificando que o provimento
jurisdicional postulado pode vir a ser concedido (embora não saiba se
será ou não), e que corre risco, o juiz determinará a medida de
urgência necessária para a sua proteção (grifo nosso).44
Mais adiante arremata que:
O exame do fumus boni juris não exige uma avaliação
aprofundada dos fatos, nem da relação jurídica discutida. A
concessão da tutela cautelar não pode constituir um prognóstico
do que irá ocorrer no processo principal. É possível que o juiz a
conceda, ainda que esteja pouco convencido de que o requerente
possa sair vitorioso no processo principal, quando verificar que o não-
44
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: execução e processo cautelar: volume 3. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 269.
- 59 / 68 -
deferimento inviabilizará a efetivação do direito, caso, apesar de tudo,
ele venha a ser reconhecido (grifo nosso). 45
Destarte, a função da medida cautelar não consiste em discutir o mérito do
processo principal, decidindo eventual procedência da ação, mas apenas viabilizar a
efetivação do direito pleiteado, a saber, o perdimento dos valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio do particular e o ressarcimento ao erário.
Nesse diapasão, a petição inicial encontra-se devidamente fundamentada e
rica de indícios acerca da prática de ato de improbidade administrativa perpetrada
pelos demandados, isto é, acerca da plausibilidade do direito.
Deveras, no presente caso, consoante demonstra toda a argumentação inicial,
e diante da farta prova colhida nos autos do inquérito civil que instruiu esta ação, é
possível constatar a existência de fortes e fundados indícios de prática de atos de
improbidade administrativa, em razão da fraude à licitação.
Ademais, esta medida torna-se indispensável, considerando o elevado valor do
enriquecimento ilícito, bem como do dano causado ao erário (R$ 3.881.675,40 – três
milhões, oitocentos e oitenta e um mil, seiscentos e setenta e cinco reais e
quarenta centavos) havendo, por conseguinte, a real possibilidade de dilapidação
dos patrimônios pessoais dos acionados, com a consequente ineficácia do provimento
jurisdicional principal.
Consigne-se, por outro lado, que o direito material encontra-se suficientemente
demonstrado nos documentos que instruem esta inicial, o mesmo ocorrendo com a
possibilidade do perigo que poderá representar a demora da prestação jurisdicional
final, mormente com a provável interposição de recursos protelatórios, nem sempre
decididos com a celeridade que se deseja.
Fica claramente evidenciada a necessidade de amparo judicial urgente para
afastar de pronto os riscos de perecimento dos bens que representam a garantia de
eficácia da sentença de mérito, ensejando a presença do “periculum in mora”.
45
Op. cit., p. 270.
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É, por oportuno, a posição reiterada por diversas vezes pelo E. Superior
Tribunal de Justiça em casos análogos ao ora examinado:
ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CIVIL
PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – DANO AO ERÁRIO
– DESVIO DE DINHEIRO PÚBLICO – EMISSÃO DE CHEQUE DA
CÂMARA LEGISLATIVA À EMPRESA INEXISTENTE – MEDIDAS
LIMINARES – PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS.
1 – O provimento cautelar para indisponibilidade de bens,
de que trata o art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa, exige
fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do
ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano
material ao Erário.
2 – Comprovados fatos que, em tese, são tipificados como
atos de improbidade e de autoria calçada em fortes indícios, em
avançada apuração, pode-se estabelecer um juízo de
probabilidade que autoriza certas providências acautelatórias.
3 – Demonstrado e até apurado o quantitativo de dano ao
erário, oriundos dos atos de improbidade, há em favor do autor das
providências, o MP, fumus boni iuris.
4 – Embora eventual, é provável a dilapidação patrimonial
dos envolvidos nos fatos em apuração, restando evidenciada a
circunstância do periculum in mora.
5 – A indisponibilidade dos bens e a busca e apreensão de
documentos, como medidas cautelares, prescindem de contraditório
antecedente.
6 – Recurso especial conhecido e provido em parte (grifos
nossos).46
Denota-se, pois, a presunção de dilapidação do patrimônio dos acionados,
especialmente em razão da vultosa lesão perpetrada aos cofres do MUNICÍPIO DE
LIMEIRA, estando presente, uma vez mais, o “periculum in mora”, nos termos do
entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça.
46
Superior Tribunal de Justiça. REsp 1134638/MT, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, v.u., j. 27.10.2009, DJe 23.11.2009.
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Ainda:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE
DE BENS. DILAPIDAÇÃO DOS BENS. RECEIO DO JULGADOR.
SÚMULA 7/STJ. INVIABILIDADE DO RECURSO ESPECIAL E DA
CAUTELAR VINCULADA. I - Para se aferir se presentes ou não as
condições que permitiram a decretação da indisponibilidade de bens
do requerente, inevitável seria o revolvimento do panorama
probatório, o que é vedado a teor da Súmula 7 do Tribunal Superior. II
- A indisponibilidade dos bens não é indicada somente para os
casos de existirem sinais de dilapidação dos bens que seriam
usados para pagamento de futura indenização, mas também nas
hipóteses em que o julgador, a seu critério, avaliando as
circunstâncias e os elementos constantes dos autos, demonstra
receio a que os bens sejam desviados dificultando eventual
ressarcimento. III - Neste panorama, para avaliar o baldrame em que
foi esteiada a convicção do julgador pelo "receio" em desfavor da
integridade de futura indenização, faz-se impositivo revolver os
elementos utilizados para atingir o convencimento demonstrado, o
que é insusceptível no âmbito do recurso especial, inviabilizando a
cautelar vinculada a tal recurso. IV - A indisponibilidade recairá sobre
tantos bens quantos forem necessários ao ressarcimento do dano
resultante do enriquecimento ilícito, ainda que adquiridos
anteriormente ao suposto ato de improbidade. Também por este viés
faz-se de rigor o exame do conjunto probatório para aquilatar tal
incidência. Precedente: REsp nº 401.536/MG, Rel. Min. DENISE
ARRUDA, DJ de 06/02/2006, p. 198. V - Agravo regimental
improvido.47
De fato, entendimento outro não seria razoável, uma vez que tornaria inócua a
efetivação da indisponibilidade. Em decisão bastante recente, o E. Superior Tribunal
de Justiça confirma tal argumento:
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Não fosse isso, é assente na Segunda Turma do STJ o
entendimento de que a decretação de indisponibilidade dos bens
não está condicionada à comprovação de dilapidação efetiva ou
iminente de patrimônio, porquanto visa, justamente, a evitar
dilapidação patrimonial. Posição contrária tornaria difícil, e
muitas vezes inócua, a efetivação da Medida Cautelar em foco. O
periculum in mora é considerado implícito. Precedentes do STJ
inclusive em Recursos derivados da "Operação Arca de Noé" (REsp
1205119/MT, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell
Marques, Dje 28.10.2010; Resp 1203133/MT, Rel. Ministro Castro
Meira, Segunda Turma, Dje 28.10.2010; REsp 1161631/PR, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 24.8.2010; REsp
1177290/MT, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin,
Dje 1.7.2010; REsp 1177128/MT, Segunda Turma, Relator Ministro
Herman Benjamin, Dje 16.9.2010; Resp 1134638/MT, Segunda
Turma, Relator Ministra Eliana Calmon, Dje 23.11.2009.48
Desnecessária, portanto, a comprovação de ocultação, desvio ou dilapidação
dos bens de SILVIO FÉLIX DA SILVA, ANTONIO MONTESANO NETO, PAULO
CÉSAR LEITE FROIO e de WLADEMIR RONDINONI, tendo em vista que, em face de
todo o conjunto probatório, demonstrando com segurança a prática de diversas
inconstitucionalidades e ilegalidades pelos acionados, assim como o dolo em suas
condutas, presume-se a provável dilapidação do patrimônio dos demandados,
especialmente diante do vultoso importe a ser ressarcido ao erário municipal.
Como não poderia deixar de ser, é a posição unânime da C. Sexta Câmara de
Direito Público do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Agravo de Instrumento – Ação Civil Pública – Liminar indeferida
em Primeiro Grau ante o entendimento do Juiz de ausência de
periculum in mora – Liminar concedida para determinar a
indisponibilidade dos bens dos agravados até o montante apontado
na inicial – Presença do periculum in mora caracterizado pela
47
Superior Tribunal de Justiça. AgRg na MC 11139/SP, Agravo Regimental na medida cautelar 2006/0021479-0, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, j. 14.03.2006, DJ 27.03.2006, p. 152. 48
EDcl no REsp 1211986/MT, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 24.05.2011.
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possibilidade de desfazimento do patrimônio dos réus da ação –
Recurso provido.49
É a fundamentação do DD. Desembargador Relator:
De acordo com o art. 7º, da Lei nº 8.429/92 o bloqueio dos
bens do acusado de ato de improbidade pode ser determinado antes
mesmo da propositura da ação civil, já na fase administrativa,
desde que o ato ímprobo possa causar lesão ao patrimônio
público ou ensejar enriquecimento ilícito.
Dessume-se que dos documentos que estão nos autos, e que
instruem a ação civil pública, apontam, em exame superficial, que
houve fraudes cometidas pelos agravados diante do desvio de
dinheiro dos cofres da municipalidade, sem a emissão de qualquer
empenho prévio ou documento fiscal correspondente, relativo aos
anos de 2002 e 2003.50
Com efeito, arrematou:
A decisão agravada entendeu estar ausente o periculum in
mora para a concessão da liminar, no entanto, tal entendimento não
pode prevalecer.
Deve ser considerado que o ex-Prefeito Municipal e agravado
responde por outras ações semelhantes. Assim, mesmo que não
haja concretamente a indicação da pretensão de desfazimento
do patrimônio, a cautela conduz ao raciocínio de que se deve
preservar intacto o patrimônio existente dos agravados.
Isto porque, se de fato os agravados praticaram a conduta
que lhes é atribuída, a aplicação da norma repressiva será
concretizada. Por isso, ante o que consta dos autos, há
indicação do direito da coletividade em ter ressarcido os cofres
públicos do dinheiro que despendeu de forma irregular.51
49
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 635.825-5/9-00, rel. Des. Moreira de Carvalho, 6ª Câmara de Direito Público, Comarca de Franca. v.u. j. 15.12.2008. 50
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 635.825-5/9-00, rel. Des. Moreira de Carvalho, 6ª Câmara de Direito Público, Comarca de Franca. v.u. j. 15.12.2008. 51
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 635.825-5/9-00, rel. Des. Moreira de Carvalho, 6ª Câmara de Direito Público, Comarca de Franca. v.u. j. 15.12.2008.
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Percebe-se, portanto, a necessidade de se acautelar o interesse público em
desfavor do interesse particular e ilícito. E, nesse caso, o interesse público é a
perda da elevada quantia de R$ 3.881.675,40 (três milhões, oitocentos e oitenta e
um mil, seiscentos e setenta e cinco reais e quarenta centavos) ao MUNICÍPIO
DE LIMEIRA.
Divergente não é a posição, também unânime, da C. 1ª Câmara de Direito
Público do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Ação Civil Pública – Indisponibilidade de bens dos
demandados – Deferimento – Inconformismo – Inadmissibilidade –
Legalidade da decretação da indisponibilidade dos bens desde que
limitada ao valor dos danos reclamados – Recurso improvido.52
Justifica o DD. Desembargador Relator:
Pelo que se depreende dos elementos aqui acostados, há
indícios da prática de atos de improbidade administrativa,
principalmente pela decisão do Egrégio Tribunal de Contas do
Estado de São Paulo que teria julgado irregular e ilegal a tomada
de preços, o contrato celebrado e o seu termo aditivo (fls.
638/642).
Portanto, estariam presentes os requisitos necessários (fumus
boni iuris e o periculum in mora) para a concessão da liminar ora
combatida, sendo perfeitamente possível a sua concessão para
decretação da indisponibilidade dos bens sem que haja a
necessidade de prévia notificação da requerida, sob pena da
providência não ter nenhuma utilidade processual, ou seja, de
ocorrência de dissipação patrimonial que poderia resultar na
inexecutoriedade da medida.53
52
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 927.666-5/6-00, rel. Des. Castilho Barbosa, 1ª Câmara de Direito Público, Comarca de Itapeva. v.u. j. 15.12.2009. 53
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 927.666-5/6-00, rel. Des. Castilho Barbosa, 1ª Câmara de Direito Público, Comarca de Itapeva. v.u. j. 15.12.2009.
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Urge esclarecer, por fim, que a indisponibilidade de bens não significa uma
pena de perdimento definitiva de bens em desfavor dos demandados. A finalidade de
tal medida cautelar, como já dito, consiste em garantir a efetividade de eventual
condenação ao ressarcimento do dano e à perda de bens acrescidos ilicitamente,
havendo apenas uma indisponibilidade provisória (até uma sentença definitiva) dos
bens.
Caso a ação venha a ser julgada improcedente não haverá qualquer prejuízo
para os acionados, de modo que não perderão seus bens, os quais lhes serão
novamente devolvidos.
Em razão de todo o exposto, requer seja decretada, liminarmente, a
INDISPONIBILIDADE dos bens de SILVIO FÉLIX DA SILVA, de ANTONIO
MONTESANO NETO, de PAULO CÉSAR LEITE FROIO e de WLADEMIR
RONDINONI, nos termos do artigo 7º, “caput” e parágrafo único, da Lei nº 8.429/1992,
tão somente com relação aos valores necessários a assegurar o integral
ressarcimento do dano.
Assim, para a efetividade da indisponibilidade de bens postulada, requer-se:
a) sejam requisitadas à Delegacia da Receita Federal as declarações de bens e
rendimentos dos últimos cinco anos em relação aos demandados;
b) sejam requisitadas ao MUNICÍPIO DE LIMEIRA as declarações de bens e
rendimentos dos últimos cinco anos em relação a SILVIO FÉLIX DA SILVA e
ANTÔNIO MONTESANO NETO, nos termos do artigo 13 e §§ da Lei nº 8.429/1992;
c) seja oficiada à E. Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo,
comunicando a indisponibilidade dos bens imóveis dos acionados, para que seja
participada a todos os órgãos de Registro Imobiliário do Estado de São Paulo;
d) seja oficiado ao Detran, comunicando a indisponibilidade de todos os automóveis
licenciados em nome dos demandados;
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e) seja comunicado ao Banco Central do Brasil, por intermédio do sistema eletrônico
denominado Bacen Jud, acerca da indisponibilidade de todas as contas bancárias em
nome de SILVIO FÉLIX DA SILVA, ANTONIO MONTESANO NETO, PAULO CÉSAR
LEITE FROIO e de WLADEMIR RONDINONI;
f) caso seja impossível a utilização do sistema Bacen Jud, seja oficiado ao Banco
Central do Brasil, comunicando a indisponibilidade de todas as contas bancárias em
nome de SILVIO FÉLIX DA SILVA, ANTONIO MONTESANO NETO, PAULO CÉSAR
LEITE FROIO e de WLADEMIR RONDINONI; e,
e) seja determinada a publicação no Diário Oficial da r. decisão concessiva da medida
liminar, a fim de que chegue ao conhecimento de todos a indisponibilidade dos bens
até decisão final.
VII – PEDIDOS PRINCIPAIS
Ante o exposto, o Ministério Público do Estado de São Paulo requer:
I – a distribuição e autuação da presente ação, instruída pelo Inquérito Civil nº
01/2008;
II – após a apreciação dos pedidos liminares, a notificação dos requeridos para,
se quiserem e no prazo de 15 (quinze) dias, oferecer manifestação por escrito, a qual
poderá ser instruída com documentos e justificações e, após, a citação para,
querendo, contestarem a presente ação, que deverá seguir o rito ordinário54, no prazo
legal e sob pena de revelia;
III – a intimação pessoal do autor de todos os atos e termos do processo, na forma do
artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil;
IV – seja deferida a produção de todas as provas em Direito admitidas, a ser requerida
oportunamente, se necessário; e
54
Lei nº 8.429/1992, artigo 17, “caput”.
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V – por fim, seja julgado PROCEDENTE os pedidos formulados na presente ação civil
pública, com a finalidade de decretar a nulidade do contrato celebrado entre o
MUNICÍPIO DE LIMEIRA e a empresa MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA
EDUCACIONAL LTDA., condenando-se os acionados às sanções em seus patamares
máximos, diante da gravidade dos fatos, nos seguintes termos:
a) SILVIO FÉLIX DA SILVA, solidariamente, ao ressarcimento integral do dano, que
equivale a R$ 3.881.675,40; à perda da função pública; à suspensão dos direitos
políticos por 10 (dez) anos; ao pagamento de multa civil de 03 (três) vezes o valor do
dano; e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) dez anos, nos
termos do artigo 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/1992;
b) ANTÔNIO MONTESANO NETO, solidariamente, ao ressarcimento integral do dano,
que equivale a R$ 3.881.675,40; à perda da função pública; à suspensão dos direitos
políticos por 10 (dez) anos; ao pagamento de multa civil de 03 (três) vezes o valor do
dano; e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) dez anos, nos
termos do artigo 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/1992;
c) MÚLTIPLA EDITORA E TECNOLOGIA EDUCACIONAL LTDA. à perda dos bens
ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, cujo valor é de R$ 3.881.675,40, ao
ressarcimento integral do dano, que equivale a R$ 3.881.675,40; à suspensão dos
direitos políticos por 10 (dez) anos; ao pagamento de multa civil de 03 (três) vezes o
valor do dano; e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio
de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos, nos
termos do artigo 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/1992;
d) PAULO CÉSAR LEITE FROIO à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente
ao patrimônio, cujo valor é de R$ 3.881.675,40, ao ressarcimento integral do dano,
- 68 / 68 -
que equivale a R$ 3.881.675,40; à suspensão dos direitos políticos por 10 (dez) anos;
ao pagamento de multa civil de 03 (três) vezes o valor do dano; e à proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos, nos termos do artigo 12,
incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/1992; e
e) WLADEMIR RONDINONI ao ressarcimento integral do dano, que equivale a R$
3.881.675,40; à suspensão dos direitos políticos por 10 (dez) anos; ao pagamento de
multa civil de três vezes o valor do dano; e à proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos, nos termos do artigo 12, incisos I, II e III, da
Lei nº 8.429/1992.
Dá-se à causa o valor de R$ 3.881.675,40 (três milhões, oitocentos e oitenta e
um mil, seiscentos e setenta e cinco reais e quarenta centavos).
Limeira, xx de agosto de 2012.
Luiz Alberto Segalla Bevilacqua
4º Promotor de Justiça de Limeira
Gustavo Massao Barbosa Okawada
Estagiário do Ministério Público