Excesso e Consumo Informativo em Tempos...

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Natália Leone Rosa Calfa Excesso e Consumo Informativo em Tempos Digitais Universidade de São Paulo Escola de Comunicação e Artes Curso de Pós Graduação Lato Sensu Especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital para Ambientes Corporativos São Paulo, 2012

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Natália Leone Rosa Calfa

Excesso e Consumo Informativo em Tempos Digitais

Universidade de São Paulo

Escola de Comunicação e Artes

Curso de Pós Graduação Lato Sensu – Especialização em Gestão Integrada da Comunicação

Digital para Ambientes Corporativos

São Paulo, 2012

Natália Leone Rosa Calfa

Excesso e Consumo Informativo em Tempos Digitais

Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas,

Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo, em cumprimento às exigências do Curso de

Pós Graduação Lato Sensu, para obtenção do título de Especialista em

Gestão Integrada da Comunicação Digital para Ambientes Corporativos,

sob orientação da Profa. Mestre Daniela Bertocchi

Universidade de São Paulo

Escola de Comunicação e Artes

Curso de Pós Graduação Lato Sensu – Especialização em Gestão Integrada da Comunicação

Digital para Ambientes Corporativos

São Paulo, 2012

Autora: CALFA, Natália Leone Rosa

Título: Excesso e Consumo Informativo em Tempos Digitais

Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas,

Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo, em cumprimento às exigências do Curso de

Pós Graduação Lato Sensu, para obtenção do título de Especialista em

Gestão Integrada da Comunicação Digital para Ambientes Corporativos,

sob orientação do Profa. Mestre Daniela Bertocchi.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. ____________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: ______________________ Assinatura: ___________________________

Prof. ____________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: ______________________ Assinatura: ___________________________

Prof. ____________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: ______________________ Assinatura: ___________________________

Autorizo:

[ ] divulgação do texto completo em base de dados especializadas.

[ ] reprodução total ou parcial, por processos fotocopiadores, exclusivamente

para fins acadêmicos e científicos.

Assinatura: ______________________________________

Data: _____________________

5

DEDICATÓRIAS

Em primeiro lugar, gostaria de dedicar esse trabalho à minha família amada,

por ter me apoiado em todos os momentos e por ter acreditado que daria tudo certo mesmo

quando parecia impossível.

À minha querida e maravilhosa mãe,

que fez questão de estar ao meu lado me apoiando e dando todo suporte possível.

Aos meus amigos e amigas queridas,

que não desistiram de mim em nenhum momento e “suportaram” a minha ausência.

A todos os professores do curso,

pelo aprendizado, pelas novas ideias, pela troca e pelo crescimento pessoal e profissional.

Aos colegas de classe,

Por todos os momentos do digicopos, pela companhia e amizade.

Pela troca de ideias, risadas e apoio nos momentos mais turbulentos.

6

AGRADECIMENTO ESPECIAL

À minha querida orientadora Prof.ª Mestre Daniela Bertocchi,

por toda atenção, dedicação e orientação prestadas durante esse percurso.

Suas aulas e nossas conversas me inspiraram a escolher esse tema e sem a sua orientação não

poderia ter concretizado esse projeto profissional e pessoal tão importante.

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Resumo

Nesta monografia realizamos uma investigação do pensamento de diversos autores, por meio de

um estudo exploratório bibliográfico, acerca do tema excesso de informação. Objetivamos ao

longo do trabalho entender, particularmente, a questão da abundância informativa em meios

digitais e as implicações que dela decorrem. Trazemos, portanto, a reflexão sobre como a

sociedade lida e se comporta perante este assunto na atualidade e buscamos compreender quais

são os processos de comunicação e ferramentas de suporte que surgem a partir desse contexto.

Palavras-chave: Excesso Informativo, Consumo Informativo, Curadoria, Comunicação Digital.

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Abstract

This project intends to be an investigation of the thoughts of several authors, through an

exploratory literature study, about the information overload theme. We aim to understand

throughout this paper, primarily, the information overload issues in digital media and the

implications that derive from them. We bring therefore a reflection on how society behaves and

handles this subject nowadays, and furthermore we seek to understand which are the

communication processes and the supportive tools that arise from this context.

Keywords: Information Overload, Information Consumption, Curator, Digital Communication.

9

Resumen

En esta monografía se realizó una investigación sobre el pensamiento de muchos autores, a través

de un estudio exploratorio de la literatura, sobre la cuestión de la sobrecarga de información.

Nuestro objetivo es entender a lo largo del trabajo, en particular la cuestión de la sobrecarga de

información en los medios digitales y las implicaciones que se derivan de ella. Traemos por lo

tanto una reflexión sobre cómo la sociedad se comporta y se ocupa de estas cuestiones actuales

además de tratar de entender lo que son los procesos de comunicación y herramientas de apoyo

que surgen de este contexto.

Palabras clave: Exceso de Información, Consumo de Información, Curador, Comunicación

Digital.

10

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Parcela do tráfego de acesso à internet por dispositivos móveis nos mercados

selecionado ..................................................................................................................................... 32

Gráfico 2 - Parcela do tráfego de acesso à internet por celulares nos mercados selecionados .... 33

Gráfico 3 - Divisão do tráfego de acesso à Internet por dispositivo móvel nos mercados

selecionados ................................................................................................................................... 34

Gráfico 4 - Divisão do tráfego de acesso à Internet por dispositivos móveis no Brasil ............... 35

Gráfico 5 - Distribuição e volume de acesso a notícias por dispositivo móvel nos dias de semana

........................................................................................................................................................ 37

Gráfico 6 - Distribuição e volume de acesso a notícias por dispositivo móvel aos finais de

semana ........................................................................................................................................... 37

Gráfico 7 - Tipos de comportamento perante dispositivos móveis .............................................. 39

Gráfico 8 - Padrões de acesso a mídia por smartphones .............................................................. 40

Gráfico 9 - Cenário do uso de celulares nos Estados Unidos – agosto 2011 ................................ 42

Gráfico 10 - Comparativo das atividades frequentes no uso de celulares – 2010 / 2011 .............. 42

Gráfico 11 - Divisão do total de tempo gasto na Internet por tipo de propriedade ...................... 43

Gráfico 12 - Divisão do total de tempo gasto na Internet por tipo de atividade ........................... 45

Gráfico 13 - Percentual de mudança do tempo gasto na utilização de e-mail pela Internet ......... 46

Gráfico 14 - Share do Facebook no total de tempo gasto em redes sociais online ...................... 47

Gráfico 15 - Número de visitantes nas redes sociais selecionadas ............................................... 48

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SUMÁRIO

DEDICATÓRIA ...................................................................................................................................... 5

AGRADECIMENTO ESPECIAL ......................................................................................................... 6

RESUMO EM LÍNGUA PORTUGUESA ............................................................................................ 7

RESUMO EM LÍNGUA INGLESA ...................................................................................................... 8

RESUMO EM LÍNGUA ESPANHOLA ............................................................................................... 9

ÍNDICE DE GRÁFICOS ........................................................................................................................ 9

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13

1. Do Objeto ........................................................................................................................................... 13

2. Dos Problemas e Objetivos ................................................................................................................. 14

3. Da Justificativa .................................................................................................................................... 15

4. Da Metodologia ................................................................................................................................... 16

5. Da Escolha do Tema ........................................................................................................................... 17

6. Do Resumo dos Capítulos ................................................................................................................... 17

1. CAPÍTULO 1 – A História do Excesso de Informação.................................................................. 19

1.1 Quando percebemos o excesso de informação? ................................................................................ 19

1.2 Como esse tema é abordado hoje? ................................................................................................... 25

2. CAPÍTULO 2 – Consumo da Informação ...................................................................................... 29

2.1 Cenário do Consumo da Informação Atual ....................................................................................... 29

2.2 Computadores x Dispositivos Móveis ............................................................................................. 30

2.3 Perfil do Consumo Digital Durante o Dia ......................................................................................... 36

2.4 Influências no Comportamento do Consumidor .............................................................................. 38

2.5 O que os Usuários Consomem Quando Acessam a Internet? ........................................................... 40

2.6 Redes Sociais .................................................................................................................................... 46

3. CAPÍTULO 3 – Da Curadoria ......................................................................................................... 50

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3.1 O que é curadoria? ........................................................................................................................... 50

3.2 Das Ferramentas Curatoriais ............................................................................................................ 55

3.3 Dos Seres Curadores ......................................................................................................................... 58

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 61

5. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 63

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INTRODUÇÃO

1. Do Objeto

A presente monografia pretende apresentar o pensamento de diversos autores, por meio de

um estudo exploratório bibliográfico, sobre o tema do excesso de informação. Temos interesse

particular na questão da abundância informativa em meios digitais e as implicações que dela

decorrem. Pretende-se, portanto, refletir sobre como a sociedade lida e se comporta perante este

assunto na atualidade e compreender quais são os processos de comunicação e ferramentas de

suporte que surgem a partir desse contexto.

Durante muitos séculos ter informação era uma questão de sobrevivência. Quem tinha

acesso a ela, se alimentava, sucedia, tinha poder. O acesso à informação, por muitas décadas, era

privilégio de poucos, de instituições.

Esse panorama, ao longo dos anos, mudou, mas a principal mudança ocorreu com o

advento da Internet. A partir desse momento houve uma explosão de conteúdo sendo criado e

distribuído.

A Internet é o tecido de nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que

a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a Internet poderia ser

equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua

capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade

humana. (CASTELLS, 2003, p. 7)

É essa “capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade

humana” da Internet segundo Castells, que nos deixa hoje, em um cenário de abundância

informativa nunca antes visto.

E é tanto pela Internet quanto pelos avanços da tecnologia que o comportamento e o

consumo de informação estão em fase de transição. Existe um novo momento para a

comunicação.

14

O que antes levávamos dias para completar, como uma pesquisa em uma biblioteca para

um projeto ou para um trabalho escolar, atualmente, com apenas alguns cliques chegamos a

diversas obras, artigos acadêmicos, reportagens e pesquisas, considerando também todos os blogs

e novos formatos de conteúdo que apareceram junto a Internet.

A velocidade com que a informação cresce é compatível à facilidade e as ferramentas

disponíveis que ajudam na produção de conteúdo. Hoje quem recebe informação também produz.

E esse é um ciclo que deve permanecer.

2. Dos Problemas e Objetivos

Uma vez delimitado o objeto de estudo dessa monografia, é necessário problematizá-lo.

Para isso, foram levantadas as seguintes perguntas-problema:

2.1 Como o tema excesso de informação foi tratado historicamente? Neste sentido,

perguntamo-nos: estamos diante de um problema novo ou de um velho problema que hoje

ganha contornos distintos?

2.2 Como a literatura atual tem abordado esse tema? Essa pergunta vem da percepção de que

muitas obras sobre tal problemática têm sido lançadas recentemente e torna-se pertinente

observar tal movimento: como os autores da atualidade tratam do tema?

2.3 Como a sociedade moderna consome informação? Aqui, interessa-nos saber em como o

excesso informativo, particularmente em ambientes digitais, tem sido “resolvido” pela

sociedade. Ou seja, como a sociedade moderna se comporta diante desse cenário de

excesso de informação digital?

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Esse é um estudo que pretende apresentar o pensamento de autores diversos. Não será

feita uma análise crítica reflexiva alargada e extensiva. Nossa contribuição principal para o

campo da comunicação será o de agrupar o pensamento desses autores contemporâneos,

revelando como o tema tem sido tratado na atualidade e quais as suas implicações sociais.

A discussão sobre os problemas levantados será exposta, em primeiro lugar, a partir do

entendimento histórico do excesso de informação, trazendo o pensamento e o sentimento de

autores e teóricos de épocas passadas. Em seguida, buscando resposta para a pergunta 2.2,

traremos pensamentos de autores modernos que refletem sobre o tópico.

Na sequência serão levantados dados sobre o consumo da informação nos dias de hoje

procurando traçar um cenário que nos ajude a chegar, ao final. Com isso, pretende-se obter

critérios para compreender o ressurgimento da curadoria como tentativa de organizar a

informação.

3. Da Justificativa

Como parte da compreensão do mundo em que vivemos, é importante estarmos cientes de

como a informação tem sido administrada pelas empresas e como é feito o seu consumo em um

cenário de abundância informativa que vem crescendo, sem previsão de parar.

Entender o que estudiosos vêm refletindo sobre o tema e absorver suas contribuições, faz-

se necessário para que possamos ter uma visão crítica e consciente do contexto atual, no qual

vivemos e trabalhamos. A forma como nos comunicamos e consumimos informação está

mudando. O formato de produção de conteúdo mudou.

Trata-se do nosso entendimento e das nossas opiniões. A partir do momento em que

temos material para refletir, podemos de alguma maneira contribuir. A comunicação está se

transformando e compreender o formato que ela esta se moldando é essencial.

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4. Da Metodologia

Este é um trabalho baseado em uma revisão literária, com exposição dos pensamentos de

diferentes autores, com levantamento bibliográfico e análise de cenários, visando expor e

comparar as diferenças históricas do tema excesso de informação. Almeja-se verificar de que

forma a sociedade atual consome informação e como a curadoria apresenta formatos de

organização desse conteúdo. Trata-se de uma técnica de pesquisa bibliográfica para colher

informações sobre o assunto abordado.

No primeiro capítulo, para tratarmos do tema excesso de informação, procuramos trazer

pensadores contemporâneos, teóricos, filósofos e estudiosos do assunto. Entre eles encontramos:

Alvin Toffler (1971), Keith Michael Baker (1987), Richard Saul Wurman (1989; 1991), Neil

Postman (1990), Kevin Miller (2004), Ann Blair (2010), Clay Shirky (2010), Clay Johnson

(2011), David Weinberger (2011), Eli Pariser (2011), James Gleick (2011) e Steven Rosenbaum

(2011).

No capítulo dois, recorremos a reportagens, relatórios e pesquisas publicados pela

comScore (empresa de pesquisa de mercado que mede o mundo digital e fornece dados de

marketing e serviços), pela IDG Global Solutions (IGS) (empresa de tecnologia, mídia, eventos e

pesquisas), pela Nielsen Brasil (empresa global de informações e mídia) e pela IAB (bureau de

publicidade interativo), durante os anos de 2011 e 2012, uma vez que temos como objetivo traçar

um panorama do consumo da informação na atualidade. Além desses relatórios e pesquisas,

recorremos ao teórico Manuel Castells (2003) para compreendermos alguns conceitos sobre a

Internet.

Finalmente, no capítulo três evocamos autores da atualidade que pudessem ajudar a

pensar em formatos de organização da informação como a Curadoria. São eles: Clay Johnson

(2011), David Weinberger (2011), Eli Pariser (2011), James Gleick (2011), Steve Rosenbaum

(2011), Adriana Amaral (2012), Carolina Terra (2012), Daniela Ramos (2012), Elisabeth Saad e

Daniela Bertocchi (2012).

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5. Da Escolha do Tema

A escolha do tema deste trabalho foi fundamentada em questionamentos pessoais sobre

como lidar com o volume de informação que chega até nós diariamente. Tanto em nossas vidas

pessoais, quanto em nossas vidas profissionais, nos deparamos com o sentimento de

descontentamento. Sentimento esse que se refere à quantidade de informação recebida que não é

devidamente consumida, observando que nem sempre os temas estão realmente relacionados aos

nossos interesses, mas acabam substituindo o que realmente é relevante devido à limitação do

tempo.

De forma similar, outro ponto de inquietação é a qualidade do relacionamento que

mantemos com a informação. Como tratamos a informação que recebemos e como dividimos

esses assuntos com as nossas redes de contato? Será que estamos realmente transmitindo fatos

relevantes e verdadeiros? Será que devemos considerar quase tudo que lemos? Conteúdo que

muitas vezes é personalizado de forma a apenas confirmar o que já acreditamos? Será que

precisamos da ajuda de ferramentas ou pessoas especializadas para nos orientar?

Principalmente por essas razões e com o desejo de entender como o assunto é tratado por

especialistas ou pensadores, resolvemos dedicar o estudo dessa monografia a esse tema.

6. Do Resumo dos Capítulos

Finalizamos esta introdução apresentando um breve resumo dos tópicos que serão

abordados nos capítulos 1, 2 e 3.

Capítulo 1: irá tratar do tema excesso de informação, partindo de dados históricos: do

surgimento do tema até os dias atuais.

Capítulo 2: cenário do consumo atual de informação será traçado de maneira alargada, a

fim de obter dados para o entendimento das novas necessidades da sociedade e as tendências.

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Capítulo 3: apresentará uma reflexão sobre a curadoria, apontada como a “saída” para o

problema do excesso informativo. Aqui, procuramos trabalhar as características do humano como

curador e do algoritmo como curador.

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1. CAPÍTULO 1 – A História do Excesso de Informação

1.1 Quando percebemos o excesso de informação?

Nesse capítulo, pretendemos explorar o tema do excesso de informação de um ponto de

vista histórico. Queremos entender quando surgiram as primeiras reflexões, qual era o cenário à

época e se, na atualidade, a preocupação em como lidar com a quantidade de informação

disponível e como consumi-la permanece a mesma.

Na história da humanidade, desde que a escrita tornou possível gravar textos e preservá-

los além da capacidade da memória dos indivíduos, iniciou-se um processo de acúmulo de

informação. No século XV, a invenção tecnológica de impressão de Gutenberg1, possibilitou a

expansão da produção de livros, gerando milhares de cópias para venda. As classes letradas, pela

primeira vez, experimentaram o que para eles era excesso de informação. Nesse momento, a

quantidade de livros existente era maior do que uma única pessoa poderia consumir durante uma

vida. “Estudiosos, no início encantados com o novo acesso à informação, começaram a se

desesperar. ‘Há algum lugar na terra isento destes enxames de novos livros? ’ perguntou Erasmo,

o grande humanista do início do século XVI”. (BLAIR, 2010, p.1, tradução nossa)

Encher o mundo com panfletos e livros que são tolos, ignorantes, malignos,

caluniosos, loucos, irreverentes e subversivos; e tal é a inundação que mesmo as

coisas que podem ter feito algum bem perdem todo seu valor. (ERASMO, sec.

XVI apud BLAIR, 2010, p. 2, tradução nossa).

Desde então, ao passar das décadas, estudiosos e filósofos refletem sobre o tema e quase

sempre existe um incomodo e uma ansiedade em relação à quantidade de informação disponível.

Weinberger (2011, p.8, tradução nossa), retoma o que estes pensadores apontavam nos séculos

passados como excesso de informação. O filósofo alemão Gottfried Leibniz que escreveu em

1680 sobre seu medo da “horrível massa de livros que continua a crescer” e Adrien Baillet,

estudioso francês, que em 1685, quase dois séculos após a invenção da imprensa de Gutenberg

escreveu: “Nós temos razão para temer que a multidão de livros que cresce a cada dia de forma

1 Johannes Gensfleisch, conhecido como Johannes Gutenberg, nasceu provavelmente em 1397 e é considerado o criador do

processo de impressão com tipos móveis, a tipografia. É a Gutenberg que se atribui o mérito da invenção da imprensa, não só pela

ideia dos tipos móveis, como pelo aperfeiçoamento da prensa. (UOL Educação http://educacao.uol.com.br/biografias/johannes-

gutenberg.jhtm)

20

prodigiosa fará os próximos séculos caírem em um estado tão bárbaro quanto os séculos que

seguiram à queda do Império Romano”.

Porém, o que Baillet proclamou não se tornou um fato e, menos de 70 anos depois, em

1751, quando Denis Diderot, filósofo francês, e Jean le Rond d’Alembert receberam a

incumbência de traduzir e revisar dois volumes da Cyclopaedia2 publicados em Londres em

1728, encontraram uma oportunidade em transformar o que estavam vendo acontecer na Europa

em uma grande coleção de informação. Foi nesse momento que tiveram a iniciativa de organizar

e colocar em ordem a informação. De 1751 a 1772, os 28 volumes da Encyclopédie3, ou

Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, que foram publicados em Paris,

fizeram esse papel.

Um monumento para o esclarecimento do que viram começar na Europa, uma

grande coleção que traria e sistematizaria todo o conhecimento válido de leitura,

e um instrumento de discussão crítica e de raciocínio de senso comum que

acabaria por mudar a sociedade mudando “o jeito comum de se pensar”.

(BAKER, 1987, p.71, tradução nossa)

Diderot (1755) já previa a questão do excesso da informação quando escreveu:

Enquanto os séculos continuarem a se desdobrar, o número de livros crescerá

sucessivamente, e pode-se prever que virá um tempo quando será quase tão

difícil de aprender qualquer coisa dos livros como a partir do estudo direto de

todo o universo. Será quase tão conveniente buscar por um pouco de verdade

escondida na natureza como será para encontrá-la escondida em uma imensa

multidão de volumes encadernados. Quando esse tempo chegar, um projeto, até

então negligenciado porque sua necessidade não foi percebida, terá de ser

realizado. (apud BAKER, 1987, p.85, tradução nossa)

Johnson4 (2011, loc. 751) acredita que Diderot estava certo em relação ao continuo

crescimento dos livros e de suas consequências, porém falhou ao achar que a tecnologia se

2 Cyclopaedia; or an Universal Dictionary of Arts and Sciences, com o subtítulo, em português, Um Dicionário Universal de

Artes e Ciências: contendo as definições dos termos e um relato dos significados das coisas nas várias artes, tanto liberais como

mecânicas, e várias ciências, humanas e divinas. (2 vols., in-folio) foi uma enciclopédia publicada por Ephraim Chambers em

Londres em 1728, e reimpressa em numerosas edições no século XVIII. A Cyclopaedia foi uma das primeiras enciclopédias

produzidas en inglês. (WIKIPÉDIA http://pt.wikipedia.org/wiki/Cyclopaedia)

3 Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers foi uma das primeiras enciclopédias que alguma vez

existiram, tendo sido publicadas na França no século XVIII. (WIKIPÉDIA http://pt.wikipedia.org/wiki/Encyclop%C3%A9die)

4 Para conhecermos melhor o autor: “Clay Johnson é mais conhecido como o fundador da Blue State Digital, a empresa que

construiu e gerenciou a campanha online de Barack Obama para a presidência em 2008. Depois de deixar a Blue State, Johnson

foi o diretor de Sunlight Labs na Fundação Sunlight, onde construiu um exército de 2.000 desenvolvedores e designers para a

construção de ferramentas de código aberto para dar às pessoas maior acesso aos dados do governo. Ele foi premiado com o

Google / O'Reilly Open Source Organizer do ano de 2009, foi um dos Federal Computer Week’s Fed 100 em 2010. A gama de

21

manteria complacente. “Nesse pequeno verso, ele não antecipou que com o aumento do número

de livros, novas formas de classificá-los e organizá-los apareceriam.” E esse será o tema do nosso

quarto capítulo.

Entendemos que, toda vez que uma nova tecnologia prospera, a sociedade tende a colocar

“um peso” “sobre a comunicação humana” e tem-se uma “nova complexidade, novo

descolamento, e um novo assustador excesso” de informação. Para Gleick5 (2011, p. 398) foi

assim com a invenção da imprensa, do telégrafo, da máquina de escrever, do telefone, do rádio,

do computador e também da Internet.

O peso, a complexidade, o descolamento, a mudança e o medo, mencionados no parágrafo

anterior, são vistos em momentos diversos da história. Um exemplo disso foi em 1962 quando o

presidente da Associação Americana de História, Carl Bridenbaugh preocupava-se com as novas

ferramentas e as técnicas disponíveis. Ele chegou a advertir seus colegas, em Chicago, dizendo

que a existência humana estava passando por uma “grande mutação”. “(...) Estamos sofrendo

agora com algo como amnésia histórica”. Lamentou também “o declínio da leitura; o

distanciamento da natureza; e da perda de cultura compartilhada”. (GLEICK, 2011, p. 398)

Nem todos sentem esse peso. Para Eisenstein (1963 apud GLEICK, 2011, p. 400) as

novas tecnologias da informação que tanto incomodavam os historiadores mais antigos, por

facilitarem o acesso à informação, trouxeram a autora uma lição oposta. Quando Bridenbaugh

pensou que o problema do excesso da informação era o esquecimento, para ela o passado não

estava se afastando e sim, “tornando-se mais acessível e mais visível”. Eisenstein

escreveu “parece haver pouca razão para se preocupar com ‘a perda da memória da humanidade’.

Há boas razões para preocupar-se com a sobrecarga de seus circuitos”. [tradução nossa]

Mas ao que nos referimos quando falamos de “sobrecarga de circuitos”? Gleick (2011,

p.401, p. 406), explica que era uma metáfora utilizada para expressar a sensação de excesso de

experiência de Johnson com desenvolvimento de software, política, empreendedorismo, e trabalhando com organizações sem fins

lucrativos da a ele uma perspectiva única sobre mídia e cultura. Sua vida é dedicada a dar às pessoas maior acesso à verdade sobre

o que está acontecendo em suas comunidades, suas cidades e seus governos.” (O’REILLY Books and Videos, 2011

http://shop.oreilly.com/product/0636920019978.do?sortby=publicationDate)

5 James Gleick, nascido 01 de agosto de 1954, é um autor americano, jornalista e biógrafo cujo seus livros best-sellers incluiem:

The Information: A History, a Theory, a Flood e Chaos: Making a New Science. Três de seus livros ganharam o Pulitzer Prize e

foram finalistas do National Book Award. Seus livros foram traduzidos para mais de vinte línguas. (WIKIPEDIA, 2012,

http://en.wikipedia.org/wiki/James_Gleick) Para saber mais sobre o autor ou suas ideias, acesse seu site: http://around.com/

22

informação, da mesma forma como na década de 1980, falava-se sobre o paradigma de “carga de

informação”, que ainda segundo o autor foi “baseado em uma obviedade: que as pessoas só

podem ‘absorver’ ou ‘processar’ uma quantidade limitada de informações”.

“Carga de informação” e “sobrecarga de circuitos” são expressões e preocupações

modernas. Antes de alertar seus leitores quanto às consequências de um consumo de informação

indisciplinado, Johnson (2011, p. 52) resgata que o homem foi feito para buscar informação. Por

milhares de anos, só sobreviveram e evoluíram os homens que a buscavam e a encontravam. Esse

era o cenário de informação escassa. Em um cenário de abundância e de fartura, como o atual,

Johnson se preocupa: “com informação barata em torno de nós, se não a consumirmos de forma

responsável, isso poderá trazer consequências graves para a saúde”. [tradução nossa]

Antes mesmo da preocupação de Johnson, na década de 70, Alvin Toffler (1971) - escritor

americano e futurista, conhecido por seus trabalhos que discutem a revolução digital, revolução

da comunicação, revolução empresarial e a singularidade tecnológica6 (WIKIPEDIA, 2012) -

refletia sobre a questão, partindo de um ponto de vista psicológico, sobre as mudanças do futuro e

de como a sociedade deveria lidar com o excesso de informação recebida diariamente por

diversas fontes. Parte de sua análise, na época, estava relacionada a entender quais impactos e

consequências esse volume de dados poderia trazer a saúde mental das pessoas. Alguns

mecanismos de fuga, técnicas mentais escolhidas inconscientemente ajudavam e ajudam as

pessoas a lidarem com o excesso de informação, porém essas estratégias mentais tendem a

distorcer a realidade. Para saber lidar com esse volume demasiado o indivíduo precisa filtrar,

começar a entender o que é relevante, definir valores e prioridades - assunto que apresentaremos

no capítulo quatro.

Segundo David Weinberger7 (2011, p. 6), “(…) Toffler apontou pesquisa indicando que

muita informação pode prejudicar a nossa capacidade de pensar”.

6 “A singularidade tecnológica é o surgimento futuro hipotético da superinteligência, maior do que a humana, através de meios

tecnológicos. Uma vez que essa capacidade de inteligência seria difícil para uma mente humana compreender sem ajuda, a

ocorrência de uma singularidade tecnológica é vista como um evento intelectual no horizonte, além de que os eventos não podem

ser previstos ou compreendidos.” (WIKIPEDIA, 2012, http://en.wikipedia.org/wiki/Technological_singularity)

7 David Weinberger, filósofo, escritor, pesquisador sênior na Harvard Law Berkman Center para a Internet e a Sociedade e co-

diretor da Harvard Library Innovation Lab na Harvard Law School, entre outros, publicou diversos artigos para Harvard Business

Review, Scientific America, The New York Times... Além disso é co-autor do best-seller The Cluetrain Manifesto, autor de Small

Pieces Loosely Joined: a Unified Theory of the Web, Everything is a Miscellaneous: The power of new digital disorder e seu

23

Quando o indivíduo está mergulhado em uma situação de mudança rápida e

irregular, ou em um contexto carregado de novidade, no entanto, sua precisão

preditiva despenca. Ele não pode mais fazer avaliações razoavelmente corretas

em que o comportamento racional é dependente. (TOFFLER, 1971, p. 351,

tradução nossa).

De acordo com Toffler (apud WEINBERGER, 2011, p.9) “(...) isso foi uma síndrome

psicológica vivida por indivíduos tornando-os confusos, irracionais e desmotivados”. Todavia

para David Weinberger (2011, p. 9), atualmente quando tratamos do tema, não estamos falando

necessariamente de uma síndrome psicológica e sim de uma condição cultural. “(...) o medo que

nos mantém acordados à noite não é o de que toda esta informação nos levará a ter um colapso

mental, mas sim de que não estamos recebendo toda informação que precisamos.” [tradução

nossa]

O que Weinberger enfatiza, é aumento da produção de informação que tem ultrapassado

os prognósticos a cada ano. Por um lado, o que era considerado demasiado antes da era da

Internet, começou a mudar e o processo foi ganhando velocidade. Antes, segundo Miller (2004),

as notícias chegavam até nós por poucos canais e em alguns momentos do dia. Para ela não é

fácil se lembrar desta época, mas a informação chegava pelos jornais, que eram publicados duas

vezes ao dia. Durante a tarde ou às 10h da noite, as pessoas assistiam as noticias na TV. Não

existia o acesso à informação em qualquer horário, de qualquer lugar como passamos a ter ao

longo dos anos.

Wurman8 (1989) publicou em seu livro Ansiedade da Informação, dados sobre esse

excesso “Cerca de 1.000 livros são publicados internacionalmente todos os dias” e

“aproximadamente 9.600 periódicos diferentes são publicados nos Estados Unidos a cada ano.”

(apud WEINBERGER, 2011, p.7)

Portanto, vemos que o acesso à informação começou a mudar e o seu consumo também.

A tecnologia evoluiu e novos formatos apareceram. Mas as preocupações com o excesso, que os

antigos filósofos e pensadores tinham nos séculos passados, permaneceram. Em discurso

último livro: Too Big to Know, sobre como a internet está transformando o conhecimento e a expertise. Saiba mais em seu blog:

http://www.hyperorg.com/blogger/

8 Richard Saul Wurman (26 de março de 1935) é um designer gráfico e arquiteto que cunhou a frase 'Arquitetura da Informação' e

é considerado um pioneiro na prática de tornar a informação facilmente compreensível. Wurman escreveu e desenhou mais de 83

livros e criou a conferência TED, bem como a conferência EG, TEDMED e o conjunto WWW de encontros, que agora está em

desenvolvimento. (WIKIPEDIA, 2012, http://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Saul_Wurman)

24

realizado em 1990, Neil Postman9, transmitiu suas ideias em relação à tecnologia da computação

e a informação. Para ele, a informação se virou contra nós. Ele acreditava que houve um tempo

em que a informação nos ajudava a resolver questões específicas, porém após Gutenberg e a

explosão da informação, o caos foi trazido até os tempos atuais.

Nos Estados Unidos, há 260 mil cartazes, 11.520 jornais; 11.556 periódicos;

27.000 fitas de vídeo para alugar; 362 milhões de aparelhos de TV, e mais de

400 milhões rádios. Há 40.000 títulos de livros novos publicados a cada ano

(300.000 em todo o mundo) e todos os dias nos Estados Unidos 41 milhões de

fotografias são tiradas, e apenas para o registro, mais de 60 mil peças

publicitárias de lixo eletrônico entram em nossas caixas de correio a cada ano.

Da telegrafia e da fotografia do século XIX ao chip de silício do século XX o excesso de

informação tem aumentado. “Para a pessoa comum, a informação já não tem qualquer relação

com a solução de problemas”. (POSTMAN, 1990)

A informação agora é uma mercadoria que pode ser comprada e vendida, ou

usada como uma forma de entretenimento (...). Ela vem de forma

indiscriminada, dirigida a ninguém em particular, desconectada de utilidade,

estamos saturados de informação, se afogando em informação, não temos

controle sobre ela, não sabemos o que fazer com ela. (Id., 1990)

Ao longo dos anos os números só aumentaram. A partir de 2008, de acordo com o

relatório publicado pela Universidade da Califórnia em San Diego, os americanos consumiam

aproximadamente 11,8 horas de informação por dia por pessoa enquanto não estavam no

trabalho. (JOHNSON, 2011) De acordo com os mesmos pesquisadores, os americanos

consumiram aproximadamente 3.6 zettabytes10

de informação no mesmo ano. (WEINBERGER,

2011)

Complementado esses dados, em 2009, a Technorati.com rastreou mais de 133 milhões de

blogs. A criação de blogs nos remete a acreditar que a produção de conteúdo, que era restrita a

9 Discurso realizado por Neil Postman no encontro do The German Informatics Society (Gesellschaft fuer Informatik), em

Stuttgart, em 11 de Outubro 1990, patrocinado por IBM-Germany. Neil Postman (08 de março de 1931 - 5 de outubro de 2003)

foi um autor americano, teórico sobre a mídia e crítico cultural, que é mais conhecido pelo público em geral por seu livro de 1985

sobre a televisão, ‘Amusing Ourselves to Death’. Por mais de 40 anos, ele foi associado com a New York University. Postman era

um humanista, que acreditava que "a nova tecnologia não pode ser substituta dos valores humanos." (WIKIPEDIA, 2012,

http://en.wikipedia.org/wiki/Neil_Postman)

10 Zettabytes (symbol ZB, derived from the SI prefix zetta-) is a unit of information or computer storage equal to one sextillion

(one long scale trilliard) bytes. A sextillion is 1,000,000,000,000,000,000,000 bytes. A billion gigabytes times a thousand. (

WIKIPÉDIA http://en.wikipedia.org/wiki/Zettabyte)

25

apenas algumas pessoas, passou a ser livre e “com um trilhão de páginas, a Web é muito maior

do que qualquer um previu”. (Id., 2011, p. 7)

Reforçando a velocidade do volume de informação produzido, Eric Schmidt, ex-CEO do

Google, atual presidente, em palestra na Techonomy Conference no Lake Tahoe em 2010

comentou com sua audiência que até 2003 existia apenas 5 exabytes11

de informação criada.

“Toda essa informação agora é criada a cada dois dias, e seus passos estão aumentando.” (apud.

ROSENBAUM, 2011, loc. 349)

Rosenbaum12

acredita que Schmidt está certo. “Ele conhece os dados melhor do que

qualquer um, uma vez que grande parte deste está se movimentando pelos massivos centros de

dados que o Google construiu pelo mundo. Mas não é simplesmente o volume de dados; é a

velocidade.” (ROSENBAUM, 2011, loc. 351)

A partir desta ótica histórica, podemos ressaltar que o excesso de informação sempre

existiu. Não é um tema novo, uma prerrogativa da atualidade. Esse pensamento traduz-se no que

Johnson (2011) reitera:

Mesmo assim, não só culpamos a informação por nossos problemas, nós somos

arrogantes a respeito. Mais preocupante do que a nossa personificação de

informação é a presunção de que o conceito de excesso de informação é algo

novo, específico do nosso tempo. (JOHNSON, 2011, loc. 744)

1.2 Como esse tema é abordado hoje?

Observamos até esse momento que os questionamentos giraram em torno da informação.

Do seu excesso, da sua fartura. Enquanto para alguns pensadores esse cenário pode prejudicar a

memória (Bridenbaugh, 1962), pode trazer problemas psicológicos (Toffler, 1971; Wurman,

1989), pode trazer caos a vida de pessoas comuns (Postman, 1990), para outros, como Clay

Johnson (2011), o problema com o excesso de informação não é exatamente o problema em si.

11 After Terabyte comes a Petabyte then Exabyte then Zettabyte then Yottabyte (APPLE

http://lists.apple.com/archives/dvdlist/2001/Apr/msg00231.html)

12 Para conhecer o trabalho do autor, empresário e curador acesse: http://www.steverosenbaum.me/

26

Para ele a quantidade de informação disponível sempre foi grande e a questão principal é como a

sociedade administra o seu consumo. [grifos nossos]

Não é o excesso de informação, é o consumo excessivo da informação que é o

problema. Excesso de informação significa de alguma maneira administrar a

ingestão de grandes quantidades de informação de maneira nova e mais

eficientes. Consumo excessivo de informação significa que precisamos

encontrar novas maneiras de ser seletivo sobre o nosso consumo. (JOHNSON,

2011, p.26)

De maneira similar, Eli Pariser13

(2011) reflete que o excesso de informação independe do

meio de comunicação e do período. Sabemos que em meados dos anos 1990, a programação na

televisão era excessiva, com vinte quatro horas por dia de programas ao vivo durante toda a

semana. O conteúdo veiculado partia desde comerciais de novos produtos a música, desenhos

animados e notícias de celebridades.

Partimos então para a análise das mudanças desencadeadas pela era digital que estão

transformando principalmente a produção de notícia e conteúdo, o consumo em si e a velocidade

com que tudo isso ocorre. Por um lado tínhamos uma época em que era necessário comprar o

jornal inteiro para ler apenas a sessão de esportes, por outro lado, hoje, é possível ir a um site

apenas com conteúdo esportivo e “com conteúdo novo a cada dia suficiente para encher dez

artigos”. A época dominada pela impressa e pelos jornais, quando apenas “aqueles que podiam

comprar a tinta pelo barril poderiam atingir uma audiência de milhões” acabou “agora qualquer

um com um laptop e uma nova ideia pode”. (Id., 2011, p. 51)

Quando Johnson nos propõe refletir sobre como a sociedade administra o seu consumo,

ele considera que “agora, o problema não é a incapacidade generalizada de ler e escrever, mas o

vasto mar de dados textuais, de áudio e de vídeo que encontramos todos os dias. Uma nova

habilidade é necessária, a que ajuda a filtrar e a classificar esta informação.” (JOHNSON, 2011,

p. 79) [grifos nossos]

13 Eli Pariser (nascido em 17 de dezembro de 1980) é o principal executivo no Upworthy, um site para conteúdo viral

significativo. Ele é um politico e ativista da internet, presidente do board da MoveOn.org e co-fundador da Avaaz.org.

(WIKIPEDIA, 2012, http://en.wikipedia.org/wiki/Eli_Pariser). Desenvolveu o conceito Filter Bubble (que relata sua preocupação

das pessoas ficarem em suas bolhas e não terem acesso a diferentes pontos de vista, principalmente com a personalização do

conteúdo entregue por ferramentas como o Google, Facebook e Yahoo) e escreveu o livro: The Filter Bubble: What the Internet is

Hiding from you.

27

Se o excesso de informação sempre existiu, a ideia predominante agora é entender como

esse assunto é administrado pela sociedade. Sempre houve mais conhecimento e experiência que

qualquer ser humano pudesse absorver.

Novamente encontramos pensamentos similares. Segundo Clay Shirky14

, estudioso dos

efeitos que a Internet tem sobre a sociedade (2010 apud Weinberger, 2011, p. 9, tradução nossa),

“Não é excesso de informação. É falha de filtragem”. A cada novo dia as pessoas receberão mais

informação e esse cenário não irá mudar, pois sempre foi assim de alguma maneira. Shirky

entende que a solução é ajustar nossos filtros, pois se estamos sobrecarregados com informação

isso quer dizer que nossos filtros não estão funcionando. “Não é a quantidade total de

informação, mas o seu hábito de informação que o está empurrando a qualquer extremo que você

se encontra desconfortável.” (JOHNSON, 2011, p. 25)

A forma como devemos filtrar hoje, não exclui informação, apenas seleciona e a coloca na

frente. O que não passa por essa seleção é ainda visível e está disponível para o consumo.

(WEINBERGER, 2011)

Porém, Shirky (2010) relata que “as novas técnicas de filtragem são perturbadoras”. As

antigas instituições de conhecimento como os jornais, enciclopédias, livros, eram responsáveis

por filtrar o conteúdo consumido pelos indivíduos. “Se as redes sociais são nossos novos filtros,

então essa autoridade está mudando de especialistas em escritórios distantes para a rede de

pessoas que conhecemos, gostamos e respeitamos”. (apud WEINBERGER, 2011, p. 10)

Pensando nisso, trazemos a provocação de Johnson (2011, loc. 255) que nos induz a

reflexão quanto aos hábitos de leitura que geram grandes consequências sociais e nos deixam

ignorantes. A ignorância a que ele se refere é a que atinge os bem informados e bem educados,

causada pelo excesso de informação e não a sua falta. “Sabemos que somos produtos da comida

que comemos. Por que não seriamos produtos da informação que consumimos?”.

Da mesma forma, Wurman (1991) ressalta que:

Somos o que lemos. Tanto em nossa vida profissional quanto pessoal, somos

julgados pela informação que utilizamos. A informação que ingerimos molda

14 Para conhecer um pouco mais sobre seus trabalhos e ter acesso a seus estudos: http://www.shirky.com/

28

nossa personalidade, contribui para as ideias que formulamos e dá cor à nossa

visão de mundo. (p. 220, apud CRANTSCHANINOV, 2011, p. 22)

A sugestão de Johnson (2011) é que iniciemos um processo de dieta da informação15

,

aprendendo que tipo de informação consumir e que tipo evitar nesse mundo de abundância de

conteúdo. Existe uma escolha, e é preciso mudar os hábitos de consumo, do passivo, quando

apenas recebemos informação, surfando nos canais da TV, do radio ou da internet, ao hábito da

seleção consciente.

Para isso precisamos nos tornar responsáveis pela informação que consumimos e isso

significa que precisamos saber de onde vem à informação, “como ela nos afeta e o que podemos

fazer para reduzir seus efeitos negativos e aumentar os efeitos positivos”. (Id., 2011, p. 26)

Até o momento, trouxemos nesse capítulo a reflexão de humanistas, futuristas, filósofos,

teóricos, estudiosos e escritores que, os dividindo em grupos, encontramos os que entendem a

informação como o problema e os que apontam pensamentos distintos, percebendo que a grande

questão é como praticamos o seu consumo.

Para os pensadores dos séculos e décadas passadas, o processo que estavam vivenciando

era uma novidade. Para Erasmo, Leibniz, Baillet, Diderot e Postman – apenas para citar alguns –

o problema estava na informação e em como ela estava degradando nossa forma de pensar, como

estava perdendo seu valor, como poderia derrubar sociedades ou mesmo causar amnésia.

Pensadores contemporâneos tendem a enxergar esse assunto de outro ponto de vista.

Segundo alguns deles como Toffler, Johnson, Weinberger, Wurman e Rosenbaum, o excesso de

informação sempre existiu e continuará a crescer. Parte de cada um, entender e definir como

consumir a informação. Johnson sugere que desenvolvamos habilidades para procurar, processar,

filtrar e compartilhar nossa informação.

Questões relacionadas à: como as pessoas estão lidando com esse volume de informação,

como se comportam, quais são seus hábitos de consumo e quais são as ferramentas e

características que permeiam esse novo cenário, serão exploradas nos próximos capítulos.

15 Em seu livro The Information Diet, Johnson reflete sobre os hábitos de consumo de informação e como devemos formular uma

Dieta da Informação.

29

2. CAPÍTULO 2 – Consumo da Informação

2.1 Cenário do Consumo da Informação Atual

No capítulo anterior voltamos nossa atenção ao entendimento de como o tema excesso de

informação surgiu, como foi tratado historicamente e a linha de pensamento de alguns autores

atuais. Neste capítulo, pretendemos apresentar um cenário alargado de como a sociedade

moderna consome informação. Esboçaremos os aspectos que considerarmos relevantes nesta

paisagem e para isso traremos dados publicados em documentos, relatórios, pesquisas e

entrevistas. Não vamos tratar do tema extensivamente. Existe mais material disponível sobre isso.

Consideraremos como parte deste estudo pesquisas e relatórios publicados pela comScore

(empresa de pesquisa de mercado que mede o mundo digital e fornece dados de marketing e

serviços), pela IDG Global Solutions (IGS) (empresa de tecnologia, mídia, eventos e pesquisas),

pela Nielsen Brasil (empresa global de informações e mídia) e pela IAB (bureau de publicidade

interativo), traçando um panorama do consumo da informação por diferentes dispositivos e como

a população acessa e usa a internet a partir deles16

.

Iniciaremos com Castells (2003) que ilustra o momento de transição e ruptura que

estamos vivendo. Os usuários da Internet ainda estão aprendendo e experimentando as facilidades

que esse meio de comunicação oferece.

A Internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a

comunicação de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global.

(...) O uso da Internet como sistema de comunicação e forma de organização

explodiu nos últimos anos do segundo milênio.

O ponto de partida desta análise é que as pessoas, as instituições, as companhias

e a sociedade em geral transformam a tecnologia, qualquer tecnologia,

apropriando-a, modificando-a, experimentando-a. Esta é a lição fundamental que

a história social da tecnologia ensina, e isso é ainda mais verdadeiro no caso da

Internet, uma tecnologia da comunicação. (Id., 2003, p. 8, p.10)

16

Não nos aprofundaremos quanto aos tipos de conexão (como por exemplo: discada, a cabo, wi-fi, satélite, wi-max, 3G e 4G) e a qualidade

como cada indivíduo acessa a Internet.

30

A partir das transformações da tecnologia e a diversidade de dispositivos existentes hoje

para o consumo de informação, que podem ser utilizados em casa, no trabalho ou em movimento,

o ambiente digital está evolvendo rapidamente. Há alguns anos, os consumidores precisavam do

seu computador desktop ou laptop para se conectar a internet e isso os limitava, pois dependiam

dos lugares em que esses aparelhos e suas formas de conexão estavam fisicamente. (DIGITAL

OMNIVORES, 2011)

Com o desenvolvimento e o aumento da disponibilidade de novos tipos de conexão, como

por exemplo, a conexão sem cabo (Wi-Fi) e a banda larga dos celulares, as possibilidades de

acesso a Internet dos indivíduos têm sido maiores. (Ibid.,2011)

Assim, em dezembro 2011, a pesquisa realizada pela comScore (2012 Brazil Digital

Future in Focus) revelou que o Brasil está em 7º lugar no ranking de países com a maior

audiência na Internet. Esse estudo avaliou usuários acima dos 15 anos que acessam conteúdo de

casa e do trabalho. O Brasil cresceu 16% em um ano, enquanto os Estados Unidos permaneceram

no mesmo patamar que se encontravam.

A pesquisa da Ibope Netratings, de Julho 2011, revelou que o Brasil é o 2º país no raking

de maior tempo gasto na Internet por mês, perdendo apenas para a Austrália.

2.2 Computadores x Dispositivos Móveis

Embora o consumo de conteúdo online continue ocorrendo principalmente em

computadores; telefones celulares e outros aparelhos conectados estão ganhando

força como fontes adicionais de tráfego online, especialmente em mercados de

tecnologia madura. (DIGITAL OMNIVORES, 2011, p. 6, tradução nossa)

Essa revolução começou a partir do momento em que os telefones móveis “permitiram

que os consumidores iniciassem sua experiência online distante de um computador e de uma

conexão de internet fixa”. O desenvolvimento dos smartphones alterou a forma com que os

usuários acessam conteúdo digital. A pesquisa da comScore (2011) mostra como “um novo

movimento parece estar em ascensão”, pois esses novos dispositivos: smartphones, tablets,

31

consoles de jogos e e-readers, estão “ganhando popularidade” além de estarem cada vez mais

integrados de maneira digital à rotina das pessoas. (Ibid., 2011, p. 6)

Como exemplo disso, no mercado de dispositivos móveis americano, que é considerado

mais maduro, metade dos usuários de celulares possui um smartphone e os tablets estão em até

20% das casas americanas. (THE MULTI-SCREEN MARKETER, 2012, tradução nossa)

Assim, para entendermos o processo do consumo de informação neste cenário,

precisamos analisar o volume e a fonte de tráfego do conteúdo consumido online. Desta forma

conseguimos observar a migração do acesso a Internet dos computadores para os aparelhos

móveis.

A pesquisa da comScore (Digital Omnivores, 2011) mediu no mês de agosto de 2011, a

quantidade de páginas visitadas na internet em 10 mercados globais (Cingapura, Reino Unido,

Estados Unidos, Japão, Austrália, Canadá, Espanha, Índia, França e Brasil).

Dessa investigação, entende-se que o número de acessos a Internet, provenientes de

dispositivos móveis, apesar de parecer baixo pode ser considerado significativo17

. Essa reflexão

dá-se pela análise do aumento da penetração dos dispositivos nos mercados pesquisados e da sua

audiência - dados que veremos no decorrer desse capítulo.

No gráfico 1, podemos notar que, dentre os dez países selecionados, Cingapura liderou o

ranking com o maior volume de tráfego por dispositivos móveis totalizando 7,2% (nesse caso não

foi considerado o acesso por computadores desktop). O Reino Unido e os Estados Unidos

chegaram perto, cada um com 6,8% do tráfego total.

17

Apenas para exemplificar o impacto que esse tipo de acesso pode representar em alguns casos, a editora Pandora (nos Estados

Unidos), teve um incremento de mais de 50% de sua audiência total vindo por celulares e dispositivos conectados. (Digital

Omnivores, 2011, p. 3)

32

Gráfico 1 – Parcela do tráfego de acesso à internet por dispositivos móveis nos mercados selecionados

Fonte: comScore

Dos dez países avaliados, o Brasil está em 10º lugar com apenas 1% do tráfego vindo por

esses dispositivos.

Além disso, vemos que, em outro estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas com

coodernação do professor Marcelo Neri, em um ranking que avalia a inclusão digital em 150

países, o Brasil está na 72ª colocação. (SITE REVISTA VEJA, 2012). Apesar de não terem

contemplado por qual dispositivo o conteúdo é acessado, o resultado mostra que a população

brasileira que tem acesso à internet chega a 51,2%.

Neste estudo, mesmo não apresentando dados que identifiquem a forma de acesso à

Internet (celular, computador, tablet, etc) um ponto importante e que deve ser considerado é que

no Brasil, “a taxa de cobertura de domicílios com celular é de 87% contra 40% de computador

com internet e 38% da telefonia fixa, que caiu 14% nos últimos oito anos. No mesmo período, o

acesso a celular aumentou em 165%”. (Ibid., 2012)

Esses dados nos remetem a acreditar que no Brasil a penetração de celulares equivale ao

dobro da penetração de computadores. Caso esse cenário seja mantido, quando o mercado de

celulares com conexão e smartphones crescer, substituindo os celulares sem conexão, a tendência

é que a taxa de tráfego por dispositivos móveis cresça continuamente.

33

Gráfico 2 - Parcela do tráfego de acesso à internet por celulares nos mercados selecionados

Fonte: comScore

Do tráfego total de dispositivos móveis, como podemos ver acima, no Brasil 60% vem do

acesso por celulares. Em 2012, pela primeira vez foram comercializados mais aparelhos com

conexão à rede do que dispositivos comuns. Segundo o diretor de Telecom da Nielsen Brasil,

Thiago Moreira, de todos os celulares vendidos no país no primeiro semestre de 2012, 55% tinha

acesso à internet, conforme pesquisa realizada pela empresa. (PORTAL G1, 2012) No ano de

2011, esse número era de 49%. (DIGITAL OMNIVORES, 2011)

Ainda analisando o gráfico 2, o acesso significativo à internet por dispositivos móveis de

quase todos os países como: Austrália, Canadá, Cingapura, Reino Unido e EUA, indica o

tamanho da penetração desses dispositivos no mercado. Com exceção do Canadá, os celulares são

responsáveis por mais de 60% do tráfego. (Ibid., 2011)

Além dos celulares, outro dispositivo móvel que vem ganhando mercado é o tablet. Em

janeiro de 2010 foi lançado o primeiro Ipad da Apple e desde então outras empresas de

tecnologia vem desenvolvendo produto similar.

No gráfico 3, vemos a porcentagem de tráfego gerado por dispositivos incluido os tablets.

34

Gráfico 3 - Divisão do tráfego de acesso à Internet por dispositivo móvel nos mercados selecionados

Fonte: comScore

Os cinco primeiros mercados a se destacarem pelo uso de tablets como parte da fonte de

tráfego por dispositivos móveis são: Cingapura, Reino Unido, Estados Unidos, Austrália e

Canadá. Segundo a realizadora da pesquisa, o Canadá tem a maior porcentagem de tráfego

gerado por esse dispositivo chegando a quase 40%. (Ibid., 2011)

Nestes mercados 1 de cada 4 page views são gerados por tablets. Os outros

dispositivos que também oferecem acesso à internet como e-readers, consoles de

jogos e outros aparelhos manuais, são responsáveis por um share menor do

tráfego digital. (Ibid., 2011, p.8)

35

Gráfico 4 - Divisão do tráfego de acesso à Internet por dispositivos móveis no Brasil, dezembro 2011.

Fonte: comScore

Observando esse cenário no Brasil, em dezembro de 2011, os tablets representaram

42,2% do share referente ao tráfego total de dispositivos móveis - como vemos no gráfico 4.

Após quase dois anos de seu lançamento, primeiramente pela Apple, chegar a esse percentual,

reflete aderência de tablets pelos usuários conectados. Será que essa pode ser uma tendência?

Uma pesquisa online realizada pela IDG Global Solutions, onde quase 13.700 pessoas de

16 países participaram, identificou que 60% dos brasileiros entrevistados manifestam a intenção

de comprar um tablet. Em todo o mundo esse percentual é de 67%. (CANAL EXECUTIVO

UOL, 2011)

Apesar do crescimento do acesso a Internet por dispositivos móveis, os computadores

pessoais (desktops e laptops) ainda concentram em média mais de 93% da fatia do tráfego gerado

pela conexão online. No Brasil essa fatia chega a 99%. As empresas de pesquisa reforçam que

para que haja crescimento do acesso online por dispositivos móveis é necessário ampliar a

distribuição de conexão Wi-Fi e melhorar o acesso banda larga dos próprios celulares. (DIGITAL

OMNIVORES, 2011)

Castells (2003, p. 8) levanta a questão de que o mundo da pobreza e do atraso tecnológico

pode desacelerar a difusão da Internet. Relata também que “A influência das redes baseadas na

36

Internet vai além do número de seus usuários: diz respeito também à qualidade do uso”. Essas

questões também refletem na penetração de smartphones e tablets ou dispositivos móveis

conectados.

2.3 Perfil do Consumo Digital Durante o Dia

Neste momento, almejamos entender um pouco como esses consumidores de conteúdo

digital se comportam. Para tanto, primeiramente, pretendemos observar as tendências e atitudes

diárias dos indivíduos para traçar uma análise alargada de como eles agem em relação à

informação.

“Analisar a maneira como consumidores nos Estados Unidos acessam notícias em

diferentes dispositivos durante o dia demonstrou como esses aparelhos influenciam o modo que

as pessoas consomem conteúdo”. (Ibid., 2011, p.12, tradução nossa)

Notamos que os momentos pessoais, que são momentos livres durante o dia, são os que

favorecem o consumo da informação. Ao acordar, ao esperar, após o trabalho, no horário de lazer

e de descanso os consumidores acessam mais conteúdos. O contrário, quando o acesso cai, as

pessoas geralmente estão fazendo compras ou se locomovendo. (Ibid., 2011)

Entre os dispositivos, conforme o dia passa, o volume maior de notícias é consumido em

computadores, pois o período concentra um número maior de pessoas no local de trabalho. “O

consumo de conteúdo em tablets é maior no período da noite, com picos entre 21h e 24h, o que

sugere que as pessoas provavelmente preferem utilizar seus tablets quando estão descansando no

sofá ou na cama no final do dia.” (Ibid., 2011, p. 12, tradução nossa)

37

Gráfico 5 – Distribuição e volume de acesso a notícias por dispositivo móvel nos dias de semana

Fonte: comScore

Essa dinâmica muda aos finais de semana, pois as pessoas estão menos propensas a ficar

no computador durante o dia, diferente dos dias de semana que ficam naturalmente durante o

período de trabalho. Mesmo assim, de modo geral o consumo cai. Apenas no período da noite

que o uso de tablets tem um leve aumento, como mostra o gráfico 6. (Ibid., 2011)

Gráfico 6 - Distribuição e volume de acesso a notícias por dispositivo móvel aos finais de semana

Fonte: comScore

Reforçando os dados da comScore (2011), a IAB (2012) também constatou que durante o

período de lazer em casa existe uma tendência maior de acesso a conteúdo no celular. O

38

engajamento é mais relevante e tem ligação direta com atividades de valor praticadas em casa -

enquanto estão lendo revistas e jornais impressos, assistindo televisão ou ainda enquanto estão

viajando.

Constata-se também, que apesar do celular ser um aparelho móvel, o acesso não é

necessariamente remoto. (IAB, 2012) Isso significa que quase “todos os usuários de smartphone

e tablets (91% e 97%, respectivamente) dizem usar seus aparelhos em casa, que é a localização

com o maior número de atividades no celular.” (MOBILE´S ROLE IN A CONSUMER´S

MEDIA DAY, 2012, p. 6)

2.4 Influências no Comportamento do Consumidor

Como já dissemos, estamos traçando uma paisagem do comportamento do consumidor

em relação à informação. Para tanto, queremos compreender como os dispositivos móveis os

influenciam.

Observamos que esses aparelhos se tornaram relevantes para a vida das pessoas que

participaram da pesquisa da IAB (2012). Os smartphones estão em primeiro lugar. Durante a

pesquisa, descobriu-se que 69% dos entrevistados, não saem de casa sem os seus celulares. Já os

tablets funcionam mais como um dispositivo para acessar entretenimento, conforme 68% dos

usuários declararam. (Ibid., 2012)

39

Gráfico 7 – Tipos de comportamento perante dispositivos móveis

Fonte: IAB

O smartphone e o tablet funcionam muitas vezes como um hub da vida dessas pessoas.

Elas sentem que são mais eficientes (44% e 40% respectivamente) e que os aparelhos as ajudam a

prosperar tanto na vida pessoal (32% e 30%) quanto na vida profissional (15% e 21%). Além

disso, outro dado interessante é que 34% checam o celular como primeira tarefa do dia. (Ibid.,

2012)

Essas declarações nos ajudam a entender a importância que esses dispositivos

conquistaram na vida dos usuários. Tanto profissionalmente, quanto pessoalmente, muitos

entrevistados demonstram estar sempre ao lado do seu aparelho, o que nos leva a acreditar que

desta maneira, tendem a se conectar mais vezes para acessar conteúdo.

Pesquisa realizada em 2011 pela comScore, no mercado europeu, enfatiza que de 2010 a

2011 mais de 45% da audiência de celulares acessaram mídia pelo celular, o que significou em

um crescimento de 20%, chegando a 106 milhões de pessoas. Atribui-se esse resultado ao

crescimento da adoção de smartphones, uma vez que seus usuários são mais inclinados a usar

mídia conectada. (HOW CONNECTED DEVICES ARE MOBILISING A NEW REVOLUTION

40

IN DIGITAL CONSUMPTION, 2011) Já nos Estados Unidos, o crescimento do ano de 2010 a

2011 foi de 19%. Metade da população utiliza mídia no celular, chegando a mais de 116 milhões

de cidadãos. (DIGITAL OMNIVORES, 2011)

Mas o que todas essas pessoas estão consumindo? Que tipo de conteúdo? São essas

questões que avaliaremos a seguir.

2.5 O que os Usuários Consomem Quando Acessam a Internet?

Chegamos ao ponto que nos ajudará a entender o que os usuários estão consumindo

prioritariamente quando acessam a internet.

Gráfico 8 – Padrões de acesso a mídia por smartphones

Fonte: IAB

41

O gráfico acima nos mostra o que os usuários preferem consumir entre redes sociais e

conteúdos diversos durante o dia quando acessam seus smartphones. Segundo a IAB (2012) cerca

de 20% dos usuários acessam as redes sociais quando acordam. Durante o dia, em momentos de

espera e após o trabalho, o conteúdo acessado varia de redes sociais a conteúdos em geral. Antes

de dormir, momento em que muitos assistem à televisão, o acesso às redes sociais cresce

novamente com 23% dos usuários conectados. Esse número só cai realmente no momento de

dormir e mesmo assim continua com 10%. (Ibid., 2012)

Aprofundando nessa questão do que consomem, temos alguns dados da comScore (2011)

que avaliam as categorias de conteúdo para celulares por audiência nos Estados Unidos. Nesse

estudo descobriu-se que os americanos utilizam os celulares para “se conectar com outras

pessoas, consumir informação e curtir entretenimento”. Das categorias analisadas em 2011 o

acesso a e-mail pessoal atraiu uma grande audiência com mais de 81 milhões de usuários de

celulares, o que significa incremento de 26% quando comparado ao ano anterior. (DIGITAL

OMNIVORES, 2011, p. 13)

O panorama de uso dos celulares nos Estados Unidos (gráfico 9) mostra que quase a

metade (49,6%) é para consumo de mídia. No gráfico seguinte, vemos que informação sobre o

clima é o tipo de conteúdo que está entre as categorias que mais crescem com 72.7 milhões de

visitantes e incremento 37% quando comparado a 2010. Outras categorias com grande número de

acessos são: jogos (66.7 milhões de usuários), busca (61.5 milhões de usuários) e mapas (53.9

milhões de usuários). (Ibid., 2011)

42

Gráfico 9 – Cenário do uso de celulares nos Estados Unidos – agosto 2011

Fonte: comScore

Gráfico 10 – Comparativo das atividades frequentes no uso de celulares – 2010 / 2011

Fonte: comScore

Da mesma forma, quando entramos no mercado brasileiro, estudo realizado pela FGV,

Fundação Getúlio Vargas (2012), identifica que a maior parte dos consumidores também se

conecta a internet para se comunicar (37.3%). As demais categorias são lazer (29.6%), leitura de

43

jornais e revistas e busca por informações (28.7%) e educação e aprendizado (28.1%). (SITE

REVISTA VEJA, 2012)

Gráfico 11 – Divisão do total de tempo gasto na Internet por tipo de propriedade

Fonte: comScore

Quando partimos de uma análise independente de dispositivo, nos Estados Unidos,

quando observado o conteúdo consumido na Web (gráfico 11), percebemos que existe uma

migração do acesso aos principais portais para o Facebook e outras redes sociais. A audiência do

Google é maior, porém o Facebook lidera em engajamento. (U.S DIGITAL FUTURE IN FOCUS

2012, 2012)

Em adição, o relatório da comScore (2012) aponta que os sites do Google são os mais

visitados com 187 milhões de visitantes em dezembro 2011. Ao final de 2011, Facebook

continuou na liderança como a plataforma mais engajadora, com 14.6% do tempo gasto pelos

usuários online. Os sites do Google, incluindo o YouTube, ficaram em segundo lugar com 10.8%

do tempo gasto e os sites do Yahoo! em terceiro lugar com 8.6%. (Ibid., 2012)

44

Apesar da maturidade dos Estados Unidos em relação ao mercado da Web, os

padrões de comportamento do consumidor online continuam evoluindo e

mudando com o tempo. A Web tem se transformado lentamente de um meio

funcional de busca por informação para um meio direcionado ao entretenimento

e a conteúdo de lazer. (Ibid., 2012, p. 7, tradução nossa)

Conforme o engajamento com as redes sociais aumenta, maior é a migração de audiência

dos portais tradicionais. Alguns como o Yahoo!, MSN e AOL “estão cedendo lugar para o

Facebook e outras redes sociais que tem se tornado, de maneira crescente, o contato inicial para

muitos americanos online”.

Apesar do cenário de acesso a e-mail pessoal por dispositivo móvel estar em crescimento

como vimos (em 2011 teve incremento de 26%), o consumo como um todo dos tradicionais

portais de engajamento como chat online (MSN), homepages, incluindo e-mails, estão

começando a decair. “Até dezembro 2011, portais representavam 16.7% do tempo gasto online

enquanto as redes sociais 16.6%” (vide gráfico 12). Se essa tendência permanecer, em breve as

redes sociais estarão na frente. (Ibid., 2012, p.7)

Dentre todas as categorias avaliadas, “a categoria de entretenimento, que inclui TV e

conteúdo de música, sites de vídeo e notícias de entretenimento, também está ganhando parte do

mercado e atualmente conta com 13% do tempo gasto online”. (Ibid., 2012, p. 7)

Quando se fala que os e-mails pessoais e chat online (MSN) estão perdendo audiência,

observa-se que as novas plataformas oferecem serviços similares de maneira integrada, o que

potencializa a migração de usuários. É o caso das redes sociais que oferecem as mesmas funções

de chat e e-mail além do acesso, através de aplicativos, pelo celular. Parte da queda de consumo

está relacionada a esta mudança de comportamento. Antes da rede social Facebook, os usuários

acessavam ferramentas de chat online e e-mail pessoal para se comunicarem. Hoje, a plataforma

de Mark Zuckerberg18

oferece esses mesmos serviços em um único local. (Ibid., 2012)

18 “Mark Elliot Zuckerberg (White Plains, 14 de maio de 1984) é um programador, empresário norte-americano, que ficou

conhecido mundialmente por ser um dos fundadores do Facebook, a maior rede social do mundo. Zuckerberg fundou o Facebook

em 2004, junto com Dustin Moskovitz, Eduardo Saverin e Chris Hughes, quando eram estudantes da Universidade Harvard. No

ano de 2010, Zuckerberg foi nomeado pela revista Time como a Pessoa do Ano. Em março de 2011, a revista Forbes colocou

Zuckerberg na 36ª posição da lista das pessoas mais ricas do mundo, com uma fortuna estimada em 17.5 bilhões de dólares.”

(WIKIPEDIA, 2012, http://pt.wikipedia.org/wiki/Mark_Zuckerberg)

45

Gráfico 12 - Divisão do total de tempo gasto na Internet por tipo de atividade

Fonte: comScore

No gráfico abaixo (13) observamos que essa troca é mais presente dentre os adolescentes

com idade entre 12 e 17 anos e 18 e 24, devido à queda notável de 31% e 34% respectivamente

na utilização e acesso a e-mails pessoais. (Ibid., 2012)

Parte dessa troca também pode ser atribuída ao aumento de aparelhos celulares na vida

digital dos consumidores, que tem impacto direto em como as pessoas se engajam com a Web

tradicional. (Ibid., 2012)

46

Gráfico 13 – Percentual de mudança do tempo gasto na utilização de e-mail pela Internet

Fonte: comScore

2.6 Redes Sociais

Portanto, as redes sociais vêm apresentando maior crescimento em relação ao tempo gasto

pelos usuários dentre as atividades mais crescentes na Web. Para cada seis minutos online, um é

gasto nas redes sociais. Nos Estados Unidos (gráfico 14), nove em cada dez usuários visitaram

uma rede social no período de um mês em 2011, sendo que o Facebook tem a maior fatia desse

mercado. (Ibid., 2012)

47

Gráfico 14 – Share do Facebook no total de tempo gasto em redes sociais online

Fonte: comScore

Facebook, “a rede social mais popular do mundo segundo relatório da comScore, que

abriu IPO em 1ª de fevereiro de 2012, continua atraindo visitantes, mesmo já tendo chegado a 3

em cada 4 americanos que acessam a internet.” Seu crescimento maior é no engajamento que

aumentou 32% no ultimo ano com mais de 7 horas de acesso por usuário em dezembro 2011.

Essa rede social tem 15% do total de tempo gasto online e 16% de todas as páginas vistas. (Ibid.,

2012, p. 9)

No gráfico 15 vemos que, além do Facebook, outras redes sociais também tem

participação em um segundo nível. MySpace caiu da 2ª posição, cedendo lugar para o LinkedIn

em junho 2011, que tem disputado essa posição com o Twitter. Em dezembro 2011, o Twitter

chegou a 2ª posição com 37.5 milhões de usuários únicos e o LinkedIn em 3º com 33.5 milhões.

MySpace está na 4ª colocação com pouco mais de 24 milhões de visitantes. (Ibid., 2012)

48

Gráfico 15 – Número de visitantes nas redes sociais selecionadas

Fonte: comScore

No Brasil, segundo Cris Rother, diretora executiva do IBOPE Nielsen Online, as redes

sociais também ultrapassam os sites de busca e portais e o engajamento também é maior. A

média de tempo gasto online nas redes sociais é de 4 minutos e 12 segundos enquanto nos sites

de busca de 1 minuto e 9 segundos (NETVIEW, 2009).

Após analisar os dados e as tendências de consumo informativo, somos levados a

acreditar que o cenário digital revela que a maneira como as pessoas consomem informação é

uma maneira que carrega em si elementos novos em comparação com a época de Gutenberg, por

exemplo. Embora o excesso informativo em si não seja um problema novo, existem hoje certas

mudanças importantes acontecendo. Os pontos mais marcantes que observamos são:

- O acesso a Internet por dispositivos móveis tem aumentado, mas ainda mantém um

share baixo quando comparado ao acesso por computadores;

49

- Para que o crescimento de acesso móvel ocorra, é necessário o desenvolvimento e o

aumento da disponibilidade de novos tipos de conexão, como por exemplo, a conexão sem cabo

(Wi-Fi) e a banda larga dos celulares;

- Quando os usuários estão com seus dispositivos móveis, eles tendem a consumir

informação com mais frequência;

- Os dispositivos móveis fazem parte da vida de seus usuários, muitos não saem de casa

sem o aparelho e ao acordar, a primeira coisa que fazem é olhar o seu celular para checar se há

informação nova;

- A intenção de compra de tablets dos brasileiros chega a 60% conforme constatado pela

pesquisa da IDG Global Solutions;

- Durante o dia, quando o consumo é maior, as pessoas estão trabalhando e acessam a

Internet pelo computador;

- O consumo de conteúdo está mudando e existe uma migração importante de páginas

visitadas e engajamento de portais para redes sociais, sendo o Facebook o líder nesse processo.

Tendemos a acreditar que, portanto, o consumo da informação tem se transformado

em um consumo mais social. Quanto maior o acesso às redes sociais, maior o consumo de

informação publicada pela rede de contatos de cada usuário. Tanto o Google quanto o Facebook,

plataformas que estão liderando em número de acessos, tornam-se os curadores da informação.

Eles são os intermediários para que as empresas possam através do resultado de uma busca ou do

feed de notícias de cada perfil, conduzir o que será consumido.

Qual será a tendência em um cenário de excesso de informação e também de facilidade de

acesso a Internet? A curadoria seria uma solução para essa questão?

50

3. CAPÍTULO 3 - Da Curadoria

3.1 O que é curadoria?

Neste capítulo, vamos discorrer sobre o tema da curadoria de informação. Pretendemos

observar se, conforme vimos até agora, essa é a solução para o cenário de excesso de informação

e para o hábito de consumo que vem sendo adquirido.

(…) nós temos que começar a ter responsabilidade sobre a informação que

consumimos. Isso significa fazer uma análise clara de como nossa informação

tem sido fornecida, como isso nos afeta, e o que nós podemos fazer para reduzir

seus efeitos negativos, enaltecendo os positivos. (JOHNSON, 2011, p.26,

tradução nossa).

Com base no capítulo dois, notamos que o excesso de informação sempre existiu

(Johnson, 2011). Hoje qualquer um com um laptop nas mãos pode produzir conteúdo (Pariser,

2011), não é mais um privilégio das grandes instituições. Encontramo-nos em uma paisagem de

produção de conteúdo livre.

Com o avanço da tecnologia e o desenvolvimento dos dispositivos móveis, cada vez mais

a sociedade pode escolher quando, como e onde consumir conteúdo. A tecnologia facilita o

acesso e, consequentemente, o consumo da informação. Uma das descobertas do capítulo três é

que se utilizam os celulares para “se conectar com outras pessoas, consumir informação e curtir

entretenimento”. (DIGITAL OMNIVORES, 2011, p. 13)

Pretendemos agora, discorrer em torno de um papel relativamente novo na sociedade.

Papel que, pensadores como Johnson, Pariser, Rosenbaum, Saad Corrêa, Bertocchi, Terra,

Ramos, entre outros, vêm refletindo na tentativa de encontrar e propor uma solução para o

cenário de fartura da informação. “A curadoria da informação é mais um desafio trazido pela

sociedade da informação, pela fartura de dados e pelo excesso de conteúdo disponível na rede.”

(TERRA, 2012, p.61, grifos nossos)

De acordo com o que vimos nos capítulos anteriores, “pressupomos que vivemos em uma

sociedade na qual a informação é um bem que tem algum valor” (RAMOS, 2012, p. 12). Pelo

fato da informação ter esse valor, analisamos também como a sociedade vem consumindo esses

dados e agora, o objetivo desse capítulo é refletirmos sobre quem ou o que tem influenciado ou

51

decidido o que lemos, qual informação acreditamos, quem ou o que faz o papel de curador da

informação que consumimos. [grifos nossos]

Iniciamos então análise aprofundada do termo curador da informação e curadoria da

informação. A etimologia da palavra curadoria, segundo o dicionário Michaelis (2012): o que tem

“cargo, poder e função ou administração de curador”.

Por sua vez, encontramos para a palavra curador, diversos significados dependendo da

área ou do campo de atuação. O significado relacionado à área jurídica: “indivíduo encarregado

judicialmente de administrar ou fiscalizar bens ou interesses de outrem, advogado nomeado pelo

juízo para zelar os interesses dos menores ou pessoas a eles equiparadas”. (Ibid., 2012). Para

Daniela Ramos (2012, p. 14), o curador na linguagem jurídica tem o seu uso mais antigo “na

história da cultura” e é descrito no Direito Romano como a “figura do curator bonorum19

, que

criou as bases para a moderna lei de falência”.

Em sua análise, Ramos descreve alguns deveres do curator bonorum no Direito Romano

que, segundo dissertação de mestrado de Groff (2010, apud RAMOS, 2012, p. 16):

(...) atos de conservação, administração do patrimônio do devedor, a satisfação

dos créditos que se mostrassem mais gravosos, a defesa do devedor nas ações

dos credores e a venda de objetos que se pudessem perder. Mas, entre todas as

funções, destaca-se a de evitar que a bonorum venditio20

fosse consumada.

O curator possui uma atividade delicada (...) para o qual se requer habilidade,

capacidade e idoneidade. Isso porque, se para os romanos o patrimônio em si

interessava tanto ou mais do que a própria vida, e se as coisas eram vistas de

forma unitária, e não separadamente, sob esses aspectos o curator bonorum

cumpria o papel mais importante de todo o procedimento executivo.

Sua atuação não configura representação de nenhuma das partes e nem mandato:

ela implica, em verdade, defesa do interesse público e auxílio à justiça. Por isso

sua relação com os credores e o devedor é indireta, e a curadoria que lhe

incumbe é voltada ao patrimônio.

Ao cuidar, por vezes, do interesse do devedor, e, por outras, do interesse dos

credores, o curator assegura que o devedor não sofrerá mais que o necessário

para que a dívida seja paga e, ainda, que os credores não terão maiores prejuízos

além daqueles intrínsecos à promoção da cobrança, o que ele faz tendo por

objetivo final cuidar das coisas e da integridade do fundo por elas composto.

Colidentes os interesses, o curator se interpõe entre as partes e proporciona, na

19 Curator bonorum: curador de bens 20 Bonorum venditio: em latin venditio bonorum; sale of goods; venda de bens.

52

medida do possível, a preservação dos direitos de todos os envolvidos. (...) o

trabalho de evitar a venda universal do patrimônio (...) é o ponto de partida do

desenvolvimento da moderna execução patrimonial (ibidem, pp. 17-18).

A partir dos deveres do curator bonorum nós encontramos parte do que, atualmente e de

maneira moderna, temos como características do curador de arte. Não podemos deixar de retomar

esse sentido histórico da palavra curador, mesmo sabendo que a “as origens do termo e das

consequências do seu uso na cultura estão enraizados no Direito Romano, ao contrário do que se

comumente pensa, de que o termo começou a ser utilizado na Igreja Católica e, depois, nos

museus.” (RAMOS, 2012, p. 17). Tradicionalmente o curador é identificado como o profissional

capacitado responsável pela organização de obras de artes em exposições, galerias, museus e

fundações. Segundo a Wikipédia (2012), geralmente são especialistas em História da Arte e

Filosofia. “A palavra ‘curador’ vem do latim tutor ‘aquele que tem uma administração a seu

cuidado’.” (AMARAL, 2012, p. 42)

Então quais são características do curador de arte que estão relacionadas ao curator

bonorum? Segundo Ramos (2012, p.17): “conservar e administrar (no museu), habilidade,

idoneidade indiscutível na sua área de atuação e capacidade de relacionamento e mediação, já que

precisa prestar contas ao público”. Para ela, uma das características do trabalho do curador é

prestar serviço “ao” público. [grifo do autor]

Acrescentamos em nossa análise a descrição de Tadeu Chiarelli (apud RAMOS, 2012, p.

14) que explica os primeiros tipos de curador de arte:

(...) a princípio, existiriam dois tipos [para “curador”]: o ligado diretamente a

uma determinada instituição museológica – normalmente alguém formado nas

áreas de História ou Teoria da Arte, e o curador independente – um profissional

ligado às áreas de História ou Crítica de Arte que concebe exposições

autônomas, sem estar necessariamente vinculado a uma instituição (MUSEU DE

ARTE MODERNA DE SÃO PAULO, 2008).

Dessa forma, como podemos reconhecer, a curadoria no campo jurídico, na arte ou na

religião, não é algo novo. O que nos chama atenção é o retorno da palavra no campo dos bits e

bytes, na Internet, na sociedade da informação. Apesar da Web ser relativamente nova todo esse

desenvolvimento tecnológico e a facilidade de acesso à informação que, de maneira progressiva,

53

tem chegado às economias emergentes em todo mundo, traz a tona novos questionamentos.

“Existe uma demanda (...) para novos sistemas e comportamentos que gerenciem o tsunami de

conteúdo que nos envelopa todos os dias” declara Rosenbaum. (2011, p. 6)

Para ele, “a Web está se movimentando agora em tempo real: o que acontece agora é

entregue agora”. (ROSENBAUM, 2011, loc. 353) Além disso, o empreendedor Jeff Pulver (apud.

ROSENBAUM, 2011) entende que existe diferença na maneira que consumíamos informação

quando a Internet comercial foi lançada em 1993 e como isso é feito agora. Para ele essa

mudança é tão grande que estamos vivendo “O Estado do Agora” [The State of Now, tradução

nossa]. “Viver e experimentar informações no Agora só é diferente quando comparado com a

forma como estamos acostumados a vivenciar as coisas” comenta. Rosenbaum (2011, loc. 355 –

358) explica que o Agora significa que os dados vêm até nós de maneira rápida, e é mais difícil

determinar sua relevância, sua precisão, e até mesmo sua fonte.

Em outras palavras, para alguns profissionais, como Robert Scoble (apud.

ROSENBAUM, 2011, loc.162 - 361), blogger de tecnologia e produtor de vídeos, curadoria é a

próxima oportunidade de um “bilhão de dólares”. Ele fica na dúvida se deveria “‘criar ou curar’

toda vez que uma notícia de tecnologia estourar no Vale do Silício”. Para Scoble um curador é

“um químico da informação. Ele mistura alguns átomos de maneira a criar uma molécula de

informação. E então adiciona valor a essa molécula.” Scoble acredita que as pessoas precisam

encontrar maneiras para lidar com o constante volume de informação e que o processo começa

pelos “curadores que veem um padrão no mundo que precisa ser discutido”. [grifos nossos]

Ou seja, se de um lado temos a questão de como receber e consumir a informação, do

outro, temos os produtores de conteúdo sem audiência. Andrew Blau (2011) reflete sobre essa

nova questão: a de quem é ouvido. Ele explica que falar é fácil, mas o difícil agora é ser ouvido e

tem ficado cada vez pior. Os computadores não conseguem diferenciar o que são dados, o que

são ideias. Não sabem dizer se é um conjunto de texto e links agregados ou pensamentos de um

intelectual. “Essa falta de inteligência (...) em um tsunami de dados muda o jogo”. (apud

ROSENBAUM, 2011, loc. 376 – 380)

Outra diferença notada, que impacta quem fala e quem é ouvido é o custo para que isso

aconteça. Blau comenta que havia um alto custo para criar e distribuir conteúdo para amplificar a

54

fala. O processo era controlado pelas pessoas, pelo governo e pela sociedade. Poucas pessoas

tinham a oportunidade de amplificar seu discurso. Hoje essa condição mudou totalmente. As

ferramentas são gratuitas, o custo e as barreiras de entrada foram eliminados. (Ibid., loc. 364 –

380)

“A capacidade de amplificar a voz, amplificar além do alcance que já tinhamos, reflete

uma mudança de rumo na história da humanidade. (...) O que acontece quando qualquer um pode

realmente falar com uma grande audiência?” (Ibid., loc. 368 - 374) A dinâmica mudou. Falar é

mais democrático agora. Mas quem escuta?

Conforme veremos a seguir, a curadoria chega como uma resposta a essas questões: do

ponto de vista do produtor de conteúdo; falar (produzir conteúdo, se expressar), ser ouvido (ter

audiência, ter relevância nesse cenário), e do receptor; consumir conteúdo (saber o que consumir,

em quem confiar, onde buscar, como filtrar), adaptada ao contexto digital.

Nessa paisagem, a noção gera desdobramentos tais como “curadoria de

informação”, “curadoria de conteúdo”, “curadoria de conhecimento” e

“curadoria de dados”, quase sempre colocando como protagonista os seres

humanos capazes de filtrar informações e reorganizá-las para uma plêiade de

usuários. (ROSENBAUM, 2011, apud BERTOCCHI; CORRÊA, 2012, p. 26).

A curadoria traz qualidade, mas agora, a qualidade está nos olhos de quem vê. Curadoria

adiciona valor ao conteúdo a partir do olhar humano qualitativo que julga a informação.

“Curadoria é sobre seleção, organização, apresentação e evolução. Enquanto os computadores

podem agregar conteúdo, informação ou qualquer formato ou tamanho de dados, agregar sem a

curadoria é apenas uma grande pilha de coisas que parecem relacionadas, mas carecem de uma

organização qualitativa.” (ROSENBAUM, 2011, p. 4, tradução nossa)

55

3.2 Das Ferramentas Curatoriais

Percebemos até agora que a curadoria informativa vem de forma valorizada nos ajudar a

organizar a quantidade de informação disponível. Rosenbaum (2011) nos remete a entender que,

a curadoria que traz qualidade e adiciona valor, parte de um olhar humano qualitativo. Mas como

será que essa curadoria é realizada atualmente? Quem ou o que avista essa necessidade e

conveniência?

Empresas e negócios da economia da informação enxergam oportunidade na curadoria da

informação digital. Grandes e poderosas empresas são construídas baseadas nessa curadoria.

Parte da função dessas empresas é filtrar e buscar. “Até mesmo a Wikipédia é uma combinação

dos dois: busca poderosa, gerada principalmente pelo Google e um vasto e colaborativo filtro, se

esforçando para conseguir juntar fatos verídicos e excluir fatos falsos.” (GLEICK, 2011, p. 410)

De fato, segundo Elizabeth Saad Corrêa21

e Daniela Bertocchi22

(2012, p.26), temos na

atualidade, muito mais uma curadoria algorítmica de informação do que humana.

Como exemplos disso, baseados em “algoritmos curadores”, o buscador Google e a rede

social Facebook são os que se destacam hoje. “Seja na web ou através de aplicativos para tablets

e outros dispositivos móveis observa-se uma significativa presença de soluções algorítmicas para

lidar com a profusão informativa.” (Id., 2012, p.30) “Google e outros motores de busca fornecem

dados sobre as pesquisas mais comuns a qualquer momento.” (JOHNSON, 2011, p.38)

Além do buscador e da rede social que estão em destaque, as ferramentas comentadas a

seguir, são referências de exemplos mais populares daquilo que, Corrêa e Bertocchi (2012),

denominam “ferramentas de organização da abundância informativa por meio de algoritmos”.

21

Elizabeth Saad Corrêa, Professora Titular do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo e do PPGCom-ECA. Coordenadora do curso de especialização DIGICORP e do grupo de pesquisa

COM+. Email: [email protected]

22

Daniela Bertocchi, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e

Artes da Universidade de São Paulo. Mestre em Ciberjornalismo pela Universidade do Minho, Portugal (2007). Pesquisadora do

grupo de pesquisa COM+. Site: www.bertocchi.info Email: [email protected]

56

Os sistemas agregadores, baseados na organização de fluxos informativos em

RSS, utilizam um algoritmo simplificado, sendo o GoogleReader o melhor

exemplo. Os sistemas de recomendação como o da loja Amazon, ou dos sites de

música, como LastFm e Spotify, também se utilizam de algoritmos simples. E há

os próprios algoritmos criados para sustentar modelos de negócio e que se

transformaram em produtos específicos baseados em feeds pessoais e/ou tags

definidas pelos usuários: é o caso do Zite e do Flipboard, revistas

personalizáveis, únicas para cada usuário e exclusivas, por ora, para tablets; do

Paper. Ly que organiza informações a partir da navegação dos usuários nas redes

sociais; do Scoop.it que cria conteúdo a partir de uma temática definida pelo

usuário; o Storify que constrói “narrativas sociais” e viraliza o resultado obtido;

o Social Pulse da agência de notícias Reuters que apresenta o noticiário mais

tuitado e retuidado por uma rede de influenciadores; o Washington Post Social

Reader, agregador de notícias igualmente personalizado; e as ferramentas de

organização da informação por meio de imagens, trazendo a inovação do

aprendizado social na construção de narrativas visuais, a exemplo do Pinterest e

do WeHeartIt. (CORRÊA; BERTOCCHI, 2012, p.30)

Segundo elas, sistemas publicadores de conteúdo, como os CMS (content management

systems), “publicadores de blogs como o Wordpress e o Tumblr, publicadores personalizados

(como Joomla e Drupal), ou publicadores proprietários criados por empresas informativas entram

nessa lista”. (Id., 2012, p.30)

Essas ferramentas de organização tem como papel principal o da curadoria e o que está

por traz de cada uma é um processo algoritmo, como já falado. “O termo “algoritmo” é uma

palavra latinizada, derivada do nome de Al Khwarizmi, matemático árabe do século 19. Na

computação, um algoritmo é um ‘procedimento criado para cumprir uma tarefa específica’”

(SKIENA, 2008, p. 3, apud CORRÊA; BERTOCCHI, 2012, p. 31).

O que seria essa tarefa específica? Corrêa e Bertocchi explicam que:

Trata-se de um passo-a-passo computacional, um código de programação,

executado uma dada periodicidade e com um esforço definido. O conceito de

algoritmo permite pensá-lo como um procedimento que pode ser executado não

apenas por máquinas, mas também por homens, ampliando seu potencial de

acuidade associada à personalização.

Deste modo, desenhar um algoritmo é elaborar uma série de instruções com a

finalidade de resolver um problema. No caso da timeline social do Facebook, o

algoritmo é utilizado especialmente para ordenar elementos (dados sobre outros

usuários) por critério de importância (definida pelo programador da empresa).

Para o Google, o algoritmo busca resolver o problema da compreensão dos

dados e retorno de ocorrências afins. Para Zite ou Flipboard, o objetivo é

produzir uma revista digital apenas com conteúdos relevantes para aquele

usuário. Para a Amazon, o objetivo do algoritmo é ampliar o leque de sugestões

57

para a compra de produtos. Nos demais exemplos, o uso de algoritmos ocorre na

definição das fontes de informação. Ou seja, no cenário da comunicação

digital, a rigor, o algoritmo trabalha com a missão de expurgar informações

indesejáveis, oferecendo apenas o que o usuário julgaria eventualmente o

mais relevante para si, conforme um modelo de negócio definido ou de

acesso às informações também previamente determinado pelo proprietário

do algoritmo. (CORRÊA; BERTOCCHI, 2012, p.31, grifo nosso)

Ou seja, a partir do momento que o algoritmo trabalha para eliminar informações que ele

“acredita” que não seja o que queremos ler, começamos a viver em uma bolha, conforme explica

Pariser (2011, p.5): “A democracia requer que cidadãos vejam as coisas de outro ponto de vista,

mas ao contrário estamos cada vez mais fechado em nossas próprias bolhas. A democracia exige

confiança em fatos comuns, ao invés, estão nos oferecendo universos paralelos, mas separados”.

Portanto, só chegamos a esse ponto, vivendo em nossa bolha, a partir do momento em que

nossos curadores de informação, são as ferramentas e plataformas que tanto utilizamos e que

estão cada vez mais em ascensão.

Pariser (2011) acredita que parte desse processo da bolha começou em dezembro de 2009

quando o Google anunciou em seu blog corporativo a notícia que a sua ferramenta de busca havia

mudado e que a partir daquele momento todos teriam uma busca personalizada. Para isso o seu

algoritmo entenderia dezenas de sinais:

Tudo desde onde você estava logado até qual browser você estaria usando e o

que você estava buscando antes - para poder adivinhar quem você era e quais

tipos de sites você gostaria. Mesmo que você estivesse deslogado, ele

customizaria seus resultados, mostrando a você as páginas que ele antecipou que

você estaria inclinado a clicar. (Id., 2011, p. 1, tradução nossa)

“É como se o monitor do computador fosse uma espécie de espelho de mão única,

refletindo seus próprios interesses enquanto os observadores algorítmicos assistem o que você

clica.” (Id., 2011, p. 2)

O alerta de Pariser (2011) é quanto aos perigos dessa personalização. Os resultados das

buscas do Google, o feed de notícias do Facebook, a notícias, os anúncios de sites como Yahoo

News, Huffington Post, The Washington Post, The New York Times, são desenhados

especialmente para cada um. Através das preferencias, do comportamento, dos temas de

interesse... O resultado dessa personalização é uma visão extremamente homogênea do mundo,

pois acabamos consumindo apenas conteúdo que já concordamos. Deixamos de conhecer outro

58

ponto de vista e de ter acesso a conteúdo novo. (apud BERTOCCHI, 2012; CORRÊA; 2012,

JOHNSON, 2011)

Johnson (2011, p.26) complementa esse ponto quando diz que a comunidade preocupada

com o excesso da informação “conta com filtros técnicos”, porém as “ferramentas tendem a

amplificar o comportamento existente” e isso pode nos distrair fazendo com que deixemos “de

prestar atenção nas mudanças de comportamento”.

Então, temos evolvido rapidamente um conjunto de tecnologias para nos ajudar.

Elas se dividem em duas categorias, algorítmicas e sociais, embora a maioria das

ferramentas disponíveis para nós, na verdade, combinem as duas. Técnicas

algorítmicas usam a vasta memória e o poder de processamento dos

computadores para manipular um nebuloso turbilhão de dados para encontrar

respostas. As ferramentas sociais nos ajudam a encontrar o que é interessante,

usando as escolhas de nossos amigos como guias. (WEINBERGER, 2011, p. 9)

Dessa forma observamos que em um cenário de excesso informativo e com grande parte

do conteúdo acessível (aos que se conectam a Internet), o buscador Google e a rede social

Facebook, por meio de seus algoritmos curadores e da personalização, estão definindo o que

grande parte da população consome. Essas plataformas estão fazendo o papel do curador,

independente dos usuários terem essa percepção ou não23

. Levantamos a dúvida se é isso mesmo

que queremos. Se a informação personalizada é a que devemos consumir.

3.3 Dos Seres Curadores

Agora que temos a visão de autores que evidenciam a preocupação de deixarmos nas

mãos dos curadores algorítmicos, o conteúdo que utilizamos para nos informar, nos parece

interessante explorar meios de amenizar esse cenário.

Temos a clareza de que a solução encontrada pelas empresas de tecnologia da era da

informação para organizar a vasta quantidade de dados disponível na web, é importante. Essas

23 Nesta monografia não nos aprofundaremos nesse tema.

59

soluções da Web Semântica24

irão “promover transformações significativas no uso da web – e em

muitos casos isso já ocorre” (CORRÊA; BERTOCCHI, 2012)

Pretendemos aqui refletir sobre tais transformações como resultantes de um

processo que tem seu cenário instalado no back office da rede (algoritmos,

softwares, sistemas de bancos de dados, aplicativos, linguagens de máquina

etc.), um processo maquínico que só terá uma dimensão socialmente

transformadora a partir do exercício do processo comunicativo, ou seja, a partir

da atuação do profissional de comunicação como agenciador, municiador,

mediador, articulador e analista humano-comportamental dessa etapa de

organização e criação de significados à imensa massa informativa que circula no

ciberespaço. (Id., 2012)

Corrêa e Bertocchi (2012, p. 31, p. 32) enfatizam que “todo algoritimo é produto de um

processo humano, com critérios de escolha previamente definidos com base em algum contexto

de oferta da informação”, A proposta é que esse processo humano seja realizado por um

comunicador, de forma a especializar o processo de construção. “Quanto mais informações

circunstanciais, sociais e comportamentais se fizerem necessárias para o modelamento do

algoritmo, mais deveria ser exigida a participação do comunicador como alimentador do modelo

e, especialmente, como refinador ao longo da vida útil do algoritmo”.

A reflexão dá-se principalmente pelo fato de que os algoritmos menos complexos tendem

a entender o comportamento do usuário, olhando para trás, verificando “o que ele comentou,

recomendou, apreciou, leu” entregando como resultado informações personalizadas seguindo o

padrão de conhecimento existente. A curadoria humana, “por outro lado, é mais livre para olhar o

futuro” e pode oferecer perspectivas novas, ampliando o entendimento do usuário em um

determinado assunto. Oferecendo conteúdo fora da bolha. (CORRÊA; BERTOCCHI, 2012, p.

32; PARISER, 2011)

24 Segundo a Wikipedia, (2012), “a Web semântica é uma extensão da Web atual, que permitirá aos computadores e humanos

trabalharem em cooperação. A Web semântica interliga significados de palavras e, neste âmbito, tem como finalidade conseguir

atribuir um significado (sentido) aos conteúdos publicados na Internet de modo que seja perceptível tanto pelo humano como pelo

computador. A ideia da Web Semântica surgiu em 2001, quando Tim Berners-Lee, James Hendler e Ora Lassila publicaram um

artigo na revista Scientific American, intitulado: ‘Web Semântica: um novo formato de conteúdo para a Web que tem significado

para computadores vai iniciar uma revolução de novas possibilidades’”.

De acordo com o W3C “O termo ‘Web Semântica’ refere-se à visão do W3C da Web dos Dados Linkados. A Web Semântica dá

às pessoas a capacidade de criarem repositórios de dados na Web, construírem vocabulários e escreverem regras para

interoperarem com esses dados. A linkagem de dados é possível com tecnologias como RDF, SPARQL, OWL, SKOS.” Para ter

mais acesso a esse conteúdo, recomendamos o site da W3C que no Brasil é http://www.w3c.br/Home/WebHome. (W3C, 2011)

60

“A repórter Jane Wakefield, em artigo publicado pela BBC News, chega a reiterar:

‘Algoritmos podem ser mais espertos que o homem, mas eles não possuem necessariamente a

noção de perspectiva do homem’”. (apud BERTOCCHI; CORRÊA, 2012, p. 32)

No entanto, a conclusão que chegamos é que não existe uma ferramenta ou curador que

dará conta de toda essa organização informativa. Notadamente observamos que os autores trazem

essa preocupação referente ao processo dessa curadoria. Rosenbaum (2011), por exemplo,

discorre que é necessário adicionar qualidade a essa equação e colocar um filtro humano. Mas

sabemos também que apenas o filtro humano não dá conta do recado, pois precisa do algoritmo

para lhe ajudar.

Rosenbaum afirma: “as máquinas que construímos não podem filtrar o futuro. Eles

precisam de nós.”. (2011, p. 245)

Logo, o cenário aponta não para uma curadoria isolada na figura de um curador ou de

uma tecnologia como a resolução do tema excesso de informação, mas para uma filtragem

coletiva.

61

4. Considerações finais

No início deste trabalho, optamos por compreender como o tema de excesso de

informação surgiu e qual sua relação com o consumo informativo. Foi a partir desta ótica

histórica que podemos afirmar que essa abundância informativa e a preocupação em como lidar

com ela sempre existiram.

Observamos que alguns pensadores de diversas épocas como: Baillet, Diderot, Erasmo,

Leibniz e Postman sentiam que o problema estava no crescimento da informação, no volume e

suas consequências. Preocupavam-se em como esse excesso poderia estar degradando nossa

forma de pensar e até mesmo causar amnésia. Entendiam que a informação estava perdendo seu

valor.

Porém, pensadores contemporâneos como Johnson, Rosenbaum, Toffler, Weinberger e

Wurman acreditam que o excesso de informação sempre existiu e que o problema reside em

como lidar com ele. Neste sentido, alguns autores sugerem que cada um deve aprender a se

relacionar com o assunto e a desenvolver um mecanismo de consumo eficiente. Johnson (2011)

sugere que desenvolvamos habilidades para procurar, processar, filtrar e compartilhar nossa

informação. Para o autor é necessário que façamos uma dieta informativa.

Entender isso nos ajudou a pensar melhor sobre o modo como as pessoas consomem

informação. No capítulo 2, entendemos que as mudanças que estão acontecendo e a migração do

uso da Internet de computadores para dispositivos móveis, traz mobilidade ao consumo de

informação, uma característica marcante dos tempos atuais. Dessa forma, as pessoas tendem a

consumir conteúdo em vários momentos do dia, principalmente por terem uma ligação afetiva

muito grande com seus dispositivos, acessando-os, muitas vezes, logo quando acordam

(comScore, 2011).

Entretanto, o que mais nos chamou atenção é como o tipo de conteúdo acessado está

mudando ao longo dos últimos cinco anos. Temos uma transferência muito grande de acessos a

portais informativos, e-mails pessoais e chat para portais de busca (Google principalmente) e

redes sociais (Facebook).

62

Descobrimos no capítulo três que o termo curadoria é retomado agora na atualidade com

muita força e que nele são depositadas as esperanças de uma organização e filtragem

informativas eficientes e que faça sentido às pessoas, sobretudo nessas redes sociais e no

ambiente digital.

Contudo, apesar de todo o desenvolvimento que empresas da era da informação têm

realizado, criando algoritmos curadores, desempenhando papeis de filtragem e personalização do

conteúdo na rede, vários autores (Corrêa; Bertocchi, 2012; Johnson, 2011; Pariser, 2011;

Weinberger, 2011) apontaram que é necessário haver uma integração com a curadoria humana.

Considerando o que vimos ao longo deste trabalho, somos levados a acreditar que a

tecnologia isoladamente não resolverá esse problema de abundância informativa. Não

acreditamos que o Google vá organizar a informação ou que uma plataforma, um aplicativo, uma

interface ou até mesmo um serviço fará esse papel. Cremos que o humano precisa se aliar a

tecnologia para conseguirmos uma resposta.

As máquinas, os serviços, os algoritmos sozinhos parecem não conseguir desempenhar o

papel de organizadores como o humano o faz. O mesmo acontece com o curador humano. Os

autores defenderam a ideia de que não é possível ignorar o eficiente papel da máquina. A

máquina e o homem precisarão trabalhar juntos.

Porém, a curadoria, maquínica e humana, resolverá completamente o problema de

organização? Ela realmente ajudará as pessoas a consumirem de maneira consciente a

informação? Nossos questionamentos maiores estão voltados ao social. Uma vez que

descobrimos durante nossa pesquisa que a predisposição de consumo informativo está

relacionada às redes sociais, a mobilidade, concluímos que o caminho revela-se social.

Estaríamos falando em uma curadoria coletiva?

63

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