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1 MÉXICO: O ESTADO PATRIMONIAL SEGUNDO OCTAVIO PAZ (1914-1998) RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ COORDENADOR DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS “PAULINO SOARES DE SOUSA”, DA UFJF. COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS IBÉRICOS E IBERO-AMERICANOS DA UFJF. RIVE2001@GMAIL.COM “Como toda a América Espanhola, o México estava condenado a ser livre e a ser moderno, mas a sua tradição tinha negado sempre a liberdade e a modernidade” (Octavio Paz, El Ogro Filantrópico, p. 62). O México representa, junto com a Guatemala, o Peru e a Bolívia, um dos quatro núcleos que preservaram, nas Américas, a secular tradição do “despotismo hidráulico” ensejado pelos grandes Impérios Asteca e Inca. Antes da descoberta do Novo Mundo por Cristóvão Colombo, na segunda metade do século XV, já tinham florescido, nessas terras, fortes Impérios que desenvolveram modalidades de “poder total”, ao ensejo da dominação inconteste de elites guerreiras fortemente unificadas ao redor de Soberanos inapeláveis. É uma longa tradição secular cujas origens se perdem no nevoeiro dos tempos, se levarmos em consideração que a primeira ocupação, por homens provenientes da Ásia, através do estreito de Behring, ocorreu há 50 mil anos atrás, aproximadamente. 1 Tradição secular que, no México e na Guatemala, percorreu etapas identificadas com civilizações que foram sendo vencidas por outras novas manifestações político-culturais: Olmecas, Maias e Astecas. Na América do Sul ocorreu fenômeno semelhante: três grandes civilizações agro-diretoriais foram aparecendo antes da chegada dos Espanhóis: Tihuanacos, Paracas e Incas. Isso para não mencionar grupos menores, sediados à sombra dos dominadores principais, como era o caso dos Chibchas, no norte do Continente Sul-Americano. A marca de todas essas organizações era o centralismo despótico, fato que levou a um estudioso da talha de Karl 1 Cf. LAVIANA Cuetos, María Luisa. La América española, 1492-1898. Madrid: Temas de Hoy, 1996, p. 6.

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MÉXICO: O ESTADO PATRIMONIAL SEGUNDO OCTAVIO PAZ (1914-1998)

RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ COORDENADOR DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS “PAULINO

SOARES DE SOUSA”, DA UFJF. COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS IBÉRICOS E IBERO-AMERICANOS

DA UFJF. [email protected]

“Como toda a América Espanhola, o México estava condenado a ser livre e a ser moderno, mas a sua tradição

tinha negado sempre a liberdade e a modernidade” (Octavio Paz, El Ogro Filantrópico, p. 62).

O México representa, junto com a Guatemala, o Peru e a Bolívia, um dos quatro núcleos que

preservaram, nas Américas, a secular tradição do “despotismo hidráulico” ensejado pelos grandes

Impérios Asteca e Inca. Antes da descoberta do Novo Mundo por Cristóvão Colombo, na segunda

metade do século XV, já tinham florescido, nessas terras, fortes Impérios que desenvolveram

modalidades de “poder total”, ao ensejo da dominação inconteste de elites guerreiras fortemente

unificadas ao redor de Soberanos inapeláveis. É uma longa tradição secular cujas origens se perdem

no nevoeiro dos tempos, se levarmos em consideração que a primeira ocupação, por homens

provenientes da Ásia, através do estreito de Behring, ocorreu há 50 mil anos atrás,

aproximadamente.1 Tradição secular que, no México e na Guatemala, percorreu etapas identificadas

com civilizações que foram sendo vencidas por outras novas manifestações político-culturais:

Olmecas, Maias e Astecas. Na América do Sul ocorreu fenômeno semelhante: três grandes

civilizações agro-diretoriais foram aparecendo antes da chegada dos Espanhóis: Tihuanacos,

Paracas e Incas. Isso para não mencionar grupos menores, sediados à sombra dos dominadores

principais, como era o caso dos Chibchas, no norte do Continente Sul-Americano. A marca de todas

essas organizações era o centralismo despótico, fato que levou a um estudioso da talha de Karl

1 Cf. LAVIANA Cuetos, María Luisa. La América española, 1492-1898. Madrid: Temas de Hoy, 1996, p. 6.

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Wittfogel a arrola-las como manifestações do “patrimonialismo hidráulico”, alicerçado na prática

do “poder total” e condicionado pela necessidade de controlar a água em regiões caracterizadas pelo

regime de chuvas irregulares.2

A conquista espanhola, feita a partir do pressuposto da “guerra santa” contra o infiel,

terminaria reforçando essa tendência despótica, em decorrência do fato da política de “terra

arrasada” que os ibéricos puseram em funcionamento, à maneira como os conquistadores árabes

ocuparam o Sind, no sul da Ásia, entre 634 e 644, durante o reinado do segundo Califa ou sucessor

do Profeta.3 Os espanhóis, como os portugueses, aprenderam, aliás, os procedimentos de “poder

total” com os muçulmanos, que dominaram a Península Ibérica durante oito séculos, a partir da

invasão desta pelos generais do Califa de Damasco Al-Walid, em 710. Os mouros foram vencidos,

como sabemos, em 1490. Mas os procedimentos agro-diretoriais dos árabes terminaram sendo

assimilados pelos cristãos vencedores, dando ensejo ao que Wittfogel denomina de “absolutismo

ibérico pós-feudal”.4

A pesquisa desenvolvida por Octavio Paz acerca da formação social da Nova Espanha (e das

modalidades assumidas pelo Estado mexicano nos séculos posteriores) destaca os traços

patrimoniais do mesmo, tendo sido este muito bem chamado de “ogro filantrópico”. Ogro que,

como acabo de frisar, alimentou-se de uma dupla tradição despótica: a pré-colombiano e a ibérica.

Seguirei, nesta exposição, de forma prioritária, a obra do Prêmio Nobel de Literatura que leva o

mesmo título da caracterização que acabo de mencionar: El ogro filantrópico. Percorrerei duas

etapas: I - O papel do escritor, segundo Octavio Paz; II - O Estado patrimonial mexicano como

“Ogro Filantrópico”.

I - O PAPEL DO ESCRITOR, SEGUNDO OCTAVIO PAZ.

Para o escritor mexicano, o primeiro conceito a ser discutido quando se trata de identificar a

missão do escritor, é o de compromisso ou engajamento. Em que consiste ser um escritor

comprometido? Certamente essa expressão corre o risco de ser genérica demais, pois, afinal de

contas, todos estamos situados e, portanto, comprometidos. O que Paz desejava evitar era que se

entendesse, sob essa expressão, a idéia de escritor militante, que abre mão do senso crítico para se

2 Cf. WITTFOGEL, Karl. Le Despotisme Oriental. (Tradução de M. Puteau). Paris: Minuit, 1977. 3 Cf. NAIPAUL, V. S. Entre os fiéis – Irã, Paquistão, Malásia, Indonésia, 1981. (Tradução de C. Knipel Moreira).

2a. Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. A propósito da relação entre colonizador e colonizado no mundo muçulmano, este autor a caracteriza da seguinte forma: “Substituir isso tudo. O Islã significava a raiva – raiva na fé, raiva política: uma podia ser como a outra” (p. 484).

4 Cf. WITTFOGEL, ob. Cit. NAIPAUL, V. S. The Loss of El Dorado. London: Picador, 2001.

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entregar nas mãos de uma seita, religião ou partido. A respeito, escreve:

Acho que o termo compromisso, de origem sartriana, é equívoco. Não sabemos muito bem o que quer dizer um

compromisso. Se entendermos por compromisso a relação de um escritor com a sua realidade, e com a

sociedade em que vive, todos somos escritores comprometidos. O que me parece inaceitável é que um escritor

ou um intelectual se submeta a um partido ou a uma igreja. No século XX temos visto muitos e grandes

escritores cederem diante das exigências dos partidos e das igrejas. Penso em Claudel e nas suas odes a Franco

e Pétain; penso nos hinos de Aragon e Neruda a Stalin. O nosso século, dizia Benjamin Peret, foi o “da desonra

dos poetas”. Também foi o da sua honra: a sátira de Mandelstam contra Stalin, que lhe custou a vida, ou o

sacrifício de Lorca...5

Dois itens serão desenvolvidos nesta primeira parte: em primeiro lugar, um breve escorço

biográfico acerca do nosso autor; em segundo lutar, a caracterização de como ele entende a função

do escritor na sociedade.

1. Breve escorço biográfico de Octavio Paz.

O nosso pensador nasceu na cidade do México, em 1914 e ali faleceu em 1998. Duas figuras

familiares exerceram forte influência: o seu avô paterno, Irineo Paz, escritor e intelectual, que

participou ativamente da revolução positivista ensejada pelo general Porfírio Díaz (1830-1915), na

segunda metade do século XIX. De outro lado, seu pai, Octavio Irineo Paz, que foi militante da

revolução liberal com que Emiliano Zapata (1879-1919) tentou transformar as velhas estruturas

mexicanas, nas primeiras décadas do século XX. O nosso jovem experimentou de perto, portanto,

os dois grandes movimentos revolucionários que os mexicanos sofreram no final do século XX e no

início do século seguinte: o positivista e o liberal.

Morto o líder revolucionário Emiliano Zapata, 6 a família de Octavio Irineo Paz7 teve de se

exilar nos Estados Unidos, onde o nosso autor fez o aprendizado das primeiras letras. Já estava

presente, na vida do escritor, a vocação marginal do intelectual latino-americano, fadado a não se

inscrever incondicionalmente nas fileiras de nenhum revolucionário, a fim de manter viva a sua

capacidade crítica. De outro lado, restava uma lição para o jovem Octavio: uma revolução no

comando do país não resolve nada, se não ancorar numa mudança de crenças e valores. Vocação de

escritor claramente definida, já com 17 anos o nosso autor fundou a sua primeira revista literária.

5 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, Barcelona: Seix Barrral, 1983, p. 34. 6 Cf. MANCISIDOR, José. Historia de la Revolución Mexicana. 28ª. Edição. México: Costa-Amic, 1976. 7 Octavio Irineo Paz era casado com a andaluza Josefina Lozano, de quem o filho Octavio, muito provavelmente,

herdou essa sensual apreensão da realidade que caracterizava ao estilo literário do Prêmio Nobel mexicano.

4

Tendo realizado os seus estudos superiores na Faculdade de Direito da Universidade Nacional

Autônoma de México, o nosso escritor, no entanto, não exerceu a advocacia, tendo preferido a

docência endereçada aos jovens pobres.

Poeta de grande criatividade, Octavio Paz efetivou uma significativa renovação da poesia

mexicana, ainda atrelada aos velhos parâmetros parnasianos. Entre 1943 e 1945, cursou estudos

literários na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, tendo imediatamente ingressado no

serviço diplomático do seu país, nele permanecendo até 1968, quando, após a violenta repressão do

governo do México contra os estudantes, o nosso autor demitiu-se sumariamente do corpo

diplomático. Entre 1946 e 1952, com motivo de sua permanência em Paris, como diplomata, o

nosso autor conheceu André Breton (1896-1966), tendo recebido forte influência dele, que se

manifestou basicamente na mudança de parâmetros do estilo literário do jovem escritor, adotando a

concepção surrealista da poesia como extensão da vida.

O nosso autor exerceu as funções diplomáticas como representante do seu país nos Estados

Unidos, França, Suíça, Índia e Japão, no período compreendido entre 1943 e 1968. Ativista político

– como não podia deixar de ser o filho e neto de intelectuais engajados - e simpatizante comunista,

Octavio Paz participou, em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola, do Congresso de Escritores

Antifascistas realizado em Valencia. No entanto, a sua simpatia pelo comunismo logo recebeu um

duro golpe, quando da assinatura do pacto entre Hitler e Stalin, em 1939, que facilitou, junto com a

excessiva transigência dos líderes franceses e ingleses, a aventura bélica alemã, que deu inicio à

Segunda Guerra Mundial. Nesse ano, o nosso escritor rompeu definitivamente com o comunismo,

fato que não lhe seria perdoado pelos intelectuais marxistas.

O nosso autor casou, em primeiras núpcias, em 1937, com a dramaturga mexicana Elena

Garro, com quem teve uma filha, Helena, hoje conhecida escritora. O seu segundo casamento foi

com a francesa Marie José Paz, que passou a cuidar da Fundação Octavio Paz, após o falecimento

dele. Escritor prolífico, o nosso autor fundou e colaborou efetivamente em várias revistas

mexicanas que exerceram grande influência no mundo hispano-americano, tais como: Plural,

Vuelta, Taller e El Hijo Pródigo. A sua obra ensaística, muito fecunda e profundamente

influenciada por Ortega y Gasset (1883-1955), foi inicialmente publicada nessas Revistas.

Octavio Paz foi o que se pode chamar de um “humanista”. A sua obra ensaística é realmente

oceânica, dada a quantidade de temas abordados e a profundidade com que consegue desenvolver o

seu pensamento. Mencionemos, a título meramente ilustrativo, os principais ensaios político-

5

literários: El laberinto de la soledad (1950), El arco y la lira (1956), Las peras del olmo (1957), Los

signos en rotación (1965), Puertas del campo (1966), Corriente alterna (1967), Claude Levy-Strauss

o el nuevo festín de Esopo (1967), Marcel Duchamp o el castillo de la pureza (1968), Conjunciones

y disyunciones (1969), Mexico: la última década (1969), Postdata (1969), El mono gramático

(1971), Las cosas en su sitio: sobre la literatura española en el siglo XX (1971, com a colaboração

de Juan Marechal), Los signos de rotación y otros ensayos (1971), Traducción, literatura y

literalidad (1971), Solo a dos voces (1973, em colaboração com Julián Ríos), El signo y el garabato

(1973), Los hijos del limo (1974), Teatro de signos (1974), La búsqueda del comienzo (1974),

Javier Villaurrutia en persona y en obra (1978), El ogro filantrópico: historia y política (1979), In-

Mediaciones (1979), Sor Juana Inés de la Cruz o las trampas de la fe (1982), Tiempo nublado

(1983), Sombras y obras (1983), Hombres en su siglo (1984), Pasión crítica (1985), México en la

obra de Octavio Paz (1987, com a colaboração de Luis-Mario Schneider, como editor), Poesía,

mito, revolución (1989, Prêmio Alexis de Tocqueville), Pequeña crónica de grandes días (1990), La

otra voz (1990), Convergencias (1991), Al paso (1992), La llama doble (1992), Itinerario (1994) e

Vislumbres de la India (1995). As Obras Completas de Octavio Paz estão sendo publicadas pela

Editora Fondo de Cultura Económica do México, sendo que até o presente já foram postos em

circulação os primeiros 12 volumes (de um total de 14), entre 1994 e 1999.8

No ano de 1990 o nosso autor foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, “pela sua

obra apaixonada e com amplos horizontes, caracterizada por uma inteligência sensual dotada de

integridade humanística”, como rezava o lacônico comunicado da Comissão da Academia de

Ciências da Suécia.

Octavio Paz recebeu a influência de Sigmund Freud (1856-1939), cujo pensamento projetou

numa análise sociológica que buscava a “cura das civilizações” pela via da identificação dos

caminhos históricos seguidos pelos povos. Também recebeu a influência do pensamento de Karl

Marx (1818-1883), que polarizou na identificação das contradições latentes nas sociedades

capitalistas. Foi influenciado, outrossim, por estudiosos das culturas como Roger Caillois (1913-

1978), Georges Bataille (1897-1962) e Marcel Mauss (1872-1950). Conheceu os filósofos alemães

através da leitura das obras de Ortega y Gasset. Recebeu a influência de historiadores como

Wilhelm Dilthey (1833-1911) e Georg Simmel (1858-1918). A respeito de todas essas heranças

culturais, escreveu o ensaísta mexicano:

8 Cf. SOLANO, Patrício Eufraccio. “Octavio Paz, el hombre y su obra”, in: www.ensayistas.org/mexico/paz/introd.htm

6

O estudo de Freud sobre o monoteísmo judaico impressionou-me muito. Falei antes em moral; agora devo

adicionar outra palavra: terapêutica. A crítica moral é auto-revelação daquilo que escondemos e, como

ensinava Freud, cura... relativa. Nesse sentido, o meu livro [El laberinto de la soledad] quis ser um ensaio de

crítica moral: descrição de uma realidade oculta e que faz mal. A palavra crítica, na época atual, é inseparável

do marxismo e eu sofri a influência do marxismo. Por esses anos li os estudos de Caillois e, um pouco mais

tarde, os de Bataille e do mestre de ambos, Mauss, sobre a festa, o sacrifício, a doação, o tempo sagrado e o

tempo profano. Encontrei imediatamente certas analogias entre aquelas descrições e as minhas experiências

cotidianas como mexicano. Também ensinaram-me muito os filósofos alemães que uns poucos anos antes tinha

dado a conhecer na nossa língua Ortega y Gasset: a fenomenologia, a filosofia da cultura, e a obra de

historiadores e ensaístas como Dilthey e Simmel.9

2) A missão do escritor no mundo atual.

O trabalho do escritor era pensado por Octavio Paz na trilha da conquista da liberdade, que

constitui, fundamentalmente, uma escolha que brota do fundo do espírito humano e que se torna

realidade concreta no exercício da própria identidade, na prática da memória histórica. Lembrando

Karl Jaspers (1883-1969), poderíamos afirmar: “se saíssemos da História, tombaríamos no nada”.10

Não ter consciência da própria história é não existir. Mas, para encontrar o caminho da própria

história, a condição sine qua non é a opção pela liberdade. Verdadeira profissão de fé liberal, que

tornou a Octavio Paz um escritor definitivamente incômodo para os dogmáticos de todos os

matizes, notadamente para os marxistas. Eis as belas palavras dessa profissão de fé:

A liberdade não é um conceito nem uma crença. A liberdade não se define: se exerce. É uma aposta. A prova

da liberdade não é filosófica mas existencial: há liberdade toda vez que encontramos um homem livre, toda vez

que o homem atreve-se a dizer não ao poder. Não nascemos livres: a liberdade é uma conquista e, ainda mais:

uma invenção. Lembrarei duas linhas de Ifigênia cruel, o poema dramático do esquecido e negado Alonzo

Reyes (1889-1959). Arrebatada por Artemisa e transportada a Tauride, onde oficia ritos sangrentos como

sacerdotisa da deusa, Ifigênia perde a memória e torna-se um ser sem história. Um dia, ao se encontrar com o

seu irmão Orestes, lembra; ao lembrar, recupera a sua história, o seu destino. Mas, justamente, nesse momento

rebela-se e nega-se a seguir o seu irmão, que lhe impõe a vontade do sangue. Ifigênia escolhe-se a si mesma,

inventa a sua liberdade, e diz: leva nas tuas mãos, colhidas pelo teu gênio / estas duas conchas ocas de

9 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. Cit., p. 20. 10 JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. (Tradução de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da

Mota). 17a. Edição. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 34.

O Prêmio Nobel mexicano Octavio Paz, caracterizado pela estudiosa espanhola Fanny Rubio como “o grande intelectual, sem igual no seu momento, em língua espanhola”.

7

palavras: não quero.11

O exercício da liberdade traduz-se, no terreno da cultura, na posição crítica do escritor em

face dos sistemas políticos. O nosso pensador não abria mão de ter uma posição de grande

independência em face dos atores da política internacional. Embora reconhecesse as qualidades do

sistema americano, no entanto, não deixava de assinalar a perda de valores ensejada, nessa

sociedade, pela monetarização da vida humana. Os princípios da vida e da morte estão presentes em

todas as sociedades e, nos momentos de crise, essa tensão manifesta-se numa circunstância de

contradição. Eis as suas palavras a respeito:

Todas as sociedades levam, nas suas entranhas, um princípio de vida que é, também, um princípio de morte.

Esse princípio é, necessariamente, dual e, nos momentos de crise, assume a forma de uma contradição. Trata-se

de questões de vida ou morte como foram para as polis gregas as guerras e as rivalidades entre as cidades, ou

como foi, para os imperadores romanos dos séculos III e IV, encontrar uma política em face do cristianismo e

as seitas gnósticas. A contradição dos Estados Unidos – que lhes deu a vida e pode lhes causar a morte –

resume-se num par de frases: ao mesmo tempo são uma democracia plutocrática e uma república imperial. A

primeira contradição afeta às duas noções que foram o eixo do pensamento político dos pais fundadores. A

plutocracia provoca e agrava a desigualdade; por sua vez, a desigualdade converte em quimeras as liberdades

políticas e os direitos individuais. Nesse ponto, a crítica de Marx acertou no alvo. Certamente, a plutocracia

americana, diferentemente da romana, é criadora de abundância e, assim, pode diminuir e aliviar as injustas

diferenças entre os indivíduos e as classes. Mas fez isso transladando as desigualdades mais escandalosas do

âmbito nacional ao internacional: os países subdesenvolvidos. Alguns pensam que essa desigualdade

internacional também poderia, se bem não ser eliminada totalmente, pelo menos ser reduzida ao mínimo. A

história recente desmente essa hipótese. Mas, inclusive se se revelasse certa, esquece-se algo essencial: o

dinheiro não só oprime como também corrompe. E corrompe igualmente a pobres e a ricos. Sobre isso, os

moralistas da Antigüidade, especialmente os estóicos e os epicuristas, sabiam mais do que nós. A democracia

norte-americana foi corrompida pelo dinheiro. A segunda contradição, estreitamente vinculada à primeira,

desenvolve-se entre o que são interiormente os Estados Unidos, e o que são na sua ação externa: um império.

Liberdade e opressão são as caras opostas e complementares do seu ser nacional (...). As necessidades do

império criam uma burocracia especializada na espionagem e outros métodos da luta internacional; por sua

vez, essa burocracia ameaça a democracia nacional.12

A critica que Octavio Paz dirigia à política internacional praticada pelos Estados Unidos era

endereçada, também, às demais potências. O escritor mexicano achava que a Humanidade vivia,

nesse final de século XX, uma etapa sombria, justamente porque se perdeu de vista a perspectiva do

homem, num contexto de cinismo e falsidade. Eis a forma, igualmente crítica, em que o Nobel

mexicano enquadrava as demais potências, dando destaque aos governos autoritários latino-

11 PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p.13-14. 12 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit., p. 67-68.

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americanos e chegando à conclusão da inviabilidade da democracia socialista:

A quartelada do exército chileno e a morte violenta de Salvador Allende foram acontecimentos que, mais uma

vez, tenderam sombras sobre as nossas terras. Ontem, apenas, Brasil, Bolívia, Uruguai; agora, Chile. O ar do

continente torna-se irrespirável. Sombras sobre sombras, sangue sobre sangue, cadáveres sobre cadáveres: a

América Latina converte-se num enorme e bárbaro monumento feito das ruínas das idéias e dos ossos das

vítimas. Espetáculo grotesco e feroz: no cume do monumento, um tribunal de pigmeus uniformizados e

condecorados gesticula, delibera, legisla, excomunga e fuzila os incrédulos. Enquanto Nixon lava as mãos

sujas de Watergate na bacia ensangüentada que lhe oferece Kissinger, enquanto Brejnev inaugura novos

hospitais psiquiátricos para dissidentes incuráveis, enquanto Chou-en-Lai faz agrados a Pompidou em Pequim

e alerta aos europeus ocidentais sobre o perigo russo, os generaizinhos latino-americanos fazem mais uma das

suas trapaças. A paz que constroem as super-potências edifica-se sobre a humilhação dos povos, o sacrifício

dos dissidentes e os restos das democracias destruídas: Grécia, Tchecoslováquia, Uruguai, Chile. Em Praga os

tanques russos e, em Santiago, os generais treinados e armados pelo Pentágono, uns em nome do marxismo e

outros à sombra do anti-marxismo, conseguiram completar a mesma demonstração: a democracia e o

socialismo são incompatíveis.13

O escritor mexicano centralizou a sua crítica à desumanização da política do século XX ao

redor do Estado, dando ênfase ao que aconteceu no seu país de origem. Essa concepção aparecerá

no segundo item que desenvolverei, em relação à apreciação feita por Paz acerca do

patrimonialismo mexicano. De momento, valha destacar um aspecto que será definitivo na análise

crítica do nosso autor. No México – como nos restantes países da América Latina também – a

crítica às instituições desumanas foi precedida pelo alerta dos poetas e dos artistas em geral,

tornando realidade o que Martin Heidegger (1889-1976) afirmava acerca da fundação da linguagem

na poiesis.14

A respeito desse fenômeno, o escritor mexicano frisava:

Certamente, gostaria de dizer, aqui, algo que se esquece com freqüência: a crítica da sociedade contemporânea

– uma crítica que abarca tanto as suas formas de vida, quanto as suas crenças, as suas paixões tanto quanto a

sua linguagem – foi primordialmente obra dos poetas, escritores e artistas mexicanos, mais do que dos teóricos

da política revolucionária e dos ideólogos marxistas. Inclusive, pode-se dizer que contrasta a debilidade teórica

dos ideólogos radicais (sem excluir muitos dirigentes estudantis) com o brilho, a paixão e a verdade de

algumas das obras da literatura, bem como de algumas manifestações da arte contemporânea do México.

Naturalmente, a crítica dos escritores e dos artistas não é ideológica: é uma crítica que penetra em estratos da

consciência mais profundos que a simples ideologia.15

Condição necessária para o escritor preservar a liberdade de espírito em face das estruturas

13 PAZ, Octavio. “Eros Job”, in: El ogro filantrópico, ob cit., p. 271. 14 Cf. HEIDEGGER, Martin. “Sobre o Humanismo – Carta a Jean Beauffret”. In: Conferências e Escritos

Filosóficos. (Tradução e notas de Ernildo Stein). 1a. Edição. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 348. 15 PAZ, Octavio. “Hechos y dichos”, in: El ogro filantrópico, ob cit., p. 104.

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políticas era, no sentir de Octavio Paz, a atitude que ele denominava de marginalidade, no sentido

da capacidade de o homem de letras se colocar à parte da busca do poder e dos holofotes. Tratar-se-

ia, em outras palavras, do restabelecimento daquilo que Max Weber (1864-1920) denominava de

“ética dos intelectuais”,16 contraposta à dos políticos, que buscam unicamente os resultados da ação,

enquanto que os primeiros deveriam se pautar pela fidelidade aos princípios. Exemplo dessa ética

intelectual foi dado, no sentir de Paz, pelo grande pensador e publicista mexicano Daniel Cosío

Villegas (1898-1976) a quem Octavio Paz rende calorosa homenagem nos seus escritos. A respeito

desse ideal dos intelectuais, escrevia:

Os comentários jornalísticos possuem um duplo valor, além de serem documentos de uma época que, em

ocasiões, como em 1968, foi dramática: a claridade e a coragem. Claridade no sentido físico, intelectual e

moral: capacidade para distinguir entre o justo e o injusto, o útil e o prejudicial, o bom e o ruim. Coragem: os

seus outros nomes são integridade de caráter, correspondência entre as idéias e os atos. Por fatalidade de

temperamento e por vocação moral, Cosío Villegas escolheu a solidão – não o isolamento. A sua foi solidão no

centro da vida pública. Muito cedo percebeu que o destino dos escritores, tanto no México quanto no resto do

mundo, é a marginalidade e ele aceitou com decisão ser um homem marginal. Por isso, pelo fato de não ter

temido ficar sozinho, é agora uma figura central. Em Plural [revista mexicana de história e crítica das idéias]

apareceram os seus últimos artigos. Nós procuraremos permanecer fiéis à sua memória sendo fiéis ao seu

exemplo: defenderemos sempre a liberdade e a independência dos escritores. A lucidez e a ironia – as duas

qualidades de sua prosa e, também, de sua atitude vital – não o abandoaram nunca. Foi leal aos demais porque

foi leal consigo mesmo. Entre os seus mestres e colegas de geração não todos tiveram a sua integridade e a sua

rectidão. Algum deles, no final da vida, abraçou o obscurantismo religioso e, em política, a violência fascista;

outros contagiaram-se com a lepra stalinista, doença incurável; outros praticaram a arte do sorriso agradável e

do compromisso com o poder arbitrário; os restantes, trancaram-se nos seus gabinetes de estúdio e nos seus

laboratórios... Cosío Villegas atravessou sorrindo o fúnebre baile de fantasias que é a nossa vida pública e saiu

limpo, indemne. Cosío Villegas foi um liberal de 1867 que teria lido Marx e Keynes, Freud e Bertrand Russell.

Foi inteligente e íntegro, irônico e incorruptível. Como a maior parte dos intelectuais do nosso século, perdeu

as ilusões; como muito poucos dentre eles, guardou sempre fidelidade às suas convicções.17

A marginalidade não é apenas o esforço do escritor para se manter livre da concupiscência

pelo poder e pelos holofotes. Essa é uma das suas condições fundantes. Mas existe outra: o

exercício crítico da razão. Este é, justamente, o aspecto que faltou na Espanha e em Ibero-América,

ao passo que se encontra em outros países como a França e a Inglaterra, que souberam submeter os

princípios que alimentaram o convívio social ao crivo purificador da crítica. O escritor como

franco-atirador: à luz dessa imagem, Octavio Paz simbolizava a função desestabilizadora do

pensador e do escritor. A respeito, escrevia o nosso autor:

16 Cf. WEBER, Max. Ciência e política – Duas vocações. (Tradução de Leoidas Hegenberg e Octanny Silveira da

Mota). 3a. Edição. São Paulo: Cultrix, 1981. 17 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit., p. 83-84.

10

A crítica é, para mim, uma forma livre do compromisso. O escritor deve ser um franco-atirador, deve suportar

a solidão, se sentir um marginal. Que os escritores sejamos marginais é uma condena que é uma bênção. Ser

marginais pode conferir validez à nossa escrita. E devo dizer algo mais sobre a crítica: para mim, a crítica é

criadora. A grande diferença entre França e Inglaterra, de um lado, e Espanha e Ibero-América, de outro, é que

nós não tivemos século XVIII. Não tivemos nenhum Kant, Voltaire, Diderot, Hume.18

Marginais têm sido, na sociedade moderna, notadamente os poetas, os amantes e os artistas.

Somos marginais quando nos erguemos por sobre o cálculo egoísta, a fim de descobrirmos o

homem. Octavio Paz professava uma espécie de quixotismo kantiano, que o levava a valorizar o

herói que faz da prática da liberdade o grande imperativo que movimenta a sua vida, deixando para

trás o cálculo e a preocupação com o dinheiro. A respeito, escrevia:

Creio que há uma oposição fundamental entre o que eu denomino de a realidade e a outra realidade. Há uma

frase de Marx (está no Manifesto Comunista) que Luis Buñuel pensou em utilizar como subtítulo do seu filme

La Edad de Oro. (...) O tema desse filme é a sorte do amor no mundo moderno. A frase de Marx é, em

espanhol, um alexandrino perfeito: En las aguas heladas del cálculo egoísta. Isso é a sociedade. Por isso o

amor e a poesia são marginais.19

O grande carrasco dos escritores livres no século XX foi, sem dúvida, o Estado, nas suas

versões autoritária e totalitária. Ele é o grande Leviatã, em cujo altar não poucos artistas e

intelectuais depuseram a sua criatividade, em aras do “politicamente correto”. Ora, essa atitude de

criminal complacência com o poder que tudo açambarca, tem-se dado tanto à direita quanto à

esquerda. Artistas e escritores vitimas do complexo de palco, somente se preocuparam por

demonstrar alguma coisa para os poderosos de plantão, enquanto que os verdadeiros criadores de

cultura simplesmente mostraram uma realidade que outros pretendiam ocultar. A literatura

denominada de comprometida infelizmente naufragou nas águas do dogmatismo clerical e

confessional. A respeito, Octavio Paz escrevia:

A literatura comprometida tem sido doutrinária, confessional e clerical. Não tem servido para liberar, mas

para difundir um novo conformismo que encheu o planeta de monumentos à revolução e de campos de trabalho

forçado. Movidos por um impulso generoso, muitos escritores e artistas têm pretendido ser os evangelistas da

paixão revolucionária e os cantores de sua Igreja militante (o Partido). Quase todos, cedo ou tarde, ao descobrir

que se tornaram propagandistas e apologistas de sinuosas práticas políticas, terminaram por abjurar. Contudo,

uns quantos, decididos a ir até o fim, acabaram sentados no palco da tribuna onde os tiranos e os algozes

contemplam os desfiles e procissões do ritual revolucionário. Devemos dize-lo uma e outra vez: o Estado

18 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit., p. 34-35. 19 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 37.

11

burocrático totalitário tem perseguido, castigado e assassinado os escritores, os poetas e os artistas com um

rigor e uma sanha que teria escandalizado aos próprios inquisidores. Entre as vítimas das tiranias do século

XX, tanto à direita quanto à esquerda, encontram-se muitos escritores e artistas mas, salvo conhecidas

exceções, a maioria não pertence ao campo dos comprometidos, mas ao domínio dos sem partido e sem

ideologia. A arte rebelde do século XX não foi a arte oficialmente revolucionária, mas a arte livre e marginal

daqueles que não quiseram demonstrar, mas mostrar.20

Octavio Paz alertava para o fato de, no Ocidente desenvolvido e na América Latina, via de

regra, os escritores terem sido vítimas do compromisso politicamente correto para com o leninismo,

decorrente, em boa medida, da agressiva política cultural soviética e cubana, que se especializou na

arte de guindar às alturas do jet-set internacional aqueles que se submetessem à propaganda

comunista e de ostracizar todos quantos se recusassem a render tributo ao pior dos estatismos, o

leninismo. Sem meias-palavras, o nosso autor fez corajosa denúncia desse fenômeno, sem se excluir

a si próprio do meio dos que, na juventude, tinham caído nesse erro. Eis as suas palavras a respeito:

Quase todos os escritores do Ocidente e da América Latina, num momento ou noutro das nossas vidas, às

vezes por generoso impulso embora ignorante, outras por debilidade em face da pressão do meio intelectual e

outras simplesmente por estar na moda, temos sofrido a sedução do leninismo. Quando penso em Aragon,

Eluard, Neruda e outros famosos poetas e escritores estalinistas, sinto o calafrio que me produz a leitura de

certas passagens do Inferno [da Divina Comédia de Dante Aliguieri]. Começaram de boa fé, sem dúvida.

Como fechar os olhos diante dos horrores do capitalismo e perante os desastres do imperialismo na Ásia, na

África e na nossa América? Experimentaram um impulso generoso de indignação diante do mal e de

solidariedade para com as vítimas. Mas, insensivelmente, de compromisso em compromisso, viram-se

envolvidos numa malha de mentiras, falsidades, enganos e perjuros até que perderam a alma (...). Direi mais,

que as nossas opiniões nessa matéria não foram simples erros ou falhas da nossa faculdade de julgar. Foram

um pecado, no antigo sentido religioso do termo: algo que afeta ao ser por inteiro (...). Esse pecado manchou-

nos (...). Digo isso com tristeza e com humildade.21

Nessa espécie de preguiça mental causada pela comodidade do politicamente correto, os

intelectuais latino-americanos de esquerda tardaram muito tempo em reconhecer o fracasso do

comunismo soviético, atribuindo a um “acidente histórico” a realidade do Gulag, sem que isso

comprometesse o edifício do socialismo marxista. Esses intelectuais passaram a integrar uma

confraria de adoradores fanáticos da ideologia totalitária. Em relação a esse aspecto, escrevia:

A data desta nota (1951) revela a lentidão com que os intelectuais de esquerda aceitaram, por fim, a existência

de um sistema de campos de trabalho forçado na União Soviética e nos países sob a sua dominação. Vinte e

cinco anos para admitir a realidade do Gulag e o que significa: a irrealidade do socialismo soviético! Mas faço

20 PAZ, Octavio.”Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob cit., p.8. 21 PAZ, Octavio. “Eros Job”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 260-261.

12

mal em dizer que foi aceita a significação do Gulag: ainda há muitos intelectuais latino-americanos para os

quais esse sistema de opressão não é um traço inerente e essencial do socialismo totalitário, mas apenas um

acidente, que não afeta à sua natureza profunda. Um acidente e um incidente que já duram mais de meio

século....A resistência a ver a realidade real da União Soviética – e a deduzir a conseqüência necessária: esse

regime é a negação do socialismo - é um sintoma a mais da degeneração do marxismo, na sua origem

pensamento critico e hoje superstição pseudo-religiosa. A contribuição de Marx (falo do filósofo, o historiador

e o economista, não do autor de profecias que a realidade converteu em cacos) foi imensa, mas a sua sorte foi

semelhante à de Aristóteles com a escolástica tardia: o rebanho dos sectários e dos fanáticos fez da sua obra –

viva, aberta e felizmente inconclusa - um sistema fechado e auto-suficiente, um pensamento morto e que

mata.22

Para identificar a categoria a que pertenciam os seus escritos, o nosso autor preferia se situar

na espécie dos que cultuavam o gênero da “literatura política”. Modalidade literária deveras ampla,

fruto do exercício da liberdade de pensamento e na qual Octavio Paz arrolava os seus ensaios.

Situava nesse gênero, de forma particular, a sua obra El ogro filantrópico. Eis as suas palavras a

respeito:

A literatura política é o contrário da literatura a serviço de uma causa. Brota quase sempre do livre exame das

realidades políticas de uma sociedade e de uma época: o poder e os seus mecanismos de dominação, as classes

e os interesses, os grupos e os chefes, as idéias e as crenças. Às vezes, a literatura política limita-se à crítica do

presente; outras, oferece-nos um projeto de futuro. Vai do panfleto ao tratado, do cahier de dóleances ao

manifesto, da apologia ao libelo, da República ao Français encore en effort si vous voulez être républicains, de

La Città del Sole a O 18 Brumário de Luís Napoleão Bonaparte. A literatura mexicana, desde Frei Servando

Teresa de Mier e Lorenzo de Zavala até Luís Cabrera e Daniel Cosío Villegas, tem sido particularmente rica

em textos de crítica política. A essa tradição mexicana pertence El ogro filantrópico. É composto por uma

seleção dos artigos e ensaios que escrevi durante os últimos anos, quase todos eles publicados em Plural

(1971-1976) e em Vuelta. O título provém de um ensaio sobre a peculiar fisionomia do Estado mexicano.23

O nosso escritor achava que escrevia literatura política. Situava este gênero literário no

contexto da historiografia: quando pretendemos conhecer a estrutura das nossas sociedades, frisava

Paz, remontamo-nos às nossas origens, ou seja, fazemos história. Não existe, a bem da verdade,

para o escritor mexicano, a sociologia, como ciência autônoma. Ela é uma variante da história.

Assim como no século XIX os pensadores sociais – como era o caso de Marx – relacionavam a

sociologia com a ciência de moda nesses tempos, a biologia, no século XX Octavio Paz buscava

des-positivizar a sociologia tornando-a uma variante da história. O escritor fazia suas as seguintes

palavras do historiador francês Paul Veyne (nasc. 1930): “A fórmula de Newton explica o

movimento dos planetas, a patologia microbiana explica a raiva e o aumento de impostos explica a

impopularidade de Luis XVI”. As categorias sociológicas, pensava Paz, emergiam dos processos 22 PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 13. 23 PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 8-9.

13

históricos atentamente estudados pelos cientistas sociais. Ora, os sistemas sociológicos não seriam

mais do que conjuntos de tipologias justificadas pela história. Estaríamos, aqui, em face de uma

proposta bem semelhante à desenvolvida pelos doutrinários na França, notadamente por François

Guizot (1787-1874), que pretendia resgatar as características marcantes da sociedade francesa,

mediante o rigoroso estudo historiográfico das origens desse país no contexto europeu. A propósito,

escrevia Octavio Paz:

Se quisermos saber algo de física ou de biologia, acudimos a certos princípios e leis que formam um corpo de

doutrina mais ou menos invariante; se quisermos saber algo de sociologia, não temos mais remédio que estudar

os sucessivos sistemas sociológicos: Durkheim não exclui a Tocqueville nem Max Weber a Pareto. Como estes

dois grandes mestres, os jovens mexicanos dos anos 20 interessavam-se pelos problemas sociais e políticos do

México, e acreditavam que faziam estudos sociológicos, mas o que praticavam realmente era a história.24

Mais do que se definir como sociólogo, historiador ou cientista social, Octavio Paz preferia

caracterizar o seu trabalho como o afazer de quem escreve um testemunho humano. Seria a obra de

alguém que, consciente da sua radical insatisfação ontológica como pensante e ser livre, pretende

legar para a posteridade um registro pessoal do que significou a sua caminhada no seio da sociedade

convulsionada do século XX. Diríamos – contraditando, nisto, as palavras do próprio Paz - que se

trata de obra legítima de historiador, porquanto este é, fundamentalmente, quem se debruça sobre o

homem numa determinada época, para reconstruir o que foi o drama do destino humano, alicerçado

em testemunhos. Ele é um escritor que constitui prova documental do que é a condição humana.

Independentemente de fidelidade a ideologias ou religiões. A sua única fidelidade é para com o

homem que duvida e que luta para sobreviver. A propósito dessa dimensão profundamente

humanística da sua obra, escrevia Paz:

Não sou historiador. Minha paixão é a poesia, e minha ocupação, a literatura; nem uma nem outra me dão

autoridade para opinar sobre as convulsões e agitações da nossa época. Não sou indiferente, naturalmente, ao

que se passa – quem pode sê-lo? - e escrevi artigos e ensaios sobre a atualidade, embora sempre de um ponto

de vista que não sei se devo chamar de excêntrico ou simplesmente marginal. Em todo caso, nunca a partir das

certezas de uma ideologia com pretensões enciclopédicas, como o marxismo, ou a partir das verdades

imutáveis de religiões como a cristã e a islâmica. Tampouco a partir do centro, real ou suposto da história:

Nova Iorque, Moscou ou Pequim. Não sei se estes comentários contêm interpretações válidas ou hipóteses

razoáveis; sei que expressam reações e sentimentos de um escritor independente da América Latina diante do

mundo moderno. Se não é uma teoria, é um testemunho.25

O grande problema a ser enfrentado pelo escritor na América Latina e particularmente no

24 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 72. 25 PAZ, Octavio. Tempo nublado. (Tradução de Sônia Régis). Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986, p. 7-8.

14

México, era a questão da modernização. Octavio Paz destacava que as soluções mirabolantes,

alicerçadas na pseudociência, já causaram suficientes estragos nos países latino-americanos. Era

chegado o momento em que os escritores auscultassem a alma popular e, a partir das energias dela,

elaborassem um projeto humanístico e realista, uma autêntica utopia, não situada nos estreitos

limites da linha progressista do tempo linear, mas pensada no contexto do espaço atemporal da

tradição mítica. A propósito, escrevia:

A nossa pobreza é a nossa verdadeira e única riqueza: as pessoas. Essa população desempregada, passiva,

ignorante, que parece-nos uma pedra atada no pescoço, pode-se converter em braços que trabalham e

inteligências que pensam. Se o armazém de projetos históricos que foi o Ocidente ficou vazio, por que não nos

dedicarmos a pensar por conta própria, por que não inventarmos soluções? Alguns, pouco valorizados,

começaram a faze-lo. Por exemplo, Gabriel Zaid nessa série de artigos que publicou em Plural sob o título de

Cinta de Moebio. Outros, também, temos pedido para que sejam desenhados novos modelos de

desenvolvimento. Por que não discutir esses problemas num âmbito nacional? No fundo, o grande debate da

história moderna do México, desde o século XVIII, é o da modernização. Dos jesuítas de Nova Espanha aos

liberais de Juárez, dos positivistas porfirianos aos revolucionários do século XX, sem excluir os marxistas e os

capitalistas, todos, com diferentes métodos, propuseram uma mesma idéia: a modernização. O progresso foi e

é, para todos eles, sinônimo de modernização. Bem poucos intelectuais fizeram a crítica da modernização. A

crítica foi feita pelo tradicionalismo do povo mexicano, por alguns poetas (...) e, às vezes, como na época de

Zapata, pelo povo pobre em armas. A sua utopia não vinha dos livros. Não era uma utopia progressista mas

atemporal, com raízes na tradição oral e não na livresca. Não sugiro voltar a Zapata, nem à aldeia auto-

suficiente, nem ao Neolítico. Penso que nesse sonho dos nossos camponeses há uma semente de verdade: por

que não colocar entre parêntese os projetos ruinosos que nos conduziram à desolação que é o mundo moderno

e desenhar um outro projeto, mais humilde, porém mais humano e mais justo?26

Não se trataria, certamente, de os mexicanos – e os latino-americanos, em geral – reviverem

tout-court as tradições míticas dos seus ancestrais ameríndios. Tratar-se-ia, sim de, a partir desse

chão de valores e representações, a razão elaborar uma proposta referida às particulares condições

históricas dos homens desta parte do mundo, de forma a responder aos seus anseios de

modernização, mas sem ficarem atrelados ao passado. Incorporar as perspectivas incertas do futuro.

Incorporar, também, a experiência dos outros povos, mediante o uso da razão crítica. Incorporar as

riquezas da reflexão filosófica ocidental. Mas não parar aí. Com essa bagagem, ter a audácia de

pensar, como diria Immanuel Kant (1724-1804): “sapere aude!”.27

Esse seria o repto. E, para

responder a ele, seria necessário reconstruir o passado à luz da crítica racional, a fim de elaborar

propostas viáveis, não simplesmente cópias do que se pensou alhures. Tarefa semelhante à

26 PAZ, Octavio. “La letra y el cetro”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 338. 27 KANT, Immanuel. “Respuesta a la pregunta: Qué es la Ilustración?”, in: ERHARD, KANT et alii. Qué es Ilustración? (Estudo introdutório de Agapito Mestre; tradução de Agapito Mestre e José Romagosa). 3a. Edição. Madri: Tecnos, 1993, p. 17.

15

enfrentada, segundo o meu ponto de vista, no seu tempo, pelos filósofos doutrinários na França, sob

o firme comando de François Guizot. Pena que o nosso pensador não conhecesse a contento a obra

dos Doutrinários. Muitas coisas encontraria, nela, que sintonizariam com os seus anseios. Paz

apelava para não copiar mais soluções já feitas por outros povos. Essa atitude copista é a que ele

denominava de “moral patrimonialista cortesã”. Eis as suas palavras a respeito:

A presença da moral patrimonialista cortesã no interior do Estado mexicano é um outro exemplo da nossa

incompleta modernidade. Tanto nos estratos mais baixos – a sociedade camponesa e as suas crenças religiosas

e morais – quanto na classe média e na alta burocracia, tropeçamos com a mistura desconcertante de traços

modernos e arcaicos. A modernização do México, iniciada em fins do século XVIII pelos vice-reis de Carlos

III, continua sendo um projeto realizado pela metade e que unicamente afeta a superfície das consciências. A

maior parte das nossas atitudes profundas em face do amor, a morte, a amizade, a cozinha, a festa, não são

modernas. Também não o são a nossa moralidade pública, a nossa vida familiar, o culto à Virgem, a nossa

imagem do Presidente...Por que? (...) Desde a grande ruptura hispânica – a crise do final do século XVIII e a

sua conseqüência: a Independência – os mexicanos temos adotado vários projetos de modernização. Todos

eles não só revelaram-se imprestáveis, mas desfiguraram-nos. Máscaras de Robespierre e Bonaparte, Jefferson

e Lincoln, Comte e Marx, Lenine e Mao: se a história é teatro, a do nosso país tem sido uma mascarada

interrompida uma e outra vez pela explosão do motim e da revolta. Não estou a pregar o regresso a um

passado imaginário como todos os passados, nem pretendo voltar ao fechamento de uma tradição que nos

afogava. Acredito que, como os outros países da América Latina, o México deve encontrar a sua própria

modernidade. Em certo sentido deve inventa-la. Mas inventa-la a partir das formas de viver e morrer, produzir

e gastar, trabalhar e desfrutar que o nosso povo criou. É uma tarefa que exige, além de circunstâncias

históricas e sociais favoráveis, um extraordinário realismo e uma imaginação não menos extraordinária. Não

preciso lembrar que o renascimento da imaginação, tanto no domínio da arte quanto no da política, sempre foi

preparado e precedido pela análise e pela crítica. Acredito que à nossa geração e à que vem a seguir tocou-lhes

esta tarefa. Mas antes de empreender a crítica das nossas sociedades, de sua história e do seu presente, os

escritores hispano-americanos devemos começar pela crítica de nós mesmos. O primeiro passo é curarmo-nos

da intoxicação das ideologias simplistas e simplificadoras.28

II - O ESTADO PATRIMONIAL MEXICANO COMO “OGRO FILANTRÓPICO”.

Desenvolverei os seguintes itens nesta segunda parte: 1)Ambigüidade da sociedade

mexicana em face da modernidade. 2) Patriarcalismo e caudilhismo. 3) Patrimonialismo estamental.

4) Estatismo e hipertrofia do Executivo. 5) Saindo do Patrimonialismo no México: o caminho da

reforma política.

28 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit., p. 99.

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1 - Ambigüidade perante a modernidade.

O escritor mexicano considerava que a essência do patrimonialismo do seu país decorria da

ambigüidade em face da modernização. Pelo fato de ter se expandido à sombra do Império

Espanhol (e, a fortiori, sob a proteção do catolicismo de cruzada peninsular), os mexicanos nunca

acordaram para a prática sistemática da razão. A Ilustração ficou a meio caminho. Não houve a

formulação de uma ética laica, como aquela que passou em determinado momento a inspirar às

nações evangelizadas pelo protestantismo. O princípio do livre exame foi afogado pela ortodoxia da

segunda escolástica e pela contra-reforma. Ambigüidade: essa é a característica fundamental da

cultura mexicana, em face do ideal da modernização. Esta é desejada. Mas, em decorrência do peso

da tradição contra-reformista, jamais é focalizada com tudo quanto essa opção exige, a começar

pela livre crítica da razão, da qual emergiriam o individualismo e a Ilustração. Assim, quando

pensam a modernização do seu país, os mexicanos oscilam entre o fascínio perante o progresso da

República Americana e a rejeição da modernidade, que eles carregam no seu DNA ameríndio e

peninsular. Dolorosa divisão. A respeito dessa complicada realidade, escrevia o Nobel mexicano:

A expulsão dos Jesuítas precipitou a crise intelectual dos crioulos: não só ficaram sem mestres, como também

sem um sistema filosófico que justificasse a sua existência. Muitos deles voltaram então os olhos em direção a

uma outra tradição, inimiga da tradição que tinha fundado a Nova Espanha. Nesse momento, tornou-se visível

e palpável a radical diferença entre as duas Américas. Uma, a de língua inglesa, é filha da tradição que fundou

o mundo moderno: a Reforma, com as suas conseqüências sociais e políticas, a democracia e o capitalismo;

outra, a nossa, a de fala portuguesa e castelhana, é filha da monarquia universal católica e da Contra-reforma.

Os crioulos mexicanos não podiam embasar o seu projeto na sua tradição política e religiosa: adotaram,

embora sem adapta-las, as idéias da outra tradição (...). Os Estados Unidos aparecem na nossa história durante

esse segundo momento. Aparecem não como um poder estranho que deve ser combatido, mas como um

modelo que deve ser imitado. Foi o princípio de uma fascinação que, se bem mudou de forma ao longo dos

últimos cento e cinqüenta anos, não decresceu, contudo, em intensidade. A história dessa fascinação confunde-

se com a dos grupos de intelectuais que, desde a Independência, elaboraram todos esses programas de reforma

social e política, com os que intentaram transformar o país numa nação moderna. Por cima de suas diferenças,

há uma idéia comum que inspira aos liberais, aos positivistas e aos socialistas: o projeto de modernizar o

México. A partir dos primeiros anos do século XIX, esse projeto define-se perante – a favor ou contra – os

Estados Unidos. A paixão dos nossos intelectuais pela civilização norte-americana vai do amor ao rancor e da

adoração ao horror. Formas contraditórias mais coincidentes da ignorância: num extremo, o liberal Lorenzo de

Zavala, que não vacilou em tomar o partido dos texanos na sua guerra contra o México; no outro, os marxista-

leninistas contemporâneos e os seus aliados, os teólogos da libertação, que fizeram da dialética materialista

uma encarnação do Espírito Santo, e do imperialismo norte-americano a prefiguração do Anti-Cristo.29

29 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 55-56.

17

A ambigüidade com que a imaginação mexicana representa o relacionamento com os

Estados Unidos, no sentir de Paz, estruturou-se ao redor de uma versão do mito do gigante bobão

mas poderoso, que pode nos esmagar e cujo castelo misterioso nos enche de sonhos. Disneyworld é

o pano-de-fundo dos nossos sonhos (os dos mexicanos e, em geral, os de todos nós, latino-

americanos). Perigo e atração, ódio e amor, identidade e estranheza, ambigüidade representada no

terreno das idéias com a crítica ferrenha contra tudo que é americano, mas que se encontra também

espelhada nos nossos planos de modernização que, invariavelmente, olham para o gigante do norte.

No terreno mais subtil da imaginação e do subconsciente, é a dialética entre o Mundo dos Sonhos e

a Casa do Gigante. A respeito deste ponto, o Nobel mexicano escrevia:

Antes de serem uma realidade, os Estados Unidos foram para mim uma imagem. Não é estranho: desde

crianças os mexicanos vemos esse país como o outro. Um outro que é inseparável de nós e que, ao mesmo

tempo, é radical e essencialmente estranho. No norte do México a expressão o outro lado designa aos Estados

Unidos. O outro lado é geográfico: a fronteira; cultural: uma outra civilização; lingüístico: uma outra língua;

histórico: um outro tempo (os Estados Unidos correm perseguindo o futuro, enquanto que nós ainda estamos

amarrados ao nosso passado); metafórico: eles são a imagem de tudo quanto não somos. São a estranheza

mesma. Só que estamos condenados a viver com essa estranheza: o outro lado é o lado vizinho. Os Estados

Unidos estão sempre presentes entre nós, inclusive quando nos ignoram ou nos dão as costas: a sua sombra

cobre todo o continente. É a sombra de um gigante. A idéia que temos desse gigante é a mesma que aparece

nos contos e nas lendas. Um grandalhão generoso e um pouco simples, um ingênuo que ignora a sua força e ao

qual é possível enganar, mas cuja cólera pode nos destruir. À imagem do gigante bom e bobalhão justapõe-se a

do ciclope astuto e sanguinolento (...).30

O escritor mexicano particularizava a ambigüidade entre passado e futuro, típica da cultura

mexicana, como a representação daquilo que dura (a pedra, a tradição), em face daquilo que é

passageiro (a máquina, a inovação). Mexicanos e chicanos ancoraram definitivamente num passado

de tradições imutáveis e, embora o segundo grupo more nos Estados Unidos, manteve-se, sempre,

fiel às suas crenças ancestrais. Dos grupos imigrantes na República Americana, os chicanos são, de

longe, os que melhor se subtraíram às influências culturais norte-americanas. O nosso pensador

exprimia esse ponto de vista da seguinte forma:

A conquista do futuro é a tradição norte-americana. Por isso é a tradição da mudança, enquanto que a hispânica

é a tradição da resistência à mudança. Espanha e as suas obras: construções perduráveis e significados eternos,

intemporais. O valioso é, para nós, sinônimo de duração. A herança pré-colombiana aumenta essa inclinação: a

pirâmide é a imagem da imutabilidade. As oposições entre norte-americanos e mexicanos sintetizam-se nas

nossas atitudes em face da mudança. Para nós, o segredo não consiste em chegar antes, mas em ficarmos onde

30 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 53.

18

estamos. É a oposição entre o vento e a rocha. Não falo de idéias e filosofias, mas de crenças e estruturas

mentais inconscientes; qualquer uma que seja a nossa ideologia, mesmo se for progressista, nós referimos

instintivamente o presente ao passado, enquanto que os norte-americanos referem-no ao futuro. Os

trabalhadores mexicanos que emigram para os Estados Unidos mostraram uma notável capacidade de

inadaptação à sociedade norte-americana. Essa capacidade é feita de insensibilidade diante do futuro. Neles, o

passado está vivo. É o mesmo passado que preservou aos chicanos, provavelmente a minoria dos Estados

Unidos que melhor conservou a sua identidade. Em México não foram os profissionais do anti-imperialismo os

que melhor resistiram, mas a gente humilde que faz peregrinações ao santuário da Virgem de Guadalupe. O

nosso país sobrevive graças ao seu tradicionalismo.31

O tradicionalismo mexicano é, no sentir de Paz, um constante se projetar em direção ao

passado das tradições. Ora, como estas são várias, trata-se, portanto, de conviver com múltiplos

passados. Como entre os mexicanos não se instalou definitivamente, de forma plena, a Ilustração,

jamais foi feita uma crítica a esses passados, de forma que eles continuam assombrando ao cidadão

mexicano contemporâneo. Não acontece isso com o cidadão norte-americano herdeiro dos pilgrim

brothers, filhos da crítica calvinista aos valores medievais. Eles já nasceram projetados para o

futuro, em decorrência dessa herança crítica. Para os norte-americanos, a sua tradição é a crítica do

passado efetivada no início da modernidade; a tradição deles é o Iluminismo, enquanto que, para os

mexicanos, as múltiplas tradições em que ancoram, rejeitam a crítica iluminista. A respeito, o nosso

autor escrevia acerca dessas ambigüidades, utilizando ainda a imagem do castelo do gigante:

Viajar pelos Estados Unidos, para um mexicano, é penetrar no castelo do gigante e percorrer as suas câmaras

de horrores e maravilhas. Mas há uma diferença: o castelo do ogro nos surpreende pelo seu arcaísmo, os

Estados Unidos pela sua novidade. O nosso presente está, sempre, um pouco atrás do verdadeiro presente,

enquanto que o deles está um pouco mais adiante. O deles é um presente em que já está escrito o porvir; o

nosso está ainda amarrado ao passado. Faço mal em usar o singular quando falo do nosso passado: são muitos,

ainda estão vivos e todos pelejam continuamente no nosso interior. Astecas, maias, otomões, castelhanos,

mouros, fenícios, galegos: emaranhado de raízes e ramas que nos afogam. Como conviver com eles sem ser o

seu prisioneiro? Essa é a pergunta que, sem cessar, fazemos e à qual não temos conseguido dar uma resposta

definitiva. Não temos sabido assumir o nosso passado, talvez, porque tampouco temos sabido fazer a sua

crítica. A dificuldade dos norte-americanos é precisamente a contrária: nasceram como uma crítica cortante ao

passado. Essa crítica foi uma afirmação não menos radical dos valores da modernidade, tal como tinham sido

definidos primeiro pela Reforma e, depois, pela Ilustração. Não é que não tenham um passado; é um passado

orientado ao futuro.32

A ambigüidade cultural mexicana, do ângulo ideológico, traduziu-se em algo que é também

observável no Brasil: os mexicanos adotaram a retórica liberal, sem que as palavras fossem

31 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 66. 32 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 65-66.

19

sustentadas por realidades correspondentes aos significantes33. Esvaziamento da linguagem numa

dolorosa bifurcação entre significantes provenientes do Iluminismo e significados vinculados às

tradições telúricas que negavam essa linguagem. A respeito escrevia Paz:

A carreira imperial da República norte-americana coincide, em sua primeira parte, durante a segunda metade

do século XIX, com a implantação [no México] do regime liberal, que não tardou em se transformar em

ditadura. É um fenômeno que, mutatis mutandis, repete-se em toda a América Espanhola. A revolução liberal,

iniciada na Independência, não resultou na implantação de uma verdadeira democracia, nem no nascimento de

um capitalismo nacional, mas numa ditadura militar e num regime econômico caracterizado pelo latifúndio e

as concessões a empresas e consórcios estrangeiros, especialmente norte-americanos. O liberalismo foi

infecundo e não produziu nada comparável às criações pré-colombianas ou às da Nova Espanha: nem

pirâmides nem conventos, nem mitos cosmogônicos nem poemas de sóror Juana Inés de la Cruz. México

seguiu sendo o que tinha sido, mas já sem acreditar naquilo que era. Os velhos valores caíram por terra, não as

velhas realidades. Cedo foram recobertas pelos novos valores progressistas e liberais. Realidades mascaradas:

começo da inautenticidade e da mentira, males endêmicos dos países latino-americanos. No início do século

XX estávamos já instalados em plena pseudomodernidade: estradas de ferro e latifúndio, constituição

democrática e um caudilho dentro da melhor tradição hispano-árabe, filósofos positivistas e caciques pré-

colombianos, poesia simbolista e analfabetismo. A adoção do modelo norte-americano contribuiu para a

dissolução dos valores tradicionais; a ação política e econômica do imperialismo norte-americano fortaleceu as

arcaicas estruturas sociais e políticas. Essa contradição revelou que a ambivalência do gigante não era

imaginária mas real: o país de Thoreau era também o país de Roosevelt-Nabucodonosor.34

Vale a pena anotar, à margem desta última citação que, nas duas derradeiras linhas, o nosso

pensador deixava explícita, mais uma vez, a duplicidade não apenas da representação que os

mexicanos tinham de si próprios – portadores de uma pseudo-modernidade – como dos norte-

americanos, que eram imaginados, ao mesmo tempo, como o gigante perverso que a todos

encadeava e o país que encarnava os ideais da liberdade.

No fundo da ambigüidade mexicana – e também ibero-americana – como fonte secreta da

mesma, esconde-se a ambigüidade de que foi vítima o Império espanhol sob a dinastia dos Áustrias.

33 No caso brasileiro, os ideólogos da República, Rui Barbosa à testa, adotaram os princípios liberais consagrados na

Carta de 24 de Fevereiro de 1891 – quase uma cópia da Carta Norte-Americana de 1786, mas à luz da mesma praticaram uma autêntica ditadura de oligarquias, a denominada “política dos governadores”. No Rio Grande do Sul, os Castilhistas, no mesmo período, adotaram a retórica liberal, se mantendo, no entanto, encastelados na visão privatista do poder. A retórica liberal serviu para angariar votos, quando necessário, mas não implicou em verdadeira liberalização do regime. Essa síndrome da duplicidade perpetuou-se até a Revolução de 30, comandada por Getúlio ao amparo de uma retórica que defendia eleições livres e anistia, ideais abruptamente negados quando os revolucionários chegaram ao poder. Há verdadeiramente uma brecha significativa entre os ideais da campanha da Aliança Liberal, apregoados em 1929 e o regime que se instaurou em 30. Cf. A respeito, o documento intitulado Aliança liberal – Documentos da campanha presidencial, 2a. Edição organizada por mim, Brasília: Câmara dos Deputados, 1983. Em relação à duplicidade existente no início da República, com a política dos governadores, cf. A minha obra intitulada A propaganda republicana, 1a. Edição, Brasília: Universidade de Brasília, 1982.

34 PAZ, Octavio, “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 63-64.

20

Dominavam o maior Império do mundo naquele momento (final do século XVI e primeiras décadas

do século XVII), mas permaneciam ancorados na escala de valores da Idade Média. Essa

ambigüidade ibérica foi a responsável pelo progressivo desmonte do Império espanhol e a sua saída

de cena, deixando na primeira linha da política européia outras potências: a França e a Inglaterra. A

respeito, o nosso autor escrevia:

As sociedades não morrem vítimas de suas contradições mas da sua incapacidade para resolve-las. Quando isso

ocorre, uma espécie de parálise imobiliza o corpo social, primeiro os centros pensantes e deliberativos, depois

os braços executores. A parálise é uma resposta da sociedade a perguntas sobre as que a sua tradição e os

pressupostos de sua história não oferecem outra saída do que o silêncio. Isso foi o que aconteceu com o

Império espanhol. Todas as desgraças dos povos hispano-americanos são efeitos longínquos desse estupor feito

de obstinação, orgulho e cegueira que tomou conta da monarquia austríaca em meados do século XVII.35

2 – Patriarcalismo e Caudilhismo.

O pensador mexicano achava que o Estado, tanto no México quanto no resto da América

Latina, tinha-se consolidado, fundamentalmente, como uma instituição de tipo patrimonialista. Não

ocorreu, em terras americanas, sob a inspiração ibérica, um Estado de tipo contratualista, como o

que acabou sendo organizado na América Anglo-Saxã (nos Estados Unidos e no Canadá). O nosso

foi um tipo de organização patrimonialista, em que o poder foi organizado de forma semelhante a

como o patriarca organiza a sua família: o Estado emerge da hipertrofia de um poder patriarcal

original, que alarga sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extra-patrimoniais,

passando a administra-los como propriedade familiar (patrimonial).36 A propósito desta forma

familística de organização do poder em Ibero-América, escrevia Paz:

Os primeiros germes da democracia neste continente aparecem nas comunidades e seitas dissidentes de Nova

Inglaterra. Certamente os espanhóis estabeleceram, nas terras conquistadas, a instituição do ajuntamento,

fundado no auto-governo das vilas e cidades. Mas os ajuntamentos viveram sempre uma vida precária,

estrangulados por uma extensa e complexa teia de jurisdições e privilégios burocráticos, eclesiásticos e

econômicos. Nova Espanha foi, sempre, uma sociedade hierárquica, sem governo representativo e dominada

pelo poder dual do Vice-rei e o Arcebispo. Max Weber dividia os regimes pré-modernos em duas grandes

categorias: o sistema feudal e o patrimonial. No primeiro, o Príncipe governa com – às vezes, contra – os seus

iguais pelo nascimento e pela dignidade social: os barões; no segundo, o Príncipe rege a nação como se fosse o

seu patrimônio e a sua casa; os seus ministros são os seus familiares e os seus criados. A monarquia espanhola

é um exemplo de regime patrimonialista. Também o foram (e o são) as suas sucessoras, as repúblicas

35 PAZ, Octavio, “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 68-69. 36 O ensaísta mexicano, com certeza, tinha lido a obra de Max WEBER. Cf., deste autor, Economía y Sociedad,

(tradução ao espanhol de José Medina Echavarría et alii), primeira edição em espanhol, México: Fondo de Cultura Económica, 1944, IV volume, p. 139-140.

21

democráticas da América Latina, oscilantes sempre entre o Caudilho e a Demagogia, o Pai déspota e os Filhos

revoltosos.37

Esse processo de diferenciação na organização do Estado decorre, no sentir de Paz, da

presença de duas tradições religiosas: a reformista e a contra-reformista. Nos países da América em

que vingou a Reforma Protestante, consolidou-se o tipo de Estado contratualista, com sociedades

altamente diversificadas; já nos países em que vingou a Contra-Reforma, terminou prevalecendo o

tipo de Estado patrimonial. A propósito, Paz escrevia o seguinte:

As comunidades religiosas de Nova Inglaterra firmaram ciosamente, desde o seu nascimento, a sua autonomia

perante o Estado. Inspirados no exemplo das igrejas cristãs dos primeiros séculos, estes grupos foram sempre

hostis à tradição autoritária e burocrática da Igreja católica. Desde Constantino, o cristianismo tinha vivido em

simbiose com o poder político; durante mais de mil anos, o modelo da Igreja tinha sido o Império cesáreo-

burocrático de Roma e Bizâncio. A Reforma foi o rompimento desta tradição. Por sua vez, as comunidades

religiosas da Nova Inglaterra levaram essa ruptura às suas últimas conseqüências, enfatizando os traços

igualitários e a tendência ao auto-governo dos grupos protestantes dos Países Baixos. Na Nova Espanha, a

Igreja foi, ante tudo, uma hierarquia e uma administração, ou seja, uma burocracia de clérigos que lembra, em

alguns de seus aspectos, a instituição dos mandarins do antigo império chinês. Daí a admiração dos jesuítas, no

século XVII, em face do regime de K´ang-hsi, no qual viram realizada, por fim, a sua idéia do que poderia ser

uma sociedade hierárquica e harmoniosa. Uma sociedade estável mas não estática, como um relógio que,

embora sempre marche, dá sempre as mesmas horas. Nas colônias inglesas, a igreja não foi uma hierarquia de

clérigos donos do saber, mas a livre comunidade dos fiéis. A igreja foi plural e esteve, desde o início,

constituída por uma rede de associações de crentes, verdadeira prefiguração da sociedade política da

democracia.38

Octavio Paz, como no Brasil Gilberto Freyre39 e Oliveira Vianna,40 considerava que a base

culturológica sobre a qual assentou a sociedade, ao longo dos cinco séculos de história, era a

família. Esta primeira organização social, essa celula mater foi a origem de tudo e é a partir dela

que deve ser entendida a teia de crenças fundamentais que alimentam o imaginário coletivo dos

Mexicanos. O patriarcalismo, fonte do Patrimonialismo. Esse foi o caminho percorrido pela

sociedade. A propósito do papel essencial representado pela família, escrevia o nosso autor:

No fundo da psiquê mexicana há realidades recobertas pela história e pela vida moderna. Realidades ocultas,

mas presentes. Um exemplo é a nossa imagem da autoridade política. É evidente que, nela, há elementos pre-

37 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 58. 38 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 58-59. 39 Cf. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala – Formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal, 25a. Edição, Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.

40 Cf. VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações Meridionais do Brasil e Instituições Políticas Brasileiras, 1a. Edição num único volume. (Introdução de Antônio Paim). Brasília: Câmara dos Deputados, 1982.

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colombianos e, também, restos de crenças hispânicas, mediterrâneas e muçulmanas. Por trás do respeito ao

Senhor Presidente está a imagem tradicional do Pai. A família é uma realidade muito poderosa. É o lar no

sentido originário da palavra: centro e reunião dos vivos e dos mortos, ao mesmo tempo altar, cama onde se

pratica o amor, fogão onde se cozinha, cinza que enterra aos antepassados. A família mexicana atravessou

quase indemne vários séculos de calamidades e somente até agora começa a se desintegrar nas cidades. A

família deu aos mexicanos as suas crenças, valores, conceitos sobre a vida e a morte, o bom e o mau, o

masculino e o feminino, o belo e o feio, o que se deve fazer e o indevido. No centro da família: o pai. A figura

do pai bifurca-se na dualidade de patriarca e de macho. O patriarca protege, é bom, poderoso, sábio. O macho é

o homem terrível, o chingón, o pai que foi embora, que abandonou mulher e filhos. A imagem da autoridade

mexicana inspira-se nesses dois extremos: o Senhor Presidente e o Caudilho.41

Embora o nosso escritor considerasse que, no México, os Presidentes da República, no

período posterior à Revolução positivista, todos pertencessem ao Partido Revolucionário

Institucional, no entanto, achava que eles não encarnavam a figura do tradicional caudilho hispano-

americano, em decorrência de terem sido legitimados por uma investidura, ao passo que o caudilho

tradicional sobrepõe-se a ela. Paz, a vem da verdade, caracteriza o patrimonialismo republicano

mexicano como um tipo de dominação patrimonial estamental, algo semelhante ao que aconteceu

no Brasil republicano sob a égide do getulismo. Mas, de qualquer forma, mesmo no México, está

presente o caudilhismo, fenômeno que o nosso pensador considerava como algo típico da América

Espanhola, um traço cultural possivelmente herdado do nosso passado árabe peninsular. A respeito,

escrevia:

A imagem do caudilho não é mexicana unicamente, mas espanhola e hispano-americana. Talvez é de origem

árabe. O mundo islâmico caracterizou-se pela sua incapacidade para criar sistemas estáveis de governo, quer

dizer, não instituiu uma legitimidade suprapessoal. O remédio contra a instabilidade foi e são os chefes, os

caudilhos. Na América Latina, continente instável, os caudilhos nascem com a Independência; nos nossos dias

chamam-se Perón, Castro e, no México, Díaz, Carranza, Obregón, Calles. O caudilho é heróico, épico: é o

homem que está além da lei. O Presidente é o homem da lei: o seu poder é institucional. Os presidentes

mexicanos são ditadores constitucionais, não caudilhos. Têm poder enquanto são presidentes; e o seu poder é

quase absoluto, quase sagrado. Mas devem o seu poder à investidura. No caso dos caudilhos hispano-

americanos, o poder não lhes vem da investidura, mas eles conferem investidura ao poder.42

O caudilhismo, no sentir de Paz, produzia a instabilidade. Pelo fato de não ter conseguido

elaborar um processo de legitimidade burocrática, a sucessão do caudilho é sempre traumática. Os

processos sucessórios dos países latino-americanos, que evoluíram em direção ao patrimonialismo

estamental, deram ensejo a uma certa estabilidade: tal é o caso do presidencialismo mexicano. Mas

41 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p.23. 42 PZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 23.

23

como na América Latina o caudilhismo é a regra e não a exceção, a instabilidade é, por

conseqüência, o clima do continente. Em relação a este ponto, o nosso pensador escrevia:

O princípio de rotatividade, que é uma das características do sistema mexicano, inexiste nos regimes

caudilhescos da América Latina. Aqui aparece, ao lado do tema do pai terrível, outra vez o tema da

legitimidade. O mistério ou o enigma da origem. Algo particularmente grave para a América Latina, desde a

Independência. O caudilhismo, que foi e é o verdadeiro sistema de governo latino-americano, não conseguiu

resolver a questão da sucessão. No regime caudilhesco, a sucessão realiza-se pelo golpe de estado, ou pela

morte do caudilho. O caudilhismo, concebido como remédio heróico contra a instabilidade, é o grande

produtor de instabilidade no continente. A instabilidade é conseqüência da ilegitimidade. Depois de

aproximadamente dois séculos de independência da monarquia espanhola, os nossos povos não encontraram

ainda uma forma de legitimidade. Nesse sentido, o compromisso mexicano – a combinação de

presidencialismo e dominação burocrática de um partido único – foi uma solução. Mas é cada vez menos uma

saída viável.43

A perspectiva familística: ela explica tanto o caudilhismo mexicano como o surgimento do

Patrimonialismo, na sua forma mais tradicional, herdada da Espanha. Proveio dessa herança a idéia

de que o poder é administrável como bem de família, de que o Estado, que é o produto do poder,

pode ser loteado entre amigos e apaniguados, de que parcelas dele podem ser comercializadas se os

donos do mesmo acharem conveniente. A respeito, escrevia o pensador mexicano:

Do ângulo da persistência do patrimonialismo é fácil de entender este fenômeno [da corrupção]. Em todas as

cortes européias, durante os séculos XVII e XVIII, eram vendidos os empregos públicos e havia tráfico de

influências e favores. Durante a regência de Mariana de Áustria, dom Fernando Valenzuela (o Duende do

Palácio), num momento de escassez do tesouro público, decidiu consultar com os teólogos se era lícito vender

ao melhor pagador os altos cargos, entre eles os vice-reinados de Aragão, Nova Espanha, Peru e Nápoles. Os

teólogos não encontraram nada nas leis divinas, nem nas humanas, que fosse contrário a esse recurso. A

corrupção da administração pública mexicana, escândalo de próprios e estranhos, não é, no fundo, mais do que

uma manifestação da persistência dessas maneiras de pensar e de sentir, que exemplifica o parecer dos teólogos

espanhóis. Pessoas de irreprochável conduta privada, exemplos de moralidade na sua casa e no seu bairro, não

têm escrúpulos para dispor dos bens públicos como se fossem próprios. Trata-se não tanto de uma imoralidade

como da vigência inconsciente de outra moral: no regime patrimonial são mais bem vagas e flutuantes as

fronteiras entre a esfera pública e a privada, entre a família e o Estado. Se cada um é o rei na sua casa, o reino é

como uma casa e a nação como uma família. Se o Estado é o patrimônio do Rei, como não vai se-lo também de

seus parentes, seus amigos, seus serventes e os seus favoritos? Na Espanha, o Primeiro Ministro chamava-se

significativamente, Privado.44

Octavio Paz considerava que, no México, o Estado Patrimonial tinha percorrido três grandes 43 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 24. 44 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 98-99.

24

etapas: Estado forte na época de Nueva España, no período colonial; Estado fraco, com a

privatização do poder pela Igreja e pelos Senhores Patrimoniais Locais (bispos e comunidades

religiosas, de um lado e, de outro, ricos proprietários e grandes fazendeiros), no século XIX, após a

Independência da Espanha; Estado Patrimonial (Estamental) Forte, com o advento da República

Positivista, no século XX. Eis a forma em que o escritor ilustrava essas três etapas, seguindo, para

isso, a exposição de conhecido historiador mexicano:

O historiador conservador Carlos Pereyra assinala que as convulsões políticas e o estado caótico do país até a

ditadura de Díaz foram, essencialmente, uma conseqüência da debilidade dos governos desde a Independência.

O Estado novo-hispano tinha sido uma construção de extraordinária solidez e que foi capaz de fazer frente

tanto aos revoltosos encomendeiros quanto aos bispos despóticos. Ao cair por terra, deixou uma classe rica

muito poderosa e dividida em facções irreconciliáveis. A ausência de um poder central moderador, tanto

quanto a inexistência de tradições democráticas explicam o fato de que as facções não demorassem em acudir à

força para dirimir as suas pendências. Assim nasceu a praga do militarismo: a espada foi a resposta à

debilidade do Estado e ao poder das facções. Por que era débil o Estado mexicano? A debilidade, diz Pereyra,

era uma conseqüência da pobreza. Explico: não pobreza do país, mas do poder político. O Estado era pobre em

face de uma Igreja dona da metade do país e uma classe de proprietários e fazendeiros imensamente ricos.

Como submeter os bispos e como conseguir que prevalecesse a lei numa sociedade onde cada chefe de família

sentia-se um monarca? Sob a ditadura do general Díaz o Estado mexicano começou a sair da pobreza. Os

governos que sucederam a Díaz, passada a etapa violenta da Revolução, impulsionaram o processo de

enriquecimento e, muito cedo, com Calles, outro general, o governo mexicano iniciou a sua corrida de grande

empresário. Hoje é o capitalista mais poderoso do país embora, como todos sabemos, não seja nem o mais

eficiente nem o mais honesto.45

Numa curiosa aproximação, o nosso pensador traçava um paralelo entre o Estado

Patrimonial mexicano e o russo, destacando os elementos semelhantes entre ambas realidades, mas

acrescentando, também, a diferença fundamental. Esta consistiu no fato de o Estado russo ter

enveredado pelo caminho do poder total, em decorrência do fato de o Partido, na Rússia, ter-se

tornado o verdadeiro Estado, ao passo que, no México, o Partido não passou de um instrumento do

Estado. Vale a pena transcrever os termos dessa comparação, que ressalta a inegável acuidade

sociológica do nosso autor:

Lembrei o caso da Rússia porque, por mais longínquo que pareça, ilumina indiretamente as peculiaridades da

situação mexicana. Como na Rússia de início do século [XX], o projeto histórico dos intelectuais mexicanos e,

também, o dos grupos dirigentes e da burguesia ilustrada, pode se resumir na palavra modernização (indústria,

democracia, técnica, laicismo, etc.). Como na Rússia, diante da relativa debilidade da burguesia nativa, o

agente central da modernização foi o Estado. Por último, como na Rússia, o nosso Estado é o herdeiro de um

45 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 87-88.

25

regime patrimonial: o vice-reinado novo-hispano. No entanto, há diferenças capitais. A primeira: entre o

Estado novo-hispano e o moderno interpõe-se o breve mas marcante período democrático da República

Restaurada (1867-1876). A segunda: enquanto o Estado totalitário liquidou a burguesia russa, submeteu os

camponeses e os operários, exterminou os seus rivais políticos, assassinou os seus críticos e criou uma nova

classe dominante, o Estado mexicano tem compartilhado o poder não só com a burguesia nacional, mas

também com os quadros dirigentes dos grandes sindicatos. Já destaquei que a relação entre os governos

mexicanos, os dirigentes operários e camponeses e a burguesia é ambígua, uma espécie de aliança instável não

isenta de querelas, notadamente entre o setor privado e o público. Tudo isso pode se resumir numa diferença

que abarca a todas e que é capital: enquanto na Rússia o Partido é o verdadeiro Estado, no México o Estado é o

elemento substancial e o Partido é o seu braço e o seu instrumento. Assim, embora México não seja realmente

uma democracia, tampouco é uma ideocracia totalitária.46

Uma das características marcantes do Estado patrimonial mexicano – extensiva, também,

aos outros Estados ibero-americanos – consistia, segundo Octavio Paz, no fato de as respectivas

sociedades não se terem diversificado em correntes de opinião que acompanhassem uma

diversificação da representação de interesses. Como tudo, na América Latina, decorreu do fato da

hipertrofia do Estado sobre a sociedade, terminou acontecendo que esta não se diferenciou em

Partidos que exprimissem uma diversidade política. Não encontramos nem no México, nem nos

restantes países da América Latina, Partidos Conservadores solidamente definidos47. De outro lado,

não achamos Partidos Socialistas de índole democrática. A respeito do fenômeno apontado, escrevia

o nosso autor:

O espectador mais distraído descobre imediatamente, neste panorama, duas grandes ausências. Uma, a de um

Partido Conservador como o Republicano dos Estados Unidos ou os partidos conservadores da Grã Bretanha,

França, Alemanha e Espanha; outra, a de um autêntico partido socialista com influência entre os trabalhadores,

os intelectuais e a classe média. Isto é verdadeiramente lamentável e revela, cruelmente, uma das carências

mais graves do México e da América Latina, a inexistência de uma tradição socialista democrática.48

3 – Patrimonialismo estamental.

O pensador mexicano considerava que, na América Latina, apenas o México tinha

conseguido superar a modalidade de patrimonialismo caudilhista, para evoluir em direção a uma

forma mais sofisticada, a do patrimonialismo estamental. O nosso pensador não conhecia, decerto,

de forma suficiente, a história do republicanismo brasileiro, onde, como frisamos atrás, também

46 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 91. 47 A exceção, no caso concreto dos Partidos Conservadores, talvez seria a Colômbia, a meu modo de ver. Cf., a

respeito, o meu livro Liberalismo y Conservatismo en América Latina, Bogotá: Tercer Mundo, 1978. 48 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”. In: El ogro filantrópico, ob cit, p. 97.

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vingou um modelo de patrimonialismo estamental, ao ensejo do ciclo castilhista-getuliano.49 A

particularidade mexicana, no contexto do continente latino-americano, decorre, segundo Paz, da

prática dessa modalidade de dominação. O patrimonialismo estamental, centrado na figura do

presidente da República legitimado pelo Partido Único, essa seria a peça-chave da dominação

patrimonialista no México. Essa estrutura tem um efeito cultural importante: instaura a

preponderância da variável política sobre a econômica, fato que o nosso autor considerava um traço

pre-moderno da cultura mexicana. O primeiro a pôr em funcionamento essa maquinaria foi o

general Lázaro Cárdenas. A respeito, Paz escrevia:

O estilo de governar de Cárdenas foi também admirável. Para os presidentes do México é muito grande a

tentação de se converterem em ídolos. Cárdenas resistiu a ela. Enquanto esteve no poder, tivemos a sensação,

estranha entre todas, de que nos governava um homem, um ser como nós. Porém, o cardenismo não intentou a

experiência democrática, mas fortaleceu o partido único. O general Cárdenas imitou os antigos chefes

revolucionários que tinham fundado o Partido Nacional Revolucionário, transformado por ele em Partido da

Revolução Mexicana e que hoje se chama Partido Revolucionário Institucional. Nesses três nomes encerra-se a

história da burocracia política que domina ao país no último meio século. Ninguém pode entender o México se

ignora o PRI. As descrições marxistas são insuficientes. Entranhado nas estruturas do Estado, como uma casta

política com características próprias, grande canal da mobilidade social, pois abarca do município da aldeia às

esferas mais altas da política nacional, o partido único é um fenômeno que não aparece no resto da América

Latina (salvo em Cuba, recentemente e com traços bem diferentes). No México, certamente, o poder é mais

desejado do que a riqueza. Se você for milionário, ser-lhe-á muito difícil – quase impossível – passar dos

negócios à política. Pelo contrário, você pode passar da política aos negócios. O enorme prestígio do poder em

face do dinheiro é um traço antimoderno do México. Outro exemplo de como os modos de pensar e sentir pre-

modernos, pre-capitalistas, aparecem na nossa vida diária.50

Característica marcante do patrimonialismo estamental mexicano foi o fato, destacado pelo

nosso pensador, de os donos do poder chamarem os intelectuais para colaborar na gestão do Estado,

notadamente quando se fazia necessário elaborar novos modelos de organização constitucional, ao

ensejo da revolução positivista, no período que vai de 1920 a 1940. Mas essa colaboração,

ressaltava o nosso autor, sempre foi desenvolvida no contexto de uma rigorosa cooptação. Os

intelectuais mexicanos desse período terminaram sendo enganados pelo Executivo hipertrofiado: ele

os chamava para colaborar, mas não os queria escutar! A respeito, Paz frisa:

A vocação intelectual da geração de Cosío Villegas foi inseparável de sua vontade de reforma social, política e

moral. Num primeiro momento, todos eles conceberam a sua atividade não defronte ou contra, mas dentro do

Estado. O governo revolucionário tinha-os chamado para colaborar na tarefa da reconstrução nacional. E eles,

49 Cf. A minha obra Castilhismo, uma filosofia da República. 2a. Edição corrigida e acrescida. (Apresentação de

Antônio Paim). Brasília: Senado Federal, 2000. 50 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 30.

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ao aceitarem esse chamado, assumiram por inteiro a responsabilidade dessa colaboração. Inclusive a crítica ao

poder se fez dentro do poder. A diferença com os intelectuais europeus ou com a situação do México

contemporâneo é radical. Entre 1920 e 1940, os intelectuais do México acreditaram que a sua missão era a de

serem conselheiros dos príncipes revolucionários. A realidade os desenganou cruelmente: aqueles príncipes,

como quase todos os da história, ou estavam surdos ou não queriam ouvir.51

Quanto à estrutura sociológica do patrimonialismo estamental mexicano, o nosso autor a

entendia como um jogo de dominação entre cinco grandes estamentos: a Tecnocracia

Administrativa, a Casta Política, o Capitalismo Privado, as Burocracias Operárias e os Estudantes e

Intelectuais (que seriam os porta-vozes da classe média). Nesse conjunto de grupos sociais,

prevalecem as decisões da Tecnocracia Administrativa e da Casta Política que, de um lado, não são

homogêneas, havendo muitos conflitos de interesses entre uma e outra. De outro lado, Paz

destacava que essas duas instâncias de dominação precisavam constantemente de estar negociando

as decisões fundamentais com os outros três grupos. Tratar-se-ia, portanto, do ponto de vista da

racionalidade administrativa, de um modelo tipicamente patrimonialista, do tipo que Paul Milukov

identificou como “racionalidade administrativa variável”: não se estrutura, no interior do Estado,

uma racionalidade plena, apenas uma racionalidade condicionada pela manutenção da estrutura do

poder em mãos dos estamentos privilegiados.52

A respeito, Paz escrevia:

O poder central, no México, não reside nem no capitalismo privado nem nas uniões sindicais, nem nos partidos

políticos, mas no Estado. Trindade secular, o Estado é o Capital, o Trabalho e o Partido. No entanto, não é um

Estado Totalitário nem uma ditadura (...). No México, o Estado pertence a uma dupla burocracia: a tecnocracia

administrativa e a casta política. Ora, essas burocracias não são autônomas e vivem em contínua relação de

rivalidade e de cumplicidade, de alianças e rompimentos com os outros dois grupos que compartem a

dominação do país: o capitalismo privado e as burocracias operárias. Estes grupos, por sua vez, tampouco são

homogêneos e estão divididos por querelas de interesses, de idéias e pessoas. Há também um outro setor, cada

vez mais influente e independente: a classe média e os seus porta-vozes, os estudantes e os intelectuais.53

O constante confronto entre a Tecnocracia Administrativa e a Casta Política, terminou

fazendo com que, no México contemporâneo, prevalecessem os interesses patrimonialistas sobre o

esforço em prol de organizar uma gestão racional do Estado. O perfil de privatização do poder por

parte dos Estamentos terminou comprometendo a eficiência e a modernização do Estado. Trata-se

de uma situação contraditória. A história do México atual oscila, a cada seis anos, não entre a

51 PAZ, Octavio, “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 73. 52 Cf. WITTFOGEL, Karl, Le despotisme oriental, ob. Cit., p. 69. 53 PAZ, Octavio, “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 88-89.

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modernização pura e simples e o atraso, mas entre os interesses privatistas das clientelas políticas

que se revezam no poder ao redor do trono do Presidente; ora, nessa luta termina sendo minimizado

o esforço modernizador veiculado pela Tecnocracia Administrativa. Assim destacou Octavio Paz

essa confusa realidade, cujo traço fundamental é a preservação do Estado patrimonial, ou seja, a

pervivência da tradição que faz com que as instituições políticas sejam sempre geridas como

propriedade privada dos donos do poder:

Falta-me mencionar outra característica notável do Estado mexicano: apesar de ter sido o agente cardinal da

modernização, ele próprio não conseguiu se modernizar plenamente. Em muitos de seus aspectos,

especialmente no seu relacionamento com o público e na sua maneira de conduzir os negócios, continua sendo

patrimonialista. Num regime desse tipo, o chefe do Governo - o Príncipe ou o Presidente – consideram o

Estado como o seu patrimônio pessoal. Por tal motivo, o corpo dos funcionários e empregados governamentais,

dos ministros aos contínuos e dos magistrados e senadores aos porteiros, longe de constituir uma burocracia

impessoal, forma uma grande família política ligada por vínculos de parentesco, amizade, compadrio,

regionalismo e outros fatores de índole pessoal. O patrimonialismo é a vida privada incrustada na vida pública.

Os ministros são os familiares e os criados do rei. Por isso, embora todos os cortesãos comunguem no mesmo

altar, os regimes patrimonialistas não se petrificam em ortodoxias nem se transformam em burocracias. São o

contrário de uma igreja e daí que, contrariamente ao que ocorre em corpos como a Igreja Católica ou o Partido

Comunista, os vínculos entre os cortesãos não são ideológicos mas pessoais. Nas burocracias políticas e

eclesiásticas, a ordem hierárquica é sagrada e está regida por regras objetivas e princípios imutáveis tais como

a iniciação, o noviciado e a aprendizagem, a antigüidade no serviço, a competência, a diligência, a obediência

aos superiores, etc. No regime patrimonial o que conta, em última instância, é a vontade do Príncipe e de seus

colaboradores mais próximos.54

Esse convívio diuturno entre cortesãos movidos por interesses patrimonialistas e tecnocratas

inspirados por metas de modernização, faz com que o trabalho destes últimos se torne infrutífero e

que as velhas estruturas do Estado continuem agarradas ao passado de clientelismos e privilégios.

Em suma, a estrutura patrimonial das instituições políticas termina comprometendo o processo de

modernização da sociedade e do próprio Estado. O resultado é o atraso do país. Eis a forma em que

o nosso autor explicava essa doença do sangue patrimonialista num corpo com algumas feições de

modernidade:

No interior do Estado mexicano há uma contradição enorme que ninguém conseguiu ou intentou sequer

resolver: o corpo de tecnocratas e administradores, a burocracia profissional compartilha os privilégios e os

riscos da administração pública com os amigos, os familiares e os favoritos do Presidente de plantão e com os

amigos, os familiares e os favoritos de seus Ministros. A burocracia mexicana é moderna, propõe-se a

modernizar o país e os seus valores são valores modernos. Diante dela, às vezes como rival e outras como

54 PAZ. Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 91-92.

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associada, levanta-se uma massa de amigos, parentes e favoritos unidos por laços de ordem pessoal. Esta

sociedade cortesã renova-se parcialmente a cada seis anos, ou seja, cada vez que ascende ao poder um novo

Presidente. Tanto pela sua situação quanto pela ideologia implícita e o seu modo de recrutamento, estes corpos

cortesãos não são modernos: são uma supervivência do patrimonialismo. A contradição entre a sociedade

cortesã e a burocracia tecnocrata não paralisa o Estado mas torna difícil e sinuosa a sua marcha. Não há duas

políticas dentro do Estado: há duas maneiras de entender a política, dois tipos de sensibilidade e de moral.55

Nesse contexto de dominação patrimonialista, o Partido a serviço das clientelas políticas

arrebanhadas pelo Presidente da República é o grande canal de ascensão social e a esperança das

novas gerações. Não se trata, no caso mexicano, de um Partido terrorista, que pretenda mudar a

essência humana e ferro e fogo. O Partido Revolucionário Institucional é uma agremiação de

conveniência da burocracia estatal e das clientelas políticas, é um instrumento patrimonialista que

serve aos interesses de cooptação dos donos do poder e que, ao mesmo tempo, responde às

necessidades dos novos segmentos sociais que buscam um lugar ao sol. Octavio Paz caracterizava,

nestes termos, a função mediadora do PRI:

A natureza peculiar do Estado mexicano revela-se pela presença, no seu interior, de três ordens ou formações

diferentes (mas em contínua comunicação e osmose): a burocracia governamental propriamente dita, mais ou

menos estável, composta por técnicos e administradores, feita à imagem e semelhança das burocracias das

sociedades democráticas do Ocidente; o conglomerado heterogêneo de amigos, favoritos, familiares, serviçais

e protegidos, herança da sociedade cortesã dos séculos XVII e XVIII; a burocracia política do PRI, formada

por profissionais da política, associação não tanto ideológica quanto de interesses de grupelhos e individuais,

grande canal da mobilidade social e grande fraternidade aberta aos jovens ambiciosos, geralmente sem fortuna,

recém saídos das universidades e dos colégios de educação superior. A burocracia do PRI está a meio caminho

entre o partido político tradicional e as burocracias que militam sob uma ortodoxia e que agem como milícias

de Deus ou da História. O PRI não é terrorista, não quer mudar os homens nem salvar o mundo: quer se salvar

a si mesmo. Por isso quer se reformar. Mas sabe que a sua reforma é inseparável da do país. A questão que a

História colocou ao México desde 1968 não consiste unicamente em saber se o Estado poderá governar sem o

PRI, mas se os mexicanos deixar-nos-emos governar sem um PRI.56

Octavio Paz entendia que a organização patrimonialista do Estado mexicano não deixou

nenhum segmento social de fora, tendo-se caracterizado por um amplo labor de cooptação. A fim de

aproximar e tornar dependente dele todo o setor produtivo, o Estado, após a Revolução Porfirista, 57

passou a controlar rigorosamente operários e capitalistas, mediante as organizações sindicais

inseridas como peças da engrenagem da burocracia estatal, sendo as únicas entidades capazes de

55 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 92. 56 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 93-94. 57 Cf. KRAUZE, Enrique. Porfirio Díaz, místico de la autoridad. (Pesquisa iconográfica de Aurelio de los Reyes).

México: Fondo de Cultura Económica, 1987.

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negociar com o governo. É curioso como, no texto a seguir, o escritor mexicano identifique os

estamentos da Tecnocracia Administrativa e da Casta Política com “burocracias paralelas”, quando,

de fato, como acabamos de ver, o processo de dominação é exercido diretamente através deles. A

realidade talvez fosse inversa: o poder patrimonial modernizador e tradicional desses estamentos,

teria sido complementado mediante a organização sindical do setor produtivo. Seja como for, eis as

palavras do nosso pensador:

O Estado revolucionário fez algo mais do que crescer e se enriquecer. Como o Japão durante o período Meiji,

através de uma legislação adequada e de uma política de privilégios, estímulos e créditos, impulsionou e

protegeu o desenvolvimento da classe capitalista. O capitalismo mexicano nasceu muito antes que a

Revolução, mas amadureceu e se estendeu até chegar a ser o que é graças à ação e à proteção dos governos

revolucionários. Ao mesmo tempo, o Estado estimulou e favoreceu as organizações operárias e camponesas.

Esses grupos viveram e vivem à sua sombra, já que são parte do PRI. No entanto, seria inexato e simplista

reduzir a sua relação com o poder público a um tipo de relação súdito-senhor. A relação é bastante mais

complexa: de um lado, num regime de partido único como é o do México, as organizações sindicais e

populares são a fonte quase exclusiva de legitimação do poder estatal; de outro lado, as uniões populares,

notadamente as operárias, possuem certa liberdade de manobra. O governo precisa dos sindicatos, tanto quanto

os sindicatos do governo. Na realidade, as duas únicas forças capazes de negociar com o governo são os

capitalistas e os dirigentes operários. Por último, não contente com impulsionar e, em certa medida, modelar à

sua imagem o setor capitalista e operário, o Estado pós-revolucionário completou a sua evolução com a criação

de duas burocracias paralelas. A primeira é composta por administradores e tecnocratas; constitui o pessoal

governamental e é a herança histórica da burocracia novo-hispana e da porfirista. É a mente e o braço da

modernização. A segunda é formada por profissionais da política e é a que dirige, em seus diversos níveis e

degraus, o PRI. As duas burocracias vivem em contínua osmose e passam, incessantemente, do Partido ao

Governo e vice-versa.58

4 – Estatismo e hipertrofia do Executivo.

Octavio Paz considerava que o poder no México foi se centralizando cada vez mais, ao

longo da história plurissecular do país. No início, na era colonial, prevalecia uma espécie de

desconcentração de poderes no seio da sociedade, herança sem dúvida das tradições medievais

ibéricas, mas que terminou dando ensejo, com o correr dos séculos, a uma modalidade de poder

concentrado, sendo que a melhor expressão dessa hipertrofia era o moderno presidencialismo. A

propósito dessa evolução, escrevia o nosso pensador:

Desde a segunda metade do século XVI até finais do XVII, Nova Espanha foi uma sociedade estável, pacífica

e próspera. Houve epidemias, ataques de Piratas, escassez de milho, tumultos populares, sublevações de

58 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 88.

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nômades no norte, mas houve, também, abundância, paz e, com freqüência, bom governo. Não porque todos os

vice-reis fossem bons, embora houve alguns excelentes, mas porque o sistema constituía, de fato, um regime

de equilíbrio de poderes. A autoridade do Estado estava limitada pela da Igreja. Por sua vez, o poder do Vice-

rei enfrentava-se ao da Audiência e o do Arcebispo ao das Ordens Religiosas. Embora nesse sistema

hierárquico os grupos populares não podiam ter senão uma influência indireta, a divisão de poderes e a

pluralidade de jurisdições obrigavam o Governo a buscar uma espécie de consenso público. Nesse sentido, o

sistema da Nova Espanha era mais flexível que o atual sistema presidencialista. Sob a máscara da democracia,

os nossos presidentes são, à maneira romana, ditadores constitucionais. Só que a ditadura romana durava seis

meses e a nossa seis anos.59

Para o Nobel mexicano era claro que o poder exercido, no seu país, de forma patrimonial

terminou reforçado o Executivo e o predomínio do Estado sobre a sociedade. Ao ensejo do

predomínio dos interesses da elite governante sobre o resto dos cidadãos, houve uma mimetização

daqueles por trás de uma aparência revolucionária, que curiosamente produziu o abandono das

ideologias liberal e conservadora e a manutenção de uma retórica revolucionária, sob cujo manto

passaram a se resguardar as tradicionais elites patrimonialistas. Traços notadamente reacionários da

estrutura de poder no México, que Paz desenhava com as seguintes pinceladas:

México é um país centralista, o poder legislativo e o judiciário são apêndices obedientes do poder executivo;

Porfírio Díaz nomeava os deputados e senadores e, depois, cada Presidente revolucionário fez o mesmo. Nesse

aspecto, a única diferença com o Porfiriato é a existência do PRI (Partido Revolucionário Institucional). O

resultado dessa palpável contradição entre a verdade legal e a verdade verdadeira tem sido a aclimatação da

mentira na nossa vida pública. Não menos grave do que a naturalização da mentira tem sido o eclipse das

idéias conservadoras: ninguém as professa nem ninguém as defende, nem sequer os banqueiros. Explico-me:

desapareceu o Partido Conservador e a sua filosofia política, não os interesses conservadores. O que aconteceu

é que esses interesses aparecem mascarados, primeiro com a máscara liberal e agora com a revolucionária.60

O fortalecimento exagerado do Estado, no entanto, não era privilégio do México do século

XX. O estatismo foi, com certeza, o grande mal da política mundial nesse período da Historia da

Humanidade. Pensava Octavio Paz que faltou um instrumento conceitual de análise adequado, a fim

de desmascarar esse terrível problema. Embora conhecedor da obra de Max Weber, o nosso autor

parece esquecer, aqui, que a grande contribuição do sociólogo alemão consistiu justamente em ter

chamado a atenção para a realidade do Estado, tendo feito da variável política uma área que

mereceu toda a sua atenção, notadamente no que tange a explicitar os valores em que se alicerçava a

ação humana. Eis a forma em que Paz destacava a magnitude do problema do estatismo no século

XX:

59 PAZ, Octavio, “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 48. 60 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 82.

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A pergunta sobre a natureza do Estado é a pergunta central de nossa época. Infelizmente, só até há pouco

renasceu entre os estudiosos o interesse por este tema. Para piorar as coisas, nenhuma das duas ideologias

dominantes – a liberal e a marxista – contém elementos suficientes que permitam articular uma resposta

coerente. A tradição anarquista é um precedente valioso, mas é preciso renova-la e alargar as suas análises: o

Estado que conheceram Proudhon e Bakunin não é o Estado totalitário de Hitler, Stalin e Mao. Assim, a

pergunta acerca da natureza do Estado do século XX continua sem resposta. Autor dos prodígios, crimes,

maravilhas e calamidades dos últimos 70 anos, o Estado – não o proletariado nem a burguesia – tem sido e é o

personagem do nosso século. É-lo em tal medida que parece irreal: está em todas partes e não tem rosto. Não

sabemos o que é nem como é. Como os budistas dos primeiros séculos, que somente podiam representar o

Iluminado pelos seus atributos, nós conhecemos o Estado só pela imensidão das suas devastações. É o

Desencarnado: não uma presença mas uma dominação. É a impessoa.61

O caráter impessoal do Estado: esta é a faceta da política contemporânea que mais

impressionava ao nosso pensador. Realidade tipicamente moderna. O Estado, mais do que um mal –

no sentido metafísico do termo que indica carência ontológica – é positividade, constitui uma

verdadeira máquina que se perpetua nas sociedades pelo mundo afora. A propósito, Paz escrevia,

perplexo:

O Estado do século XX revelou-se como uma forma mais poderosa que a dos antigos impérios e como um

senhor mais terrível que os velhos tiranos e déspotas. Um senhor sem rosto, desalmado e que age não como um

demônio mas como uma máquina. Os teólogos e os moralistas tinham concebido o mal como uma exceção e

uma transgressão, uma mancha na universalidade e transparência do ser. Para a tradição filosófica do Ocidente,

salvo para as correntes maniquéias, o mal carecia de substância e somente podia ser definido como uma falta,

ou seja, como carência de ser. Em sentido estrito não havia mal, mas existiam os maus: exceções, casos

particulares. O Estado do século XX inverte a proposição: o mal conquista por fim a universalidade e

apresenta-se com a máscara do ser. Só que na medida em que cresce o mal, tornam-se pequenos os malvados.

Já não são seres excepcionais, mas espelhos da normalidade. Um Hitler ou um Stalin, um Himmler ou um

Yéjov, assombram-nos não só pelos seus crimes, mas pela sua mediocridade. A sua insignificância intelectual

confirma a afirmação de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal. O Estado moderno é uma máquina, mas

uma máquina que se reproduz sem cessar.62

O Estado moderno, máquina que se reproduz. E, nesse processo diabólico, o instrumento

passa a ser o partido único, que impede a diversificação de interesses na sociedade – interesses que

deveriam se representar numa pluralidade político-partidária - para dar lugar a uma cinzenta massa

amorfa dominada pelo partido. A política contemporânea converte-se, nos países dominados pelo

partido único, em exercício de unanimidade, com banimento de qualquer dissenso. Estava assim

61 PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 10. 62 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 85.

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materializado o ideal que tinha sido pensado por Jean-Jacques Rousseau, no seu 8o. capítulo do

Contrato Social.63 É claro que o fenômeno não se deu no México com toda a carga de terror e de

fanatismo que vingaram em outros lugares, ao ensejo de ideologias radicais como o nazismo ou o

comunismo russo. O Estado patrimonial mexicano revelou-se, nesse aspecto, mais brando do que

outros regimes de partido único. Mas nem por isso o Estado no México deixou de ser autoritário.

Um autoritarismo mitigado, que justificaria o título da obra em apreço: o Estado como “ogro

filantrópico”. Paz explicava da seguinte forma esse fenômeno:

Trata-se de um fenômeno universal: os partidos únicos apareceram tanto em países fascistas (Itália e

Alemanha), quanto em países com revoluções no poder, como a União Soviética ou o México. E agora o

fenômeno, longe de se dissipar, estende-se por todo o Terceiro Mundo. Um fato concomitante foi a aparição

dos dogmatismos ideológicos. A ortodoxia é o complemento natural das burocracias políticas e eclesiásticas.

Diante das modernas ortodoxias e os seus bispos, sinto a mesma repulsa que tomava conta do pagão Celso, em

face dos cristãos primitivos e da sua crença numa verdade única. Felizmente o partido mexicano não é um

partido ideológico; como o Partido do Congresso da Índia, é uma coalizão de interesses. Isso explica o fato de

que no México nunca houve terror, no sentido moderno da palavra. Tampouco houve Inquisição. Houve, sim,

violência estatal e violência popular, mas nada parecido com o terrorismo ideológico do nazismo e do

bolchevismo.64

O Nobel mexicano destacava a necessidade imperiosa de se fazer, na América Latina, uma

crítica ao estatismo, a começar pelo regime que se estruturou em Cuba, modelo mais acabado do

vício estatizante entre os herdeiros da colonização ibérica. Sem meias palavras, Octavio Paz partia

para uma crítica aprofundada do que ele denominava de “peste autoritária”. Eis as suas palavras:

Tudo isso seria unicamente grotesco se não constituísse um sintoma a mais do fato de que em Cuba já está em

marcha o fatal processo que converte ao partido revolucionário em casta burocrática e ao dirigente em César.

Um processo universal e que nos faz ver com outros olhos a história do século XX. O nosso tempo é o da peste

autoritária: se Marx fez a crítica do capitalismo, corresponde a nós fazermos a do Estado e das grandes

burocracias contemporâneas, tanto as do Leste quanto as do Ocidente. Uma crítica que os latino-americanos

deveríamos completar com outra, de ordem histórica e política: a crítica ao governo de exceção centrado no

homem excepcional, ou seja, a crítica ao caudilho, essa herança hispano-árabe.65

Os mexicanos sempre conheceram, ao longo de sua secular história, a realidade de um

Estado mais forte do que a sociedade, em que pese os esforços feitos pelos liberais na segunda

metade do século XIX, no sentido de colocar o Estado a serviço da sociedade, como instrumento

dela. O que terminou prevalecendo foi, com certeza, a indiferenciação social, catalisada pela 63 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social. Paris: Garnier / Flammarion, 1966. 64 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 18. 65 PAZ, Octavio, “Eros Job”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 239-240.

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cooptação de um centro de poder sobre todos os estamentos e grupos sociais. Não houve, no sentir

de Paz, propriamente, na história mexicana, um surto continuado de diferenciação da sociedade em

classes, que se organizassem ao redor da defesa de determinados interesses. O Estado tomou conta

de tudo. No decorrer do século XX, esse fenômeno se tornou mais forte, mediante a incorporação,

pelo poder central, da técnica como elemento modernizador do próprio Estado e da sociedade. É o

fenômeno que sociólogos brasileiros como Simon Schwartzman66 e Antônio Paim67 denominaram

de neo-patrimonialismo ou patrimonialismo modernizador. A respeito desse complexo fenômeno de

consolidação do Patrimonialismo com tintes modernizadores no México, escrevia o nosso autor:

O Estado criado pela Revolução Mexicana é mais forte que o do século XIX. Nisso, como em tantas outras

coisas, os revolucionários não só mostraram uma decidida inclinação tradicionalista, como também foram

infiéis a aqueles que reconheciam como os seus antecessores: os liberais de 1857. Salvo durante os interregnos

de anarquia e guerra civil, os mexicanos temos vivido à sombra de governos alternativamente despóticos ou

paternais, mas sempre fortes: o rei-sacerdote asteca, o vice-rei, o ditador, o senhor presidente. A exceção é o

curto período que Cosío Villegas chama de a República Restaurada e durante o qual os liberais trataram de

desgastar as garras do Estado herdado de Nova Espanha. Essas garras chamavam-se (chamam-se): burocracia e

exército. Os liberais queriam uma sociedade forte e um Estado fraco. Tentativa exemplar que cedo fracassou:

Porfirio Díaz inverteu os termos e fez do México uma sociedade fraca dominada por um Estado forte. Os

liberais pensavam que a modernização seria obra – como em outras partes do mundo: Inglaterra, França,

Estados Unidos – da burguesia e da classe média. Não foi assim e com Díaz o Estado começa a se converter

em agente da modernização. Certamente a ação econômica do regime apoiou-se nas empresas privadas e no

capitalismo estrangeiro. Mas a fundação de empresas industriais e a construção de fábricas e estradas de ferro

não foram tanto a expressão do dinamismo de uma classe burguesa, como o resultado de uma deliberada

política governamental de estímulos e incentivos. Além disso, o decisivo não foi a ação econômica mas o

fortalecimento do Estado. Para que um organismo seja capaz de completar tarefas históricas como a

modernização de um país, o primeiro requisito é que seja forte. Com Porfirio Díaz o Estado mexicano

recuperou o poder que tinha perdido durante os conflitos e guerras que sucederam à Independência.68

A realidade de um Estado mais forte do que a sociedade conheceu, no México e em outros

países latino-americanos, a sua justificativa teórica, numa forma de positivismo heterodoxo, que

mudou a ordem conceitual vigente no originário comtismo, que era uma doutrina pedagógica,

visando a garantir a ordem social e política. Os positivistas deste lado do mundo – mexicanos,

colombianos, chilenos e brasileiros – inverteram acintosamente a filosofia de Comte (1798-1857),

tornando-a uma doutrina da ditadura caudilhista tout-court, a serviço de uma ordem alicerçada na

preservação do latifúndio. Castilhismo, porfirismo, regeneração à la Rafael Núñez, foram versões

heterodoxas do comtismo. O nosso autor identificava a forma em que se processou, no México, esse

66 SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. 1a. Edição. Rio de Janeiro: Campus, 1982. 67 PAIM, Antônio. A querela do estatismo. 1a. Edição, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. 68 PAZ, Octavio, “El presente y sus futuros”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 86-87.

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estranho fenômeno, em decorrência da estrutura patrimonialista do poder político, que levava a que

se gerisse o bem público como a empresa privada do latifundiário:

Da mesma forma na Europa que entre nós, o positivismo foi uma filosofia destinada a justificar a ordem social

imperante. Mas – e nisto reside a minha crítica – ao atravessar o oceano, o positivismo mudou de natureza. Lá

a ordem social era a da sociedade burguesa: democracia, livre discussão, técnica, ciência, indústria, progresso.

No México, com os mesmos esquemas verbais e intelectuais, em realidade foi a máscara de uma ordem

alicerçada no poder latifundiário. O positivismo mexicano introduziu certo tipo de má-fé em relação às idéias.

Equívoco não só entre a realidade social – neo-latifundismo, caciquismo, servidão, dependência econômica do

imperialismo - e as idéias que pretendiam justifica-la, mas também aparição de um tipo de má-fé particular,

pois introduzia-se na consciência mesma dos positivistas mexicanos. Produziu-se uma cisão psíquica: aqueles

senhores que juravam por Comte e por Spencer não eram uns burgueses ilustrados e democratas, mas os

ideólogos de uma oligarquia de latifundiários.69

Do predomínio do Estado mais forte do que a sociedade não escapou, na América Latina,

nem a Igreja. Fiel à tendência da dominação patrimonialista no sentido de cooptar a religião

dominante, o Estado, em Ibero-América, converteu a instância religiosa em instrumento de

dominação. A religião, que na Europa Ocidental constituiu inspiração para os movimentos

libertários, na América Latina foi cooptada pelo Estado presidido pelas oligarquias liberal-

conservadoras no século XIX, ou pelos que acenavam com uma proposta político-libertadora

radical, os ativistas de inspiração marxista-leninista que, no século XX, formularam a Teologia da

Libertação. Eis a forma em que o escritor mexicano entendia a cooptação da religião pelos

tradicionais dominadores na América Latina, no século XIX:

Do mesmo modo que na tragédia grega a liberdade dos heróis é uma dimensão do Destino, na teologia

calvinista a liberdade está ligada à predestinação. Assim, a revolução religiosa da Reforma antecipou a

revolução política da democracia. Na América Latina ocorreu precisamente o contrário: o Estado lutou contra a

Igreja não para fortalecer os indivíduos, mas para substituir o clero no controle das consciências e das

vontades. Na nossa América não houve revolução religiosa que preparasse a revolução p0olítica; tampouco

houve, como na França do século XVIII, um movimento filosófico que fizesse a crítica da religião e da Igreja.

A revolução política na América Latina – refiro-me à Independência e às lutas entre liberais e conservadores

que ensangüentaram o nosso século XIX – não foi senão uma manifestação, mais uma, do patrimonialismo

hispano-árabe: combateu a Igreja como a um rival que deveria tirar de cena; fortaleceu o Estado autoritário e

os caudilhos liberais não foram mais tolerantes que os conservadores; agravou o centralismo, embora com a

máscara do federalismo; em fim, tornou endêmico o regime de exceção que impera nas nossas terras desde a

Independência: o caudilhismo.70

69 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 19. 70 PAZ, Octavio, “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 60.

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Em que pese o poder centrípeto e a supremacia do Estado mexicano sobre a sociedade,

Octavio Paz chamava a atenção para o fato de a dominação patrimonialista deixar interstícios de

liberdade à sociedade; não se tratava, evidentemente, de uma sociedade contratualista, na qual os

indivíduos e os grupos podiam pactuar com o Estado o teor do seu relacionamento com ele. Mas, de

outro lado, também não era uma relação de poder total, em que nenhum espaço restasse aos

indivíduos. Era uma dominação termo-meio, na qual o Estado procura a cooptação, mas sem

conseguir polarizar ao redor de si todas as instâncias sociais. Comparava o escritor mexicano esse

tipo de relação “benévola”, com os espaços de liberdade permitidos a um país dependente como

México, no jogo internacional, pelo imperialismo norte-americano, em face da maneira

declaradamente despótica em que outras potências – as do mundo comunista, por exemplo –

dominavam aos seus satélites. A respeito desse ponto de vista, Paz escrevia:

A observação que fiz em face da relação ambígua que prevalece entre os sindicatos e o Estado mexicano, pode-

se aplicar à que nos une com Washington; quero dizer: é uma relação de dominação que não pode ser reduzida

pura e simplesmente ao conceito de dependência e que permite certa liberdade de negociação e de movimentos.

Há uma margem para a ação. Por mais estreita que nos pareça essa margem, é de qualquer forma

consideravelmente mais ampla que a da Polônia, Hungria, Tchecoslováquia ou Cuba em face da União

Soviética. Evidentemente, em momentos de crise política, a influência do embaixador dos Estados Unidos no

México pode ser – e, de fato, tem sido – tão importante e decisiva como a do Sátrapa do Grande Rei durante a

Guerra do Peloponeso. 71

É justamente pelo fato de o Estado mexicano deixar esses interstícios de liberdade – como,

no plano internacional, a grande potência ocidental, os Estados Unidos, deixa margem de manobra

aos países alinhados com ela - que o nosso pensador insistia na necessidade de os mexicanos

partirem para um estudo aprofundado – e uma crítica – ao fenômeno do estatismo, no contexto

ibero-americano. Somente conhecendo em profundidade tal fenômeno, seria possível ao México de

finais do século XX se preparar para que as novas riquezas petrolíferas recém descobertas

passassem a beneficiar realmente à sociedade, não a uma meia-duzia de tecnocratas bêbados de

estatísticas. O faraonismo é a conseqüência direta, num país como México, herdeiro da tradição

patrimonialista e do despotismo hidráulico pré-colombiano, da falta de iniciativa de uma sociedade

tradicionalmente insolidária. Paz conclamava aos cientistas sociais para esse hercúleo trabalho de

crítica histórica, reconhecendo que seu papel como escritor era o de um simples ensaísta não

sistemático. Em relação a este ponto, escrevia:

As minhas reflexões sobre o Estado não são sistemáticas e devem ser vistas, melhor, como um convite aos

71 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 90.

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especialistas para que estudem o tema. Esse estudo é urgente. De um lado, o Estado mexicano é um caso, uma

variedade de um fenômeno universal e ameaçador: o câncer do estatismo; de outro lado, será o administrador

da nossa iminente riqueza petrolífera: está preparado para isso? Os seus antecedentes são negativos: o Estado

mexicano padece, como doenças crônicas, da rapacidade e da venalidade dos funcionários. O mal data do

século XVI e é de origem hispânica. Na Espanha, o dinheiro da corrupção e dos subornos era chamado de

“unto de México”. Contudo, o mais perigoso não é a corrupção mas as tentações faraônicas da alta burocracia,

contaminada pela mania planificadora do nosso século. O perigo é maior graças à inexistência desse sistema de

controles e balanças que permite à opinião pública, em outros países, fiscalizar a ação do Estado. No México,

desde o século XVI, os funcionários contemplaram com menosprezo aos particulares e foram insensíveis tanto

às suas críticas quanto às suas necessidades. Como poderemos os mexicanos supervisionar e vigiar um Estado

cada vez mais forte e rico? Como evitaremos a proliferação de projetos gigantescos e ruinosos, filhos da

megalomania de tecnocratas bêbados de números e estatísticas? Os caprichos dos antigos príncipes arruinavam

as nações mas, pelo menos, deixavam palácios e jardins: o que nos deixou a triste fantasia da nova tecnocracia?

Nos últimos cinqüenta anos assistimos com raiva impotente à destruição de nossa cidade e de nada nos

serviram nem as críticas nem as queixas. Teremos mais sorte com o nosso petróleo do que com nossas

avenidas e monumentos?72

5 – Saindo do Patrimonialismo no México: o caminho da Reforma Política.

O nosso autor achava que o caminho para superar o vício do Patrimonialismo estava

justamente em percorrer a via recusada pelo Estado mexicano. Ora, essa via caracterizar-se-ia por

três coisas, no sentir do nosso autor: em primeiro lugar, deveria ser um caminho reformista, não de

revoluções. Em segundo lugar, a reforma a ser feita seria a política. Em terceiro lugar, o cerne dessa

reforma deveria consistir na descentralização e na construção de uma autêntica representação de

interesses na sociedade. Tarefa difícil, mas não impossível. Paz não acreditava nas soluções

miraculosas, tipo revoluções mirabolantes, que, de um momento para outro, cortassem com o

passado para inaugurar um novo tempo. Essa seria uma via messiânica que já fracassou. Como

exemplo disso, o pensador mexicano colocava a Revolução Cubana. Hoje, certamente, o nosso

escritor apresentaria, como caminho errado, a mais nova versão revolucionária encarnada no

messianismo político da Revolução Bolivariana do Presidente Chávez, na Venezuela. Octavio Paz

revelava, nesse ponto, a sua nítida inspiração liberal. A respeito da sua proposta, escrevia:

Esclareço: não condeno prematura e precipitadamente a Reforma Política. Ela é benéfica, inclusive dentro de

suas limitações. Creio que deve ser aprofundada e, por dizer assim, democratizado: descer do nível dos

partidos, que é o plano da ideologia, ao dos interesses e sentimentos concretos e particulares dos povos, dos

bairros e dos grupos. No caso da Reforma Política, a expressão voltar às origens quer dizer: tratar de inseri-la

nas práticas democráticas tradicionais do nosso povo. Essas práticas e essas tradições – afogadas por muitos

72 PAZ. Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 9.

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anos de opressão e recobertas por umas estruturas legais formalmente democráticas, mas que são, em

realidade, abstrações deformantes – estão vivas ainda. Vivas em muitas formas de convívio social e, sobre

tudo, vivas na memória coletiva. Penso, por exemplo, no autogoverno dos grupos indígenas, no município

novo-hispano e em outras formas políticas tradicionais. Aí está, acredito, a raiz de uma possível democracia

mexicana. Somente que, para que a Reforma Política chegasse ao povo real, o Estado teria de começar pela sua

própria reforma. Se democracia é pluralismo, o primeiro a ser feito é descentralizar. É possível? A outra

tradição histórica mexicana é o centralismo. No México, a realidade de realidades chama-se, desde Izcóatl,

Poder Central. Contra essa realidade bateram de frente os liberais e federalistas do século passado [XIX]. De

outro lado, burocracia é sinônimo de centralismo e o Estado mexicano, como todos os do século XX,

inexoravelmente tende a se converter num Estado burocrático.73

Para que se concretizasse a Reforma Política, seria necessário que os intelectuais passassem

a dar maior importância ao estudo do Estado. Ora, tradicionalmente – não só no México, mas

também na América Latina, em geral – eles ficaram atrelados ao estudo dos temas do sub-

desenvolvimento e da dependência, deitando uma cortina de fumaça sobre a realidade do Estado

Patrimonial. Talvez o obstáculo para que acontecesse o estudo deste decorria, no sentir do nosso

autor, da complexidade do mesmo, sendo que o Estado encontra-se, na realidade ibero-americana,

com um pé na tradição contra-reformista ibérica e com outro na Modernidade. A respeito, escrevia:

Apesar da onipresença e onipotência do Estado do século XX (...) só até faz pouco tempo renasceu a crítica do

poder e do Estado. Penso sobre tudo na França, Alemanha e os Estados Unidos. Na América Latina, o interesse

pelo Estado é muito menor. Os nossos estudiosos continuam obsessionados com o tema da dependência e o

sub-desenvolvimento. Certamente, a nossa situação é diferente. As sociedades latino-americanas são a imagem

mesma da estranheza: nelas justapõem-se a contra-reforma e o liberalismo, o latifúndio e a indústria, o

analfabeto e o literato cosmopolita, o cacique e o banqueiro. Mas a estranheza das nossas sociedades não deve

ser um obstáculo para estudar o Estado latino-americano que é, precisamente, uma das nossas peculiaridades

maiores. De um lado, é o herdeiro do regime patrimonial espanhol; de outro, é a alavanca da modernização. A

sua realidade é ambígua, contraditória e, de certa forma, fascinante.74

Encerrando este trabalho, vale a pena citar as palavras com que o grande estudioso de

Octavio Paz, o historiador Enrique Krauze, caracteriza a obra do Nobel mexicano como modelo de

crítica literária, situando-a no fio da navalha de tradição e ruptura que aflora, sempre, nos seus

escritos:

La posición crítica de Octavio Paz, equilibrada entre la tradición y la ruptura, se presenta para algunos autores

como el arquetipo intelectual de este período. Como ejemplo de esta visión está la española Fanny Rubio, para

73 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 98. 74 PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob cit, p. 86.

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quien Octavio Paz es el gran intelectual, sin par en su momento, en lengua española. 75

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75 Cit. por SOLANO, Patrício Eufraccio. “Octavio Paz, el hombre y su obra”, in:

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