Expansão canavieira na Região Agreste de Sergipe Vilas de...

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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 Expansão canavieira na Região Agreste de Sergipe Vilas de Boquim e Lagarto ( 1840 1888) 1 Carlos Roberto Santos Maciel 2 [email protected] No limiar do século XIX, a principal atividade econômica de Lagarto era a criação de gado 3 , exportado para os engenhos da Cotinguiba e Bahia 4 . Na agricultura sobressaia-se o plantio da mandioca, do feijão e do milho para o consumo local e da Província, e também o cultivo do algodão que chegava a mil e quinhentas arrobas por ano 5 . “o seu distrito povoado pelos criadores de gado vacum e cavalar, e gado miúdo: a sua agricultura consiste em algum tabaco, mandioca, milho, feijão. Há nele quatro engenhos de fazer açúcar e principia a plantação de algodão 6 .” Apesar de, em 1808, Marcos de Souza mencionar a importância da criação de gado e associá-la a Lagarto, em 1823, constava a região na relação dos engenhos matriculados na Província, com um total de 12 unidades açucareiras, isso porque havia 1 Este trabalho é uma parte da dissertação apresentada na UFBA, em 11 de abril de 2014, intitulada : A composição da riqueza em Boquim e Lagarto/SE (1850-1888.) 2 Professor da rede estadual e Municipal de Boquim. 3 ALMEIDA, Maria da Glória Santana de. Nota prévia sobre a propriedade canavieira em Sergipe (século XIX). Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. São Paulo, 1976. 4 SOUZA, Marcos Antonio de. Memórias sobre a capitania de Sergipe. Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 2005, p. 54. 5 Idem, p. 54. 6 ALMEIDA, Maria da Glória Santana de. Sergipe: Fundamentos de uma Economia Dependente. Rio de Janeiro: Vozes, 1984, p. 217, apud. BN.

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O CINQUENTENRIO DO GOLPE DE 64

Expanso canavieira na Regio Agreste de Sergipe Vilas de Boquim e

Lagarto ( 1840 1888)1

Carlos Roberto Santos Maciel2

[email protected]

No limiar do sculo XIX, a principal atividade econmica de Lagarto era a

criao de gado3, exportado para os engenhos da Cotinguiba e Bahia4. Na agricultura

sobressaia-se o plantio da mandioca, do feijo e do milho para o consumo local e da

Provncia, e tambm o cultivo do algodo que chegava a mil e quinhentas arrobas por

ano5.

o seu distrito povoado pelos criadores de gado vacum e cavalar, e

gado mido: a sua agricultura consiste em algum tabaco, mandioca,

milho, feijo. H nele quatro engenhos de fazer acar e principia a

plantao de algodo6.

Apesar de, em 1808, Marcos de Souza mencionar a importncia da criao de

gado e associ-la a Lagarto, em 1823, constava a regio na relao dos engenhos

matriculados na Provncia, com um total de 12 unidades aucareiras, isso porque havia

1 Este trabalho uma parte da dissertao apresentada na UFBA, em 11 de abril de 2014, intitulada : A

composio da riqueza em Boquim e Lagarto/SE (1850-1888.) 2 Professor da rede estadual e Municipal de Boquim. 3 ALMEIDA, Maria da Glria Santana de. Nota prvia sobre a propriedade canavieira em Sergipe

(sculo XIX). Anais do VIII Simpsio Nacional dos Professores Universitrios de Histria. So Paulo,

1976. 4 SOUZA, Marcos Antonio de. Memrias sobre a capitania de Sergipe. Aracaju: Governo do Estado de

Sergipe, 2005, p. 54. 5 Idem, p. 54. 6 ALMEIDA, Maria da Glria Santana de. Sergipe: Fundamentos de uma Economia Dependente. Rio de

Janeiro: Vozes, 1984, p. 217, apud. BN.

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em seu territrio solos em condies para o plantio da cana-de-acar, localizados,

principalmente, onde hoje esto os atuais municpios de Riacho e Boquim7.

Expanso da cana e do nmero de engenhos - A expanso canavieira em

Sergipe, na dcada de 40, penetrou terras afastadas da Zona da Mata, antes marginais ao

florescimento da grande lavoura8, chegando ao agreste-serto de Lagarto, que apesar de

distante dos portos e apresentar um clima em que ocorrem secas e estios, obteve,

segundo a tabela abaixo, um crescimento significativo do nmero de engenhos a partir

de 1838.

Tabela 1 - Evoluo do nmero de engenhos no decorrer do XIX Boquim e

Lagarto/SE.

Anos Nmeros de engenhos

Incio do XIX

1823

1837

1838

1852

1856

1858

1875

1881

4

12

10

12

25

34

35

279

4110

7 ALMEIDA, 1976, op. cit., p. 487. 8 ALMEIDA, Maria da Glria Santana de. Nordeste Aucareiro: Desafios num processo de vir-a-ser

capitalista. Aracaju: UFS/SEPLAN/BANESE, 1993, p. 130. 9 Resultado da soma dos 5 engenhos de Lagarto, com os 22 da Vila de Boquim. 10 Desses 37 estavam ativos e 4 eram fogo morto. PIMENTA BUENO, Francisco Antnio. Relatrio

sobre a preferncia de traados para a estrada de ferro na Provncia de Sergipe apresentado ao Ilmo. e

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Fontes11

A Tabela 1 mostra um considervel crescimento no nmero de engenhos nas

vilas analisadas, que quase triplicou, passando de 12 para 35 engenhos no perodo de

1838-1858, um aumento de aproximadamente 292%. Esse aumento pode ser explicado

por fatores externos e internos, que alavancaram os preos do acar entre 1840-185712,

enchendo de esperanas vantajosas quem se dedicasse ao cultivo da cana e montasse

engenho. Fato, provavelmente, ocorrido com o major Manoel de Seabra Lemos Jnior13,

que em 1855, no inventrio de sua esposa, mencionou possuir um engenho novo de

fabricar acar.

O aumento do nmero de engenho na regio deu-se pela subdiviso da

propriedade em novas fbricas, provocada tanto pelo seu desmembramento aps a morte

do senhor, quanto, em outros casos, pela tecnologia disponvel no permitir o aumento

da produo e o crescimento da unidade aucareira. Por isso, quando se queria produzir

mais, os senhores de engenho multiplicavam suas unidades para si e para seus

descendentes14.

A construo do engenho Pedras em terras do engenho Palmas15 confirma a

subdiviso de propriedades canavieiras para construo de um novo engenho no mesmo

Exm. Sr. Conselheiro Pedro Luiz Pereira de Souza, Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios da

Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1881, p. 82. 11 Fonte: incio do XIX ALMEIDA, 1984, p. 217; 1823 e 1837 ALMEIDA 1976, p. 487; 1838

ALMEIDA 1993, p. 144; 1852 - IGHS-Relatrio do Presidente de Provncia, Dr. Jos Antnio de

Oliveira Silva, 05 de fevereiro de 1852; 1856 - IGHS-Relatrio do Presidente de Provncia, Dr. Salvador

Correia de S e Benevides, 1856; 1858 - IGHS-Relatrio do Presidente de Provncia, Dr. Joo Dabney

dAvellar Brotero, 1858; 1875 - ALMEIDA 1993, p. 144; 1881- PIMENTA BUENO, p. 82. 12 PASSSOS SUBRINHO, Josu M. dos. Reordenamento do Trabalho: Trabalho escravo e trabalho livre

no Nordeste Aucareiro. Sergipe (1850-1930). Aracaju: FUNCAJU, 2000, p. 417. 13 AGJES-Inventariada: D. Anna Josefa Lina de Seabra. Inventariante: Manoel de Seabra Lemos Jnior.

Inventrios Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 29/09/1855. Caixa 19. 14 ALMEIDA, 1993, op. cit., p. 130. 15AGJES- Inventariado: Antnio Correa de Seabra. Inventariante: Jesuna Freire de Seabra. Inventrios

Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 06/07/1876. Caixa 36.

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territrio. Alm desse exemplo, outro nos ajuda a confirmar essa hiptese, o Major

Manoel Evaristo de Carvalho j possua o engenho So Joaquim quando construiu em

suas terras um novo com o nome de Miguel dos Anjos16. Essa prtica de subdiviso das

unidades aucareiras em Lagarto vinha sendo praticada desde os primrdios do sculo

XIX, pois em 1811, Jos Joaquim da Silveira (bisav de Slvio Romero) montou mais

um engenho, dividindo sua propriedade em duas, conhecidas por Moreira Velha e

Moreira Nova17.

Algumas dessas novas unidades eram de pequeno porte, sendo avaliadas entre

1 e 3 contos de ris. Por isso no necessitavam da compra de um grande nmero de

escravos, como tambm da aquisio de grandes extenses de terras. Todos esses

fatores reduziram o valor da sua construo e, de certa forma, foram elementos

facilitadores para sua montagem, contribuindo, assim, para a multiplicao dos

engenhos locais, por no requererem investimentos elevados. Citamos como exemplo:

Loureno Alves de Andrade18, proprietrio do engenho Coco, avaliado em 1:100$000

de ris e Jos de Souza Furtado19, possuidor do engenho Senhor do Bomfim, com o

valor de 2:500$000 ris.

Alm das suposies mencionadas para a multiplicao dos engenhos locais,

outras possveis hipteses seriam os altos preos do acar no mercado internacional e o

desejo de entrar numa categoria que representava respeito e status social. Tudo isso

levou muitos criadores e lavradores locais a se empenharem na montagem de pequenas

unidades aucareiras e transformarem-se em senhores de engenho.

16 AGJES-Inventariada: Joana Batista do Deserto. Inventariante: Major Manoel Evaristo de Carvalho.

Inventrios Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 13/12/1860. Caixa 24. 17 FONSECA, Adalberto. Histria de Lagarto. Governo de Sergipe, 2002, p. 381. 18 AGJES-Inventariado: Loureno Alves de Andrade. Inventrios Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de

Lagarto, 09/10/1858. Caixa 23. 19 AGJES-Inventariado: Maria Lusia das Virgens. Inventariante: Jos de Souza Furtado. Inventrios Post-

mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 30/07/1863. Caixa 26.

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Cruzando algumas outras fontes20 com os inventrios, e observando-os na

primeira metade do sculo, pudemos rastrear nesses documentos alguns criadores e

agricultores que se tornaram senhores de engenho. O Major Manoel de Seabra Lemos

Junior, proprietrio do stio Campo de Baixo, em 184321, criava 66 cabeas de gado

bovinos, 14 equino, 22 ovinos e 8 caprinos, cultivava mandioca e possua casa de

farinha, trabalho exercido por 11 escravos. O stio com casa, pasto e casa de farinha

foram avaliados em 1:500$000 ris. Doze anos depois, havia se tornado senhor do

engenho So Joaquim do Migrete22, unidade aucareira nova e que foi construda em

terrenos do antigo stio.

Para a montagem do engenho, como j possua escravos e terra, o Major

Manoel de Seabra Lemos tomou emprstimos destinados compra de maquinrios. O

engenho com seus acessrios e terras foi avaliado em dez contos de ris. Os crditos

obtidos no ultrapassaram dois contos, as demais dvidas eram mais recentes e

contradas para financiar a safra. Isso nos leva a crer que, boa parte do capital para a

montagem de seu engenho teve origem dos rendimentos oriundos da criao de animais

e do cultivo de mandioca. Seu rebanho reduziu-se de 80 cabeas para 23. Certamente,

terrenos, outrora, destinados a pastagens deram lugar aos canaviais. Assim supomos que

parte do capital para a montagem do engenho foi adquirido a partir da venda do gado

criado.

Em seu stio, como foi mencionado, o Major cultivava a mandioca. Seu

principal subproduto, a farinha, alcanou preos elevados em Sergipe na dcada de

1850, devido a sua escassez entre os anos de 1856-59. Mesmo antes da crise de

20 Lista de Votantes, libelo cvel, livro de notas. 21 AGJES- Inventariada: D. Anna Josefa do Sacramento Montes Seabra. Inventariante: Major Manoel de

Seabra Lemos Junior. Inventrio post-mortem. Cartrio de 2 Ofcio de Lagarto, 19/08/1843, caixa 10. 22 AGJES- Inventariada: D. Anna Josefa Lina de Seabra. Inventariante: Major Manoel de Seabra Lemos

Junior. Inventrio post-mortem. Cartrio de 2 Ofcio de Lagarto, 29/09/1855, caixa 19.

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abastecimento alimentar23, em 1850 o preo de uma tera24 de farinha era 1$140 ris.

Enquanto isso uma arroba de acar mascavo e branco custavam respectivamente a

$900 e 1$400 ris. Dessa forma, podemos dizer que talvez os preos da farinha

competissem com os do acar. possvel que os valores elevados da farinha tenham

contribudo para o acmulo de riquezas pelos agricultores. Alguns transferiram seus

rendimentos, ou, parte deles, para a montagem de engenhos. A busca por status social

fez muitos largarem o cultivo de mandioca, que dava bons rendimentos, para se

transformarem em senhores de engenho, pois essa condio conferia status, prestgio e

admirao social.

Jos Jorge da Trindade, em 184325, proprietrio e morador do Stio Lagoa

Dantas, criava 21 cabeas de gado bovino, cultivava mandioca, e era dono de 10

escravos. Entre 186826 e 186927 continuava morando no mesmo stio, exercendo o ofcio

de lavrador, com bons rendimentos nessa atividade, pois declarou uma renda anual de

um conto de ris. De acordo com a lista de votantes de Lagarto de 187828, ele havia se

tornado proprietrio de engenho, chamado Gavio, mas auferia a mesma renda anual de

quando era lavrador. No mesmo perodo, por razes no descobertas, todos os senhores

de engenho de Lagarto declaram rendas inferiores em relao ao ano de 1868. O

Engenho Gavio foi um dos trs novos engenhos montados na Vila de Lagarto durante a

23 ALMEIDA, Maria da Glria Santana de Estrutura da produo de alimentos na Provncia de Sergipe

(1855-1860). Revista do Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe. Aracaju, n 27, 1965/1978, p. 15-

39, 1978. 24 Tera era a unidade para medir a farinha e que equivalia a 10 quilos. Ainda hoje nas casas de farinhas

de Boquim e de Lagarto continuam a utilizar esse tipo de medida. 25 AGJES- Inventariada: D. Anna Joaquina. Inventariante: Jos Jorge da Trindade. Inventrio post-

mortem. Cartrio de 2 Ofcio de Lagarto, 06/09/1843, caixa 11. 26 APES - Lista de Qualificao de Votantes da Vila de Lagarto de 1868. Fundo Tribunal Eleitoral, TE -

33. 27 AGJES - Libelo Cvel de Lagarto. Ru: Janurio Ferreira Barbosa. Autor: Jos Jorge da Trindade.

Caixa 3, 21/09/1869. 28 APES - Lista de Qualificao de Votantes da Vila de Lagarto de 1878. Fundo Tribunal Eleitoral, TE -

53.

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dcada de 1870. Como Jos Jorge da Trindade sempre foi agricultor e criador de gado,

provavelmente, acumulou ao longo do tempo, a partir do lucro dessas atividades, capital

e, posteriormente, o investiu na montagem de sua indstria aucareira. Em 1883 no

constava nenhuma dvida passiva a ser liquidada. Seu engenho foi avaliado em seis

contos de ris e tinha uma fortuna de 23:884$000 ris29.

Em 1821, com a morte de Thom de Fraga Pimentel30, grande criador de gado,

com um rebanho composto por 1325 cabeas de bovino, 208 de equinos, 320 ovinos e

50 caprinos, seus filhos Thom da Fraga Pimentel e Antnio Manoel de Fraga herdaram

um quinho de 1:887$225, constitudo principalmente por gado. Ambos tornam-se, a

partir de 1840, grandes senhores de engenho em Boquim. Thom da Fraga Pimentel era

dono dos engenhos Bom Sucesso e Lagoa Vermelha, e Antnio Manoel de Fraga

proprietrio do Engenho Junco.

O fato de lavradores de mandioca e criadores de gado tornarem-se senhores de

engenho demonstrava que essas atividades econmicas, destinadas ao abastecimento do

mercado interno, geravam razoveis fortunas, que possibilitavam, s vezes, a montagem

de engenhos de acar. Para instalao desses, alm de seus rendimentos individuais,

esses proprietrios recorriam ao crdito. Desse modo, contriburam para aumentar o

nmero de unidades produtoras de acar em Boquim e Lagarto.

A Tabela 1 tambm evidencia uma reduo do nmero de engenhos em

Lagarto no perodo compreendido entre 1858-1875, caindo de 35 para 27 unidades31.

Provavelmente, essa reduo originou-se da expanso do algodo. Tanto em Lagarto,

29 AGJES- Inventariada: Marianna Felismina da Trindade Rocha. Inventariante: Jos Jorge da Trindade.

Inventrio post-mortem. Cartrio de 2 Ofcio de Lagarto, 20/02/1883, caixa 42. 30 AGJES- Inventariado: Thom de Fraga Pimentel. Inventariante: D. Paula Josefa de S. Pedro. Inventrio

post-mortem. Cartrio de 2 Ofcio de Lagarto, 25/05/1821, caixa 2. 31 Esta a soma dos 22 engenhos de Boquim com os 5 engenhos de Lagarto.

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quanto em Boquim32, alm do acar, o algodo passou a ser outro importante ramo da

produo33. bem possvel, como aconteceu em outras regies de Sergipe, que muitos

senhores de engenho abandonaram o cultivo da cana e passaram a se dedicar ao plantio

do algodo.

Uma explicao, quanto reduo do nmero de engenhos, seja o

desmembramento do territrio de Lagarto, surgindo s vilas de Riacho e Boquim. Esta

ltima, por opo de pesquisa, permaneceu nos limites geogrficos de nosso estudo, e

Riacho foi excluda. Esta possua, em 1875, 11 engenhos de acar34. Se subtrairmos

os 11 engenhos de Riacho de 1875 dos 35 existentes em 1858, Lagarto,

provavelmente, teria 24 engenhos, e se, em 1875, possua 27, tendo assim, um aumento

de trs unidades, podendo-se afirmar, ento, que diferentemente da tendncia de Sergipe

que reduziu o nmero de engenhos motivado pela expanso do algodo manteve

seus engenhos ou, at mesmo, obteve um pequeno aumento de suas unidades de

produo acar.

Pela anlise da Tabela 1, percebe-se o aumento no nmero de engenhos em

Lagarto e, tambm, em Boquim no perodo de 1875-1881, atingindo um pouco mais de

50%. Nesse intervalo de tempo a Vila de Boquim elevou o nmero de engenhos de 22

para 2935, havendo 4 com fogo morto. J a Vila de Lagarto que contava com 5 engenho

em 1875, ganhou mais trs unidades, passando a ter 8, um aumento de 60%. Dos

engenhos montados em Lagarto, no perodo, apenas o Gavio era de mdio porte,

32 IGHS-Relatrio do Tenente Coronel Francisco Jos Cardoso Jnior, abertura da Assembleia Provincial

de Sergipe, 04 de maro de 1870, p. 93. 33 Idem. 34 ALMEIDA, 1993, op. cit., p. 144. 35 PIMENTA BUENO, op. cit. p. 82. Nesse documento ele englobava os engenhos de Boquim e Lagarto,

mas fazia referencia como se fossem apenas dessa ltima vila. Pelos nomes dos engenhos, cruzando com

outros documentos, foi possvel dividir os engenhos que eram de Lagarto dos que pertenciam ao territrio

de Boquim. Pela lista os oito primeiros engenhos estavam localizados em Lagarto e os demais no

territrio boquinense.

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avaliado em 6:000$000 de ris, pois os Engenhos Piabas e Retiros no passavam de

engenhocas de fazer rapaduras36, sendo avaliados respectivamente em 600$000 e

1:000$000 de ris.

O crescimento talvez foi impulsionado pelo retorno de antigos senhores de

engenho ao cultivo da cana, antes abandonado por conta dos lucros promovidos pelo

algodo, principalmente, na dcada de 60. Como esse produto, aps 1875, enfrentou

retrao de seus preos, muitos engenhos voltaram a ser montados. Com o fim da febre

algodoeira, pode ter ocorrido nas vilas, como disse Almeida, a aplicao de uma

pequena acumulao, obtida com o cultivo do algodo, na formao de pequenos

engenhos37. Existe tambm a hiptese de que a perspectiva de abertura da estrada de

ferro, cortando o territrio lagartense, teria estimulado a instalao de outros novos

engenhos38.

Portanto, apesar das Vilas de Lagarto e Boquim possurem entraves para

montagem de engenhos, provocados pelos altos custos com o transporte dos produtos

at os portos litorneos, como tambm, pela possibilidade de perdas das safras em anos

de secas ou estias prolongadas, parece que, na maior parte do tempo, houve uma

rentabilidade econmica maior que a obtida na cultura de alimentos, do algodo ou da

pecuria, visto que os engenhos persistiram e aumentaram por todo o perodo em

anlise39.

importante frisar, que apesar das vilas de Lagarto e, principalmente, de

Boquim terem presenciado uma expanso no cultivo da cana em seus territrios, a partir

da segunda metade do sculo XIX, no se deve compar-las com as vilas canavieiras da

Zona da Mata e da Mata-Sul de Sergipe. Primeiro, enquanto sua distncia do porto para

36 Termo que foi utilizado nos inventrios que continham esses engenhos. 37 ALMEIDA, 1993, op. cit., p. 131-132. 38 Idem, p.165. 39 PASSOS SUBRINHO, 2000, p. 59.

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escoar a produo dificultava o aumento da safra, as vilas do Vale do Cotinguiba e da

Mata-Sul beneficiavam-se de sua localizao mais prximas aos portos. Segundo, o solo

da zona da mata era de melhor qualidade, favorecendo uma maior produtividade.

Terceiro, as vilas localizavam-se no agreste, rea de transio da zona da mata para o

serto, onde o clima era mais quente e havia a possibilidade de se perder a produo por

causa das grandes estiagens.

As diferenas regionais apontadas tornam-se mais perceptveis, se comparamos

alguns dados. Primeiro, o tamanho dos engenhos: os da regio em estudo, em geral,

eram menores que os da zona da mata sergipana, fato comprovado pelo valor dos

engenhos, como o Pedras, em Maruim, Zona da Mata, que valia 90:000$000 de ris40.

Segundo, a maioria dos engenhos possua maior nmero de escravos nos engenho.

Alguns contavam com mais de 120 escravos41, enquanto o maior nmero da regio de

Lagarto chegou a 60 cativos. Terceiro, a quantidade de engenhos: as vilas de Laranjeiras

e Capela, situadas na Zona da Mata, possuam, respectivamente, em 1881, 97 e 82

engenhos42, frente s 41 unidades de Lagarto e Boquim. Quarto, a fora motriz:

enquanto, em 188143, muitas vilas da Zona da Mata e da Mata-Sul de Sergipe j

contavam com engenho a vapor, a exemplo de Laranjeiras, que continha 47 unidades

com essa fora motriz, equivalendo a 48,45% de seus engenhos, as de Boquim e

Lagarto continuavam com todos seus engenhos movidos trao animal.

Apesar de toda diferena entre essas regies, necessrio salientar a

importncia das peculiaridades da histria local. Cada localidade tinha sua prpria

dinmica. Ser senhor de engenho era um ttulo importante e de difcil acesso, tanto na

zona da mata sergipana, quanto nas vilas de Boquim e Lagarto. Ao contrrio da zona da

40 ALMEIDA, 1993, op. cit. 265. 41 Idem, p. 309. 42 PIMENTA BUENO, op. cit. p. 78-80 para Laranjeiras, e p.85-86 para Capela. 43 Idem.

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mata sergipana, que com seu elevado nmero de engenho tornou-se praticamente uma

regio monocultora, as vilas contempladas, com a expanso canavieira, diversificou

ainda mais sua base econmica, pois em momento algum deixaram de lado a criao de

animal e o cultivo de gneros alimentcios, sobretudo da mandioca. Essas atividades

econmicas continuaram como importantes geradoras de riqueza.

Dvidas e crditos dos senhores de engenho - Como vimos, ocorreu uma

expanso da cana nas terras de Lagarto, propiciando um significativo crescimento no

nmero de engenhos, mas resta saber a origem do capital empregado na construo

desses engenhos. Sabemos que alguns lavradores e criadores tornaram-se senhores de

engenho a partir da utilizao dos rendimentos provenientes de suas atividades

econmicas. No entanto, esses casos foram minorias. Dessa forma, de onde se originou

o capital que financiou a montagem dos engenhos em Lagarto e Boquim?

Em Sergipe, Almeida explica que esse capital proveio de emprstimos feitos

por comerciantes baianos, pois, mesmo independente politicamente da Bahia, a

Provncia continuou vinculada a sua praa financeira44. Lagarto, tambm contou com

capitais baianos para a construo de suas unidades de produo de acar. Os

inventrios de novos senhores de engenho comprovam o uso desses recursos. O do

Major Manoel de Seabra Lemos Jnior45, mostra que ele devia ao comerciante baiano,

Manoel Lopes da Silva Sobrinho, o valor de 740$275 ris, correspondente a

emprstimos e juros, feitos a 1% ao ms. Esses juros, cobrados por comerciantes

baianos, eram considerados altos, e como fator de atraso e decadncia pelas elites

econmicas e polticas da Provncia.

44 ALMEIDA, 1993, op. cit., p.272. 45 AGJES-Inventariado: D. Anna Josefa Lina de Seabra. Inventariante: Manoel de Seabra Lemos Jnior.

Inventrios Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 29/09/1855. Caixa 19.

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O mais exagerado usurrio se admiraria de ver as condies a que se

sujeita o lavrador que tem de levantar quaisquer capitais na praa que

sempre a da Bahia. Juros de 1,5% a 2% ao ms, acumulaes

semestrais e, o que ainda pior, a condio de serem os credores os

vendedores dos gneros, donde resultam abusos, e, sobretudo, o

prejuzo que sofrem os agricultores de no poderem esperar melhor

mercado para seus produtos46.

O Major Manoel de Seabra Lemos Jnior devia tambm a comerciantes de

Estncia e da prpria Lagarto, pagando taxas de juros maior que 2% ao ms. Esse foi

um dos casos encontrados, em que as taxas de juros baianas, por vezes, eram menores

que as cobradas por credores locais.

A anlise do livro de notas, e principalmente, dos inventrios, mostra que, ao

lado do capital oriundo da Bahia, existiu um capital mercantil sergipano, como o

proveniente de Estncia, o qual predominou em Lagarto e custeou a construo de

muitos engenhos. O forte sistema de crdito dos comerciantes estancianos financiou

tanto atividades agroexportadoras quanto as ligadas ao abastecimento interno de Lagarto

e de vrias partes da Provncia47. Uma confirmao do financiamento proveniente do

capital mercantil de Estncia, o emprstimo de 435$813 ris48, tomado pelo Major

Manoel de Seabra Lemos Jnior ao comerciante estanciano Cndido Vieira Dantas.

A partir da anlise dos inventrios possvel afirmar que parte do capital

utilizado para a montagem de engenhos em Lagarto provinha de comerciantes da vila,

entre os quais se destacavam o Tenente Coronel Francisco Baslio dos Santos Hora, que,

de acordo com o seu inventrio, era o indivduo de maior riqueza em Lagarto, e Andr

46 IGHS-Relatrio do Presidente de Provncia Dr. Joaquim Bento de Oliveira Jnior. 5 de setembro de

1872. 47 SILVA, Sheyla Farias. Nas teias da fortuna: homens de negcio na Estncia Oitocentista (1820-1888).

Salvador, 2005. Dissertao (Mestrado em Histria), Ps-graduao em Histria Social Universidade

Federal da Bahia, p.47. 48 AGJES- Inventariado: D. Maria de Sousa Freire de Seabra. Inventariante: Major Manoel de Seabra

Lemos. Inventrios Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 18/07/1879. Caixa 34.

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Ramos Romero (pai de Slvio Romero). Em seu inventrio, Antnio Correa de Seabra49

devia 36:600$000 (juros e emprstimos) a Francisco Baslio, e 2:760$000 a Andr

Romero. Dvidas essas, provavelmente, adquiridas para a montagem do seu segundo

engenho, em 1869, o Engenho Pedras, avaliado em 40:000$000 de ris.

O j mencionado Engenho So Benedito do Migrete, pertencente ao Major de

Seabra Lemos Jnior, apesar de contar com o financiamento de comerciantes baianos e

estancianos, teve como principal credor o lagartense Francisco Baslio dos Santos Hora,

de quem recebeu um emprstimo a juros no valor de 1:419$500. O mesmo comerciante

tambm havia emprestado 8:000$000 de ris ao Capito Jos Freire de Carvalho50 para

a instalao do Engenho Piabas e a aquisio de 12 escravos.

Francisco Augusto de Azevedo, proprietrio do Engenho Palmeira, tambm

recorreu a comerciante de Estncia. O estanciano Antnio Silva Moitinho foi credor de

suas safras. Veja o que diz o proprietrio:

[...] a origem do dbito que no me vergonhoso em sentido

nenhum,... no foi feito para sustentar luxo nem orgias, para tanto, a

origem delle eu declaro a que, foi fabrica, supprimento este que tomei

para o Engenho Palmeira; no vergonhosa a origem do dbito51.

Portanto, podemos afirmar que o capital inicial, utilizado na montagem dos

engenhos de Lagarto e Boquim, foi oriundo tanto de comerciantes da Bahia e de

Estncia como de comerciantes abastados que viviam em Lagarto. Alm do capital

inicial, os proprietrios de engenho, muitas vezes, antecipavam crditos junto a

49 AGJES-Inventariado: Antnio Correa de Seabra. Inventariante: Jesuna Freire de Seabra. Inventrios

Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 06/07/1876. Caixa 36. 50 AGJES-Inventariada: D. Anna Francisca dArajo. Inventariante: Capito Jos Freire de Carvalho.

Inventrios Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 10/03/1880. Caixa 40. 51AGJES - Ao de Embargo. Embargante: Antnio Silva Moitinho. Embargado: Frederico Augusto de

Azevedo. Cartrio de 2 ofcio de Lagarto. Cx.1, 10/06/1861.

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comerciantes para financiar a sua safra e para seu suprimento. O valor do capital

emprestado, por vezes, era recebido em acar.

A dependncia dos senhores de engenho frente aos comerciantes perdurou por

todo perodo de 1850- 1888 e posterior abolio. Isso o que nos conta Ediberto

Campos em suas crnicas de relatos de memria sobre o Engenho Piau. O dono do

engenho, j com 47 anos de idade, no desanimou, foi-se adaptando ao novo regime

continuando a mandar acar para Sousa Sobrinho e Cia; da Estncia, que lhe supria

de crditos a resgatar pelas safras52.

Abaixo, a Tabela 2, mostra as principais dvidas contradas pelos senhores de

engenho com o objetivo de financiar as safras, e a origem desses capitais.

Tabela 2 Emprstimos contrados pelos senhores de engenho Boquim e

Lagarto/SE (1850-1888).

Capital emprestado Credores

Local de origem

do capital

Total

emprestado

% Total de

credores

%

Bahia 19:573$677 29,92 04 17,40

Estncia 19:741$998 30,17 08 34,79

Lagarto 23:814$386 36,40 10 43,47

Outros 2:300$000 3,51 01 4,34

Total 65:430$061 100 23 100

Fontes: AGJES - Inventrios 1 e 2 Ofcio de Lagarto e Boquim, 1850-1888. Libelo

cvel e aes de embargo de Lagarto.

52 CAMPOS, Ediberto. Crnicas da passagem do sculo. V.2. Aracaju: 1970, p.185-86.

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Diante da Tabela 2 podemos afirmar que existia certo equilbrio na origem do

capital utilizado para o financiamento da produo nos engenhos locais, mas com uma

ligeira vantagem dos emprstimos oriundos de grandes comerciantes de Lagarto,

seguidos de comerciantes estancianos e baianos. Os crditos dos comerciantes locais

compreendiam a 36,40% do capital emprestado, sendo Francisco Baslio dos Santos

Hora o principal credor. A presena desse grande capitalista lagartense foi de suma

importncia para a montagem e financiamento da produo de alguns engenhos

arrolados. Essa predominncia do fornecimento de crdito pelos negociantes locais

comprova que o comrcio em Lagarto era ativo e rendia bons lucros e grandes fortunas.

O maior nmero de credores tambm pertencia a vila de Lagarto, chegando a 43,47% do

total.

Como sabido, os senhores de engenho precisavam de capital para a compra

de gado, escravos e para a montagem e manuteno dos engenhos, sendo que boa parte

desse capital provinha, principalmente, de comerciantes. O difcil descobrir os reais

motivos para a aquisio de crditos e o destino desse capital. Os inventrios e outros

documentos utilizados nessa pesquisa relatam o valor do emprstimo, a porcentagem

dos juros e o nome do emprestador. Mas, teve, tambm, casos em que mencionam o

motivo da dvida, o que possibilitou a montagem da Tabela 3.

Tabela 3 Motivos das dvidas dos senhores de engenho Boquim e Lagarto/SE

(1850-1888).

Ano Devedor Valor Motivo

1855 Manoel de Seabra L. Junior 1:419$500 Montagem do engenho

1860 Jos de Souza Freire 1:964$946 Suplementos para o engenho

1862 Venncio da Fonseca Dorea 2:900$000 Suplementos para o engenho

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1870 Major Antnio Correa Dantas 90$846 Compras para a famlia

1870 Major Antnio Correa Dantas 250$200 Compra de seis bois

1871 Jos Alves de Freitas 400$000 Compras.

1871 Antonio Correa de Seabra 21:000$000 Montagem do engenho

1872 Antonio Correa de Seabra 7:692$000 Suplementos para o engenho

1875 Jos Rodrigues dos santos 245$000 Compra de oito burros.

1880 Jos Freire de Carvalho 8:000$000 Montagem do engenho e

compra de 12 escravos.

1880 Jos Alves de Freitas 2:315$000 Suplementos para o engenho

Fontes: AGJES - Inventrios 1 e 2 Ofcio de Lagarto e Boquim, 1850-1888, Libelo

Cvel de Lagarto.

Os maiores emprstimos contrados foram aplicados na instalao de engenhos,

para o qual se fazia necessria a construo do prdio, a compra de maquinrios, e, por

vezes, de escravos, gado e terras. Os maiores emprstimos tomados foram para montar

engenhos de acar. Antonio Correa de Seabra53 tomou emprestado a quantia de 21

contos de ris no ano de 1871, que com os juros cobrados elevou-se para 40 contos, em

1876. O emprstimo foi feito para a montagem do engenho Pedras, unidade aucareira

de maior valor entre os inventariados, avaliado em 40 contos de ris. Jos Freire de

Carvalho54 contraiu, em 20/12/1876, um emprstimo de 8:000$000 conto de ris de

Francisco Baslio dos Santos Hora, para a montagem do engenho Piabas, e a compra de

12 escravos. O que mais lhe custou foi a aquisio dos escravos, pois o engenho era de

pequeno porte e produzia apenas rapadura. O emprstimo seria pago em 16 anos, sendo

que, a cada fim de ano, ele pagaria 500$000 mil ris. Como garantia do pagamento do

53 AGJES- Inventariado: Antonio Correa de Seabra. Inventariante: Jesuna Freire de Seabra. Inventrio

post-mortem. Cartrio de 2 Ofcio de Lagarto, 06/07/1876, caixa 36. 54 AGJES-Inventariada: D. Anna Francisca dArajo. Inventariante: Capito Jos Freire de Carvalho.

Inventrios Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 10/03/1880. Caixa 40.

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emprstimo foram hipotecados os 12 escravos comprados. Ficou previsto para ele quitar

o crdito em fins de 1892, mas o falecimento de sua esposa, em 1880, o obrigou a quit-

lo antes da data prevista.

Por se tratar de grande volume de capital, a montagem dos engenhos foi

financiada para se pagar em um perodo prolongado e parcelado, facilitando, de certa

forma, a liquidao dos emprstimos. Em contrapartida, quanto maior era o tempo para

quitar o crdito, maior o valor final a ser pago, pois a cobrana de juros elevava o

montante, beneficiando assim os credores.

Como vimos na Tabela 3 muitos senhores de engenho contraam crdito com o

objetivo de comprar de suplementos, ferramentas e utenslios. Havia tambm os custos

com alimentao dos escravos e os gastos com a manuteno familiar. Os crditos

contrados tambm eram utilizados para adquirir animais destinados aos trabalhos nos

engenhos, seja como trao, e para o transporte de cargas e pessoas. No entanto, para

muitos senhores de engenho, que por outro lado eram fazendeiros de gado, a compra

desses animais no foi necessria.

Escravos dos engenhos - A principal fora de trabalho utilizada nos engenhos,

no perodo colonial e at fins do Imprio, era a escrava. Para Sergipe, o emprego dessa

mo de obra permaneceu importante para o setor aucareiro, at as vsperas da abolio

da escravido55. O nmero de escravos utilizados nos engenhos variava de acordo com

sua dimenso e a sua capacidade de produo. A mdia sergipana era de 20 escravos por

engenhos, chagando a ser bastante inferior a dos engenhos baianos e pernambucanos56.

Isso se justifica pelo tamanho dos engenhos sergipanos, que, se comparados com os da

55 PASSOS SUBRINHO, 2000, op. cit., p. 191. 56 MOTT, Lus R. B. Sergipe Del Rey: Populao, economia e sociedade. Aracaju: FUNDESC, 1986, p.

145.

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Bahia e Pernambuco no passavam de bangus.57 Em Lagarto e Boquim, o nmero de

escravos por engenho distribua-se conforme a Tabela 4.

Tabela 4 Relao de escravos por engenho Boquim e Lagarto/SE

(1850-1888).

Ano N de engenhos N de escravos Escravos/engenhos

1857

1858

1881-82

15

35

37

550

285

-

19

16

18,9

Fontes: 58

A mdia de escravos por engenhos em Lagarto era um pouco menor que a

mdia sergipana, mas uma importante constatao a ser feita que a mdia de Lagarto

se manteve praticamente inalterada entre 1857 e 1881/82, variando aproximadamente

0,1%. Sabendo-se que a regio em anlise, assim como toda Provncia, sofreu uma

reduo do nmero de escravos no mesmo perodo, motivada, principalmente, por

mortes, alforria e trfico inter e intraprovincial de escravos59, o que poderia explicar

essa invarincia na mdia escravo/engenho em Lagarto e Boquim? Uma hiptese, que

os senhores de engenho de Lagarto provavelmente, teriam buscado suprir essa reduo

com a compra de escravos a cultivadores de alimentos ou de algodo, e a criadores de

animais ou, at mesmo, com a aquisio daqueles que trabalhavam na rea urbana.

57 Idem, p.145. 58 Para 1857, ALMEIDA, 1993, op. cit., p. 215; PASSOS SUBRINHO, 2000, op. cit., p. 98. Para 1858-

IGHS-Relatrio do Presidente de Provncia, Dr. Joo Dabney dAvellar Brotero, 1858. E para 1881-82,

PASSOS SUBRINHO, 2000, op. cit., p. 98, nessa fonte no consta o nmero de engenhos, ento pegamos

esses dados na prpria obra do autor na p. 58. 59 PASSOS SUBRINHO, 2000, p. 110.

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O fato do nmero de no proprietrios de escravos tornarem-se maior que o de

proprietrios na dcada de 8060, uma possvel comprovao disso. o caso de

Martinho Jos de Oliveira61, plantador de mandioca e criador de gado, que tinha entre

seus bens uma senzala, porm no contava mais com escravos, vendidos, talvez, para os

senhores de engenho.

Apesar do nmero escravo/engenho no ser to elevado em Lagarto, quanto o

das vilas da Zona da Mata, a regio tinha o segundo lugar no ndice de rendimento por

escravos da Provncia em 1857, como tambm, na produo acar/escravo. Isso pode

ter ocorrido em razo de seus engenhos estarem montados em reas de ocupao

recente62, possibilitando, assim, uma maior produtividade. Fato este comprovado em

185863, quando os 35 engenhos de Lagarto ocuparam o quarto lugar em produo de

acar, atrs de Laranjeiras, Divina Pastora e Itabaiana, superando Vilas da Mata Sul e

Zona da Mata Sergipana.

Poucos eram os engenhos que contavam com mais de 20 escravos, a maioria,

de pequeno porte, funcionava com nmero reduzido de cativos para atender s

necessidades dos servios das plantaes, das moendas, do transporte da cana e do

acar, e das atividades de manuteno do engenho, dos carros de boi e dos caixas64.

A grande produo de acar com um nmero diminuto de escravos pode ser

explicada por dois motivos. Primeiramente, esses engenhos deveriam contar com fora

60 SANTOS, Joceneide Cunha dos. Entre farinhadas, procisses e famlias: a vida de homens e mulheres

escravas em Lagarto, Provncia de Sergipe (1850-1888). Universidade Federal da Bahia: Programa de

Ps-Graduao em Histria Social Mestrado em Histria, Salvador, 2004, p. 28. 61 AGJES-Inventariado: Martinho Jos de Oliveira. Inventariante: Luiza Maria das Virgens. Inventrios

Post-mortem. Cartrio de 2 oficio de Lagarto, 25/08/1887. Caixa 45, doc. 9. 62 ALMEIDA, 1993, op. cit., p.216. 63 IGHS-Relatrio do Presidente de Provncia, Dr. Joo Dabney dAvellar Brotero, 1858. 64 ALMEIDA, 1993, p. 190.

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de trabalhadores livres e agregados. Esse era o caso de Joana Angelica de San Felix65,

que morava no engenho Palma e possua duas tarefas de cana plantada. Segundo, existia

em Boquim e Lagarto um grande nmero de lavradores de cana, e vrios deles

cultivavam-nas em suas terras, chegando a contar com mais de 10 escravos, e tendo

renda anual superior a um conto de ris. Isso explica, em parte, como se produzia tanto

acar com a mdia local de escravo/engenho reduzida.

Mo de obra livre nos engenhos- Apesar do relatrio de presidente de

provncia de 1858 revelar a existncia de um pequeno nmero de trabalhadores livres,

perodo em que no se sentia tanta falta da mo de obra escrava. Acreditamos que a

presena de tais trabalhadores na lavoura era de forma mais representativa. Pelo censo

de 187266, a populao livre de Lagarto e Boquim era de 13.752 pessoas, a segunda

maior da Provncia, perdendo, apenas, para a Vila de Propri. Nesse contingente de

habitantes livres incluem-se um reduzido nmero de senhores de engenho, de lavradores

de cana, comerciantes, servidores pblicos, grandes e pequenos criadores de animais,

como tambm de pequenos agricultores, restando, provavelmente, uma parcela bastante

significativa de trabalhadores livres.

Os engenhos Grillo e Riacho Seco67, pertencentes Hermenegildo Hypolito de

Santa Anna, em 1886, no possuam escravos. Certamente, os trabalhos neles realizados

eram feitos por trabalhadores livres. Vejamos a Tabela 5, que menciona gastos feitos

com trabalhadores livres por um senhor de engenho local.

65 AGJES- Inventariada: Joana Angelica de San Felix. Inventariante: Jos Correia Dantas. Inventrio

post-mortem. Cartrio de 2 Ofcio de Lagarto, 18/03/1857, caixa 22. 66 PASSOS SUBRINHO, 2000, p.426. 67 AGJES-Inventariado: Hermenegildo Hypolito de Santa Anna. Inventrios post-mortem. Cartrio de 2

oficio de Lagarto, 17/09/1886. Caixa 44, doc. 17.

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Tabela 5 - Despesas com trabalhadores livres no Engenho So Benedicto em 1884,

Vila de Boquim/SE.

Data Nome do trabalhador N de dirias Valor pago

17 e 24 de Agosto Despesas com trabalhadores 30$260

24 de Agosto Joo Novato 5 2$500

24 de Agosto Ignacio 3 1$500

24 de Agosto Antnio Novato 5 2$500

24 de Agosto Martinho 3 1$500

24 de Agosto Mareano 6 3$000

24 de Agosto Joo Nunes 3 1$500

2 de Setembro Joo Lino 4 2$000

7 de Setembro Martinho 2 1$000

13 de Setembro Manoel S. Antnio 2 1$000

13 de Setembro Trabalhadores 8 4$000

Fonte68

As dvidas com o pagamento de dirias a trabalhadores livres mencionadas na

Tabela 5 pertenciam ao Major Manoel de Seabra Lemos, proprietrio do Engenho So

Benedicto do Campo de Baixo, localizado no territrio da Vila de Boquim. A

elaborao dessa tabela foi possvel porque os gastos estavam arrolados entre os

crditos concedidos pelo comerciante Capito Antnio Pinto de Oliveira, genro do

senhor de engenho, e cobrados como dvidas passivas. Como Manoel de Seabra no

possua capital em mos para saldar as dirias dos trabalhadores, essas foram pagas

pela casa comercial de seu genro, onde o dinheiro tinha uma maior circulao e

posteriormente, o Major liquidava essas dvidas.

68 AGJES- Inventariado: Major Manoel de Seabra Lemos Junior. Inventariante: Cap. Clnio de Seabra

Lemos. Inventrio post-mortem. Cartrio de 2 Ofcio de Boquim, 29/08/1884, caixa 02, p.49.

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Na Tabela 5 notamos que os pagamentos a trabalhadores livres eram realizados

semanalmente, e que a diria tinha um valor de $500 ris. Observamos tambm, que

teve semanas em que o engenho contou com os servios remunerados de 10 homens,

um nmero considervel de trabalhadores, se comparado mdia de escravos por

engenho, que chegava a aproximadamente 14 cativos. Alm do uso de mo de obra

livre, o Engenho So Benedicto contava com os servios de 13 escravos. Apesar, de a

tabela mencionar apenas o pagamento de dirias referentes a trs semanas,

provavelmente, tambm contou com o uso de trabalhadores livres em outros perodos, e

isso nos leva a acreditar que a utilizao rotineira desse tipo de mo de obra era uma

prtica, no s dessa, mas de outras unidades aucareiras locais. Portanto, o trabalho

livre foi de alta relevncia nos engenhos e para o aumento da produo de acar.

Complementou ou foi ocupando o lugar do trabalho escravo.

Apesar do crescente uso de mo de obra livre, os escravos permaneceram

importantes para o setor aucareiro at vsperas da abolio69. Com o fim da

escravido, existiu a falta de mo de obra, e muitos engenhos foram desativados,

passando a fogo morto70.

Animais dos engenhos - Os animais, como j sabemos, tambm eram um fator

indispensvel para o funcionamento dos engenhos. Constituam a principal fora motriz

e o meio de transporte dos engenhos, das vilas analisadas e de toda a Provncia

sergipana, por todo o sculo XIX. Em 187171, dos 582 engenhos que funcionavam em

Sergipe, os movidos por trao animal somavam 492, representando 84,53% das

unidades aucareiras de Sergipe. Essa fora movimentava todos os engenhos de Lagarto

69 PASSOS SUBRINHO, 2000, p.191. 70 FONSECA, op. cit. p.377. 71 APES - Resumo do apontamento do nmero de engenho de fabricar acar. G1-Tesouraria Provincial

doc. 847, 22/02/1871.

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e Boquim, em 188172, pois, ainda que alguns ficassem as margens do Rio Piau, o

volume de gua no era suficiente para moer cana73.

Em 187074, havia, em Lagarto, apenas um engenho movido a vapor. Mas, em

1881, j no existiam engenhos locais utilizando essa fora motriz. Provavelmente, o

seu proprietrio, acostumado com os antigos sistemas de moagem, no se adaptou a essa

inovao e voltou a utilizar animais. No podemos descartar a hiptese de que os altos

custos para a montagem de um engenho a vapor dificultou seu acesso por parte dos

proprietrios locais.

Alambiques e engenhocas - Alm dos engenhos, existiam na regio unidades

aucareiras menores: alambiques e engenhocas de fazer rapadura, movidos por um

menor nmero de escravos, ou s vezes, sem eles. A instalao dessas unidades no

exigia grandes custos, o que favoreceu no envolvimento de um nmero maior de

pessoas na produo que mais dava status: a cana. Fabricava-se para o consumo do

mercado interno, crescente consumidor de acar, mel, rapadura e, principalmente,

cachaa75. Assim como os engenhos de acar, o nmero de alambiques teve um grande

aumento, passando de 5, em 184776, para 15, em 185577, comprovando o crescente

consumo de cachaa pelos habitantes locais.

Conflito entre lavradores x criadores A expanso canavieira, a partir,

principalmente, da dcada de 40, aumentou a procura pela terra, o que gerou conflito

entre proprietrios de engenhos, de alambiques, plantadores de cana e criadores de gado

72 PIMENTA BUENO, Francisco Antnio. Relatrio sobre a preferncia de traados para a estrada de

ferro na Provncia de Sergipe apresentado ao Ilmo. e Exm. Sr. Conselheiro Pedro Luiz Pereira de Souza,

Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas. Rio de Janeiro:

Typ. Nacional, 1881, p.82. 73 Idem. 74 IGHS-Relatrio do Tenente Coronel Francisco Jos Cardoso Jnior, abertura da Assembleia Provincial

de Sergipe, 04 de maro de 1870, p. 93. 75 ALMEIDA, 1993, op. cit. p. 143. 76 APES- Cmara de Lagarto. Fundo CM doc. 34. 18/01/1847. 77 SANTOS, 2004, op. cit. p.33.

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pela apropriao de terra para o cultivo, sobretudo, da cana. Um caso tpico ocorreu em

1847, quando o capito Thom da Fraga Pimentel, juntamente com senhores de

engenho e lavradores, fez um requerimento com abaixo assinado, contendo a assinatura

de 4 senhores de engenhos e mais 59 lavradores, destinado ao Presidente da Provncia,

com o intuito de que ele tomasse providncias contra os criadores de gado, uma vez

que, na Cmara de Lagarto, suas reclamaes no surtiram efeito. O se exigia era o

cumprimento de uma postura municipal de 1830 que dizia o seguinte:

A Cmara deste Municpio tendo em vista para promover o bem da

agricultura que j esto h em decadncia, e sofria, designar quais

lugares prprios de plantaes (...), da bca da mata do Piau at a

divisa deste com o termo limtrofe a Estncia, ficaro reservadas as

matas unicamente para a plantao, cuminando multa contra os

criadores78.

Segundo Thom da Fraga Pimentel, possuidor de dois engenhos na rea em

conflito, por algum tempo se respeitou a postura, mas ou por fraqueza da cmara,

indolncia das autoridades locais ou por fora, poderio e influncia de alguns

criadores de gado (...) as reas reservadas e destinadas para a plantao (...) se acham

situadas tantas fazendas de gado, que menos bastariam para completo aniquilamento

das plantaes79.

O autor do requerimento relatou que os agricultores que assinaram o abaixo

assinado sofriam perdas, ocasionadas pela criao de gado solto nos lugares destinados

a agricultura e que tais prejuzos reduziram onze famlias misria, obrigadas a

deixarem seus lugares. Arguiu, tambm, que, mesmo causando prejuzo para a

agricultura, manancial da riqueza publica e digna de proteo das autoridades80, os

78 APES- Requerimento dos proprietrios e lavradores. Fundo G pac. 599,15 de julho de 1847. 79 Idem. 80 Idem.

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criadores no atendiam as reclamaes. O no cumprimento da postura dava-se porque

as autoridades ora constitudas so uns dos prprios poderosos que se opem do

benefcio pblico da lavoura81.

A expanso da cana requereu, cada vez mais, terras para o seu cultivo, e a

criao de gado, que, at ento, foi a principal atividade econmica de Lagarto82,

comeou a se retirar para locais de solos no apropriados plantao canavieira,

deixando assim de reduzir as matas de agricultura em campinas de criao83. A

retirada do gado no foi fcil em Lagarto, pois se tratava de um dos locais de maior

criao de animais da Provncia e, consequentemente, de criadores ricos e poderosos,

que se negavam a cumprir a Postura de 1830. O prestgio e poderes desses criadores na

sociedade local eram tantos que no h encontrar-se um oficial de justia que se

atreva a ir cumprir um mandato contra os que escandalosamente infringem a lei84.

Apesar de todo o poder que dispunham os criadores de gado, foram os

ascendentes senhores de engenho e os lavradores que saram vitoriosos dessa disputa

pelo uso da terra. O Governo Provincial decidiu a seu favor, mandando realizar-se, em

29 de julho de 184785, inteiramente o que continha a Postura de 1830. Somente em

pasto seguro, seria possvel criar gado dentro dos limites demarcados pela Cmara para

as plantaes. Porm, se os animais sassem e cometessem algum incidente contra os

lavradores, seus respectivos donos seriam punidos.

81 APES - Cmara de Lagarto. Fundo: CM ,doc. 34. 1847. 82 MACIEL, Carlos Roberto Santos e SANTOS; Carlos Jos Andrade. Uma breve anlise sobre o bem

escravo na composio das fortunas dos moradores de Lagarto/SE (1800-1840).Umbaba,2010. Artigo

(Especializao em Metodologia do Ensino de Histria).Faculdade SERIGY. 83 APES- Requerimento dos proprietrios e lavradores. Fundo G pac. 599,15 de julho de 1847. 84 Idem. 85 SANTANA, Ana Priscilla Meneses de. CRUZ, Cludia Cristine de Arajo Ramos e SANTOS, Dbora

Santana. Cdigos de Postura de Sergipe Imperial. Monografia (Licenciatura em Histria). Universidade

Tiradentes. Aracaju: UNIT, 2009, p.227.

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(...) nenhuma pessoa poder criar gado nem quaisquer animais que

ofendam as lavouras, e todas as pessoas que tiverem animais nas

matas lhe concedido prazo de trinta dias para os retirarem. (...) quem

fracturar presente determinao, ser condenada em trinta mil ris,

para as despesas. (...) e pela reincidncia sessenta mil ris, e todo

animal, que for achado nas lavouras, seu dono ser obrigado a pagar

acima de dois mil ris por cada uma cabea.86

Tentando evitar a repetio desse tipo de conflito, recm-criada Cmara de

Lagoa Vermelha (Boquim), em 1858, decretou a proibio da criao de animais soltos,

e delimitou as reas reservadas para o gado e as para a agricultura87.

Esse conflito por terras, provavelmente, tambm revelou uma luta por poder

entre a tradicional classe criadora em Lagarto e o grupo em ascenso dos proprietrios

de engenho. Estes foram beneficiados com a expanso da cana, que tornou o acar, o

principal gnero de exportao de Lagarto e Boquim88, aumentando seus poderes

econmicos e prestgios na sociedade lagartense. A derrota dos criadores diminuiu seus

poderes e representou o incio da supremacia do poder dos agricultores (principalmente

dos senhores de engenho), fato comprovado nas eleies para vereadores89.

Consideraes finais

A base econmica das vilas de Boquim e Lagarto vivenciou uma grande

mudana a partir, principalmente, da segunda metade do sculo XIX com a expanso

canavieira por suas terras. Essas outrora eram ocupadas por cultivos voltados para o

alimento em especial a mandioca, e pela criao de gado. Mesmo com a penetrao da

86 APES- Requerimento dos proprietrios e lavradores. Fundo G pac. 599,15 de julho de 1847. 87 SANTANA, op. cit. p.47. 88 IGHS-Relatrio do Tenente Coronel Francisco Jos Cardoso Jnior, abertura da Assembleia Provincial

de Sergipe, 04 de maro de 1870, p. 93. 89 APES - Cmaras de Lagarto e Boquim. (1850-1888).

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cana em seus solos, as antigas atividades econmicas permaneceram sendo praticadas

pela maior parte da populao, pois a montagem de engenhos demandava grandes

custos.

A diversificao econmica das vilas de Boquim e Lagarto com a expanso da

cana e do algodo destinados ao mercado externo, a criao de gado e o cultivo gneros

alimentcios para atender a demanda do mercado local e da Provncia de Sergipe e

vizinhas provocou um dinamismo econmico que possibilitou vrias alternativas para a

aquisio e construo da riqueza dos moradores de Lagarto e Boquim.

Muitos lucraram e cresceram direta e indiretamente com a expanso da

produo e comrcio do acar, desde senhores de engenhos a lavradores de cana, a

comerciante que se enriqueceram emprestando capitais a juros aos senhores de engenho

e fornecendo produtos para alimentao dos moradores dos engenhos; criadores de

animais que abasteciam o mercado local de carne e vendiam gado para os vrios

servios nos engenhos, os cultivadores de alimentos, em especial a mandioca, que viram

seu mercado consumidor aumentar.

Fontes

Fontes manuscritas.

1.1.2 - Arquivo Geral do Judicirio do Estado de Sergipe. (AGJES)

Cartrio de Lagarto 1 e 2 Ofcio.

Inventrios post-mortem (1840-1890) Cx. 1 e 12 52.

Livro de Notas (1842-1916) Cx. 1, 1 ofcio Livros 1-2 (1845-1899) 2 Ofcio.

Ao de Embargo (1825-1900). Cx. 1 e 2.

Livro de Protesto de Letras (1858-1900) cx. 1.

Libelo cvel (1840- 1890) cx. 1-2.

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Cartrio de Boquim de 1 e 2 ofcio.

Inventrios post-mortem (1865-1888), cx. 1,2 e 3.

1.1.3 - Arquivo Pblico do Estado de Sergipe APES

Lista de Qualificao de Votantes da Vila de Lagarto de 1868,1878 e 1879.

Lista de Qualificao de Votantes da Vila de Lagoa Vermelha de 1858 e 1868.

Lista de Qualificao de Votantes da Vila de Boquim de 1871.

Fundo de emancipao de escravos de Lagarto de 1875.

Tesouraria Provincial - Resumo do apontamento do nmero de engenho de fabricar

acar de 1871.

Cmara de Lagarto (1850-1888).

Cmara de Lagoa Vermelha (1858-1870).

Cmara de Boquim (1870-1888).

Requerimentos, fundo g.

1.1.4 - Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe (IHGS)

Relatrios de presidentes de provncias de Sergipe (1830-1888) cd room .

1.2 - Fontes impressas

CAMPOS, Ediberto. Crnicas da passagem do sculo. V.2. Aracaju: 1967.

________________ .Crnicas da passagem do sculo. V.5. Aracaju: 1970 .

PIMENTA BUENO, Francisco Antnio. Relatrio sobre a preferncia de traados

para a estrada de ferro na Provncia de Sergipe apresentado ao Ilmo. e Exm. Sr.

Conselheiro Pedro Luiz Pereira de Souza, Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios

da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1881.

SOUZA, Marcos Antonio de. Memrias sobre a capitania de Sergipe. Aracaju:

Governo do Estado de Sergipe, 2005.

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Provncia de Sergipe (1855-1860). Revista do Instituto Histrico e Geogrfico de

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________________. Nota prvia sobre a propriedade canavieira em Sergipe (sculo

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________________. Sergipe: Fundamentos de uma Economia Dependente. Rio de

Janeiro: Vozes, 1984.

________________. Nordeste Aucareiro: Desafios num processo de vir-a-ser

capitalista. Aracaju: UFS/SEPLAN/BANESE, 1993.

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