EXPANSÃO URBANA EM BELO HORIZONTE E AS … 4 - Planejamento... · de pessoas são problemas...

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EXPANSÃO URBANA EM BELO HORIZONTE E AS IMPLICAÇÕES NO TRANSPORTE URBANO DE MERCADORIAS O. R. Santos, L. K. Oliveira, R. A. A. Nóbrega, L. Dablanc RESUMO Este artigo apresenta uma análise da geografia urbana de Belo Horizonte e os impactos para o transporte urbano de mercadorias. Para tanto, estudou-se a dinâmica imobiliária, os padrões de viagens da população, o crescimento da frota e a implantação descompassada do plano de mobilidade e dos planos diretores da capital e de sua região metropolitana. Para análise do transporte de cargas, foram identificados estabelecimentos que exercem atividades de armazenagem na Região Metropolitana de Belo Horizonte e Colar Metropolitano e avaliado o espraiamento entre 1995 e 2015. A análise do plano de mobilidade de Belo Horizonte indicou a necessidade do planejamento da cidade considerando as necessidades e o crescimento do transporte urbano de mercadorias. Além disso, a contenção do espraiamento das facilidades logísticas indicam que se a carga tivesse mais atenção nos planos de mobilidade urbana os impactos desta atividade teriam sido minizados, com benefícios atuais para a população da região. 1 INTRODUÇÃO A expansão urbana não planejada nas regiões metropolitanas implica geralmente em prejuízos econômicos e na piora da qualidade de vida das pessoas, sendo resultado da transformação de terrenos definidos legalmente como rurais em área urbana, ou seja, acontece, segundo Moura (2012), pela mudança de empresas e moradias para locais mais afastados e periféricos em relação aos núcleos urbanos, com a ampliação territorial em direção ao campo suportado pelo predomínio do automóvel e das tecnologias de informação. De Mattos (2004) afirma que a tendência de “metropolização expandida”, ou seja, expansão territorial metropolitana é fruto de uma periurbanização (resultado de uma dispersão e transformação nas práticas sociais e nas relações socioespaciais) praticamente incontrolável, mediante a qual o tecido urbano prolifera e se estende. Consequentemente, criam cidades difusas, seletivas, mais dispersas e fragmentadas, onde os sistemas articulados se conformam, fundamentalmente, pelo espraiamento físico do território ocupado, densificando os fluxos de mercadorias, a comutação de pessoas e a criação de novas centralidades desprovidas de infraestrutura (Moura, 2012). Crainic et al. (2004) previam que esse cenário tendia a piorar, uma vez que o número de veículos está aumentando de forma rápida e, como consequência, o congestionamento e os níveis de poluição crescem também em um ritmo acelerado. A poluição atmosférica e sonora, desperdício de tempo, obstáculos para pedestres e ciclistas, danos e intrusões ao meio urbano, maior consumo de combustível e aumento dos custos de transporte de carga e

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EXPANSÃO URBANA EM BELO HORIZONTE E AS IMPLICAÇÕES NO TRANSPORTE URBANO DE MERCADORIAS

O. R. Santos, L. K. Oliveira, R. A. A. Nóbrega, L. Dablanc

RESUMO Este artigo apresenta uma análise da geografia urbana de Belo Horizonte e os impactos para o transporte urbano de mercadorias. Para tanto, estudou-se a dinâmica imobiliária, os padrões de viagens da população, o crescimento da frota e a implantação descompassada do plano de mobilidade e dos planos diretores da capital e de sua região metropolitana. Para análise do transporte de cargas, foram identificados estabelecimentos que exercem atividades de armazenagem na Região Metropolitana de Belo Horizonte e Colar Metropolitano e avaliado o espraiamento entre 1995 e 2015. A análise do plano de mobilidade de Belo Horizonte indicou a necessidade do planejamento da cidade considerando as necessidades e o crescimento do transporte urbano de mercadorias. Além disso, a contenção do espraiamento das facilidades logísticas indicam que se a carga tivesse mais atenção nos planos de mobilidade urbana os impactos desta atividade teriam sido minizados, com benefícios atuais para a população da região. 1 INTRODUÇÃO A expansão urbana não planejada nas regiões metropolitanas implica geralmente em prejuízos econômicos e na piora da qualidade de vida das pessoas, sendo resultado da transformação de terrenos definidos legalmente como rurais em área urbana, ou seja, acontece, segundo Moura (2012), pela mudança de empresas e moradias para locais mais afastados e periféricos em relação aos núcleos urbanos, com a ampliação territorial em direção ao campo suportado pelo predomínio do automóvel e das tecnologias de informação. De Mattos (2004) afirma que a tendência de “metropolização expandida”, ou seja, expansão territorial metropolitana é fruto de uma periurbanização (resultado de uma dispersão e transformação nas práticas sociais e nas relações socioespaciais) praticamente incontrolável, mediante a qual o tecido urbano prolifera e se estende. Consequentemente, criam cidades difusas, seletivas, mais dispersas e fragmentadas, onde os sistemas articulados se conformam, fundamentalmente, pelo espraiamento físico do território ocupado, densificando os fluxos de mercadorias, a comutação de pessoas e a criação de novas centralidades desprovidas de infraestrutura (Moura, 2012). Crainic et al. (2004) previam que esse cenário tendia a piorar, uma vez que o número de veículos está aumentando de forma rápida e, como consequência, o congestionamento e os níveis de poluição crescem também em um ritmo acelerado. A poluição atmosférica e sonora, desperdício de tempo, obstáculos para pedestres e ciclistas, danos e intrusões ao meio urbano, maior consumo de combustível e aumento dos custos de transporte de carga e

de pessoas são problemas relacionados à expansão urbana observados rotineiramente em consequência do congestionamento. Neste contexto, Belo Horizonte, a cidade outrora projetada, vive os efeitos da expansão urbana dissociada do planejamento urbano e da mobilidade, tendo como consequência a imobilidade de pessoas e mercadorias. No que tange o transporte de mercadorias, um dos objetos do transporte urbano, por ser invisível à maioria da população, muitas vezes se torna vilão do trânsito e o pricipal responsável pela poluição do ar, aos olhos da sociedade. No entanto, o transporte de mercadoria é vital à sustentabilidade da maioria das atividades que ocorrem nas áreas urbanas. O plano de mobilidade da cidade de Belo Horizonte (PlanMob-BH) indicou, em 2010, a necessidade de construir e manter um banco de dados que possibilite planejar a logística urbana de forma mais efetiva nesta cidade. Contudo, percebe-se que apesar da absoluta necessidade do transporte de carga à economia do município as diretrizes e ações ainda são incipientes e focam apenas a circulação das mercadorias e na regulamentação de áreas para carga e descarga, tanto na via como em grandes empreendimentos. Avanço recente ocorreu no município quando da consulta pública da Política de Logística Urbana (PBH/BHTRANS/DPL, 2015), que contemplou o transporte urbano de mercadorias, com estratégias para melhorar a efeitividade da distribuição, armazenagem e das operações de carga e descarga na capital mineira. O documento, também, apresentou propostas que contribuem para minimizar custos e as externalidades ambientais, podendo auxiliar também na redução do congestionamento. Cabe ressaltar que o grande mérito desta consulta foi o espaço aberto para participação da população, organizada ou não, e dos segmentos mais envolvidos e afetados por esta importante etapa da cadeia de abastecimento. No contexto de entender a importância do transporte de mercadorias e a relação desta atividade com a expansão urbana, este artigo tem por objetivo analisar, na perspectiva da geografia urbana da capital mineira, as condicionantes que influenciam a logística urbana e os impactos no transporte de mercadorias. Para tanto, estudou-se a dinâmica imobiliária, os padrões de viagens da população, o crescimento da frota e a implantação descompassada do plano de mobilidade e do planejamento urbano de Belo Horizonte, da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e do Colar Metropolitano da RMBH. Neste artigo a união das duas regiões últimos é denominada CRMBH. Como etapa inicial, foram espacializados e analisados os dados da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (JUCEMG), bem como os dados e informações constantes do PlanMob-BH, do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI) e da pesquisa origem destino de passageiros realizada em 2012 (Pesquisa OD-2012). Para análise da distribuição de mercadorias na região, foram inicialmente identificados os estabelecimentos que exercem atividades de armazenagem, consolidação e distribuição de mercadorias na CRMBH e, posteriormente, avaliada concentração desses estabelecimentos, bem como a expansão espacial e comportamento geográfico da atividade de armazenagem nos anos de 1995 e 2015. Os cenários foram comparados com as políticas para o transporte de carga e, dessa análise, observou-se a necessidade do planejamento de Belo Horizonte e da região, considerando as demandas e o crescimento do transporte urbano de mercadorias, até então, pouco estudado.

Para apresentar tais análises, este artigo está subdividido em seis seções: após esta seção introdutória, a seção 2 aborda a expansão urbana em Belo Horizonte, a seção 3 conceitua o espraiamento das facilidades logísticas, cuja abordagem metodológica está detalhada na seção 4 e os resultados da análise para a CRMBH, na seção 5. Este artigo finaliza na seção 6, com as considerações finais. 2 EXPANSÃO URBANA EM BELO HORIZONTE Belo Horizonte foi fundada 1897 e projetada, inicialmente para os limites da Avenida do Contorno, para comportar até 200 mil habitantes (Belo Horizonte, 2015). Em 2015, estimava-se cerca de 2,5 milhões de habitantes que representam cerca da metade da população da sua região metropolitana com extensão territorial de 331,4 km2 (IBGE, 2010). Belo Horizonte polariza todo o Estado de Minas Gerais, exceto o Sul e o Triângulo Mineiro, ligados a São Paulo, e áreas de influência compartilhada com o Rio de Janeiro, como Juiz de Fora (Moura, 2012). Segundo Costa (2012) “ao longo de seu primeiro século de existência, a capital mineira foi se transformando de um idealizado projeto de cidade/capital em cidade industrial, desta em metrópole periférica para, no momento atual, expandir sua área de influência na forma de uma urbanização dispersa, extensiva, em direção a um largo entorno regional que transcende os limites formais da região metropolitana e seu colar”. A evolução da ocupação do território pelas pessoas e pelas empresas em Belo Horizonte, apresentadas na Figura 1, permite observar que esta ocupação iniciou-se da região central para as periferias e hoje já ultrapassa os limites do município.

Fig. 1 Evolução da Mancha de Ocupação Populacional em Belo Horizonte - 1918-2007

(esquerda) e ocupação das empresas em Belo Horizonte em 1910 (meio) e 2014 (direita) (Belo Horizonte, 2015c; 2015d).

Os projetos aprovados para construção pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), nos últimos seis anos (2009-2015) estão concentrados em duas áreas periféricas (Figura 2, esquerda), que são os bairros Castelo e Buritis (porções mais escuras na figura), indicando continuidade da expansão urbana. Embora seja possível verificar que há existência de projetos aprovados em toda cidade inclusive na região Centro-Sul. Acredita-se que as construções nesta área ocorrem em virtude da substituição de residências e até prédios menores por edifícios verticalizados de alto padrão. O investimento nesta área se justifica pelo alto valor da terra comparado a outras regiões da cidade, conforme apresentado na Figura 2 (direita), que basea-se na tabela do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITBI).

Fig. 2 Dinâmica imobiliária em Belo Horizonte de 2009 a 2015 e Valor da Terra, em

2011 (Belo Horizonte, 2015b; 2015a). Para Costa (2012), o adensamento e valorização imobiliária nas áreas mais centrais, principalmente no município de Belo Horizonte, reforça certo grau de especialização funcional de áreas de concentração de serviços e de uso residencial, destinado tanto a faixas de renda mais elevadas (áreas de maior valorização fundiária) quanto a faixas de renda média e baixa (áreas e municípios periféricos). Esses resultados revelam que a periferização na região metropolitana é segregada: “aquela em direção aos vetores Norte e Sul pode ser denominada periferização da riqueza”, enquanto aquela em direção aos demais vetores de expansão reflete a periferização da pobreza”, sendo essa última numericamente mais significativa (Souza e Brito, 2008). No período de 2002 a 2012 os tempos de viagem aumentaram em todos os modos de transporte cerca de 26% em Belo Horizonte e 19% na RMBH (PBH/BHTRANS/DPL,

2016) com aumento no número de viagens diárias de aproximadamente de 2,7 para 4,1 milhões, na capital mineira e de aproximandamente 6,4 para 13 milhões na RMBH (PBH/BHTRANS/DPL, 2016). Além disso, Belo Horizonte apresenta uma elevada taxa de motorização, que pode ser compreendida como uma consequência da divisão modal. O uso do transporte público caiu significativamente em Belo Horizonte (40% em 2002 para 21% em 2012), enquanto observou-se um crescimento significativo no uso de automóveis (24% para 31%), motocicletas (1% para 4%) e do modo a pé (28% pra 31%) (PBH/BHTRANS/DPL, 2016). O aumento do número de veículos privados nas ruas teve como consequência a redução da velocidade operacional (-39%) e um incremento do tempo de viagem: 64% para o transporte público (36 minutos em 2002 para 59 minutos em 2012) e 58% do transporte privado (19 minutos em 2002 para 30 minutos em 2012). Neste contexto, percebe-se que a expansão urbana em Belo Horizonte e os problemas decorrentes são resultado do planejamento urbano municipal dissociado do planejamento da mobilidade e da falta de planejamento metropolitano. Contudo, indaga-se sobre o retrato do transporte urbano de mercadorias neste cenário, questão a ser tratada na próxima seção. 3 CONCEITUANDO O ESPRAIAMENTO LOGÍSTICO Associado (de várias maneiras) com a expansão urbana, o espraiamento logístico (logistics sprawl, em inglês) consiste na expansão espacial das facilidades logísticas dos centros urbanos (Dablanc e Rokotonarivo, 2010; Dablanc et al., 2014). A existência da descentralização logística potencializa os potenciais impactos negativos do transporte urbano de mercadorias (congestionamentos, emissões de poluentes, consumo de energia, danos à infraestrutura de transporte, dentre outros) devido ao aumento das distâncias das viagens (Sakai et al., 2015). Segundo Dablanc e Ross (2012, pg. 435), “o esparaiamento logístico é um dos principais problemas relacionados com a mudança na geografia da logística em áreas metropolitanas”. Uma consequência direta da desconcentração espacial das facilidades logísticas para o transporte urbano de mercadorias é o atraso nas entregas devido ao tempo despendido nos congestionamentos, além das perdas econômicas, poluição ambiental e impacto na segurança viária. Facilidades logísticas são armazéns que prestam serviços logísticos como: armazenagem, consolidação e fragmentação de carga. O espraiamento logístico é medido em uma análise multitemporal que investiga a distribuição geográfica e as mudanças na localização das facilidades logísticas. Esta análise é de fundamental importância para compreender como as mercadorias se movimentam na região. Segundo Taniguchi et al. (2016), serve também para investigar os benefícios da preservação de áreas de logística intensiva nos centros urbanos com objetivo de diminuir as distâncias percorridas pelos veículos de carga, sendo uma oportunidade para planejadores urbanos e engenheiros de transporte aperfeiçoarem a eficiência do sistema de transporte para atender as necessidades da cidade. A pesquisa para análise do espraiamento logística é relativamente recente e a literatura reporta estudos em Paris (França) (Dablanc e Rokotonarivo, 2010; Dablanc e Andriankaja, 2011), Atlanta (EUA) (Dablanc e Ross, 2012), Los Angeles e Seattle (EUA) (Dablanc et al., 2014), Tóquio (Japão) (Sakai et al., 2015; 2016) e Toronto (Canadá) (Woudsma et al., 2016). Em Atlanta, Los Angeles, Paris, Tóquio e Toronto observou-se espraiamento logístic, com destaque para Los Angeles, onde o centro geográfico (baricentro) passou de 41,7 km para 51,4 km, uma expansão de 9,7 km no período de 1998 a 2013 e Toronto,

onde a distância média das empresas ao centro médio passou de 16,7 km para 17,9 km, uma expansão de apenas 1,2 km no período de 2002 a 2012. 4 ABORDAGEM METODOLÓGICA PARA ANÁLISE DO ESPRAIAMENTO LOGÍSTICO Considerando a importância de compreender e quantificar o espraiamento logístico por meio da medida geográfica da distribuição no espaço das facilidades logísticas em uma região, as propostas metodológicas de Dablanc e Ross (2012), Sakai et al. (2015) e Woudsma et al. (2016) foram combinadas para avaliar a desconcentração dos equipamentos logísticos em Belo Horizonte. O processo de triagem e classificação das atividades logísticas é uma tarefa difícil (Bowen, 2008; Hesse, 2008; Woudsma et al., 2016), que para Woudsma et al. (2016), se tiver o propósito de identificar armazéns e centros de distribuição, é apropriado o uso de códigos que definam o processo de armazenagem com serviços de consolidação e distribuição da carga. Desta forma, considerando a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), foram identificadas as atividades econômicas que realizam armazenagem com prestação de serviços. A CNAE é um instrumento de padronização dos códigos de atividades econômicas e dos critérios de enquadramento utilizados por órgãos de administração tributária no Brasil (Brasil, 2014). A classificação das facilidades logísticas (Tabela 1) considerou as premissas adotadas por Dablanc e Ross (2012), Dablanc et al. (2014), Sakai et al. (2015) e Woudsma et al. (2016), permitindo a comparação dos resultados. .

Tabela 1 Identificação das atividades de armazenagem de acordo com a CNAE.

Código Descrição Atividade

5211-7/01 Armazéns gerais - emissão de warrant

Compreende as atividades de armazenamento e depósito, inclusive em câmaras frigoríficas e silos, de todo tipo de produto: sólidos, líquidos e gasosos por conta de terceiros, com emissão de warrants (certificado de garantia que permite a negociação da mercadoria), inclusive agropecuários.

5211-7/99 Depósitos de mercadorias para terceiros, exceto armazéns gerais e guarda móveis

Compreende as atividades de armazenamento e depósito, inclusive em câmaras frigoríficas e silos, de todo tipo de produto (sólidos, líquidos e gasosos), por conta de terceiros, exceto com emissão de warrants.

5250-8/05 Operador de transporte multimodal

Compreende as atividades do Operador de Transporte Multimodal - OTM, envolvendo a organização do transporte de carga nacional e internacional por mais de uma modalidade.

Importante destacar que não são considerados neste estudo os estabelecimentos que não possuem atividades de armazenamento, consolidação e distribuição de mercadorias, conforme se justifica a seguir:

− Guarda-móveis, por não possuir finalidade de prestação de serviço logístico, como consolidação e distribuição de mercadorias;

− Shopping Centers, Atacadistas e Varejistas que não possuam classificação de armazenagem dentre as atividades exercidas;

− Transportadoras que não possuam classificação de armazenagem;

− Empresas com área menor que 250 m2, mesmo com classificação de armazenagem, por serem identificadas, em geral, como residências de autônomos, que as utilizam como sede da empresa no registro comercial.

Os dados foram adquiridos da JUCEMG, que executa e administra os serviços de registro de empresas mercantis e atividades afins (Minas Gerais, 2015). Esta base de dados contém informações legais sobre pessoas jurídicas que exercem atividades no Estado de Minas Gerais e estão sujeitas ao pagamento de impostos. Ela contém o endereço completo dos estabelecimentos, o código CNAE da atividade desempenhada e a data de início da atividade dessas empresas, dentre outras informações cadastrais. Contudo, as informações adquiridas não informam a área instalada das empresas e as coordenadas geográficas (latitude e longitude) para espacialização dos dados, sendo necessário o georreferenciamento dos dados de cada empresa. Estas informações faltantes foram pesquisadas por meio do Google Maps, do qual foram extraídas as coordenadas geográficas (latitude e longitude), sendo que, para estimar as áreas dessas facilidades logísticas, utilizou-se a ferramenta “Medir distâncias”, presente neste serviço. Após o georreferenciamento destes dados , elaborou-se a representação cartográfica das empresas, usando uma ferramenta de GIS. O GIS é um sistema de informação geográfica (Geographic Information System, em inglês) utilizada para mostrar, analisar e combinar mapas e informações geoespaciais, que podem contribuir para compreender o contexto geográfico de onde as atividades ocorrem e dar suporte para decisões (Getis, 2008; Nóbrega et al., 2008). Essa ferramenta tecnológica permite a análise, por exemplo, de uma correlação entre a infraestrutura de transporte, o uso da terra e o desenvolvimento econômico e demográfico. O uso de ferramentas de cresceu substancialmente na última década (Nobrega e Stich, 2012), sendo fundamental para a análise da expansão espacial das facilidades logísticas. Neste estudo, está-se utilizando a plataforma Quantum GIS (o QGIS), um sistema de informação geográfica livre que suporta formatos vetoriais, matriciais (raster) e tabulares. Com auxílio da QGIS, calcula-se o centro médio do conjunto de estabelecimentos selecionados para os cenários de 1995 e 2015, usado método de análise cartográfica (Isard, 1982 apud Dablanc e Ross, 2012). O centro médio é um ponto central derivado da relação de um conjunto de pontos (facilidades logísticas neste estudo), calculado pela média ponderada geográfica da distância espacial euclidiana. A partir deste ponto calculado compara-se a distância média das facilidades logísticas a este ponto, determinando-se se houve expansão espacial dos armazéns no período estudado. Esta métrica permite comparar estatisticamente dois conjuntos de dados e é considerada adequada para identificar e quantificar padrões do espraiamento logístico (Dablanc e Ross, 2012). As autoras afirmam, ainda, que este método, apesar de simples, fornece dados para a representação cartográfica do espraiamento logístico. 5 O ESPRAIAMENTO LOGÍSTICA NA CRMBH Em 1995 existia em Belo Horizonte, 31 facilidades logísticas classificadas como armazéns. Na região metopolitana, eram 80 armazéns. A área média destes estabelecimentos era de 1.130 m2 em Belo Horizonte e 1.746 m2 na CRMBH. Em 2015, o número de armazéns já era de 135 em Belo Horizonte e 366 na CRMBH. Os principais indicadores municipais e metropolitanos, assim como a carcterização física das facilidades logísticas são apresentadatos na Tabela 2.

Os resultados indicam que entre 1995-2015 houve um incremento de 458% no número de armazéns na região metropolitana, enquanto a área média reduziu 3%. O número de armazéns em Belo Horizonte representa, em 2015, 37%, enquanto em 1995 representava 39%. A Figura 3 mostra que ocorreu espraiamento uniforme das empresas na região metropolitana, ou seja, desde 1995 elas ocupam praticamente os mesmos municípios da amostra e durante estes 20 anos a ocupação foi aumentando de forma gradativa. Este resultado, também, pode ser observado com aumento na taxa de variação da relação entre a quantidade de armazéns pela quantidade de residentes nas cidades da região. Destaca-se ainda que este incremento foi muito parecido em Belo Horizonte (350%) e na CRMBH (377%). Importante mencionar que a ocupação ocorre próxima aos grandes corredores de transporte em Belo Horizonte e nas principais rodovias da CRMBH, com concentração de armazéns em bairros industriais e periféricos.

Tabela 2 Caracterização dos armazéns em Belo Horizonte e na CRMBH

Belo Horizonte Região Metropolitana

Área (m2) 1995 2015 Taxa 1995 2015 Taxa 250 - 999 m² 21 99 471% 45 240 533%

1.000 - 2.999 m² 8 28 350% 20 80 400% 3.000 - 6.999 m² 1 5 500% 12 27 225%

>= 7.000 m² 1 3 300% 3 19 633% Total 31 135 435% 80 366 458%

Área Média 1.130,30 1.020,95 -10% 1.796,42 1.736,01 -3% Armazéns/pop.* 15,4 54 350% 16,7 63 377%

Armazéns/área** 0,09 0,41 456% 0,01 0,02 50% Espraiamento (Km) - - - 18,51 18,77 260m

*Número de armazéns divididos pela população dividida por um milhão; **Número de armazéns divididos pelo território em km² dividido por mil.

Fig. 3 Localização na CRMBH, em 1995 (esquerda) e 2015 (direita) A análise dos dados indica que as empresas concentram-se, na sua maioria, em Betim, Belo Horizonte e Contagem, cidades, também, com maior concentração populacional, além

de Nova Lima e Sete Lagoas, esta última localizada no Colar Metropolitano, tornando relevante a inclusão desta região no estudo. A Figura 4 ilustra a análise do espraiamento logístico no horizonte analisado, em que é possível verificar que o centro médio posiciona-se a 18,51 km, em relação à média da localização das facilidades logísticas, em 1995 e espraiou para 18,77 em 2015, estabelecendo um aumento de 260 metros em 20 anos, indicando não existir o fenômeno de expansão espacial das facilidades logísticas na CRMBH.

Fig. 4 Identificação do espraiamento logístico na CRMBH: 1995 e 2015 Estes resultados direcionam para importantes considerações no planejamento urbano e da mobilidade na região para definição de políticas públicas, como a criação de zonas de logística urbana, implantação de facilidades logísticas em áreas centrais. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A expansão urbana na CRMBH e os problemas decorrentes dela são hoje o resultado do planejamento urbano municipal e metropolitano do passado, dissociado do planejamento da mobilidade. Observa-se que as pessoas, quando podem, escolhem a localização da moradia pelo custo da terra e pela facilidade de deslocamento, assim como empresas e armazéns. Então, para mitigar os problemas do crescimento descontrolado das regiões metropolitanas, sugere-se o planejamento urbano integrado e multidisciplinar considerando aspectos econômicos, urbanísticos, culturais e de mobilidade, com envolvimento de todas as escalas de Governo, aceitando e entendendo as singularidades locais com olhar regional e, principalmente, empoderando a sociedade civil, ouvindo e procurando entender os movimentos insurgentes. Os resultados da análise indicam um aumento expressivo no número de facilidades logísticas, mas não existe espraiamento logístico em Belo Horizonte e CRMBH. Assim, a concentração geográfica e a baixa expansão espacial das facilidades logísticas indicam que se a carga tivesse mais atenção considerada nos planos de mobilidade urbana tanto em ambito municipal como estadual, os impactos desta atividade poderiam ter sido minimizados, com benefícios para a população, ou até para agregar valor à região tornando-a mais atrativa por representar baixos custos logísticos. Neste sentido, o desafio

atual para a região metropolitana de Belo Horizonte pauta-se na implementação das estratégias municipais e metropolitanas para redução das externalidades advindas das atividades do transporte urbano de mercadorias e consequente melhoria da qualidade de vida da população. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq pelo suporte à pesquisa, a IFSTTAR (Institut Français des Sciences et Technologies des Transports, de l’Aménagement et des Réseaux) por receber Leise Kelli de Oliveira durante o Período de Pós-Doutorado no exterior. Os autores também agradecem a BHTRANS pela liberação e incentivo à Odirley Rocha dos Santos para elaboração da pesquisa. Finalmente, os autores agradecem à FAPEMIG pelo auxílio coletivo para participação no evento. 7 REFERÊNCIAS Belo Horizonte (2015a) BH em números. http://gestaocompartilhada.pbh.gov.br/bh-em-numeros Belo Horizonte (2015b) Apresentação Diagnóstico: Revisão do PlanMob-BH 2010 – 2030. Empresa de transporte e trânsito de Belo Horizonte. http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_page.show?_docname=10302263.PDF Belo Horizonte (2015c) Cadastro Municipal de Contribuintes. Base de dados. Prefeitura de Belo Horizonte. Belo Horizonte (2015d). Evolução da mancha de ocupação populacional. http://gestaocompartilhada.pbh.gov.br/sites/gestaocompartilhada.pbh.gov.br/files/paginas/anexos/evolucao_mancha_ocupacional_populacional_1918_2007.pdf Belo Horizonte (2015e). Planos Diretores - Apresentação e Objetivos. http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=103785&chPlc=103785&&pIdPlc=&app=salanoticias Bowen, J.T. (2008) Moving places: the geography of warehousing in the US. Journal of Transport Geography, 16(6), 379–387. Brasil (2014) Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE. http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/cadastros/cadastro-nacional-de-pessoas-juridicas-cnpj/classificacao-nacional-de-atividades-economicas-2013-cnae/apresentacao. Costa, H. S. M. (2012) E nas metrópoles, quem planeja o território? Breve contribuição ao debate a partir da experiência recente de Belo Horizonte, In A. C. T. Ribeiro e E. Limonad. (Org.). Desafios ao planejamento: produção da metrópole e questões ambientais. Letra Capital, Rio de Janeiro. Dablanc, L., Andriankaja, D. (2011). Desserrement logistique en Île-de-France: la fuite silencieuse en banlieue des terminaux de fret. Flux, 85/68, 1-17.

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