Expedição à India - Notas AFC 1895

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[Expedição à Índia. Caderno de notas de Artur Fonseca Cardoso] Original manuscrito na posse de Dona Maria Amália Fonseca Cardoso Transcrito por Ricardo Roque, c. 1998 Dia 10 de Novembro Com um belo dia de sol chegamos a Bombaim, ficando(?) o Zaire no ancoradouro dos navios de guerra. N’elle estavam uns 5 navios de guerra inglezes, da esquadra de reserva activa e um canhoneiro persa. Pouco tempo depois chegavam as visitas dos oficiais da marinha de guerra inglezes, um medico portuguez (Gama Pinto) com as suas comendase um parse(?) vestido de branco. Em seguida a estes, chegou um escaler a vapor, o governador, de chapéu de palha, R. d’Andrade acompanhado pelo consul portuguez em Bombaim de grande uniforme. Passados tempos vem ordem para desembarcarem os oficiais, permissão que só era concedida aqueles que fosse à paisana, [pelo que](?) tive de pedir um fato emprestado ao alferes de cavalaria Costa. Fui no escaler a vapor, onde ia o infante. Tomamos 2 trens: n’um ia p Major Brandão, o Alferes Santos e Alferes Osório; no outro ia eu, o dr. Mattos e alferes de cavalaria Costa. Cada carro levava um guia que nos conduziu aos melhores edificios da bella cidade indiana. Percorremos as belas e longuissimas, com a estatua equestre do principe de Galles, da rainha Vitoria, etc, uma bela fonte monumental, fomos ao Correia, ao mercado, à sumptuosa estação do caminho de ferro, em cujo restaurante bebemos refrescos. Assistimos a um espectaculo indiano aonde iamos morrendo de tédio. Enfim corremos toda a cidade quer nas suas longas avenidas, quer nas ruas estreitas e porcas, aonde dormiam em montões os Índios. À 1 hora da noitechegavamos a bordo do Zaire, n’uma catraia indigena, depois de andarmos 7 h. ½ de carro. Dia 11 de Novembro Veio ordem para ficarmos em terra, em Bombaim: o capitão Albuquerque, vetterinario e capitão Judice para comprarem 140 cavalos, Alferes Camilo dos Santos para compra de material de sapadores Capitão Castelo Branco para material teleggraphico. O Zaire largou a boia às 3 h. da tarde em direcção a Goa. Com o pessoal acima dito desembarcou tambem uma força de 16 praças de cavalaria de fato escuro levando na mala um fato de linho/brim (??). As senhoras estiveram na tolda a fazer pensos. O calor é insuportável; eu durmo num banco sobre a tolda. Dia 14 de Novembro Às 10 horas chegamos à Aguada (‘?). Foi dada ordem a bordo para os oficiais andarem à militar.

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Notas de viagem de Arthur Fonseca Cardoso na sua expedição à India, 1895

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[Expedição à Índia. Caderno de notas de Artur Fonseca Cardoso]

Original manuscrito na posse de Dona Maria Amália Fonseca Cardoso

Transcrito por Ricardo Roque, c. 1998

Dia 10 de Novembro

Com um belo dia de sol chegamos a Bombaim, ficando(?) o Zaire no ancoradouro dos navios de guerra. N’elle estavam uns 5 navios de guerra inglezes, da esquadra de reserva activa e um canhoneiro persa. Pouco tempo depois chegavam as visitas dos oficiais da marinha de guerra inglezes, um medico portuguez (Gama Pinto) com as suas comendase um parse(?) vestido de branco. Em seguida a estes, chegou um escaler a vapor, o governador, de chapéu de palha, R. d’Andrade acompanhado pelo consul portuguez em Bombaim de grande uniforme. Passados tempos vem ordem para desembarcarem os oficiais, permissão que só era concedida aqueles que fosse à paisana, [pelo que](?) tive de pedir um fato emprestado ao alferes de cavalaria Costa. Fui no escaler a vapor, onde ia o infante. Tomamos 2 trens: n’um ia p Major Brandão, o Alferes Santos e Alferes Osório; no outro ia eu, o dr. Mattos e alferes de cavalaria Costa. Cada carro levava um guia que nos conduziu aos melhores edificios da bella cidade indiana. Percorremos as belas e longuissimas, com a estatua equestre do principe de Galles, da rainha Vitoria, etc, uma bela fonte monumental, fomos ao Correia, ao mercado, à sumptuosa estação do caminho de ferro, em cujo restaurante bebemos refrescos. Assistimos a um espectaculo indiano aonde iamos morrendo de tédio. Enfim corremos toda a cidade quer nas suas longas avenidas, quer nas ruas estreitas e porcas, aonde dormiam em montões os Índios. À 1 hora da noitechegavamos a bordo do Zaire, n’uma catraia indigena, depois de andarmos 7 h. ½ de carro. Dia 11 de Novembro

Veio ordem para ficarmos em terra, em Bombaim: o capitão Albuquerque, vetterinario e capitão Judice para comprarem 140 cavalos, Alferes Camilo dos Santos para compra de material de sapadores Capitão Castelo Branco para material teleggraphico. O Zaire largou a boia às 3 h. da tarde em direcção a Goa.

Com o pessoal acima dito desembarcou tambem uma força de 16 praças de cavalaria de fato escuro levando na mala um fato de linho/brim (??). As senhoras estiveram na tolda a fazer pensos.

O calor é insuportável; eu durmo num banco sobre a tolda. Dia 14 de Novembro Às 10 horas chegamos à Aguada (‘?). Foi dada ordem a bordo para os oficiais andarem à militar.

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Passado tempo a fortaleza d’Aguada içava a bandeira nacional e dava treze tiros começando a salvar. N’um escaler a vapor, chegaram o juiz da Relação e Secretário geral,..... consul....., major,........., e alferes...... Em seguida o Sr. Infante com o uniforme de marcha respectivo equipamento, acompanhado do governador geral Raphael d’Andrade, embarcaram na galeota e rebocada pelo pequeno vapor, seguiram para o palácio do Cabo, admiravelmente situado. Quando desembarcoou a fortaleza salvou. Desembarcaram tambem os chefes d’estado maior, Kol, Marechal. Mattos, e Marechal Santos, Cor. Senna, e Alferes de Cª Costa, que foram preparar o alojamento no quartel já noite fechada. Foi nomeado o pessoa do rancho. A salva da chegada foi correspondida pela dos Reis Magos. Dia 13 de Novembro O desembarque é hoje. Já saiu a respectiva ordem, desde madrugada que se está tirando do porão toda a bagagem da expedição. Às 4h.20 da tarde, fundeou a nosso bombordo o vapor da carreira de Bom baim, Goa, Zuari, destinado a levar a expedição para a Goa, visto o paquete pelo seu calo não poder entrar barra do Mandori(?). Imediatamente começou o transbordo por meio das duas baleeiras do Zaire e um barco d’alfandega de Goa. O transbordo fez-se regularmente e durou 3 horas começando às 4h.20 da tarde. Em seguida o Zuari dirigindo-se para barra de Mandovi entrando já noite fechada. O Zuari singrou serenamente e a pouco se nos ia mostrando a iluminação da cidade, as luzes dos candeeiros bruxuleando na escuridão dos coqueiros. Aproamos à ponte da alfandega onde esperava a expedição o infante com o respectivo séquito, iluminado por quatro gentios com archotes. A expedição formou em linha, cavalaria à direita, infantaria e no seu flanco esquerdo a artilharia. Depois de feita a continência ao infante, as forças desfilaram para o quartel onde chegaram e formaram à espera que lhe distribuissem os alojamentos o que demorou bastante tempo. Depois tudo descansou em camas americanas (os oficiais) o que foi um consolo para quem estava aborrecido das camas de bordo. Dia 14 Entrei de dia à expedição. Trabalho enorme com o rancho, com a constante ida de fachinas para acarretarem diversos volumes. Os quartos dos oficiais são no quartel no pavilhão central voltado para o rio Mandovi. Houve no serviço d’inspecção muita confusão por causa da distribuição do rancho e enfim de todos os serviços o que não deu pequeno trabalho a regularizar. Dia 15 Depois de jantar fommos passear eu e o Alferes Falcão pelas ruas principais da cidade e recolhemos ao toque do recolher. A cidade é bonita e com belos arredores. O panorama junto a Ribandar é magnifico. Dia 16

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Hoje pela manhã às 6 horas da manhã fui em companhia do Camilo dos Santos até Ribandar de passeio. Ribandar tem boas casas. Era o bairro ou(?) antes onde residia d’antes a aristocracia de Goa. Entramos na igreja e seguimos até ao fim da povoção voltando em seguida à Pangim. Depois de jantar andamos a passear pela cidade até ao recolher. Dia 17 Continua a vida de guarnição.Até ao toque de ordem ninguém sai do quartel. Depois tudo se jantando, sai-se em grupos e espalhamo-nos pela cidade a fazer compras. Ao recolher retiramo-nos para o quartel. Dia 18 Hoje de tarde saiu ordem para uma força de 100 homens. Uns, sob o comando d Capitão Corrêa,Tenente Osório, e alferes Cardoso, se achava pronta para a marcha à primeira ordem. A 2ª ordem determinava que a força saisse às 5 ¼. Formada a força, marchou-se para o cais, onde ela embarcou às 7h. da noite em 2 lanchas. Cada soldado leva bolacha, vinho e conserva. Os oficiais não levavam nada, mas à última hora distribuiram-nos 2 botijas de genebra de conserva. Às 7 ½ juntaram-se às 2 jangadas e puseram-se em marcha, rebocados pelo vapor. Às 8 horas cruzava-se com uma lancha, entrando para dentro o tenente administrador Loureiro, do Concelho de Pandá e 2 guias; nós, levavam os outros dois guias. Ignorava-se para onde a força ia. Constando –nos que iamos para Pandá, receber os cofres do concelho; o que foi confirmado pelo Capitão Corrêa. Às 6 ½ da manhã fui dar um passeio a Ribandar, com o Camilo dos Santos; o passeio foi lindo, em carro, o panorama que se goza é soberbo, realmente. Onde às 9 h. do n.(?) que percorremos o canal Camanjo(?), feito artificialmente e que é extensissimo.(?) Dia 19 Chegamos ao desembarcadouro Durbate a $ kilometrso de Pondá/Pandá(?) às 3h. da manhã. A força pos-se em marcha âs 3 ½, seguindo o Alfers Osório com a guarda avançada de 80 a 100 homens; na rectaguarda ia uma força de 6 homens e entre estes e o povo de cobrim (???) os carregadores ( ). A coluna marchou bem, unida, e silenciosa. Atravessando uns palmeirais densos, a estrada é boa. Às 4 ¼ passávamos junto d’um pagode onde se estava orando. Às 5h formavamos no largo de Bayar com costas para a capela do Snr. Do Carmo. Aí nos esperava o administrador substituto Godinho. Imediatamente se procedeu a distribuição da força pelos quarteis, ficando na distribuição uma força em cada caserna. Nomearam-se duas guardas uma cada caserna e outra à cadeia.E m seguida uma força de 10 praças comandadas por um cabo foi a Curti, distante 1 Kilometro, auxiliar a autoridade administrativa. Passados tempos essa força recolhia trazendo 4 presos, um dos quais desertor do campo maratha e revoltoso. Comprou-se uma vaca e um porco para o rancho que foi distribuido às 14 h. do dia, constando de carne e arroz. No comando em casa do administrador o dia passou-se bem; a população estava abalada(?), pois na véspera tinham vindo 30 a 40 revoltosos fazer uma incursão a Pandá.

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A tarde notaram-se num monte próximo pontos brancos e os soldados disseram que no monte Gaio1, que foi uma fortaleza tomada noutrso tempos por o Conde de Ega e morreu n’um dos assaltos o conde de Alva. Em nota do que me disseram, tocou ao posto sob a formar e em seguida distribuiu-se uma parte da força em pequenos postos e reforçamento da guarda da cadeia.A distribuição foi a seguinte: [segue-se mapa desenhado. Tenho que passar o mapa] Feita a distribuição dos pequenos postos, distribuiu-se o rancho que constou de carne em ração e arroz. 3 sargentos foram nomeados para rondar e um dos oficias ficava vigilante durante 2 horas enquanto os outros descansavam. A noite passou-se sossegada, apenas houve uma tentativa de fuga por parte dos presos os mais foram amarrados dois a dois. Dia 20 Às 3 ¼ da manhã tocou a alvorada, às 4 h. a doida correria, às 5 estava a força com a gar da avançada (25 homens). Às 6 .. pos em marcha par aDumbaté (?). Dispositivo de marcha A marcha fez-se bem e com regularidade chegamos ao embarcadouro às 7 h. 25. A demora na partida foi devido aos bois terem fugido espantados e não aparecer quem entregasse o cofre. Logo de manhã se soube que em Nirancal que fica a 3 horas de marcha de Pandá estava um grupo revoltoso. Nirancal é limite do concelho de Sanguem. À tarde de 19 foi um mouro principal de Pundá (cagi ou prelado mahometano) pdeir para a força ficar em Pand, visto terem as vidas e haveres em perigo. Foi-lhe respondido que as ordens superiores determinavam que partisse no dia seguinte. As margens de Mandavi são lindas com os seus coqueiros e bambueiros - Na ponte despedia-se, chorando desesperadamente, um pobre indigena Aurora, casada, de Andrade, um belo rapaz da sua raça. Ele era um dos presos. Todo o dia esteve chorando junto da cadeia e foi-nos implorar clemência. Casara-se há 6 meses com ele. A roupa do indigena consistia no pano. Ele de langotim e mundaço ou triunfa – A viagem pelo rio foi linda apesar do calor que fazia. Passamos junto da velha Goa, a cidade dos vices-reis, hoje transformada num coqual, d’onde emergem as cupulas dos velhos conventos. À 1 h. e meia desembarcamos formando em coluna, à espera do infante que chegou algum tempo depois. Em seguida marchamos para o quartel. À noite com o Teixeira, Osório, Castelo-Branco, e Falcão fomos beber no café das Osgas/Osjas (?). Dia 21 Entrei d’inspecção. E o dia passou-se em preparativos de marcha. Dia 22 A cavalaria teve muita passada pelo seu capitão (Saleuma). Sabe-se que .............. 1 Ou Mordangar.

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Dia 23 Saiu a ordem de marcha para o corpo expedicionário ir contra os revoltosos. A cavalaria marcha às 10 h. da manhã pelo rio até Peligão seguindo para Bicholim em serviço d’exploração onde esperava a coluna d’infantaria. ------------------------------ Dia 24 Na manhã de hoje, houve missa celebrada pelo patriarcha ás 5 h. da manhã. Assistiu o infante, govrnador, elemento official, novo, Senhoras n’um planque à direita do altar. Este decorado a vermelho e branco. Foi no Campal. A disposição das forças era a seguinte: [segue-se mapa desenhado por F.C. com a disposição das forças na missa] Em seguida à missa a columna marchou em revista em frente do governador e infante. As forças d’infantaria marchou em columnas de secções. Às 10 h. embarcava a valleria para Peligão, marchando para Bicholim onde chegou às ........................... Dia 25 – Novembro À meia noite largaram as jangadas conduzindo a infantaria, artilheria e serviços auxiliar[es]. Já de guarda às bagagens o Castel-Branco, chegando a Peligão às 3 menos ¼ da manhã. Encontrando-se a força n’um coqueiral às 5 h. da manhã puzemos em marchapara Bicholim, onde chegámos às 7 ½ onde encontramos a cavalleria 1 companhia indigena e 2 peças a braços. As forças descançaram meia hora pondo-se em marcha, depois d emudar de calçado, afim de atravessar um ribeiro com água pelo joelho. Interessante a passagem; o infante a cavallo na margem. A soldadesca de calças arregadas, um aros.(???) sobretudo officiais às costas de indigenas. EM seguida tivemos uma estafante, medonha, marcha. A sede era enorme e custava a conter a soldadesca sequiosa, a querer beber água dos rios e poças. Atravessamos 2º ribeiro menos fundo mas com muita força de corrente e entramos logo em Sanquelim às 11 ½ da manhã estenuados com ocalor. A povoação estava completmaente abandonada, sndo preciso arrombar as portas das habitações. Tinha sido saqueada pelos revoltosos. Dificuldade na alimentação; nem uma galinha. Tivemos que nos alimentar de conservas. O serviço de segurança foi feito pelo corpo indigena, tendo nós uma força comandada pelo Osório, servindo a reserva de postos avançados. Além d’isso tinhamos: postos de avanço(?), entre (xxx) nos indigenas (3 homens por cada pequeno posto indigena) Na infantaria foi um pouco tulmutario o serviço de acantonamento. Eu andei perto d’uma hora à procura do meu quartel.

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Dia 26 Às 4 h. formaram as forças tomando café, às 5 ½ levantou-se o acantonamento, seguindo a cavaleria em guarda avançada, depois do corpo indigena, a 2ª companhia de infantaria 3 artilharia e 1ª(?) companhia. Em Sanquelim ficou o alferes Abel com 20 anos e algumas praças indigenas afim de manter as comunicações. A marcha vai regular, dirigindo-se para a célebre ponte de Nanuz, passando o Rarigante. As forças despejaram as mochilas que embora mais leves, são péssimas de conduzir por causa das jambas(?) de cortar os hombros. Hontem ia à frente a 1ª companhia. Atravessou-se o célebre desfiladeiro de Rarigante, sem se dar um tiro. A cavaleria fez fogo sobre um grupo de homens que receberam ordem de se entregar, e deitaram a fugir. Não foi ninguém atingido. Chegou-se a Nanus às 12 ½ do dia e immediatamente se dispos os acantonamentos. O quartel general ficou no forte. A cavalerai, artilheria e infantaria na povoação nas embatas abandonadas pelo gentio. O sítio é delicioso, as cabanas dispostas entre as bananeiras e outras árvores, de forma a que o sítio é todo ensombrado e fresco. Foi para os postos avançados o tenente Teixeira. Dia 27 Hoje de manhã marchou uma força de 100 homens comandada pelo capitão Monteiro, tenente Osório e alferes Camillo. Foram à povoação Adboi distante destrui-la como castigo. Às 10 horas via-se do alto dos postos avançados a aldeia em fogo. Hoje às 11 ¼ recebi pela primeira vez am Nanus, ao distribuir o rancho de manhã que por sinal saiu escasso, carta da Amália e jornais. Atiramo-nos às notícias. Estou rouco com a farfalheira (?) que tive ontem. De manhã fui visitar o rio em comapnhia do alferes Santos (Manoel). Bonitas as margens; o rio tem muitos peixes. Em Nanus pela mata da povoação andam muitos macacos pelas árvores, com os pequenitos ao colo. Engraçadissimo e curioso. Às 4 horas chegou a força. Tinham preso um homem e uma pobre mulher velha e um boi e largaram fogo à povoação. Distribui-se o café às 5 h. da manhã. O rancho da manhã às 10 h. foi escassissimo, tendo de se fazer 2º rancho. O serviço de subsistências tem sido um pouco tumultuario devido às circunstancias. O jantar foi às 6 h. da tarde. À noite fui para os postos avançados dormindo com tenente Senna d’artilheria, Houve um pequeno alarme, saindo saindo com uma secção e o tenente Senna com alguns homens artilheiros. Depois de se inquirir soube-se que nos postos avançados uma praça a sonhar, gritara. Isto deu caso a risota tanto por parte do meu primeiro e do dr. Mattos, que chegavam n’essa ocasião. O resto da manhã passou-se sossegadamente. Dia 28 Pela madrugada retirou-se a reserva dos postos avançados. Saiu uma força de 100 homens comandada pelo Capitão Correia, tenente Teixeira e alferes Castel-Branco. Às 6 ¼ da manhã segui para a porta do Forte onde guiado pelo ajudante de infantaria Mello, fui ocupar uma altura, atrás dos postos avançados, com 60 homens. Fiquei situado como reserva dos postos avançados. O local é pitoresco, vendo-se o Castello, os postos avançados, as montanhas dos Gatos(?). O pequeno posto digo, posto principal, contém 3 sentinelas assim dispostas:

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[segue-se desenho com mapa de disposição das forças das sentinelas] O tenente de artilheria saiu hoje às 5h. da manhã, para queimar uma povoação, que às ... d’ali a algum tempo ardia espalhando pela atmosfera densos rolos de fumo. Às 12 ½ do dia via a S. sair de dentro d’um vale uma densa fumarada; era outra aldeia que ardia; provavelmente era a força do Capitão Correia. A aldeia de Zardem; a do Senna Luanqui. Queimaram mais Dormei. Construi mais um abrigo para o sargento junto à minha. Ao toque de recolher rendido pelo Camillo. Retirei devendo marchar amanhã para a razzia. Dia 29 Saiu a coluna às 5 h. da manhã tendo uma marcah por um país magnifico de vegetação, mas muito cortado pelos rios. Atravessamos umas três a quatro vezes ribeiros. Os dois vaus maiores foram a do Mandovi, onde alguns soldados cairam na corrente, entr eeles o meu Catharino. Eu atravessei o tenente às costas d’um cabo (Carneiro) e d’um soldado. O segundo com água pelo joelho. Chegamos à povoação de Palli às 8 h. formando a força à sombra. N’uma ruela encontrou-se um pastor rapaz de 18 anos o qual depois de ser ameaçado, confessou que a população estava n’um outeiro próximo. Queimou-se a povoação que se acha situada n’um sítio pitoresco. Espectáculo novo para mim e comovente. Às 10 h. começaram a partir vozes indicaram gente sobre cabeço [duas páginas seguintes: 1. desenho representando a barraca de Fonseca Cardoso. A legenda é: A minha barraca na reserva dos postos avançados no dia 28 de Nov. 1895, construida pelos soldados do meu posto 2. desenho representando a cabana onde se alojaram A legenda é: Cabana onde se alojaram os meus 60 homens do posto principal.em reserva dos postos avançados no dis 28. Esta cabana foi construida pelos indigenas. ] muito alto. O capitão Albuquerque mandou dar algumas descargas. Deram-se 4. Soldadesca muito animada. O rapaz que foi preso estava no alto d’uma escondido pela folhagem. Acabado incêndio voltamos para outro outeiro onde se encontra outra aldeia que toma creio o nome da primeira. As casas são cobertas a colmo e paredes a barro, com umaa pequena porta de entrada. Chegamos a uma aldeia próxima de Tanem às 12 ½ h. Enquanto a aldeia ardia a soldadesca capturou n’um arrozal 24 bufalos, que se tiveram de abandonar por pertenderem a um dessae fiel que nos acompanhava. O terreno percorrido confirma o mesmo. Em frente de nós e a duas horas de viagem fica a fronteira inglesa, cujos taludes escampados se veem. Às 2 ¼ chegavamos a Nanelli que também foi queimada. Seguimos depois para Nanus aonde chegamos às 7 h. da tarde, tendo nós atravessado durante o dia 17 rios e ribeiros a vau! Dia 30 Hoje foi para a razzia o Capitão Correia e alferes Camillo dos Santos, às 5h. da manhã. Eu, no fim do almoço, às 9 ½ h. da manhã, fui pescar com um aparelho feito à pressa. Foi comigo o Castel Branco e tenente Osório. Depois de várias tentativas

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consegui eu pescar um peixito com risca preta ao longo do corpo. Regressei e assentei-me à mesa a escrever à família e aos amigos. Não pude fazê-lo porque o sono produzido pelo cansaço me venceu. Depois de jantar fui para os postos avançados onde passei a noite em substituição do Teixeira2. Dia 1 de Dezembro Às 5 h. saiu uma coluna como as antecedentes. Às 6 h. houve missa no campo fronteiro ao castelo de Nanus. O efeito d’essa missa visto do alto da reserva dos postos avançados, era surpreendente. O padre destacava-se, na alversa(?) da vestimenta sacerdotal a barba negra. É missionário. Assistiram todas as forças, à excepção dos que entraram de diligência e postos avançados e o infante. O dia já tinha rompido há uma hora, o sol ainda fraco dava tons claros à paisagem, fazendo destacar os uniformes cor de grão de bico (caqui) e a alvura dos nossos uniformes. Às 4 h. marcha o Camillo para Pangim com 50 homens, ficando em diligência, enquanto as tropas ficam nas operações, e eu vou à mesma hora para Sanquelim levantar um auto. Cheguei no comboio, n’um carro de bois de curvava e chifres em larga, onde eu passei aos solavancos toda a viagem. Cheguei a Sanquelim às 9 ½ h. da noite, estando já o Camillo com os seus 50 homens e 6 presos. Passei a noite com o Abel na casa do administrador. Dia 2 de Dezembro Levantei-me e fui com o Abel ao pagode dos Ranes, aonde colhemos poucas coisas e em seguida fui almoçar. Encontrou-se o capitão Albuquerque, tenente Pacheco que tinham vindo de Bicholim de prender gente revoltosa. Ontem tinham ido a Ravona aonde estiveram nan fronteira inglesa. Durante ontem e hoje, grande cruzamento de forças indigenas e nossas. À meia noite de ontem partiu uma força indigena para Quepem. Hoje outra para Bicholim, comandadas a 1ª alferes F Barreiros; a 2ª pelo alferes Mascarenhas. Às 10 h. da manhã partiu pelo rio para Pangim o alferes Camillo dos Santos. Às 4 h da tarde regressa a nanus o Capitão Albuquerque, com uma força indigena e outra de cavalaria comandada pelo alferes Pacheco. Depois de jantar fomos passear com o indigena Atamarama Puryotoma até ao cais de Sanquelim. O sol estava a pôr-se e o efeito da paisagem oriental, dava-nos impressões estranhas. Vimos as árvores sagradas (o Ficus indicus) rodeadas d’um pequeno muro. Conversei com o Atamarama, que é escrivão da administração e director do Correio, homem de 40 anos inteligente, falando menos mal o português, vestido de branco, com a trunfa branca. À noite deixamos a praia por causa do alferes Lamas que estava com febres e fomos para a casa do Correio onde se cavaqueou retirando-nos em seguida. Tomamos chá e deitamo-nos. Lá pelas 11 h. da noite ouvimos a voz do 1º tenente Pereira, que viera de Pangim na lancha a vapor “Salsete” visitar o Abel Falcão; levantamo-nos e acompanhamo-lo à praia, aonde ele seguiiu para Pangim, deixando uma tona carregada de viveres. Dia 3 de Dezembro

2 A razria de 30 foi para arrasar, Sanvarchem, Padelli e Dinondem. Logo à saida a força dividiu-se: o capitão queimou as aldeias acima mencionadas. O Camillo queimou as aldeias de Barazana, Patual, Halopa-curdo, Sirçarem.

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Continuei com o levantamento doo corpo de delito. Ouvi os indigenas que não sendo cristãos, juraram sobre o arroz. [página seguinte: desenho do Forte de Nanuz, datado de 3 de Dezembro de 1895, e com o seguinte dizer: Este flanco deve ser igual ao outro. Emendar o carvão.] Depois de jantar fui passear para o embarcadouro. Quando voltamos comprei tabaco e viemos tomar chá e torradas. Estavamos a tomar esta refeição quando chegou aos meus ouvidos o tropel de cavalos; era o alferes Costa que vinha anunciar a chegada d’um comboio e d’uma força sob o comando do tenente Teixeira. Às 9 h. da noite chegava efectivamente a força de 26 homens, com 20 presos importantes entre os quais um escrevente da Fazenda de Sanquelim ou Bicholim e 5 ranes, typo indigena grosseiro, de olhar penetrante, o ar denotando a selvageria do seu viver de saltedador; trunfas brancas na cabeça, altas; estatura acima da média. Às 11 ½ esta força com os presos e o capitão Albuquerque seguiu n’uma lancha a vapor “Salsete” rebocando uma tona aonde iam os presos. De tarde tinha-nos participado o Atamarama, a fuga de Dotu o célebre regedor, terror dos Ranes, e que estava preso com o chefe da revolta Dada Ranes e o seu feroz filho. A impressão causada por este facto foi enorme em Sanquelim e Atamarama não nos falou n’outra coisa, todo entusiasmado. Uma lenda já corria acerca da já célebre fuga. Por uma noite de luar Dada ranes e os seus companheiros dormiam. Dotu acorda e notando a pouca vigilância da pequena guarda, levantou-se e saiu cautelosamente do bivaque, fingindo que ia urinar. Como não fosse notado pelos guardas que dormiam profundamente Dotu meteu pelo caminho, por andou toda a noite até Nanus, onde se apresentou ao infante. Nessa ocasião apontou uns Ranes e o tal escrevente que andavam no acampamento disfarçados, prestando serviço à coluna! O Capitão Albuquerque disse-me que essa história da fuga era pura lenda. Que ele, Dotu, tinha sido solto por Dada Ranes, afim de vir tratar com o infante. Disse-me mais que Dada Ranes, se vinha a entregar, pois ele dizia que tinha sido atraiçoado pois lhe tinham prometido fazê-lo rei de Satari. O teixeira contou-me que tem saido mais forças para a queima das aldeias. Sanquelim – Dia 4 de Dezembro Hoje foi dia de enviar cartas para Portugal, enviei 2 para a Amália, 1 para o meu pai 2 bilhetes postais para o pai do Ricardo e para o Peixoto. Continuei a levantar o auto. Depois de almoço fomos eu, o Abel e dr. visitar o Arcal onde está uma fonte junto d’umm velhissimo pagode em ruinas. Para lá chegarmos fomos por um caminho cheio de sombra, onde admiramos os produtos da flora indiana, a gralheira, a majestosa mangueira, o cajueiro, a parasita pimenteira, enroscada no tronco da arequeira. Uma sombra fresca e misteriosa com o viver da Índia. Numa poça de água da fonte, um bufalo parecia dormitar e consolar-se com água em que estava mergulhado e olhava para nós estupidamente. O dr. tomava banho e nós entretinhamo-nos a deitar, à pedrada, arecas maduras. Depois viemos jantar e em seguida fomos para o cais do costume cavaquear. Terminada a conversa, fomos para a casa do Correio, aonde escrevemos à família, e recebemos a visita do irmão do Dotu, o célebreregedor inimigo dos Ranes. Tipo imponente e simpático, aio d’um rajah na fronteira inglesa, sabendo o concanim, maratha e inglês.

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Depos retiramo-nos, vindo deitar pois esperavamo-nos a força do tenente Teixeira que fora a Pangim levar 20 presos e que chegaria às 3 h. da manhã. Sanquelim – 5 de Dezembro Hoje de manhã pelas 3h. da manhã partiu o Teixeira com os seus homens para Nanuz, tomando aqui café. Eu levantei-me e fui assitir à venda de arroz (bate) com casca vinda de Nanuz e que se reuniu nas diversas tomadias que fez o corpo expedicionário. Quando se tinha perdido quasi todo o dia a dia, soube-se que os negociantes nos queriam enganar, comprando pelo preço inferior ao do mercado, isto +e cinco rupias o Candil em vez de 6. [____28/2/1998__] À noite depois de jantar oficiei em nota ao chefe de estado maior para me serem presentes os três soldados acusados a quem estou levantando auto. Depois fomos para a casa do Correio, onde houve grossa discussão, acerca da mulher. Recebeu-se à noite uma nota do quartel general, mandando prevenir alojamento para 125 homens e 6 oficiais. Aqui falta o mais necessário e o quartel numa ignorância indesculpável manda preparar, rancho de carne, rações de carne fria, etc, etc. quando aqui, a força há uma porção de dias apenas 1 teve carne. Eu estou há quatro dias e ainda não comi senão galinha! Operação para o dia 24 de Novembro Cavalaria em toda a sua força, marcha pelo rio até Peligão, aonde desembarca, seguindo para Bicholim. [segue-se desenho que descreve, segundo a legenda, o “dispositivo de marcha de uma coluna de reconhecimento (razzias)”. Na última página, consta o que parece ser a rotina diária de Fonseca Cardoso no quartel: Alvorada – 5 h. da manhã; Café – 5 ¼ da manhã; Passada da guarda – 8 h. da manhã; Rancho – 9h. da manhã. 4h. da tarde; Recolher – 9 h. da noite; Silêncio – 9 ¼ noite. Na mesma página, esboço de um forte. Talvez Sanquelim... mas não tem legenda] [fim do caderno de apontamentos]