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1 EXPLORAÇÃO DO RECURSO GENÉTICO E DO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO NO SETOR DE FITOTERAPIA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O ESTADO DO AMAPÁ Elizabeth Ferreira da Silva [email protected] Daniela Fortunato [email protected] Lia Hasenclever [email protected] Resumo A potencialidade de recursos da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado, além do próprio conhecimento tácito enraizado, pode ser um ativo valioso para os atores locais, posto que estes ativos sejam vistos como diferenciais de uma região através do uso dos sinais distintivos: marca coletiva e indicação geográfica. Entretanto, o uso do regime de direitos coletivos, onde a propriedade compartilhada emerge como uma forma alternativa de governança ao direito de propriedade privado, a partir da ação coletiva dos agentes locais, enfrenta várias dificuldades para ser adotado. Este estudo apresenta uma análise sobre o uso coletivo dos sinais distintivos no setor de fitoterapia, no estado do Amapá, e sugere que estes instrumentos possam ser significativos para a apropriação de valor entre os atores locais. Os sinais distintivos foram estudados a partir do grau de conhecimento desses atores sobre esses instrumentos e de sua pertinência ao estágio de desenvolvimento desse setor. Conclui-se que o grau de maturidade das relações travadas nesse sistema é relevante para se perceber que tipo de arranjo de direitos de propriedade intelectual pode ser articulado para melhor contribuir na apropriação do valor criado. Introdução O sistema de propriedade intelectual apresenta grandes dificuldades diante os desafios da exploração do recurso genético e da peculiaridade da gênese do conhecimento tradicional associado 1 . O âmago da questão repousa sobre a própria natureza da proteção do sistema de propriedade intelectual, que exige, em geral, a individualização dos agentes detentores da titularidade, já que se trata de direitos privados exclusivos tidos como bens rivais (o benefício consumido por um indivíduo exaure o benefício para os demais) e 1 A complexidade e a peculiaridade intrínseca na relação do recurso genético e sua utilização pelos povos tradicionais vem norteando as discussões em prol da adoção de um regime de proteção suis generis (Correa, 2001; Santilli, 2004; Rodrigues, 2011).

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EXPLORAÇÃO DO RECURSO GENÉTICO E DO CONHECIMENTO

TRADICIONAL ASSOCIADO NO SETOR DE FITOTERAPIA: UM ESTUDO DE

CASO SOBRE O ESTADO DO AMAPÁ

Elizabeth Ferreira da Silva

[email protected]

Daniela Fortunato [email protected]

Lia Hasenclever [email protected]

Resumo

A potencialidade de recursos da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado, além do próprio conhecimento tácito enraizado, pode ser um ativo valioso para os atores locais, posto que estes ativos sejam vistos como diferenciais de uma região através do uso dos sinais distintivos: marca coletiva e indicação geográfica. Entretanto, o uso do regime de direitos coletivos, onde a propriedade compartilhada emerge como uma forma alternativa de governança ao direito de propriedade privado, a partir da ação coletiva dos agentes locais, enfrenta várias dificuldades para ser adotado.

Este estudo apresenta uma análise sobre o uso coletivo dos sinais distintivos no setor de fitoterapia, no estado do Amapá, e sugere que estes instrumentos possam ser significativos para a apropriação de valor entre os atores locais. Os sinais distintivos foram estudados a partir do grau de conhecimento desses atores sobre esses instrumentos e de sua pertinência ao estágio de desenvolvimento desse setor. Conclui-se que o grau de maturidade das relações travadas nesse sistema é relevante para se perceber que tipo de arranjo de direitos de propriedade intelectual pode ser articulado para melhor contribuir na apropriação do valor criado.

Introdução

O sistema de propriedade intelectual apresenta grandes dificuldades diante os

desafios da exploração do recurso genético e da peculiaridade da gênese do conhecimento

tradicional associado1. O âmago da questão repousa sobre a própria natureza da proteção do

sistema de propriedade intelectual, que exige, em geral, a individualização dos agentes

detentores da titularidade, já que se trata de direitos privados exclusivos tidos como bens

rivais (o benefício consumido por um indivíduo exaure o benefício para os demais) e

1 A complexidade e a peculiaridade intrínseca na relação do recurso genético e sua utilização pelos povos tradicionais vem norteando as discussões em prol da adoção de um regime de proteção suis generis (Correa, 2001; Santilli, 2004; Rodrigues, 2011).

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excludentes (direito de exclusão de terceiros). Esses direitos podem ser de caráter

individual ou coletivo.

Instrumentos de proteção, de cunho coletivo ou de uso coletivo, podem, entretanto,

ser utilizados como fundamentação para a proteção da biodiversidade e do conhecimento

tradicional associado, sob certas circunstâncias, para a exploração econômica com certa

captura de valor para os agentes locais. Mas, ainda assim, se constituirá num desafio

enquadrá-los no sistema de propriedade em função das diversas especificidades, variações

de anseios e necessidades das comunidades e demais agentes locais entre outros aspectos.

O artigo discute a possibilidade de uso da indicação geográfica e da marca coletiva

como instrumentos de direito de uso coletivo à proteção de propriedade industrial para o

setor fitoterápico, na região do Amapá. Estes instrumentos podem ser mais adequados e

mais eficientes para a apropriação de valor dos agentes econômicos amapaenses, no setor

fitoterápico, em virtude da localização desses agentes na cadeia produtiva. Para tanto foram

realizadas entrevistas sobre a percepção dos principais agentes locais, à jusante da cadeia

produtiva de fitoterapia na região, a respeito do grau de maturidade das suas relações. A

hipótese subjacente a esse artigo é que, no atual estágio de desenvolvimento do setor

fitoterápico no Amapá, os sinais distintivos se apresentam como instrumentos mais

adequados para apropriação do valor entre os atores locais na medida em que eles

colaboram para a identificação, distinção e construção de reputação dos produtos e insumos

da região, imersos num ambiente de valores socioculturais e ambientais únicos.

O artigo está dividido em quatro partes distintas, além desta introdução e da

conclusão. A primeira parte apresenta inicialmente uma breve discussão sobre as

características do direito privado e coletivo e a seguir sobre a noção de direitos comunais e

autogestão. A segunda parte apresenta a tentativa de proteção do conhecimento tradicional

e do recurso genético por marca coletiva e por indicação geográfica. A terceira parte

abordará o estudo de caso e a caracterização dos principais atores do setor fitoterápico.

Finalmente a quarta parte fará a análise da percepção sobre a maturidade das relações entre

os agentes locais com o intuito de detectar o grau de maturidade destas relações e o

dinamismo que elas emprestam ou não ao setor associadamente aos sinais distintivos.

1. Direito Privado x Direitos Coletivos

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Segundo Ostrom (2000, p. 339), ‘o direito de propriedade define ações que o

indivíduo pode ter em relação a outros indivíduos, a respeito de alguma coisa’. Assim, se

estabelece a relação direta e imprescindível entre as regras e os estabelecedores das regras

ou legisladores, em prol da rentabilidade dos indivíduos e da sociedade. Ainda segunda a

mesma autora ‘o direito de propriedade privado depende da existência e aplicação de uma

série de regras que define quem tem o direito de empreender atividades baseadas em sua

própria iniciativa e como o retorno da atividade será alocado’(Ostrom, 2000, p. 334). Por

esta razão, a rentabilidade dos bens no direito privado tende a ser maximizados em função

da relação direta com o nível de investimento empreendido e o retorno obtido. O direito de

dispor do bem como convier ao titular de direito é assegurado, desde que não haja prejuízo

de terceiros (Ostrom, 2000). Entretanto, o direito de propriedade intelectual incide sobre o

conhecimento, sendo um bem imaterial, com características de um bem público2.

A grande crítica de Ostrom (2000) aos direitos de propriedade intelectual recai na

legitimidade do direito privado individual, absoluto e exclusivo. Entretanto, a autora afirma

que os direitos comunais podem ser aplicados à exploração da biodiversidade e ao

conhecimento tradicional. Talvez, os instrumentos de marca coletiva e indicação geográfica

possam recepcionar o conceito do feixe de direitos para a delimitação dos direitos de acesso,

retirada, gerenciamento, exclusão e alienação, sendo fruto de uma construção e ação

conjunta com a comunidade, de modo a ajustar melhor os interesses e conflitos da própria

comunidade.

O regime de propriedade comunal é um tipo particular de direito de propriedade, o

qual é alicerçado na propriedade e ação coletiva caracterizada por uma propriedade

compartilhada, distribuída com estrutura de governança e delimitação de direitos, que

conduz a gestão de recurso de propriedade comunal (Ostrom, 2000; Coriat, 2013). A

biodiversidade concebida como ambiente de inserção dessa coletividade pode ser entendida

como um conjunto de recursos comunais, com atributos físicos3 e sociais4. O conjunto de

2 Um bem público é caracterizado por ser não excludente, seja por ser de difícil exclusão de terceiros (seja por sua total impossibilidade de exclusão) e, por isso, seu custo de exclusão é tido como bem oneroso, além de ser um bem não rival, onde o benefício consumido por um indivíduo não exaure o benefício dos demais. O bem público tende a ser subaproveitado em função da existência e permissibilidade com o comportamento oportunista (Ostrom, 2000). 3 Os atributos físicos estão relacionados com o ambiente, onde as possíveis variáveis podem ser a delimitação do quantitativo da unidade de recurso, a delimitação do espaço físico, a escolha da tecnologia para o melhoramento na identificação e estrutura de controle dos recursos entre outros. Os sistemas de recursos bem

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recursos comunais é caracterizado pelo elevado custo de excluir indivíduos desses ditos

recursos ou bens. Segundo Ostrom (1999, p.2), o conjunto de recursos comunais inclui

recursos naturais e recursos construídos pelo homem, o qual produz o fluxo do uso de

unidades por unidade de tempo (Ostrom apud Coriat, 2013). Esta definição e categorização

do conjunto de recursos naturais5 permitiram ampliar a base de discussão para os bens não

naturais, onde os sistemas concebidos pelo homem vão desde bens materiais de provimento

de infraestrutura de rede de computadores, internet (Ostrom, 2000, p.338) até bens

imateriais de natureza informacional ou cultural6 (Coriat, 2013, p.12).

No tocante aos recursos naturais, estes podem ser considerados como um conjunto

de recursos comunais, que ostentam característica de um bem comum, ou seja, apresenta o

caráter de bem rival, onde o benefício consumido por um indivíduo é subtraído do

benefício disponível dos outros, além de não ser excludente (Ostrom, 2000).

O Quadro 1 apresenta a tipologia convencional dos bens, conforme sua

caracterização de acordo com os quadrantes excludentes e não excludentes, rivais e não

rivais. Um bem comunal implicitamente contempla a existência de fonte de recursos e

forma de propriedade compartilhada entre grupo de usuários providos de determinada

forma de acesso, para que possam se beneficiar dos recursos dali obtidos, onde a ação

coletiva institui uma forma de governança (Ostrom, 2000, Coriat, 2013).

delimitados facilitam a medição e controle sobre a apropriação do produto derivado da unidade do recurso (Ostrom, 2000). 4 Os atributos sociais são aqueles que consideram o grau de envolvimento dos participantes com o meio tais como a reciprocidade ao atendimento às normas, o grau de confiança da coletividade, a participação da coletividade na escolha das regras coletivas, no uso estável dos recursos, no grau da exatidão das informações sobre as condições do recurso com a expectativa do fluxo de benefícios e na elaboração de custos compatíveis com uma baixa estrutura de custos entre outros. São considerados atributos sociais também o tamanho da coletividade e seu grau de heterogeneidade (Ostrom, 2000). 5 Ainda segundo Ostrom (2000, 338), “Common-pool resources may be owned by national, regional, or local

governments; by comunal groups; by private individuals or corporations; or used as open access resources

by whomever can gain access.” 6 Segundo Coriat (2013, p. 12), a inclusão de bens construídos pelo homem antecipa os tipos de bens comunais de caráter intelectual ou informacional, onde também se verifica um alto custo de excluir indivíduos dos recursos ou dos bens. Segundo Ostrom (2000, p.337), “Common-pool resources share with public goods

the difficulty of developing physical or institutional means of excluding beneficiaries.”

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Quadro 1 – Tipologia convencional dos bens

Rival Não Rival

Excludente Bem privado Bens de clube

Não excludente Bem comum Bem público puro

Fonte: Ostrom (1999) apud Coriat (2013)

Entretanto, o conhecimento tradicional associado, embora não seja um

conhecimento estruturado, também apresenta a característica de um bem público. A

natureza difusa7 do conhecimento tradicional, reforçado por sua oralidade de transmissão, é

um complicador para o sistema de propriedade intelectual. O conhecimento tradicional

pode ser considerado um recurso intelectual, relacionados aos aspectos culturais e artísticos,

cuja construção coletiva ao longo dos tempos contribui para o aumento do conhecimento,

na medida em que haja adaptações necessárias relacionadas às alterações ambientais e as

práticas rotineiras destas comunidades, passado de geração em geração.

A construção coletiva e o caráter difuso atribuído ao conhecimento tradicional não

lhe impedem de ser reconhecido como pertencente a um determinado grupo ou comunidade

ou, até mesmo compartilhado por outros grupos ou comunidades. Portanto, há o

reconhecimento de pertencimento a um determinado grupo ou comunidade, cujos códigos

de seus valores e conduta estabelecem uma estrutura de governança com regras próprias

(Coombe, 2005; Dutfield, 2005). O reconhecimento de saberes únicos inseridos num

sistema de propriedade, de caráter coletivo, num processo social de aprendizado e

compartilhamento do conhecimento, baseados em laços de confiança, com regras baseadas

nos costumes de acesso e uso do conhecimento, pode permitir seu enquadramento do

conhecimento tradicional no âmbito do direito comunal. As distintas especificidades, no

âmbito de sua governança e costume, aumentam o grau de complexidade e dificultam o

enquadramento da matéria no sistema de propriedade intelectual, no que diz respeito à

proteção da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado.

7 O caráter difuso abarca a questão da identificação e caracterização do conhecimento, ou seja, a identificação clara da titularidade e da caracterização do conhecimento novo. Estas questões implicam diretamente na categorização desse conhecimento como um bem público e, portanto, sem a incidência de direitos de propriedade intelectual.

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1.1 Direitos Comunais e Autogestão: possibilidades para marca coletiva e

indicação geográfica

No passado, a discussão da exploração do conjunto de recursos comunais

equivocadamente subsidiou a hipótese de subaproveitamento8 ou de consumo em excesso9,

conforme relatado na Tragédia dos Commons, entretanto, instrumentos de autogestão se

contrapõem as evidências do modelo anterior10.

A ação coletiva estabelece uma organização de grupos de usuários, formal ou

informalmente constituída, que introduz as regras mínimas na definição de seus membros

para o uso particular de um conjunto de recursos comuns. A ideia básica é que qualquer

grupamento humano que viva por um longo tempo próximo e dependente de um conjunto

de recursos comuns, com relativa escassez, forme um grupo e uma estrutura de governança,

criando um regime de propriedade comunal. As “regras do jogo” são postas, de comum

acordo, e tendem a ser respeitadas por todos, inclusive com a previsão de mecanismos de

punição, em caso de infração (Ostrom, 2000; Coriat, 2013).

Portanto, a estrutura de governança tende a refletir os interesses dos grupos sociais

locais, cujos integrantes do grupo são partícipes na formulação das regras, desenvolvendo

um modelo de autogestão informal ou formal. O desafio desse modelo é a legitimação do

grupo organizado, que representa a coletividade e, adicionalmente, a formalização jurídica

deste grupo, quando for necessária para reivindicação de seus pleitos nos moldes

institucionais organizados.

Os laços de confiança e maturidade das relações entre os membros da coletividade

serão imprescindíveis para a legitimidade da dita entidade. A legitimidade dessa entidade

tende a facilitar o processo de resolução de conflitos no âmbito da coletividade, melhorando

o processo de autogestão no direcionamento de suas escolhas e na elaboração de regras,

havendo um consenso e maior consonância no pleito da coletividade (Ostrom, 2000). Além

disso, essa legitimidade pode: (i) facilitar a adoção de mecanismo de exclusão condizente

8 Na medida em que não haja incentivo para o aumento do ganho privado, posto que o ganho do produto obtido pela unidade do recurso seja dissipado entre a coletividade, portanto, sem mecanismo para estimular o aproveitamento pelo exercício do direito privado de exclusão. 9 A permissividade de regras conduz ao consumo excessivo, conduzindo ao esgotamento do recurso. 10 Na Tragedia dos Commons, os indivíduos são tidos como egoístas, avessos as regras e maximizam resultados no curto prazo (Ostrom, 2000). O estudo emergiu no contexto da previsão da explosão demográfica mundial em relação a capacidade de produção das áreas cultiváveis de suprir a demanda por alimentos, em meados do século XIX, e, logo após, há um reforço pelo predomínio dos ideais neoliberais (Coriat, 2013).

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com as expectativas da coletividade em prol dos seus anseios, (ii) melhorar a exatidão na

coleta de informação sobre o ambiente local para uma atividade econômica mais

sustentável e duradoura, (iii) propiciar uma relação produtiva da coletividade com o seu

meio ambiente, (iv) melhorar a capacidade de resposta frente aos desafios e dificuldades da

dita comunidade, evitando o problema do consumo excessivo e a degradação da

biodiversidade (Ostrom, 2000) e (v) colaborar, de certa forma, para o não desaparecimento

do conhecimento tradicional associado, posto que haja sua valorização e estímulo ao seu

fluxo. Nesse caso, um arranjo de direitos pode ser desenhado e gerido em comum acordo

com a coletividade organizada de forma evitar o esgotamento dos recursos ou o seu

subaproveitamento.

O regime de propriedade, sob a ótica do feixe de direitos, delimita os direitos do

titular e simultaneamente estabelece a obrigação do respeito de terceiros para com o direito

instituído e cogerido. A exploração do conjunto de recursos comunais pode ser entendida a

partir dos cinco principais tipos de direitos de propriedade organizados hierarquicamente de

forma crescente: direito de acesso 11 , de extração 12 , de gestão 13 , de exclusão 14 e de

alienação15 (Ostrom, 2000), repartidos e articulados entre os atores, cuja delimitação desses

direitos pode ser um acordo tácito ou formal, de ajuste de conduta, na medida em que seja

necessário resolver conflitos entre os comunais e a sustentabilidade dos recursos

compartilhados. A articulação e a delimitação desse feixe de direitos caracterizam a posição

dos comunais, onde indivíduos ou coletividade podem ter direitos de propriedade bem

definidos, que podem incidir ou não incidir sobre os cinco tipos de direitos elencados. O

Quadro 2 apresenta o feixe de direitos associado com os diferentes níveis de posição. A

posição abrange a forma mais simples dos direitos até o grau mais completo e complexo do

arcabouço articulado cumulativo do feixe de direitos.

11 O direito de acesso diz respeito ao direito de entrar numa área física definida e não gozar do direito de subtrair benefícios (Ostrom, 2000) 12 O direito de extração é aquele direito de obter unidades do recurso ou produtos do sistema de recurso (Ostrom, 2000). 13 O direito de gestão é o direito de regular o uso interno dos parceiros e a transformação do recurso por melhoramentos (Ostrom, 2000). 14 O direito de exclusão é o direito de determinar quem terá o direito de acesso e de extração e como esses direitos podem ser transferidos (Ostrom, 2000). 15 O direito de alienação é o direito de vender ou arrendar e exercer o direito de exclusão (Ostrom, 2000).

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Quadro 2 – Feixe de direitos associados à posição dos atores

Feixe de direitos Proprietário

(Owner)

Posseiro

(Proprietor)

Reivindicador

(Claimant)

Usuário

autorizado

Entrante

autorizado

Acesso x X x x x

Extração x X x x

Gerenciamento x X x

Exclusão x X

Alienação x

Fonte: Ostrom (2000) apud Ostrom e Schlager (1996, p.133)

Na exploração de recursos comunais, a indicação geográfica e a marca coletiva são

instrumentos de proteção de propriedade intelectual que apresentam uso coletivo. No

entanto, o desafio da coletividade será a organização, legitimação e formalização do grupo

representante da coletividade16 na reivindicação desses instrumentos de proteção, de âmbito

coletivo, no sistema de propriedade industrial. A legitimação do grupo é importante no

processo de autogestão dos interesses da coletividade.

1.2 Direitos Comunais e Autogestão: marca coletiva e indicação geográfica

Especificamente, no desenvolvimento fitoterápico, no Amapá, esses instrumentos de

proteção podem contribuir para a proteção ao recurso genético e ao conhecimento

tradicional, ou pelo menos, contribuir para apropriação de valor para os seus detentores.

No entanto, no processo de autogestão, a maior dificuldade do uso do direito

coletivo por essas coletividades, será a organização e a legitimação da entidade

representativa da coletividade, formalmente constituída, apresentando personalidade

jurídica.

A marca coletiva e indicação geográfica apresentam peculiaridades que as

distinguem entre si, em razão de sua função sócio econômica, as quais influenciam e

conformam o escopo da proteção ao respectivo sinal. Esta função sócia econômica ora

reflete e ora estabelece uma dinâmica nas relações entre os agentes econômicos, a qual

influencia em suas percepções quanto à tipologia do bem (ver Quadro 1), em função do

16 A constituição da personalidade jurídica pode ser um gargalo nesse processo, posto que hajam exigências as quais o grupo não possa arcar, tal como o local físico.

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escopo de proteção desses sinais. O escopo de proteção atrelado à função sócia econômica

do sinal incide no bojo do conjunto de direitos articulados desses respectivos sinais,

definindo os papeis e caracterizando os atores envolvidos no processo.

A indicação geográfica pode ser considerada como um direito de monopólio

coletivo, com características de bem público impuro, se assemelhando ora ao bem comunal

(na exploração do conjunto de recursos comunais, pressupondo-se ação coletiva com modo

de governança) e ora um bem de clube (entre os atores não autorizados ao uso do sinal),

como visto no Quadro 1, enquanto que a marca coletiva tende a ostentar características de

um bem de clube.

Na realidade, a indicação geográfica17 tende a apresentar as características de um

bem público puro entre os membros que gozam da proteção da indicação geográfica,

sobretudo no tocante ao uso do sinal e a reputação (Bramley e Kirsten, 2007; Rangnekar,

2004). Na medida em que o uso da indicação geográfica por um agente não subtrai seu

benefício em relação ao outro agente, além de não apresentar o caráter de exclusão entre os

seus membros. Mas, para os agentes econômicos excluídos do uso desta indicação, estes a

percebem como um bem de clube, conforme mencionado anteriormente. Na realidade, o

clube também se configura entre os produtores inseridos na área delimitada, os quais não

queiram se subjugar ao regulamento de uso para apor o sinal em seus produtos.

A função sócia econômica da marca coletiva está vinculada a identificação do bem

provindo de membros de uma determinada associação. Os produtos e serviços assinalados

pela marca coletiva geram uma expectativa de qualidade no consumidor, em função de

provirem dos membros da dita associação, que se pressupõe pautar certo padrão de

qualidade na oferta do bem ao mercado. Então, a qualidade percebida motiva a compra.

Quanto à função sócia-econômica, a indicação geográfica visa proteger a reputação

associada à área geográfica na produção do bem, que tenha obtido destaque no território, a

partir de aspectos qualitativos inerentes ao meio geográfico, que possam implicar em

características únicas ao bem ali produzido, relacionadas aos fatores naturais e humanos

(Rangnekar, 2004) ou outros atributos qualitativos da região (Joslim, 2006). Estes outros

17 Na maioria dos ordenamentos jurídicos nacionais, a titularidade da indicação geográfica é propriedade do Estado ou de uma instituição paraestatal. No Brasil, a titularidade é concedida a entidade representativa da coletividade, que na qualidade de substitutos processuais podem ser associações, sindicatos, institutos e as pessoas jurídicas representativas da coletividade ao uso exclusivo da indicação (Resolução 075/2000 do INPI).

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atributos qualitativos, no caso brasileiro, se reportam a reputação de uma área como centro

de extração, produção ou fabricação do bem. Assim, a indicação geográfica abre a

possibilidade de grupos de produtores ou prestadores de serviços, em fim dos agentes de

locais, de identificar, distinguir e diferenciar o dito bem, ali produzido, por aqueles agentes

locais, como provenientes de determinada região com certos atributos de qualidade e

autenticidade esperados, vinculados a esta região em particular.

O cerne da questão é o compartilhamento entre os agentes econômicos locais de

uma reputação coletiva reconhecida, capitaneada pela indicação geográfica, para

identificação, distinção e diferenciação do bem, vinculado àquela determinada região, que

resultou no registro oficial da dita indicação, na produção daquele bem. Esta reputação

vinculada ao meio geográfico, na produção do bem, torna este bem único e, portanto,

gerando no consumidor uma expectativa de qualidade e autenticidade do produto.

Nesse contexto, o regulamento de uso e o regulamento de utilização, respectivos a

indicação geográfica e a marca coletiva, são os instrumentos por intermédio dos quais se

podem estabelecer as condições relativas à atividade desempenhada, as relações e

condições entre os seus membros, respeitando a singularidade destes sinais distintivos

tutelados pela lei, no âmbito da delimitação do feixe dos direitos. Os aspectos relativos à

alienação e à gestão são complexos e dependem da natureza desses sinais. Em ambos os

casos, há uma barreira de entrada no mercado aos novos entrantes, condicionada ao

atendimento ao regulamento.

De uma maneira geral, o regulamento de uso e o regulamento de utilização ditam as

regras entre os membros da coletividade para aposição do sinal aos produtos/serviços que,

em suma, definem, de certa forma, a figura do usuário autorizado ao uso do dito sinal,

respeitando-se a respectiva função sócia econômica da indicação geográfica e da marca

coletiva. Na marca coletiva, a entidade representativa da coletividade detém a titularidade

do sinal (posse), onde são acoplados os direitos de acesso, de extração, de gerenciamento e

exclusão. Entretanto, no caso da indicação geográfica, quando a titularidade do direito é

posse do Estado, o sinal assume o caráter público, e o papel da entidade representativa da

coletividade oscila entre a figura do reivindicador e do usuário autorizado do sinal, portanto,

esta indicação geográfica tende a se configurar como direito coletivo. No Brasil, a

indicação geográfica pode ser requerida pelas as associações, os institutos e as pessoas

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jurídicas representativas da coletividade, na qualidade de substitutos processuais. Neste

contexto, a entidade representativa da coletividade parece assumir o papel de posse da

indicação geográfica e, neste sentido, a indicação geográfica tende a assumir o víeis de uso

coletivo.

2 Indicação Geográfica e Marca Coletiva: tentativa de proteção do

conhecimento tradicional associado e do recurso genético

O instrumento de indicação geográfica, por sua característica de bem público

impuro e possível dimensão coletiva, tem sido discutido como um ferramental viável para

apropriação do valor gerado em prol dos ditos povos tradicionais, seja pelo cultivo, uso e

extração dos recursos genéticos, seja pela manufatura de objetos artesanais, cujo efeito

sobre a proteção ao conhecimento tradicional apresenta caráter duvidoso (Rangnekar, 2004),

conforme discussão adiante na seção 2.1.

De acordo com o ADPIC, indicação geográfica 18 é definida como ‘um bem

originário no território de um país membro, ou região ou localidade nesse território, onde

qualidade, reputação ou outra característica do bem é essencialmente atribuída a sua

origem geográfica’(ADPIC, seção 22.1).

A indicação geográfica tende a ser considerada como um instrumento do direito

coletivo19, cuja titularidade se estende a todos os produtores ao longo da cadeia produtiva,

18 Essa definição de indicação geográfica contempla tanto os interesses econômicos dos países desenvolvidos com tradição consolidada na extração e transformação sobre produtos de origem agrícola e artesanais (protegidos pelo Acordo de Lisboa para Proteção da Apelação de Origem, sendo já mencionados na Convenção de Paris), quanto contempla também os interesses dos países em desenvolvimento, pois permitiu a possibilidade de proteger a reputação de um produto com determinadas características e certa qualidade percebida por parte dos consumidores. O escopo restrito da proteção de Apelação de Origem abrange os nomes geográficos que identificam e designam o produto originário de uma determinada região, cujas características e qualidades se devam exclusivamente ou essencialmente ao meio do ambiente geográfico, incluindo fatores naturais e humanos. A definição de indicação geográfica engloba: (i) o bem (produto ou serviço), o qual não necessariamente seja um nome geográfico (podendo ser ícones simbólicos, palavras ou frases), onde a qualidade atribuída, reputação ou outra característica seja essencialmente oriunda da área geográfica de origem e ainda que a dita área geográfica seja identificada por essa indicação. Assim, nem toda indicação geográfica é uma apelação de origem, mas toda apelação de origem é uma indicação geográfica. 19 A indicação geográfica não pode ser cedida e nem tão pouco transferida seja para produtores fora da área delimitada, seja para produtores inseridos nessa área. Até mesmo, entre os agentes locais, na qualidade de usuários da indicação geográfica repousa a questão do uso dessa indicação não ser transmissível automaticamente aos sucessores das gerações futuras, sem que haja a observância do regulamento, que homogeneíza e também identifica o grupo na dimensão da qualidade do produto relacionado à área geográfica, condizente com a percepção de qualidade esperada pelo consumidor. Esta questão esta presente tanto quando

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os quais utilizam e observam as regras pré-estabelecidas no âmbito desta atividade, inserida

na área geográfica delimitada, resultando num bem único. Nesse contexto, as características

naturais e humanas ali inseridas, imputando-lhe reputação, passam a ser de extrema

relevância, assim como a dita reputação como centro de extração, produção ou fabricação

de produto ou serviço associada ao meio geográfico. Esse conjunto implica na concessão da

dita indicação.

De uma maneira geral, o reconhecimento formal da indicação geográfica, implica

numa série de desafios para abarcar a proteção ao conhecimento tradicional, já na fase de

registro, que se relaciona à especificidade da gênese do conhecimento tradicional. Entre os

principais desafios, têm-se: (i) a delimitação da área geográfica, a formalização e a

legitimidade da entidade representativa da coletividade, como tentativa de identificar os

atores envolvidos na cadeia produtiva do bem, (ii) o atendimento ao regulamento de uso

implica na reprodutibilidade e na criação de um mecanismo de adesão para os agentes

locais, no âmbito da cadeia produtiva do bem, na área delimitada, na tentativa de codificar

o conhecimento tradicional implícito na elaboração do bem ou das práticas tradicionais de

manejo, cultivo e extração entre outros e estagnação do processo de construção do

conhecimento das comunidades tradicionais.

Apesar de a indicação geográfica poder ser considerada uma possível proteção aos

recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado, por sua dimensão do direito

coletivo e por seu forte elo entre o produto com característica específica originária de

determinada área geográfica ou a reputação de um produto vinculada à área geográfica, há

outro instrumento de proteção que tem se mostrado viável.

O instrumento de marca coletiva, de certa forma, também pode contribuir para a

proteção dos recursos genéticos por cultivo, uso, ou extração e dos objetos artesanais, em si,

fruto desse conhecimento tradicional (Bramley e Kirsten, 2007, Muller, 2013). No tocante a

dinâmica do fluxo migratório do conhecimento, onde grupos de indivíduos podem se

deslocar para outros espaços geográficos, e, ainda, na identificação de outras comunidades

não pertencentes ao mesmo espaço geográfico, mas detendo o mesmo conhecimento

tradicional (Coombe, 2005; Santilli, 2000), a marca coletiva pode ser um instrumento para

o Estado assume a posse da indicação geográfica ou quando a entidade representativa da coletividade assume a posse desta indicação. Ressalta-se, ainda, que a indicação geográfica é um direito inalienável e irrenunciável.

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conferir proteção aos produtos dessas comunidades de locais distintos, assinalando-os e

identificando-os, como sendo pertencente a um dos membros da dita coletividade/ entidade

assinalada pela marca coletiva. Entretanto, para que tal situação ocorra esses indivíduos

devem se subjugar ao regulamento de utilização. Esse regulamento deve ser respeitado, ou

seja, há condições de utilização para apor o sinal sobre o produto/bem. A observância deste

instrumento garante o processo de obtenção do bem e o próprio bem, em si, sob as mesmas

condições, permitindo a construção de uma reputação20 no mercado entre os membros da

dita coletividade.

Assim, a marca coletiva pode se moldar a dinâmica do fluxo migratório dos grupos

e, consequente, migração do conhecimento, caso ocorra, enquanto a indicação geográfica é

incapaz de servir a esse propósito, por sua própria definição e condição sine quo non de

criação de um elo entre o produto, qualidade/característica peculiar em relação à área

geográfica ou em relação a sua reputação. Entretanto, a individualização da titularidade da

marca coletiva pode contrastar com a natureza coletiva de construção do conhecimento da

comunidade tradicional, enquanto na indicação geográfica, há a percepção de

compartilhamento dessa titularidade, em função do arranjo do conjunto de direitos

envolvidos no escopo desta proteção. Porém, essa aparente desvantagem da marca coletiva

na individualização da titularidade pode ser amenizada pela legitimidade dessa associação

perante o grupo que os representa.

A preocupação com a legitimidade do grupo também se estende a entidade

representativa da dita coletividade, no caso da indicação geográfica, a cogestão da

indicação, tanto no caso do direito coletivo (posse da indicação pelo Estado), quanto no

caso do direito de uso coletivo (posse da entidade representativa da coletividade ou outras

entidades). As regras contidas no regulamento de uso21, na indicação geográfica, também

20 A natureza do uso coletivo desse sinal o diferencia do monopólio coletivo da indicação geográfica. A marca coletiva funciona como uma barreira de entrada para os agentes que não são pertencentes ou integrantes da associação, detentora da titularidade do sinal e do poder de exclusão. No regulamento de utilização, há as especificações e critérios adotados, ditando as regras que devam ser obedecidas pelos membros da associação ao longo da cadeia de suprimento, mesmo que não compartilhem do mesmo local geográfico. 21 Segundo Rangnekar (2004), a indicação geográfica eleva a barreira de entrada, no segmento de mercado em questão, tanto para os produtores dentro quanto para os de fora da área geográfica delimitada, pois define quem pode produzir tal produto específico, onde o produto pode ser fabricado/ preparado, o modo/ processo de fabricação e a seleção de matéria-prima/ insumos que podem ser usados a fim de garantir autenticidade e a origem do produto. Na busca da proteção coletiva pelo sinal da indicação geográfica, os agentes se organizam e cooperam entre si, embora concorram também entre si, na medida em que cada agente possa ter uma marca própria assinalando seu produto, mesmo gozando da proteção do sinal da indicação e, consequente, reputação.

14

delimitem o grupo que pode ostentar o sinal sobre sua produção, mesmo que tal grupo

esteja inserido na área delimitada. De fato, uma gestão coletiva necessita contemplar os

vários interesses da coletividade, ‘collective management is successful only to the extent

that commons rules are issued and applied’ (Bramley e Kirten, 87, 2007).

2.1 Conhecimento tradicional e dificuldade de proteção

A breve discussão a ser tratada do conhecimento tradicional e sua dificuldade de

proteção perpassa pela necessidade de codificação do dito conhecimento, o qual pode estar

embebido no próprio produto e no processo de uso, cultivo, extração e transformação do

produto, num regulamento de uso e regulamento de utilização respectivamente a indicação

geográfica e a marca coletiva, sendo um dos pontos a ser observado por seus membros,

sendo sua inobservância motivo de exclusão. Assim, os agentes podem optar por não

revelar totalmente o conhecimento tradicional embutido no produto e seu processo de

produção, como uma tentativa de evitar apropriação indevida. Segundo Rangnekar (2004) e

Bramley e Kirsten (2007), esses instrumentos não garantem a proteção sobre o

conhecimento tradicional, per si, o qual pode ser espoliado por terceiros, a partir do

momento que é tornado público, ou parcialmente contido no regulamento. Ressalta-se que o

conhecimento tácito, dificilmente, seja codificável.

Além disso, a dimensão de domínio público no conhecimento tradicional é

reforçada por sua constante construção ao longo das gerações, não havendo uma

delimitação temporal para sua ocorrência que o caracterizasse como novo ou original,

segundo o sistema de propriedade intelectual (Santilli, 2000; Coombe, 2005). Essa

dimensão pública não o descaracteriza quanto à pertinência a uma determinada região ou

sua identificação quanto oriundo de uma determinada comunidade, conforme anteriormente

dito.

A dimensão do conhecimento22 é complexa, pois esta construção viva ao longo do

tempo permitiu a adaptação dessas comunidades ao meio, muitas vezes, submetidas às

22 Essas comunidades foram capazes de desenvolver práticas sustentáveis de exploração dos recursos genéticos reforçando, assim, sua ligação com o próprio meio e desenvolvendo um conhecimento único, ou seja, peculiar, que permite identificar o conhecimento como pertencente a uma determinada comunidade, ou pelo menos àquelas que vivenciaram esse aprendizado e interatividade com o seu meio. Esse processo de

15

mudanças ambientais drásticas, num processo de aprendizado interativo e iterativo com o

meio. Assim, esse conhecimento sofre um processo de reconstrução lento mais decisivo

para a sobrevivência da própria comunidade e sua adaptação ao meio. Nesse sentido, a

codificação do conhecimento pode cristalizá-lo em demasia, engessando esse próprio

processo de geração de conhecimento, por intermédio de regras imutáveis (Rangnekar,

2004). Assim, os instrumentos tanto de indicação geográfica quanto de marca coletiva

devem ao longo do tempo permitir certa adaptação em seus respectivos regulamentos,

entretanto, a extensão dessas mudanças é de difícil mensuração, pois identificar as

características essenciais embutidas em práticas e produtos tradicionais é algo complexo.

Uma das possíveis variáveis seria a constatação que tal mudança se deva ao processo

evolutivo e adaptativo de interação com o meio e, também, as práticas sociais da

coletividade.

3. Estudo de Caso do Setor Fitoterápico do Estado do Amapá

No Amapá, a cadeia de fitoterápico se ressente pela pouca agregação de valor aos

produtos, pelo pouco investimento em P&D, pela pouca atratividade das empresas em se

instalarem na região, mesmo com o imenso potencial de exploração da biodiversidade

regional.

De fato, o cerne da cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos, no Estado

do Amapá, se concentra nas atividades de cultivo, colheita e secagem de plantas

medicinais. Estas atividades são dominadas pelas comunidades tradicionais da região,

detentoras de técnicas de cultivo e manejo passadas de geração em geração, oralmente.

Essas técnicas tradicionais contribuem para a preservação e exploração sustentável da

floresta, sendo aspectos relevantes a serem observados no contexto do comércio

internacional. As normas ambientais e éticas têm cada vez mais sido consideradas formas

de barreiras não tarifárias.

Esse primeiro elo da cadeia apresenta-se sob duas formas de organização: (i) sob

forma de uma atividade formalizada, sendo constituídas por comunidades tradicionais

aprendizagem culmina em práticas sustentáveis de cultivo, manejo, uso e extração, assim como domesticação de certas espécies vegetais, com uma seleção de variedades de sementes com uma variabilidade genética, resultando num conjunto de características que as diferenciam entre si.

16

estruturadas com governança do tipo hierárquica, comandada por um agente econômico,

onde as atividades de manejo, cultivo, extração e, às vezes, algum tipo de beneficiamento

primário, estão condicionadas às relações técnico econômicas ao longo da cadeia, além

dessas comunidades poderem atuar formalmente como fornecedores de insumos e (ii) sob a

forma informalizada, sendo constituídas por comunidades tradicionais organizadas com

governança em rede, cuja articulação dos agentes decorre de sua aglomeração e

proximidade ao longo das atividades da cadeia, onde a utilização de técnicas de manejo,

cultivo são oriundos da prática do cotidiano e dos conhecimentos de seus antepassados. Em

ambos os casos, a organização das comunidades ocorre pela presença de uma entidade

representativa como uma associação ou cooperativa, o que permite que tais comunidades

realizem suas atividades de forma coordenada.

Essas comunidades conseguem efetuar a venda de matéria-prima para empresas

fornecedoras de insumos, para as empresas do setor fitoterápico, cosméticos e alimentíceos

localizadas em sua maioria na região sul e sudeste. A comunidade estruturada goza das

vantagens de atender a demanda do agente coordenador da cadeia, o qual também tende a

estabelecer mecanismo de controle de qualidade ou padrões sobre as atividades a fim de

reduzir perdas, sobretudo, no armazenamento e beneficiamento da matéria–prima.

Geralmente, a matéria–prima bruta é intermediada pela figura do agente

intermediário ou atravessador, sendo a lógica das comunidades alicerçada no volume da

matéria-prima vendida, portanto, o poder de barganha do comprador é mais acentuado,

posto que haja uma dependência da comunidade em escoar o volume de matéria-prima

objeto da venda, também pelo despreparo quanto ao armazenamento e logística. O

benefíciamenteo e a estrutura de controle de qualidade sobre a matéria-prima agrega valor à

produção. A estrutura de beneficiamento primário e distribuição são objetos do segundo

elo. A região apresenta uma dinâmica peculiar na exploração da biodiversidade local,

contrastando com a dinâmica mercadológica dos bens industriais, a qual pode engendrar

uma degradação ambiental e o esgotamento dos recursos advindos da biodiversidade,

inclusive criar situações de conflitos e rivalidades nas relações socioeconômicas entre os

agentes locais.

O diagnóstico do setor, nesta região, pode orientar e fomentar um desenvolvimento

sustentável do setor fitoterápico, no Estado do Amapá, apoiado pelo uso dos sinais

17

distintivos, especificamente, marca coletiva e indicação geográfica para apropriação de

valor pelos agentes locais, vis-a-vis, o atual estágio de seu desenvolvimento.

3. 1 Caracterização dos atores

O diagnóstico é baseado na percepção dos atores situados a jusante e na ponta final

do elo da cadeia produtiva do setor fitoterápico amapaense, respectivamente: (i)

universidades e institutos de pesquisa, (ii) empresas (farmácia de manipulação, farmácia de

dispensação e empresas com potencial para pesquisa e desenvolvimento,) sobre a percepção

da maturidade desses agentes para se organizar e cooperar a ponto de ser factível a

submissão a um regulamento para o estabelecimento de uma governança formal necessária

para o uso dos instrumentos marca coletiva e indicação geográfica. O recorte dos atores

integrantes da pesquisa privilegiou os atores sediados em Macapá.

Na área de pesquisa e ensino, participaram da pesquisa os atores mais expressivos

no estado e sediados também em Macapá. De acordo com o cadastro da Vigilância

Sanitária do Estado do Amapá (VISA/AP)23, há somente cinco empresas cadastradas, no

Estado do Amapá, sendo que as quatro empresas constantes na presente pesquisa

encontram se concentradas no Município de Macapá. As farmácias de dispensação

participantes da pesquisa respondem por 50% do total geral deste segmento no estado, e

representam a totalidade das empresas atuantes em Macapá. Assim sendo, as amostras

dessas farmácias são representativas no presente estudo. As empresas orientadas para

pesquisa e desenvolvimento 24 são empresas que mostraram um esforço inovativo no

desenvolvimento de novos produtos no mercado. Todas as empresas entrevistadas se

encontram sediadas no município de Macapá, exceto uma das empresas orientada para

pesquisa e desenvolvimento25. Os quadros 3 e 4 definem e caracterizam os principais

agentes à jusante e na ponta final do setor de fitoterapia do estado do Amapá.

23

A VISA/AP fiscaliza o cumprimento das boas práticas (conforme preconiza a ANVISA) de manipulação, armazenagem, distribuição, dispensação, no sentido de promoção e prevenção da saúde.

24 A empresa Anizart foi incubada no IEPA e recebeu licenciamento exclusivo para produzir uma vela de urucuri, enquanto que a empresa Sambazon demonstra um esforço no desenvolvimento de produto e processo de um sorvete a base de açaí, sem a presença do leite no preparo.

25 A empresa Sambazon, localizada no Município de Santana ao lado de Macapá, se encontra situada junto ao porto das docas de Santana, devido seu viés exportador de insumos e matérias-primas regionais para o comércio internacional, com ênfase para os EUA e o Japão. A empresa foi incorporada ao estudo por sua

18

Quadro 3. Interação Instituições x Municípios do Estado do Amapá

Atuação Instituições Ações específicas

Pesquisa e Ensino

EMBRAPA Florestas da EMBRAPA Áreas: Macapá, Mazagão e Porto Grande.

UNIFAP Campus de extensão: Macapá, Santana, Mazagão, Amapá, Laranjal do Jari e Oiapoque.

UEAP Campus em Macapá.

IEPA Campus: Macapá, Porto Grande, Mazagão e Calçoene. Destaque em pesquisas na área de fitoterapia na área dos distritos de Bailique, Pacuí e Fazendinha.

• EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária • UNIFAP – Universidade Federal do Amapá • UEAP – Universidade Estadual do Amapá • IEPA – Instituto de Estudo e Pesquisa Científicas Amapá

Quatro 4. Caracterização das empresas pelo cadastro nacional de pessoa jurídica.

Posição na cadeia de fitoterapia

Empresas Entrevistadas

Ano (criação)

Porte (receita federal)

Atividades

Primária Secundária

P&D

Anizart

2004 Micro Fabricão: - produtos diversos (artigos religiosos e de culto)

Comércio varejista: - suvenires, bijouteria, artesanato, entre outros; -alimentícios (minimercado,mercearias e armazens) Comércio atacadista: - fio e fibras têxteis beneficiadas.

Sambazon 2005 Média Fabricação: - sorvetes e outros gelados comestíveis

Fabricação: - refrescos, xaropes para refrescos, exceto refresco de frutas Fabricação: - sucos concentrados de frutas, hortaliças e legumes Representação comércio: - produtos alimentícios, bebidas e fumos

Manipulação

Artesanal 2004 Pequeno Comércio varejista: - produtos farmacêuticos com manipulação de fórmulas

-

Princípio Ativo 2006 Pequeno Comércio varejista: - produtos farmacêuticos com manipulação de fórmulas

-

Fitoderme 2005 Pequeno Comércio varejista: - produtos farmacêuticos com manipulação de fórmulas

Fabricação: - produtos farmoquímicos - cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal Comércio varejista: - cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal

Graal/ IMMES 2008 Micro Comércio varejista: - produtos farmacêuticos com manipulação de fórmulas

-

Dispensação

Casa Homeopatia Micro Comércio varejista: - produtos farmacêuticos homeopáticos

-

Naturally/ Guímel

Micro Comércio varejista: - produtos alimentícios

Comércio varejista: - cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal Comércio varejista: - equipamentos e suprimentos de informática e artigos de papelaria

proximidade ao município de Macapá e expressiva atuação na coordenação da cadeia produtiva do açaí na região.

19

Destacam-se que:

- todas as empresas apresentam capital 100% nacional, exceto a empresa Sambazon,

que é uma empresa multinacional, cuja matriz é norte-ameticana.

- a empresa Graal/IMMES foi recentemente adquirida pelo Instituto Macapaense do

Melhor Ensino Superior (IMMES) com a finalidade de dar suporte ao curso de farmácia, no

tocante ao aproveitamento das instalações para as atividades laboratoriais e ofertas de

produtos manipulados à população. Esta estratégia visa também dar visibilidade ao curso.

Por esta razão, este agente foi mantido nesta categoria.

- a empresa Artesanal é coligada ao Grupo Tokarshi, onde há um intercâmbio de

informações e uma orientação empresarial do grupo.

- a empresa Naturally/Guimel alterou deliberadamente sua marca na busca de maior

distintividade no mercado.

3.2 Sinais Distintivos e Grau de Interação entre os Agentes: instituições e empresas

O grau de maturidade é fundamental para a análise e compressão das relações entre

os membros do grupo e sua pré-disposição em respeitar as regras preestabelecidas. O grau

de maturidade desses agentes também é decisivo para a reivindicação da marca coletiva e

da indicação geográfica, podendo ser representatividade coletiva formalmente constituída

uma dificuldade inicial.

O questionário semi-estruturado objetivou captar as seguintes percepções dos

agentes quanto: (i) ao grau da maturidade para a cooperação nos respectivos grupos:

comunidades, empresas e instituições, para uma ação integrada no primeiro na cadeia

produtiva do setor fitoterápico; (ii) à pré-disposição de obedecer regras para estabelecer

cooperação conjunta entre a comunidade e empresa, na visão das instituições, e

especificamente, entre empresas, na visão das empresas e (iii) à pré-disposição dos agentes,

categorizados em grupo de empresas e comunidades, a se subjugar a um regulamento de

utilização para obtenção de uma marca coletiva, na visão das instituições, e relativo

somente ao grupo de empresas, na visão das empresa.

Todos os integrantes da pesquisa foram unânimes em admitir o potencial da

indicação geográfica para o setor de fitoterapia, apenas a empresa do ramo alimentício se

absteve de considerações, sob a alegação de falta de conhecimentos sobre o setor

20

fitoterápico. Os entrevistados destacaram o uso da indicação geográfica para assinalar

produtos regionais diversos vinculados ao território, produtos específicos relacionados às

características exclusivas de determinados ecossistemas e biomas em regiões específicas.

Um dos atores institucionais aponta o uso deste instrumento específico para indicar e

distinguir grupos étnicos e saberes específicos em determinados territórios.

.

3.2.1 Universidades e instituições de pesquisa

Não houve consenso entre os atores institucionais entrevistados sobre a maturidade

para a cooperação nos respectivos grupos das comunidades, empresas e instituições. Todos

os atores institucionais concordam na pré-disposição desses agentes em se organizar

mediante o estabelecimento de regras, entretanto, a discordância reside entre a percepção de

maturidade das relações internas ao grupo. Curiosamente, os entrevistados favoráveis à

maturidade têm uma relação com a esfera federal, enquanto os desfavoráveis à maturidade

estão ligados à esfera estadual. Este fato pode influenciar a percepção desses atores quanto

à maturidade observada no grupo das empresas e das instituições, por espelhar um pouco de

sua própria realidade e trajetória. Neste sentido, tem-se: a tendência ao isolamento na esfera

estadual, que reflete o atraso no desenvolvimento econômico da região, e a tendência à

articulação e à interação, entre os atores da esfera federal.

De certa maneira, todos os entrevistados concordam com uma governança

hierárquica na cadeia produtiva do setor de fitoterapia no Estado do Amapá, onde grupos de

empresas e comunidades tenderiam a cooperar. Este fato pode amenizar a falta de

maturidade apontada entre os entrevistados.

Especificamente, referente ao grupo das comunidades, entre os respondentes

favoráveis à maturidade, os entrevistados apontam um grau de maturidade incipiente, a qual

pode estar relacionada ao início da mobilização da ação conjunta espontânea na solução de

problemas comuns. Os respondentes também apontam a falta de capacidade gerencial e

organizacional entre as associações e cooperativas, as quais podem dificultar e até mesmo

inibir a mobilização espontânea do grupo. Tal fato é também extrapolado sobre a percepção

dos atores institucionais para o grupo das empresas.

Ainda referente ao grupo das comunidades, os respondentes desfavoráveis à

maturidade, unanimemente, apontam a necessidade de um agente externo para estruturar,

21

coordenar e articular os demais elos da cadeia produtiva, para que as comunidades,

associações ou cooperativas tenham uma inserção êxitosa no processo e admitem que haja

motivação entre os membros da comunidade para se subjugar às regras. Tal fato tende

reforçar a existência de um estágio ainda que incipiente de organização do grupo e a falta

de maturidade para solução de problemas outros não relacionados às atividades de manejo,

cultivo, colheita e extração. Esta falta de maturidade pode estar relacionada ou ser atribuída,

em grande parte, a falta de capacidade gerencial, de logística, de acesso os canais de

distribuição e comercialização, entre outros fatores pertinentes ao negócio em si. Neste caso,

o agente externo assume a governança da cadeia de fitoterapia estabelecendo uma relação

comunidade-empresa baseada em contratos e confiança entre as partes. O nível de

organização demonstrado ou atingido pelas comunidades em negócios depende de sua

inserção numa cadeia previamente estruturada.

Durante as entrevistas, os respondentes favoráveis à maturidade citam alguns casos

da inserção da comunidade em cadeias integradas. Entre os casos citados de governança

hierárquica destacam se: (i) a extração do açaí, na região de várzea do Amapá, cuja

governança exercida pela empresa Sambazon fomentou a organização da Cooperativa dos

produtores e extrativistas de açaí (VITAAÇAÍ) e do Sindicato dos Produtores e

Beneficiadores dos Produtos da Floresta (SINDAÇAÍ) e (ii) a extração da castanha do

Brasil, na região do Laranjal do Jari, nas margens dos rios Iratapuru e Jari, cuja governança

exercida pela empresa nacional de cosmético Natura incentivou e apoio a cooperativa Mista

dos Produtores e Extrativistas do Rio Iratapuru (COMARU) 26 a obter de certificação

internacional na exploração de recursos florestais sustentáveis, agregando valor ao insumo.

26 A cooperativa foi criada em 1991 com objetivo de reunir a produção dos castanheiros para minimizar o

poder dos atravessadores na negociação e obter melhor preço sobre a produção. A cooperativa COMARU obteve apoio governamental, incentivos financeiros e infraestruturais, os quais permitiram a instalação de uma fábrica e compra de equipamentos para a produção e comercialização de produtos derivados da castanha do Brasil, como biscoito e óleo, no âmbito do Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais no Brasil – PPG7, no Amapá, por intermédio da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amapá (SEMA). O estado do Amapá utilizou o poder de compra pública para adquirir a produção de castanha, como suplemento alimentar na merenda escolar na rede pública, assim como a produção de biscoito de castanha. O encerramento deste Projeto, em 2002, inviabilizou o negócio da cooperativa por não haver desenvolvido outros compradores potencias para a aquisição da produção, além de ter desarticulado os produtores, contribuindo para o isolamento e a negociação individual com os atravessadores. A entrada e a governança da empresa Natura na cadeia produtiva foi decisiva para a retomada da importância da cooperativa e estruturação da atividade extrativista da castanha.

22

Observa-se que as comunidades se organizam em torno da associação, onde há o

estabelecimento de regras para facilitar a ação conjunta, entretanto, a pré-disposição à

cooperação, não é condição suficiente para estabelecer a governança e o avanço do negócio

à jusante da cadeia de fitoterapia, nem mesmo em âmbito local. Entre as razões elencadas

destacam-se: desconfiança dos lideres27, falta de capacidade técnica e profissional, falta de

capacidade gerencial e organizacional. Ademais, a falta de coordenação e articulação com

outros elos da cadeia também engessam ou dificultam o processo para escoar a produção

das comunidades para o mercado, agravadas pela dificuldade do acesso às regiões. O

quadro 5 apresenta, resumidamente, a percepção dos agentes institucionais sobre o grau de

maturidade das relações entre comunidades, empresas e instituições.

Quadro 5. Instituições: Percepção do grau de maturidade das relações comunidades, instituições e empresas. Inst. Maturidade para cooperação

de forma integrada (hierarquia)

Pré-disposição para obedecer um

regulamento (comunidade/empr

esa)

Marcas coletivas (grupos de empresas e

comunidades)

Observações

comunidades empresas instituições Sim Não

E M B R A P A

Sim Sim Sim sim - Não há capacitação gerencial e organizacional das associações e cooperativas

-

U N I F A P

Incipiente Incipiente Incipiente Sim ( Benefícios estendidos a todos – numa cadeia integrada)

Auxílio na estruturação da cadeia produtiva

Vantagens: Organização de grupos/ benefícios: -captação de recursos -reivindicação e articulação na busca de melhor infra-estrutura - otimização do trabalho

U E A P

Não Não Não Sim (Há a motivação, entretanto, deve haver um agente coordenando e articulando os demais elos da cadeia)

Potencial, mas falta maturidade para organização em grupo

Vantagens: - Observância da normatização e criação de leis para articulação dos agentes (regras claras) Desvantagem: - Fragilidade do conhecimento tradicional frente à lucratividade das empresas

I E P A

Não Não Não Sim (Há pré-disposição, mas falta maturidade)

Sem maturidade para reinvindicá-la

Fonte: Baseado na pesquisa

27 Nesse contexto a desconfiança dos líderes se remete às ações das cooperativas que acabam beneficiando

alguns cooperados em detrimento do todo, sobretudo na partilha do capital, conforme informado por pesquisador entrevistado.

23

A partir do exposto tem-se que a falta ou o incipiente grau de maturidade na ação

coletiva afeta a capacidade da associação na resolução dos seus conflitos e na busca de

soluções que contemplem o interesse em prol da coletividade. Estes fatores estão

relacionados a um processo de aprendizado. Isto explicaria o sucesso dessas comunidades

quando coordenadas por um agente externo.

3.2.2 EMPRESAS

Apesar das questões induzirem os respondentes a se posicionar sobre a possibilidade

de uso da marca coletiva entre o grupo de empresas, estes atores somente vislumbravam o

fato, depois de questionados diretamente sobre a possibilidade do uso deste instrumento

entre as empresas. Nas empresas, a percepção do grupo de entrevistados é, primeiramente,

relacionar a marca coletiva às atividades referente ao primeiro elo da cadeia de fitoterapia,

onde as comunidades locais, tradicionais têm significativa expressão nas atividades de

extração, manejo, cultivo e colheita. Este fato pode sugerir que as empresas tendam muito

mais a uma relação de rivalidade de que de cooperação, posto que as empresas possam

julgar esse instrumento distante ou inapropriado a sua realidade.

O Quadro 6 mostra a percepção dos entrevistados das empresas, quanto à

maturidade dos agentes locais na sua formação em grupos. O quadro foi construído para

congregar dois tipos de percepções entre os respondentes das empresas. Na primeira fase,

há informações sobre a percepção do grau de maturidade referentes aos grupos comunidade,

empresas e instituições, tal qual ocorre no quadro 5. Na segunda fase, é analisada a

percepção da pré-disposição das empresas a se subjugar a regras e a possibilidade da

utilização da marca coletiva, especificamente, relacionada ao grupo de empresas, sendo

analisadas as potenciais vantagens por sua adoção.

Tal qual já apresentado no caso das instituições (ver seção 3.2.1), não houve um

consenso sobre a percepção de maturidade para cooperação nas empresas. Especificamente,

nas comunidades, a percepção dos respondentes favoráveis à maturidade está relacionada à

governança da cadeia a um agente externo, conforme também percebido pelos agentes

institucionais. Os respondentes das empresas que apontam as diretrizes governamentais e,

consequentes, planejamentos e interesses políticos podem ter estabelecido uma relação

direta entre empresa-comunidade-governo para o desenvolvimento regional, centrado no

24

papel da empresa-comunidade, onde a empresa assume o papel de agente coordenador

externo da cadeia produtiva, sendo peça fundamental nesse processo.

Os respondentes não favoráveis à maturidade podem ter baseado suas percepções na

organização espontânea dos membros da comunidade em torno das associações

formalizadas ou não. Neste caso, a ação conjunta da comunidade e a mobilização da

associação apresentam grandes dificuldades na articulação com os demais elos da cadeia

produtiva de fitoterapia, conforme também apontado pelos agentes institucionais (ver seção

3.2.1). Tal fato pode ser extrapolado para o grupo de empresas e instituições, em relação à

interação com os outros elos da cadeia.

Quanto à pré-disposição à adesão a um regulamento, os respondentes das empresas

apresentam aspectos positivos e negativos, os quais refletem os distintos interesses destes

agentes e podem estar relacionadas também as dificuldades de atuação das empresas nos

respectivos segmentos do setor fitoterápico da região (ver quadro 6). Entre as empresas

predispostas à aceitação do regulamento de utilização e da adoção da marca coletiva

encontram-se as empresas:

- Anizart, com esforço de pesquisa e desenvolvimento, onde há muito mais esforços

direcionados a apresentação de novos produtos, com propostas de diferentes velas com

tamanhos, formatos, cores e essências diversas. Neste caso, a empresa relaciona o

crescimento conjunto com outras empresas, onde as empresas teriam maior pressão para

demandar incentivos fiscais, compartilhar custos para implementar programas de controle

de qualidade tais como treinamento da equipe, consultoria e outros, além de programas de

marketing para a promoção dos produtos e das empresas entre outros. Porém, a empresa

ressalta a questão dos interesses políticos para a potencialização ou não da utilização da

marca coletiva entre os atores locais, pelo fato do desenvolvimento econômico e industrial

do Amapá perpassar pelo atendimento desses interesses.

- Princípio Ativo e Fitoderme, ambas atuantes no segmento de manipulação. Estas

empresas atribuem às vantagens da utilização da marca coletiva ao compartilhamento de

custos nos programas de controle de qualidade e o ganho na penetração do mercado.

Conforme captado nas entrevistas, essas empresas possuem pouco poder de barganha com

os fornecedores de insumos e matérias-primas e apresentam dificuldades de atender os

25

padrões de controle de qualidade estabelecidos pela ANVISA. Além disso, essas empresas

não estão vinculadas a nenhum grupo, como no caso da empresa Artesanal.

- Casa da Homeopatia, no segmento de dispensação, cuja atuação concentrada em

produtos fitoterápicos e de abrangência local perceba a marca coletiva como possibilidade

de promover seu negócio em conjunto com outras empresas, mas ressalta a provável falta

de motivação das demais empresas no segmento.

De fato, as farmácias de dispensação apresentam pontos distintos e diametralmente

opostos, quanto à possibilidade de adesão à marca coletiva. A farmácia de dispensação

Naturally/ Guimel apresenta a rivalidade e os interesses distintos entre os agentes

econômicos como entrave a submissão ao regulamento de utilização e aponta a Internet

como um ferramental para apoiar a comercialização de seus produtos na região, sendo

significativa a participação de produtos importados no seu faturamento. Destaca-se o fato

da empresa Naturally/ Guimel apresentar uma atuação diversificada no portfólio de

produtos com produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosmético, suplementos

alimentares e produtos naturais importados e produtos fitoterápicos.

A farmácia de dispensação, Casa da Homeopatia, talvez esteja com dificuldade de

estabelecer novos mercados para seus produtos, por ainda não dispor de um site, na internet.

Durante a entrevista, foi mencionado o aumento do poder de barganha quanto à logística,

armazenamento e distribuição de mercadoria, entre os benefícios vislumbrados para o uso

da marca coletiva e a pré-disposição para subordinação ao regulamento de utilização.

Sobre a percepção dos ganhos na utilização da marca coletiva, as farmácias de

dispensação, apontam as farmácias de manipulação e as comunidades como possíveis

atores a ser beneficiados. Especificamente, nas comunidades, foram mencionados os

ganhos relacionados às atividades de logística e distribuição dos insumos e produtos de

origem vegetal, sobretudo nos pontos tradicionais de distribuição entre a população nos

mercados livres, sob a forma artesanal ou in natura, na adoção da marca coletiva entre as

associações das comunidades. O benefício seria o aumento de barganha das associações

frente aos atravessadores e a possibilidade também de distribuição e comercialização direta

nestes mercados.

26

O quadro 6 apresenta resumidamente a percepção do grau de maturidade das

comunidades, empresas e instituições, além de as vantagens e entraves na adoção da marca

coletiva pelo grupo de empresas, sob o ponto de vista dos respondentes das empresas.

Quadro 6. Empresas: Percepção do grau de maturidade das relações comunidades, instituições e empresas Posição na cadeia de fitoterapia

Empresas Maturidade para cooperação Pré-disposição para obedecer regulamento

(empresa)

Marca coletiva (empresa/empresa)

Observações

comunidades empresas instituições

P & D

Anizart

Favorável Favorável Depende Sim

Possibilidade de crescimento conjunto

Entrave: -Cenário político: contribuição / entraves/ desinteresse Vantagem: -Sinal coletivo: aspecto regional ( marketing para colocação do produto no mercado) - Pressão para obtenção de incentivos fiscais, melhoria de controle de qualidade, consultorias.

Sambazon - - - - - -

M A N I P U L A Ç Ã O

Artesanal

Sim

Sim Sim Não Monitoramento da qualidade/

credibilidade/ compartilhamento e

avanços do conhecimento científico

Entrave: -Visão Individual (Estratégias empresariais diferenciadas) -Cultura de rivalidade -Pesquisa: Isolamento/lentidão Vantagem: -Cooperação/avanço

Princípio

Ativo

Não Não Não Sim (guia para

cooperação)

Monitoramento da qualidade

Entrave: - Ausência de recursos (fomento governamental) Vantagem: -Possibilidade de futura cooperação (Implantação recente: curso de farmácia)

Fitoderme

Não

Não Não Sim Distribuição e comercialização

Associativismo: Falta de clareza: benefícios/desvantagens -Falta de um agente coordenador (SEBRAE/AP: percepção de objetivos comuns)

Graal/Immes

Não Não Não Não Distribuição e comercialização de

produtos

Entrave: - Visão Individual (Estratégias empresariais diferenciadas) - Cultura de rivalidade (Informações não compartilhadas/Medo de perda de mercado) -Empresa com interesses próprios: articula/coordena a cadeia

D I S P E N S A Ç Ã O

Casa da

Homeopatia

Não Não Não Sim Penetração /identificação de

mercado

Entrave: Interesses políticos Motivação das empresas Vantagem: Maior Sinergia (maior poder de barganha)

Naturally/

Guímel

Sim Sim Sim Não

Setor segmentado com interesses

distintos

- Entrave: Cosmético (maior rivalidade) Vantagem: -Grupo de farmácias de manipulação -Comunidades OBS: maior poder de barganha

Fonte: Baseado na pesquisa

Não houve entre os entrevistados a percepção de desvantagens em relação à

utilização da marca coletiva para os associados membros, no tocante, ao cumprimento

incondicional das regras preestabelecidas no regulamento de utilização. Talvez, estes atores

27

locais do setor fitoterápico do Amapá estejam pré-dispostos a seguir regras, na crença de

uma melhor inserção na cadeia.

Os atores participantes das entrevistas possuem clareza sobre a importância e os

benefícios do associativismo para a obtenção das vantagens competitivas. Tal fato pode ser

reflexo das ações do SEBRAE/AP nos programas direcionados às micro e pequenas

empresas da região. Isto tende a explicar a motivação das associações em se constituir

formalmente como pessoa jurídica e o esforço de constituir uma sede. Estas questões são

extremamente importantes para a reivindicação do sinal distintivo coletivo da marca

coletiva e da indicação geográfica.

Esse trabalho de conscientização, desenvolvido pelo SEBRAE/AP sobre os

benefícios do associativismo entre os empresários dos pequenos negócios, pode ter

sensibilizado outros atores na região, na percepção dos esforços individuais contra as

vantagens do associativismo tais como aquisição de produtos, pontos de distribuição e

vendas. Essas vantagens, a princípio, relacionadas aos ganhos comerciais no varejo e

atacado, podem engendrar um mecanismo de ação coletiva para os grupos buscarem ou

reivindicarem soluções de problemas comuns.

Conclusão

No atual estágio do desenvolvimento do setor fitoterápico do Amapá, o instrumento

de proteção por sinais distintivos pode ser o mais viável para a apropriação de valor entre

os agentes locais na região. Há um potencial no Amapá para requerer sinais distintivos

coletivos, visto que as comunidades apresentam certo grau de organização e, em alguns

casos, maturidade nas relações entre seus membros, no tocante ao estabelecimento de laços

de confiança, à cooperação na resolução de problemas e na demanda de interesses coletivos.

Apesar dos atores locais apresentarem certa espontaneidade em se organizarem, a falta de

maturidade é apontada como um entrave para a coordenação da atividade econômica. Esta

falta de maturidade nas relações para a cooperação dos agentes locais pode estar

relacionada com a falta de capacidade gerencial e a dificuldade de acesso aos canais de

distribuição. Posto que, a coordenação da cadeia produtiva por um agente externo tende a

ser apontada como uma alternativa viável. Contudo, este fato merece maior investigação.

28

Aparentemente, há uma tendência à cooperação em torno de lideranças locais, as

quais parecem ser representativas do anseio da coletividade na figura das associações,

cooperativas entre outras formas de grupamentos, que não necessariamente se encontram

formalizadas. Nesse sentido, o conjunto de recursos comuns parece ser explorado num

regime de bens comunais, onde a ação coletiva estrutura a governança das relações sociais

locais, no âmbito da exploração econômica. A entidade representativa da coletividade tende

a emergir das lideranças locais e, portanto, parece ter a legitimidade necessária para

representar o interesse da maioria na reivindicação da marca coletiva e da indicação

geográfica. Contudo, a informalidade desses grupamentos é um entrave para a

reivindicação destes sinais, de âmbito coletivo.

Nesse contexto, o regulamento de uso e o regulamento de utilização devem ser

amplamente debatidos entre os membros da coletividade na reivindicação da proteção

respectivamente da indicação geográfica e marca coletiva. O debate entre os membros da

coletividade é necessário para que o regulamento represente os reais interesses da

coletividade, e crie sinergia entre o grupo para o cumprimento das regras estabelecidas,

minimizando conflitos, ao invés de contemplar interesses alheios e de um grupo minoritário.

Portanto, o regulamento pode assumir um caráter inclusivo ou exclusivo dependendo como

as regras sejam instituídas. Ressalta-se que os aspectos sociais, econômicos e culturais

devem ser considerados na dinâmica comportamental dos agentes econômicos no Estado do

Amapá, sobretudo, quando se tratar das comunidades tradicionais.

Estas questões são decisivas tanto para a reivindicação da indicação geográfica

quanto para marca coletiva. A indicação geográfica, por apresentar um forte elo com o

território, as questões comportamentais tendem a ser consideradas, enquanto que, para a

marca coletiva, estas questões podem ser negligenciadas. A marca coletiva pode estar

desvinculada do aspecto territorial, mas não pode estar desvinculada das questões

comportamentais e socioculturais das várias localidades, que compõem a região do Amapá.

Esta questão é essencial para ocorrer a articulação e a coordenação dos agentes locais em

torno de uma associação que os represente e dite regras para a padronização da atividade

econômica assinalada pela marca coletiva. O regulamento de utilização uniformiza e

caracteriza a produção da dita associação. Especificamente, esse instrumento pode se

29

adequar melhor a dinâmica do fluxo do conhecimento, posto que o conhecimento

tradicional possa migrar em função do fluxo de pessoas.

Nesse contexto, a indicação geográfica e a marca coletiva são os instrumentos de

propriedade intelectual, que melhor poderiam se enquadrar à lógica e à prática coletiva

dessas comunidades, respectivamente, por apresentarem características de direito coletivo e

de direito de uso coletivo. Estes instrumentos podem contribuir para a estruturação da

cadeia produtiva, no setor fitoterápico, além de contribuir para o desenvolvimento rural.

Entretanto, a possibilidade destes instrumentos deve ser investigada e estudada para

minimizar seus efeitos na dinâmica social desses agentes, visto que são instrumentos que

objetivam o mercado e servem para estruturar as relações mercadológicas. Nesse sentido,

esses sinais distintivos devem ser cuidadosamente estudados vis-a-vis à realidade

socioeconômica de cada grupo para que o retorno seja positivo e reforce os laços de

confiança do grupo.

Ademais, o fluxo de informação e conhecimento entre os agentes locais encontram

se alicerçados no fluxo informal, baseado nos laços de confiança entre as partes. Essa

dinâmica de relações sócio-culturais pode ser alterada e afetada por uma pressão da

dinâmica mercadológica sobre o conhecimento na economia atual. Os agentes econômicos

externos insensíveis à realidade sócio-ética e cultural dessa região podem criar entraves

para fluidez desse conhecimento, de forma irreversíveil. Essa sociedade foi formada numa

região impregnada de saberes locais tácitos, passados de geração em geração, os quais

ainda se mostram como elementos relevantes da cultura amapaense, inclusive por ter em

seus membros representantes e descendentes dos povos tradicionais.

No caso específico do conhecimento tradicional, nem sempre os códigos de valores

estão em consonância com a sociedade ocidental, portanto, o atendimento das questões

éticas pode descaracterizar o conhecimento tradicional. Cabe aos agentes locais a escolha

do sinal distintivo que melhor atenda os anseios da coletividade. Na realidade, a indicação

geográfica e a marca coletiva podem contribuir para a preservação do dito conhecimento,

servindo como um estímulo para sua perpetuação e estabelecendo regras que contemplem

essa perpetuação, como condição essencial entre os seus membros. Na medida em que estes

sinais efetivamente protejam o produto oriundo desse conhecimento, contribuem para

assinalar autenticidade imbuída de valores culturais numa estratégia de agregação de valor

30

ao dito produto, sendo imprescindível a valorização desse conhecimento a cada geração,

assim como sua transmissão e preservação de seus códigos, valores e crenças. No caso da

indicação geográfica, essa preservação do conhecimento depende que a coletividade

consiga preservar a relação entre o bem, o lugar e a qualidade (conjunto de características

naturais e humanas), na área delimitada pela indicação assinalada, enquanto na marca

coletiva, essa preservação ocorre enquanto os membros da coletividade sejam hábeis e

capazes de observar o padrão de produção instituído no regulamento de utilização, o qual

poderá também contemplar essas regras.

O potencial de uso da indicação da geográfica entre os agentes locais, sobretudo,

pelas comunidades tradicionais passa a ser um meio de proteção de produtos e insumos

vinculados ao determinado território e ao saber fazer específico passado de geração em

geração, cujo reconhecimento e reputação são irrefutáveis. Porém, são necessários estudos

e documentação comprobatória que vincule o produto ao meio geográfico, seja por

características inerentes ao meio e/ou fatores humanos (denominação de origem), seja pela

reputação reconhecida dos produtos oriundos de uma determinada região (indicação de

procedência). A comprovação científica para obtenção de uma indicação geográfica

demanda tempo e estudos para o levantamento das especificidades em relação aos insumos

e produtos vinculados a um determinado território, mas a região apresenta um grande

potencial. Os inventários etnobotânicos e outros estudos antropológicos e sociológicos são

necessários, sobretudo no tocante a indicação geográfica.

Serão necessárias maiores discussões com os agentes locais, para uma escolha

consciente, de acordo com suas necessidades e peculiaridades, inclusive de ordem

sociocultural, sobretudo, quando houver compartilhamento de conhecimentos com outras

comunidades e em outros territórios. Assim sendo, a marca coletiva também pode pertencer

a esse universo das comunidades tradicionais, na medida em que sejam identificados

grupos que compartilhem saberes específicos em regiões distintas e que demonstrem

vontade de participar da dinâmica da marca coletiva. A questão é complexa e será

necessário um arranjo institucional local, nacional e regional novo capaz de permitir o

processo de autogestão desses agentes na tentativa de proteção a biodiversidade e

conhecimento tradicional associado, onde o regulamento cumpre papel de destaque e deve

31

ser capaz de ser revisto, à medida que a lógica adaptativa e evolutiva da comunidade

tradicional o faça necessário.

Cabe ressaltar que a marca coletiva e a indicação geográfica podem ser utilizados

por agentes locais outros não pertencentes à comunidade tradicional, basta tão somente que

esses agentes contemplem as especificidades necessárias para o uso destes sinais.

O sistema de propriedade intelectual dispõe de um conjunto de instrumentos que

articulados tentam, sob certas condições, agregar valor e proteger o produto das

comunidades tradicionais, mas não protege o conhecimento tradicional em si, por sua

natureza difusa, oralidade e dinâmica evolutiva lenta e constante construção. Este caráter

adaptativo é que possibilita a existência de práticas sustentáveis, resultando em sua própria

razão de ser. Entretanto, os mecanismos de autogestão emergem como uma alternativa para

a exploração sustentável da biodiversidade, e talvez, proteção ao conhecimento tradicional

a partir de um regime comunal, onde a indicação geográfica e a marca coletiva podem

melhor contemplar os interesses da coletividade e compartilhar ações e responsabilidade

coletiva entre os adeptos desses sinais. Num primeiro momento, a indicação geográfica e a

marca coletiva podem contribuir para agregação e apropriação de valor em prol dos agentes

locais do setor fitoterápico do Amapá. Entretanto, a construção de um regime comunal

inserido no centro da gestão desses sinais por uma entidade legitimada pela coletividade é

um desafio, que necessitará um desenho de arranjo institucional local, nacional, regional

para tentar abarcar a proteção da biodiversidade e do conhecimento tradicional. A proteção

à biodiversidade e ao conhecimento tradicional por intermédio desses sinais ainda é

controverso, devido à peculiaridade da gênese do próprio conhecimento tradicional e à falta

de mecanismos coercitivos de pressão internacional.

Referencial Bibliográfico Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. 1994. Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/trips_e.htm Acessado em: Agosto 2014. BRAMLEY, C. KIRSTEN, J.F. Exploring the Economic Rationale for Protecting Geograhical Indicators in Agriculture, Agrekon, Vol 46, No. 1, 2007

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