EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES · EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES . . . Resulta que, se os nossos órgãos...

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EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES . . . Resulta que, se os nossos órgãos circulatórios e respiratórios tivessem si- do um pouco diferentes do que hoje são, a maior parte das nossas expressões te- riam sido modificadas prodigiosamente. Uma pequena mudança no trajecto das artérias e das veias que se distribuem à cabeça, teria bastado, provavelmente, para impedir a acumulação de sangue nos globos oculares durante uma expi- ração violenta, porque este fenómeno só em poucos quadrúpedes existe. Neste caso, muitas das nossas expressões mais características não se teriam produzi- do. . . Se as nossas orelhas tivessem ficado móveis, os seus movimentos te- riam sido muito expressivos, como o são nos animais que lutam à dentada. Ora, o que nos autoriza a crer que os nossos primeiros antepassados lutavam assim, é que, insultando ou desafiando alguém, descobrimos ainda o canino dum lado da boca, e da mesma ma- neira num furor violento descobrimos todos os dentes. As principais expressões humanas são as mesmas em todo o mundo. tentei demonstrá-lo. Este facto interes- sante traz um novo argumento â opinião segundo a qual as diferentes raças hu- manas descedem duma só e mesma ori- gem, dum antepassado primitivo que devia ter órgãos quási semelhantes aos do homem e uma inteligência quási tão grande como a sua, muito antes que estas diferentes raças começassem a constituir-se. Sem dúvida, particulari- dades orgânicas semelhantes, adaptadas às mesmas funções, foram frequente- mente adquiridas por espécies diferen- tes, graças à variação e à selecção na- tural; mas isso não basta para explicar a perfeita semelhança que existe entre espécies distintas num aglomerado de interessantes pormenores. Considere- mos, por um lado, os numerosos por- menores anatómicos pelos quais todas as raças humanas se assemelham muito de perto. Lembremos, por outro lado, as não menos numerosas particularida- des de estructura (algumas muito im- portantes, muitas outras insignificantes) de que os movimentos expressivos de- pendem directa ou indirectamente. Pro- curemos se uma tal semelhança, ou melhor uma tal identidade de organi- sação poude ser adquirida por meios independentes uns dos outros. Isto pa- rece muito pouco provável. Contudo assim deveria ser se as diferentes raças humanas descendessem de várias espé- cies, distintas na origem. E' muito mais provável que os numerosos pontos de estreita semelhança encontrados nas di- ferentes espécies humanas provenham por hereditariedade duma única origem, já revestida com as características da humanidade. CHARLES DARWIN (The expression of the emotions in man and animais 1874)

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E X P R E S S Ã O D A S E M O Ç Õ E S

. . . Resulta que, se os nossos órgãos circulatórios e respiratórios tivessem si­do um pouco diferentes do que hoje são, a maior parte das nossas expressões te­riam sido modificadas prodigiosamente. Uma pequena mudança no trajecto das artérias e das veias que se distribuem à cabeça, teria bastado, provavelmente, para impedir a acumulação de sangue nos globos oculares durante uma expi­ração violenta, porque este fenómeno só em poucos quadrúpedes existe. Neste caso, muitas das nossas expressões mais características não se teriam produzi­d o . . . Se as nossas orelhas tivessem ficado móveis, os seus movimentos te­riam sido muito expressivos, como o são nos animais que lutam à dentada. Ora, o que nos autoriza a crer que os nossos primeiros antepassados lutavam assim, é que, insultando ou desafiando alguém, descobrimos ainda o canino dum lado da boca, e da mesma ma­neira num furor violento descobrimos todos os dentes.

As principais expressões humanas são as mesmas em todo o mundo. Já tentei demonstrá-lo. Este facto interes­sante traz um novo argumento â opinião segundo a qual as diferentes raças hu­manas descedem duma só e mesma ori­gem, dum antepassado primitivo que devia ter órgãos quási semelhantes aos

do homem e uma inteligência quási tão grande como a sua, muito antes que estas diferentes raças começassem a constituir-se. Sem dúvida, particulari­dades orgânicas semelhantes, adaptadas às mesmas funções, foram frequente­mente adquiridas por espécies diferen­tes, graças à variação e à selecção na­tural; mas isso não basta para explicar a perfeita semelhança que existe entre espécies distintas num aglomerado de interessantes pormenores. Considere­mos, por um lado, os numerosos por­menores anatómicos pelos quais todas as raças humanas se assemelham muito de perto. Lembremos, por outro lado, as não menos numerosas particularida­des de estructura (algumas muito im­portantes, muitas outras insignificantes) de que os movimentos expressivos de­pendem directa ou indirectamente. Pro­curemos se uma tal semelhança, ou melhor uma tal identidade de organi­sação poude ser adquirida por meios independentes uns dos outros. Isto pa­rece muito pouco provável. Contudo assim deveria ser se as diferentes raças humanas descendessem de várias espé­cies, distintas na origem. E' muito mais provável que os numerosos pontos de estreita semelhança encontrados nas di­ferentes espécies humanas provenham por hereditariedade duma única origem, já revestida com as características da humanidade.

C H A R L E S D A R W I N

(The expression of the emotions in man and animais — 1874)