Expresso - Dia Mundial da Saúde Mental

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Tiragem: 100925 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Informação Geral Pág: 24 Cores: Cor Área: 23,61 x 33,11 cm² Corte: 1 de 2 ID: 61347670 10-10-2015 SAÚDE Faltam 1600 psicólogos no SNS Ordem denuncia que a maioria dos doentes não tem consultas e volta a propor oferta de cheque-psicólogo Hoje é o Dia da Saúde Mental e os psicólogos portugueses es- tão perturbados. O país tem a terceira maior taxa (23%) de prevalência de perturbações mentais entre 30 países estu- dados e a maioria da população que precisa de ajuda não tem acesso a consultas. A denúncia é feita pela Ordem dos Psicó- logos Portugueses (OPP), que garante faltarem cerca de 1600 profissionais nos cuidados pri- mários e hospitais públicos. Um levantamento feito pela Ordem, com dados de janeiro, apurou que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) dispõe de 601 psicólogos e necessita de 1618 para cumprir as recomenda- ções internacionais: um por cinco mil habitantes. Segundo os valores apresentados, Lis- boa reúne o maior número de psicólogos (290) e o Norte é a região mais deficitária, com uma carência estimada de 664 destes técnicos de saúde. A maioria dos psicólogos desempenha funções nos cui- dados primários. Todas as Administrações Regionais de Saúde (exceto a do Centro que não respondeu) garantem ter, pelo menos, um psicólogo por cada agrupamento de centros de saúde. Por outras palavras, um profissional para responder a uma população muito grande e que na área de Lisboa pode chegar aos 45 mil utentes. O diretor do Programa Na- cional para a Saúde Mental, Álvaro de Carvalho, reconhe- ce que “nos serviços de saúde há pouquíssimos psicólogos, sobretudo porque ainda impe- ra o modelo médico”. O dese- quilíbrio traduz-se na falta de acesso ou no acompanhamento desadequado. “Mais de metade dos centros de saúde não con- seguem garantir consultas e quando têm psicólogo o doente espera mais de dois meses en- tre consultas, tornando muito difícil o tratamento”, explica o bastonário Telmo Baptista. Por responder ficam, ge- ralmente, “depressões, di- ficuldades de adaptação a acontecimentos da vida como desemprego ou luto ou ainda problemas por doenças físicas”, exemplifica Isabel Trindade, presidente da delegação do Sul da Ordem. Psiquiatra, Álvaro de Carvalho sublinha que “há evidência internacional de que a abordagem cognitivo-com- portamental tem vantagens face à terapia medicamentosa em depressões ligeiras”. “Temos muitas pessoas que nos chegam medicadas e que não necessitariam de tomar medicamentos se tivessem tido assistência atempada”, conta uma psicóloga de um agrupa- mento na periferia de Lisboa e que pediu anonimato. A tra- balhar num hospital central do Porto, Eduardo Carqueja tem a mesma opinião. “A falta de psicólogos reflete-se logo no aumento de prescrição de psicofármacos e numa menor qualidade de vida das pessoas quando não é possível ter uma intervenção individualizada.” A psicóloga de Lisboa lamen- ta que “para os nossos gover- nantes a saúde psicológica seja como se não existisse”. “Os psicólogos não devem ser vis- tos como acessórios mas como naturalmente pertencentes às equipas de saúde”, acrescenta o colega do Porto. O bastonário concorda com ambos e dá um exemplo do desinteresse: “O último concurso para colocar psicólogos no SNS é de 1998, arrastou-se até 2001 e foram contratados 36; desde então só há substituições pontuais.” Telmo Baptista reconhece que não há capacidade para contratar todos os profissio- nais no imediato e tem propos- to “soluções transitórias”, que insiste em tirar do papel. “Em setembro de 2013 propusemos o cheque-psicólogo, o diretor- -geral da Saúde reuniu-se com a Ordem e disse que ia resolver depressa, a proposta foi entre- gue ao diretor da Saúde Mental e continuamos sem resposta.” €40 para ir ao psicólogo O objetivo dos vales é permitir acesso ao psicólogo à popula- ção que não consegue chegar oportunamente aos cuidados existentes no SNS. Os cheques, no valor unitário de 40 euros, seriam emitidos pelo médico de família para casos específi- cos — excluindo perturbações psicóticas, bipolares e da perso- nalidade; tentativas de suicídio, sintomas com mais de um ano e seis meses ou abuso de subs- tâncias, por exemplo — durante um ano e num total de dez a 12 vales. O programa está orçado em dez milhões a 20 milhões de euros, abrangendo mais de 20 mil ou de 40 mil doentes. A presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, Maria Luísa Fi- gueira, defende que “o modo de atribuição dos cheques tem de ser cuidadosamente planeado, pois por um processo de sim- plificação excessiva fazemos os doentes correr riscos”. E expli- ca: “Há vários tipos de psicote- rapia e cada um tem indicações estudadas e o doente não pode simplesmente receber um ‘che- que’ e fazer uma escolha com- pletamente aleatória.” O responsável pelo progra- ma de Saúde Mental, Álvaro de Carvalho, salienta que “a inter- venção clínica, nomeadamente comunitária, deve assentar em equipas multiprofissionais e não em intervenções isoladas”. Resumindo, o cheque corre o risco de não ter cobertura. Vera Lúcia Arreigoso [email protected] 12 vales, no valor unitário de €40, devem ser assegurados aos utentes indicados pelo médico de família. Os psicólogos esperam há dois anos por decisão do Governo A Organização Mundial da Saúde estima que 23% dos portugueses sofram de uma perturbação mental FOTO CORBIS

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Page 1: Expresso - Dia Mundial da Saúde Mental

Tiragem: 100925

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Informação Geral

Pág: 24

Cores: Cor

Área: 23,61 x 33,11 cm²

Corte: 1 de 2ID: 61347670 10-10-2015

SAÚDE

Faltam 1600 psicólogos no SNS

Ordem denuncia que a maioria dos doentes não tem consultas e volta a propor oferta de cheque-psicólogo

Hoje é o Dia da Saúde Mental e os psicólogos portugueses es-tão perturbados. O país tem a terceira maior taxa (23%) de prevalência de perturbações mentais entre 30 países estu-dados e a maioria da população que precisa de ajuda não tem acesso a consultas. A denúncia é feita pela Ordem dos Psicó-logos Portugueses (OPP), que garante faltarem cerca de 1600 profissionais nos cuidados pri-mários e hospitais públicos.

Um levantamento feito pela Ordem, com dados de janeiro, apurou que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) dispõe de 601 psicólogos e necessita de 1618 para cumprir as recomenda-ções internacionais: um por cinco mil habitantes. Segundo os valores apresentados, Lis-boa reúne o maior número de psicólogos (290) e o Norte é a região mais deficitária, com uma carência estimada de 664 destes técnicos de saúde.

A maioria dos psicólogos desempenha funções nos cui-dados primários. Todas as Administrações Regionais de Saúde (exceto a do Centro que não respondeu) garantem ter, pelo menos, um psicólogo por cada agrupamento de centros de saúde. Por outras palavras, um profissional para responder a uma população muito grande e que na área de Lisboa pode chegar aos 45 mil utentes.

O diretor do Programa Na-cional para a Saúde Mental, Álvaro de Carvalho, reconhe-ce que “nos serviços de saúde há pouquíssimos psicólogos, sobretudo porque ainda impe-ra o modelo médico”. O dese-quilíbrio traduz-se na falta de acesso ou no acompanhamento desadequado. “Mais de metade dos centros de saúde não con-seguem garantir consultas e quando têm psicólogo o doente espera mais de dois meses en-tre consultas, tornando muito difícil o tratamento”, explica o bastonário Telmo Baptista.

Por responder ficam, ge-ralmente, “depressões, di-ficuldades de adaptação a acontecimentos da vida como desemprego ou luto ou ainda problemas por doenças físicas”, exemplifica Isabel Trindade, presidente da delegação do Sul

da Ordem. Psiquiatra, Álvaro de Carvalho sublinha que “há evidência internacional de que a abordagem cognitivo-com-portamental tem vantagens face à terapia medicamentosa em depressões ligeiras”.

“Temos muitas pessoas que nos chegam medicadas e que não necessitariam de tomar medicamentos se tivessem tido assistência atempada”, conta uma psicóloga de um agrupa-mento na periferia de Lisboa e que pediu anonimato. A tra-balhar num hospital central do Porto, Eduardo Carqueja tem a mesma opinião. “A falta de psicólogos reflete-se logo no aumento de prescrição de psicofármacos e numa menor qualidade de vida das pessoas quando não é possível ter uma intervenção individualizada.”

A psicóloga de Lisboa lamen-ta que “para os nossos gover-nantes a saúde psicológica seja como se não existisse”. “Os psicólogos não devem ser vis-tos como acessórios mas como naturalmente pertencentes às equipas de saúde”, acrescenta o colega do Porto. O bastonário concorda com ambos e dá um exemplo do desinteresse: “O último concurso para colocar psicólogos no SNS é de 1998, arrastou-se até 2001 e foram

contratados 36; desde então só há substituições pontuais.”

Telmo Baptista reconhece que não há capacidade para contratar todos os profissio-nais no imediato e tem propos-to “soluções transitórias”, que insiste em tirar do papel. “Em setembro de 2013 propusemos o cheque-psicólogo, o diretor--geral da Saúde reuniu-se com a Ordem e disse que ia resolver depressa, a proposta foi entre-gue ao diretor da Saúde Mental e continuamos sem resposta.”

€40 para ir ao psicólogo

O objetivo dos vales é permitir acesso ao psicólogo à popula-ção que não consegue chegar oportunamente aos cuidados existentes no SNS. Os cheques, no valor unitário de 40 euros, seriam emitidos pelo médico

de família para casos específi-cos — excluindo perturbações psicóticas, bipolares e da perso-nalidade; tentativas de suicídio, sintomas com mais de um ano e seis meses ou abuso de subs-tâncias, por exemplo — durante um ano e num total de dez a 12 vales. O programa está orçado em dez milhões a 20 milhões de euros, abrangendo mais de 20 mil ou de 40 mil doentes.

A presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, Maria Luísa Fi-gueira, defende que “o modo de atribuição dos cheques tem de ser cuidadosamente planeado, pois por um processo de sim-plificação excessiva fazemos os doentes correr riscos”. E expli-ca: “Há vários tipos de psicote-rapia e cada um tem indicações estudadas e o doente não pode simplesmente receber um ‘che-que’ e fazer uma escolha com-pletamente aleatória.”

O responsável pelo progra-ma de Saúde Mental, Álvaro de Carvalho, salienta que “a inter-venção clínica, nomeadamente comunitária, deve assentar em equipas multiprofissionais e não em intervenções isoladas”. Resumindo, o cheque corre o risco de não ter cobertura.

Vera Lúcia [email protected]

12vales, no valor unitário de €40, devem ser assegurados aos utentes indicados pelo médico de família. Os psicólogos esperam há dois anos por decisão do Governo

A Organização Mundial da Saúde estima que 23% dos portugueses sofram de uma perturbação mental FOTO CORBIS

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Tiragem: 100925

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Informação Geral

Pág: 40

Cores: Preto e Branco

Área: 4,76 x 5,05 cm²

Corte: 2 de 2ID: 61347670 10-10-2015Hospitais e centros de sa-úde sem psicólogos A Or-dem dos Psicólogos denuncia que a maioria dos portugueses com problemas do foro mental não consegue ter acesso a uma consulta de psicologia. No Dia Mundial da Saúde Mental, que hoje se assinala, o bastonário afirma que um levantamento feito este ano revela faltarem cerca de 1600 psicólogos no Serviço Nacional de Saúde. P24