Expresso | “o 25 de novembro a norte aconteceu em setembro”

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SOCIEDADE

“O 25 de novembro a Norte aconteceu emSetembro”29.12.2016 às 11h25 ! 9

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Quando começou o 25 de novembro a Norte? Qual o impacto da redebombista? Porque ficaram impunes os seus cérebros? Houve militantesde esquerda com cruzes pintadas nas portas? Que importância teve ocerco ao congresso do CDS? O afastamento de Corvacho e a chegada de

25 NOVEMBRO Livro lança um olhar sobre o verão quente no Norte do paísFOTOS ARQUIVO A CAPITAL/IP

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Pires Veloso ao comando da RMN marcam o princípio do fim de quê?Num livro raro num militante comunista, Jorge Sarabando procurarespostas em “O 25 de Novembro a Norte”

VALDEMAR CRUZ

o 25 de novembro de 1975 diz-se com frequência constituir o momentoda normalização democrática em Portugal. Quando se fala daquela dataevocam-se os acontecimentos de Lisboa e o modo como na capital seviveu o culminar de um processo. Esquece-se quase sempre a

circunstância de no Norte e no Centro do país, haver uma outra história paracontar, feita de violências várias, colocação de bombas, mortes, assaltos a sedes departidos de esquerda, que continuaram muito para lá daquela data.

Num livro raro num militante comunista, em que faz questão de frisar serem seusos juízos, bem como a responsabilidade pelas apreciações feitas, Jorge Sarabando,membro do Comité Central do PCP entre 1988 e 2008, um dos responsáveis pelaDireção da Organização Regional do Porto e da Comissão Nacional para asQuestões da Cultura, faz uma viagem ao processo revolucionário durante o ano de1975.

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O livro pretende constituir uma visão alternativa do discurso dos vencedores do25 de novembro? Sim, dos vencedores de ocasião. Por um lado é a tentativa de reconstituir aqueleperíodo mais criador da Revolução portuguesa, nos seus dois anos iniciais e queculminou com a promulgação da Constituição da República. Por outro lado é umaforma de prestar justiça a alguns militares do MFA que tiveram um papel decisivoneste processo, sendo que muitos deles foram injustiçados.

O 25 de novembro de 1975 é em geral apresentado como o momento danormalização democrática, mas o livro revela que o último ato da chamada redebombista, cuja ação foi essencialmente a Norte, acontece apenas em 1977. Nadafoi assim tão pacífico como parece?A rede terrorista prosseguiu os seus atentados e até alguns dos mais mortíferos,com vítimas mortais, aconteceram já depois do 25 de novembro. O último ato é deabril de 1977, o que perfaz quase dois anos desde a primeira ação do ELP (Exércitode Libertação de Portugal) em Bragança.

Comunista Jorge Sarabando junto ao Quartel General, no PortoLUCÍLIA MONTEIRO

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Porque é que acontece essa extensão no tempo? A rede terrorista não ficou satisfeita com o desfecho do 25 de novembro e comodizia um dos seus chefes, o comandante Alpoim Calvão, de facto houve umaclarificação militar, mas não uma clarificação política. Para a haver, prosseguiramos atentados. Foram 566 no total, segundo o levantamento que foi possível fazer apartir da imprensa e do livro “Dossier Terrorismo”.

Desses 566 atentados, quanto ocorreram até o 25 de novembro? Sensivelmente metade. Os primeiros seis meses, até o 25 de novembro, englobamcerca de metade desses atentados e a sua localização foi nos distritos do Norte eCentro do país. Curiosamente, depois do 25 de novembro, o epicentro deslocou-separa Lisboa.

Como é que, não obstante tantos atentados, com mortos, muitos feridos, muitadestruição de bens materiais, quase não houve presos? A justiça tem os seus escaninhos. Um depoimento de um bombista confesso,Ramiro Moreira, acabou por ser judicialmente anulado. O depoimento foipublicado na altura no “Diário de Lisboa”. Todavia não teve as consequênciasjudiciais que a gravidade dos atos cometidos poderia merecer. Basta dizer que umdos elementos mais citados, o major Mota Freitas, que tinha saído da cadeia poucotempo antes, esteve na tribuna de honra do 1º aniversário do 25 de novembro,junto ao Quartel General, no Porto, convidado pelo seu amigo brigadeiro PiresVeloso.

O livro segue uma ordem cronológica, e um dos primeiros grandes momentoscitados para dar uma ideia do ambiente que então se vivia, é o cerco aocongresso do CDS, no Palácio de Cristal. Mantém uma visão muito crítica doque lá se passou. Corresponde à posição do PCP na época? O que expresso são as minhas opiniões, que só a mim responsabilizam. Aquilo foium ato provocatório, concebido com esse propósito. Isso não quer dizer que todosaqueles que participaram, e foram milhares, sobretudo jovens, fossemprovocadores. Havia uma genuína rejeição do fascismo. Muitos jovens, sobretudode esquerda, até a Juventude Socialista - mais tarde desautorizada pelo PS -assinaram uma convocatória em conjunto com a LCI, a L.U.A.R,. o Movimento daEsquerda Socialista e o Partido Revolucionário do Proletariado - BrigadasRevolucionárias (PRP-BR). Houve várias convocatórias. Por parte do PCP o esforçofoi para que não houvesse lá nenhum militante comunista, e até houve alguns

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militantes que foram destacados para irem lá buscar algum que por lá andasse.Serviu muito bem os propósitos da direita, que era criar um clima de terraqueimada, de falta de liberdades. A imagem de Portugal que foi dada junto daschancelarias europeias e norte-americana foi de intranquilidade falta deliberdades democráticas, traduzida no facto de um partido nascido depois do 25 deabril - o CDS - não ter condições, sequer para realizar um congresso.

São ações como esta que caucionam o aparecimento de movimentos de direita e

A rede bombista foi particularmente ativa no Norte e no Centro do país

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muito ligados à hierarquia da igreja católica, como o “Maria da Fonte”, que sereivindicavam como genuínas emanações populares? Tudo isto ajudava a constituir a ideia de que não havia liberdades democráticas emPortugal. É o caso da Rádio Renascença, ocupada por alguns dos seustrabalhadores, ao ponto de os do Porto cortarem com os de Lisboa e tomaremposição favorável ao Conselho de Administração. Depois há o caso República.Quando o primeiro-ministro Vasco Gonçalves foi a uma reunião da NATO, apergunta que lhe fazem é sobre o caso do jornal República. Tudo isto vai no sentidode considerar que Portugal estava a viver uma situação anormal, em que asliberdades democráticas não estavam a ser respeitadas. Um dado curioso é que,neste processo, o PCP tem sempre as costas muito largas.

Isso explica situações gravíssimas, como o famosos assalto ao Centro deTrabalho do PCP em Famalicão, ou o cerco ao CT de Aveiro?Nestas tentativas de assalto começavam sempre por provocar um início deincêndio, para obrigar as pessoas a sair. Em Aveiro não resultou, mas resultounoutros sítios. A questão não era apenas o assalto aos Centros de Trabalho. Averdade é que incendiavam, assaltavam, mas passado algum tempo já estava tudoreconstruído. Houve coisas bem piores, designadamente em Famalicão, ondealguns militantes encontraram uma cruz pintada na porta das suas casas. Era umsinal de destruição ou vingança, por serem comunistas, ou simpatizante. Houvemuitas pessoas que se foram embora. Foram para o sul, porque já não conseguiamaguentar a pressão, as ameaças sobre as suas vidas. No caso de Aveiro conto ahistória de um jovem casal que naquele dia foi ao CT e tinha o carro estacionado àporta. Pegaram fogo ao carro, num ato cobarde. Passados uns dias houve umamanifestação em Oliveira do Bairro para tirar da Câmara um dos seus membros, oDr. Fernando Peixinho, médico prestigiado, que faleceu há pouco tempo. Nessaaltura, a casa desse casal também foi saqueada. Era isto o povo? É a reflexão quecoloco neste livro. Foi o povo português que se levantou contra o PCP e as forças deesquerda? Não. Veja-se o chamado Exército de Libertação de Fermentelos, queandava de terra em terra para retirar de lá os autarcas de esquerda, ou para colocarfogo aos Centros de Trabalho. Aí sim, houve falta de liberdades democráticas, mascomo as vítimas eram forças de esquerda ou os sindicatos, era descrito como umlevantamento popular. Daí movimentos como “Maria da Fonte”.

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O ataque à sede do PCP em Famalicão foi particularmente violento e um dosmais graves? Sim, porque houve duas vítimas mortais.Um dos defensores do CT e uma pessoaque podemos pensar que estava do lado dos atacantes, embora o disparo, tantoquanto foi possível reconstituir, tenha sido de um militar do regimento de Braga.Muitas vezes as forças não estavam preparadas para operações de ordem pública.Em Aveiro uma das vítimas foi um soldado que estava na equipa do Regimento deInfantaria que procurava proteger o CT do PCP. Faleceu vítima de uma bala perdidae durante muitos anos a Comissão Concelhia do PCP de Aveiro organizou umaromagem à campa desse soldado.

Percebe-se ao longo do livro uma simpatia pelo brigadeiro Eurico Corvacho,

O ataque a sedes de partidos de esquerda era uma constante

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comandante da Região Militar Norte... O brigadeiro Corvacho foi comandante no período em que foram presos elementosligados ao ELP, e em que toda a operação do ELP foi denunciada. Revelou umaextraordinária coragem, tanto dele, como os militares que estavam na 2ªRepartição, que fizeram o combate ao que já era o gérmen da rede terrorista. Tudofoi movido para que fosse destituído, o que veio a acontecer já no princípio desetembro de 1975 no seguimento do pronunciamento de Tancos. Havia umagrande simpatia dos trabalhadores e do povo do Porto para com o brigadeiroCorvacho. Não foi por acaso que um jornalista do Jornal de Notícias, depois seudiretor, José Saraiva, militante do PS, veio lamentar num artigo no jornal que o PSse tivesse juntado à conspiração que levou à queda de Corvacho. O 25 denovembro, no Porto, ocorreu no verão, no início de setembro.

Porquê? Houve um conjunto de acusações que levaram a que o brigadeiro Corvachosolicitasse ao Conselho da Revolução, do qual era membro, que fizesse uminquérito à sua atividade. O inquérito, feito pelo brigadeiro Agostinho Ferreira,durou duas semanas e ilibou o brigadeiro Corvacho. No final de agosto retomou assuas funções de comando. É então que ocorre a insubordinação de comandantes deunidades da Região Militar Norte, que vão colocar-se às ordens do comandante daRegião Militar Centro, o brigadeiro Franco Charais. É uma situação anormal. Issosó ocorreu porque houve um trabalho de uma parte do Grupo dos Nove sem o qualessa oficialidade mais conservadora não teria podido ir tão longe.Insubordinaram-se e não foram punidos por isso. Quando cá chegou o novocomandante, escolhido numa lista de quatro nomes possíveis indicada pelosinsubordinados, uma das primeiras medidas foi correr com a equipa da 2ªRepartição, que tinha sido responsável pelo combate à rede terrorista.

É então que entra em cena Pires Veloso? Assim é. Pires Veloso foi mais longe do que alguns dos seus apoiantes ocasionaisesperavam. Desde logo o conjunto de medidas que de imediato tomou, como aextinção do quartel CICAP numa operação relâmpago. O facto de transferir 400espingardas G3 para a PSP. Além de ter criado uma Comissão de Economia, em queuma das suas primeiras medidas foi pedir o descongelamento das contasbancárias, que tinham sido congeladas por razões que o Banco de Portugal saberia.Foram medidas cirúrgicas. Vinham em carteira. Tentou levar o mais longe possívelos saneamentos à esquerda. O 25 de novembro, naquilo que significa de alteração

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de correlação de forças, a Norte já tinha acontecido em setembro.

Tudo isso após um mês de agosto particularmente violento? Pois foi. A conspiração contra o brigadeiro Corvacho desenrola-se no mês deagosto, com muitos atentados bombistas. O distrito do Porto esteve sempre no'top' dos atentados, mas acontecem os assaltos aos centros de trabalhos, às sedessindicais, que na verdade têm um pico em julho e agosto. Depois, a ação da redeterrorista começa a centrar-se mais nos atentados bombistas. Alguns deles sãomovidos por um certo ódio à cultura. Houve o atentado contra a cooperativaÁrvore, contra a livraria “Avante!”. Lembro o ataque, com recurso à metralhadora,à livraria “Víctor”, em Braga, os ataques a algumas coletividades. Gente ligada aomundo da cultura teve os seus carros destruídos. Outros foram perseguidos.

E no dia 25 de novembro, também houve violência a Norte? Na própria noite do 25 de novembro três carros de três destacados democratas doPorto foram pelos ares.

Manifestação frente à Reitoria da Universidade do Porto

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REVOLUÇÃO BRAGA CT ALPOIM CALVÃO PARTIDOS E MOVIMENTOS FAMALICÃO GOVERNO (SISTEMA)

PIRES VELOSO AGOSTO LISBOA PORTUGAL NORTE 25 DE NOVEMBRO

GUERRA E PAZ / FORÇA ARMADA / EXÉRCITO CENTROS DE TRABALHO ELP JORGE SARABANDO CHILE

REPARTIÇÃO POLÍTICA EUROPA AVEIRO SUV CDS PORTO PS

O que se podia esperar? Hoje sabemos, através das palavras de Alpoim Calvão, de Paradela de Abreu e deoutros 'heróis' da direita, que estavam preparados grupos capazes de executarquem quer que fosse. Até onde estavam dispostos a ir, eles próprios o dizem. Opróprio presidente da República, general Costa Gomes, diz num discurso que'Portugal não será o Chile da Europa'. Viviam-se momentos de grande gravidade.Naquele contexto e com as suas especificidades, surgem movimentos como os SUV(Soldados Unidos Vencerão), uma organização nascida no Porto, e que dura apenastrês meses, mas que organizou grandes manifestações. A esquerda, na sua grandeparte, esteve com os SUV, mesmo no dia 27 de novembro, quando osacontecimentos já se tinham desencadeado. Hoje é fácil dizer que Portugal não foio Chile da Europa, mas a história tem este lado perverso. Na altura não se sabia oque ia acontecer. O sentimento de defesa de uma Revolução que estava a seratacada foi o que levou dezenas de milhar de pessoas à rua.

Entrevista publicada na edição do Expresso Diário de 28/12/2015

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