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VERBOJURIDICO ® 

EXPROPRIAÇÕES POR UTILIDADE PÚBLICA:

O PROCEDIMENTO EXPROPRIATIVO

___________

Maria Elisabete Almeida Rocha

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ÍNDICE

Índice 1.Introdução ………………………………………………………………………………….. 4 2.Breve resenha histórica sobre o Instituto da expropriação ………………………………… 5 2.1.Conceito de expropriação por utilidade pública ………………………………………… 6 2.2.Sentido da expropriação por utilidade pública ………………………………………….. 7 2.3.Razão de ser da expropriação …………………………………………………………… 8 2.4.Objecto da expropriação ……………………………………………………………….. 8 2.5.Entidades expropriantes no processo expropriativo …………………………………….. 9 2.5.1.Entidade expropriante ……………………………………………………………….. 9 2.5.2. Entidade expropriante como entidade privada ……..………………………………… 10 2.6.Expropriados e demais interessados (terceiros lesados) …………………………………. 11 3. Noção de procedimento expropriativo ………………………………………………….. 11 3.1. Noção de procedimento expropriativo …………………………………………………. 11 3.2.Início do procedimento administrativo de expropriação propriamente dito …………….. 12 4.Pré – Procedimento expropriativo …………………………………………………………. 12 4.1.Resolução de requerer a DUP ……………………………………………………………. 12 4.2.A natureza jurídica da D.U.P. …………………………………………………………… 13 4.3.Tentativa de aquisição do bem pela via do direito privado ………………………………. 14 5. Sub – procedimento administrativo ………………………………………………………. 15 5.1.Fase da iniciativa: o requerimento ……………………………………………………… 15 5.2. A audiência prévia dos interessados …………………………………………………… 16 5.3.Declaração de utilidade pública …………………………………………………………. 16 5.3.1. Noção de D.U.P. ………………………………………………………………………. 16 5.3.2.Competência da D.U.P. ……………………………………………………………….. 17 5.3.3.Caducidade da D.U.P. ………………………………………………………………… 17 6. Procedimento “Administrativo” urgente de expropriação ………………………………… 18 6.1. Fundamento da expropriação urgente ………………………………………………….. 18 6.2. A expropriação urgentíssima ………………………………………………………….. 18 7. Sub – procedimento judicial …………………………………………………………….. 19 7.1. A fixação da indemnização e adjudicação ………………………………………………. 19 7.2. Expropriação amigável …………………………………………………………………. 19 7.3. Expropriação litigiosa ……………………………………………………………………. 20 7.3. A Arbitragem …………………………………………………………………………… 20 8. Conclusões ………………………………………………………………………………. 22

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PRINCIPAIS ABREVIATURAS AC----Acórdão ART--Artigo ARTS- Artigos CC---- Código Civil CCDR---Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional CE---- Código das Expropriações (Lei nº 168/99 de 1 de Setembro) CEFA- Centro de Estudos de Formação Autárquica CPTA- Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos CRP- Constituição Portuguesa da Republica

DUP---Declaração de utilidade Pública VOl----Volume STA-- Supremo Tribunal Administrativo STJ----Supremo Tribunal de Justiça

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Expropriações por Utilidade Pública O Procedimento Expropriativo

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Maria Elisabete Almeida Rocha

1. Introdução

Neste pequeno trabalho de investigação, vamos abordar um dos temas que quase todos os

dias interfere na nossa vida como proprietários, que mexe com o conceito jurídico do Direito de

Propriedade, nomeadamente, o instituto da Expropriação por Utilidade Pública. A propriedade

privada desempenha uma relevante função social, já que é um meio com aptidão para a realização

de objectivos colectivos. O direito de propriedade sendo o direito real máximo constitui objecto

normal da expropriação por utilidade pública. A expropriação por utilidade pública é um instituto

multiforme e irrepetível, já que as singularidades que podem revestir em cada caso se revelam

praticamente inabarcáveis.

Ao nível do instituto da expropriação iremos analisar sobretudo o seu contexto histórico, a

sua delimitação, nomeadamente o seu sentido e objecto, fazendo referência também aos vários

intervenientes no processo expropriativo, entre eles, as entidades expropriantes, as quais podem ser

entidades públicas ou privadas, que iremos analisar de seguida. Mas o tema central deste trabalho é

o procedimento expropriativo, ou seja, o conjunto de actos e formalidades práticas que são

promovidos pela entidade que pretende beneficiar da expropriação e que antecedem o início do

procedimento expropriativo propriamente dito.

Este procedimento expropriativo, é decomposto por um sub - procedimento administrativo,

que inclui os actos que gravitam em torno da DUP, e um sub -procedimento judicial, que engloba a

discussão litigiosa do valor da indemnização, a cargo dos tribunais judiciais. Mas a doutrina,

evidenciando Alves Correia, que defende a existência de um Pré – Procedimento administrativo,

que iremos analisar cada uma das suas fases e componentes, que tendo por base, a resolução de

requerer a DUP, discutindo-se na doutrina se é ou não um acto administrativo, e por fim, a

tentativa de aquisição do bem pela via do direito privado. Seguidamente, vamos descortinar em

que consiste o sub – procedimento administrativo, que engloba a fase de iniciativa, a audiência

prévia dos interessados, e a declaração de utilidade pública, e fazendo também referência ao

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procedimento (administrativo) urgente de expropriação, na sua vertente de expropriação urgente e

expropriação urgentíssima.

Por fim, analisaremos o sub – procedimento judicial, que tem como referência a fixação da

indemnização e adjudicação, e num outro sentido oposto, veremos o conceito e tramitação da

expropriação amigável versus expropriação litigiosa.

2.Breve resenha histórica sobre o instituto das expropriações por utilidade pública

Durante o período histórico em que a propriedade perfeita era considerada um direito

absoluto (espelho dessa corrente era o artigo 17º da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e

do Cidadão em 1789; que considerava a propriedade privada um “direito inviolável e sagrado”), a

expropriação não aparecia admitida pelo direito. Era pois, necessariamente um acto ilícito e ilegal.

Com o reconhecimento da função social da propriedade privada, o moderno Estado de Direito

passou a considerar as expropriações ilícitas e legais, mas desde que elas se inserissem num quadro

jurídico de garantias que havia que reconhecer ao expropriado.

O moderno Estado Social de Direito, sobretudo pela influência da jurisprudência

constitucional e administrativa alemã, da Jurisprudência do Conselho de Estado Francês e da

Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), concedeu uma maior

densidade jurídica ao conceito com vista ao aumentar progressivamente as garantias do

expropriado. Pode-se dizer hoje que a crescente relevância jurídica do conceito se fica a dever,

antes de mais, à necessidade sentida pelo Direito de progressivamente reforçar as garantias que se

tem de conceder ao expropriado.

Como vem adquirido desde o Direito Romano, “ sem propriedade privada não há liberdade”;

o Direito de Expropriações tornou-se nuns domínios chaves do Direito Administrativo, ainda que

hoje, na generalidade dos Estados de filosofia democrática; mergulhe as suas raízes no Direito

Constitucional; pela simples razão de que a propriedade privada se encontra neles garantida pelas

respectivas constituições como Direito fundamental dos cidadãos.

Sem embargo dessa posição, o direito de propriedade é considerado hoje, pelo comum das

Ordens Jurídicas inspiradas pela concepção do Estado de Direito Democrático; em um Direito

pessoal (não apenas económico, como o que faz o artigo 62º da CRP), originário do Direito

Material. Nesta conformidade um sector vasto da doutrina entende-o como um princípio geral do

Direito, que se impõe às próprias constituições. Do regime definido pelo Direito Moderno das

Expropriações e pelo actual regime administrativo da propriedade privada extrai-se desde logo um

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princípio básico que não pode ser objecto de confusões: a função social da propriedade legitima a

expropriação e torna-a a um acto ilícito, mas não dispensa, antes impõe, toda uma série de garantias

que fazem parte do próprio regime jurídico do conceito de expropriação; a primeira das gerais

consiste no direito de uma justa indemnização.

Como acto ilícito a expropriação é estudada hoje pelo Direito Administrativo e também no

quadro da responsabilidade administrativa por actos ilícitos e também por aqui dá direito a

indemnização1.

2.1.Conceito de expropriação por utilidade pública

A expropriação por utilidade pública é um conceito que vem sendo definido há vários anos

por vários autores, todos com diversas perspectivas, mas que assentam num elemento essencial, o

direito de propriedade.

De acordo com Menezes Cordeiro, podemos definir expropriação por utilidade pública como

o evento pelo qual se extinguem direitos reais sobre bens imóveis, constituindo-se

concomitantemente novos direitos na titularidade de pessoas que se entende prosseguirem o

interesse público, mediante o pagamento de justa indemnização. Outros autores, entre eles Marcelo

Caetano, definem a expropriação por utilidade pública como uma relação jurídica pela qual o

Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico

de utilidade pública; extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua

transferência definitiva para o património da pessoa cujo cargo esteja a prossecução desse fim,

cabendo a este pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização2.

Este conceito jurídico é ainda definido como sendo um processo pelo qual se realiza a

ablação do direito de propriedade (ou de outros direitos) sobre um imóvel da parte que é só seu

titular, mediante o pagamento de uma justa indemnização e com vista a alcançar-se o fim de

utilidade pública:

a) Em primeiro lugar o processo de expropriação materializa-se num acto administrativo

definitivo e executório, porque atinge o conceito de Direito do seu titular, individualizado ou

individualizáveis.

1 Cfr., José P. Fernandes; Afonso Rodrigues Queiró, “Dicionário da Administração Pública”, vol. IV, Lisboa, 1991,pag. 306 e 307. 2 Cfr; João Melo Franco/Herlânder Antunes Martins, “Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos”, 3ªed., rev. e act.,Almedina, Coimbra, pág. 415.

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b) Em segundo lugar a expropriação consiste num acto ablativo, todavia hoje equipara-se-lhe

para todos os efeitos o acto que embora não erradicando formalmente a propriedade do seu titular;

impõe-lhe servidões administrativas ou restrições de utilidade pública e particularmente nos casos

em que estas esvaziam ou diminuem o seu conteúdo essencial; afectando desta forma a função

nuclear do direito em causa.

c) Em terceiro lugar a expropriação dá necessariamente lugar à indemnização. Esta constitui

um elemento essencial do conceito moderno de expropriação.

O Direito Internacional Público, o Direito Constitucional comparado, e o Direito Ordinário

dos Estados (mesmos de alguns Estados Socialistas não Democráticos), falam para dizer o mesmo,

em “justa indemnização” ou em “prévia e justa indemnização”, ou em “indemnização prévia

efectiva e adequada”(3).

Concluindo a expropriação por utilidade pública é o processo pela qual a Administração para

prosseguir um fim de interesse público, restringe os direitos (em regra), o direito de propriedade

plena) dos seus titulares sobre um dado bem imóvel e transfere esse bem para o património da

pessoa colectiva pública expropriante ou para o de uma outra pessoa colectiva, pública ou privada,

mediante o pagamento de prévia e justa indemnização.

2.2. Sentido da expropriação por utilidade pública (4)

A expropriação pode ser definida juridicamente em dois sentidos distintos: expropriação em

sentido clássico e expropriação de sacrifício. A expropriação em sentido clássico significa a

privação ou a subtracção de um direito e a sua apropriação por um sujeito diferente para a

realização de um fim público. Implica por isso, um momento privativo e um momento apropriativo

de um direito, e uma relação tripolar entre o expropriado, o beneficiário da expropriação e a

entidade expropriante5. Trata-se, pois, de um procedimento de aquisição de bens com vista à

prossecução de um interesse público. A expropriação de sacrifício caracteriza-se por uma

destruição ou limitação essencial de uma posição jurídica garantida como propriedade pela

constituição. Falta-lhe, no entanto, o momento privativo e apropriativo do direito e da relação

tripolar referida aquando da expropriação de sacrifício.

3 Cfr., João P. Fernandes/ Afonso Rodrigues Queiró, “Dicionário Jurídico……….”,, pág 305. 4 Cfr. Fernando Alves correia, “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, Almedina, Fev. 2001, pág. 473-475 e 491 e segts. Neste mesmo sentido, Fernanda Paula Oliveira, “Direito do urbanismo”, CEFA, Coimbra, 2001, cit., pág. 87 e segts. 5 Sobre a possibilidade de intervenção de outras entidades no procedimento expropriativo, Cfr., José Vieira da Fonseca, “ Principais Linhas inovadoras do Código das Expropriações de 1999”, Revista Jurídica do Urbanismo e Ambiente, nºs 11 e 12, 1999, págs. 133 e segts.

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Porém, Alves Correia, também apresentou o conceito de expropriação de uma perspectiva

acto cêntrica, como sendo “ um acto de autoridade que tem como efeito típico a privação e a

transferência da propriedade em proveito de um terceiro beneficiário, ou ainda qualquer

constituição de direitos reais ou em proveito do Estado ou de um terceiro por motivos de interesse

geral.

2.3. Razão de ser da expropriação

Como já se referimos anteriormente, a propriedade privada constitui um dos princípios

basilares do nosso Estado de Direito. A sua existência é essencial à liberdade e dignidade das

pessoas, participando na satisfação das suas necessidades fundamentais e nas necessidades

daqueles que estão a seu cargo. O direito de propriedade privada encontra-se expressamente

consagrado na C.R.P.6. Não se trata porém, de um direito absoluto, pois é garantido apenas nos

termos da constituição, o que significa que a lei pode modelar o seu conteúdo e limites, tais como,

os que estão previstos no art. 165º nº1 da C.R.P.. Só existe expropriação, e consequentemente, o

direito a uma justa indemnização, quando se verifica uma violação do conteúdo essencial da

propriedade privada, resultante da intervenção de poderes públicos.

Quando as necessidades colectivas exigem a afectação de bens privados à realização de fins

públicos, verifica-se um conflito entre o interesse colectivo e o interesse do proprietário em

conservá-lo no seu património. Para resolver este conflito a CRP consagra “ duas formas de

resolução desse conflito, admitindo a possibilidade de requisição e da expropriação por utilidade

pública”. O instituto da expropriação visa então solucionar um conflito entre o interesse público, e

um interesse privado, através da prevalência do primeiro sobre o segundo, estando contudo,

condicionado ao ressarcimento dos prejuízos causados ao expropriado7.

2.4. Objecto da expropriação

De acordo com o art. 1º CE (Lei nº 168/99, de 18 de Setembro), que tem como objecto da

expropriação, os bens imóveis e os direitos relativos a bens imóveis. Temos como objecto possível

da expropriação, não só a titularidade de um direito, como também, o substrato do direito, isto é, a

coisa sobre o qual incide esse direito8.

6 Artigo 62 nº1 da C.R.P.: “ A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da constituição”. 7 Artigo 62 nº2 da C.R.P.: “ A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante pagamento de justa indemnização”. 8 Cfr. Fernando Alves Correia, “As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública”, Coimbra, Separata do Vol. XXII do Suplemento do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1983, pág. 87 e segs.

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A expropriação dos bens imóveis (art. 204º do C.C.), significa a subtracção dos bens objecto

do direito de propriedade (terrenos e edifícios). A expropriação de direitos relativos a bens imóveis

significa a expropriação de direitos reais distintos do direito de propriedade (direitos reais limitados

de gozo – usufruto, servidões, uso e habitação; e de garantia – hipoteca) e direitos obrigacionais ou

de crédito (arrendamento), que incidem sobre bens imóveis9. Porém para Alves Correia, podem ser

autonomamente expropriáveis os direitos reais de garantia, tais como, o penhor, consignação de

rendimentos, a hipoteca e os privilégios creditórios10.

A expropriação só pode incidir sobre bens privados, porém o C.E. admite, em certas

circunstâncias, que certos bens do domínio público, designadamente das autarquias locais, sejam

afectados a outros fins de utilidade pública. Não se trata, no entanto, nestes casos, de uma

expropriação que só pode incidir sobre bens privados, mas de uma mutação dominial ou

transferência de domínio (art. 6º da C.E.), de afectação definitiva de bens de domínio público a

outros fins de utilidade pública11.

2.5.Entidades intervenientes no processo expropriativo

Sendo a expropriação um instituto de direito público de direito público, a competência para

emitir a D.U.P. é atribuída a uma autoridade administrativa. A entidade expropriante competente

para emitir a D.U.P. é sempre um órgão da Administração, que é titular do poder de expropriar

(artigo 14º do C.E.)12.

2.5.1. Entidade expropriante

Podemos definir como entidade expropriante aquela segundo a qual cabe a realização dos

fins de utilidade pública que justificam a expropriação (artigo 1º do C.E.), que em princípio será a

beneficiária da expropriação. Por outro lado é correcto afirmar-se, que as entidades expropriantes

“são quase tudo na relação expropriativa; iniciam e conduzem o procedimento e contencioso

expropriativo como sujeitos ou partes e são responsáveis pelo pagamento da indemnização devida

9 Cfr., Fernanda Paula Oliveira, “Direito do urbanismo”, CEFA, Coimbra, 2001, pág. 103. O objecto da expropriação não se circunscreve apenas aos bens e direitos referidos no artigo 1º do C.E. devido ao alargamento do conceito de expropriação, este acto ablatório pode ter hoje como objecto quaisquer direitos privados de carácter patrimonial. Ficam assim apenas excluídos os direitos subjectivos não patrimoniais e os interesses ou meras expectativas. O novo C.E. prevê, aliás, de forma expressa, a possibilidade de expropriação de bens imóveis (artigo 91º). 10 Cfr., Fernando Alves Correia, “As Garantias do Particular na Expropriação……….”, pág. 90. 11 Pedro Elias da Costa, “ Guia de expropriações por Utilidade Pública”, 2ª ed., rev. e act.; Nov. 2003, Almedina, pág. 72 e 73. 12 Ac. do S.T.A. de 30-09-1997, proc. nº 41939: “ Quem expropria é o Estado e é ele que deve ser considerado o sujeito activo da relação jurídica da expropriação, embora possa haver um terceiro beneficiário da expropriação”.

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aos proprietários (só não declaram a utilidade pública nem autorizam a posse administrativa”13.

Como entidades expropriantes podemos englobar as entidades dos diversos sectores da

Administração estadual, também as empresas concessionárias de serviços públicos que com o

Estado celebram um contrato de concessão de obras públicas, e ainda as empresas civis, que terão

de apresentar ao Governo por requerimento a sua pretensão, e a quem incumbe o pagamento da

indemnização. Actualmente o que acontece com bastante frequência é o Estado realizar contratos

de concessão de construção, financiamento, exploração e conservação de obras públicas. É habitual

na celebração deste tipo de contratos, o Estado atribuir a concessão a um consórcio

(concessionária), designando um organismo público como entidade expropriante. A condução e

realização dos processos expropriativos dos bens ou direitos necessários ao estabelecimento da

concessão competem à entidade expropriante em nome do Estado. A posse dos bens expropriados é

entregue à concessionária, apesar de os referidos bens integrarem o domínio público do Estado.

No entanto a entidade expropriante pode revestir três domínios, ou seja, no sentido da

entidade que declara a utilidade pública da expropriação, e autoriza a posse administrativa do bem

(entidade expropriante propriamente dita); no sentido ainda da entidade que requer a utilidade

pública da expropriação e conduz à dinâmica procedimental e o contencioso indemnizatório sendo

responsável pelo pagamento da indemnização (entidades procedimentalmente expropriantes), e por

fim no sentido da entidade que beneficia da expropriação14.

2.5.2. Entidades expropriantes como entidades privadas

As entidades expropriantes podem exercer poderes públicos de autoridade, nomeadamente,

no que concerne à posse administrativa, o art. 19º do C.E., refere-se à hipótese de aquela entidade

poder constituir uma “pessoa colectiva de direito público ou empresa pública (…) ou

concessionária de serviço público ou de obras públicas”, por outro lado o art. 42º do mesmo

preceito, estabelece que “ compete à entidade expropriante, ainda que seja de direito privado,

promover, perante si, a constituição da arbitragem”. Ao nível da autorização da posse

administrativa não pode ser dada a entidades privadas que não sejam concessionárias de serviços

públicos ou de obras públicas (art. 19º)15.

13 Neste sentido José Vieira da Fonseca, “ Principais Linhas Inovadoras….”, Revista Jurídica de Urbanismo e Ambiente”, 1999,nº14, cit., pág. 119. 14 Fernanda Paula Oliveira, “Direito do urbanismo”, pág. 83. No mesmo sentido, de que a entidade expropriante pode revestir três estatutos/domínios de aplicação prática, José Vieira da Fonseca, “Principais Linhas inovadoras do Código das Expropriações de 1999”, Revista Jurídica do Urbanismo e Ambiente, nº14, pág. 119. 15 Cfr., Pedro Gonçalves, “ Entidades Privadas com Poderes Públicos ”, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 747.

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2.6. Expropriado e demais interessados (terceiros lesados)

De acordo com o art. 9º do C.E. que considera como interessados, o expropriado, os titulares

de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários de prédios rústicos e

urbanos. Assim, estão compreendidos no conceito de interessado não só os credores da

indemnização por expropriação, mas também, os que podem fazer valer algum direito sobre a

indemnização atribuída ao expropriado., sendo aliás o principal interessado.

O expropriado é o titular do direito de propriedade sobre o bem objecto de expropriação, nas

diversas formas que a titularidade do direito de propriedade pode assumir, nomeadamente,

propriedade em comum, compropriedade, propriedade temporária e propriedade horizontal. A

exacta configuração da categoria expropriada depende, daquela que previamente haja sido

conferida à relação jus - expropriativa, ao seu objecto e aos seus efeitos. Como demais interessados

inserem-se também os terceiros lesados, que são aqueles que sem poderem ser qualificados como

expropriados, não sofrem qualquer dano com a expropriação. São sujeitos da relação jurídico -

expropriativa, a quem deve ser disponibilizado um estatuto procedimental e contencioso regulado

no C.E.

3.O procedimento expropriativo

3.1. Noção de procedimento expropriativo

De acordo com a doutrina, a noção de procedimento expropriativo não abrange todos os

actos jurídicos eventualmente relacionados com a decisão a produzir. Em sentido técnico, não

entram no procedimento actos que a sua instauração pressupõe, mas apenas aqueles que são

praticados em função da decisão final16. Falar em procedimento expropriativo significa, pois, falar

num procedimento administrativo que desencadeia num acto de autoridade, ou seja, um acto

administrativo.

O procedimento expropriativo pode ser decomposto normalmente em dois sub -

procedimentos: um sub - procedimento administrativo, que consiste no conjunto de actos que

gravitam em torno do acto de declaração da utilidade pública, e um sub procedimento judicial, que

abrange os actos relacionados com a discussão litigiosa do valor da indemnização, de competência

dos tribunais comuns.

16 Cfr. Mário Esteves de Oliveira/Pedro Gonçalves/Pacheco Amorim, “ Código do Procedimento Administrativo”, pág. 292-293.

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3.2. Início do procedimento administrativo de expropriação propriamente dito

A expropriação é genericamente “um acto de autoridade aniquilador ou destruidor do direito

de propriedade privada de conteúdo patrimonial com base em motivos de utilidade pública ou de

interesse geral”17.

A expropriação aparece, assim, como resultado de uma potestas administrativa emergente de

disposições legais e não de relações jurídicas concretas do tipo negocial com os particulares. Nesta

perspectiva, o acto principal do procedimento, o seu momento constitutivo ou o acto chave é a

declaração de utilidade pública, na medida em que é este o acto que contém em si o sacrifício do

direito de propriedade do particular. Concluindo, no sentido de que o acto que tem por função dar

início ao procedimento expropriativo, enquanto processo jurídico – público de aquisição de bens, é

o requerimento que a entidade que pretende beneficiar da expropriação deve remeter à entidade

responsável pela declaração de utilidade pública (membro do Governo ou Presidente da

Assembleia Municipal – art. 12º do C.E.)18.

4. Pré – procedimento expropriativo

O pré – procedimento administrativo é constituído por um conjunto de actos promovidos

pela entidade que pretende beneficiar da expropriação e que antecedem o início deste, decorrendo

uma série de actos e formalidades pré estabelecidas, tendentes à formação da vontade de

expropriar, culminando com a aquisição do bem pela via amigável. O C.E. de 1999, prevê 3

formalidades que se desenvolvem antes da D.U.P., tais como, a resolução de expropriar (art. 10º), a

tentativa de aquisição pela via do Direito Privado (art.11), e a obtenção da declaração de utilidade

pública (art.12º). Neste sentido introduziu-se a questão de se autonomizar a resolução de requer a

declaração por utilidade pública, que analisaremos de seguida.

4.1. Resolução de requerer a D.U.P.

A resolução de expropriar consiste na decisão proferida pelo órgão competente da entidade

interessada na expropriação por utilidade pública, em que se aprova o projecto de expropriações e

se decide requerer a declaração de utilidade pública19.

A resolução que deve ser fundamentada, mencionada expressa e claramente a causa de

utilidade pública a prosseguir e a norma habilitante, os bens a expropriar, os proprietários e demais

conhecidos, a previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação e a indicação do

17 Cfr., Fernando Alves Correia, “Algumas Notas sobre a Expropriação”, CEDOUA, cit., pág. 2. 18 Neste sentido, Fernanda Paula Oliveira, “Direito do urbanismo”, cit., pág. 98, que subentende que “ o procedimento expropriativo se inicia com o requerimento a pedir a declaração de utilidade pública.”. 19 Cfr., Pedro Elias da Costa, “ Guia de expropriações……….”, pág. 89.

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que é que se encontra previsto para os imóveis a expropriar em instrumento de gestão territorial

(art. 10º C.E.). Esta resolução deve ser notificada ao expropriado e demais interessados mediante

carta ou ofício registados.

4.2. A natureza jurídica da D.U.P.

Do ponto de vista da natureza jurídica, a referida resolução não é, um acto administrativo,

com efeito trata-se de um acto através do qual a entidade que pretende beneficiar da expropriação

exterioriza a sua vontade de dar início ao procedimento expropriativo, o que não pode chegar a

acontecer, se o bem acabar por ser adquirido pela via do direito privado20.

Para podermos estar perante um acto administrativo, necessário seria que todos os elementos

caracterizadores da sua definição estivessem presentes, ou seja, seria necessário que estivéssemos

perante uma estatuição autoritária, relativa a um caso concreto, manifestada por um agente da

Administração no uso de poderes do Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos

jurídicos externos, positivos ou negativos. Vejamos então a definição de acto administrativo. Como

elementos deste conceito englobamos um acto jurídico, unilateral, um acto de um órgão

administrativo, um acto materialmente administrativo, um acto decisório, e um acto que versa sobre

uma situação individual e concreta21. Será que a resolução de expropriar um acto administrativo

porque engloba os elementos do acto administrativo propriamente dito.

Vejamos então outras opiniões.

A doutrina, liderada por Alves Correia, defende que a resolução de expropriar não é um acto

administrativo e suporta essa posição em três ordens de considerações: a resolução de expropriar

não modifica ou extingue a posição jurídica do particular, mantendo este a plenitude do direito de

propriedade, a resolução de expropriar nem sempre é praticada por um órgão da Administração,

podendo ter origem num órgão de uma pessoa colectiva direito privado, designadamente de uma

empresa privada, e por ultimo a mencionada resolução pode não vir a desembocar em qualquer

expropriação, precisamente quando, sendo obrigatória a tentativa de aquisição do bem por via do

direito privado, esta vier a ter êxito22.

20 Fernando Alves Correia, “ Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999.” Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra, 2000, pág. 94, de que a resolução de expropriar não é um acto administrativo, mas sim um acto preliminar do procedimento expropriativo. Em sentido coincidente com este autor, Fernanda Paula Oliveira, “ Direito do Urbanismo”, cit. pág. 99 a 101. 21 Freitas do Amaral, “ Curso de Direito Administrativo”, Almedina, 2003, pág. 210 e segts. 22 Cfr., Fernando Alves Correia, “Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública……….” Revista de Legislação e Jurisprudência, nºs 308 e 309, pág. 326, nota 66.

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Contrariando estes argumentos, José Viera da Fonseca, refere que nenhuma destas razões

enumeradas anteriormente afasta a qualificação da resolução de expropriar como um acto

administrativo; o facto de a resolução de expropriar não modificar ou extinguir formalmente a

posição jurídica do proprietário não constitui um critério adequado para a qualificação a efectuar;

pois, em primeiro lugar, a resolução de expropriar modifica materialmente a posição jurídico-

económica do proprietário, em segundo lugar, a declaração de utilidade pública também não

extingue a posição jurídica do particular, a ablação do direito de propriedade só virá a acontecer no

âmbito da expropriação amigável, ou já no contencioso indemnizatório, e este facto não impede a

sua qualificação como acto administrativo. Em terceiro lugar, o facto de um acto modificar ou

extinguir a posição jurídica do seu destinatário, só tem que ver com a respectiva eficácia, não

constituindo elemento do acto administrativo, e por último, também a constatação de que a

resolução de expropriar pode não vir a desembocar em qualquer expropriação, designadamente

quando o bem vem a ser adquirido na sequência da denominada tentativa de aquisição do bem pela

via do direito privado, não convence23.

Em sentido contrário e crítico, este autor confirma que a resolução de expropriar é uma

decisão de um sujeito de Direito Administrativo, que, ao abrigo das normas de Direito Público, visa

produzir efeitos numa situação individual e concreta, pelo que desde logo uma perspectiva

procedimental, é um acto administrativo de acordo com o art. 120º do CPTA. Um acto

administrativo, se o seu autor for um órgão da Administração Pública, ou um acto materialmente

administrativo, se o seu autor for um outro sujeito de Direito Administrativo.

4.3. Tentativa de aquisição do bem pela via do Direito Privado

Após a resolução de requerer a declaração de utilidade pública, segue-se a tentativa de

aquisição do bem pela via do direito privado, salvo nos em casos em que seja atribuído carácter de

urgência à expropriação (art. 15º do C.E.), ou seja materialmente impossível a aquisição por essa

via (art. 11º do mesmo preceito). Com a previsão deste trâmite pretende dar-se cumprimento ao

princípio da necessidade em sentido instrumental, que significa, que a expropriação, como

instrumento jurídico-público de aquisição de bens, só deve ser utilizada quando não seja possível

adquiri-los por qualquer via, designadamente a via privada.

No entanto temos de ter em conta que não se trata de um qualquer aquisição pela via do

direito privado, como aquela que pode decorrer entre particulares ou entre entidades públicas e

particulares, mas uma aquisição pela via do direito privado que antecede um procedimento

expropriativo. O particular não está aqui na mesma posição que está, em regra, nas negociações de

23 Cfr., José Vieira da Fonseca, “Principais linhas inovadoras…………...”, Revista Jurídica de Urbanismo e Ambiente, nº13, 2000,pág. 59e segts.

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carácter privado, uma vez que, se não vender o bem ao potencial beneficiário da expropriação, sabe

que será desencadeado um procedimento de carácter público e coactivo para a sua aquisição.

Porém, há quem defenda que a aquisição do bem pela via do direito privado, é um acto

jurídico bilateral, substitutivo da prática de um acto de autoridade, logo um contrato com objecto

passível de acto administrativo (art. 185º CPA), não pode, ser de todo intitulado de contrato de

direito privado. Por outro lado, ainda o facto de, por este meio, se poder derrogar o regime jurídico

imperativo da unidade de cultura (art. 11º, nº7 do C.E.)24.

Ao contrário do que tem sido a prática judiciária, estes contratos devem ser incluídos no

âmbito de jurisdição administrativas, o que vem ser corroborado com a nova reforma do

contencioso. De facto, o art. 4º, alínea f), da Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprova o Estatuto

do Tribunais Administrativos e Fiscais, refere que compete aos tribunais da jurisdição

administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto “ questões

relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto possível de acto

administrativo”, e de “contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito

público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo…”, o que sucede, de facto, neste

específico domínio contratual.

5. Sub – procedimento administrativo

O procedimento expropriativo propriamente dito inicia-se, pois, como referimos

anteriormente, com requerimento que é remetido ao órgão competente pela declaração de utilidade

pública.

5.1. Fase da iniciativa: o requerimento (juntamente com a resolução de expropriar)

No caso de ter sido dada cumprimento à tentativa de aquisição pela via do direito privado, e

não tendo este resultado, a lei determina que a entidade na expropriação pode formular o

requerimento notificando desse facto os proprietários e demais interessados. Ao exigir a notificação

da resolução de expropriar, o legislador pretende possibilitar o exercício das garantias que

disponibiliza aos interessados, designadamente impugnatórias, administrativas ou contenciosas, e

estabelecer a dialéctica negocial entre as partes envolvidas25. Com isto dá-se cumprimento no art.

55º do CPA, quanto à notificação. Naquelas situações em que não haja lugar à tentativa de

24 Fernanda Paula Oliveira, “Direito do urbanismo”, CEFA, cit., pág. 103. 25 Cfr., José Vieira da Fonseca, “Principais linhas inovadoras……….”, Revista Jurídica de Urbanismo e Ambiente, nº13, pág. 79segs.

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aquisição pela via do direito privado, não vemos porque é que há-de publicitar-se a resolução de

requerer a declaração de utilidade pública e não o próprio requerimento. Nestes casos, entendemos

que o particular deve ser notificado do requerimento que, por ter de conter cópia daquela resolução,

pressupõe também notificação desta, dando-se, assim, cumprimento simultaneamente ao art. 55º do

CPA, e ao do art. 10º do C.E.

5.2. A audiência prévia dos interessados

Ao contrário do C. E. de 1991 que previa, no art. 14º, uma fase procedimental de

participação dos interessados, ainda que a conjugando com outras valências administrativas

(nomeadamente a publicitação do procedimento), o Código de 1999 é omisso quanto à previsão da

mesma, o que não implica, necessariamente, que a exclua. O Código de 1999 cumpria 3 objectivos:

a publicitação do início do procedimento, a audiência dos interessados dando-se, ainda,

cumprimento a uma espécie de inquérito público à expropriação pretendida.

No entanto, não obstante o silêncio do actual código quanto à necessidade da audiência

prévia dos interessados, parece-nos que ela deve, ainda assim, ter lugar. Primeiro, porque, como

decorre do nº5 do art. do CPA, as normas nele previstas que concretizam preceitos constitucionais,

como é o que com os artigos 100º e seguintes, relativos à audiência prévia dos interessados, são

aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, e, portanto, também, aos

procedimentos expropriativos. Em segundo lugar, porque se há procedimentos onde mais se

justifica a audiência prévia dos interessados, é precisamente nos procedimentos ablativos de

direitos, como é o que acontece com a expropriação. Deste modo, entendemos que antes de

declarar a utilidade pública da expropriação, a entidade competente deve promover a audiência

prévia dos interessados, procedimento que pela sua própria natureza e efeitos, é dos que mais

necessita de um instrumento de informação, auscultação e persuasão dos possíveis lesados por esta

decisão de autoridade26.

5.3. Declaração de utilidade pública

5.3.1.Nocao de D.U.P.

A declaração de utilidade pública corresponde ao momento constitutivo do procedimento,

uma vez que é o acto que produz directamente o sacrifício na esfera jurídica do particular. De facto,

após a declaração da utilidade pública, o bem do particular fica imediatamente adstrito ao fim

específico da expropriação, podendo dizer-se que se opera a conversão imediata do direito de

26 Cfr., Fernanda Paula Oliveira, “Direito do urbanismo”, pág. 106 e 107. Neste sentido, a mesma autora, “Coordenar e concertar, em vez de mandar”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº39, Maio/ Junho de 2003, pág. 103.

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propriedade num direito de indemnização27. Após a sua realização, o beneficiário da expropriação

fica também com o poder de promover os actos necessários para se apoderar do bem (a posse

administrativa)28.

Podemos definir também a D.U.P. como o acto que reconhece determinados bens é

necessário à realização de um fim de utilidade pública mais importante do que a expropriação que

lhes era dada. A D.U.P. engloba, no seu conteúdo, dois diferentes actos: a identificação de um fim

concreto de utilidade pública a prosseguir através da figura da expropriação, e ainda a

determinação dos bens necessários à realização daquele fim. A D.U.P., resulta genericamente da lei

(expropriação legal), ou de regulamento (expropriação administrativa), deve ser concretizada em

acto administrativo que individualize os bens a expropriar, valendo como acto declaração de

utilidade pública (art. 13º nº2 do C.E.).

5.3.2. Competência da D.U.P.

O acto declarativo de utilidade pública da expropriação pode ser emitido pelo Presidente da

Câmara municipal, pelo Ministro responsável pelo departamento ao qual compete a apreciação

final do processo, ao Primeiro - Ministro, que pode delegar no ministro responsável pelo

ordenamento do território, pelo Governo regional respectivo, e pelo Ministro da República (arts.14º

nº1 e 2, 14 nº6 e 90 nº1 e 2 do C.E.). A competência normal para esta declaração continua a ser

cometida pelo Ministro, sendo necessário a existência de um plano de urbanização ou plano de

pormenor eficaz (planos nos quais participou a Administração do Estado através da CCDR ou que

já foram ratificados).

5.3.3. Caducidade da D.U.P.

O factor tempo nos procedimentos administrativos, em especial no âmbito de relações jus –

expropriativas, é um elemento determinante na concretização das soluções jurídico – materiais

constitucionalmente tuteladas. Quanto ao regime de caducidade do acto de declaração de utilidade

pública, previsto no art. 13º do C.E., para além do encurtamento dos prazos e de previsão de um

regime especial para as obras contínuas, é de notar, com especial relevo a introdução da

possibilidade de renovação da D.U.P., que, ainda que gravosa para o particular, configura uma

forma de aproveitamento procedimental de mais – valia considerável para a Administração.

27 Fernando Alves Correia, “ As garantias do particular………”, cit., p.113. No mesmo sentido de que a D.U.P. determina a conversão imediata do direito de propriedade num direito à indemnização, por outro lado entende também que pode promover-se após a D.U.P., os actos necessários a se apoderar do bem (posse administrativa). Já Oliveira de Ascensão/ Osvaldo Gomes criticam esta posição, pois faz com que exista uma fase em que o direito já se extinguiu mas ainda ninguém o adquiriu. 28 Fernanda Paula Oliveira, “Direito do urbanismo”, cit., pág.104.

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No entanto, a caducidade é um específico acto administrativo, é criticável, porque ela pode

ser requerida pelo expropriado ou qualquer outro interessado ao Tribunal competente para conhecer

do recurso da decisão arbitral ou à entidade que declarou a utilidade pública, e não, também, ao

Tribunal administrativo competente para a apreciação da legalidade do acto de declaração de

utilidade pública29.

6. Procedimento “Administrativo” urgente de expropriação

6.1.O fundamento da expropriação urgente

O legislador previu no C.E. a possibilidade de a expropriação seguir um procedimento

administrativo simplificado, com menos formalidades e, consequentemente, menores garantias dos

direitos dos titulares dos bens e direitos afectados. Este procedimento depende de ser atribuído

carácter urgente à expropriação de acordo com o art. 15º, nº1 e 2, nomeadamente no caso de esta se

destinar à realização de obras. Por expressa determinação legal, certas expropriações têm sempre

carácter urgente, como as destinadas à construção de estradas nacionais e escolas. Neste tipo de

expropriações a Administração não tem o dever de tentar a prévia aquisição por via privada (art. 11

nº1 e art.12 nº1, al. b)), sendo que a declaração de utilidade pública com carácter urgente, confere

de imediato a posse administrativa (art. 15º nº2), com dispensa do depósito inicial (art. 20º nº5),

seguindo-se de imediato a publicação, notificação e averbamento30.

A expropriação urgente não permite a necessidade de fundamentação de trabalhos (art.12º al.

d)), existindo a necessidade de fundamentar o carácter urgente da expropriação (art. 15º nº2), não

sendo necessário o depósito prévio como condição da efectivação da posse administrativa, devendo

ser efectuada dentro do prazo de 90 dias a contar da publicação da D.U.P.

6.2. A expropriação urgentíssima

Quando se verifique uma calamidade pública ou exigências de segurança interna ou de

defesa nacional, a Administração tem aos seu dispor a possibilidade de realizar uma expropriação

urgentíssima (art. 16 º do C.E.). Nestes casos, o legislador dispensa certas entidades (Estado ou

autoridades públicas legalmente competentes ou por ele designadas) da realização das formalidades

que na expropriação comum e urgente, têm de antever a investidura na posse do bem que se

pretende expropriar. Mal se verifique uma situação justificativa da expropriação urgentíssima, as

29 Dulce Lopes, in, “ Seminário de Avaliação do Código das Expropriações”, Leiria, 2003, pág. 22. 30 Cfr., Pedro Elias da Costa, “ Guia de expropriações……...”, pág. 133 e 134.

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entidades competentes tomam posse administrativa imediata dos bens destinados a prover à

necessidade que determina a sua intervenção, sem a realização de qualquer formalidade prévia.

7. Sub – procedimento Judicial

7.1. A fixação da indemnização e adjudicação

A adjudicação judicial da propriedade só é exigível naqueles casos em que não há acordo

quanto ao montante da indemnização e o litígio tiver de ser decidido por arbitragem com a

possibilidade de recurso para o tribunal de comarca e deste para a Relação.

Neste caso, o juiz não realiza nenhum juízo sobre a legalidade ou a conveniência da

expropriação, realiza apenas um acto de controlo preventivo, de âmbito limitado, verificando tão só

a regularidade formal do procedimento expropriativo. Ao adjudicar a propriedade o juiz limita-se a

emitir como que um “visto” que desencadeia a eficácia do acto de declaração da utilidade pública,

que é o acto constitutivo do procedimento expropriativo31. Assim, apenas haverá lugar ao sub –

procedimento judicial quando exista litígio relativamente ao montante da indemnização (art.51º do

C.E.).

7.2. A expropriação amigável

A expropriação amigável não é apenas uma das soluções com que se depara a entidade

expropriante, sendo, antes, a via que, prioritariamente, deverá ser tentada. Para a expropriação do

bem ser amigável, é necessário o acordo de todos os titulares de direitos ou ónus reais sobre o bem

a expropriar. Se faltar o acordo de um titular cujo assentimento seja necessário, terão de ser

seguidos os trâmites da expropriação litigiosa. A formalização do acordo entre a entidade

expropriante e o titular de uma indemnização autónoma é efectuado através de auto de

indemnização autónoma. A formalização do acordo entre a entidade expropriante e o expropriado e

os demais interessados, antes da adjudicação judicial da propriedade, é efectuado numa de duas

formas possíveis:

a) Escritura de expropriação amigável, que pode ser celebrada por notário privado da

entidade expropriante, ou por notário público (art. 36º nº1, al. a))

b) Auto de expropriação amigável, que pode ser celebrado por funcionário designado

para o efeito, no caso de a entidade expropriante pertencer ao sector público administrativo, ou por

notário privado do município do lugar da situação do bem expropriado ou da sua

c) Maior extensão (art. 36, nº1, al.b)).

31 Fernando Alves Correia, “As garantias do Particular…..…..”, cit, pág. 114.

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7.3. Expropriação litigiosa

Este tipo de expropriação verifica-se caso a entidade expropriante não chegue a acordo com

os expropriados quanto ao valor da indemnização, iniciar-se-á um processo de expropriação

litigiosa, de acordo com o art. 35º n3; e 38º e seguintes do C.E. Deve ser aberto um processo de

expropriação com referência a cada um dos imóveis abrangidos pela declaração de utilidade

pública (art. 39º nº1), deste preceito decorre que, sempre que de um mesmo prédio sejam

expropriadas várias parcelas, todas elas são abrangidas num único processo de expropriação

litigiosa. Quando dois ou mais imóveis tenham pertencido ao mesmo proprietário, ou conjunto de

proprietários, é obrigatória a apensação dos processos em que não se verifique acordo sobre o

montante das indemnizações (art.39º nº2). Quanto à natureza dos processos de expropriação

litigiosa, preceitua o art. 44º que estes processos, bem como os que dele são dependentes, não têm

carácter de urgente, sem prejuízo dos actos relativos à adjudicação da propriedade e da posse e a

sua notificação aos interessados deverem ser praticados mesmo durante as férias judiciais32.

No entanto, têm legitimidade para intervir no processo a entidade expropriante, o

expropriado e os demais interessados, determinados de acordo com o art. 9º do C.E. (art. 40º nº1).

De acordo com este artigo, a intervenção de qualquer interessado na pendência do processo não

implica a repetição de quaisquer termos ou diligências. Esta solução fundamenta-se no facto de o

processo de expropriação litigiosa ter como objectivo a determinação da justa indemnização, sem,

contudo, descurar que a indemnização seja paga ao legítimo titular do bem.

7.4. Arbitragem

A arbitragem é a primeira instância jurisdicional no processo de expropriação litigiosa, tendo

sido instituída com o fim de tentar uma conciliação entre a entidade expropriante e o expropriado,

evitando-se um processo judicial que seria moroso e custoso para ambas as partes. A decisão

arbitral no processo de expropriação é considerada uma verdadeira decisão judicial, a arbitragem na

expropriação é considerada um verdadeiro tribunal arbitral necessário que é admitido

constitucionalmente sendo pois susceptível de formação de caso julgado sobre o valor da

indemnização devida ao expropriado se não for adequada e tempestivamente impugnada. A

promoção da constituição e funcionamento da arbitragem compete à entidade expropriante, ainda

que seja de direito privado, de acordo com o arts. 38º e seguintes do C.E.

A arbitragem funciona como um Tribunal arbitral necessário, tendo o acórdão arbitral a

mesma força executiva da sentença do Tribunal judicial de 1ª instância. As decisões arbitrais não

são simples arbitramentos tendo, pelo contrário, natureza jurisdicional, funcionando os tribunais de

32 Cfr., Pedro Elias da Costa, “ Guia de expropriações……….”, cit., pág. 153 e segts.

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comarca como segunda instância jurisdicional. A decisão arbitral é susceptível de recurso em

sentido próprio, sendo aplicáveis as normas que o C.P.C. estabelece, em matéria de recurso, para as

decisões judiciais, caso existam lacunas na lei expropriativa quanto à sua tramitação.

No nosso entender, deveria ser facultado aos árbitros a possibilidade de colocarem ao

Tribunal questões de direito antes da realização da avaliação, tal como acontece com os peritos, de

acordo com o art. 61º nº2 C.E. seria uma forma de ultrapassar o facto de se estar a atribuir carácter

jurisdicional à decisão de quem não possui formação jurídica e que, assim sendo, pode sentir

dificuldades na aplicação da lei ao caso concreto33.

A meu ver, perante a especial complexidade e tecnicidade destas questões, a única forma de

as remeter, lógica e coerentemente para sede própria (a do contencioso administrativo) passa não só

pela criação de centros permanentes de arbitragem, de acordo com o artigo 187º do CPTA, e de

uma rede dispersa e eficaz de Tribunais Administrativos, mas, sobretudo, pela especialização

destes tribunais em matéria urbanística.

33 De acordo com este entendimento, Pedro Elias da Costa, “ Guia de expropriações. ….”, cit.,pág. 156.

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8. Conclusões

1. Das breves linhas expostas relativas ao procedimento expropriativo do Código de

Expropriações de 1999, retira-se, em termos muito genéricos, que apesar da progressiva elaboração

e sedimentação multiforme e “ complexo “ instituto das expropriações, ele continua a ser uma

vítima do seu tempo, já, que se firmam ou clarificam algumas das notas que, necessariamente, o

acompanham, outras surgem que tornam mais “complicado” o exercício do seu correcto

entendimento.

2. O procedimento expropriativo é aquele procedimento administrativo que desencadeia num

acto de autoridade, ou seja, num acto administrativo. A expropriação aparece assim como resultado

de uma potestas administrativa, emergente de disposições e não de relações jurídicas concretas de

tipo negocial com os particulares. Nesta perspectiva, o acto principal do procedimento, o seu

momento constitutivo ou o acto chave, é a declaração de utilidade pública, na medida em que é este

o acto que o contém em si o sacrifício do direito de propriedade do particular.

3. As entidades expropriantes são aquelas que deverão designar as entidades com

competência para declarar a utilidade pública da expropriação ou aquelas que requerem essa

declaração e conduzem a dinâmica procedimental e o contencioso indemnizatório na relação

jurídica expropriativa. Porém a mesma entidade pode revestir simultaneamente, os três estatutos; o

de entidade beneficiária, entidade procedimentalmente expropriante, e entidade expropriante.

4. A resolução de expropriar consiste na decisão proferida pelo órgão competente da

entidade interessada na expropriação por utilidade pública, em que se aprova o projecto de

expropriações e se decide requerer a declaração de utilidade pública, devendo ser uma decisão

fundamentada, mencionando expressamente os elementos contastes no art. 10º, nº1 do C.E.

5. A D.U.P. consiste no acto pelo qual se reconhece que determinados bens são necessários à

realização de um fim de utilidade pública mais importante do que a utilização que lhes era dada, ou

seja, a D.U.P. engloba no seu conteúdo 2 actos, a identificação de um fim concreto de utilidade

pública a prosseguir através da figura da expropriação, e a determinação dos bens necessários à

realização daquele fim. O acto expropriativo assenta numa prevalência do interesse público sobre o

direito de propriedade privada, pelo que desaparecerá o seu fundamento se o fim da expropriação

não for a realização de uma utilidade pública específica.

6. A atribuição de carácter urgente à expropriação é da competência da entidade responsável

pela D.U.P., ocorrendo apenas aquando da emissão desta (art.15º C.E.). Ao determinar que nos

casos de expropriação com carácter de urgência o beneficiário da expropriação está dispensado da

tentativa de aquisição do bem pela via do direito privado, o C.E. está a permitir que seja o

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beneficiário da expropriação, numa fase prévia à declaração de utilidade pública, a decidir se se

trata ou não de uma expropriação urgente, podendo desta forma, auto dispensar-se a aquisição do

bem pela via do direito privado.

7. A expropriação amigável surge integrada no processo de expropriação, uma vez que

funciona como autêntico pressuposto processual necessário do recurso à arbitragem, porém,

configura-se como um verdadeiro contrato administrativo, pois antes de promover a constituição de

arbitragem, a entidade expropriante deve procurar chegar a acordo com o expropriado e demais

interessados (art. 33º do C.E.).

8. A adjudicação judicial da propriedade só é exigível naqueles casos em que não há acordo

quanto ao montante da indemnização e o litígio tiver de ser decidido por arbitragem com

possibilidade de recurso para o tribunal de comarca e deste para a Relação.

9. Com este trabalho pretendi redelimitar a tramitação do procedimento expropriativo na sua

vertente prática, e delimitando todas as suas componentes constitutivas, pondo em evidência

algumas contradições da doutrina ao longo desta exposição, tentando contextualizar e clarificar a

sua importância jurídico/ prática.

ELISABETE ROCHA Trabalho realizado no âmbito do 2.º Ciclos de Estudos em Direito Administrativo

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Julho de 2008 —————————————————————————————————

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