Extrafiscalidade dos tributos ambientais - 4. Os tributos aplicados às questões ambientais

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A FUNÇÃO EXTRAFISCAL DOS TRIBUTOS COMO MEDIDA DE PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO AMBIENTAL: POSSIBILIDADES E LIMITES Francisco Antonio Romanelli 4. Os tributos aplicados às questões ambientais Como visto acima, há a necessidade de uma ampla reforma tributária para que se implemente tributação vinculada à questão ambiental. No entanto, dentro do regime tributário hoje vigente, algumas exceções à regra geral são permitidas, como demonstram os exemplos abaixo. No que se refere aos impostos, há a possibilidade de angariá-los, com finalidades ambientais, por aplicação do dispositivo constitucional citado - inciso II do § único do art. 158 da CRFB – que permitiu a um grande numero de estados membros da federação a adoção, por força do art. 155, do ICMS Ecológico. Ou seja, da partilha privilegiada do Imposto sobre Circulação de Mercadorias para municípios que preencham certos requisitos de proteção ao meio ambiente. Constitui-se uma louvável aplicação da extrafiscalidade tributária já que busca, ao invés de punir o poluidor, incentivar e premiar o conservador ambiental. Ou seja, foge do foco insistente do

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A FUNÇÃO EXTRAFISCAL DOS TRIBUTOS COMO MEDIDA DE PROTEÇÃO E

RECUPERAÇÃO AMBIENTAL: POSSIBILIDADES E LIMITES

Francisco Antonio Romanelli

4. Os tributos aplicados às questões ambientais

Como visto acima, há a necessidade de uma ampla reforma tributária para que

se implemente tributação vinculada à questão ambiental. No entanto, dentro do

regime tributário hoje vigente, algumas exceções à regra geral são permitidas, como

demonstram os exemplos abaixo.

No que se refere aos impostos, há a possibilidade de angariá-los, com

finalidades ambientais, por aplicação do dispositivo constitucional citado - inciso II do

§ único do art. 158 da CRFB – que permitiu a um grande numero de estados

membros da federação a adoção, por força do art. 155, do ICMS Ecológico. Ou seja,

da partilha privilegiada do Imposto sobre Circulação de Mercadorias para municípios

que preencham certos requisitos de proteção ao meio ambiente. Constitui-se uma

louvável aplicação da extrafiscalidade tributária já que busca, ao invés de punir o

poluidor, incentivar e premiar o conservador ambiental. Ou seja, foge do foco

insistente do “princípio do poluidor-pagador” para trocar as repressões e punições

por estímulos e incentivos aos municípios que zelam pelo meio ambiente, através de

compensação financeira, valorizando o mais sagrado dos princípios legais de

proteção ambiental que é o princípio de prevenção.

O ICMS ecológico tem o objetivo, ainda, de incentivar e financiar, através do

repasse privilegiado de verbas, as ações locais de solução de problemas

ambientais, o que, infelizmente, ainda não ocorre de maneira generalizada ante a

impossibilidade constitucional de vinculação do imposto a uma finalidade específica,

dentro do município beneficiado. O benefício é direcionado aos municípios que

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cuidam da proteção das unidades de conservação, de mananciais de abastecimento

e da promoção de programas de saneamento e educação ambiental, mas pode ser

também utilizado como instrumento de tutela ambiental pela regra da seletividade

das alíquotas, prevista na Constituição Federal.

Em tese, a seletividade de alíquotas permite uma tributação mais branda para

mercadorias ecologicamente corretas ou que tenham por finalidade reduzir os

efeitos negativos de determinada atividade poluidora, enquanto permite uma

tributação mais severa aquelas mercadorias que gerem poluição ou que sejam

produzidas em desacordo com as normas ambientais.

Como exemplo de Estados que passaram a adotar o sistema do ICMS

ecológico, dentre outros citam-se os casos dos Estados do Rio Grande do Sul que o

adotou através da Lei Estadual n.° 9860/93, não regulamentada e substituída pela

Lei Estadual n° 11038, de 14 de novembro de 1997, e do Estado de Minas Gerais,

que o adotou originalmente através da Lei Complementar n.° 12040/95, conhecida

como “Lei Robin Hood”, que, depois de sofrer várias alterações, foi revogada pela

Lei n.° 13803/00, hoje vigente, com aspectos bastante aperfeiçoados e ampliados do

instituto tributário.

Outro imposto que permite a adoção de princípios de extrafiscalidade tributária

é o IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano – previsto no inciso I e § 1.º do art.

156 da Constituição da República, de competência dos municípios. A Carta Magna,

em seu artigo 182, § 4.º, admite expressamente o caráter extrafiscal do IPTU com o

objetivo de se promover a função social da propriedade e quando o proprietário

descumprir obrigação legal relativa ao correto uso do solo urbano. Como há

possibilidade legal da progressividade do imposto, para assegurar a função social da

propriedade, por um mero desencadeamento lógico percebe-se que a questão da

proteção ambiental pode ser aí incluída, já que está evidentemente inserta no

conceito de função social da propriedade. Desta forma, o IPTU pode se transformar

em uma valiosa ferramenta para ser empregada na conservação ambiental, seja

através de isenções e incentivos aos proprietários que demonstrem a finalidade

preservacionista do imóvel, como por alíquotas mais acentuadas sobre as

propriedades que, de alguma forma, descumpram regras ambientais.

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O Estatuto da Cidade, Lei n.º 10257/01, regulando o art. 182 da CR, já permite

que tanto o IPTU e as contribuições de melhorias, além de incentivos e benefícios

fiscais e financeiros, sejam usados como instrumentos de política urbana, como se

verifica do seu art. 4.º. É um avanço legislativo que abriga tanto o princípio do

poluidor pagador, como o da prevenção, na busca de mecanismos que incentivem a

proteção e puna o agressor ambiental. Como estatui seu art. 7.º, há de ser aplicado

o IPTU progressivo no tempo, com a majoração de alíquotas pelo prazo de cinco

anos consecutivos, às propriedades que não cumpra sua finalidade social.

A destinação do imposto, no entanto, encontra a mesma dificuldade observada

para aquela que se previu quanto ao ICMS ecológico: pelo princípio que veda a

vinculação, não há como se obrigar o gestor municipal a destinar a arrecadação a

uma determinada tarefa de cunho ecológico.

Também o Imposto Territorial, previsto nos arts. 158 e 153, caput, e inciso VI e

§ 4.º, da CR, de competência da União, é uma excelente ferramenta para a

aplicação das funções de extrafiscalidade do tributo, permitindo a gradação de

alíquotas como forma de desestimular a manutenção de propriedades improdutivas

e a isenção tributária sobre pequenas glebas destinadas ao trabalho familiar,

promovendo a função social da propriedade rural.

Existem outros casos, na legislação pátria, da chamada “extrafiscalidade

ambiental”, como, por exemplo, nas hipóteses de redução do IPI sobre motores e

veículos movidos à álcool, os incentivos fiscais para servir de base à conservação

do solo e dos regimes das águas e para florestamento e reflorestamento, como

disposto na Lei 5106/66 e no Decreto 79046/76; a redução do ICMS para operações

com máquinas que visem à defesa do meio ambiente, prevista na Lei estadual

2055/93, do Rio de Janeiro; a concessão de prazos especiais de pagamento do

ICMS para indústrias ou agroindústrias que empreguem tecnologia inovadora que

promova a defesa do ambiente, conforme Lei estadual 2273/94, do Rio de janeiro; o

IPVA mais barato para automóvel à álcool e, ainda, a compensação financeira pela

exploração de recursos minerais, conforme art. 20, § 1º, da CF/88 e Leis 1990/89 e

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8001/90, bem como a contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE)

prevista no artigo 177, § 4º, da Constituição da República.

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