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Anais do XIV Encontro Estadual de Histria - Tempo, memrias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianpolis, SC
Exu nas Encruzilhadas Deutschtum: Lembranas da Emergncia do
Candombl na Terra dos Prncipes
Gerson Machado1
RESUMO
Este trabalho discute a emergncia do Candombl, na dcada de 1980, em Joinville/SC.
A implantao de primeiro il ax emerge das lembranas de narradores diversos
registradas a partir de entrevistas realizadas com a metodologia da Histria Oral. Estas,
sobretudo, permitiram refletir sobre as estratgias utilizadas para o estabelecimento e
consolidao deste espao religioso numa cidade catarinense muito marcada pela
industrializao e pelo mito fundador europeu vinculado aos alemes. Procurei,
sobretudo, entender como a cidade acolheu essa manifestao religiosa. Diante disso,
foi importante calibrar o olhar procurando indcios que marcaram o desenvolvimento
dessa prtica religiosa no tempo, procurando entender: de que forma Joinville se insere
na logstica de expanso dessas religies no Brasil? Como os sinais distintivos dessa
religio foram negociados no mercado religioso da cidade?
Palavras-Chave:
Religies Afro-Brasileiras, Candombl, Memria, Histria Oral, Identidade
Eu nas Encruzilhadas Deutschtum
Seria possvel supor (...) uma espcie de descrio sistemtica que teria por objeto, em uma dada sociedade, o estudo, a
anlise, a descrio, a leitura, (...) desses espaos diferentes, desses outros lugares, uma espcie de contestao simultaneamente mtica e real do espao em que vivemos...
(Michel Foucault)
O primeiro il ax de Joinville foi dedicado ao culto Iyemanj e foi inaugurado
em 1982 tendo diversas sedes situadas no espao urbano. Para falarmos desse primeiro
il ax devo, forosamente me remeto a um orix extremamente importante no panteo
do candombl que Ex. Falerei dele, antes mesmo de Iyemanj pois h vrios itans2
que justifica tal primazia,
1 Aluno do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFSC, Nvel doutorado. Especialista
Cultural/Educador Museu Arqueolgico de Sambaqui de Joinville/Fundao Cultural de Joinville. E-
mail: [email protected] 2 Itan uma narrativa de carter mitolgico que explica diversos aspectos de um determinado orix.
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ele sempre o primeiro a ser saudado, e recebe parte das oferendas de
qualquer que seja o ritual para orix ou para egum ou para If, o orculo (...)
No pad, cerimnia propiciatria que antecede o xir, festival de orixs, ele
invocado para ser homenageado e receber suas oferendas, e assim permitir o
xito das cerimnias.3
Partindo dessa primazia, fcil imaginar que, numa noite do ms abril de 1982 os
ares joinvilenses passaram a ser preenchidos por invocaes em um idioma distinto
daqueles comumente utilizados na Manchester Catarinense4: Lori Eu, Mojub!,
pronunciado num tom alto e vibrante rompendo com a discrio dissimulada das
esquina dessa cidade catarinense.
Destarte, foi nas franjas da cidade, portanto, numa esquina de um bairro da Zona
Sul de Joinville que se instalou o primeiro il ax dedicado ao Candombl. Atualmente,
a rua possui certo movimento e apesar das mudanas ela apresenta um ar residencial,
embora algumas empresas de pequeno porte (comrcio, indstria e servio), desde
ento, tenham se instalado na localidade. Passados, cerca de 30 anos, ningum imagina
que numa casa discreta, de muros altos e de cor discreta, abrigou, h tempos atrs, um
templo religioso afro-brasileiro. Todavia, para os olhos mais atento, ainda hoje,
possvel perceber alguns traos arquitetnicos que indicam o funcionamento desse
espao sagrado. Conforme o relato do Babalaorix Chiquinho tal espao foi construdo
por ele, quando de sua migrao de So Paulo para Joinville, nos idos de 1983, ano em
que foi iniciado para Oxssi, pelas mos da, ento Iyalorix, Marli: Era na Rua
Guaruj. Era uma residncia de esquina, com muro alto, tinha piscina e atrs da casa
foi feito um puxado alto bem comprido, do tamanho da casa. Atualmente l foi vendido,
eu sei que a residncia tem, s no sei se tem o galpo?5
Ainda hoje a casa mantm o galpo, a piscina e uma entrada pela rua lateral, que
parece ter sido usada quando do funcionamento do il ax para o acesso dos
freqentadores da casa. Quando estive em frente residncia para fotograf-la (Figura
1), a neta espiritual da Sr Marli, Egbomi Eleni, comentou que havia um grande
movimento de pessoas, e relatou que se lembrava perfeitamente da primeira vez que
jogou bzios e que havia fila de automveis e pessoas aguardando o atendimento.
3 LUZ, 2002, p. 85 (grifos nossos).
Para uma leitura mais apurada de itans que explicam a primazia de Ex consultar PRANDI, 2001, p.p.45,
53, 59 e 82. 4 Manchester Catarinense uma das alcunhas da cidade de Joinville em funo do seu avantajado parque
fabril, fazendo aluso direta cidade Britnica com intensa presena industrial e um dos pilares do
processo de industrializao moderno. 5 SILVA, 2010.
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Desta forma, posso afirma que na esquina das ruas Guaruj com a Presidente
Wenceslau Braz, que forma uma encruzilhada, foi cultuado pela primeira vez o Orix
Exu6 na terra dos prncipes. Exu um orix cujo culto realizado, principalmente, nas
encruzilhadas. Geralmente as encruzilhadas que cercam um il ax, em espao urbano,
so consagradas a determinadas qualidades de Exu, e nelas alm de serem feitos
pedidos, tambm recebem oferendas quando a comunidade solicita proteo e segurana
diante de possveis adversidades que possam atingir o espao sagrado. Chamo a ateno
mais detidamente a esse orix, pois o mesmo ocupa papel privilegiado no panteo de
divindades afro-brasileiras, especialmente, nos candombls. Ele representa a
primogenitura da existncia na cosmologia nag-yourubana, o primeiro ser com
existncia individualizada, o antes, o agora e o depois. Sobretudo, Exu o
acontecimento, a transformao, o vir-a-ser, enfim, o verbo que transforma e comunica
as coisas. Portanto, ele o que d significado e existncia s coisas, o patrono da
comunicao, a prpria linguagem. Sobretudo, exu o que come primeiro, o primeiro
a ser saudado, a divindade a que se pede licena por primeiro e para a qual se solicita
que as coisas aconteam de forma favorvel a quem o invoca. Neste sentido afirmo que,
de forma sistemtica, a primeira divindade a ser cultuada em Joinville foi Exu, na
encruzilhada mencionada anteriormente. O primeiro Lar i Exu7 evocando o mesmo
se deu, muito provavelmente neste local, provavelmente, sob a luz de uma lua cheia do
ms de abril do ano de 1981. Tomo o ano de 1981 como ponto de ruptura apesar de,
neste ano, ainda no haver uma casa de candombl estruturada na cidade, a Sr. Marli j
realizava determinados rituais dentro desta vertente religiosa.
Entretanto, no dia 07 de maio de 1982, o Jornal A Notcia, trazia uma reportagem
de mais de meia pgina intitulada A Magia e os Segredos do Candombl8, a qual
relata a abertura do il ax em Joinville, e didaticamente explica o funcionamento, os
princpios e algumas caractersticas da nova modalidade religiosa que se apresentava na
cidade. A reportagem apresenta vrias fotografias tanto do barraco com os atabaques
Rum, Rumpi e L9, de alguns adeptos confeccionando o mariwo
10, a do pai-pequeno,
6 Exu um orix cujo culto realizados nas encruzilhadas. Geralmente as encruzilhadas que cercam um
il ax, em espao urbano, so consagradas a determinadas qualidades de Exu, e nelas alm de serem
feitos pedidos, mediante pagamento, tambm recebem oferendas quando a comunidade solicita proteo e
segurana diante de possveis adversidade que possam atingir o espao sagrado. Seriam como barreiras de
proteo energtica. 7 Cada orix tem uma saudao especfica, sendo a de : Exu: Lar i Exu! (cuja traduo significa algo
como: viva Exu! (OLIVEIRA, 1997, p. 19)). 8 CAMILO, 1982.
9 MACHADO&ISAIA, 2011.
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a de alguns ogs vindos de So Paulo, alm de uma foto da prpria Iyalorix, Marli de
Iyemanj com o jogo de bzios em suas mos.
Figura 1 Primeira Sede do Primeiro Il Ax joinvilense
Notas: Esta residncia situa-se na Rua Guaruj, 373, bairro Itaum, Joinville.
Seta n 1 indica a construo dedicada residncia da Iyalorix Marli de Iyemonj.
Seta n 2 indica os locais de culto aos orixs.
Interessante destacar que tal jornal, no dia anterior a esta publicao apresentou
uma reportagem denominada Alm do stimo sentido, do psiquiatra e fotgrafo Rui
Arsego, enfocando estudos que mostram a possibilidade dos seres humanos possurem
muitos outros sentidos alm dos cinco, usualmente aceitos para explicar a relao dos
seres humanos com o mundo.11
O curioso que tal reportagem veio igualmente
recheada de fotografias apresentando diversos aspectos de rituais vinculados ao
candombl, como: imagem do momento da iniciao em que ocorre o sacri