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Teatro - A gente vê por aqui Esta página é aberta a todas as manifestações teatrais. Para participar: [email protected] www.redeglobo.com.br Verifique a classificação indicativa antes de comprar seu ingresso Ele não quer ser lembrado como um ator de personagens bons, mas por bons personagens. Aos 30 anos, Thiago Lacerda comemora 10 anos de carreira dando voz à loucura de “Calí- gula”, um dos maiores textos teatrais do século XX, escrito pelo argelino/ francês Albert Camus (1913-1960). Com tradução de Dib Carneiro Neto e direção de Gabriel Villela, a peça tem no elenco Magali Biff , Pascoal da Conceição, Jorge Emil, Rodrigo Fregnan, Pedro Henrique Moutinho e Ando Camargo. Fãs, preparem-se: vocês poderão odiar Thiago Lacerda durante os 100 minutos da sessão deste espetáculo. O ator é protagonista da obra que nar- ra a história de Gaius Caesar Germa- nicus, terceiro imperador romano, que esteve no poder entre 37 e 41. Conheci- do por sua natureza extravagante e por vezes cruel, durante seu reinado tirâ- nico fez gastos exorbitantes, nomeou senador romano seu cavalo, torturou presos, violentou mulheres e manti- nha uma casa de prostituição com as viúvas de suas vítimas. Calígula acre- ditava no terror como arma de poder e gostava de ser odiado. “Calígula vem para desestruturar a ordem”, afirma Lacerda. “O que ele faz é passar de um estado de aceitação e subserviência social e intelectual pa- ra um degrau de caos absoluto. Ele julgava isso inerente à raça humana.” Segundo o ator, Camus escolhe o per- sonagem para questionar valores e posições sociais. “O poder absoluto corrompe. Calígula é um ser humano sentado no trono, com toda sua capa- cidade, sua fragilidade e que, em al- gum momento, cede à loucura.” E não foi fácil estar frente a frente com o imperador. Desde que recebeu o texto pelas mãos de Walderez de Barros, Lacerda custou a acreditar que poderia levá-lo ao palco. “Se fiquei temeroso? Todo o tempo”, relembra. “É corajoso da parte de Gabriel que- rer montar ‘Calígula’ e aceitar inter- pretá-lo é uma carga muito grande.” Mas não havia escapatória. “No Bra- sil não há outro ator com a capacida- de física, a inteligência e a juventude para fazer um minotauro em cena”, defende o diretor Villela. De fato, exis- te pelo menos a semelhança de ida- de entre ator e personagem: Lacerda completou 30 anos enquanto o impe- rador morreu aos 29. “Fico me per- guntando se é à toa a questão da ida- de na obra de Camus. É um número símbolo, tem um momento ‘Apolo’ BENÇÃO DE FERNANDA I CALÍGULA I Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros I Tel.: (11) 3095-9400 I O espetáculo não é recomendado I para menores de 14 anos FACES DA LOUCURA SEM ARES DE BOM MOÇO, THIAGO LACERDA REESTRÉIA EM SÃO PAULO “CALÍGULA”, COM DIREÇÃO DE GABRIEL VILLELA natural à condição masculina”, ana- lisa o ator. “E eu estava neste mo- mento de reflexão, revendo minha trajetória.” Camus se vale de uma persona his- tórica para promover uma análise crí- tica à sociedade. “É imprescindível na peça a capacidade crítica e de questio- namento do protagonista”, descreve. “Fora o talento libidinoso, sedutor e o volume intelectual do personagem. Me identifico com ele na questão de que a gente nunca pode perder o timming do questionamento.” Foi o que Lacerda fez ano passado, quando tirou férias para repensar sua carreira como ator. “Estava começan- do a perder a paixão pela arte”, diz. “O que me interessa é bagunçar, por que eu tenho que ser o cheiroso, o mé- dico legal? Por que não posso ser o lou- co, alucinado e caótico?” Aceitar o papel de Calígula abriu ao artista esta possibilidade. “Me entre- guei totalmente ao projeto”, relembra. “Durante vários momentos do processo, a gente se perguntava como o público receberia essa avalanche de informa- ção. Não é uma peça fácil intelectual- mete, em fisicamete.” Com pita de galã, o ex-campeão de natação já viveu algumas experiências em teatro: foi Jesus Cristo no espetáculo “O Evange- lho Segundo Jesus Cristo” (2003) e em encenações de “A Paixão de Cristo”, em João Pessoa (PE). Agora, é a própria encarnação do mau na pele do impe- rador romano. O que é fácil não atrai Thiago Lacer- da. “O ser humano e um bicho fadado a lei do menor esforço ao comodismo.” Lacerda poderia se contentar com mo- cinhos da TV, papéis que lhe caem co- mo uma luva. Porém, ele quer mais. Quer ser ator da beleza e da feiúra, do bem e do mal. De qualquer persona- gem. “Arriscar é fundamental para ter fôlego para os próximos dez anos.” Portanto, deixe para traz qualquer conceito sobre Thiago Lacerda antes de ir assistir “Calígula”. “Não irão en- contrar Garibaldo no teatro”. O ator refere-se ao seu papel na minissérie “A Casa das Sete Mulheres”, da TV Glo- bo, de 2003. Sabe que quem está no palco é Calígula, por inteiro. “Não me importo com que as pessoas pensem, me interessa que elas pensem!” Thiago Lacerda comemora 10 anos de carreira na pele do tirânico imperador romano. Abaixo, em cena do espetáculo com os atores Magali Biff e Rodrigo Fregnan NOSSA SENHORA DO TEATRO, QUE FAZ TRABALHO SOCIAL NA CENTRAL DO BRASIL, TEM COMO INSPIRAÇÃO A GRANDE DAMA DO TEATRO NACIONAL Fernanda Montenegro, sempre ela. A grande dama do teatro nacional é responsável por grandes momentos das ar- tes cênicas e constante fonte de inspiração. E foi exatamente o que aconteceu com o grupo Nossa Senhora do Teatro. O diretor e fundador Ricardo Andrade participou de ofici- na de leitura dramatizada, ministrada por Fernanda em 2002, no SESC de São João de Meriti, e saiu de lá possuído. No ano seguinte, ele fundava o Nossa Senhora do Teatro que, além de encenar espetáculos, é também uma organiza- ção envolvida em importantes projetos sociais com comu- nidades carentes. Entre as principais atividades da Organização está o fo- mento e a prática da leitura dramatizada, produção de es- petáculos profissioais focados a cultura brasileira e as aulas com eixos na arte-cultura e na formação de atores. “Era um desejo antigo administrar uma Oficina Escola de Teatro, mas isso parecia estar distante. Mas quando fui selecioado para a Oficia de Leitura Dramática com a atriz Fernanda Montenegro, vi isso renascer. Conversei em par- ticular algumas vezes com ela e então fui orientado e diria conscientizado para dar partida no empreendimento”, con- ta Ricardo Andrade, que explica o nome do grupo: “Render uma homenagem a Fernanda é muito pouco, mas é o que podemos fazer, além de dar continuidade as atividades que ela desenvolveu que tem como base a leitura. Nossa Senho- ra do Teatro é um nome para tratamento, Fernanda é a nos- sa grande Senhora do teatro”. O grupo faz um importante trabalho na Central do Bra- sil: “Eu tinha certeza de que não haveria lugar melhor do que no coração do Rio, a Central do Brasil. Eu não abriria mão daquele local. Foi então que começamos as negocia- ções com a Super Via, apresentamos o projeto que encantou e sensibilizou a diretoria da empresa”, conta Ricardo. “Escrava Anastácia”: uma montagem que mereceu muitos elogios I GRUPO NOSSA SENHORA DO TEATRO I www.nossasenhoradoteatro.com Fotos: Marcos Villaça Divulgação

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Teatro - A gente vê por aquiEsta página é aberta a todas as manifestações teatrais. Para participar: [email protected] • www.redeglobo.com.br

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Verifique a classificação indicativa antes de comprar seu ingresso

Ele não quer ser lembrado como um ator de personagens bons, mas por bons personagens. Aos 30 anos, Thiago Lacerda comemora 10 anos de carreira dando voz à loucura de “Calí­gula”, um dos maiores textos teatrais do século XX, escrito pelo argelino/francês Albert Camus (1913­1960). Com tradução de Dib Carneiro Neto e direção de Gabriel Villela, a peça tem no elenco Magali Biff, Pascoal da Conceição, Jorge Emil, Rodrigo Fregnan, Pedro Henrique Moutinho e Ando Camargo.

Fãs, preparem­se: vocês poderão odiar Thiago Lacerda durante os 100 minutos da sessão deste espetáculo. O ator é protagonista da obra que nar­ra a história de Gaius Caesar Germa­nicus, terceiro imperador romano, que esteve no poder entre 37 e 41. Conheci­do por sua natureza extravagante e por vezes cruel, durante seu reinado tirâ­nico fez gastos exorbitantes, nomeou senador romano seu cavalo, torturou presos, violentou mulheres e manti­nha uma casa de prostituição com as viúvas de suas vítimas. Calígula acre­ditava no terror como arma de poder e gostava de ser odiado.

“Calígula vem para desestruturar a ordem”, afirma Lacerda. “O que ele faz

é passar de um estado de aceitação e subserviência social e intelectual pa­ra um degrau de caos absoluto. Ele julgava isso inerente à raça humana.” Segundo o ator, Camus escolhe o per­sonagem para questionar valores e posições sociais. “O poder absoluto corrompe. Calígula é um ser humano sentado no trono, com toda sua capa­cidade, sua fragilidade e que, em al­gum momento, cede à loucura.”

E não foi fácil estar frente a frente com o imperador. Desde que recebeu o texto pelas mãos de Walderez de Barros, Lacerda custou a acreditar que poderia levá-lo ao palco. “Se fiquei temeroso? Todo o tempo”, relembra. “É corajoso da parte de Gabriel que­rer montar ‘Calígula’ e aceitar inter­pretá­lo é uma carga muito grande.”

Mas não havia escapatória. “No Bra­ sil não há outro ator com a capacida­de física, a inteligência e a juventude para fazer um minotauro em cena”, defende o diretor Villela. De fato, exis­te pelo menos a semelhança de ida­de entre ator e personagem: Lacerda completou 30 anos enquanto o impe­rador morreu aos 29. “Fico me per­guntando se é à toa a questão da ida­de na obra de Camus. É um número símbolo, tem um momento ‘Apolo’

Benção de Fernanda

I Calígula I Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros I Tel.: (11) 3095-9400 I O espetáculo não é recomendado I para menores de 14 anos

FACES DALOUCURA

SEM ARES dE BOM MOçO,

ThIAgO LACERdA REESTRéIA

EM SãO PAULO “CALígULA”, COM

dIREçãO dE gABRIEL VILLELA

natural à condição masculina”, ana­lisa o ator. “E eu estava neste mo­mento de reflexão, revendo minha trajetória.”

Camus se vale de uma persona his­tórica para promover uma análise crí­tica à sociedade. “É imprescindível na peça a capacidade crítica e de questio­namento do protagonista”, descreve. “Fora o talento libidinoso, sedutor e o volume intelectual do personagem. Me identifico com ele na questão de que a gente nunca pode perder o timming do questionamento.”

Foi o que Lacerda fez ano passado, quando tirou férias para repensar sua carreira como ator. “Estava começan­do a perder a paixão pela arte”, diz. “O que me interessa é bagunçar, por que eu tenho que ser o cheiroso, o mé­dico legal? Por que não posso ser o lou­co, alucinado e caótico?”

Aceitar o papel de Calígula abriu ao artista esta possibilidade. “Me entre­guei totalmente ao projeto”, relembra. “Durante vários momentos do processo, a gente se perguntava como o público receberia essa avalanche de informa­ção. Não é uma peça fácil intelectual­men­te, n­em fisicamen­te.” Com pin­ta de galã, o ex­campeão de natação já viveu algumas experiências em teatro: foi

Jesus Cristo no espetáculo “O Evange­lho Segundo Jesus Cristo” (2003) e em encenações de “A Paixão de Cristo”, em João Pessoa (PE). Agora, é a própria encarnação do mau na pele do impe­ rador romano.

O que é fácil não atrai Thiago Lacer­da. “O ser humano e um bicho fadado a lei do menor esforço ao comodismo.” Lacerda poderia se contentar com mo­cinhos da TV, papéis que lhe caem co­mo uma luva. Porém, ele quer mais. Quer ser ator da beleza e da feiúra, do bem e do mal. De qualquer persona­gem. “Arriscar é fundamental para ter fôlego para os próximos dez anos.”

Portanto, deixe para traz qualquer conceito sobre Thiago Lacerda antes de ir assistir “Calígula”. “Não irão en­contrar Garibaldo no teatro”. O ator refere­se ao seu papel na minissérie “A Casa das Sete Mulheres”, da TV Glo­bo, de 2003. Sabe que quem está no palco é Calígula, por inteiro. “Não me importo com que as pessoas pensem, me interessa que elas pensem!” •

Thiago Lacerda comemora 10 anos

de carreira na pele do tirânico imperador

romano. abaixo, em cena do espetáculo com

os atores Magali Biff e rodrigo Fregnan

NOSSA SENhORA dO TEATRO, qUE FAz TRABALhO SOCIAL NA CENTRAL dO BRASIL, TEM COMO INSPIRAçãO A gRANdE dAMA dO TEATRO NACIONAL

Fernanda Montenegro, sempre ela. A grande dama do teatro nacional é responsável por grandes momentos das ar­ tes cênicas e constante fonte de inspiração. E foi exatamente o que aconteceu com o grupo Nossa Senhora do Teatro. O diretor e fundador Ricardo Andrade participou de ofici­na de leitura dramatizada, ministrada por Fernanda em 2002, no SESC de São João de Meriti, e saiu de lá possuído. No ano seguinte, ele fundava o Nossa Senhora do Teatro que, além de encenar espetáculos, é também uma organiza­ção envolvida em importantes projetos sociais com comu­nidades carentes.

Entre as principais atividades da Organização está o fo­mento e a prática da leitura dramatizada, produção de es­petáculos profission­ais focados n­a cultura brasileira e n­as aulas com eixos na arte­cultura e na formação de atores.

“Era um desejo antigo administrar uma Oficina Escola de Teatro, mas isso parecia estar distante. Mas quando fui selecion­ado para a Oficin­a de Leitura Dramática com a atriz

Fernanda Montenegro, vi isso renascer. Conversei em par­ticular algumas vezes com ela e então fui orientado e diria conscientizado para dar partida no empreendimento”, con­ta Ricardo Andrade, que explica o nome do grupo: “Render uma homenagem a Fernanda é muito pouco, mas é o que podemos fazer, além de dar continuidade as atividades que ela desenvolveu que tem como base a leitura. Nossa Senho­ra do Teatro é um nome para tratamento, Fernanda é a nos­sa grande Senhora do teatro”.

O grupo faz um importante trabalho na Central do Bra­sil: “Eu tinha certeza de que não haveria lugar melhor do que no coração do Rio, a Central do Brasil. Eu não abriria mão daquele local. Foi então que começamos as negocia­ções com a Super Via, apresentamos o projeto que encantou e sensibilizou a diretoria da empresa”, conta Ricardo. •

“Escrava anastácia”: uma montagem que mereceu muitos elogios

I grupo Nossa sENhora do TEaTro I www.nossasenhoradoteatro.com

Fotos: Marcos Villaça

divulgação