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Universidade de Coimbra 2007 Faculdade de Ciências e Tecnologia Departamento de Física Ana Luísa Compreensão Pública da Ciência e Pinto da Silva Formação de Professores

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Universidade de Coimbra 2007

Faculdade de Ciências e Tecnologia Departamento de Física

Ana Luísa Compreensão Pública da Ciência e

Pinto da Silva Formação de Professores

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Faculdade de Ciências e Tecnologia Departamento de Física

Ana Luísa Compreensão Pública da Ciência e Pinto da Silva Formação de Professores

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Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ensino da Física e da Química, realizada sob a orientação científica da Exma. Professora Doutora Maria Helena Caldeira, do Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra

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Ag r ade c i me n to s Expresso, principalmente, a minha gratidão e o meu

reconhecimento especial à minha Orientadora, a Professora Doutora Maria Helena Caldeira, por ter sido uma constante fonte de incentivo, motivação, encorajamento e esperança, até mesmo nas horas mais difíceis …

Sem a sua ajuda este trabalho nunca seria uma realidade … De di co um ag r ade c i men to e s p e c i a l

À minha filha Joana pelas horas de brincadeira que lhe roubei, e à minha filha Beatriz que nasceu ainda no decurso deste projecto …

Aos meus pais pelo amor que sempre me

dedicaram e pelos valores que fizeram questão de me transmitir …

Às escolas e demais colegas que comigo colaboraram.

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Ao s meu s p a i s ,

À s mi nh a s p r i n ce s a s , J o an a e Bea tr i z .

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RESUMO

Esta dissertação apresenta um estudo sobre compreensão pública da Ciência e concepções relativas a esta, detidas pela classe docente. Nele procurou-se descrever o modo como os professores concebem a Ciência e a natureza do conhecimento científico e compreender a influência dessas concepções na actividade docente, nomeadamente na forma como ensinam e como promovem a divulgação científica em Portugal.

A importância atribuída nas últimas décadas à questão da cultura científica decorre do facto de se caminhar aceleradamente para uma sociedade tecnológica e cientificamente avançada. Impõe-se, por isso, ao cidadão comum não só a tomada de consciência dos problemas que se levantam a nível científico, tecnológico, social e ambiental, como e também a tomada de decisões, através da sua participação activa, responsável e mais informada.

Nesse sentido, a preparação de alunos, futuros cidadãos letrados cientificamente e capazes do exercício pleno de cidadania democrática, constitui hoje um objectivo fundamental da educação científica. Em consequência disso, os programas curriculares actuais de disciplinas de áreas científicas foram concebidos seguindo orientações CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade).

Os professores fazem parte, antes de mais, do público em geral. Porém, como agentes com uma quota parte de responsabilidade no ensino e na divulgação da Ciência, é de extrema importância estudar como actuam nesse campo. É necessário perceber não só o modo como os docentes concebem a Ciência, como e também a forma como a divulgam e os factores que a afectam. Para a consecução deste objectivo foi concebido e aplicado um questionário a oitenta e três docentes de áreas científicas como Química, Física, Biologia e Geologia. Os resultados e respectivo tratamento estatístico encontram-se no capítulo IV desta dissertação. Com base nas implicações dos resultados obtidos são propostas algumas recomendações para pesquisas posteriores no âmbito desta problemática.

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ABSTRACT

This dissertation describes a study on the public understanding of Science and the teachers’ conceptions on this matter. The aim of this study was to investigate the way teachers view Science and the nature of scientific knowledge, and to understand the influence of their conceptions on their teaching activity, namely with regards to the way they teach and promote science in Portugal.

The increasing importance attributed to scientific culture in the last decades derives from the fact that we are speeding into a technologically and scientifically advanced society. As such, common citizens are compelled to become conscious of problems that arise at scientific, technological, social and environmental levels, as well as to make decisions through an active, responsible and informed participation.

In this context, formation of students, the scientifically educated citizens of the future, which should be able to fully exercise a democratic citizenship, is the main aim of current scientific education. As a consequence, current scientific curricula have been conceived following the STS (Science, Technology and Society) guidelines.

Teachers are part of the general public. However, as they are also the agents responsible for teaching and science communication, it is crucial to investigate how they perform in these fields. It is important to investigate not only how teachers understand science, but also factors that affect it. To accomplish this, a questionnaire was designed and presented to eighty-three Chemistry, Physics, Biology and Geology teachers. The results and the respective statistical analysis are presented in chapter IV of this dissertation. Taking into account the implications of the obtained data, some recommendations are proposed for future research on this subject.

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ÍNDICE

CAPÍTULO O …………………………………………………………………………… Introdução ………………………………………….……………………………………

CAPÍTULO I – PLANIFICAÇÃO DO TRABALHO …………………………………

Introdução ……………………………………………………………………...…… Definição do Problema ……………………….………..…………….……….…...

CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA …………………………………… Introdução …………………………………………………………………...………

1. Comunicar Ciência no Século XXI ……………………….……………...….…… 1.1. Conceito de Divulgação Científica ………………….…………….....…..…. 1.2. Quando surgiu e para que serve a Divulgação

Científica?...………................................................................………......... 1.3. Divulgação da Ciência e da Tecnologia em Portugal …….……….……… 1.4. O Público face à Divulgação Científica ………………….………..……….. 1.5. Públicos da Ciência (Em Portugal) ………………………..……….…….….

2 Concepções em Ciência ………………………………………………….………. 2.1 Concepções dos Professores ……………………...…………….....……….. 2.2 Concepções Alternativas detidas por Professores ……………...………… 2.3 Revisão de Investigações realizadas no âmbito da avaliação das

Concepções de Professores e de Alunos acerca da Natureza da Ciência ……………………….…….…………………………………….………………. 2.3.1 Concepções dos Professores acerca da Natureza da Ciência

…………………………………………………………………………... 2.3.2 Relação entre as Práticas Pedagógicas e as Concepções de

Professores e dos Estudantes acerca da Natureza da Ciência ……………………………………………………………………….…..

2.4 Concepções de Ciência dos Professores ………………………...………… 2.4.1 A Ciência nos Manuais Escolares e a Ciência ensinada nas

Aulas ………………………………………………….……………...… 2.4.2 Concepções de Ciência e Concepções da Actividade de Ensinar

………………………………………………………………………...… 2.4.3 Concepções de Ciência dos Professores versus Concepções de

Ciência dos Cientistas …………………………………………..…… 2.4.4 O Discurso (Pedagógico) dos Professores sobre a Ciência –

Papel da Linguagem ………………………………………….……… 3 Ensino da Ciência e Literacia Científica …………………………………………

3.1 Do Conceito de Alfabetização ao de Literacia Científica …………...…..… 3.2 Educação Científica na Perspectiva da Literacia Científica …………..…..

3.2.1 Importância do Ensino das Ciências para a Compreensão Pública da Ciência……………………………………………….…….

3.2.2 Propostas de Acção no Sentido da Mudança …..………….….….. 4 O Ensino CTS e a Promoção da Literacia Científica …………...……………...

4.1 CTS na Escola – Que Obstáculos? ………………………...………….……. 5 Alguns Temas de Ciência para o Público …………………...…….……………

5.1 “Buraco do Ozono” ………………………………………..…………………... 5.2 Efeito Estufa ………………………………………………..…………….……. 5.3 Chuvas Ácidas ………………………………………………..……………….. 5.4 Radiações Ionizantes ………………………………………...……………….. 5.5 Derrame de Óleos a Propósito do Acidente com o “Prestige” …………….

1 3 7 9 10 11 13 15 15 15 18 20 24 28 28 29 30 31 33 36 36 38 40 41 43 43 49 51 55 58 61 64 64 71 77 82 94

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CAPÍTULO III – DESCRIÇÃO DO ESTUDO ………………….…….………………

Introdução ………………………………………………………………...………… 6 Metodologia de investigação …………………………………………………...…

6.1 Selecção e caracterização do Universo em estudo ……………………..… 6.2 Selecção da amostra produtora de dados ………………………………..… 6.3 Caracterização da amostra produtora de dados …………………….…….. 6.4 Selecção da técnica e do instrumento de recolha de dados ……...……… 6.5 Concepção do instrumento de recolha de dados ……………...…………... 6.6 Validação do questionário ……………………………………...…………….. 6.7 Administração do questionário …………………………………...……..…… 6.8 Limitações do questionário …………………………………...…………..…..

CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS RESULTADOS …………..……………………… Introdução …………………………………………………………………...……… Discussão dos resultados ……………………………………….…………….…..

CAPÍTULO V – REFLEXÕES FINAIS ……………………………….…..……….…. Introdução …………………………………………………………….…………….. Conclusões …………………………………………………..…………………….. Limitações do estudo realizado …………………………………...…….……….. Recomendações para pesquisas posteriores ……………………...…………...

BIBLIOGRAFIA …………………………………………………………………….….. ANEXO .…………………………………………………………………………………

102 104 105 105 105 105 108 108 109 109 110 111 113 114 155 157 158 160 160 161 173

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“O cidadão precisa de entender as grandes questões que se põem à Ciência na época contemporânea. Porque é no presente que se decide, embora a acção se desenvolva necessariamente no futuro. A solidariedade entre o presente e o futuro depende assim, criticamente, do exercício pleno da cidadania.”

João Caraça, 2002

“O desafio último de criar uma sociedade cientificamente letrada e apta a lidar com a Ciência parece constituir a tarefa de quem ensina Ciência.”

Canavarro, 1997

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INTRODUÇÃO A importância atribuída nas últimas décadas à questão da cultura científica é

indissociável da influência da Ciência e da Tecnologia na sociedade contemporânea. De facto, numa época em que se caminha aceleradamente para uma sociedade tecnológica e cientificamente avançada, a promoção da compreensão pública da Ciência constitui um objectivo de reconhecida necessidade em todo o mundo, tanto maior quanto maior é o défice das populações no acesso à informação e cultura (Caldeira, 2006).

As razões frequentemente invocadas para justificar o interesse dessa compreensão alargada são múltiplas. Universalismo cultural ou procura de legitimação, imperativo democrático, forma de melhorar o ensino ou necessidade de qualificação das populações, são alguns dos exemplos habituais. Seja qual for o motivo que se apresente, é um facto que se deve procurar tornar as decisões públicas mais democráticas através da participação alargada das populações e, em simultâneo, mais informadas através do apoio em conhecimentos científicos.

É que, se por um lado, o desenvolvimento científico e tecnológico trouxe melhores condições de vida para a população mundial, por outro, arrastou consigo controvérsias de diversa ordem, fruto desse mesmo desenvolvimento, tais como a rarefacção da camada de ozono na estratosfera, a proliferação de armamento nuclear, o aparecimento de doenças fatais como a BSE, ou o cancro, a manipulação genética e a possibilidade de clonagem humana, o aborto, entre muitos outros. Do ponto de vista do público em geral, estes problemas decorrentes do progresso da Ciência e da Tecnologia são muitas vezes vistos como ameaças ao bem estar, e ocasionam a descrença no valor da Ciência e favorecem o aparecimento de atitudes contra a Ciência, de incompreensão, de medo do futuro e de sentimentos de impotência. Consequentemente, assiste-se, por vezes, ao refúgio na indiferença perante os problemas, ao relegar para os outros as tomadas de decisão, ao transferir sistematicamente a culpa para outrém, com a consequente desresponsabilização na esfera da intervenção social quando se trata de problemáticas que envolvem questões científicas e tecnológicas (Pereira, 2002).

Há que considerar que o conhecimento científico se tornou cada vez mais complexo e especializado (Caldeira et al., 2007) e, como tal, inacessível ao público em geral. Como se poderá pois, pedir ao cidadão comum que tome posição, por exemplo, relativamente às medidas que foram empreendidas na recente catástrofe ecológica causada na Galiza pelo petroleiro Prestige?! O cidadão, não especialista, é provavelmente incapaz de decidir se os conhecimentos sobre correntes marítimas, sobre o fundo oceânico, sobre as características estruturais do petroleiro, e sobre o petróleo que transportava, permitem afirmar que foi apropriada a decisão de transportá-lo na direcção que se tomou (Caldeira et al., 2007). Por isso, ele entrega frequentemente nas mãos dos peritos tais decisões, a cuja opinião só poderá aceder através dos meios de comunicação social. De facto, o papel dos peritos e sua actuação como assessores em problemas com relevância social é um dos temas que ocupam a União Europeia, reclamando maior transparência e democratização em todas as fases da sua actuação e reduzindo a distância entre os técnicos e os cidadãos (Comissão das Comunidades Europeias, 2001).

Mas, como poderão os cidadãos intervir na tomada de decisões que conduzam a um desenvolvimento sustentável, se não detiverem um grau de alfabetização científica básica?! A cultura científica representa hoje uma condição indispensável de cidadania, pois entende-se que níveis mais elevados de cultura científica determinam níveis mais elevados de compreensão da Ciência. A construção de uma relação de confiança entre a Ciência e os seus públicos passará, assim, quer por um reforço da sua cultura

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científica no sentido tradicional, de acesso à informação originada no mundo da Ciência, quer por novas formas de participação informada em instâncias de decisão e debates públicos (Gonçalves, 2000).

A presença e infiltração da Ciência é não só cada vez maior na sociedade em geral, como se destaca na esfera comunicacional, onde se encontram referências crescentes às Ciências e às Tecnologias e às suas aplicações e consequências. A divulgação científica assume aqui um papel fundamental, conducente à tão proclamada literacia científica considerada condição primordial para uma intervenção activa e consciente do cidadão em geral.

Mas, nem a própria designação de literacia científica é isenta de problemas e, a agravar, está o problema da desigualdade de acesso à Ciência …

Na actualidade, o alastramento da presença da Ciência na vida social vem acompanhada de uma variedade de concepções, atitudes e tomadas de posição. Urge conhecê-las para que, de algum modo, se possa compreender a ligação entre Ciência, cultura e sociedade.

E a importância da identificação dessas concepções decorre do facto de nelas se fundarem atitudes e comportamentos que importa, nuns casos, incentivar e desenvolver e, noutros, inibir ou modificar (Abreu, 1999).

Neste contexto, para compreendermos a realidade que nos envolve, é importante possuirmos uma concepção adequada do que é a Ciência, dos processos que os cientistas utilizam nas suas actividades de investigação, do valor das descobertas científicas e dos limites da sua utilização. O acesso a uma visão mais objectiva, mais “crítica” e menos “mítica”, da Ciência permitir-nos-á uma fruição mais qualificada, mais eficaz e mais prudente das descobertas científicas e das produções tecnológicas (Abreu, 1999).

Em sociedades onde a opinião pública tem lugar de destaque e em que os resultados oriundos do desenvolvimento científico-tecnológico fazem parte do quotidiano dos cidadãos, a educação em Ciência assume um papel de relevo e deve fazer parte da formação de todos.

A educação em Ciência, formal e não formal, deve orientar-se por princípios de literacia científica e ajudar a cultivar em cada um o gosto pela Ciência e pela importância desta no bem-estar e desenvolvimento humanos (Martins, 2006). Fomentar nos jovens o gosto por aprender Ciência implica necessariamente uma educação científica formal perspectivada segundo orientações CTS.

O ensino da Ciência deve radicar-se na preparação de alunos, futuros cidadãos, letrados cientificamente e capazes do exercício pleno de cidadania democrática. Por isso, reveste-se de uma importância fulcral estudar a forma como é ensinada a Ciência pela classe dos professores que detém uma quota parte importante de responsabilidade na formação de futuros cidadãos e que contribui, pela positiva ou negativa, para a formação de uma mentalidade problematizadora e de uma atitude crítica indispensáveis nos dias de hoje.

O processo de tornar compreensível a Ciência pelo público deve, pois começar na escola e o papel dos professores é fundamental nesse sentido.

Mas, o que se aprende na escola é essencial para que o cidadão comum seja no mínimo letrado cientificamente e capaz de se manter actualizado, não só quanto a conhecimentos, como e também quanto a desenvolvimento de capacidades? Que papel tem a educação científica formal na formação do cidadão em geral? O papel do professor, neste sentido, é de extrema relevância, e as actuais orientações CTS apontam nessa direcção. Porém, serão os professores capazes de o fazer?! Estarão bem preparados para isso?! Haverá muitos professores a seguir estas orientações CTS?

Pelos estudos realizados para avaliar o grau de literacia científica detido, constata-se que os portugueses têm consciência do défice de cultura científica que apresentam, não só sobre o grau de informação acerca das recentes descobertas científicas e sobre as invenções e novas tecnologias, como e também sobre o grau de

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conhecimento de Ciência. Muitos dos inquiridos afirmam ter fracos ou muito fracos conhecimentos sobre a Ciência, com um número elevado a ambicionar melhorar esses mesmos conhecimentos. Este desejo de melhoria de conhecimentos científicos acentua-se com o grau de escolaridade e diminui com a idade (OCT, 2000). No estudo internacional PISA 2003 (Programme for International Student Assessment), Portugal encontra-se entre os países com resultados significativamente mais baixos do que a média da OCDE e muito distanciado dos países que obtiveram melhores classificações médias (Ramalho, 2004). Pelo estudo levado a cabo por Costa et al. (2002), é possível afirmar que a proximidade à Ciência está bastante relacionada com o nível de ensino, e que, de um modo geral, quanto mais elevado o grau de instrução, maior o peso dos perfis mais próximos da Ciência. Como justificar então níveis tão baixos de literacia científica nos estudos como PISA e Inquérito à Cultura Científica dos Portugueses 2000, por exemplo? Afinal qual o papel que actualmente a educação científica formal está a ter na formação do cidadão em geral? Qual a preparação dos docentes relativamente a problemáticas ou controvérsias de interesse para o público em geral? Que hábitos desenvolvem no sentido da sua própria actualização? Que concepções norteiam a actividade por eles sistematizada na sala de aula de Ciências?

Parece estar-se perante situações contraditórias… Por um lado, as orientações CTS nos curricula das disciplinas de Ciências já estão em curso há algum tempo, por outro, há cada vez mais meios de divulgação científica ao alcance do público, mas os estudos realizados indicam baixos níveis de literacia científica e uma avidez significativa pela detenção de um maior conhecimento acerca da Ciência. Por isso, a compreensão destes factos contraditórios impõe que se investigue a forma como os professores concebem e divulgam a Ciência ao aluno, futuro cidadão detentor, no mínimo, de uma alfabetização científica básica que deverá reflectir-se nos estudos de avaliação do grau de literacia científica.

Neste sentido, procurou-se realizar um estudo que descrevesse o modo como um grupo específico da população escolar portuguesa – os professores - concebe a Ciência e onde fosse possível compreender não só a influência dessas concepções na actividade docente, como e também conhecer os hábitos e o nível de conhecimentos científicos que tais docentes detêm para cumprir os curricula seguindo orientações CTS como se prevê.

Como agentes com uma quota parte de responsabilidade na divulgação da Ciência, os professores fazem parte, antes de mais, do público em geral. Como tal, para se estudar a forma como o público compreende a Ciência, é necessário perceber não só o modo como os docentes concebem a Ciência, como e também a forma como a divulgam e os factores que a afectam. Deste modo, a investigação a desenvolver em torno do tema Compreensão Pública da Ciência é sistematicamente orientada numa perspectiva do ensino científico em Portugal. A relação com a formação de professores emergiu do facto de os alunos serem os cidadãos do futuro, e de o processo de tornar compreensível a Ciência pelo público dever começar na escola, sendo o perfil dos professores muito importante nesse sentido.

As motivações que levaram ao desenvolvimento de uma investigação neste domínio prendem-se não só com o que acima foi referido, como e também com factores de ordem profissional, na medida em que este tema se enquadra e se encontra intimamente ligado com a área que a mestranda escolheu profissionalmente – o ensino da Ciência, em particular o ensino da Física e da Química –, pelo que se reveste de uma importância fulcral para o evoluir da sua formação e prática docente.

Decorrente da escolha do tema, definiram-se os objectivos e as finalidades do estudo a efectuar. Assim, são objectivos específicos deste estudo:

Conhecer como os docentes concebem a Ciência e o seu ensino; Saber se as concepções sobre o que é a Ciência e a natureza do

conhecimento científico dos professores interferem na sua prática pedagógica, nomeadamente na forma como ensinam e divulgam a Ciência;

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Conhecer os hábitos dos professores de Ciências na procura de actualização de conhecimentos;

Conhecer o nível de conhecimentos dos professores de Ciências sobre factos do quotidiano ligados a problemáticas ou controvérsias que implicam conhecimentos científicos;

Detectar possíveis concepções alternativas dos professores de Ciências aquando do questionamento de temas actuais, de âmbito científico e de cariz marcadamente de tipo CTS.

No que concerne às finalidades do estudo, pretende-se: Fazer reflectir os docentes sobre a forma como concebem e ensinam a

Ciência; Contribuir para a melhoria da qualidade do ensino da Ciência.

Optou-se por organizar este trabalho em cinco capítulos. No capítulo I, apresenta-se o problema central em torno do qual a investigação

será feita, os respectivos objectivos a atingir, bem como a organização global do estudo a efectuar.

O capítulo II diz respeito à fundamentação teórica e, ao longo dele, é apresentada uma revisão da literatura, suporte do questionário elaborado e que justifica a investigação desenvolvida. Inicialmente, é feita uma abordagem conceptual e histórica sobre divulgação científica no âmbito da temática compreensão pública da Ciência. Posteriormente, tecem-se algumas considerações a respeito das concepções dos professores sobre Ciência e a natureza do conhecimento científico. Em seguida, aborda-se a importância da literacia científica e de um ensino de orientação CTS para a educação em Ciência. O capítulo termina com a apresentação de alguns temas na ordem do dia e com interesse para o cidadão geral.

No capítulo III descrevem-se e fundamentam-se as opções metodológicas que foram tomadas a fim de responder ao problema da investigação em causa e atingir os objectivos definidos. No sentido de facilitar a leitura dos procedimentos tomados, o capítulo foi dividido em duas partes. Na primeira parte é feita uma descrição do estudo conduzido e a segunda é relativa à metodologia de recolha de dados.

As questões e objectivos do instrumento de trabalho utilizado, bem como os resultados obtidos para cada uma delas e respectiva análise são apresentados no capítulo IV.

No capítulo V é feita uma reflexão final sobre o estudo desenvolvido e uma síntese das principais conclusões resultantes do projecto. Por fim são apresentadas algumas limitações do estudo levado a cabo e, consequentemente, propostas algumas recomendações para pesquisas posteriores neste âmbito.

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CAPÍTULO I

PLANIFICAÇÃO DO TRABALHO

“A Educação em Ciências é, hoje em dia, uma componente cada vez mais inquestionável da formação dos indivíduos, assumindo muitos dos seus defensores que não é possível ser-se culto sendo inculto do ponto de vista científico.”

Martins e Alcântara, 2000

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INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a Humanidade tem assistido a uma crescente presença da Ciência, constituindo esta, um dos aspectos preponderantes da cultura contemporânea. Por isso, é hoje clara a importância de uma adequada cultura científica/tecnológica e coloca-se, em toda a sua pertinência, a questão de uma adequada Educação em Ciência no âmbito da educação formal, não-formal e mesmo informal (Cachapuz, Praia e Jorge, 2002).

A Educação em Ciências é, hoje em dia, uma componente cada vez mais inquestionável da formação dos indivíduos, assumindo muitos dos seus defensores que não é possível ser-se culto sendo inculto do ponto de vista científico (Martins e Alcântara, 2000). É, por isso, essencial nortear o ensino numa perspectiva CTS que conduza a uma sociedade futura cientificamente letrada. Planificar e coordenar a actividade docente com vista à consecução dos objectivos referidos, é uma tarefa que urge empreender …

Neste capítulo, apresenta-se o problema central em torno do qual a investigação será feita, os respectivos objectivos a atingir, bem como a organização global do estudo a efectuar.

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DEFINIÇÃO DO PROBLEMA As questões desta investigação são basicamente as seguintes: Como é que os professores concebem a Ciência e o seu ensino? Qual a influência dessas concepções na sua actividade docente? Qual o estado de formação dos professores no que diz respeito a incorporar temáticas ligadas ao quotidiano numa perspectiva para a cidadania?

Para a concretização dos objectivos e finalidades desta investigação, desenvolveu-se um estudo, cuja organização se encontra evidenciada no esquema da figura 1.

Figura 1 – Organização global do estudo

Tema

Problema a investigar Como é que os professores concebem a Ciência, qual a influência dessas concepções na actividade docente e qual o seu estado de formação a incorporar temáticas ligadas ao quotidiano numa perspectiva para a cidadania?

Objectivos do estudo

Revisão da literatura

Construção do modelo de análise

Universo Amostra

Instrumento de recolha de dados

Análise dos dados recolhidos

Discussão de

resultados

Elaboração de

conclusões

• Limitações • Pesquisas

posteriores

Tema Compreensão Pública da Ciência e

Formação de Professores

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CAPÍTULO II

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

“Divulgar Ciência ajuda a melhorar a educação. A divulgação atrai os jovens para o convívio no meio científico e ajuda a desmistificar conceitos equívocos sobre o papel do cientista.”

Costa , 2006

“As concepções que os professores têm acerca dos conteúdos a ensinar e acerca dos seus alunos são influências importantes na forma como ensinam. “

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Hewson, Kerby e Cook, 1995

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INTRODUÇÃO

A divulgação científica assume um papel primordial ao levar ao grande público, além da notícia e interpretação dos progressos que a investigação vai realizando, as observações que procuram familiarizar esse público com a natureza do trabalho da Ciência e a vida dos cientistas.

O recurso crescente à Ciência e à Tecnologia impõe, ao cidadão comum, o confronto sistemático com problemas sócio-científicos e uma participação activa na sua resolução. A educação científica deve pois adaptar-se às exigências da sociedade e permitir aos indivíduos pensar e agir de forma democrática e independente.

O desafio último de criar uma sociedade cientificamente letrada e apta a lidar com a Ciência parece constituir a tarefa de quem ensina Ciência. Como chegar a este objectivo, em termos de conteúdos ou de processos, tem sido uma temática importante e vastíssima de discussão (Canavarro, 1997).

Em Portugal, o processo de reforma curricular que actualmente está a ocorrer apresenta propostas inovadoras para o ensino das Ciências segundo uma visão construtivista, valorizando a resolução de problemas e promovendo uma aprendizagem de âmbito CTS, tendo em vista a literacia científica dos alunos (Martins e Caldeira, 2001). Este tipo de ensino está de acordo com os estudos que têm vindo a ser desenvolvidos, (..), à escala internacional, sobre as finalidades da educação científica e que apontam para curricula que enfatizem a discussão de questões sócio-científicas, promovendo não só a alfabetização científica e tecnológica mas também a alfabetização cívica e cultural (Santos, 2004).

Os professores que ensinam Ciências formam ideias sobre a natureza da Ciência e do seu ensino a partir de experiências que tiveram como alunos e como professores, das atitudes que tomaram, do conhecimento que construíram; ou seja, das influências sócio-culturais que sofreram durante as suas trajectórias e que se vão formando progressivamente. Por isso, este deve ser o ponto de partida para qualquer estudo levado a cabo sobre concepções de professores. E, se o objectivo é melhorar o ensino através de uma melhor qualificação do professor, torna-se inevitável aproximar-se e conhecer as suas concepções (Canavarro, 1997).

Segundo Aikenhead (2002), a compreensão do professor é a maior componente no desenvolvimento com sucesso de um currículo CTS. E um currículo com esta orientação prepara alunos potenciais cidadãos letrados cientificamente. O processo de tornar compreensível a Ciência pelo público deve, pois começar na escola e o papel dos professores é fundamental nesse sentido. Mas, estarão os professores preparados para isto?! Qual a sua preparação relativamente a problemáticas ou controvérsias de interesse para o público em geral?! Que hábitos desenvolvem no sentido da sua própria actualização?! Que concepções norteiam a actividade por eles sistematizada na sala de aula de Ciências?! Com a investigação realizada tentou-se assim encontrar as respostas a estas e outras questões, cuja fundamentação teórica se encontra neste capítulo.

Neste capítulo faz-se a fundamentação da relevância do tema da investigação e das opções tomadas ao longo dela. A sua organização foi feita com base em 5 sub-temas:

Comunicar Ciência no século XXI Concepções em Ciência Ensino da Ciência e Literacia científica O ensino CTS e a promoção da literacia científica Alguns temas de Ciência para o público

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Todos estes sub-temas se inter-relacionam, sendo apenas por razões de facilidade de organização que se distinguiram.

No primeiro sub-tema a ser tratado é feita uma abordagem conceptual e histórica sobre divulgação científica no âmbito da temática compreensão pública da Ciência. Posteriormente, tecem-se algumas considerações a respeito das concepções dos professores sobre Ciência e a natureza do conhecimento científico. Em seguida, aborda-se a importância da literacia científica e de um ensino de orientação CTSA para a educação em Ciência. O capítulo termina com a apresentação de alguns temas na ordem do dia e com interesse para o cidadão geral.

Para além disso, ao longo de todo o trabalho apresenta-se uma revisão da literatura, suporte do questionário elaborado e que justifica a investigação desenvolvida.

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1. COMUNICAR CIÊNCIA NO SÉCULO XXI 1.1 CONCEITO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

Divulgação científica corresponde ao acto ou efeito de divulgar/propagar Ciência (Kreinz e Pavan, 2000 a). Fazendo a análise das duas palavras em separado, verifica-se que o termo divulgação (em Latim divulgatio), correspondente ao acto ou efeito de tornar público (Guedes, 2006), deriva do vocábulo vulgo, que significa o povo, a plebe (classe inferior da sociedade), e que o termo científico (do Latim scientia+facere) deriva do vocábulo ciência (do Latim scire significa conhecer) (Amorim et al., 1960). Deste modo, pode constatar-se que embora a actividade de divulgar Ciência carregue em si mesma duas ideias opostas, na medida em que o termo divulgação aparece associado ao povo, à plebe, logo à secundariedade, ao desprestígio, por oposição ao termo científico ligado à ideia de primazia, de prestígio (Kreinz e Pavan, 2000 a), ela tem uma finalidade importante pois pretende tornar acessível ao público leigo conhecimentos que à partida lhe poderiam estar vedados.

Há diferentes expressões terminológicas que conceituam a actividade de divulgar Ciência. Assim, por exemplo, no espaço anglo-saxónico, a divulgação científica é conhecida por ciência popular, mas já na esfera de influência saxónica, é conhecida por vulgarização científica (Costa et al., 2002), ou popularização da Ciência, ou ainda compreensão pública da Ciência (PUS) (sigla que deriva do Inglês Public Understanding of Science) .

É frequente o termo difusão surgir como sinónimo do termo divulgação. Porém, para Carrera, docente universitário, há uma clara distinção entre estes dois conceitos. Assim, na opinião deste docente, a palavra difusão deve usar-se quando se está a reportar à comunicação da Ciência dentro das academias, fazendo uso de uma linguagem específica e demasiado especializada, e divulgação quando se está a referir à comunicação à sociedade, onde há necessidade de dar ao público uma informação geral, não especializada, característica da divulgação (Comunicação, disponível em Maio de 2003). No sentido de ultrapassar esta ambiguidade que se pode gerar em torno destas duas designações, usa-se, com alguma frequência, a designação difusão social como sinónimo de divulgação.

Para Felt (2000), “divulgação científica” ou “democratização da Ciência”, ou “mise en culture de la science”, entre outros, são estereótipos retóricos que encerram a ideia de que o conhecimento científico deveria ser colocado à disposição daqueles que estão fora do contexto directo da produção e da validação desse conhecimento.

1.2 QUANDO SURGIU E PARA QUE SERVE A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA?

A data em que surgiu a divulgação científica tem sido objecto de discussão (Kreinz e Pavan, 2000 b). Por vezes considerada um fenómeno relativamente recente, data, segundo Morris (1966), de há muito tempo atrás, pois, como justifica, já em 3000 A. C., um médico egípcio terá divulgado como tratar de uma pessoa que quebrara o nariz. Contudo, há quem situe o início da divulgação científica no século XVII, quando começou a surgir a Ciência moderna e o conhecimento dos sistemas do mundo passou a fazer parte da educação das pessoas (Kreinz e Pavan, 2000 b). Há ainda quem julgue que esse “esforço de espalhar Ciência” ocorreu em 1830 em França, uma vez que se pensa que aí terão aparecido os primeiros livros mais orientados para a Ciência (“chamados para a ciência”). Outros investigadores defendem que a divulgação científica encontra as suas raízes na época dos sofistas, pois, embora não

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ensinassem especificamente a Ciência, ensinavam a arte de pensar e de duvidar (Kreinz e Pavan, 2000 b). Por isso se diz que os sofistas dessa época e os modernos divulgadores de Ciência têm em comum o facto de se empenharem em mobilizar na população o conhecimento, qualquer que ele seja.

Nos finais do século XVIII e no século XIX, no contexto da revolução industrial, os cientistas foram chamados a responder a uma procura popular crescente numa Europa fascinada pelas “maravilhas da indústria” (Gonçalves, 2000). Por essa mesma época, nos Estados Unidos, divulgadores profissionais viajavam através do país falando sobre tópicos científicos, acompanhados por demonstrações sofisticadas e espectaculares. As origens da popularização da Ciência ficaram assim associadas ao carácter lúdico da descoberta e da explicação que constitui uma das fontes de sedução exercida pela Ciência (Caldeira, 2006). Porém, a Ciência no século XIX estava ainda limitada aos seus artífices e a uma reduzida aristocracia, constituindo-se por isso como um privilégio de uma elite …

Com o aumento da escolarização, cresceu o interesse do público por assuntos de Ciência, pelo que muitos jornais passaram a incluí-los nas suas redacções. Por exemplo, aquando do lançamento do primeiro sputnik, duplicou o espaço dedicado à informação científica, que por vezes se infiltrou nas primeiras páginas dos jornais. Em alguns países, diferenciou-se uma espécie de repórter científico, que não era mais do que um jornalista dedicado à redacção da informação científica que ía chegando. Todavia, a infiltração da Ciência no jornalismo puro não foi tarefa fácil, tendo por um lado os jornalistas muito preocupados com os aspectos sensacionais da Ciência e, por outro, os cientistas demasiadamente zelosos quanto à precisão da informação (Kreinz e Pavan, 2000 b). Com os progressos operados na própria imprensa e na mentalidade dos cientistas, chegou-se a um entendimento entre ambas as partes, entendimento esse que levou o cientista a procurar frequentemente a redacção dos jornais e a assumir o encargo sobre a Ciência a ser difundida para o grande público. A partir desta altura, os cientistas passaram a ser «…verdadeiros apóstolos da disseminação da Ciência e do amplo debate das suas implicações políticas, económicas e sociais.» (Kreinz e Pavan, 2000 b).

A divulgação científica radicou-se como propósito de levar ao grande público, além da notícia e interpretação dos progressos que a investigação vai realizando, as observações que procuram familiarizar esse público com a natureza do trabalho da Ciência e a vida dos cientistas. Deste modo, e por exemplo nos países que ainda procuram o desenvolvimento, a Ciência que é divulgada nos jornais encontra muitos consumidores que a ela não teriam fácil acesso.

Assim conceituada, a divulgação científica ganhou grande expansão em muitos países, não só na imprensa mas também em livros e revistas e em outros meios de comunicação social.

Uma das várias possibilidades de divulgar a Ciência e de a fazer chegar ao público em geral emergiu, a nível europeu, com a criação das lojas de ciência (Pereira, 2002). Estas constituem uma excelente forma de mediação entre a Ciência e a Tecnologia e o público em geral, na medida em que assentam na possibilidade de cidadãos e grupos de cidadãos recorrerem, através destas instituições, aos serviços de investigadores sempre que tenham um problema a resolver.

Outras tentativas de estabelecer a mediação entre Ciência, Tecnologia e o público passam pelas campanhas de informação e de esclarecimento sobre problemas socio-científicos (Pereira, 2002).

A compreensão da Ciência pelo público passou a ser fundamental, de tal modo que levou à criação de uma área relativamente recente de investigação que se dedica, em exclusivo, ao estudo da forma como o público entende e encara a Ciência. A importância desta área levou mesmo à publicação de uma revista especializada, a Public Understanding of Science, e à publicação de um vasto conjunto de trabalhos que toma as crenças sobre Ciência das pessoas em geral como objecto de estudo e

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que é actualmente agrupado sob a designação de “estudos sobre a compreensão da Ciência pelo público”.

Layton (1973) afirma que no discurso científico sempre se encontraram referências ao público e à sociedade e que a Ciência desde sempre se preocupou com a aceitação pública, daí que não é de estranhar o aparecimento e a consolidação de uma área de investigação como a PUS (Public Understanding of Science). Porém, somente em meados da década de 1980 é que esta área atingiu um estatuto institucional, uma vez que nessa época se começou a desenvolver investigação sistematizada ao nível da forma, dos conteúdos e dos processos envolvidos na compreensão e entendimento público de questões científicas.

Há três tipos de áreas que têm vindo a ser desenvolvidas ao nível da investigação em Compreensão Pública da Ciência (Canavarro, 1997):

1. Estudos de amostras seleccionadas do público, como o TIMSS –Third International Math and Science Study, ou o Inquérito à Cultura Científica dos portugueses, cujo principal objectivo é avaliar os níveis de conhecimento científico e as atitudes e crenças face à Ciência de uma determinada população;

2. Avaliação dos modelos mentais do público em geral acerca dos processos, objecto do conhecimento científico.

3. Trabalho de campo, de natureza qualitativa, acerca da contextualização pública da Ciência, acerca da forma como as pessoas em contextos sociais diferenciados constróem e atribuem significado à Ciência.

Muito embora tenham sido desenvolvidas estas três áreas, de acordo com aquele

autor somente as duas primeiras têm assumido um papel dominante em PUS. Os estudos feitos com amostras seleccionadas do público tiveram início nos

Estados Unidos da América. O primeiro estudo que, de acordo com Miller (1992), contempla as dimensões necessárias para medir o nível de cultura científica do público, foi realizado em 1979, pela National Science Foundation. Mais tarde, na Europa, o Eurobarómetro promoveu em 1989 a realização do primeiro inquérito nesta área, o qual teve uma segunda aplicação em 1992 (Ávila et al., 2000) .

Em Portugal, passou a ser da responsabilidade do OCT (Observatório das Ciências e das Tecnologias) a realização do Inquérito à Cultura Científica dos Portugueses, que assegurou a sua continuidade após a suspensão da sua aplicação na Europa, facto este que decorre da “inquestionável importância da realização regular destes inquéritos em Portugal e da necessidade imperiosa de conhecer a cultura científica dos portugueses” (OCT, 1998:10).

Nos outros países, o argumento central utilizado pelos que procuram legitimar e promover estas pesquisas desenvolve-se em torno da ideia de que o domínio, por parte dos cidadãos, de conceitos e conhecimentos básicos sobre a Ciência é fundamental nas sociedades democráticas, pois só assim poderá haver lugar a uma efectiva participação política do público. A compreensão e o conhecimento da Ciência são entendidos como competências importantes para a vida quotidiana dos cidadãos, justificando a necessidade da sua educação neste domínio (Ávila et al., 2000).

Um segundo argumento para a realização destes estudos decorre de se entender que a compreensão da Ciência pelo público é imprescindível para assegurar o alargamento da base social de apoio de que a Ciência necessita para o seu desenvolvimento. Este argumento decorre do facto de a Ciência se ter entretanto tornado um “problema social” (Costa, 1996), na medida em que, ao mesmo tempo que se infiltra em todas as esferas da sociedade, suscita movimentos de contestação junto de uma opinião pública que cada vez está mais atenta às eventuais consequências negativas que resultam das aplicações científicas.

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1.3 DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA EM PORTUGAL

No século XIX, Portugal já acompanhava os progressos da Ciência e da tecnologia, que íam sendo realizados nos outros países europeus, pois a elite económica, científica e política tinha consciência de que o desenvolvimento económico do país dependia em grande parte da introdução de novas tecnologias e processos de fabrico e cultivo das terras. Por esse motivo, os membros da elite envolveram-se em iniciativas editoriais, publicando jornais e revistas que procuravam atingir um largo estrato da população, e fizeram parte de sociedades, associações e academias que visavam a produção e aplicação de conhecimentos científicos e técnicos e a instrução da população. Também os cursos e as conferências científicas e pedagógicas, por exemplo, se constituíram como modos pelos quais se procurou atingir um público alargado.

Ainda no final do século XVIII apareceram, em Portugal, as academias científicas (como a Academia Real das Ciências de Lisboa, fundada em 1779) e, já no século XIX, as sociedades económicas (como a Sociedade Promotora da Indústria Nacional, criada em 1822), cujos objectivos prioritários eram, entre outros, a divulgação de novos conhecimentos científicos e técnicos. Foram então publicados periódicos divulgadores da Ciência e da técnica como, por exemplo, O Panorama.

Entretanto estas instituições foram estabelecendo contactos com outras. Por exemplo, a Academia Real das Ciências de Lisboa estabelecia contactos com outras instituições e isso facilitava a actualização e divulgação de conhecimentos, uma vez que esta recebia os principais periódicos científicos que na altura eram publicados a nível mundial, bem como algumas obras monográficas. Refiram-se, como exemplo, os Proceedings editados pela Academia Americana das Artes e Ciências (Boston), o Journal mensuel editado pela Academia Nacional, Agrícola, Manufactura e Comercial de Paris, o Boletin da Academia Real das Ciências Naturais e Artes de Barcelona ou a Revista de los progresos de las ciências editada pela Academia das Ciências de Madrid. O estudo sistemático das publicações recebidas por esta e outras instituições poderá contribuir para perceber a forma como, no século XIX, Portugal se integrou no processo de "mundialização da ciência" (Matos, 2000).

No século XIX assistiu-se a um enorme alargamento do âmbito de difusão do interesse pela Ciência. Este alargamento ocorreu, segundo Bensaude-Vincent (2001), em sintonia com a ideia, difundida nos países mais avançados, de que a Ciência estaria ao alcance de todos, num quadro de literacia tendencialmente generalizada, e traduziu-se na proliferação de actividades de divulgação da Ciência, através de conferências e exposições, museus e observatórios, jardins botânicos e zoológicos e publicações de livros e revistas nesta área.

Em Portugal, durante o século XIX, a circulação da informação no sentido horizontal, ou seja entre a elite científica, política e económica do país e a elite dos outros países, foi relativamente fácil e constante. O problema colocava-se na divulgação e circulação vertical dessa informação, pelas elevadas taxas de analfabetismo existentes no país, uma vez que a informação dificilmente era apreendida pelos estrados mais baixos e com menos instrução (Matos, 2000).

No sentido de ultrapassar tal dificuldade, surgiram publicações como os Almanaques Populares (1848-1851), onde se procurou colocar, à disposição de um maior número de pessoas, conhecimentos úteis e alguma informação científica redigida numa linguagem acessível. A partir da década de 40, proliferou a publicação de obras monográficas, fruto da necessidade da divulgação de conhecimentos e da possibilidade de produção de livros a preços reduzidos. Para além disto, foram organizadas exposições agrícolas e/ou industriais a nível local, regional, nacional ou internacional, e criadas bibliotecas populares em cada capital de concelho, onde se poderiam encontrar obras de conhecimento geral e de conhecimento que hoje se

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designaria por científico. Estas dispunham de imagens para que a transmissão de conhecimentos fosse mais fácil de assimilar pela a população leiga ou com fracos conhecimentos científicos.

As exposições universais constituíram, na segunda metade do século XIX, um dos meios da mundialização da Ciência.

Um outro meio de divulgação de Ciência e técnica, já reconhecido no século XVIII como tendo valor cultural, político e pedagógico, foi a actividade museológica (Caldeira, 2006). O Museu da Física da Universidade de Coimbra é disso um exemplo.

Na segunda metade do século XX, a preocupação com o acesso do público em geral ao conhecimento científico e técnico é ampliada, para além das esferas académicas, aos campos políticos e económico.

Na década de 90, é implementado um conjunto de acções com vista à divulgação da Ciência e ao apoio e incentivo do ensino experimental das Ciências nas escolas desde o ensino primário. Assim, em Junho de 1996, o Ministério da Ciência e Tecnologia cria o Programa Ciência Viva considerado o maior contributo feito, em Portugal, em prole de uma verdadeira educação científica dos cidadãos. Em 1999, foi criada a Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva, estrutura para a execução do Programa Ciência Viva, organizado essencialmente em torno de três eixos de acção:

1. um programa - Ciência Viva na Escola - de apoio ao ensino experimental das Ciências e à promoção da cultura científica nas escolas, cujos instrumentos de acção são: a realização anual de um concurso nacional de projectos de Educação Científica, um programa de geminação de escolas com instituições científicas, e um programa de ocupação científica de jovens em laboratórios e unidades de investigação. O Programa de Ocupação Científica dos Jovens nas Férias, iniciado em 1997, é disso um exemplo.

2. uma rede nacional de Centros Ciência Viva (Centros Ciência Viva, 2007),

concebidos como espaços interactivos de divulgação científica para a população em geral, mas também como plataformas de desenvolvimento regional - científico, cultural, económico, através do envolvimento dos actores regionais mais activos nestas áreas. O Exploratório Infante D. Henrique, por exemplo, que foi inaugurado em 1995, integrou esta rede, em 1998, e tornou-se o Centro Ciência Viva de Coimbra. Para além deste foram criados outros Centros de Ciência Viva, tais como: o de Faro (o primeiro a ser criado, em 1996), o de Sintra, o de Estremoz, o de Tavira, ode Porto Moniz, o de Constância, o de Amadora, o de Vila do Conde e a Fábrica de Ciência Viva de Aveiro. Em Julho de 1999, foi aberto ao público o Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva, que para além de ser um outro meio de divulgar a Ciência, constitui-se como um outro pólo dinamizador de recursos para toda a rede de Centros Ciência Viva. Nesta mesma data, o Visionarium – Centro de Ciência do Europarque – tornou-se membro associado de Centros Ciência Viva. O Planetário Calouste Gulbenkian passou também a integrar a rede de Centros Ciência Viva.

3. a organização de campanhas nacionais de divulgação científica, estimulando o associativismo científico e proporcionando à população oportunidades de observação de índole científica e de contacto directo e pessoal com especialistas e instituições científicas de diferentes áreas do saber. A astronomia ou a Geologia no Verão são exemplos disso.

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Para além disso, em 1997 e durante algum tempo, realizou-se o Fórum Ciência Viva, que proporcionou não só a possibilidade de apresentar os projectos científicos que íam sendo desenvolvidos, como a troca de experiências e a participação no debate e reflexão em torno das acções em curso. Paralelamente à exposição destes projectos, decorriam conferências e debates, resultando na publicação de um conjunto de reflexões e recomendações relativas às questões que mais afectavam a aprendizagem das Ciências em Portugal. A realização de ciclos de conferências, como o caso de “A Ciência tal qual se faz”, constituiu também um outro meio de divulgar a Ciência em Portugal.

Em Julho de 1999, foi aberto ao público o Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva, que para além de ser um outro meio de divulgar a Ciência, constitui-se como um pólo dinamizador de recursos para toda a rede de Centros Ciência Viva.

1.4 O PÚBLICO FACE À DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

Uma das características das sociedades actuais, marcadas pelas conquistas científicas e técnicas, é o sentimento de insegurança que o grande público experimenta actualmente quanto às consequências da cientifização e tecnologização da sociedade (Pereira, 2002).

Esse sentimento manifesta-se em situações públicas de crise, como o problema das “vacas loucas”, ou da “gripe das aves”, ou no quotidiano. Enquadram-se neste último caso situações em que o público se confronta com algumas notícias veiculadas pelos mass media, sejam elas relativas às novas possibilidades de clonagem humana, ou a alimentos transgénicos, ou a acidentes tecnológicos que ocorreram ou, ainda quando o público se apercebe que, muito próximo de si, está a ocorrer um problema ecológico tal como a co-incineração de resíduos potencialmente tóxicos.

Neste sentido, o grau de conhecimentos científicos pode ser um factor determinante no modo como se é capaz de ajuizar sobre a gravidade de um problema e lidar com os problemas sócio-científicos. Por isso, a importância de uma educação para a Ciência, destinada a todos os cidadãos, de forma a que estes se sintam mais capazes de participar nos debates públicos, é inegável. Contudo, dada a explosão de conhecimentos e dada a rapidez com que não só as descobertas científicas e tecnológicas aparecem, mas também os problemas ambientais, o ensino formal não pode fornecer todos os conhecimentos que um cidadão precisa num dado momento (Pereira, 2002).

O desafio que se coloca às sociedades é o de se encontrarem formas permanentes de comunicação e de informação científica entre cientistas, técnicos e público em geral. Este passa a ser não apenas o de explicar os conceitos técnicos e científicos, mas o de criar formas mais interactivas e dialógicas de comunicar que tenham em conta os contextos da vida real e as experiências e preocupações da sociedade, num processo de aprendizagem colectiva. A expectativa é que o cidadão comum venha a ser confrontado ainda mais com questões de interesse público que requerem níveis crescentes de cultura científica. Esta surge como uma condição cada vez mais decisiva da cidadania (Gonçalves, 2000). Deste modo, reveste-se de inquestionável importância a realização regular de estudos neste âmbito, tendo em conta a necessidade imperiosa de conhecer a cultura científica do público em geral.

Ora, de acordo com os resultados obtidos por vários estudos até aqui efectuados (OCT, 2000), constata-se que uma grande maioria da população portuguesa se considera mal informada sobre os avanços da Ciência e da Tecnologia.

A análise aos resultados obtidos no Inquérito à Cultura Científica dos Portugueses 2000, permite evidenciar, por exemplo, que os portugueses têm consciência do défice de cultura científica que apresentam sobre, não só o grau de informação acerca das recentes descobertas científicas e sobre as invenções e novas tecnologias, como e também sobre o grau de conhecimento de Ciência. De salientar que há 48,7% de

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inquiridos que afirmam ter fracos ou muito fracos conhecimentos sobre a Ciência, com 83,4% a ambicionar melhorar esses mesmos conhecimentos. Este desejo de melhoria de conhecimentos científicos acentua-se com o grau de escolaridade e diminui com a idade.

Estes mesmos resultados parecem traduzir a percepção de uma acentuada distância relativamente à cultura científica, entendida como um domínio de difícil acesso, excessivamente especializado, amplo e complexo. É de salientar que 74,8% dos portugueses inquiridos concebem a Ciência como uma área do conhecimento muito especializada. Desta percentagem, há 43,4% de inquiridos que consideram importante que o público acompanhe os desenvolvimentos científicos e, só 31,4%, entendem ser fundamental que o público participe cada vez mais nas tomadas de decisão sobre as aplicações da Ciência.

Constata-se assim o interesse e abertura à aquisição de conhecimentos científicos por parte da população portuguesa. Porém, verifica-se que há segmentos da população que, embora não muito expressivos percentualmente, se distanciam de forma assumida da cultura científica, avaliam negativamente os seus próprios conhecimentos científicos e não percepcionam a necessidade de os deter para a sua vida quotidiana, nem ambicionam alterar essa situação. De notar que 13,3% dos inquiridos consideram a Ciência como uma área do conhecimento muito especializada e onde apenas os peritos/cientistas se devem ocupar dela.

Da análise das representações e crenças relativas à Ciência e à Tecnologia dá-se conta que aumentou, relativamente ao mesmo estudo realizado em 1997, o número de inquiridos que expressam uma predisposição totalmente favorável relativamente à Ciência, considerando que esta deve ser apoiada pelos governos (mesmo que não produza resultados imediatos), que os benefícios que encerra tendem a superar os eventuais efeitos negativos e, sobretudo, que a maioria dos cientistas deseja trabalhar em áreas que contribuem para a melhoria da vida de todos. Verifica-se ainda uma concordância, com valores expressivos, relativamente a uma crença absoluta na Ciência, sobretudo patente no item referente às consequências negativas do desenvolvimento científico serem sempre superadas por novas invenções.

Do confronto destes resultados com os obtidos em 1997, no mesmo estudo, observa-se ainda, de um modo geral, uma tendência para uma ligeira diminuição do peso dos que perspectivam de forma positiva a investigação científica e as suas consequências. Segundo o Relatório Preliminar feito a este estudo em Julho de 2000, embora o peso daqueles que adoptam uma postura crítica face à Ciência permaneça pouco expressivo, parece começar-se a assistir-se a um ligeiro aumento de algum criticismo face à Ciência. Assim, aliado ao facto de se verificar um aumento do conhecimento científico e reconhecimento da importância da Ciência, constata-se ainda uma tendência para o público avaliar de um modo crescentemente crítico os riscos e eventuais problemas que a Ciência pode trazer. Estes resultados, de acordo com o referido relatório, são convergentes com tendências já detectadas noutros países em pesquisas de âmbito internacional.

No caso da população espanhola, por exemplo, a situação é semelhante à de Portugal. De acordo com o artigo “População tem sede de Ciência” de Heliana Nogueira, 73% da população espanhola considera-se mal informada sobre os avanços da Ciência e da tecnologia. 80% desta população está interessada em adquirir maiores conhecimentos em Medicina; 78%, sobre meio ambiente; e 63%, sobre descobrimentos científicos em outras áreas (Comunicação, 2003).

Estes números mostram assim que a procura pela divulgação científica não é uma situação pontual que ocorre apenas em Portugal. Há um interesse social pela Ciência, alargado à escala mundial dos que a ela têm acesso, e que parece estar de alguma forma relacionado com a magnitude e velocidade das mudanças sociais, estimuladas em grande parte pelas descobertas científicas.

O estudo Pisa 2003 (Programme for International Student Assessment), que incidiu sobre alunos de 15 anos de 41 países, 30 dos quais membros da OCDE

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(Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico) e a frequentar desde o 7º até ao 11º Anos de escolaridade, também permite tirar algumas conclusões. Se se analisar os resultados obtidos neste estudo, designadamente os que foram obtidos em literacia científica, definida aqui como a capacidade de cada indivíduo usar o conhecimento científico, de reconhecer questões científicas e de retirar conclusões baseadas em evidência, de forma a compreender e a apoiar a tomada de decisões acerca do mundo natural e das mudanças nele efectuadas através da actividade humana, pode concluir-se que, tal como em 2000, Portugal encontra-se entre os países com resultados significativamente mais baixos do que a média da OCDE e muito distanciado dos países que obtiveram melhores classificações médias. Estes resultados, para além de não diferirem dos obtidos pelos alunos gregos e dinamarqueses, revelam que os rapazes têm, em média, melhor desempenho que as suas colegas, e que esse desempenho médio é tanto mais baixo quanto menos elevado o ano de escolaridade frequentado (OCDE, 2000). Na resolução de problemas, e com a variável sexo, não se detectou qualquer tipo de diferenças entre os desempenhos médios dos rapazes e das raparigas. (Aguardam-se os resultados obtidos no Pisa 2006 - que incide no domínio da literacia científica -, e cuja publicação previsivelmente terá lugar a 4 de Dezembro de 2007) (GAVE, 2007).

Também no que concerne a estudos relativos à informação detida sobre a União Europeia, como o Eurobarómetro, se verifica o mesmo sentimento de falta de informação que os portugueses sentem relativamente àquela instituição. No Eurobarómetro realizado em 2004 por exemplo, a média de autoposicionamento dos portugueses é 4,4, numa escala de 1 a 10, onde 1 significava não saber nada e 10 correspondia a saber muito. Apesar de os portugueses terem ultrapassado a média da União Europeia em termos de sentimentos de informação, ela continua no entanto a ser baixa. Por outro lado, constata-se também neste estudo que, quanto mais satisfeitos estiverem os portugueses com a União Europeia, mais se tendem a sentir informados sobre as suas políticas e instituições; isto é, a imagem que os portugueses detêm sobre a União Europeia influencia a auto-avaliação que estes fazem sobre os seus conhecimentos a respeito daquela (Eurobarómetro, 2004).

Destes estudos sai realçado o facto de que, muito embora se venha assistindo a uma explosão sem precedentes dos meios de comunicação, a Ciência e o público em geral, parecem seguir afastados, nomeadamente no que diz respeito à Compreensão Pública da Ciência. De acordo com Bensaude-Vincent (2001), verifica-se que, ao longo do século XX, se instalou um fosso crescente e dificilmente transponível entre a esfera da Ciência e a do senso comum. Nas razões apontadas para o facto parece estar a relutância e, por vezes, a falta de consciência, dos próprios detentores dos avanços da Ciência e da Tecnologia; ou seja, dos cientistas. De acordo com Rowan (1992, citado em Canavarro, 1997): “… o principal desafio consiste na explicação de conceitos difíceis de forma compreensível para uma audiência mais ou menos heterogénea que experimenta dificuldades em entender a Ciência na linguagem utilizada pelos cientistas.”

Os meios de comunicação têm, sem dúvida, um potencial educativo para fazer a

divulgação da Ciência. Segundo, por exemplo, o Eurobarómetro realizado em 2004, a televisão foi eleita como a fonte de informação mais utilizada e também como forma preferencial de obtenção de informação sobre a União Europeia. O mesmo sucede no Inquérito à Cultura Científica dos Portugueses 2000, onde a televisão é considerada a prática mais frequente de acesso à informação científica e tecnológica.

Porém, a Ciência nos media é geralmente entendida como a Ciência que é transmitida em programas específicos de televisão ou nas colunas de notícias ou de análise dos jornais, a que também se chama educação informal. No entanto, outros meios mediáticos tratam de forma directa ou indirecta questões científicas (caso, por exemplo, dos museus de Ciência, da História, entre outros, que são responsáveis pela

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educação não formal da população) e, nesse sentido, também eles se devem filiar num modelo de comunicação dirigido à vulgarização da Ciência.

Por outro lado, os programas de televisão ou filmes cuja personagem principal é um cientista (por exemplo Indiana Jones) ou cujo tema principal é a vida de um grupo profissional de investigadores ligados à Ciência (por exemplo, a série CSI, famosa entre os jovens, que retrata a vida de um grupo de profissionais na área da investigação criminal) podem transmitir uma visão acerca da Ciência, que pode ser facilmente captada pelas audiências. A comprovar este facto encontra-se o número crescente de jovens a seguir carreiras ligadas à Medicina forense, o que não sucedia até há um tempo atrás.

Esta visão da Ciência transmitida pelos media pode assim ser facilmente captada pelo público, que com ela dispõe da possibilidade de construir diferentes concepções da Ciência. Daí a importância dos media na compreensão da Ciência pelo público em geral.

Porém, um dos maiores obstáculos à comunicação pública da Ciência, ou, por outras palavras, à comunicação alargada da Ciência ao público, é o receio constante, por parte dos cientistas, de que os resultados das investigações científicas sejam divulgados com sensacionalismo e até alarmismo, através de informações não rigorosamente científicas ou não aceites pela comunidade científica, capazes de gerar confusão no público em geral. Por sua vez, é comum os jornalistas queixarem-se quer da falta de disponibilidade dos cientistas para fornecerem informações à comunicação social, quer do hermetismo com que o fazem, por vezes insistindo na vantagem de uma correcção de atitude dos cientistas a este respeito (Granado e Malheiros, 2001).

Impõe-se cada vez mais que as notícias de divulgação científica visem atingir um objectivo há muito preconizado – a alfabetização, designadamente a alfabetização em Ciência.

Tais notícias devem ser dadas por jornalistas com alguma especialização na área de jornalismo de ciência, que é uma designação dada a um tipo de comunicação desenvolvido sobretudo nos Estados Unidos da América desde os anos 30. Neste sentido, deve-se investir num jornalismo mais credível e próximo da Ciência à semelhança de um desafio lançado pelo jornal Público, a propósito de comunicação de Ciência. O desafio proposto intitula-se “cientistas na redacção” e não é mais do que um programa de estágios profissionais destinados a cientistas. Este programa, construído à semelhança das famosas “Media Fellowships” da British Association for the Advancement of Science, pretende levar quatro cientistas por ano até à redacção deste jornal, de modo a que cada bolseiro entre em contacto com a lógica, a cultura, as competências e as rotinas de produção jornalística na área da ciência e da tecnologia e contribua, como qualquer outro jornalista, para a divulgação das notícias neste âmbito.

De acordo com o jornal Público, o objectivo deste programa será proporcionar à comunidade científica o contacto íntimo com as práticas do jornalismo de ciência e com a forma como esta actividade é relatada pelos media. Esta ideia surgiu porque, na opinião dos responsáveis do referido jornal, há uma relativa pobreza de comunicação e divulgação da Ciência realizada pela comunidade científica e pelas instituições de Ciência, e que se deve em grande parte a um desconhecimento, por parte destes profissionais, das rotinas, critérios e cultura dos media. Este facto é por isso gerador de desconfiança, fechamento ou mesmo conflitos entre cientistas e jornalistas, que um maior contacto entre as comunidades científica e a dos media poderia fazer desaparecer (Cientistas, 2006). Deve pois concordar-se com o que diz Nunes (2003), pesquisador do núcleo José Reis e colaborador da Colecção Divulgação Científica, São Paulo, Brasil:

“Divulgação científica com paixão, mas sem perder a razão!”

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1.5 PÚBLICOS DA CIÊNCIA EM PORTUGAL

Como já foi referido anteriormente, a presença e infiltração da Ciência é não só cada vez maior na sociedade em geral, como se destaca na esfera comunicacional.

As publicações periódicas sobre temas científicos assumem um papel importante nesta presença social da Ciência. Elas podem servir quer como reflexo dos níveis de cultura científica do público que a elas acede, quer como instrumento da sua formação. Por isso, conhecer e analisar as publicações periódicas sobre temas científicos que existem ao dispor do público português, com o objectivo último de poder tipificar esse mesmo público pelos seus modos de relação com a Ciência, torna-se um instrumento de trabalho fundamental para uma investigação como esta onde se procuram conhecer as concepções de Ciência de um público mais restrito – os professores.

As publicações periódicas são de natureza diversa, pelo que englobam uma variedade de tipos. Entre elas encontram-se as revistas científicas especializadas, destinadas fundamentalmente aos investigadores profissionais de cada área; as publicações de âmbito interdisciplinar, dirigidas essencialmente à comunidade científica, a alunos, a elites intelectuais e profissionais da comunicação social, onde se incluem, por exemplo, as revistas Science e Nature; as formas variadas de divulgação científica, com combinações diversas de sensibilização, didactismo, problematização e enquadramento, onde estão incluídas as formas de jornalismo científico, como por exemplo, os jornais Público, Diário de Notícias, Expresso e Sol que contêm páginas e secções regulares de Ciência, ou os livros de divulgação científicos de editoras como a Gradiva; as outras formas de publicações híbridas entre o Universo científico e outros, de carácter cultural, profissional, utilitário ou até místico.

Porém, será que a proliferação de publicações periódicas de divulgação científica terá um público leitor amplamente estratificado?! Será que conhecendo este público leitor se poderá perceber melhor o modo como ele lida com a Ciência e as concepções que dela faz?! Quem lê revistas de Ciência como a “Science”, a “Nature”, a “New Scientist” ou a “National Geographic” em Portugal?!

No sentido de conhecer os públicos da Ciência na sociedade portuguesa actual e, em particular, os públicos de revistas de Ciência, foi realizado um estudo, levado a cabo pela equipa do sociólogo António F. da Costa, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), que se baseou sobretudo num inquérito extensivo por questionário, através de entrevista directa, a uma amostra representativa da população portuguesa (2057 pessoas), residente no país, e de faixa etária compreendida entre os 15 e os 74 anos de idade. Foi, por isso, investigada a composição social dos públicos da Ciência em Portugal, as respectivas práticas de procura e recepção de informação sobre a Ciência (suportes, frequências, modos, contextos), as disposições associadas a essas práticas ou à sua ausência (razões, interesses, avaliações, possibilidades, expectativas), as suas preferências relativamente a publicações periódicas nesta área, as concepções e atitudes desses públicos relativamente à Ciência, as relações deste conjunto de variáveis com outros domínios de competências, estilos de vida e padrões culturais (Costa et al., 2002). Para a consecução destes objectivos, foi desenvolvida uma estratégia metodológica múltipla, desdobrada em diversas operações de pesquisa realizadas essencialmente no ano 2001.

Como complemento a este inquérito nacional, foi realizado um conjunto relativamente numeroso de entrevistas a cientistas, jornalistas, grupos de responsáveis por actividades institucionais de promoção da cultura científica (como o programa Ciência Viva, Museus de Ciência, festivais de filme científico), a profissionais de elevada qualificação nas áreas da engenharia, da informática, da medicina, da farmácia e do direito, a professores dos ensinos básico e secundário e ainda a estudantes dos ensinos superior e secundário. Para além disso, foi desenvolvido,

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também de forma complementar, um conjunto de outras operações de pesquisa tais como: levantamentos documentais de fontes comerciais, institucionais e associativas; contactos directos com postos de venda de publicações periódicas; contactos com editores de revistas estrangeiras de divulgação científica com distribuição em Portugal; um inquérito postal ao universo dos assinantes, actuais ou anteriores, da revista Colóquio/Ciências; e uma análise de imprensa, relativa a notícias sobre Ciência no período em que foi aplicado o referido inquérito.

No estudo desenvolvido foram, inicialmente, identificados três tipos de revistas de Ciência:

as de investigação científica, onde os investigadores disponibilizam à comunidade científica os resultados dos trabalhos, como a “Science” e a “Nature”;

as de associações científicas e profissionais, em áreas como a Física, Química, ou a Matemática, dirigindo-se principalmente aos membros de cada associação e aos estudantes, como a “Gazeta de Física”;

e as de divulgação científica (ou também conhecidas por revistas de cultura científica), que se dirigem não só a especialistas e podem ser adquiridas nos quiosques e livrarias, como a “New Scientist”, a “Scientific American”, a “Science & Vie” ou a “National Geographic”.

Inicialmente, foi deixado ao critério espontâneo dos inquiridos o entendimento do

que são revistas de Ciência. Nessa altura, 26,3% declararam lê-las, pelo menos de vez em quando. Porém, quando se lhes apresentaram os três tipos, só 24,7% afirmaram fazer a leitura dos vários tipos de revistas sobre Ciência (21,7% declararam ter lido, alguma vez, revistas de divulgação científica; 13,5%, revistas de investigação científica e 6,5%, revistas de associações científicas e profissionais).

Quanto à intensidade e actualidade da leitura de revistas de divulgação científica, a grande maioria dos inquiridos declara fazê-la actualmente, mas com pouca frequência (67,4%). Entre as revistas de divulgação científica portuguesas mais citadas encontram-se a “Super Interessante”, a recolher 7,0% do conjunto da amostra, e a “Quo” (2,6%). “Science et Vie” (com 0,8% da amostra) e “National Geographic” (0,7%) foram os títulos das revistas estrangeiras mais referidas.

De acordo com a investigação realizada, foi traçado o perfil social dos leitores de revistas de Ciência. Nele encontram-se, em primeiro lugar, os possuidores de um grau de ensino superior; em segundo, os estudantes; e, em terceiro, os adultos jovens. Os possuidores do grau de ensino secundário sendo também um segmento importante, encontram-se incluídos, em grande medida, nos jovens e estudantes.

O inquérito elaborado nesta investigação serviu ainda para construir os vários modos de relação com a Ciência por parte da população portuguesa, com base não apenas na leitura das revistas, mas com outras formas de contacto com informação científica, como os livros de divulgação científica, ou as concepções dos inquiridos sobre as consequências da Ciência na sociedade, por exemplo. Assim, foram encontrados na sociedade portuguesa actual, aqui representada por uma amostra estratificada de 2057 indivíduos portugueses, sete modos de relacionamento com a Ciência, a que correspondem sete perfis-tipo em que é possível decompor, a este respeito, a população estudada. Nos sete perfis-tipo podemos encontrar os indivíduos envolvidos (2,3%), os consolidados (9,2%), os iniciados (7,8%), os autodidactas (17,7%), os indiferentes (22,6%), os benevolentes (28,1%) e os retraídos (12,4%) em relação a temas científicos.

O grupo dos envolvidos é caracterizado por um modo de relação intenso com a Ciência nas diversas dimensões consideradas no estudo que foi feito. Os indivíduos que nele se integram são os únicos que lêem, com alguma regularidade, revistas sobre Ciência. Desenvolvem também com frequência outras práticas, mais activas ou mais passivas, de contacto com a informação científica. A forma positiva como auto-avaliam os seus conhecimentos sobre Ciência reflecte este envolvimento e é

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acompanhada da predisposição para continuar a melhorá-los. Utilizam a Ciência principalmente na escola e no estudo, mas também na vida pessoal. Quando confrontados com a avaliação das consequências prováveis do desenvolvimento da Ciência tendem a sublinhar, sobretudo, aspectos positivos, embora não releguem totalmente a possibilidade de ocorrência de consequências negativas. Quando questionados sobre os possíveis conteúdos e formas de tratamento a adoptar em publicações periódicas sobre Ciência, os indivíduos deste grupo são os que mais salientam a importância do desenvolvimento da Ciência e da qualidade de informação.

O grupo dos consolidados apresentam também uma relação com a Ciência caracterizada por um importante grau de proximidade, muito embora a intensidade dessa ligação seja um pouco menor do que no grupo dos envolvidos. Quer ao nível da leitura de revistas sobre Ciência, quer do desenvolvimento de outras práticas activas de contacto com a informação científica, foram obtidos valores um pouco mais baixos do que no grupo anterior, porém as práticas de tipo passivo tendem a ter uma presença bastante elevada. No domínio da auto-avaliação de conhecimentos científicos foram obtidos valores médios ligeiramente inferiores aos obtidos no perfil anteriormente apresentado. Fazem parte deste grupo pessoas que tendem, com frequência significativa, a utilizar a Ciência no âmbito da sua actividade profissional e vida pessoal, no entanto quase não a utilizam em contexto escolar, provavelmente porque já não o frequentam. Têm um perfil consolidado quanto ao interesse pela Ciência e à sua utilização, mas em geral não estão actualmente envolvidos no seu desenvolvimento intensivo nem na formação avançada nesse domínio. Nas restantes dimensões estudadas, este perfil é semelhante ao anterior.

O grupo dos iniciados é constituído por um conjunto de indivíduos que utilizam a Ciência sobretudo na escola e no estudo, e, em menor grau, na vida pessoal. A leitura de revistas sobre Ciência é, neste grupo, uma prática menos frequente do que nos dois perfis-tipo anteriores, o mesmo sucedendo com as outras práticas de contacto com a Ciência. O modo como auto-avaliam os conhecimentos científicos parece indicar um menor envolvimento com a Ciência, no entanto estes inquiridos desejam, à semelhança dos outros grupos apresentados, melhorar esses conhecimentos. Para além disso, estes inquiridos atribuem uma menor valorização não só às temáticas relativas aos enquadramentos da Ciência em revistas (nomeadamente aos artigos sobre Filosofia ou história da Ciência, biografias e entrevistas a cientistas, entre outros), como e também, a elementos especificamente associados à comunicabilidade (informação sobre os autores dos artigos, dimensão reduzida dos textos e aspecto gráfico atraente).

Nos autodidactas, o grau de proximidade com a Ciência é inferior ao dos outros perfis-tipo já anteriormente apresentados e a indiferença é um dos principais traços da relação deste grupo com ela. A sua utilização é feita com alguma frequência, embora quase exclusiva, no contexto da vida pessoal. A leitura de revistas sobre Ciência é, em média, menos frequente do que entre os envolvidos e consolidados, embora as práticas de contacto de tipo passivo com a informação científica assumam neste grupo algum relevo. As auto-avaliações de conhecimentos científicos são menos favoráveis do que nos perfis anteriores, mas o desejo de melhorar esses conhecimentos situa-se também num patamar elevado. Este grupo tende a dar relevo quer aos benefícios, quer aos riscos das consequências prováveis do desenvolvimento da Ciência, muito embora os primeiros sejam mais valorizados. Já no que respeita aos conteúdos e formas de tratamento preferidos em revistas sobre Ciência, as opiniões expressas são muito próximas das do perfil precedente.

O grupo dos indiferentes caracteriza-se por nele existir uma importante ruptura no seu modo de relação com a Ciência, que se revela por desinteresse ou alheamento relativamente a ela. Em termos médios, a leitura de revistas sobre temas científicos é uma prática ausente, e todas as restantes dimensões respeitantes ao contacto com a Ciência e à auto-avaliação de conhecimentos mostram um aumento do distanciamento

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deste grupo face a ela, o qual se torna evidente pelo facto de os valores médios de praticamente todos os indicadores serem, pela primeira vez, inferiores à média global.

Os benevolentes têm uma relação de distanciamento com a Ciência, que é mais acentuada do que no grupo dos indiferentes. As práticas de contacto com a informação científica são quase inexistentes e, pela análise dos resultados obtidos, dá-se conta que este grupo tem uma percepção acentuada da fragilidade dos conhecimentos científicos por ele detidos.

O grupo dos retraídos caracteriza-se por um distanciamento extremo face à Ciência. As práticas de contacto com a Ciência são quase nulas, a auto-avaliação dos seus conhecimentos científicos é negativa e vem acompanhada de ausência de vontade de melhorar os conhecimentos neste domínio. Estas tendências são acompanhadas de concepções de desvalorização, ou desconfiança, acerca dos desenvolvimentos futuros da Ciência, pelo que este é o único grupo que considera serem mais prováveis as consequências negativas do que as positivas. Para além disso, este grupo revela um forte alheamento e desvalorização pelos conteúdos e formas de tratamento das revistas de divulgação científicas.

Os resultados obtidos parecem apontar sobretudo para o carácter decisivo do factor escolaridade. De um modo geral é possível afirmar que quanto mais elevado o grau de instrução, maior o peso dos perfis mais próximos da Ciência. Os graus de ensino mais baixos, as domésticas, os reformados, os operários, os empregados executantes e os trabalhadores independentes aproximam-se, sobretudo, dos modos de relação com a Ciência mais distanciados – retraídos, benevolentes e indiferentes, mas também, em certa medida, dos autodidactas. Em contrapartida, os profissionais técnicos e de enquadramento, os licenciados e os estudantes tendem a associar-se aos perfis que estabelecem uma relação de maior proximidade com a Ciência, muito directamente com os consolidados, mas também, com os envolvidos e os iniciados (Costa et al., 2002).

Uma outra conclusão a que esta investigação permitiu chegar é a de que a proximidade à Ciência está bastante relacionada com o nível de ensino. Os resultados mostram que o ensino secundário completo representa um importante ponto de viragem, na medida em que é a partir desse grau que a percentagem de indivíduos com perfis próximos da Ciência começa a ser maioritária.

No que diz respeito aos potenciais públicos de uma revista de divulgação científica, pode dizer-se, de acordo com os resultados obtidos nesta investigação, que os professores dos ensinos básico e secundário reconhecem que os insuficientes hábitos de leitura atribuídos à generalidade da população portuguesa, e sentidos inclusivamente entre a classe docente, funcionam como factor de obstáculo ao sucesso de uma publicação periódica de divulgação em Ciência. É de salientar que os docentes do ensino secundário apontam como exemplos de temas por eles preferidos, a integrar numa revista de divulgação científica, a Ciência que se faz em Portugal; o debate ético; as Ciências exactas e naturais como matemática, Física e Biologia; e os temas considerados na moda como a Astronomia. Já os docentes do ensino básico inquiridos manifestaram o seu interesse por temas de actualidade por excelência como o ambiente; questões de carácter transversal e história da Ciência.

Em suma, a análise dos resultados obtidos neste estudo parece apontar para uma evolução, ocorrida recentemente na sociedade portuguesa, dos públicos da Ciência no sentido do seu alargamento em volume e do crescimento em exigência. E, por outro lado, parece mostrar que actualmente os cientistas e jornalistas têm ideias tendencialmente convergentes no que diz respeito à comunicação da Ciência junto do público, uma vez que defendem a existência de competências científicas e de comunicação, com a máxima qualidade de ambas as partes, na realização dessa tarefa.

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2. CONCEPÇÕES EM CIÊNCIA 2.1 CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES

Há um grande número de pesquisas desenvolvidas no âmbito das concepções dos professores, sobretudo no que diz respeito aos fundamentos epistemológicos que sustentam as suas crenças sobre a sua profissão, as suas práticas na sala de aula, os seus métodos, as suas concepções sobre a Ciência, entre outras.

No campo do ensino das Ciências em particular, a identificação das concepções epistemológicas e pedagógicas dos professores tem sido alvo de investigações como as desenvolvidas por Hewson e Hewson, 1987; Brickhouse, 1990; Meyer et al., 1999; entre outras, cujos resultados demonstraram existir uma estreita relação entre as concepções dos professores e a sua prática de ensino. Assim, em algumas situações podem levá-los a alterar o currículo por forma a torná-lo mais congruente com o seu próprio sistema de crenças (Cronin-Jones, 1991), noutras podem influenciar as estratégias, os conteúdos e as actividades que privilegiam na sala de aula (Hewson et al., 1999), afectando, ainda que de uma forma indirecta, a aprendizagem dos seus alunos (Hashwed, 1996).

As concepções (perspectivas, ou percepções), como estruturas cognitivas subjacentes que emergem no processo de uma actividade mental do real (Giordan e Vecchi, 1996), dizem respeito à faculdade de entender e às formas de entendimento num dado contexto.

Por vezes, o conceito de concepção (também frequentemente designado de crença) aparece ligado ao conceito de atitude, porque se considera este último um conceito multidimensional que engloba três componentes (OCT, 2000). Assim, e de acordo com esta ideia, o conceito de atitude reúne aspectos informativos, avaliativos e comportamentais, pelo que as três componentes que engloba são as crenças, as avaliações e os comportamentos que se têm relativamente a algo. No entanto, actualmente, e mesmo na Psicologia Social, é frequente estabelecer-se uma diferenciação entre crença e atitude, considerando uma definição unidimensional de atitude, à qual está ligada apenas a componente avaliação. Isto é, uma atitude é a expressão de uma avaliação e, neste sentido, a avaliação de um determinado objecto, ou seja, a nossa atitude face a ele, pode ter por detrás um conjunto de crenças que a sustentem, e pode ter como consequência um outro conjunto de crenças e de comportamentos (OCT, 2000).

Na opinião de Yager (1996), as nossas concepções de Ciência derivam do que aprendemos (e experimentamos) na escola e também das formas como a experimentamos (e aprendemos) na sociedade, destacando-se aqui o papel dos media e das relações preferenciais dos indivíduos.

A importância atribuída às concepções dos professores como um dos factores mais determinantes das características da sua prática pedagógica, tem levado a que alguns autores, por exemplo Schön (1995) e Zeichner (1995), considerem como um objectivo primordial da formação de professores o de criar condições que possibilitem a sua evolução/reestruturação. O professor é assim encorajado a examinar as suas teorias e crenças, com base no pressuposto de que o processo de auto-conciencialização sobre a forma como pensa e age, através de uma interligação constante entre teoria e prática, constitui uma etapa determinante no referido processo de evolução/reestruturação das suas concepções.

Segundo Ponte (1992), conhecer as concepções não é uma tarefa simples, pois estas não se revelam facilmente através de comportamentos observáveis. Estas têm uma natureza essencialmente cognitiva, e por isso encontram-se ligadas ao pensamento, e actuam como um filtro, dando sentido às coisas ou actuando como um elemento bloqueador para novas situações. Ainda de acordo com este autor, o

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interesse pelo estudo das concepções dos professores baseia-se no pressuposto de que existe um substrato conceptual com um papel determinante no pensamento e na acção dos professores. Ou seja, julga-se que as crenças ou concepções que os professores têm sobre a sua prática profissional influenciam um dado “modelo de actuação profissional”. Também Porlán et al. (1997) partilham desta opinião, uma vez que consideram que as concepções ou crenças dos professores e a sua actuação estão vinculadas a um corpo de conceitos e valores, organizados em teorias explícitas ou implícitas e são fundamentos do seu modo de agir profissional.

Os estudos realizados por Chagas e Abegg (1996) e Almeida (1998, citados em Chagas, 1999) vão mais além, pois permitiram evidenciar que cada escola possui uma determinada cultura que reflecte as concepções, perspectivas, atitudes e valores dos seus membros considerados individualmente ou integrados nos diferentes órgãos que a constituem e os rituais partilhados tacitamente que têm implicações no clima da escola, no modo de estar e de trabalhar.

Os professores que ensinam Ciências formam ideias sobre a natureza da Ciência e do seu ensino a partir de experiências que tiveram como alunos e como professores, das atitudes que tomaram, do conhecimento que construíram; ou seja, das influências sócio-culturais que sofreram durante as suas trajectórias e que se vão formando progressivamente. Por isso, este deve ser o ponto de partida para qualquer estudo levado a cabo sobre concepções de professores. E, se o objectivo é melhorar o ensino através de uma melhor qualificação do professor, torna-se inevitável aproximar-se e conhecer as suas concepções (Canavarro, 1997). 2.2 CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS DETIDAS POR PROFESSORES

Durante a sua prática pedagógica, sucede, por vezes, que o professor veicula determinadas concepções aos alunos nem sempre correctas. A confirmar este facto encontram-se, por exemplo, os estudos de Vasconcelos e Loureiro (1988) e Cachapuz et al. (1991).

Cachapuz et al. (1991), por exemplo, realizaram um estudo com professores estagiários, cujos resultados confirmam a hipótese de que os professores estagiários têm concepções alternativas sobre conceitos essenciais em Ciência, designadamente dos que constam dos curricula da disciplina de Física dos Ensinos Básico e Secundário. Deste modo, gera-se um ciclo vicioso no qual os próprios professores estagiários transmitem aos alunos as concepções alternativas que detêm, e estes, por sua vez, apreendem-nas e tornam-se um potencial veículo para a sua transmissão.

Estas concepções alternativas a que aqueles autores fazem referência, têm grande importância na aprendizagem em geral e, na aprendizagem das Ciências em particular, sendo por isso conveniente conhecer o seu significado bem como as suas origens.

De acordo com Abímbola (1988), concepções alternativas são “ideias profundamente enraizadas acerca do mundo natural que diferem da evidência empírica e das explicações cientificamente aceites”. Há outras expressões que aparecem em vez da designação concepções alternativas, nomeadamente “pré-concepções”, “quadros alternativos”, “concepções erróneas”, “concepções incorrectas”, “concepções naif”, “ciência das crianças”, etc.

As origens das concepções alternativas são variadas e constituem um campo de interesse para muitos investigadores. Vão desde a linguagem do dia-a-dia, aos mass media, às percepções dos alunos dos fenómenos do quotidiano, até às concepções alternativas dos professores, que foram “sujeitos” a um ensino que não as teve em conta. Também acontece muitas vezes as concepções alternativas serem produzidas e/ou reforçadas nas próprias situações de aprendizagem, através dos manuais escolares ou do próprio professor, ao serem utilizadas analogias, linguagem e representações diagramáticas inadequadas ou excessivamente simplistas.

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Para além de constituírem verdadeiros obstáculos epistemológicos que impedem a construção do conhecimento científico, registam-se, com frequência, efeitos regressivos; ou seja, o ressurgimento de concepções alternativas que pareciam ter sido abandonadas.

O movimento das concepções alternativas teve por objecto “o estudo e a transformação das ideias prévias dos alunos em contextos científicos concretos” (Más, 1996). Segundo este movimento o objectivo principal da educação em Ciências é ajudar os alunos a desenvolverem a compreensão significativa dos conceitos científicos e os processos de descrição, explicação e controlo dos fenómenos naturais (Driver, 1987) promovendo a alfabetização científica em todos os alunos.

Muito embora inicialmente a maioria dos estudos realizados só identificasse concepções particulares, ou a sua persistência, actualmente já existem algumas pesquisas sobre os modelos conceptuais usados em determinadas situações e sobre o desenvolvimento de estratégias que possam ser aplicadas, pelos professores, de modo a promover uma alteração conceptual. 2.3 REVISÃO DE INVESTIGAÇÕES REALIZADAS NO ÂMBITO DA AVALIAÇÃO DAS CONCEPÇÕES DE PROFESSORES ACERCA DA NATUREZA DA CIÊNCIA

A natureza da Ciência, apesar de definida de múltiplas formas, pode ser entendida

como o conjunto de pressupostos subjacentes e inerentes ao desenvolvimento do conhecimento científico (Canavarro, 2000).

De acordo com Kimball (1968), a natureza da Ciência inclui não só a natureza do conhecimento científico mas também a natureza dos cientistas e a natureza do trabalho e da produção científica. Este autor propôs um modelo teórico da natureza da Ciência, a partir de um estudo feito sobre a natureza e a filosofia da Ciência, que consistiu de oito asserções:

1. A curiosidade é a mola impulsionadora da Ciência; 2. A Ciência é uma actividade dinâmica; 3. A Ciência procura a compreensão e a simplificação; 4. Existem muitos métodos em Ciência; 5. Os métodos em Ciência são caracterizados por atributos sobretudo de carácter

valorativo em detrimento do carácter técnico; 6. Uma característica essencial da Ciência consiste na crença da susceptibilidade

do mundo físico influenciar a compreensão humana; 7. A Ciência é aberta; 8. A Ciência é incerta e relativa.

Para este autor, a natureza do conhecimento científico deriva da natureza da

Ciência; isto é, a forma como se conhece e se procura compreender a Ciência não pode ser desligada da Ciência em si.

A investigação no âmbito das concepções sobre a natureza da Ciência apresenta um percurso considerável. O estudo das crenças dos professores sobre a natureza da Ciência tornou-se, nos finais do século passado, num tema prioritário de investigações em Didáctica das Ciências e o seu interesse persiste actualmente. Estas investigações basearam-se desde início em duas hipóteses (Lederman, 1992):

1) A compreensão sobre a natureza da Ciência dos professores está de certo modo relacionada com a dos seus estudantes e com a imagem que estes adquirem da Ciência;

2) As crenças dos professores sobre a natureza da Ciência influenciam significativamente o seu modo de ensinar Ciências e as decisões que tomam na aula.

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Deste modo e no entender deste autor, a investigação desenvolvida no domínio das concepções da natureza da Ciência, e de variáveis relacionáveis, detidas por professores pode ser dividida nas seguintes áreas:

- Avaliação das concepções dos professores acerca da natureza da Ciência; - Identificação da relação entre as práticas pedagógicas e as concepções de

professores e estudantes acerca da natureza da Ciência. 2.3.1 CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES ACERCA DA NATUREZA DA CIÊNCIA

O interesse pelas concepções que os professores detêm sobre a natureza da Ciência não surgiu espontaneamente, e foi antes de mais intencional.

Depois de se ter percebido que a variável programática ou curricular não era a única responsável evidente pelas mudanças conceptuais, ocorridas nos estudantes, e resultantes da aplicação de programas curriculares concebidos para melhorar as suas concepções acerca da natureza da Ciência, houve necessidade de procurar outras variáveis explicativas. Por isso, as investigações levadas a cabo para avaliar as concepções dos professores só foram implementadas a partir do momento em que se percebeu, através de outras investigações com objectivos diferentes, que a variável professor tinha afinal um papel importante na formação das concepções dos estudantes sobre a natureza da Ciência.

Um dos estudos para avaliar as concepções detidas por estudantes e professores foi conduzido por Miller (1963, citado em Canavarro, 2000). Neste estudo foi feita uma comparação entre as concepções de Ciência detidas pelos professores de Biologia a leccionar o ensino secundário e as concepções de Ciência dos estudantes, do mesmo nível de ensino. A amostra era constituída por 735 estudantes a frequentar os graus 7 a 12 (ou seja entre o 3º ciclo do ensino básico e o ensino secundário em Portugal), sendo o grupo de finalistas (do grau 12) constituído por 87 alunos com bons resultados académicos. A amostra dos professores era constituída por 51 professores de Biologia, provenientes de 20 escolas de um mesmo estado norte-americano (à semelhança dos estudantes). Surpreendentemente, os resultados vieram demonstrar que o nível de compreensão de uma percentagem significativa de estudantes era mais elevado do que o de uma percentagem reduzida de professores. Este resultado tornava-se ainda mais significativo quando se comparavam os alunos do último ano com os professores, onde cerca de 68% dos primeiros apresentavam melhores resultados do que 25% dos segundos. Felizmente, muito poucos professores evidenciaram níveis de compreensão mais pobres do que alguns estudantes do grau 7.

Mais tarde, Yager (1966) levou a efeito uma investigação com oito turmas do ensino secundário e com oito professores, com muita experiência de ensino, onde as variáveis intervenientes no processo de ensino-aprendizagem (número de aulas, provas de avaliação, materiais, …) foram controladas com a excepção da relação pedagógica. Os resultados obtidos mostraram diferenças significativas na capacidade de os estudantes compreenderem a natureza da Ciência, e as conclusões do estudo apontaram para que tais diferenças se devessem sobretudo ao professor e à relação aluno-professor, já que se observaram diferenças significativas inter e intra-turmas.

Carey e Strauss (1968) e Schmidt (1967) levaram a efeito investigações cujas conclusões vieram corroborar os resultados obtidos por Miller (1963).

Num estudo levado a efeito por Kimball (1968), foi desenvolvido um instrumento para avaliar o conhecimento dos professores sobre a natureza da Ciência (mas posteriormente foi também muito usado com alunos) designado por Nature of Science Scale (NOSS). Este instrumento consiste numa escala de tipo Likert com 29 itens que incluem asserções desenvolvidas de acordo com a literatura sobre Filosofia da Ciência e consistentes com o modelo teórico proposto por este investigador acerca da natureza da Ciência. No decurso dos trabalhos de validação do NOSS, Kimball (1968)

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encontrou evidências que apontam para melhores resultados na escala por parte de indivíduos com formação filosófica quando comparados com professores de Ciências e até mesmo com cientistas.

Mais tarde, Carey e Strauss (1970) constataram que, de uma forma geral, os professores de Ciência não possuem concepções adequadas sobre a natureza da Ciência e que as variáveis formação académica e experiência docente não se encontram significativamente relacionadas com essas mesmas concepções (ou seja, não afectam os resultados), não sendo pois discriminantes. Estas mesmas concepções, de acordo com estes investigadores, podem ser alteradas, pela positiva, com a frequência de cursos sobre História e Filosofia da Ciência.

Os resultados de todas estas investigações vieram demonstrar a necessidade de se fazer incluir a variável professor em investigações sobre o papel do professor na formação das concepções dos estudantes sobre a natureza da Ciência. Foi a partir da constatação deste facto que se multiplicaram os estudos de avaliação das concepções dos professores sobre a natureza da Ciência.

Posteriormente a estas investigações, surgiram outras como, por exemplo, a de Carey et al. (1989), que permitiram comprovar, mais uma vez, a importância da variável professor na formação das concepções dos alunos sobre a natureza da Ciência.

Os resultados de investigações posteriores como as de Cobern (1989); Kouladis e Ogborn (1989); Gallagher (1991); King (1991); Pomeroy (1993), sustentam ideias anteriores designadamente as defendidas por Carey e Strauss (1970), já que chegam mais uma vez à conclusão que os professores não possuem concepções adequadas da natureza da Ciência e que a formação académica ou a experiência docente não afectam os resultados. Apenas permitem acrescentar que esta conclusão é válida independentemente do método usado para medir as concepções acerca da natureza da Ciência.

Os trabalhos de Pope e Gilbert (1983); Gil (1991); Lederman (1992) e Kouladis e Ogborn (1995) também apontam para o facto de os professores transmitirem uma imagem deformada do conhecimento e do trabalho científicos. Segundo Gordon (1984, citado em Porlán et al., 1998), esta imagem deformada apresenta a Ciência como algo acabado, certo e em constante avanço, e os cientistas como seres de inteligência superior.

Gallagher (1991), por exemplo, atribui um papel importante aos professores na formação de uma imagem pública de Ciência (onde se inserem concepções acerca da natureza da Ciência) por parte dos estudantes a quem ensinam; ou seja, as crenças acerca do conhecimento científico detidas pelos professores podem constituir um mediador importante entre estes e os seus alunos, já que podem afectar a forma como os conhecimentos e os factos científicos são transmitidos.

Este investigador desenvolveu um trabalho de análise das práticas pedagógicas, dos manuais escolares e dos textos de apoio usados por uma amostra de 25 professores. Nesse trabalho chegou à conclusão que o manual determina em grande parte o trabalho desenvolvido na sala de aula e que os professores possuem uma concepção de Ciência ligada a uma visão absolutista e autoritária a que chama cientismo (“scientism”). Segundo este investigador, esta concepção de Ciência é a que a maioria dos professores transmite aos estudantes encontrando-se ligada ao uso frequente do manual e a uma prática pedagógica de filiação behaviorista centrada na memorização mecânica de conceitos, designações e regras, sendo este o ambiente em que se aprende Ciência e onde se vão formando ideias acerca da Ciência.

Também os resultados alcançados em investigações realizadas posteriormente sobre as concepções dos professores acerca da natureza da Ciência, sobretudo numa perspectiva de interligação da Ciência à Tecnologia e à Sociedade, revelam lacunas na preparação dos professores para as exigências das sociedades contemporâneas, como, por exemplo, o facto de não possuírem uma concepção mais real da Ciência. A investigação feita tem mostrado continuamente que as concepções de professores,

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incluindo professores portugueses (Praia e Cachapuz, 1994), sobre a natureza da Ciência são inadequadas na lógica de concepções contemporâneas do empreendimento científico (Abd-El-Khalick e Lederman, 2000; Lederman, 1999).

Todo este conjunto de investigações citadas veio fazer emergir o problema das concepções deficitárias dos professores sobre a natureza da Ciência e, nesse sentido, foram feitas não só várias tentativas para modificar pela positiva tais concepções, nomeadamente ao nível dos professores de Ciências, como e também se assumiu o docente, em definitivo, como uma variável a considerar no contexto das concepções dos estudantes sobre a natureza da Ciência. 2.3.2 RELAÇÃO ENTRE AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E AS CONCEPÇÕES DE PROFESSORES E DE ESTUDANTES ACERCA DA NATUREZA DA CIÊNCIA

As concepções dos professores acerca da Ciência e as práticas pedagógicas por eles desenvolvidas têm sido objecto de estudo de muitas investigações. Estes dois factores encontram-se interligados e parecem ter uma marcada influência nas concepções de Ciência e da natureza da Ciência dos estudantes tal como revelam alguns estudos feitos neste âmbito.

Os estudos realizados com estudantes, como por exemplo Hashwed (1996), têm mostrado a influência notória das concepções dos professores nas concepções de Ciência que os primeiros detêm. Também os resultados de investigações realizadas anteriormente, como por exemplo Lederman (1986), já apontavam nesse sentido.

Lederman (1986) identificou 44 indicadores de comportamento do professor e do clima na sala de aula eventualmente relacionados com determinadas mudanças na compreensão dos estudantes de aspectos ligados à natureza da Ciência. De uma forma geral, a sala de aula dos professores mais eficientes foi tipificada como caracterizada por um elevado nível de interacção professor-aluno, por um ênfase baixo na memorização de leis e factos científicos, pelo encorajamento da realização dos trabalhos de grupo e por uma grande abertura dos professores à expressão de dúvidas e formulação de problemas por parte dos alunos. Os alunos deste tipo de sala de aula mostraram, no final dum ano lectivo, ganhos na compreensão da natureza da Ciência.

Lederman e Zeidler (1987), num estudo realizado que incluía uma amostra de 18 professores de Biologia de 9 escolas do ensino secundário norte-americano, não encontraram uma relação aparente entre variáveis ligadas à sala de aula e as concepções sobre a natureza da Ciência tidas pelos professores. Porém, neste estudo e, mais tarde, no desenvolvido por Brickhouse (1989), provou-se que há um conjunto de factores limitadores que afectam a selecção e a implementação de práticas pedagógicas na sala de aula tais como os programas; as características das instalações; os materiais disponíveis e o nível cognitivo dos alunos.

Brickhouse (1989) realizou uma investigação qualitativa com três professores do ensino secundário acerca das suas concepções de Ciência e Tecnologia e da influência destas na prática pedagógica por eles desenvolvida. Este investigador verificou que os docentes com mais experiência de ensino desenvolviam uma prática pedagógica consistente com as concepções que detinham, enquanto que o professor com menos experiência de ensino não desenvolvia uma prática consistente com as suas crenças e preferia adoptar uma prática mais sistematizada e de acordo com o que estava definido nos currículos ou nos manuais adoptados. O estudo revelou ainda que os participantes desta investigação mostraram ter um conjunto de factores limitadores que funcionavam como obstáculos a uma tradução mais efectiva das suas concepções para a prática pedagógica.

A importância da linguagem dos professores para a mudança das concepções sobre a natureza da Ciência dos alunos foi também investigada por Zeidler e

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Lederman (1989). Estes autores chegaram à conclusão que a linguagem utilizada pelos docentes quando abordam questões científicas pode determinar as concepções dos alunos. Por exemplo, quando os professores utilizavam uma linguagem comum sem qualificações ao descreverem a estrutura do átomo, omitindo a ideia de que se trata de um modelo, os estudantes tendiam a adoptar uma concepção realista de Ciência, ao contrário dos estudantes que tendiam a desenvolver concepções instrumentalistas e cujos professores privilegiavam uma linguagem cuidada e precisa quando abordavam questões científicas. Posteriormente, Lederman e O´Malley (1990) vieram confirmar a ideia de que as concepções sobre a Ciência podem ser alvo de formação ou de mudança através de processos de comunicação.

Brickhouse (1990) realizou uma outra investigação cujos resultados permitiram demonstrar existir uma estreita relação entre as concepções dos professores acerca da natureza da Ciência e a sua prática de ensino. Também os estudos anteriores, levados a cabo por Hewson e Hewson (1987) por exemplo, e posteriores, por Meyer et al. (1999), permitiram chegar à mesma conclusão do trabalho desenvolvido por Brickhouse.

Hashwed (1996) analisou os efeitos das crenças epistemológicas de 35 professores de Ciências no ensino e concluiu que os professores que têm crenças do tipo construtivista estão mais aptos que os que têm crenças do tipo empirista para induzir nos seus alunos uma mudança conceptual de tipo permanente. Esta ideia tem por base a assunção de que os professores, com crenças do tipo construtivista, concebem as concepções dos seus alunos como um conhecimento alternativo e utilizam estratégias variadas para promover a mudança conceptual, ao contrário dos outros docentes que entendem as concepções dos seus alunos como erros e utilizam muito menos estratégias para as alterar.

Em outras investigações realizadas posteriormente ficou demonstrado que as concepções de Ciência que os professores detêm tem marcada influência nas suas práticas de ensino, levando a que aqueles, em algumas situações, alterem os currículos de modo a torná-los mais consistentes com as suas crenças Cronin-Jones (1991) e, em outras, pode influenciar as estratégias, os conteúdos e as actividades que privilegiam na aula Hewson et al. (1999).

Foram também realizadas algumas investigações que mostram a influência de variáveis pedagógicas sobre as concepções de Ciência dos estudantes. Neste sentido, a investigação com alunos do equivalente ao 3º ciclo do ensino básico, levada a cabo por Songer e Linn (1991), veio demonstrar que os estudantes que exprimem concepções dinâmicas de Ciência adquirem uma compreensão mais integrada e mais global da Ciência e que intervenções educativas que incentivem os estudantes a integrar as suas experiências pessoais no contexto da Ciência na escola, revelam eficácia no que concerne à promoção do entendimento dos conteúdos e dos processos científicos. Para estas autoras, as concepções dos estudantes acerca da Ciência caracterizam-se em 3 grupos distintos: estático, misto e dinâmico. Os alunos que concebem e percepcionam a Ciência como estática substanciam-na geralmente num corpo de conhecimentos que deve ser memorizado, ao invés dos que se integram numa concepção dinâmica onde se crê que as ideias em Ciência se desenvolvem e se alteram e que a melhor forma de compreendê-las consiste em entender o seu significado numa perspectiva de inter-relação. Por seu turno, o grupo misto é constituído por estudantes com concepções estáticas e dinâmicas acerca de temas e ideias científicas.

Spector e Gibson (1991) realizaram uma investigação sobre a percepção dos factores que facilitam a aprendizagem da Ciência na escola, com 572 alunos bem sucedidos do equivalente ao 3º ciclo do ensino básico. De entre estes factores, destaca-se, por exemplo, experimentar no concreto as situações que estão a aprender; ter a oportunidade de assistir a conferências ou seminários proferidos por pessoas de reconhecido mérito a propósito de assuntos ou temas referidos nas aulas; explorar abordagens interdisciplinares para a resolução de problemas novos; interagir

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com colegas e com adultos; incentivar a utilização do raciocínio indutivo; possuir amigos e relações próximas com interesses científicos semelhantes ou afins, este último já um pouco à parte do contexto escolar.

Em Portugal também surgiram alguns trabalhos como os de Cruz e Valente (1993), Valente (1992) e Valente et al. (1992), no âmbito do Projecto Dianoia, que, embora não incidam directamente sobre concepções de Ciência, mostram a ligação existente entre prática pedagógica sobre o desempenho em Ciências e a capacidade de pensar dos alunos, através da introdução de estratégias pedagógicas que apelam à aplicação de competências metacognitivas por parte dos alunos. O trabalho de Louro (2001) averigua as imagens de Ciência e cultura de uma comunidade escolar específica (alunos e professores de escolas da região da Guarda) interrelacionando-as através do resultado das práticas pedagógicas geradas pelas respectivas concepções dos professores.

Por outro lado, constatou-se que certos climas da sala de aula, onde se adoptam determinadas práticas pedagógicas, afectam pela positiva as concepções de Ciência dos estudantes. Esta ideia é apoiada por Eichinger (1992), na investigação retrospectiva que desenvolveu com 45 estudantes universitários da área de Ciências, a propósito da forma como estes percepcionavam o ensino das Ciências enquanto alunos do secundário. Para a consecução deste objectivo, este autor utilizou um instrumento por si desenvolvido e composto por 72 questões, dividido por 4 secções. A primeira secção procurava avaliar respostas afectivas quanto às aulas de Ciências, aos professores e à utilidade do que se aprendia nesse contexto. A secção seguinte remetia para uma caracterização da personalidade dos docentes e da forma como essa personalidade afectava os estudantes. A terceira secção dizia respeito à avaliação dos métodos e práticas pedagógicas enveredadas pelos professores. A quarta e última secção do instrumento de avaliação, reportava-se, sob a forma de uma questão aberta, à influência que o ensino das Ciências, a nível do secundário, poderia ter tido na opção universitária feita por cada estudante. Como conclusões deste estudo, encontra-se o facto de estes alunos universitários que constituem a amostra revelarem uma preferência por professores conhecedores, entusiastas, amigáveis e divertidos. Já no que concerne aos métodos e práticas pedagógicas, a maioria dos alunos apontou a actividade de laboratório; a realização de projectos; a introdução de meios audiovisuais nas aulas; a possibilidade de assistirem a conferências, como uma contribuição muito positiva para a percepção que actualmente fazem da Ciência. Para além disso, estes estudantes universitários consideraram ainda que a possibilidade de se envolverem em actividades interactivas e de compreenderem a utilidade social da Ciência foram experiências que contribuíram para a sua opção universitária. O autor recomenda por isso uma participação mais activa dos estudantes na sala de aula e o confronto com experiências significativas como estratégias pedagógicas potenciadoras de uma maior motivação para a aprendizagem das Ciências a que os professores têm de estar atentos e tentar implementar na sala de aula.

No estudo levado a cabo por Tobin e Fraser (1990) destaca-se, pela positiva, a importância da prática pedagógica e do clima existente na sala de aula como factores de aprendizagem e desempenho escolar.

Os resultados da investigação realizada por Tsai (2002) evidenciam uma estreita relação entre as crenças dos professores no concerne ao ensino, aprendizagem e natureza da Ciência. No entanto, este investigador adverte que isso não significa que se possa estabelecer uma relação entre os aspectos citados e a prática docente, já que esta não foi objecto da investigação que levou a efeito.

Em suma, o que ressalta de todas estas investigações é que parece existir uma

relação entre a prática pedagógica (o que sucede na sala de aula), as concepções de Ciência dos professores e as concepções de Ciência dos estudantes. Porém, Acevedo et al., (2004) discordam desta conclusão, defendendo que os resultados das investigações realizadas neste âmbito não permitem sustentar esta suposta relação.

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Segundo estes autores e também Mellado, (1996,1997), muito embora alguns estudos indiciem uma relação entre a prática docente e as crenças sobre a natureza da Ciência, este “mito” não se pode assumir de modo acrítico, uma vez que os resultados das investigações realizadas não permitem sustentar, e como tal provar, tal relação, havendo algumas das quais que inclusivamente fornecem dados em sentido contrário. 2.4 CONCEPÇÕES DE CIÊNCIA DOS PROFESSORES 2.4.1 A CIÊNCIA NOS MANUAIS ESCOLARES E A CIÊNCIA ENSINADA NAS AULAS

Gordon (1984 citado em Porlán et al., 1998) entende que há duas fontes que

contribuem para a formação de uma imagem de Ciência na população em geral, sendo elas a escola e os mass media. Neste sentido, deve-se procurar saber que pontos de vista sobre a Ciência são apresentados aos estudantes na escola, uma vez que a escola é o local onde aqueles passam a maior parte do tempo. Gallagher (1991), procurando responder a este problema, desenvolveu um estudo (ao qual já se fez menção anteriormente), ao nível do ensino secundário norte-americano, onde procurou analisar as imagens de Ciência veiculada nos manuais das disciplinas de Ciência do ensino secundário e da imagem de Ciência detida por professores e futuros professores de Ciências desse nível de ensino. Este autor estabeleceu uma relação entre o problema mencionado anteriormente e o nível de compreensão dos professores acerca da natureza da Ciência e também com a forma como essa compreensão pode influenciar as práticas pedagógicas. Para consecução deste objectivo e porque entendia que o manual escolar influencia, em grande medida, o tipo de discurso e o tipo de actividades desenvolvidas pelos professores na sala de aula, começou por fazer um levantamento das imagens de Ciência veiculadas pelos manuais escolares. Da análise deste levantamento, Gallagher (1991) concluiu que os manuais escolares abordam o conhecimento científico como a revelação da verdade. Por outro lado, e pelo espaço que lhes é atribuído no manual (introdução de cada capítulo), concluiu que não é valorizada a história e o desenvolvimento das ideias em Ciência, nem as disputas intelectuais e o contexto em que essas disputas tiveram lugar, nem mesmo a utilidade do potencial da Ciência e da sua aprendizagem para a vida dos alunos. Quanto à imagem de Ciência veiculada pelos docentes que fizeram parte do estudo realizado, Gallagher conclui que esta acaba por estar intimamente relacionada com o conteúdo e forma dos manuais, já que a maioria dos professores adopta e segue o manual escolar e aquilo que o manual estabelece enquanto actividade pedagógica a incrementar.

Baker e Piburn (1990, referido em Caldeira, 2005) também criticam a apresentação da Ciência nos manuais: um conjunto de factos imutáveis e definições, sem referência às implicações sociais, políticas ou pessoais.

Caldeira refere ainda, citando Reif y Larkin (1991), que outra questão importante diz respeito ao modo como as ideias dos alunos sobre os objectivos da Ciência influenciam a sua aprendizagem. Por exemplo, muitos estudantes vêem o conhecimento científico como um conjunto de factos e fórmulas que é necessário memorizar, em vez de considerá-lo uma estrutura conceptual que lhes permite numerosas previsões. Por isso, tendem a memorizar e não põem em prática capacidades de raciocínio; procuram aprender soluções de problemas tipo em vez de tentar aprender métodos que lhes permitam saber resolver qualquer problema, inclusivamente os pouco familiares. Além disso, aceitam acriticamente a autoridade científica, têm dificuldade e libertar-se do senso comum e pensam que os cientistas detêm a verdade absoluta. Portanto, é para eles difícil aceitar que as teorias científicas possam ser modificáveis, que a Ciência não é necessariamente exacta e que pode

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haver várias maneiras de fazer aproximações. Esta é, consequentemente, uma razão mais para que os alunos aprendam sobre a natureza da Ciência.

Por vezes assiste-se a discussões sem sentido nas quais alguns professores (felizmente poucos) confundem o manual escolar com o programa da disciplina, a ponto de adoptarem aquele como o compêndio do conhecimento a seguir escrupulosamente e em torno do qual deverão desenvolver as suas práticas pedagógicas. A opinião de Canavarro (2000) aparece nesse sentido quando refere: « … Os manuais escolares adoptam geralmente a forma do grande compêndio do conhecimento científico aceite pela comunidade científica, actualizável na medida em que esse conhecimento se desenvolve, sem contudo, eliminar ou substituir ou mesmo reformular conteúdos anteriores, isto é, o manual, muitas vezes, vai crescendo em número de páginas e/ou de volumes e também em número de termos técnicos, o que muitas vezes acarreta a adição de glossários, todo um conjunto de factores que acabam por contribuir para o carácter crescentemente equívoco e para a dimensão exagerada de alguns manuais.»

Felizmente que, em Portugal, já surgem manuais escolares que contêm o livro do professor e o do aluno em separado para, de algum modo, evitar o que Canavarro, em 2000, descrevia.

Gallagher, (1987, citado em Canavarro, 2000) desenvolveu um conjunto de

estudos de teor etnográfico, com cerca de 3 dezenas de professores de Ciências do ensino secundário (docentes qualificados e com experiência de ensino), cujo objectivo era avaliar as concepções sobre a natureza da Ciência detidas por esses mesmos professores. Tais estudos envolveram observação de aulas, entrevistas formais e conversas informais. A observação das aulas destes professores revelou a grande ênfase que estes colocavam no corpo de conhecimentos da Ciência, na terminologia científica (tal como os manuais) e numa menor atenção prestada aos princípios e relações científicas e também ao pouco tempo que os seus alunos passavam no laboratório. Nas entrevistas e conversas informais com os professores, estes afirmavam que os objectivos do ensino da Ciência incluiriam aspectos como: preparação para a vida; compreensão do mundo natural; preparação para o prosseguimento de estudos; desenvolvimento das capacidades de raciocínio; identificação dos estudantes com capacidade de se tornarem futuros cientistas.

Na opinião de Gallagher (1991) todos os objectivos mencionados no estudo, levado a cabo em 1987, com excepção do último, se enquadram numa visão liberal do processo educativo. No entanto, tendo em conta as observações das aulas, verificava-se que o tempo que estes professores dedicavam à discussão de questões ligadas à natureza da Ciência era reduzido, na medida em que, por exemplo, não faziam menção à forma como se alcançaram determinados conhecimentos do curriculum ou que processos foram usados pelos cientistas para validar esses mesmos conhecimentos. Embora estes professores fizessem uma breve introdução dedicada ao método científico, quando o utilizavam era sempre na sua forma fragmentada para fazer a análise de todo e qualquer processo científico. Segundo o autor, a maior parte destes professores transmitia uma visão muito objectiva ou “objectivista” da Ciência que se fundamenta na utilização rigorosa do método científico por parte dos cientistas. Este facto torna possível fazer a distinção entre as Ciências e outros domínios do conhecimento, entendidos como subjectivos, como, por exemplo, a História, Ciências Sociais ou Línguas, uma vez que não fazem uso da experimentação e porque se fundamentam em juízos pessoais. Ainda de acordo com Gallagher (1991), para os professores que transmitem esta visão objectiva da Ciência, essa qualidade torna-a superior aos outros domínios do conhecimento, e é esta a perspectiva que é passada aos estudantes, sendo eventualmente adoptada e assumida por alguns.

Pela observação das aulas, também se constatou que, depois da apresentação do método científico e da defesa do carácter objectivo da Ciência, feita com base naquele, pouco mais era apresentado aos alunos sobre a natureza desta. Para além

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disso, e aquando da realização de alguns trabalhos laboratoriais, o método científico poderia eventualmente ser evidenciado, porém estes professores passavam praticamente o tempo todo a apresentar o corpo de conhecimentos científicos dando destaque à terminologia, regras e leis científicas no pressuposto do cumprimento de uma tarefa de memorização mecânica por parte dos seus alunos.

Gallagher entende que isto sucede devido ao facto de os conhecimentos científicos dos professores se limitarem ao corpo de conhecimentos da Ciência; ou seja, os professores ensinam aquilo que sabem. Para além disso e ainda segundo o investigador, existem outros factores que permitem explicar os resultados obtidos como o facto de estes professores terem tido uma formação inadequada ou nula em História ou Filosofia da Ciência, e o número reduzido de possibilidades de compreender os processos que levam à formulação de conhecimentos científicos e de perspectivar aplicações derivadas do conhecimento da Ciência. Deste modo, para aquele investigador a formação dos professores de Ciências do ensino secundário é responsável pelo funcionamento menos adequado das aulas de Ciência e pelas falhas na discussão sobre a natureza da Ciência, e é em consequência disso que os professores e alunos se tornam incapazes de entenderem o conhecimento científico como tentativo e o trabalho do cientista como criativo e que seja fornecida uma imagem pública distorcida e inadequada da Ciência, do trabalho científico e do cientista.

Em estudos realizados posteriormente também é salientado o funcionamento menos adequado das aulas de Ciência. Assim, por exemplo, segundo o estudo de Bueno (1998), pode dizer-se que os professores apresentam um perfil que corresponde a um estereótipo bastante vulgarizado: exposição pelo professor, explicação por este de “exercícios tipo”, realização individual pelos alunos das actividades do livro de texto e, em muitas ocasiões, comprovação experimental de conhecimentos “teóricos” mediante algumas práticas de laboratório. Caamaño e Martins (2002) salientam como realidade das salas de aulas de Ciências o modelo transmissivo, na melhor das hipóteses aplicado a um conjunto de factos, leis e teorias.

2.4.2 CONCEPÇÕES DE CIÊNCIA E CONCEPÇÕES DA ACTIVIDADE DE ENSINAR

Halkes e Deijkers (1983, citados em Porlán et al., 1998) desenvolveram um estudo sobre o conteúdo do pensamento pedagógico dos professores (que os autores denominaram critérios subjectivos de ensino) e que serviu de base para a elaboração de um questionário. Pelos resultados obtidos da aplicação do questionário a uma dada amostra de professores, foi possível pôr em relevo três núcleos essenciais de concepções sobre o ensino detidas por estes profissionais: o controlo do professor, a participação dos estudantes e o fluxo das actividades.

Aguirre, Haggerty e Linder (1990) realizaram um estudo a respeito das concepções da actividade de ensinar detidas pela classe docente. Nesta investigação, realizada com 74 professores de Ciências na etapa final da sua formação como profissionais, submetidos a um questionário com perguntas abertas sobre a Ciência, o seu ensino e a sua aprendizagem, constataram-se diferenças significativas nos modos de pensar a actividade de ensinar. Assim, mais de metade destes profissionais detinham uma concepção sobre a aprendizagem conhecida por mente em branco ou tábua rasa, pois entendiam que ensinar é um processo de transferência de conhecimentos do professor para o aluno (que nada conhece), enquanto que apenas um terço considerava que a aprendizagem para acontecer precisa de nova informação e de novas experiências que são relacionadas pelo aluno com conhecimentos pré-existentes. No que concerne ao ensino da Ciência, os professores mantiveram, praticamente em igual percentagem, duas concepções: i) o professor como fonte de conhecimentos e o ensino como transmissão de conhecimentos; ii) o professor como guia e o ensino como actividade que influencia ou facilita a compreensão.

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Por outro lado, há investigadores que entendem que as concepções que os professores detêm acerca dos conteúdos a ensinar e acerca dos seus alunos influenciam em larga medida a forma como os professores ensinam tais conteúdos. Este é o pressuposto de que partem Hewson et al. (1995) no seu estudo. Neste sentido, e segundo estes autores, se se pretende melhorar o ensino da Ciência é fundamental indagar o que os professores pensam acerca daquilo que ensinam, sendo este o objectivo da investigação levada a efeito.

Ou seja, é importante procurar saber o que os protagonistas da arte de ensinar pensam, antes de conjecturar e implementar estratégias ineficazes para tentar melhorar o ensino da Ciência. Estando certo que antes de tentar melhorar o ensino da Ciência é necessário indagar o que os professores pensam acerca daquilo que ensinam, uma outra variável se levanta neste campo – como fazer então a avaliação do modo de pensar dos professores?...

No que concerne à avaliação do modo de pensar dos professores, Kagan (1990, citado em Canavarro, 2000) identifica cinco vias diferentes para a consecução desse objectivo: 1) escalas de auto-resposta tipo Likert; 2) análise da linguagem utilizada pelos professores; 3) testes escritos ou entrevistas incidindo sobre aspectos metacognitivos; 4) análise multimetodológica, incluindo a utilização em simultâneo dos métodos anteriores; e, por último, 5) construção de mapas conceptuais.

Tendo em conta estas diferentes metodologias de análise do modo de pensar dos docentes e a análise das concepções sobre a natureza da Ciência deste grupo profissional responsável pelo ensino das Ciências e as ideias preconizadas por Gallagher (1991) e Lederman (1992), parece evidente que podem existir, no seio desta classe, as mais diversas ideias estruturadas acerca não só da Ciência como e também da actividade docente.

No trabalho desenvolvido por Hollon et al. (1991), com professores de Ciências a cumprirem a última etapa da sua formação profissional, demonstrou-se a possibilidade de se conseguirem alterar concepções pré-existentes tidas por estes docentes acerca do ensino por intermédio da realização de determinadas experiências ou da utilização de certas estratégias formativas, nas modalidades de trabalhos de reflexão em grupo ou de debates de crenças.

Os estudos desenvolvidos por Schön (1995) e por Zeichner (1995), por exemplo, apontam também nesse sentido, na medida em que consideram que é essencial criar condições aos professores, que possibilitem a evolução/reestruturação das suas concepções.

Em suma, as investigações atrás citadas vieram tornar clara a ideia de que os professores têm diferentes concepções acerca do ensino, podendo estas vir a ser alteradas por intermédio de processos formativos.

Relativamente às concepções de ensinar Ciência, pode citar-se o trabalho de Hewson et al. (1995), onde estes autores consideram que, de um ponto de vista construtivista, os professores constróem estruturas conceptuais nas quais incorporam acontecimentos passados na sala de aula, conceitos instrucionais (isto é, ideias que possuem quanto ao processo educativo), comportamentos aprovados socialmente e referências exploratórias (referências de como poderão induzir nos alunos o desenvolvimento de comportamentos de exploração). Já anteriormente Hewson e Hewson (1989) se tinham referido a uma estrutura deste tipo como concepção de ensinar Ciência. Esta concepção de ensinar Ciência admite que o conhecimento singular utilizado nessa actividade deriva do conhecimento de um assunto, do sujeito que aprende e do próprio processo e actividade de ensinar.

Pelos estudos realizados sobre a temática do ensino da Ciência, alguns investigadores entendem as concepções dos docentes acerca da sua actividade e acerca da Ciência como fontes importantes de influência sobre as práticas pedagógicas seleccionadas e adoptadas por estes contribuindo, em consequência, para as concepções sobre Ciência detidas pelos alunos. A investigação de Dillon et al. (1994) aponta nesse sentido. Estes autores desenvolveram uma investigação sobre a

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integração do conceito de literacia científica nas actividades de ensino-aprendizagem de 3 salas de aula do ensino secundário. Neste estudo chegaram à conclusão que as concepções filosóficas dos professores acerca da Ciência e do ensino da Ciência influenciam as actividades de ensino-aprendizagem que se fazem na sala de aula, sendo estas estruturadas sobretudo de acordo com essas concepções, também tendo embora em linha de conta, para esse efeito, com concepções apriorísticas sobre os alunos e sobre os processos como aprendem.

No trabalho de Hewson et al. (1995) é apresentado um método de avaliação das concepções de ensinar Ciência bem como o estudo de validação desse método, cuja amostra contou com a colaboração de 120 professores de Ciências do ensino secundário, com pelo menos 5 anos de experiência de ensino e pertencentes aos quadros de 10 escolas diferentes. Nesta investigação, levada a efeito pelos autores acima referidos, foi utilizada a técnica de entrevista concebida de modo a permitir respostas passíveis de fazer emergir as componentes da concepção de ensino de Ciência do docente, e realizada num clima de abertura onde ao entrevistado é pedido que estabeleça relações entre as respostas que vai dando. Nesta entrevista, designada por CTSI - Conception of Teaching Science Interview (Hewson e Hewson, 1988), foram apresentados 10 acontecimentos que podiam incluir tópicos ligados à aprendizagem e ao ensino da Ciência dentro e fora do contexto da sala de aula. A análise da CTSI inicia-se depois com a transcrição das respostas dos entrevistados e pressupõe que se concentre directamente naquilo que se pretende medir. Cada afirmação dada pelo entrevistado é examinada posteriormente com o intuito de procurar afirmações que façam referência a qualquer uma de seis categorias: natureza da Ciência; aprendizagem; características de quem aprende; base conceptual do processo de instrução; práticas pedagógicas preferenciais; ensinar. Em suma, este processo de análise passa por cinco estágios que têm subjacentes a catalogação e codificação das respostas nestas seis categorias até ao produto final, que não é mais do que um breve sumário no qual se tenta fazer a interpretação das concepções do ensino da Ciência dos entrevistados.

De acordo com Hewson et al. (1995) este processo de entrevista estruturada (CTSI) apresenta vantagens pois permite:

clarificar as ligações entre aquilo que os professores dizem e as suas concepções de ensino da Ciência, concepções baseadas em componentes fundamentais do processo de ensinar Ciência;

revelar, ao fazê-lo emergir, o carácter único e pessoal dessa estrutura conceptual individual;

fazer comparações inter-individuais. Os resultados obtidos revelam que a situação de entrevista pode ter um papel

clarificador para o próprio docente que foi entrevistado e levar, eventualmente, à mudança de concepções num sentido positivo.

2.4.3 CONCEPÇÕES DE CIÊNCIA DOS PROFESSORES VERSUS CONCEPÇÕES DE CIÊNCIA DOS CIENTISTAS

Ainda a propósito das investigações feitas sobre as concepções dos professores

acerca da natureza da Ciência, Pomeroy (1993) realizou um estudo comparativo com a colaboração de 180 pessoas todas residentes e a trabalharem no estado norte-americano do Alaska, das quais 71 eram cientistas, 60, professores do equivalente ao 1º ciclo do ensino básico e, 49, professores de Ciências do equivalente ao ensino secundário.

Neste estudo, a autora pretendeu verificar a persistência de crenças tradicionais e não tradicionais, tendo para isso elaborado um instrumento com 50 itens acerca da natureza da Ciência. Estes itens eram afirmações acerca da natureza da Ciência e

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englobavam um conjunto de concepções desde Bacon até Popper, Polanyi, Keller ou Kuhn, e também algumas afirmações de carácter geral acerca do ensino da Ciência, para as quais o respondente exprimia a sua concordância/discordância de 1 a 5 numa escala do tipo Likert. As afirmações sobre a natureza da Ciência diziam respeito a considerações acerca do papel da dedução, da percepção, da atitude, da avaliação e dos preconceitos no desenvolvimento do trabalho dos cientistas e do conhecimento científico. Por seu turno, as afirmações acerca do ensino da Ciência diziam respeito, entre outras questões, ao papel do ensino laboratorial, ao privilegiar o processo ou o conteúdo, ao aprofundar um dado tema ou enfatizar uma visão geral.

A amostra deste estudo era muito localizada e também algo reduzida, pelo que somente foram realizados estudos estatísticos de consistência interna com o instrumento de medida, não tendo sido obtidas outras medidas de fiabilidade ou precisão, nem foram referidas medidas de validade que permitam uma utilização generalizada deste tipo de instrumento.

Os resultados encontrados permitiram concluir que, de uma forma geral, há uma maior concordância com concepções não tradicionais de Ciência, que se enquadram em concepções mais modernas que se afastam do positivismo e do empirismo lógico. Para a variável sexo, por exemplo, verificou-se que os homens possuíam concepções mais tradicionais acerca da natureza da Ciência. É de salientar que as concepções mais tradicionais ou tradicionalistas, colocadas sob a forma de afirmações que estão de acordo com as posições filosóficas dos tradicionalistas, surgiram com maior frequência no grupo dos cientistas e só depois no da classe docente, primeiro no grupo dos professores de Ciência do secundário e depois no grupo dos professores do 1º ciclo do ensino básico. Para Pomeroy (1993) estes resultados podem ser facilmente explicados com um factor sociológico, pois o facto de os cientistas e os professores de Ciência estarem mais envolvidos nas normas da comunidade científica e na vida dessa comunidade pode afectar a sua auto-imagem pública e, consequentemente, isso poderá fazer com que se mostrem demasiado conscientes da sua responsabilidade eventual como modelos, e optem por apresentar uma visão normativa em vez de uma visão realista ou interpretativa da Ciência. (Embora publicamente revelem concepções mais normativas, isso não significa que os cientistas e os professores de Ciência não usem teorias de carácter mais interpretativo ou descritivo).

Para Canavarro (2000), o facto de não ter sido avaliada e controlada a possibilidade de os respondentes terem frequentado recentemente acções de formação respeitantes a temas da História e Filosofia da Ciência pode também explicar os resultados encontrados por Pomeroy (1993). Ainda segundo este investigador, o trabalho de Pomeroy (1993) revela uma certa evolução em termos de crenças acerca da natureza da Ciência detidas por profissionais ligados ao ensino de disciplinas científicas, apesar das limitações a nível estatístico e de metodologia que encerra.

2.4.4 O DISCURSO (PEDAGÓGICO) DOS PROFESSORES SOBRE A CIÊNCIA – O PAPEL DA LINGUAGEM

É vulgar ouvir-se dizer aos alunos que este ou aquele professor os marcaram nas

suas vidas de estudante. Infelizmente a justificação deste facto quase nunca vem associada à competência do docente, ao seu grau de exigência, ou ao seu poder de retórica, de argumentação …

Um professor deve ser entendido como um actor em plena acção, onde a sua forma de estar se alia ao seu poder de argumentação. Neste sentido, a linguagem que o docente utiliza faz toda a diferença, pois uma das suas potencialidades poderá ser, por exemplo, a aproximação dos alunos à comunidade científica.

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Nas salas de aulas onde se aprende Ciência, a linguagem utilizada deverá ser entendida como uma escolha e um meio importante capaz de promover a identificação à comunidade científica. Os professores de Ciências têm assim um papel muito importante na aproximação dos estudantes à comunidade científica, através da linguagem de que fazem uso nas aulas que leccionam. A utilização desta linguagem pode por isso facultar a manutenção de uma identidade muito próxima da comunidade científica. Daqui se depreende que o sucesso escolar dependerá também da adopção, por parte dos estudantes, dos padrões linguísticos dos seus professores, uma vez que só assim os alunos poderão fazer parte da comunidade sala de aula. Ficarão excluídos desta comunidade os alunos que, por uma variedade de motivos, não procurem participar activamente na cultura dominante na escola e que resistam ou rejeitem a linguagem utilizada pelo professor.

Como anteriormente foi referido a propósito das concepções sobre a natureza da Ciência, Zeidler e Lederman (1989) demonstraram a influência da linguagem usada pelos professores nas concepções dos alunos. Estes autores chegaram à conclusão que a linguagem utilizada pelos docentes quando abordam questões científicas pode determinar as concepções dos alunos. E por isso os alunos cujos professores utilizavam uma linguagem comum sem qualificações, tendiam a adoptar uma concepção realista de Ciência, ao contrário dos estudantes cujos professores privilegiavam uma linguagem técnica ou específica, quando abordavam questões científicas, tendiam a desenvolver concepções instrumentalistas de Ciência.

Na investigação desenvolvida por Moje (1995) procurou-se avaliar o papel da linguagem usada pelo professor no desenvolvimento de um sentido de comunidade, por via linguística, na sala de aula de Ciência no ensino secundário. Para além disso, tentou-se estabelecer um paralelismo entre as formas de falar de Ciência e o desenvolvimento e reforço de determinadas percepções capazes de fazer com que os estudantes se identifiquem ou se afastem dos cientistas.

No seu estudo, esta autora salienta a importância de que se reveste o facto de os estudantes serem capazes de aprender a linguagem de que o professor faz uso, como meio preferencial para serem capazes de utilizar as suas próprias capacidades de aprendizagem dos conteúdos estudados nas aulas e, consequentemente, conduzir a uma mudança conceptual de teor mais global.

Moje (1995) apresentou um estudo de caso, cujo objectivo consistia em demonstrar as implicações e a importância da linguagem na formação de concepções de Ciência nos intervenientes de uma sala de aula. Este estudo foi realizado com um professor de Química do ensino secundário, e nele foi utilizada uma metodologia que envolveu entrevistas, conversas informais, registo de aulas e reflexão conjunta sobre os dados recolhidos.

Nesta investigação, constatou-se que os alunos começaram a aprender a falar de Ciência e a perceber a importância de que tal facto se reveste através do que o professor lhes transmitia sobre os conceitos científicos. De acordo com a autora, ao fim de algumas aulas, os alunos já utilizavam alguns termos novos oriundos dos conceitos abordados na aula da disciplina de Química. Para além disso, verificou-se também que o uso de uma linguagem específica por parte do professor fomentava a participação dos alunos em discussões e na resolução de problemas na sala de aula, o que motivava laços de solidariedade na comunidade sala de aula e fazia aumentar o interesse pela Ciência nos alunos. Por outro lado, constatou-se que o professor participante neste estudo dava ênfase ao rigor e à precisão no seu discurso sobre Ciência na sala de aula e, este facto fez com que os alunos quisessem realizar uma exploração conjunta e não uma exploração individual da Ciência.

Em suma, os resultados das investigações realizadas no âmbito das concepções

dos professores acerca da Ciência não são lineares nem apontam num só sentido, dados os factores de variabilidade pessoal a ter em conta (contexto profissional ao qual o docente se encontra ligado; motivação e realização profissional, entre outros).

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Mas fica claro que quer se considere a análise da prática pedagógica, quer se considere o discurso pedagógico dos docentes, ou a análise dos manuais das disciplinas de Ciências, encontram-se evidências que apontam para o facto de as concepções dos professores acerca da Ciência exercerem influência directa ou indirectamente, por qualquer uma das vias atrás mencionadas, sobre as concepções de Ciência dos alunos.

3. ENSINO DA CIÊNCIA E LITERACIA CIENTÍFICA

3.1 DO CONCEITO DE ALFABETIZAÇÃO AO DE LITERACIA CIENTÍFICA

As preocupações mundiais sobre o índice de alfabetização mundial alcançaram o

seu pico máximo em 1990, ano declarado pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o ano internacional da alfabetização. Nesse ano, realizou-se na Tailândia a 1ª Conferência Mundial sobre Educação para Todos, e, em Setembro, decorreu em Genebra a 42ª Sessão da Conferência Internacional sobre a Educação. A ideia que emergiu destes dois acontecimentos que tiveram lugar foi a de que para alcançar progressos significativos, os programas de alfabetização deverão ser concebidos e desenvolvidos de forma diferente da que vem sendo hábito.

Para a maioria das crianças de hoje a alfabetização ocorre na escola e não à margem desta como acontecia no passado, mas o nível de rendimento escolar está mais dependente de factores exógenos à escola do que de factores endógenos, como, por exemplo, formação dos professores ou qualidade dos manuais. (Fuller e Heyneman, 1989, citados em Martins, 2002 a). Mas, o próprio termo alfabetização reflecte alguns problemas conceptuais que surgem em torno dele. O termo alfabetização, usado na cultura francesa, significa a simples aprendizagem do alfabeto, e o termo analfabeto, foi substituído pelo termo “iletrismo” dado que começou a ter uma conotação social negativa, tendo este último o significado de “alguém parcialmente incapaz de ler e escrever”. Em árabe não existe a palavra alfabetismo mas sim analfabetismo, por isso ser alfabetizado, em árabe, é ser não-analfabeto.

As definições mais conhecidas de alfabetismo apresentadas desde a década de 50 são (referidas em Wagner, 1998):

1. Uma pessoa é funcionalmente alfabetizada quando adquiriu os conhecimentos e as capacidades de leitura e escrita que lhe permitem tomar parte de modo efectivo em todas as actividades que requerem níveis de alfabetização dentro do seu grupo ou da sua cultura.

2. Uma pessoa é considerada alfabetizada se é capaz de ler, escrever e entender um texto breve e simples relacionado com a sua vida quotidiana. É funcionalmente alfabetizado quem for capaz de exercer todas as actividades que requerem um certo grau de alfabetização para o bom funcionamento do seu grupo e da sua comunidade.

3. A instrução é uma característica adquirida pelos indivíduos em graus diversos que vão desde os conhecimentos mais rudimentares até aos de um nível superior indeterminado. Alguns indivíduos são mais instruídos do que outro, mas, na verdade, é difícil falar de pessoas alfabetizadas ou analfabetas como duas categorias perfeitamente diferenciadas.

4. O alfabetismo não é simplesmente um certo número de capacidades associadas à leitura e à escrita, mas a aplicação destas capacidades a fins específicos em contextos específicos. Não existe uma única forma de medir ou um ponto preciso de uma única escala que separe os “alfabetos” dos “analfabetos”. O alfabetismo não pode ser definido de maneira simplista como a capacidade de assinar o nome,

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completar um determinado ano escolar ou ter alcançado um certo nível de leitura.

5. O alfabetismo é o conjunto de capacidades que permitem o processamento da informação necessária para poder utilizar os materiais impressos que se encontram comummente no trabalho, em casa e na comunidade.

De acordo com Wagner (1998), o alfabetismo é um fenómeno cultural que só se

compreende e se define adequadamente dentro da cultura, da língua e da época na qual existe. Por isso não poderá haver uma definição única e permanente.

A designação de “alfabetismo funcional” mostra uma certa adaptabilidade a um dado contexto cultural, pelo que tem sido usada nos países industrializados. Porém, aquilo que é necessário saber para “funcionar” numa dada sociedade é necessariamente diferente noutra e, além disso, é difícil considerar competências de alfabetismo que sejam não funcionais (Martins, 2002 a).

Segundo Wagner (1998), há muito poucos analfabetos absolutos (e concentrados nos países mais pobres do mundo), mas são muitos aqueles que apresentam uma capacidade muito reduzida para a leitura e para a escrita, pelo que são incluídos nos analfabetos funcionais.

Com vista a estabelecer alguma diferenciação nas competências apresentadas pelos indivíduos, as Nações Unidas estabeleceram de forma operacional em 1989, quatro níveis de alfabetismo (Statistics Canada, 1990, citado em Martins, 2002 a):

1. analfabeto (non literate): se não pode ler um texto e compreender o seu significado, se não consegue escrever um pequeno texto numa língua nacional importante, se não pode reconhecer as palavras em cartazes e documentos em contextos quotidianos e se não pode desempenhar determinadas tarefas específicas como assinar e reconhecer o significado dos caracteres de sinalização pública.

2. alfabeto de baixo nível (low literate): se não pode ler um texto e compreender o seu significado, escrever um pequeno texto numa língua nacional importante, mas pode reconhecer palavras em cartazes e documentos de contextos quotidianos, e pode desempenhar tarefas específicas como assinar e reconhecer o significado de caracteres usados na sinalização pública.

3. alfabeto médio (moderate literate): se pode com alguma dificuldade, ler um texto e compreender o seu siginficado e escrever um pequeno texto numa língua nacional importante.

4. alfabeto avançado (high literate): se pode ler um texto com pouca dificuldade, compreende o que lê e escreve um texto pequeno numa língua nacional importante.

Em suma, a noção de alfabetismo pode assumir várias interpretações, embora seja

inegável que qualquer que seja a interpretação que se considere, ela é antes de mais um direito humano fundamental capaz de permitir o acesso ao poder de tomada de decisões e à democracia. É, por isso, que o nível de alfabetização é um dos indicadores do estado de desenvolvimento de um país.

O conceito de alfabetismo ou de literacia é um conceito em permanente evolução; isto é, aquilo que é julgado suficiente para definir uma pessoa como alfabetizada/letrada depende da época e do contexto em que a pessoa vive. Por exemplo, há uns tempos atrás uma pessoa letrada/alfabetizada poderia ser uma pessoa que soubesse ler e escrever, no entanto futuramente poderá já ser uma pessoa que domine as novas tecnologias de informação, nomeadamente saber trabalhar com um computador. É neste caminho que seguimos de acordo com as políticas vigentes.

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Actualmente está em voga falar-se em literacia na perspectiva da leitura, literacia matemática e literacia científica. Estes conceitos enquadram-se numa educação mais alargada do que o ensino formal - o que ocorre normalmente na primeira fase da vida, antecede a actividade profissional e é estruturado de acordo com os objectivos das políticas vigentes. (Martins, 2002 a).

Dimensão histórica do conceito de literacia científica O termo “literacia científica” foi criado no fim dos anos 50 do século XX e, muito

provavelmente, terá aparecido impresso pela primeira vez quando Paul Hurd (Hurd, 1958, citado em Laugksch, 2000) o utilizou numa publicação intitulada Literacia da Ciência: o seu significado para as escolas americanas.

O movimento súbito de interesse pela literacia científica nessa altura derivou da preocupação da comunidade científica americana em obter o apoio público aquando do lançamento do Sputnik. Simultaneamente, os americanos – mais uma vez entusiasmados pela corrida ao espaço – preocuparam-se com o facto das suas crianças estarem a receber o tipo de educação que lhes permitiria cooperar com uma sociedade com uma cada vez maior sofisticação científica e tecnológica (Hurd, 1958). Este facto teve, por isso, implicações ao nível dos currículos escolares.

Deste modo, aumentar o nível de literacia científica entre os americanos foi visto como uma estratégia de direccionar ambas as preocupações anteriormente referidas.

Os primeiros trabalhos que procuraram introduzir uma definição operacional do conceito de literacia científica surgiram nos anos 60 do século passado, mas foi na década de 70 desse século que proliferaram as definições e interpretações, dependendo ou da filosofia dos seus autores ou das escolas/associações científicas que representavam (Martins, 2006).

Estes anos e o início da década seguinte foram igualmente caracterizados por um grande número de variadas definições e interpretações da literacia científica, fruto de uma persistente falta de consenso. Nesta altura, os Estados Unidos enfrentavam dois desafios importantes. O primeiro relacionava-se com a emergência do poder económico do Japão, Coreia do Sul, Singapura e Taiwan e uma convicção geral que a competitividade económica internacional americana e a sua liderança industrial estava em declínio. A Ciência e a Tecnologia assumiam-se como a base fundamental do progresso económico e, por isso, tinham uma importância enorme para a política científica americana. O segundo desafio estava relacionado com o declínio da pesquisa científica e da engenharia nos Estados Unidos, com consequente perda de protagonismo nesta área a nível internacional. Também nesta época prevaleceu uma grande e profunda convicção sobre a existência de uma crise na educação científica, particularmente após o relatório da National Commission on Excellence in Education, Uma nação em Risco (Laugksch, 2000).

Em virtude da ameaça à competitividade económica dos Estados Unidos e à crise em que a educação científica americana aparentava estar, desenvolveu-se no início dos anos 80, um redespertar do interesse na literacia científica. Desde este período, a literacia científica para adultos recebeu atenção regular nos Estados Unidos e não só (Miller, 1992). A relevância social e cultural da Ciência também ganhou importância crescente através do conceito de literacia científica. A partir daqui, as declarações políticas relacionadas com a educação científica passaram a estar repletas de referências à literacia científica como um objectivo a atingir e isto generalizou-se a nível internacional.

Surge então, na linguagem de educadores, formadores e políticos da educação, o termo “literacia científica” com implicações na elaboração de novos currículos escolares. De um modo geral, quase todos eles consideram que o ensino das Ciências em contexto escolar deve capacitar os alunos com um nível de literacia científica

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adequado, embora não exista acordo sobre o que se entende por tal, para este fim. (DeBoer, 2000).

Concepções de literacia científica A designação “literacia científica” encontra-se envolta de alguma ambiguidade, na

medida em que é vulgar encontrarem-se diferentes termos para referir tal designação. Assim, literacia científica é o vocábulo mais usado nos Estados Unidos, os termos “compreensão pública da ciência” utiliza-se nas culturas anglo-saxónicas, “alfabetização científica” nas culturas francófonas e mesmo “cultura científica” que é uma designação adoptada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Trata-se, por isso, de um conceito com vários significados e susceptível, por isso, de várias interpretações. Estas diferenças em significados e interpretações podem, como consequência, ser considerados como dando origem a uma visão de que a literacia científica é um conceito mal definido e difuso (Champagne e Lovitts, 1989, citado em Laugksch, 2000).

Segundo Costa (1996), até mesmo a noção de “cultura científica” pode revelar-se relativamente ambígua, na medida em que pode assumir o sentido de cultura específica dos cientistas e da esfera científica, ou o sentido de Ciência como cultura; isto é, como parte do património das mais significativas aquisições intelectuais da humanidade.

Outros autores usam ainda a expressão literacia científica e tecnológica, enfatizando a importância da abordagem da tecnologia num contexto abrangente de ligação entre aspectos científicos e tecnológicos e de ligação entre tecnologia e aspectos sociais (Fourez, 1994). Tal como no caso da educação científica não se trata de educar para formar cientistas, também no caso da literacia tecnológica, não se pensa, na educação em geral, na aprendizagem de técnicas específicas com intuitos vocacionais.

Durante o decorrer do desenvolvimento do conceito, foram propostas um grande número de interpretações e definições de literacia científica. Algumas destas interpretações foram baseadas em pesquisa e outras baseadas em preocupações pessoais sobre as características de um indivíduo cientificamente letrado e o que ele é capaz de fazer (Laugksch, 2000).

Fazendo uma breve revisão sobre alguns dos autores que definiram as competências do cidadão cientificamente alfabetizado/letrado pode constatar-se que não diferem substancialmente entre si nos objectivos principais, embora se distingam no ênfase que atribuem ao grau de profundidade e especificação utilizado.

O trabalho de Pella et al. (1966) representou uma das primeiras tentativas para fornecer uma base empírica para a definição de literacia científica. Pella et al. (1966) concluíram que o indivíduo cientificamente letrado era caracterizado como tendo uma compreensão de:

a) interrelações de Ciência e sociedade; b) éticas que controlam o cientista no seu trabalho; c) natureza da Ciência; d) diferença entre Ciência e tecnologia; e) conceitos básicos em Ciência; f) interrelações de Ciência e humanidades Showalter (1974, citado em Rubba e Anderson, 1978) apresentou uma definição

de literacia científica que consistiu de sete dimensões: I) A pessoa cientificamente letrada compreende a natureza do conhecimento

científico. II) A pessoa cientificamente letrada aplica cuidadosamente conceitos de Ciência

apropriados, princípios, leis e teorias em interacção com este universo.

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III) A pessoa cientificamente letrada usa processos científicos para resolver problemas, tomar decisões e suplementar a sua própria compreensão do universo.

IV) A pessoa cientificamente letrada interage com os vários aspectos do seu universo de um modo que é consistente com os valores que constituem a base da Ciência.

V) A pessoa cientificamente letrada compreende e aprecia o empreendimento conjunto da Ciência e tecnologia e a inter-relação destes com cada e outros aspectos da sociedade.

VI) A pessoa cientificamente letrada desenvolve uma visão do universo mais rica, mais satisfatória e mais excitante , como resultado da sua educação científica e, continua a estender a sua educação ao longo da sua vida.

VII) A pessoa cientificamente letrada desenvolve inúmeras aptidões manipulativas associadas à Ciência e à tecnologia.

Shen (1975, citado em Lewenstein, 1996), distinguiu três dimensões: 1. Alfabetização científica prática: conhecimento científico útil para viver nas

sociedades modernas (os antibióticos combatem doenças causadas por bactérias; os computadores funcionam segundo instruções programadas).

2. Alfabetização científica cívica: conhecimento útil para avaliar decisões tomadas pelos políticos (saúde pública, produção de energia, protecção ambiental).

3. Alfabetização científica cultural: conhecimento que permite apreciar a beleza intelectual do saber científico (estrutura helicoidal do ADN, A Tabela Periódica dos Elementos Químicos).

Branscomb (1981, citado em Laugksch, 2000) definiu o conceito como a

“capacidade de ler, escrever e compreender o conhecimento humano sistematizado” e identificou oito categorias diferentes de literacia científica:

a) literacia científica metodológica; b) literacia científica profissional; c) literacia científica universal; d) literacia científica tecnológica; e) literacia científica amadora; f) literacia científica jornalística; g) literacia científica política; h) literacia científica política pública

Cada uma destas concepções de literacia científica encontrava-se relacionada com

um contexto em particular, tal como, por exemplo, o que os cientistas profissionais fazem com o seu trabalho (literacia científica profissional); a compreensão do cidadão médio de fenómenos naturais da vida diária (literacia científica universal); e a dos representantes políticos que tomam decisões públicas requerendo uma compreensão de dados científicos ou previsões de consequências prováveis (literacia científica política).

A National Science Teachers Association (NSTA, 1982) considerou que as

capacidades para literacia científica seriam usar conceitos científicos, competências, procedimentos e valores na tomada de decisões da sua vida diária; reconhecer as limitações assim como as potencialidades da Ciência e da Tecnologia; reconhecer os limites da Ciência e da Tecnologia na melhoria do ambiente e do bem-estar humano; ter uma visão mais rica e interessante do mundo em virtude da sua formação científica; reconhecer as diferenças entre prova científica e opinião pessoal; utilizar fontes fiáveis de informação científica e tecnológica na melhoria do ambiente e do bem-estar humano.

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Miller (1983, citado em Laugksch, 2000) propôs uma definição multidimensional de literacia científica e sugeriu modos de a medir. Este autor definiu literacia científica como consistindo em três dimensões:

a) uma compreensão das normas e métodos da Ciência (isto é, a natureza da Ciência);

b) uma compreensão de termos chave científicos e conceitos (isto é, conhecimento do conteúdo científico);

c) uma consciência e compreensão do impacto da Ciência e tecnologia na sociedade.

Hurd (1998) definiu o que entende por pessoa cientificamente letrada baseado

num conjunto alargado de competências, que traduziu e adaptou, tais como: distingue peritos de não informados; distingue teoria de dogma e dados de mito e folclore, reconhecendo que quase todos os factos da nossa vida são influenciados de uma forma ou de outra pela Ciência e Tecnologia; sabe que a Ciência em contextos sociais tem influência nas interpretações política, judicial, ética e por vezes moral; percebe o percurso da pesquisa científica e como as descobertas são validadas; quando apropriado usa o conhecimento científico para tomar decisões sociais e de vida para formar juízos, resolver problemas e agir; distingue Ciência de pseudo-ciência tal como astrologia, o oculto e superstição; entre outras.

Canavarro (1999) define literacia científica como “aptidão para lidar com a Ciência”

e considera que tal aptidão engloba sempre três dimensões: compreensão da abordagem científica das questões; compreensão dos conceitos básicos da Ciência; compreensão de questões de política científica.

Solomon (2001) entende que educar para a literacia científica é um esforço para

educar as crianças através da linguagem e ideias da Ciência, em conjunção com a sua própria aprendizagem de Ciência, e as suas próprias reflexões. Deste modo, o que deve ser alterado no ensino das Ciências no sentido de promover a literacia científica dos jovens é desenvolver a capacidade de ler e compreender assuntos de Ciência (por exemplo, através de apresentações orais nas aulas de Ciências); desenvolver a capacidade de expressar uma opinião sobre Ciência (por exemplo, participação em debates); desenvolver a capacidade de procurar informar-se sobre Ciência hoje e no futuro (incentivar os alunos a seguir a evolução de acontecimentos científicos na imprensa e na televisão); participar nos processos democráticos de tomada de decisão; compreender como é que a Ciência, a Tecnologia e a sociedade se influenciam mutuamente.

Membiela (2002) sublinha a importância da alfabetização científica para capacitar

os cidadãos a participarem nos processos democráticos de tomada de decisão e na promoção do exercício de cidadania no que se refere à resolução de problemas relacionados com a Ciência e a Tecnologia na sociedade.

Esta ideia está claramente expressa nas Orientações Curriculares para o 3º Ciclo

do Ensino Básico, de Ciências Físicas e Naturais (Galvão et al., 2001), na medida em que e, passa-se a citar,:

«Questões de natureza científica com implicações sociais vêm à praça pública para

discussão e os cidadãos são chamados a dar a sua opinião. A literacia científica é assim fundamental para o exercício pleno da cidadania. O desenvolvimento de um conjunto de competências que se revelam em diferentes domínios, tais como o conhecimento (substancial, processual ou metodológico, epistemológico), o raciocínio, a comunicação e as atitudes, é essencial para a literacia científica.»

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Também nas finalidades formativas do Ensino Secundário no domínio das Ciências, que constam no programa de Física e Química A, dos agrupamentos 1 e 2 (Martins e Caldeira, 2001 e 2003), esta ideia assume um lugar de destaque. Assim, no referido documento, consta e, passa-se a citar,:

«De acordo com o documento “Revisão Curricular do Ensino Secundário”, a Formação

Específica tem como intenção final uma consolidação de saberes no domínio científico que confira competências de cidadania, que promova a igualdade de oportunidades e que desenvolva em cada aluno um quadro de referências, de atitudes, de valores e de capacidades que o ajudem a crescer a nível pessoal, social e profissional.

Defende-se por isso que no Ensino Secundário se tomem como orientações para o ensino das Ciências as perspectivas de literacia científica dos alunos, pedra basilar de uma cultura científica, e o desafio de cativar muitos deles (sobretudo os mais bem preparados) para carreiras ligadas às Ciências/Tecnologias, onde não seja esquecida a profissão docente, Indispensáveis ao desenvolvimento socioeconómico do país.»

Nas finalidades da disciplina de Física e Química A, para os Agrupamentos acima referidos, está também clara a ideia de que se pretende que os alunos possam, entre outras:

compreender o papel do conhecimento científico, e da Física e Química em particular,

nas decisões do foro social, político e ambiental; desenvolver capacidades e atitudes fundamentais, estruturantes do ser humano, que

lhes permitam ser cidadãos críticos e intervenientes na sociedade; ponderar argumentos sobre assuntos científicos socialmente controversos.

A variedade de definições e interpretações do conceito de literacia científica que surgiram deixa transparecer “os diferentes modos de enquadrar a importância do saber científico na sociedade, o modo como cada um tem direito de a ele aceder e o dever de o explicitar e pôr em prática” (Martins, 2006). Segundo esta autora, o conceito de literacia científica nunca poderá ser único, pois dependerá sempre do contexto onde é aplicado e é relativo à sociedade onde é usado, tratando-se, portanto, de um conceito socialmente construído, móvel no espaço e evolutivo no tempo. 3.2 EDUCAÇÃO CIENTÍFICA NA PERSPECTIVA DA LITERACIA CIENTÍFICA

“Não há nada mais fundamental na educação do que a literacia.”

Sen, 2003

Até há algum tempo atrás, a escola preocupava-se em educar cientificamente os

jovens com o intuito de lançar as bases da formação de futuros cientistas. Esta constituiu durante muito tempo a visão dominante sobre o que seria educar para a Ciência: educar em Ciência para ter uma profissão ligada à Ciência.

Esta perspectiva assentava sobretudo numa forma de conceber e abordar a educação científica como a aquisição dos produtos da Ciência, sendo enfatizados os factos, conceitos e teorias científicas. Estes eram objecto de aprendizagem de forma descontextualizada, sem articulação entre teoria e prática científica. Esta concepção era ainda acompanhada por uma imagem de Ciência como traduzindo verdades imutáveis e associada a uma visão esteriotipada sobre a existência de um método

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científico único, pressupondo que a partir dos factos se podia indutivamente alcançar a compreensão científica.

Esta visão, simplista e redutora, não só não tem respondido à preocupação de contribuir para uma formação científica sólida que permita uma aprendizagem de qualidade no âmbito de estudos especializados em Ciência, como também não tem tido eficácia no aumento da cultura científica do cidadão em geral (Gago, 1990). A investigação educacional tem, por outro lado, vindo a mostrar a necessidade de repensar o modo como tradicionalmente vem sido praticado o ensino das Ciências, pondo em causa a adequação dos currículos aos jovens de hoje, a imagem de Ciência transmitida e as práticas de ensino usadas por muitos professores (Martins e Veiga, 1999).

Face ao facto de as sociedades actuais serem cada vez mais dependentes da Ciência e da Tecnologia, têm vindo a fazer-se ouvir, cada vez mais, algumas vozes que apontam para a necessidade de pautar a educação para a Ciência por outras finalidades, mais amplas e dirigidas ao comum do cidadão que deverá movimentar-se, cada vez mais, numa sociedade fortemente marcada e condicionada pela Ciência e pelas realizações tecnológicas (Pereira, 2002).

No final dos anos 60 do século XX, algumas falhas da reforma curricular do pós

Segunda Guerra Mundial em atingir os objectivos da educação científica, ao não tornar nomeadamente a Ciência em motivo de interesse para a generalidade dos estudantes, afastando-os de profissões de base científica, tornaram-se evidentes (DeBoer, 1991, citado em Laugksch, 2000). A dimensão “Ciência para todos” começou a ser discutida durante os anos 70 daquele século como resposta à insatisfação crescente em relação aos currículos que privilegiavam, sobretudo, os alunos com aptidões e motivação específica para a Ciência, e à má imagem que esta detinha entre o público. Se alguns autores, críticos às propostas curriculares de 1960, propunham que se retornasse aos métodos convencionais de ensino da Ciência, centrados, fundamentalmente, na transmissão de termos, factos, princípios e leis; outros, propunham que se tornasse a Ciência mais acessível a todos os jovens, ligando-a a situações do quotidiano e a problemas sociais suscitados pelo impacto crescente da tecnologia (Yager, 1982, citado em Chagas, 1999).

A este movimento de “Ciência para todos” associaram-se agências de ensino não formal das Ciências tais como certos canais de televisão e os museus e os centros de Ciência (Chagas, 1993) que, no seu conjunto, tinham como pretensão tornar a Ciência mais interessante a um público de todas as idades.

Em consequência das tendências seguidas na década de 70 do Século XX, proliferaram nos anos 80, desse mesmo século, os currículos Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) onde se enfatizavam as relações entre estes três domínios. O projecto da American Association for the advancement of Science, designado “Ciência para Todos” (AAAS, 1989, citado em Paixão, 2006), resume a perspectiva aceite na altura que literacia científica permite ao cidadão:

compreender que Ciência, Matemática e Tecnologia são interdependentes e que apresentam potencialidades e limitações;

compreender conceitos chave e princípios científicos; reconhecer a diversidade e unidade do mundo material; utilizar conhecimentos e processos científicos na abordagem de questões

individuais e sociais.

A década de 90 do século XX ficou marcada pela polémica levantada em torno das implicações da promoção da literacia científica nos currículos das disciplinas de áreas científicas. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Conselho Internacional para a Ciência (ICSU) promoveram, em 1999, a primeira Conferência Mundial sobre “A Ciência para o Século XXI: Um novo Mcompromisso”, onde se veicula claramente a ideia da necessidade de fomentar uma

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educação científica básica para todos considerando que o acesso ao conhecimento científico (…) é parte do direito à educação reconhecido a todos os homens e mulheres e que a educação científica é essencial para o desenvolvimento humano, para a criação de uma capacidade científica endógena e para uma cidadania informada e activa. Assim, a educação científica (…) é um pré-requisito fundamental para a democracia e para assegurar um desenvolvimento sustentável(…). Mais do que nunca é necessário desenvolver e expandir uma alfabetização científica de base em todas as culturas e sectores da sociedade, assim como a capacidade de raciocínio e competências práticas, e uma sensibilidade para os valores éticos, de modo a melhorar a participação pública na tomada de decisões relacionadas com a aplicação do novo conhecimento. (UNESCO e ICSU, 1999)

Para além disso, são apontadas ainda as medidas a adoptar para atingir as

finalidades propostas: os governos devem atribuir a mais elevada prioridade à melhoria do ensino das ciências a todos os níveis (…) promovendo a consciencialização do público para a ciência e apoiando a divulgação desta; os professores de ciências (…) e o pessoal envolvido no ensino não formal da ciência, devem ter acesso à actualização contínua do seu conhecimento, para o melhor rendimento possível nas suas tarefas educacionais; os estabelecimentos de ensino devem garantir uma educação científica de base aos alunos de áreas não científicas; as autoridades nacionais e as instituições financiadoras devem promover o papel dos museus e centros de ciência como elementos importantes na educação científica do público. (UNESCO e ICSU, 1999)

Em pleno século XXI os currículos de disciplinas de áreas de Ciência seguem

orientações que visam alcançar a literacia científica. Atente-se pois ao que vem expresso nas Orientações do Programa da disciplina de Física e de Química A, para os agrupamentos 1 e 2, dos 10º e 11º Anos (Martins e Caldeira, 2001 e 2003):

«Se é compreensível que qualquer currículo e correspondentes programas devam ser

adequados ao nosso país e ter, por isso, em conta a realidade das escolas e da sociedade portuguesa (em especial alunos e professores), é igualmente fundamental que a Revisão Curricular assuma frontalmente o dever que lhe assiste de recuperar o atraso e de contribuir para um nível de literacia e cultural mais elevado dos alunos que frequentam a escola, aproximando-os dos seus colegas de países mais desenvolvidos».

3.2.1 IMPORTÂNCIA DO ENSINO DAS CIÊNCIAS PARA A COMPREENSÃO PÚBLICA DA CIÊNCIA

O que é verdadeiramente importante para a compreensão da Ciência é a

aprendizagem que cada indivíduo for conseguindo construir ao longo da sua vida. Para isso contribuirão todas as situações de ensino formal, não formal e informal com que se vier a confrontar (Martins, 2002 a), pelo que se deverá atribuir importância a estas três vias para a educação em Ciências do público em geral.

O ensino não-formal desenvolve-se exteriormente à escola e é veiculado pelos meios de comunicação social, museus e centros de ciência. Embora concebido de modo a tornar-se agradável e a atingir um público heterogéneo, ele apenas tem lugar de acordo com a vontade e receptividade dos indivíduos que a ele têm acesso. Por seu turno, o ensino informal ocorre ao longo da vida e de forma espontânea e depende muito do indivíduo, pelo que, de entre todos, é o ensino menos programável.

Ministrado na escola, o ensino formal das Ciências, é o que mais efectivamente poderá contribuir para uma melhor compreensão da informação de cariz científico veiculada pelos mass media, museus e centros de ciência, uma vez que é em contexto escolar que se adquire uma base sólida de conhecimentos a nível de Ciência capaz de tornar os cidadãos aptos a lidarem com a informação científica que lhes é transmitida. Daí a importância atribuída ao ensino formal das Ciências e, como tal, à concepção

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dos currículos de disciplinas de âmbito científico para a compreensão da Ciência pelo público.

Há vários argumentos que justificam a necessidade de uma educação em Ciência para todos os jovens, de forma a que todos possam adquirir as ferramentas básicas na perspectiva da literacia científica, independentemente das perspectivas profissionais futuras.

De acordo com Fourez (1994), pode subdividir-se tais argumentos em 4 ordens distintas:

1. De ordem económica e política

Os defensores desta corrente têm salientado a necessidade de aumentar a cultura

científica da população, de modo a aumentar o nível dos conhecimentos científicos da mão-de-obra nos países desenvolvidos. Essa melhoria reflectir-se-á na qualidade do trabalho e da produção. Por seu turno, nos países menos desenvolvidos essa necessidade assume um carácter de urgência de forma a criar condições para superar atrasos de desenvolvimento.

Para os defensores desta corrente é necessário educar os jovens por forma a que estes, no futuro, possam:

sentir-se aptos a lidar com à vontade com os produtos científicos e tecnológicos;

entender os processos produtivos que assentam, cada vez mais, na Ciência e na tecnologia;

ser capazes de tirar o melhor partido possível das tecnologias e inovações futuras.

Por outro lado, estas ideias são acompanhadas pela necessidade de criar hábitos

racionais de estudo e de auto-aprendizagem, na perspectiva de uma educação permanente, exigida pelas modernas condições de trabalho, condições essas que implicam, cada vez mais, maior flexibilidade e impõem uma revalorização e re-educação constantes.

Um outro argumento associado a perspectivas económicas, evidencia que níveis mais altos de literacia científica entre a população traduz-se num maior apoio à própria Ciência. Isto porque se o cidadão em geral não valoriza aquilo que os cientistas tentam alcançar, provavelmente a Ciência não será financeiramente suportada por fundos públicos, e abrir-se-á caminho ao apoio público à anti-ciência (magia, astrologia, espiritismo, cartomancia, entre outras.)

Lewenstein (1996) entende que os argumentos a favor da importância de alguma

forma de literacia científica dependem do nível sócio-económico de cada país, pelo que a dimensão prática de literacia científica deverá ser a prioridade dos países em desenvolvimento, confrontados com problemas de nutrição, escassez de água potável e outros. A dimensão cívica assume relevância em campanhas e programas de educação do público em geral. A dimensão cultural surge em destaque em países desenvolvidos.

Em suma, só as nações cujos cidadãos possuem um nível apropriado de literacia

científica serão capazes de valorizar a Ciência e de a suportar financeiramente, bem como de assegurar uma formação estável e contínua de pessoal tecnicamente formado. A literacia científica deve assim, ser vista como uma forma de capital humano que influencia o bem estar da nação de variadas formas (Laugksch, 2000).

2. De ordem social

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Do ponto de vista social, é cada vez mais notório que se não existir uma

compreensão mínima da Ciência por parte do público os sistemas democráticos tornam-se vulneráveis à tecnocracia; ou seja, a um sistema que entrega as decisões nas mãos de técnicos e especialistas, sem que haja a participação dos cidadãos.

Nesta perspectiva, a educação em Ciência deve contribuir para que a população tenha acontecimentos suficientes sobre a Ciência de forma a que os cidadãos:

possam entender as razões de decisões que envolvam problemáticas científicas e tecnológicas;

sejam capazes de participar ou, noutros casos, de se envolverem activamente, nas decisões, exercendo plenamente os seus direitos de cidadania.

O relatório da Royal Society de Londres sobre a compreensão pública da Ciência,

apontava já nesta direcção ao afirmar que um público cientificamente literado deverá «… melhorar significativamente a qualidade da decisão pública, não porque as decisões 'certas' são tomadas, mas porque decisões tomadas à luz de uma compreensão adequada das questões, são provavelmente melhores que as decisões tomadas na ausência de tal compreensão». (Royal Society, 1985, citado em Laugksch, 2000).

As orientações, oriundas da Direcção Geral de Inovação e de Desenvolvimento

Curricular para o Ensino Secundário voltam-se neste sentido. Veja-se, por exemplo, o que vem referido como objectivo geral:

« … a concretização da educação dos jovens para o pleno exercício da cidadania

democrática». Acresce ainda que o aumento de conhecimentos científicos e uma compreensão

mínima sobre a Ciência contribuirá para que as pessoas tomem decisões racionais que afectam a sua própria vida e estilo pessoal de vida (caso de dietas, saúde, consumo, etc).

Por outro lado, a promoção de uma maior literacia científica está relacionada com as expectativas do público para com a Ciência. Assim, quanto mais o público compreender os objectivos, processos e capacidades da Ciência, menos adquirirá expectativas irrealistas e irrealizáveis. Enquanto as expectativas irrealistas podem conduzir à perda de confiança e, eventualmente à retirada de apoio à Ciência, os níveis aumentados de literacia científica podem contrariar o potencial desencantamento para com a Ciência (Laugksch, 2000).

3. De ordem humanista

Do ponto de vista humanista, a Ciência não só transformou o nosso ambiente natural, como também modificou o nosso modo de pensar e os nossos hábitos. A influência das ideias científicas e dos processos usados em Ciência é visível na literatura, nas artes, nas estruturas institucionais e nos próprios valores culturais. Por isso, a Ciência faz parte do património cultural da humanidade. «Não ter nenhuma ideia sobre o empreendimento científico é ser, num sentido real, um outsider excluído da cultura» (Millar e Osborne, 1998, citado em Pereira, 2002).

Neste contexto, Fourez (1994) refere que ser culto hoje: significa compreender como é que as Ciências e as Tecnologias

emergiram na história da humanidade e como fazem parte dessa história (dimensão histórica);

é ter alguma ideia sobre como é que actualmente se constrói a Ciência e como é a actividade científica (dimensão epistemológica);

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implica poder apreciar como é que uma dada teoria ou uma máquina se ajusta a uma dada situação (dimensão estética);

implica percepcionar o corpo como um lugar inteligente relativamente aos utensílios e às máquinas (dimensão corporal);

é ter consciência de que as Ciências e as Tecnologias são essencialmente formas de construir uma visão de um mundo partilhável e comunicável (dimensão de comunicação).

No fundo e, dizendo o mesmo em poucas palavras, “ser-se hoje uma pessoa culta

implica necessariamente ser-se culto do ponto de vista científico” (Martins, 2002 a). A literacia não se mede em termos dicotómicos, ou seja, apenas com base na ideia

que se é, ou não, letrado. Assume-se que a literacia pode ser analisada em vários graus ou níveis de literacia (Pereira, 2002).

A OCDE, para efeitos de estudo do grau de literacia atingido pelos estudantes de vários países à saída da escolaridade obrigatória (15 anos), procura ajuizar a literacia científica em três dimensões: uma relativa aos conteúdos propriamente (conhecimentos declarativos), outra relativamente a questões metodológicas (aspectos procedimentais) e uma dimensão contextual (vida quotidiana). Passa-se a exemplificar as linhas adoptadas, tal como foram definidas (OCDE, 2000).

Conceitos científicos necessários para compreender fenómenos do mundo natural e as mudanças provocadas neste pelos seres humanos.

Processos científicos, centrados na capacidade para adquirir, interpretar e agir em função das evidências.

Em situações científicas, seleccionadas sobretudo a partir da vida quotidiana e não retiradas da prática da investigação científica profissional.

Algumas organizações têm feito recomendações no sentido da promoção de uma

educação em Ciência orientada para todos os jovens. A Associação para a Educação Científica, na Inglaterra (Association for Science Education, ASE), promoveu um conjunto de seminários e encontros entre vários especialistas, do qual resultou um documento indicativo sobre o que se espera que seja a educação científica para além do ano 2000 (Millar e Osborne, 1998, citado em Pereira, 2002). Assim, nesse documento consta que a educação em Ciência deve:

desenvolver a curiosidade dos jovens e das crianças acerca do mundo natural que os rodeia e aumentar a sua confiança na sua capacidade para investigar o respectivo comportamento;

procurar elevar o sentido do maravilhoso, promover o entusiasmo e o interesse na Ciência de tal forma que a gente jovem se sinta confiante e competente para lidar com assuntos científicos e tecnológicos;

ajudar os jovens a adquirir uma compreensão geral e alargada das ideias importantes e das explicações da Ciência e dos procedimentos da pesquisa científica, os quais têm o maior impacto no ambiente material à nossa volta e na nossa cultura em geral.

Esta compreensão sobre a Ciência deve permitir que todos os jovens possam:

ajuizar do valor das ideias e dos procedimentos científicos; apreciar as razões subjacentes a muitas decisões que têm (ou

terão) que tomar em contextos quotidianos, ou que explicam determinadas advertências (por exemplo, relativas a dietas, tratamentos médicos ou uso de energia);

compreender e apreciar criticamente relatórios nos media sobre problemáticas sociais com componentes científicas;

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sentir-se com capacidades para ter, e expressar, um ponto de vista pessoal sobre debates públicos incidindo em problemas com componentes científicas e, talvez, envolver-se activamente em alguns desses debates;

adquirir mais conhecimentos quando for necessário, quer por interesse pessoal, quer por razões vocacionais.

Uma educação em Ciência capaz de promover a literacia científica para todos os jovens sem excepção, é um objectivo educacional a atingir com reflexo necessariamente nos currículos de Ciência actuais.

Mas, de acordo com os vários estudos (Pisa, entre outros) realizados para medir o nível de literacia das populações em geral, verifica-se um baixo nível de literacia científica relativamente a questões sobre Ciência.

3.2.2 PROPOSTAS DE ACÇÃO NO SENTIDO DA MUDANÇA De acordo com Chagas (1999), uma primeira exigência para a escola,

relativamente à divulgação e aplicação de práticas adequadas ao acesso à literacia científica, é clarificar o que os professores, alunos, funcionários, encarregados de educação pensam e sentem relativamente a esta questão e quais as perspectivas evidenciadas pelos órgãos da escola. Para além disso, esta autora afirma ser importante saber também quais os rituais que envolvem a abordagem da Ciência na escola, assim como o clima geral da escola relativamente a este assunto. Em sua opinião, uma compreensão profunda da própria escola é essencial para que qualquer processo de mudança ou inovação se inicie como projecto partilhado e conhecido de todos.

Como segunda exigência, esta autora menciona a gestão do tempo, do espaço, dos recursos físicos e humanos. Em sua opinião, se houver um projecto comum é possível, apesar das limitações e condicionantes que qualquer escola enfrenta, proceder a uma reformulação daquilo que existe, tornando-o mais adequado às práticas que permitem o acesso à literacia científica. O que torna mais fácil, também, identificar aquilo que falta e procurar estratégias e argumentos para o conseguir.

Martins (2002 a) apresenta também propostas tendo por base os maus resultados que evidenciaram os estudos realizados para medir o nível de literacia científica dos alunos. Por isso, na opinião desta autora, se a responsabilidade pelo baixo nível de literacia que quase todas as sociedades apresentam, e que tanto pesa sobre os educadores em Ciência, não é apenas culpa da escola, também esta não poderá disso ser isentada.

Para melhorar a qualidade das aprendizagens sobre Ciência e actividade científica é necessário ter em conta 3 factores: início da educação formal em Ciência, a natureza dos currículos de Ciência e a formação em Ciência dos professores (Martins, 2002 a).

3.2.2.1 Início da educação formal da Ciência É hoje consensual que a educação para a literacia científica se deve efectuar

desde os primeiros anos da escolaridade, incluindo os anos da pré-escolaridade formal.

Na opinião de Millar e Osborne (1998, citado em Pereira, 2002), começando desde cedo o desenvolvimento de competências, como o desenvolvimento da capacidade de raciocinar sobre a evidência, construir-se-ão as bases essenciais para a educação científica com vista à literacia científica.

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As razões apontadas para que o ensino das Ciências se faça desde muito cedo são múltiplas e variadas, entre elas:

- Responder à curiosidade das crianças (é mais fácil ganhar um físico aos 5 anos do que aos 15!) (Martins, 2002 a). A Ciência fornece uma grelha para desenvolver a curiosidade natural das crianças (Pereira, 2002);

- Desenvolver capacidades úteis para aprendizagens futuras de Ciências. Sá (2000, citado em Pereira, 2002) entende que não se iniciar uma abordagem experimental do ensino da Ciência com crianças poderá, do ponto de vista educativo, estar-se a desperdiçar uma faixa etária com imensas potencialidades como os elevados poderes interrogativo e criativo; plasticidade dos seus esquemas mentais; ocorrência de ideias intuitivas que, não sendo contraditórias com as ideias científicas, poderão ser tomadas como uma fase embrionária de um processo de mudança evolutiva; elevado ritmo de maturação das estruturas cognitivas nesta faixa etária;

- Ser uma via para a construção de uma imagem positiva e reflectida acerca da Ciência (as imagens constroem-se desde muito cedo e a sua mudança não é fácil) (Martins, 2002 a). As atitudes e ideias adquiridas pelas crianças nos primeiros anos de escolaridade têm uma influência decisiva sobre a forma como a Ciência e a Tecnologia será vista mais tarde quando adolescentes e adultos (Pereira, 2002).

Segundo Fumagalli (1998, citado em Martins, 2002 a) há também razões de ordem

social para que isto suceda, pois: - Todas as crianças têm o direito de aprender. Não ensinar nos primeiros anos,

invocando uma suposta incapacidade intelectual das crianças é uma forma de discriminação social.

- A escola básica tem um papel social na distribuição do conhecimento. Como o conhecimento científico é parte constitutiva da cultura elaborada socialmente é válido considerá-lo como conteúdo do conhecimento escolar.

- O conhecimento científico é um valor social que permite aos indivíduos melhorar a qualidade da interacção com a realidade natural.

Fica pois claro que é unânime que, aprender Ciência desde muito cedo, parece ser um caminho promissor para mais e melhores aprendizagens no futuro.

3.2.2.2 Natureza dos currículos de Ciência Elaborar um currículo escolar motivador em termos de aprendizagem não é uma

tarefa fácil. Porém, esta tarefa é essencial dados os resultados de vários estudos que evidenciam o pouco interesse dos alunos de todos os níveis para com os programas das disciplinas de Ciências. Na tentativa de inverter esta situação, passou-se a apresentar recomendações para a elaboração de novos currículos. Na opinião de Martins, (2002 a) há três vias a desenvolver simultaneamente para alcançar esse objectivo:

1. Os currículos de Ciência devem promover o interesse dos jovens pelo

prosseguimento de carreiras científicas e técnicas pelo que deverão também incluir informação sobre carreiras profissionais e âmbitos de aplicação.

2. Os currículos deverão deslocar o centro das atenções dos conceitos, princípios, leis e teorias, para os problemas e temas de cariz societal. Esta é uma forma de fazer com que a Ciência escolar não esteja alienada da realidade social, e de responder aquilo que são as próprias expectativas e interesses dos alunos. (Martins, 2002 a). Por isso, canalizar o interesse dos alunos para a Ciência passará sempre pela elaboração de programas que

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contemplem também os seus interesses. Por exemplo, na investigação desenvolvida por Dias (1999), uma amostra constituída por 1000 alunos do 10º e 12º anos, a frequentar a disciplina de Biologia, revela que mais de 70 % destes alunos consideram muito interessantes, e de grande relevância pessoal e social, 18 temas de Biologia, contudo apenas um número reduzido (3) se encontra contemplado nos programas da disciplina de Ciências da Terra e da Vida.

Os currículos deverão pois reflectir não só a aprendizagem de um corpo de conhecimentos ou de processos da Ciência, mas fazê-lo de tal forma que as aprendizagens se possam tornar úteis e relevantes no dia-a-dia, no sentido de contribuírem para o desenvolvimento pessoal e social do aluno. Para a aplicação concreta desta perspectiva de ensino muito contribuirá a abordagem de situações- problema ligadas ao quotidiano dos alunos, uma vez que irá permitir a reflexão sobre os processos da Ciência e da Tecnologia, bem como as suas inter-relações com a sociedade. Num ensino de Ciência de cariz CTS, a aprendizagem dos conceitos e dos processos surge como uma necessidade sentida pelos alunos para encontrar resposta aos problemas levantados, que aparecem como situações de partida e não como fins. Os investigadores que advogam um ensino de Ciência ligado a esta perspectiva são vários, por exemplo Millar (1996), e os resultados atingidos são promissores no aumento da motivação pela aprendizagem das Ciências. Face a estes resultados, parece fundamental que os currículos reflictam esta filosofia de ensino e que se encorajem os agentes de educação a actuar neste sentido e segundo os currículos e não segundo os manuais escolares…

3. Os autores das propostas da AAAS para a reforma curricular do Estados

Unidos, Projecto 2061 (Rutherford e Ahlgren, 1990; AAAS, 1993, citado em Paixão, 2006) bem como Millar (1996), por exemplo, entendem que se deve “ensinar menos para ensinar melhor”, pois são de opinião que um currículo demasiado atulhado de informações sobrecarrega a memória a curto prazo e impede a boa aprendizagem. Esta ideia deriva do entendimento de que a compreensão de diferentes dimensões do conhecimento científico (Ciência e Sociedade, Ética e Ciência, Natureza da Ciência, Ciência e Tecnologia, Conhecimento Conceptual, por exemplo) é algo que implica novos métodos de ensino e, por isso, consome tempo. Assim, os conteúdos em todos os níveis de ensino deverão ser reduzidos, devendo favorecer-se as ideias fundamentais que tenham tido grande influência naquilo que vale a pena saber hoje e que ainda valerá a pena saber daqui a décadas (Martins, 2002 a).

3.2.1.3 Repensar a formação em Ciência dos professores

Muito embora seja conhecida a multiplicidade de factores que afectam a qualidade

das aprendizagens em Ciência, nunca se poderá subestimar a importância da formação dos professores. A análise deste factor é fundamental se se pretende melhorar o ensino, uma vez que, entre outras razões, os professores de Ciência têm uma influência manifestamente notória na formação de concepções de Ciência nos alunos e na sua educação.

. De acordo com (Martins, 2002 a) é preciso actuar no sentido de introduzir nos currículos dos cursos de formação de futuros professores outras dimensões para além da formação disciplinar específica, que passam pelo envolvimento de forma estruturada, e não avulsa, dos futuros professores no aprofundamento de temas

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globais, de cariz multi e interdisciplinar, em debates e colóquios, e no contacto directo com cientistas em trabalho real.

Por outro lado, dever-se-á desenvolver esforços no sentido de aumentar o interesse dos professores pelas vias de ensino não-formal (museus e centros de ciência, entre outras). Não basta, por isso, dizer aos professores que é importante visitar museus e centros de ciência, se eles próprios não manifestarem interesse em fazê-lo. Esse interesse terá de passar não apenas por um aumento da frequência destas vias pelos professores, mas e sobretudo, pela possibilidade de formação que lhes permita e os torne capazes de, no futuro, saber explorar com os seus alunos as potencialidades dessas vias não-formais na melhoria significativa do nível da Ciência escolar.

É também necessária uma intervenção activa dos docentes de Ciência na difusão, entre os estudantes, que a tarefa de se tornar e manter literado cientificamente é do interesse do próprio aluno e, como tal, é uma tarefa a assumir pessoalmente.

4. O ENSINO CTS E A PROMOÇÃO DA LITERACIA CIENTÍFICA

Os movimentos de origem CTS tiveram origem em duas correntes de pensamento

que se desenvolveram no pós Segunda Guerra Mundial do século XX. A primeira teve origem nos cientistas que, face aos desenvolvimentos tecnológicos que se estavam a verificar, desde a construção da bomba atómica até aos primeiros indícios de desastres ambientais provocados pelo uso dos pesticidas, assumiram uma postura crítica, de responsabilidade social da Ciência. A segunda corrente de pensamento emergiu com um ensaio produzido por C. P. Snow, intitulado “As Duas Culturas”(Snow, 1962, citado em Laugksch, 2000), ensaio esse que, criticando a artificialidade da separação académica entre as Ciências e as Humanidades, separação entretanto criada na modernidade, procurava esbater essas diferenças. Como resultado, esta corrente de pensamento advogava no ensino das Ciências uma vertente mais humanista (Pereira, 2002).

Posteriormente, já na década de 70 do século XX, problemáticas sociais ligadas à Ciência e debates sobre algumas questões particulares nalguns países, como por exemplo a instauração ou não de centrais nucleares, vieram mostrar que as questões sócio-científicas deveriam assumir um lugar próprio no ensino das Ciências. Em consequência, emergiram alguns programas, em vários países, que além da componente em Ciência, incluíam uma componente em Tecnologia e enfatizavam a relação entre estas e a Sociedade. Mais recentemente incluem também a componente Ambiente (CTSA).

À medida que a quantidade de problemas sociais de origem científica e tecnológica foi progressivamente aumentando trouxe consigo a urgência da adopção deste tipo de ensino das Ciências, pelo que em vários países foram concebidos programas com abordagens CTS.

Estas abordagens perspectivam a educação científica como centrada no aluno, de modo a que este possa dar, em simultâneo, sentido ao ambiente social que o rodeia (Sociedade), quer natural (Ciência) quer construído artificialmente (Tecnologia) (Pereira, 2002). Ao mesmo tempo que os alunos abordam a tecnologia e a Ciência, abordam as relações entre elas, a forma como ambas afectam a vida quotidiana e tentam compreender como tomar decisões mais informadas a propósito de problemas que têm por base a Ciência e a tecnologia. De acordo com Canavarro (1997), a finalidade principal da educação CTS é promover a alfabetização em Ciência e tecnologia, para que os cidadãos possam participar no processo democrático de tomada de decisões e assim promover o exercício da cidadania na resolução de problemas relacionados com a Ciência e a Tecnologia na nossa sociedade. Aikenhead (1994) vai de encontro à ideia de Canavarro (1997) quando diz, e passa-se a citar, “o

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objectivo último das abordagens CTS é a formação de cidadãos informados e participativos”.

Deste modo, deixou de ter sentido o ensino de conceitos pelos conceitos, não por eles não terem valor intrínseco mas porque a sua importância será melhor percepcionada pelo aluno (sobretudo para níveis mais baixos) se eles aparecerem como via para dar sentido aquilo que é questionado (Martins, 2002 b).

O movimento CTS foi reconhecido como uma orientação importante para a reforma da educação científica nos diversos países do mundo, inclusivamente organismos internacionais como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) consideram prioritário orientar o ensino das Ciências rumo ao ensino CTS. Assim e no momento actual, a educação para a literacia científica, preconizada a nível mundial pela UNESCO, integra uma vertente importante de origem CTS.

Em diversos países, o movimento CTS serviu de orientação para a elaboração de projectos de reformas curriculares. Em Portugal, a educação CTS também tem vindo a adquirir uma importância crescente e as propostas da última reforma para o ensino básico evidenciam constantemente a ideia de que a “interacção Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente deverá constituir uma vertente integradora e globalizante da organização e da aquisição dos saberes científicos” (Galvão et al., 2001).

No que diz respeito às Orientações Curriculares para o Ensino Secundário,

nomeadamente para o ensino da Física e da Química (Martins e Caldeira, 2001 e 2003), consta e, passa-se a citar:

« … sobre as finalidades da educação científica dos jovens levou a que cada vez mais se

acentuem perspectivas mais culturais sobre o ensino das Ciências. O seu objectivo é a compreensão da Ciência e da Tecnologia, das relações entre uma e outra e das suas implicações na sociedade e, ainda, do modo como os acontecimentos sociais se repercutem nos próprios objectos de estudo da Ciência e da Tecnologia. Este tipo de ensino privilegia o conhecimento em acção (por oposição ao conhecimento disciplinar) e é conhecido por ensino “CTS” (Ciência-Tecnologia-Sociedade) ou “CTSA” (Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente).»

Muito embora se torne difícil definir de forma cabal os aspectos concretos de que se revestem os programas de ensino CTS, há características que, sendo mais ou menos comuns, têm norteado os referidos programas (Ratcliffe, 2001):

abordagem de aspectos elucidativos da relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade numa perspectiva de educação para uma actuação democrática;

assunção de uma dimensão multicultural; estudo do impacto ambiental, incluindo a nível global, na

qualidade de vida; incidência nos aspectos económicos e industriais da tecnologia; assunção da necessidade de compreender a natureza limitada

do conhecimento científico; assunção da importância da discussão de opiniões e de valores

pessoais na perspectiva da acção.

Na organização dos currículos de orientação CTS são abordados temas societais pertinentes, de interesse também para os alunos e para cujo desenvolvimento e compreensão é necessário aceder também ao conhecimento e compreensão de conceitos e princípios científicos.

Um dos modelos de ensino/aprendizagem CTS mais conhecido é o da espiral de responsabilidade proposto por Waks (1992, citado em Iglesia, 1995). Este modelo considera cinco fases sucessivas:

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1. Autocompreensão; 2. Estudo e reflexão; 3. Tomada de decisões; 4. Acção responsável; 5. Integração.

Na primeira fase, o aluno considera as suas necessidades, valores, planos e

responsabilidades e na segunda adquire consciência e conhecimento da Ciência e da Tecnologia, bem como dos seus impactos sociais. Consequentemente, isto pressupõe o contacto com as chamadas disciplinas base, nomeadamente as Ciências Experimentais, as Matemáticas, a Tecnologia e as Ciências Sociais. A fase ´Tomada de decisões` pressupõe a aprendizagem dos processos de tomada de decisões e de negociação de modo a que, mais tarde, os alunos sejam realmente capazes de tomar posições e defendê-las. Na quarta fase, o aluno planifica e realiza a acção, quer individual, quer colectivamente e, por fim, na fase ´Integração` faz considerações CTS mais amplas, incluindo o tratamento de valores pessoais e sociais.

Enquanto o ensino tradicional das Ciências centra todo o seu esforço nos conteúdos científicos, remetendo a tecnologia para um plano secundário e tomando a sociedade como mera utilizadora, o movimento CTS procura utilizar a tecnologia como ponte entre a Ciência e a sociedade.

As perspectivas do movimento CTS apontam no sentido de compreender não só as realidades envolventes, como os problemas do futuro de modo a assegurar um desenvolvimento sustentável.

Por isso é cada vez mais partilhado (Crick, 2001) que a educação em Ciências deve contribuir para a formação de cidadãos cientificamente letrados capazes de actuar em cenários do quotidiano com base em conhecimento científico.

No que respeita à concretização, a nível escolar, é notório que a efectivação e o sucesso das abordagens CTS parece dependerem também da actuação concreta dos professores.

CTS

Que imagem de Ciência deve ser dada aos alunos? As respostas da Ciência A Ciência fornece são controversas respostas correctas

Ensino tradicional

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Figura 2 – Ensino CTS versus tradicional (Adaptado de Ratcliffe, 2001)

A figura 2 diz respeito a três dimensões, pensadas por um grupo de educadores no interior da ASE (a organização inglesa Association for Science Education), que podem ser consideradas como base de reflexão para se testar até que ponto as concepções de um professor vão ao encontro de uma óptica CTS.

4.1 CTS NA ESCOLA – QUE OBSTÁCULOS? Apesar da sua importância, até ao momento a influência do ensino CTS foi pouco

significativa. Há estudos, como os de Aikenhead et al. (1987); Fleming (1987); Rubba et al. (1993); Caldeira (2004); Martín Díaz et al. (2004), que evidenciam a existência de algumas dificuldades na implementação de um ensino CTS, que advêm, não só mas também, da resistência à mudança de atitudes dos professores.

Também a panóplia terminológica que envolve a educação CTS tem gerado uma grande diversidade de pontos de vista, o que não tem ajudado a consolidar as ideias principais. Assim, fala-se em perspectivas, enfoques, inter-relações, contextos, temas, orientações e, mais frequentemente, em movimento CTS (Martins, 2002 b).

Como principais obstáculos à implementação alargada do movimento CTS nas escolas são referidos:

os professores – sua formação, concepções, e atitudes; os recursos didácticos;

Associados a estes dois obstáculos acima citados, surge, por vezes, a indicação

dos programas curriculares. Porém, embora estes sejam instrumentos oficiais oriundos da política educativa vigente, verifica-se actualmente que os programas são elaborados de acordo com uma perspectiva CTS, onde o seu cumprimento passa por uma abordagem obrigatória de temáticas onde se evidenciam as interacções Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente.

Em Portugal, já se assistiu a várias reformas no ensino, mas poucas tiveram algum impacto no modo como a Ciência tem sido ensinada ou aprendida (Galvão, 2004). O

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sucesso de uma reforma curricular depende da compreensão e adopção das inovações introduzidas no currículo.

Segundo Aikenhead (2002), a compreensão do professor é a maior componente no desenvolvimento com sucesso de um currículo CTS. Ela é fundamental para a mudança de atitudes dos professores, mas para isso eles têm de sentir-se confortáveis e competentes na gestão desse mesmo currículo.

Na opinião de Martins, (2002 b), tudo aquilo que se vier a alcançar com qualquer ciclo de estudos dependerá sempre da vontade e acção dos professores (condicionada pelas suas concepções). Assim, muito embora se aceite inquestionavelmente a ideia de que os professores são “agentes-chave de todo o sistema educativo”, a sua formação, para os ensinos básico e secundário, é relegada para instituições onde a maioria dos seus formadores não possuem qualquer formação específica em ensino para exercer tais funções. Para além disto, os planos de estudo dos cursos de formação inicial de professores de Ciências para os ensino básico e secundário, praticados em Portugal, no ensino superior universitário, aparecem, de algum modo desajustados relativamente ao que se pretenderia. Por exemplo, o tempo que se dedica à componente de educação, que compreende essencialmente fundamentos de Ciências da Educação e disciplinas de Didáctica Específica (onde se abordam perspectivas de ensino das Ciências), é necessariamente escasso tendo em conta que os modelos de ensino a que cada futuro professor está sujeito ao longo do seu período de formação serão aquilo que mais influencia a sua perspectiva de ensino. É plausível admitir que as práticas de ensino das Ciências nas instituições de ensino superior, em Portugal, são predominantemente de índole transmissiva, onde se valoriza o conhecimento de conceitos, leis e teorias, onde predomina a resolução de exercícios de acentuado cariz quantitativo, por oposição à interpretação qualitativa de situações-problema abertas (Martins, 2002 b).

Como consequência destes modelos de ensino a que cada futuro professor está sujeito, surge um modelo de ensino que este irá seguir durante a sua prática pedagógica; ou seja, a ideia implícita será sempre no sentido de, e passa-se a expressão, “Faço como vi fazer!”. Por isso, não é legítimo admitir que os professores recém chegados às escolas se sintam à vontade e com coragem para orientar o seu trabalho de forma diferente daquela que viram fazer. Até porque e aliás, é vulgar que os professores com mais anos de experiência organizem uma dinâmica de ensino frequentemente seguindo um modelo tradicional, ao qual se “deve” submeter o professor recém-chegado. Desta feita, “o ensino das ciências de nível básico e secundário de orientação CTS só poderá ser uma realidade quando o for nas nossas universidades” (Martins, 2002 b).

No que concerne à formação contínua e pós-graduada de professores, pode dizer-se que os cursos de Mestrado em Ensino/Educação em Ciências que muitas universidades portuguesas oferecem, permitiram a qualificação de muitos professores, o que mostra de algum modo o interesse dos próprios em se qualificarem académica e profissionalmente. No entanto a formação continua é a menos desenvolvida em Portugal. Nesse sentido e de acordo com o novo Estatuto da Carreira Docente, em vigor desde Janeiro de 2007, os professores serão obrigados a fazer formação e a progredir na carreira em cursos acreditados na respectiva área de formação, o que faz todo o sentido.

Por outro lado, o ensino das Ciências de orientação CTS exige confiança e conhecimento dos professores sobre temas de cariz societal, o que nem sempre se verifica. Apesar de todo o interesse de que se reveste uma orientação, numa perspectiva CTS, para as práticas docentes ainda se está longe da sua implementação de modo significativo como forma de veicular uma concepção adequada de Ciência.

Para além dos factores apresentados no que diz respeito à componente professor, Martín-Díaz et al. (2004) salientam ainda o individualismo a que é votada a actividade profissional do professor, que raramente trabalha em parceria com outros docentes de

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grupos disciplinares diferentes, como obstáculo à implementação do movimento CTS nas escolas. A idade do professor é um outro impedimento apontado por estes autores, que entendem que só com a incorporação de docentes mais novos é que a implementação CTS nas escolas poderá ser uma realidade. Para além disso, realçam ainda a falta de uma “identidade profissional” entre os professores de Ciências fruto da desvalorização da própria Ciência que se vem fazendo sentir. A desmotivação de um bom número de docentes, constitui também, no entender destes autores, um obstáculo. Tal desmotivação está relacionada com a falta de consideração social da profissão e a falta de valorização por parte dos encarregados de educação e de outros professores, o que conduz à adopção do que Martín-Díaz et al. (2004) designam por uma “atitude de sobrevivência”.

Os recursos didácticos são elementos essenciais para a organização do ensino

das Ciências e condicionantes da aprendizagem. Um deles são os manuais escolares que determinam, por vezes, o que os professores fazem nas aulas. Este procedimento não assumiria um carácter tão negativo se não fosse a pouca qualidade e a existência de erros científicos que não é assim tão pouco frequente encontrar. Assim, o ensino das Ciências de orientação CTS precisa de novos materiais que suportem a filosofia que lhe está subjacente e, é por isso, que é fundamental conduzir projectos onde os mesmos sejam concebidos, produzidos e validados.

Nestes novos materiais deve ser dado particular ênfase ao trabalho de pesquisa a conduzir pelos alunos, uma vez que este permite desenvolver competências essenciais ao exercício da cidadania tão importante nos dias de hoje. Tais competências são: selecção e análise de informação, cooperação entre os elementos de cada grupo e comunicação de resultados, de dúvidas e de conclusões.

A questão dos recursos didácticos não tem uma solução fácil nem rápida. Os manuais escolares, por exemplo, são o recurso dominante e sucede que ainda alguns deles são feitos por docentes do mesmo nível de ensino. Esta prática fará com que os manuais escolares sejam elaborados de acordo com a formação e concepção sobre o que é a Ciência que estes professores detêm. Também a concepção sobre o que deve ser a Ciência escolar e como esta deverá ser ensinada aparecerá, nestes manuais, de acordo com a concepção do professor que o construiu. Ultimamente tem havido um maior cuidado no que diz respeito a esta questão, pois muitos dos manuais escolares disponíveis no mercado são feitos por docentes do ensino universitário, ou com a colaboração destes.

Em suma, parece pois que o ensino de orientação CTS precisa de recursos

didácticos consentâneos com as questões sociais do momento, pois só assim poderá atingir os objectivos a que se propõe. Porém, quaisquer que sejam as dificuldades, elas não devem ser entendidas como entraves a uma educação CTS. Muito pelo contrário, tais dificuldades deverão ser entendidas antes de mais como pontos de reflexão, que é urgente ultrapassar, de modo a se conseguir aquilo que já, em 1994, o jornal Público divulgava, “a ciência que é ensinada nas escolas tem de estar mais próxima dos problemas do quotidiano e ser transmitida de forma mais interessante” (Público, 2004). 5. ALGUNS TEMAS DE CIÊNCIA PARA O PÚBLICO 5.1 “BURACO DO OZONO”

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É nas camadas superiores da estratosfera que se reúnem todas as condições para

a produção (natural) de ozono. Assim, por intermédio de radiações ultravioleta (da radiação solar) de comprimento de onda inferior a 242 nm (UV-C), dá-se a decomposição do oxigénio molecular em atómico, de acordo com

2 º 498 kJ/mol (1)O O O H! + " =

As descargas eléctricas, naturais (nas trovoadas) ou provocadas, são também

capazes de produzir a dissociação das moléculas de oxigénio. Este oxigénio atómico, por sua vez, combina-se rapidamente com outras

moléculas de oxigénio, na presença de uma terceira molécula genérica M (normalmente O2 ou N2), levando à formação natural de ozono:

2 3 (2)O O M O M+ + ! +

A molécula M desempenha um papel importante neste processo que é exotérmico,

ao absorver parte da energia libertada, impedindo assim a decomposição espontânea do ozono assim formado.

O processo (2) leva à emissão de radiação IV de comprimento de onda 1198 nm, e que se traduz num aumento de temperatura da estratosfera (passa de 245 K (-28 ºC) para 270 K (-3 ºC)).

Porém, o ozono assim formado ao absorver radiação ultravioleta de frequência 10×1014 a 15×1014 Hz (Chang, 1994), decompõe-se dando origem a oxigénio molecular e atómico:

É por intermédio do processo (3), onde há absorção de radiação ultravioleta, que a

superfície da Terra é protegida dos danos causados por esta radiação. O processo continua quando o oxigénio molecular e o oxigénio atómico, formados

por (3), se recombinam para dar origem a moléculas de ozono, tal como em (2), o que provoca um aquecimento adicional da estratosfera. Como reacção de fecho deste mecanismo, também pode acontecer que o ozono reaja com o oxigénio atómico, regenerando oxigénio molecular de acordo com:

)4(kJ/mol390ºÄ2 23 !="#"+ HOOO

Somando membro a membro (3) e (4), tem-se globalmente:

2332 OO !"!

A concentração de ozono é resultado do balanço entre as reacções de formação

(2) e de decomposição (3) do ozono. Nas altas camadas da atmosfera, o valor da velocidade da reacção (1) é muito

maior do que nas baixas camadas. Consequentemente, nas altas camadas, a concentração de O é muito maior do que a de O2. Também a maiores altitudes, a reacção evidenciada em (3) torna-se mais rápida e a reacção evidenciada em (2) mais lenta, consequentemente diminui a concentração de ozono. A mais baixas altitudes, é o contrário e, por isso, a concentração de ozono aumenta. Verifica-se que a

3 2 º 100 kJ/mol (3)O O O H! + " =

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concentração de ozono na estratosfera aumenta com a altitude até atingir um valor máximo e, a partir daí, diminui com a altitude.

As reacções anteriormente apresentadas permitem, no seu conjunto, justificar o equilíbrio dinâmico que explica a existência de uma concentração constante de ozono na estratosfera (em condições normais, o valor da velocidade de produção de ozono é igual ao valor da velocidade de destruição do ozono e, por isso, atinge-se um estado no qual a concentração de ozono é constante). Diariamente formam-se e são destruídas 350×103 toneladas de ozono. No entanto, estas reacções não chegam para explicar quantitativamente a distribuição espacio-temporal do ozono. É necessário ainda ter em conta os outros elementos químicos presentes na atmosfera a esta altitude, assim como as leis da meteorologia e da fotoquímica, que fazem com que a distribuição do ozono estratosférico não seja uniforme e que apresente variações espaciais (latitude e altitude) e temporais (dia/noite, estações do ano e ciclo solar) muito acentuadas (Mouvier, 1995).

Porém, e ainda de acordo com Mouvier (1995), admite-se como padrão uma distribuição vertical onde o ozono atinge o máximo de concentração a cerca de 25-30 quilómetros de altitude e onde a sua concentração média se distribui pela zona compreendida entre os 10 e os 70 quilómetros. A sua concentração relativa é elevada (máximo 8 ppm= 8000 ppb) quando comparada com a que existe na troposfera (100 a 600 ppb, no máximo).

Na década de 1970, Paul Crutzen demonstrou que os óxidos de azoto (NO) e dióxido de azoto (NO2) reagem cataliticamente com o ozono, contribuindo para a sua diminuição na estratosfera, por intermédio das reacções esquematizadas genericamente em (9) e (10), onde X* representa o óxido de azoto.

Em 1974, através de um artigo de Molina e Rowland publicado na revista Nature, relacionavam os compostos de síntese, designados genericamente por fréons (clorofluoretos de carbono, vulgarmente conhecidos por clorofluorcarbonetos e cuja sigla é CFC), com a destruição do ozono.

Os clorofluoretos de carbono (CFC) constituem um grupo de produtos apontados como perigosos para a “camada de ozono”, sendo os mais usados o CFC 11 (CFCl3) e o CFC 12 (CF2Cl2) e os mais estáveis por serem totalmente halogenados. Para além destes, os halons, substâncias com uma composição semelhante à dos CFC, mas contendo átomos de bromo, têm também contribuído para este efeito.

Uma vez libertados para a atmosfera, os CFC não são decompostos na troposfera, pois aí a radiação não é suficientemente energética para os degradar, pelo que estes difundem-se lentamente até à estratosfera, onde as radiações ultravioleta de comprimento de onda entre 175 nm e 220 nm (Chang, 1994) promovem a sua decomposição. Embora esta decomposição conduza à formação de radicais flúor e cloro, evidencia-se em (5) e (6) a libertação de cloro, uma vez que são os principais responsáveis pela diminuição do ozono. Assim:

)6(

)5(

222

23

ClClCFClCF

ClCFClCFCl

h

h

+!"!

+!"!

#

#

Estes átomos de cloro, uma vez libertados, vão reagir com as moléculas de ozono e destruí-las, (o mesmo sucede com os halons, só que em vez de átomos de cloro ou de flúor libertam-se átomos de bromo igualmente capazes de reagir com as moléculas de ozono).

Em termos genéricos, num primeiro passo, a reacção que tem então lugar é:

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)7(),(23 FClXOXOOX =+!+

Num segundo passo, dá-se a decomposição das moléculas de ozono por acção das radiações UV:

)8(23 OOhO +!"!+ #

O óxido formado reage com um átomo de oxigénio (proveniente da decomposição das moléculas de ozono por acção das radiações UV), libertando novamente o halogeneto, que fica disponível para destruir novas moléculas de ozono.

)9(2OXOXO +!+

Somando membro a membro (7), (8) e (9) obtém-se:

2332 OO !

Em termos gerais, se X• representar um radical livre, as reacções que levam à

destruição das moléculas de ozono são:

)12(

)11(

)10(

2

23

23

OXOXO

OOhO

XOOOX

+•!+•

+"!"+

•+!+•

#

Fazendo o balanço global destas duas reacções anteriormente esquematizadas

(efectuando a soma delas membro a membro) chega-se a:

)13(32 23 OO !

Esta reacção em cadeia conduz à diminuição do ozono. Sendo a diminuição do ozono produzida pelos CFC e o radical X• o cloro (Cl• ),

ocorrerão outras reacções nomeadamente aquelas em que os óxidos de azoto reagem com os radicais ClO • com formação do denominado “reservatório de espécies” HCl e ClONO2. Assim, se o ClO• reagir com o

2NO• forma-se ClONO2, tal como se

evidencia em (14). Se o ClO• reagir com o NO• formar-se-á HCl, por intermédio de (15) e (16).

)16(

)15(

)14(

34

2

22

•+!"!+•

•+•!"!•+•

+!"!+•+•

CHHClCHCl

NOClNOClO

MClONOMNOClO

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M é um composto inerte necessário para utilizar a energia em excesso. HCl e ClONO2 constituem o denominado “reservatório de espécies”, pois aqui o

cloro não é activo. Estas espécies não reagem com o ozono. Normalmente permanecem na fase gasosa e são removidas lentamente da estratosfera.

Contudo, estas espécies são transportadas para a baixa estratosfera na região polar de Inverno …

As condições peculiares para a formação do “buraco do ozono” Em 1981, um grupo de investigação inglês (Joe Farman, British Antartic Survey –

BAS) detectou pela primeira vez uma elevada rarefacção de ozono na Antárctida, que se teria iniciado em meados dos anos 70. Os valores eram de tal modo baixos que levaram a concluir que se tratava de um mau funcionamento do equipamento usado, pelo que, em 1984, tais valores foram confirmados já com um novo equipamento instalado.

Esta rarefacção de ozono na Antárctida era de tal modo elevada que se traduziu num fenómeno de grande amplitude e que ficou conhecido por “buraco do ozono”. De um modo geral, considera-se que existe um “buraco” numa zona da “camada de ozono” quando o nível de ozono é inferior a 220 unidades Dobson (uma unidade Dobson é equivalente a uma camada de ozono puro de espessura 0,01 mm à pressão de 1 atm e a 0 ºC). O termo buraco pretende apenas referir a elevada rarefacção de ozono que atinge aquela zona, pelo que não existe um buraco no sentido físico do termo, não se lhe podendo associar, por isso, a noção de vazio.

A designação “camada de ozono” refere-se ao ozono existente na estratosfera, de concentração máxima e igual a cerca de 5×1012 moléculas/cm3, situado a 25-30 quilómetros de altitude. A esta zona da estratosfera onde existe maior concentração de ozono, muito embora ela seja muito baixa, chama-se “camada de ozono”. Esta designação induz em erro se tomada à letra, uma vez que, na realidade, não existe nenhuma camada, mas uma zona que não é unicamente constituída por ozono.

Esta “camada” é mais “fina” nos trópicos do que nos pólos e apresenta flutuações sazonais. A sua quantidade de ozono apresenta valores típicos de ~360 unidades Dobson, segundo Atkins e Jones, 1997). Por isso, se fosse possível trazer para o nível da superfície terrestre, em condições de pressão e temperatura normais, todo o ozono atmosférico, constituir-se-ia uma película de ozono puro de 3,6 milímetros de espessura (já que se 1 unidade Dobson é a porção de ozono, a PTN, existente numa espessura de 0,01 mm, então 360 unidades Dobson corresponderão a 3,6 mm).

Para explicar o fenómeno “buraco do ozono”, localizado, mas não limitado sobre a Antárctida, surgiram várias hipóteses, defendidas com tenacidade pelos cientistas que as enunciaram. Durante anos, desenrolou-se assim uma “batalha” científica muito dura. Porém, a hipótese que considera a acção simultânea de vários fenómenos parece reunir o consenso geral.

Apesar da Antárctida conter as maiores concentrações em ozono durante grande parte do ano, a maior parte deste é formado nos trópicos e levado para lá por grandes movimentos de ar, pois a estratosfera apresenta uma deficiente quantidade de oxigénio atómico devido à ausência de radiação ultravioleta suficientemente energética.

Assim, durante o Inverno polar, o Sol não atinge o Pólo Sul, e forma-se sobre todo o continente antárctico, um conjunto de fortes ventos de 300 km/h, que em poucos dias dão uma volta completa ao continente. Este movimento circular de ventos sobre o pólo, designado por vórtice (polar), isola a atmosfera da Antárctida do resto do Hemisfério Sul e impede que haja transferências de ar, especialmente no sentido Norte-Sul (Mouvier, 1995).

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Sobre a Antárctida reina um frio intenso e seco e atingem-se temperaturas de -80 ºC, em média, a dezasseis quilómetros de altitude, acima do Pólo Sul. Nesta altura, as pequenas quantidades de água e de ácido nítrico presentes na estratosfera condensam, formando nuvens na estratosfera acima do Pólo (nuvens estratosféricas polares). A química que envolve o que ocorre nestas nuvens ainda não é totalmente compreendida, no entanto pensa-se que há 2 tipos de nuvens polares estratosféricas: nas do tipo 1, julga-se que são constituídas por misturas de água e de ácido nítrico que se formam a cerca de 195 K (78 ºC). As do tipo 2, menos comuns, são formadas por cristais de gelo a temperaturas baixas de cerca de 188 K (85 ºC) e a 25 km de altitude. (Carver, 1998).

Segundo Margarida Liberato (2004), da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o NO e o NO2, que ajudaram a converter o ClO em HCl, reagem com formação de ácido nítrico através de:

)19(2

)18(

)17(

3252

5232

223

HNOOHON

MONMNONO

ONOONO

!"!+

+!"!+•+•

+•!"!+•

Fig. 3 (extraída de Liberato, 2004)

O produto final (ácido nítrico) é incorporado nas partículas das nuvens estratosféricas polares.

À superfície destas nuvens, o HCl e o ClONO2 reagem um com o outro produzindo Cl2 e HNO3. Este ácido nítrico é imediatamente incorporado nas partículas de gelo das nuvens.

)20(322 HNOClClONOHCl +!"!+

Fig. 4 (extraída de Liberato, 2004)

No final do Inverno polar, o Sol começa a aparecer muito baixo no horizonte, logo apenas uma pequena quantidade de radiação ultravioleta penetra na estratosfera. A molécula de cloro é estável e não reage com a molécula de ozono, mas é facilmente fotolisada pela radiação solar o que leva à formação de dois radicais cloro, tal como se evidencia em (21).

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)21(2 •+•!"!+ ClClhCl #

Se não houver disponíveis óxidos de azoto para os remover, os radicais cloro

iniciam uma cadeia catalítica de reacções que conduz à destruição do ozono.

)25(2

)24(

)23(

)22(2222

22

222

22

23

OClClOCl

ClOClhOCl

MOClMClOClO

OClOOCl

+•!"!•+•

•+•!"!+

+!"!+•+•

+•!"!+•

#

Fig. 5 (extraída de Liberato, 2004) Somando (22), (23), (24) e (25), tem-se:

2332 OO !"!

O vórtice polar, estável do ponto de

vista meteorológico, com o pólo localizado aproximadamente no seu centro, transporta as espécies que contêm cloro como Cl• , ClO • e Cl2O2, desde a alta e média estratosfera até à baixa estratosfera, rica em ozono.

Aí ocorre uma destruição significativa do ozono.

Fig. 6 (extraída de Liberato, 2004)

De acordo com as observações efectuadas isto confirma-se, pois verifica-se que a

diminuição de ozono se localiza entre os doze e os vinte quilómetros de altitude e surge quando o Sol começa a aclarar a estratosfera (Setembro - Outubro) logo após o Inverno polar.

Mais tarde, ao longo do ano, as temperaturas elevam-se e as nuvens estratosféricas polares desaparecem, os óxidos de azoto tornam-se disponíveis para remover os radicais cloro. O vórtice polar também desaparece, impedindo o transporte para a baixa estratosfera de radicais de cloro e, por isso, a camada de ozono regenera-se.

Pode pois dizer-se que o conjunto das condições físicas absolutamente específicas da Antárctida favorece a formação do “buraco do ozono”.

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Medições efectuadas a partir de satélites e de balões parecem confirmar que os aerossóis (suspensão de partículas líquidas ou sólidas) transportados para a região antárctida por ocasião das erupções vulcânicas no México (vulcão El Chichon, Abril de 1982), nas Filipinas (Monte Pinatubo, Junho de 1991) e Chile (Monte Hudson, Agosto de 1991), actuaram como locais de condensação conduzindo assim à formação de nuvens estratosféricas polares de extensão considerável e à destruição do ozono. Ainda assim há quem defenda que o impacto das fontes naturais é, apesar dos importantes acidentes vulcânicos, muito inferior ao das fontes antropogénicas, dado que o cloro emitido na actividade vulcânica se encontra principalmente na forma de ácido clorídrico, o qual é rapidamente removido da atmosfera pela formação de nuvens e precipitação, enquanto os CFC permanecem na atmosfera.

Embora a descoberta do “buraco do ozono” tenha sido localizada sobre a Antáctida, verificou-se posteriormente que este não estava limitado apenas a esta zona. Assim, em 1988, outro “buraco” de ozono foi detectado sobre o Pólo Norte e, em 1989, foram feitas observações que revelaram o alargamento do “buraco do ozono” para o Sul da Austrália.

A situação no Norte, junto ao Círculo Polar Árctico, é considerada menos crítica porque o vórtice polar no Árctico não está tão bem definido como no Antárctico e a estratosfera do Árctico apresenta uma temperatura mais elevada que a da Antárctica.

Acredita-se que a diminuição da “camada de ozono” possa ser retardada se se reduzir o número de átomos de cloro disponíveis na atmosfera. Neste sentido, alguns químicos sugeriram o envio de aviões para pulverizar 50.000 toneladas de etano ou propano por cima do Pólo Sul numa tentativa de eliminar o “buraco” na “camada de ozono” (Chang, 1994). Sendo uma espécie reactiva, o átomo de cloro reagiria com os hidrocarbonetos referidos de acordo com:

5262

HCHClHCCl +!+ (26)

7383HCHClHCCl +!+ (27)

Os produtos resultantes destas reacções não afectariam a concentração de ozono. Uma outra estratégia menos realista consistiria em “renovar” a “camada de ozono” produzindo grandes quantidades de ozono na Terra e libertando-o posteriormente na Estratosfera através de aviões. Tecnicamente esta estratégia é praticável, mas seria muitíssimo dispendiosa e requeriria a colaboração conjunta de muitas nações.

Quando o mundo se consciencializou do perigo em que incorria utilizando clorofluorcarbonetos, tentou-se reduzir e até mesmo acabar com o seu uso. A partir daqui, têm sido desenvolvidas várias pesquisas no sentido de obter substâncias e métodos alternativos ao uso de CFC. Surgiram então os hidroclorofluorcarbonetos (HCFC), como o HCFC 22 de fórmula CHF2Cl, que, embora apresentem algumas vantagens como o facto de se degradarem mais rapidamente e serem menos perigosos para a “camada de ozono”, têm alguns contras entre os quais o facto de destruírem o ozono quando utilizados em grandes quantidades, de alguns serem perigosos para a saúde humana e de eles próprios serem gases de estufa. Os hidrogenofluorcarbonetos (HFC) constituem-se também como uma alternativa ao uso de CFC pelo facto de não conterem cloro na sua constituição e de se degradarem mais rapidamente. No entanto, também apresentam desvantagens como o facto de eles serem gases de estufa, entre outras.

Muito se tem tentado fazer, porém nem sempre com sucesso. Por exemplo, em 1987, no Canadá, o Protocolo de Montreal apontou para uma diminuição de 50% no uso de fréons relativamente aos valores de 1986. No entanto, tal recomendação nem sempre foi seguida. Posteriormente, efectuaram-se várias revisões do protocolo, com vista a acelerar a eliminação completa e radical dos CFC.

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A constatação de que existe um “buraco” na “camada de ozono” ainda que nos seja prejudicial, foi benéfica na opinião de Mouvier (1995). Por um lado, veio mostrar aos cientistas as limitações do seu saber, possibilitando o desenvolvimento de investigações que nos trouxeram um conhecimento bastante melhor dos problemas. Pela primeira vez, constatou-se que poderá haver um desequilíbrio no meio natural, à escala do Globo terrestre, em consequência de actividades desenvolvidas pelo Homem em locais muito afastados do continente antárctico e vários anos após as primeiras emissões de CFC. Acrescido do facto de que, enquanto os desequilíbrios podem subsistir ao longo de várias décadas, o equilíbrio original só será reencontrado muito tempo depois da cessação total das emissões (Mouvier, 1995). É que a “camada de ozono” funciona como uma espécie de filtro para as radiações ultravioletas-B, capazes de provocar a ruptura de ligações entre os átomos nas moléculas constituintes dos seres vivos. (As radiações UV-C são absorvidas pelo oxigénio na mesosfera e as UV-A, embora atinjam a troposfera, são as menos energéticas e menos perigosas).

Por outro lado, o estudo da “camada de ozono” veio fazer com que as pessoas se consciencializassem da urgência e da necessidade de uma intervenção a nível internacional.

Os mesmos cientistas que anunciaram ao mundo a existência do “buraco do ozono” vêm agora afirmar, que ele está a diminuir, e que poderá mesmo desaparecer, na região da Antárctida, em 2065, segundo as previsões actuais (Agência LUSA, 2006).

Afinal os homens que provocaram o aparecimento do “buraco do ozono” foram afinal capazes de contribuir para a sua diminuição e, quem sabe, a acreditar nas palavras dos cientistas referidos, para a sua eliminação. 5.2 EFEITO ESTUFA

O efeito estufa é um fenómeno natural que sempre existiu, que ocorre ao nível da Troposfera e é absolutamente necessário para que haja vida na Terra. Segundo Lenoir (1995), o efeito estufa atmosférico define-se como a fracção da radiação infravermelha que é emitida pelo solo, absorvida pela atmosfera e reenviada para o solo. O problema que se coloca à Humanidade neste momento é a eventualidade do efeito estufa estar a aumentar, na sequência da emissão dos poluentes atmosféricos de origem antrópica, dando origem a um sobreaquecimento do planeta.

Já por volta de 1880, Arrhénius mostrava preocupação pelo facto do uso do carvão como combustível provocar, através da libertação de grandes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera, um aumento da temperatura média global do planeta que poderia ter consequências catastróficas. Porém, só mais tarde esta preocupação se generalizou na comunidade científica. Assim, na 1ª Conferência Internacional sobre o ambiente, realizada em Estocolmo em 1972, o problema do efeito estufa foi apenas aflorado, sendo mais tarde um dos principais tópicos de debate da 2ª Conferência, que teve lugar no Rio de Janeiro em 1992.

Mas, para se perceber o que sucede no efeito estufa é previamente necessário compreender o mecanismo de manutenção da temperatura da Terra. A temperatura da Terra é em grande parte determinada pela radiação que ela recebe do Sol.

A intensidade da radiação emitida por qualquer corpo está dependente da temperatura dele, através da lei de Stefan-Boltzmann:

I= εσT4 (1),

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onde I é a potência (em watts) irradiada a partir da unidade de área de qualquer objecto à temperatura T (K), σ é a constante de Stefan-Boltzmann (5,67310-8 W/m2.K4) e ε é a emissividade do corpo radiante.

A taxa com que a energia solar alcança a superfície da Terra por unidade de área é conhecida como constante solar S e o seu valor é aproximadamente 1360 W/m2 para a radiação que incide perpendicularmente à superfície. Se esta energia fosse continuamente irradiada sobre o globo terrestre, e a Terra não irradiasse nenhuma energia, ela ficaria cada vez mais quente. Para que a Terra permaneça a uma temperatura constante de equilíbrio, a taxa com que ela absorve energia tem de ser perfeitamente contrabalançada pela taxa com que a energia é irradiada por ela. É este o princípio de balanço energético que determina a temperatura da Terra.

Porém, nem toda a radiação emitida pelo Sol é totalmente absorvida pela Terra, uma vez que as medidas efectuadas indicam que cerca de 30% da luz solar incidente é devolvida ao espaço (é a “luz da Terra” que os astronautas vêem no espaço), após ter sido reflectida pelas nuvens e pelo solo e difundida pelos constituintes da atmosfera. Esta reflectividade é chamada a albedo α e é expressa em termos da fracção da luz solar, 0,3 neste caso, que é reflectida (corresponde à razão entre o fluxo de radiação que emerge de um corpo e o fluxo de radiação que nele incide).

Deste modo, há apenas uma fracção (1-α) que é absorvida pela Terra. Considerando apenas a radiação que incide perpendicularmente à superfície terrestre (ou seja, o valor de S referido anteriormente), o que equivale a abstrair-nos da esfericidade da Terra, uma vez que neste caso temos de considerar apenas a projecção bidimensional dessa superfície (isto é, que a superfície atingida é apenas um círculo de raio igual ao raio da Terra), a potência absorvida pela Terra é igual a (Peixoto e Oort, 1992; Levi,1993):

Potência absorvida pela Terra= (1-α)πRT

2S (2), A superfície da Terra está coberta, em grande parte, por água, a uma temperatura

relativamente estável e, por isso, a temperatura superficial da Terra pouco varia do dia para a noite. Em virtude disto, e pelo facto de a energia solar ser absorvida por apenas uma parte da superfície da Terra, a que está voltada para o Sol, mas irradiada por toda a superfície do globo, o comportamento radiativo da Terra pode ser aproximado pelo de um radiador esférico com temperatura uniforme. Por isso, a potência irradiada pela Terra é:

Potência irradiada pela Terra= 4πRT

2 3 εσTT4 (3),

onde TT é a temperatura superficial da Terra.

Para haja equilíbrio térmico:

(1-α)πRT2S= 4πRT

2 3 εσTT4 (4)

Dividindo (4) pela área superficial da Terra, 4πRT

2, tem-se

(1-α)S/ 4= εσTT4 (5)

que é a taxa média de absorção da energia e de radiação de energia por metro quadrado da superfície da Terra.

Porém, há outras parcelas que têm efeitos, embora menores, sobre o balanço dado pela expressão (5). Entre elas encontram-se, segundo Tiplev, (1991), diversas fontes secundárias de radiação térmica (radiação electromagnética que um corpo

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emite devido à temperatura a que se encontra), com uma contribuição superficial média para o balanço dado por (5). É o caso do decaimento radioactivo (com uma contribuição de 0,06 W/m2), do consumo de combustíveis (com uma contribuição de 0,018 W/m2) e do atrito das marés (com uma contribuição de 0,005 W/m2).

Se se ignorar o contributo destas parcelas, pode reescrever-se a equação (5) em ordem a TT:

TT= [(1-α)S/ 4εσ]1/4 (6)

Substituindo em (6), α por 0,3 e ε por 1 (considerando que a Terra é um emissor

perfeito), com σ= 5,67310-8 W/m2.K4 e S= 1360 W/m2, tem-se:

TT= 255 K (-18 ºC)

Esta temperatura é bastante próxima da que se obtém por satélites no limite superior da atmosfera, mas é um valor muito baixo quando comparado com a verdadeira temperatura média global na superfície do planeta (15 ºC), que é 33ºC mais alta. Para obtermos este valor igual a 15 ºC, não podemos desprezar o efeito dos gases atmosféricos que envolvem a Terra, pelo que ε não pode assumir o valor 1, mas um valor inferior e igual a 0,6 (Tiplev, 1991).

A superfície da Terra é mantida nesta temperatura pelas camadas de gases, no entanto somente alguns dos gases atmosféricos ajudam a manter a superfície da Terra mais quente. Estes gases capazes de alterar os valores de α e de ε de modo a provocar uma elevação da temperatura média, chamam-se gases de estufa e têm duas propriedades fundamentais: transmitem radiação com grande facilidade nos comprimentos de onda mais curtos, característicos da radiação solar, mas absorvem com a mesma facilidade a radiação em maiores comprimentos de onda, típicos da radiação emitida pela Terra (radiação electromagnética situada na zona de infravermelhos).

Se comparamos as curvas que mostram a intensidade da radiação emitida em cada comprimento de onda para emissores perfeitos (como o Sol) a 6000 K e para a Terra, à T= 255 K, com as curvas que mostram o coeficiente de absorção em função do comprimento de onda para os gases de estufa mais importantes (dióxido de carbono e vapor de água), constata-se, pelos picos destas curvas, que estes gases absorvem mais fortemente a radiação proveniente da Terra do que a radiação emitida pelo Sol (Halliday et al., 1993). Embora estes dois gases absorvam radiação em vários dos comprimentos de onda emitidos pela Terra, somente o vapor de água absorve, de modo considerável a radiação vinda do Sol. Assim, a maior parte da radiação vinda do Sol atravessa a atmosfera terrestre, mas a radiação vinda da Terra é, em grande parte, absorvida pela sua atmosfera.

Da radiação que é emitida pelo Sol, só 50% chega à superfície da Terra, uma vez que 20% dessa radiação é absorvida e 30% é devolvida ao espaço. Isto sucede porque 16% da radiação, emitida pelo Sol, é absorvida por vapor de água, poeiras e ozono, 4% é absorvida nas nuvens, 6% é difundida pelo ar, 20% é reflectida pelas nuvens, sendo o restante (4%) reflectida pela superfície terrestre (Halliday et al., 1993). (Os valores apresentados variam com a estação do ano, a hora do dia, as condições atmosféricas, a qualidade do ar, etc.)

A parte da radiação solar que chega à superfície da Terra e que é por esta absorvida (50%), vai ser depois devolvida ao meio ambiente por intermédio de três processos: reirradiação (20% de radiação é emitida na gama de infravermelho), convecção (à medida que o ar próximo à superfície da Terra é aquecido, ele sobe, sendo dissipada 6% da radiação no fluxo de calor sensível que vai para as camadas superiores) e evaporação de água (onde 24% da radiação é dissipada no fluxo de calor latente por evaporação). Dos 20% de radiação IV que é emitida pela Terra, 14%

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é absorvida pelo vapor de água e dióxido de carbono e 6% devolvida ao espaço (Halliday et al., 1993).

Os gases de estufa para serem capazes de absorver a radiação emitida pela Terra têm de ser constituídos por moléculas capazes de absorver, cada uma delas, 1 fotão de comprimento de onda específico na região de IV, de modo a que a sua energia de vibração possa aumentar com a transição que ocorre. Para além disso, para que essa transição possa ocorrer, é necessário que o valor do seu momento dipolar varie no decurso dessa transição. Ora, embora os gases mais abundantes na atmosfera sejam o oxigénio e o azoto, eles não têm a capacidade de absorver a radiação térmica que provém da Terra. Isto sucede porque estes gases são constituídos por moléculas diatómicas homonucleares, onde não é possível haver variação do seu momento dipolar µ (definido como o produto da carga pela distância entre as cargas), pois ele é nulo qualquer que seja a distância a que se encontram os dois átomos. Por isso, estas moléculas dizem-se inactivas no IV, visto que não podem absorver radiação IV, ao contrário das moléculas diatómicas heteronucleares. No caso das moléculas poliatómicas, o momento dipolar depende da polaridade das ligações e da geometria molecular. Assim, para além do dióxido de carbono e do vapor de água já anteriormente referidos, também o metano (

4CH ), o protóxido de azoto ( ON

2), o

ozono (3O ) e os clorofluorcarbonetos (CFC) (Mouvier, 1995) são denominados gases

de efeito estufa. Embora as moléculas de dióxido de carbono e de ozono sejam apolar e polar respectivamente, e a primeira tenha geometria linear e, a segunda, geometria angular, podem vibrar de formas diferentes fazendo variar os seus momentos dipolares, daí terem vibrações activas e serem activas no IV.

Tal como foi referido anteriormente, os gases de estufa com maior contribuição para o efeito estufa são o vapor de água e o dióxido de carbono. Assim, ao receber um fotão na região do IV, as moléculas destes gases vão para um nível de energia vibracional mais elevado, ficando deste modo excitadas. Estas moléculas energeticamente excitadas perdem depressa o seu excesso de energia, quer por colisão com outras moléculas quer por emissão espontânea de radiação. Parte desta radiação é emitida para o espaço e outra parte dela retorna à superfície da Terra, aquecendo-a.

Por isso pode dizer-se que um gás de estufa pode assim ser considerado, no que diz respeito à emissão de energia, como uma espécie de espelho imperfeitamente polido e, que por consequência, reflecte de forma deficiente (Lenoir, 1995). Do outro lado deste espelho muito especial pode medir-se o enfraquecimento da radiação transmitida pelas janelas de absorção do gás, que é uma função exponencial da massa de gás atravessada. Daqui se pode concluir que a imagem de estufa, a que tantas vezes se faz apelo, é inadequada. Não existe pois, em parte alguma acima das nossas cabeças, uma superfície bem definida que, tal como a parede envidraçada de uma estufa hortícola, reflicta a radiação infravermelha proveniente do solo, mas sim uma espécie de espessa almofada difusa, a partir da qual as moléculas de gás absorvem e reenviam, em todas as direcções, as radiações infravermelhas (que têm a sua origem no solo), parte das quais volta para o solo (Lenoir, 1995).

É então por intermédio dos gases de estufa que se forma uma espécie de cobertura protectora que armazena uma parte da energia que a terra irradia, impedindo-a de arrefecer. É por esse motivo que a Terra e as camadas baixas da atmosfera se encontram consideravelmente aquecidas.

Se não existissem gases de estufa na atmosfera da Terra, a temperatura média ao nível da superfície terrestre seria de –18 ºC, situação semelhante à da Lua, que tem uma temperatura média de –19 ºC e valores diários que vão de 102 ºC a –127 ºC. Por este motivo se diz que o efeito de estufa (mas não o seu aumento) é um fenómeno natural e que nos é benéfico.

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Embora a quantidade total de vapor de água na atmosfera terrestre não se tenha alterado significativamente ao longo dos anos, o mesmo não se poderá dizer da concentração de dióxido de carbono.

É consensual entre a comunidade científica que houve um aumento da concentração global de CO2 na atmosfera desde a revolução industrial: de cerca 280 ppm em 1750, medidos com base na análise do ar encerrado no gelo glacial, passou a 300 ppm em 1930 e a mais de 360 ppm em 2000.

Os cientistas dividem-se quanto à importância e consequências desse aumento no presente e num futuro próximo. Em geral, considera-se como mais provável a hipótese que prevê uma variação do efeito estufa correspondente a uma duplicação do gás carbónico, que se poderá verificar entre 2020 e 2050. Ao ritmo actual, prevê-se que no final do século XXI, o CO2 possa apresentar uma concentração na ordem dos 820 ppm, ou seja, três vezes aquela que apresentava antes da era industrial.

Actualmente, os gases de estufa apresentam-se na atmosfera em quantidades mais elevadas do que nunca, aumentando de uma maneira contínua em proporções e a uma velocidade nunca vistas. Segundo um relatório da Comissão Europeia, Portugal apresentará em 2010 um aumento das emissões dos gases com efeito de estufa de 31,9% (Almeida, 2007).

Para controlar a emissão de gases que contribuem para o efeito estufa, constitui-se, em Dezembro de 1997, em Quioto, no Japão, um tratado internacional, designado Protocolo de Quioto. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a diferença entre as emissões de CFC, relativas aos anos 1990 e 2004, é de +41% para Portugal, sendo este o segundo valor mais elevado, só superado pela Espanha que apresenta um valor igual a +49% (wikipédia, 2007a). Até os Estados Unidos da América, que não ratificaram o Protocolo de Quioto, apresentam uma diferença significativamente mais baixa relativa ao mesmo período de tempo (+16%). Ainda de acordo com a mesma fonte, o objectivo da União Europeia para 2012, relativamente a Portugal, será apresentar uma diferença bastante mais reduzida e igual a +27%, sendo que o Protocolo de Quioto obrigava a existir uma diferença de – 8%, de 2008 a 2012.

Verifica-se ainda que a elevação destes gases na atmosfera está definitivamente ligado às actividades industriais e aos transportes, que se intensificaram nas últimas décadas (Negrão, 2005).

Segundo os últimos estudos realizados pelo IPCC (Intergovernamental Panel on Climate Change) - órgão intergovernamental constituído em 1998 pela Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas -, datados de 2005, prevê-se que este incremento dos gases de estufa na atmosfera causará um aumento global da temperatura média da Terra que pode situar-se entre os 2 e 11 ºC até 2100 (Negrão, 2005).

Ainda que um aumento de temperatura de 2 a 11 ºC possa parecer insignificante, é na realidade suficientemente elevado para perturbar o balanço térmico na Terra e poder provocar a fusão dos glaciares e das calotes de gelo polar. Como consequência, admite-se, em geral, que o nível das águas do mar subiria e as áreas costeiras seriam inundadas. Mas, é óbvio que é extremamente difícil prever a variação do clima e que existem outros factores potencialmente moderadores a ter em conta antes de concluir que o aquecimento global é inevitável e irreversível. Como já foi referido anteriormente, os CFC são também gases de estufa tal como o dióxido de carbono e o vapor de água e, como tal, com contribuição para o aquecimento da Terra. Porém, os CFC são os gases de estufa mais eficazes, visto que absorvem mais fortemente a radiação IV do que os outros: para um dado volume, o CFC 11, por exemplo, é 4 mil vezes mais absorvente que o dióxido de carbono e, o CFC 12 é 5 mil 750 vezes mais (Mouvier, 1995). Por isso, o efeito de aquecimento dos CFC na Troposfera é compensado pela sua acção na Estratosfera. Isto sucede porque o ozono é também um gás de estufa, pelo que um decréscimo deste composto na Estratosfera devido à acção dos CFC produz na realidade um abaixamento perceptível na temperatura. Por

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outro lado, também ainda não se compreende muito bem o papel das nuvens, pois, aumentam a reflectividade da Terra, o que contribui para a redução do aquecimento do globo terrestre, mas simultaneamente reduzem a taxa de radiação da energia térmica para o espaço, o que reforça o aquecimento global. Este efeito das nuvens pode ser ainda mais complicado em virtude das condições em cada estação do ano.

Há até quem defenda que após este período de aquecimento global, irá ocorrer um arrefecimento global da superfície e atmosfera da Terra capaz de desencadear uma nova era glacial. Esta teoria resulta do facto de se verificar que, ao longo dos séculos, há ciclos temporários de queda de temperatura precedidos por períodos de aquecimento, devido a variações na actividade solar. Desde finais da década de 40 e até 1970, houve um decréscimo da radiação solar e evidências de um arrefecimento global do planeta. A partir de 1970, verificou-se que a incidência da radiação solar aumentou e constatou-se que a temperatura terrestre também se elevou. Segundo as previsões de alguns cientistas adeptos desta teoria, entre 2012 a 2015, a temperatura global da Terra começará a diminuir lentamente e atingirá valores mínimos entre 2055 e 2060. Este período de arrefecimento durará pelo menos 50 anos e, até ao final do século XXII, a Terra começará novamente outra fase de aquecimento global (Wikipédia, 2007 b). Por isto, há quem defenda entre a comunidade científica que a actividade industrial não influencia de forma determinante o clima do planeta, que ao longo dos séculos passou por períodos de aquecimento e arrefecimento, colocando assim o efeito estufa como um factor secundário e não determinante para o aquecimento global.

Uma outra polémica surge em torno de uma das consequências do aumento global de temperatura que é a alteração do nível dos oceanos. Em geral, admite-se que a fusão dos gelos terrestres (e não a dos gelos marítimos), decorrente da elevação global de temperatura, causará uma elevação do nível dos oceanos, que será ainda mais acentuada devido à expansão térmica das águas.

Outros estudos sugerem, com base em dados geológicos combinados com modelos matemáticos de previsão climática, que a resposta da criosfera (termo usado para referir todo o gelo e neve existente na superfície terrestre) ao aumento de temperatura será no sentido da prevalência de queda de neve, devido ao aumento da evaporação. Tal efeito levaria a um aumento da espessura da camada de gelo polar árctico, o que provocaria uma diminuição do nível geral dos oceanos da ordem dos 7 mm por ano. Esta opinião é, no entanto, contestada por outros cientistas pelo irrealismo da hipótese de equilíbrio térmico na atmosfera admitida nos modelos matemáticos que conduziram a tais resultados.

A aposta dos cientistas é procurar melhorar os modelos de que dispõem para fazer previsões climáticas, por isso estes são constantemente actualizados em função da aquisição de novos conhecimentos e sempre de modo a não se afastarem da realidade. Porém, não deixam de ser modelos e de apresentar, como tal, limitações na tradução do que irá suceder a nível climático num futuro próximo …

A chave deste enigma poderá estar no passado, nomeadamente na altura em que os humanos começaram a alterar o clima. Ruddiman (2005) sugere que as práticas agrícolas dos nossos ancestrais fizeram disparar o aquecimento global da Terra milhares de anos antes de se começar a queimar carvão e andar de automóvel. Ou seja, este autor considera que a agricultura feita pelos nossos ancestrais teve um papel importante ao induzir o aquecimento global da Terra anteriormente à era industrial. Esta hipótese vem desafiar a noção convencionalmente aceite de que os gases de estufa, libertados por actividades humanas, só passaram a perturbar o clima da Terra há 200 anos, e com ela surge a ideia de que os nossos ancestrais evitaram possivelmente o início de uma nova era glaciar eminente, consequência da tendência natural de declínio dos gases de efeito estufa e do fenómeno de precessão em torno do eixo de rotação da Terra, que leva à existência de ciclos orbitais correspondentes a variações na luz solar que atinge o nosso planeta.

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Segundo as previsões de Ruddiman, o aquecimento rápido dos últimos séculos deverá manter-se provavelmente durante pelo menos 200 anos, até os combustíveis fósseis economicamente acessíveis se tornarem escassos. Depois disso, o arrefecimento da Terra deverá iniciar-se de forma progressiva, à medida que o oceano absorve o dióxido de carbono em excesso produzido pelas actividades humanas. Este autor conclui a sua exposição afirmando que é impossível prever se o clima global irá arrefecer o suficiente para produzir glaciação, ou se, pelo contrário, se manterá quente o suficiente para a adiar mais ainda.

O trabalho científico, realizado nos anos de 2005 a 2007, e desenvolvido por cientistas da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, da Universidade de Oxford (Reino Unido) e da Petrobras (Brasil), vem de certo modo corroborar as ideias defendidas por Ruddiman, na medida em que através dele se chega à conclusão que o efeito estufa na Terra ocorreu há 183 milhões de anos, altura em que elevadas concentrações de dióxido de carbono foram libertadas para a atmosfera, tendo causado, entre outras, uma extinção em massa de grupos de invertebrados marinhos. De acordo com o investigador Vítor Duarte, que participou nesta investigação, este estudo vem demonstrar que na história da Terra já se teve concentrações maiores de dióxido de carbono do que as actuais, e os dados geoquímicos obtidos e analisados, apontam de forma inequívoca para uma fase de grande aumento de dióxido de carbono e clara amplificação do efeito de estufa (Almeida, 2007).

Muito embora a hipótese levantada por Ruddiman possa parecer provocadora e controversa, ela deverá, no entanto, fazer reflectir sobre a ideia de que, se tão poucos humanos com tecnologias relativamente primitivas já foram capazes de alterar o curso do clima de forma tão significativa, então há razões de sobra para existir preocupação com a elevação actual dos gases de efeito estufa para níveis e velocidades sem precedentes…

5.3 CHUVAS ÁCIDAS

Um problema que tem vindo a afectar o nosso planeta são as chuvas ácidas. Este fenómeno é conhecido desde o final do século XIX, dá-se ao nível da Troposfera, e tem vindo a tomar proporções cada vez maiores e mais devastadoras.

A água da chuva já é naturalmente ácida devido à dissolução de dióxido de carbono da atmosfera. Este composto reage com a água e origina a acidez “dita normal”, de acordo com:

)()()( 3222 aqCOHlOHgCO !"#+ (1)

)()()()( 33232 aqOHaqHCOlOHaqCOH +!

+"#$+ (2)

Como o ácido carbónico é um ácido diprótico, muito instável, além da reacção (2),

ocorre outra menos extensa:

)()()()( 3

2

323 aqOHaqCOlOHaqHCO +!!+"#$+ (3)

Porém, só se consideram chuvas ácidas aquelas cujo pH é inferior a 5,5 (a 25 ºC)

(Chang, 1994). É, por isso, mais rigoroso falar em «chuvas mais ácidas» do que, simplesmente, em «chuvas ácidas», muito embora esta última designação se tenha generalizado e adoptado para referir as chuvas cujo pH é inferior a 5,5.

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Os efeitos das chuvas ácidas podem ocorrer por deposição húmida (precipitação sob a forma de chuva, nevoeiro ou neve) ou por deposição seca (quando houver arrastamento dos resíduos dispersos na atmosfera para zonas próximas dos focos de produção, ou para zonas mais longínquas).

No caso em que há arrastamento, as chuvas ácidas podem cair a muitos quilómetros de distância da fonte original da poluição. É por este motivo que grande parte da chuva ácida que cai na Escandinávia (conjunto de penínsulas do Norte da Europa do qual fazem parte a Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia), por exemplo, vem de origens europeias do Oeste, particularmente do Reino Unido.

As áreas em contacto com as chuvas ácidas não são igualmente afectadas por elas, pelo que a capacidade de uma região de atenuar o efeito dos ácidos determina o tamanho do prejuízo em potencial. Por isso, as áreas com solos altamente alcalinos são muito menos afectadas do que as áreas onde os solos têm características neutras ou ácidas, como o leste da América do Norte por exemplo.

As chuvas ácidas constituem uma séria ameaça ao meio ambiente, uma vez que ao acidificarem os solos, lagos, rios e águas subterrâneas prejudicam toda a vegetação e animais, incluindo a vida aquática (flora e fauna). Ao serem afectados os animais e plantas, produzem-se efeitos também nos seres humanos por via da cadeia alimentar. Os terrenos agrícolas e florestais são por elas destruídos por vezes de forma irreversível, bem como as edificações de calcário e de mármore atingidas.

As chuvas ácidas provocam alterações irreparáveis em obras de arte feitas de metais, em estruturas de edifícios e na pedra de certos monumentos históricos, particularmente nos de calcário, onde se formam crostas escuras que acabam por se desprender e destruir irreversivelmente autênticas obras de arte a elas expostas. Os nomes “lepra da pedra” ou “cancro de pedra” são por isso algumas das designações utilizadas pelos químicos ambientais para descrever a corrosão da pedra pelas chuvas ácidas. Por esta via estão a ser drasticamente afectadas obras consideradas como Património da Humanidade em muitas cidades como, por exemplo, Roma e Atenas. A situação é muito grave pois, segundo estimativas, os monumentos atenienses degradaram-se mais nos últimos quarenta anos do que nos dois mil anos anteriores.

Também a saúde humana é por elas afectada, na medida em que a ingestão de água potável acidificada, por longos períodos de tempo, pode causar a doença de Parkinson e de Alzheimer, hipertensão, problemas renais e danos no cérebro sobretudo em crianças (chuvas ácidas, 2006).

Ainda também segundo a informação da fonte acima referida, Cubatão, enorme complexo industrial do Brasil, ficou conhecida como uma das cidades mais poluídas do mundo, onde a população é fortemente afectada por problemas respiratórios, e onde há um número significativo de abortos e de crianças que nascem sem cérebro, entre outros problemas.

Uma vez que não se espera que o dióxido de carbono atmosférico em equilíbrio com a água da chuva dê origem a um pH inferior a 5.5, os óxidos de enxofre (SO2 e SO3) e, em menor grau, os óxidos de azoto (NO e NO2) são considerados os responsáveis pela elevada acidez da água da chuva (Chang, 1994). Por esta razão, em muitos manuais é frequentemente omitido o papel dos óxidos de carbono na formação das chuvas ácidas, dando-se particular ênfase aos óxidos de enxofre e de azoto.

A maioria dos gases como os óxidos de azoto e de enxofre têm origem antropogénica, pois são produzidos nas mais diversas actividades humanas. Os óxidos de enxofre e de azoto resultam de actividades como os processos de produção de energia e aquecimento, os processos industriais e os transportes. O monóxido e o dióxido de azoto resultam principalmente das combustões em motores, quer em veículos, quer na indústria. O dióxido de enxofre que facilmente se transforma em trióxido de enxofre na presença de oxigénio, resulta essencialmente da queima de combustíveis fósseis e de outras actividades industriais.

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Por exemplo, a fundição de minérios é uma fonte com uma quota parte considerável de emissão de dióxido de enxofre, na medida em que muitos metais apresentam-se na natureza combinados com o enxofre. A extracção destes metais acarreta muitas vezes a fusão ou a calcinação dos minérios; ou seja, o aquecimento do sulfureto metálico ao ar para se formar o óxido metálico correspondente e dióxido de enxofre:

)(2)(2)(3)(2 22 gSOsZnOgOsZnS +!+ (4)

Isto sucede porque a redução do óxido metálico para obtenção do metal livre é

mais fácil do que a correspondente redução do sulfureto. Apenas 10% das emissões de óxidos de enxofre e de azoto tem origem natural.

Assim, a actividade vulcânica, e a actividade bacteriana que actua na decomposição anaeróbica de matéria orgânica tais como algas, plâncton, são fontes naturais de óxidos de enxofre. Já os fogos florestais, os relâmpagos das trovoadas e a actividade bacteriana que actua na decomposição parcial dos nitratos do solo, são fontes naturais de óxidos de azoto.

i) Processo de formação de ácidos derivados do enxofre:

A produção de ácidos derivados do enxofre, designadamente ácido sulfúrico e

ácido sulfuroso, que leva a um aumento da acidez da água das chuvas, resulta de um conjunto de reacções. Assim, o enxofre dos compostos sulfurados, existente em combustíveis e óleos, reage com o oxigénio durante a queima destes combustíveis e forma dióxido de enxofre, através de um conjunto de processos que se pode representar por:

)()( 22 gSOgOS

sulfuradoscompostos

!"!+#$%&

'( (5)

Depois de libertado para a atmosfera, e na presença de oxigénio, o dióxido de

enxofre tende a converter-se em trióxido de enxofre, de acordo com:

)(2)()(2 322 gSOgOgSO !"#+ (6)

O dióxido de enxofre que não se converteu em trióxido de enxofre e este composto reagem com a água, ao nível da troposfera, através de:

)()()(

)()()(

4223

3222

aqSOHlOHgSO

aqSOHlOHgSO

!"#+

!"#+ (7)

Destes dois equilíbrios, o que tem maior influência na acidez da água da chuva é aquele em que intervém o ácido sulfúrico (H2SO4), pois este é um ácido forte, cuja reacção de ionização se pode considerar completa, ao contrário do ácido sulfuroso. Os ácidos assim formados irão provocar um excesso de acidez na água das chuvas; ou seja, irão provocar o fenómeno conhecido por chuvas ácidas.

ii) Processo de formação de ácidos derivados do azoto:

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No interior dos motores de veículos e em motores industriais produz-se monóxido de azoto a partir da reacção entre o azoto e o oxigénio existentes na atmosfera.

)(2)()( 22 gNOgOgN !"#+ (8)

Embora exista uma concentração de azoto e de oxigénio elevada na atmosfera, a

temperatura aí atingida não é suficiente para desencadear em grande extensão a produção de óxido de azoto (poluente atmosférico) que é um processo endotérmico. Deste modo, esta reacção é pouco extensa na atmosfera terrestre sendo aí, do ponto de vista energético, muito desfavorável ( 0!"H ). No entanto, no interior dos motores dos veículos e em motores de aparelhos utilizados na indústria, a reacção (8) ocorre em extensão considerável, devido às temperaturas aí atingidas serem suficientemente elevadas para desencadearem este processo que leva à produção de óxido de azoto.

Na presença de uma quantidade de oxigénio suficiente, o monóxido de azoto

reage e origina o dióxido de azoto, de acordo com:

)(2)()(2 22 gNOgOgNO !"#+ (9)

Por sua vez, o dióxido de azoto que se forma vai para a troposfera e aí, na

presença de água, origina os ácido nitroso e nítrico, segundo:

)()()()(2 3222 aqHNOaqHNOlOHgNO +!"#+ (10)

Estes ácidos assim formados irão provocar um acréscimo na acidez da água das

chuvas; ou seja, irão provocar o fenómeno conhecido por chuvas ácidas. A maneira mais sensata de controlar as chuvas ácidas é prevenir e controlar a

emissão de gases para a atmosfera que aumentam a acidez das águas das chuvas. Ao nível dos transportes, poder-se-á reduzir a emissão destes gases através de

uma condução sem acelerações bruscas capaz de aumentar a libertação de óxidos de azoto e de enxofre e de consumir maior quantidade de combustível fóssil.

A poupança de energia eléctrica constitui um modo de prevenir as chuvas ácidas, pois a maior parte dessa energia é produzida em centrais termoeléctricas, que libertam grandes quantidades de dióxido de carbono e de óxidos de azoto e de enxofre. Daí que uma poupança significativa de energia conduza necessariamente a uma menor produção, logo a uma menor emissão dos gases atrás referidos. Por outro lado, o uso de energias alternativas como as energias solar e eólica, em voga no nosso país, constituem um outro meio de reduzir tais emissões gasosas para a atmosfera, que será tanto mais eficiente quanto maior e mais alargada for a sua utilização.

A nível industrial também é possível optar por processos de fabrico menos

poluentes. Uma vez que os óxidos de enxofre são os principais responsáveis pela ocorrência das chuvas ácidas, têm-se estudado alguns métodos para reduzir os efeitos por estas provocados. Assim, o método mais directo de reduzir o dióxido de enxofre consiste na remoção do enxofre dos combustíveis fósseis antes da combustão. No entanto, este método é tecnologicamente difícil de realizar e, por isso, é costume recorrer-se a um outro método menos eficiente, mas mais barato. Este consiste na remoção de dióxido de enxofre à medida que se vai formando (Chang, 1994).

Por exemplo, numa central termoeléctrica pode injectar-se na fornalha onde está o carvão, pedra calcária em pó de modo a que, a altas temperaturas, ocorra a seguinte decomposição:

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)()()( 23 gCOsCaOsCaCO +! (11)

Por sua vez, o óxido de cálcio (cal viva) reage com o dióxido de enxofre produzido por combustão e origina sulfito de cálcio e, com excesso de oxigénio, produz também algum sulfato de cálcio:

)(2)()(2)(2

)()()(

422

32

sCaSOgOgSOsCaO

sCaSOgSOsCaO

!++

!+ (12)

Para remover algum dióxido de enxofre remanescente, é injectada uma suspensão

aquosa de óxido de cálcio numa câmara de purificação colocada antes da saída dos gases através da chaminé.

Uma outra técnica igualmente útil, consiste na utilização do dióxido de enxofre, produto da reacção de um determinado processo industrial, num material de partida necessário ao desencadear um outro processo industrial. Assim, há muitos metais que se apresentam na natureza combinados com o enxofre e a extracção destes metais acarreta muitas vezes a fusão ou a calcinação dos minérios; ou seja, o aquecimento do sulfureto metálico ao ar do qual resulta o óxido metálico correspondente e dióxido de enxofre. No caso do metal zinco, por exemplo, a reacção que ocorre é a seguinte:

)(2)(2)(3)(2 22 gSOsZnOgOsZnS +!+ (13)

Se for instalada uma fábrica produtora de ácido sulfúrico junto a uma instalação de

tratamento de minérios metálicos, poder-se-á reduzir eficazmente a emissão de dióxido de enxofre. Deste modo, o dióxido de enxofre produzido no processo de calcinação de sulfuretos metálicos é retido para ser utilizado no primeiro passo da síntese do ácido sulfúrico. Deste modo, em vez de ocorrer a combustão do enxofre para formar o dióxido de enxofre, retém-se o dióxido de enxofre para que reaja com o oxigénio e produza trióxido de enxofre. Por sua vez, o trióxido de enxofre dissolve-se em água e produz o ácido sulfúrico.

Um outro processo para combater os efeitos das chuvas ácidas, neste caso ao

nível do ambiente, é a adição de hidróxido de cálcio a solos e lagos. Este é um processo frequentemente usado pelos agricultores e designa-se calagem. Por intermédio deste processo, é neutralizado o excesso de ácido através de:

)(4)()(2)()( 2

2

32 lOHaqCaaqOHsOHCa +!"!+++ (14)

Também o uso de conversores catalíticos utilizados nos automóveis e obrigatório

a partir dos anos 90 do século passado, contribui para a diminuição de óxidos de azoto. Assim, no interior de um automóvel em funcionamento, o azoto e oxigénio gasosos reagem a temperaturas elevadas e formam o óxido de azoto, de acordo com a reacção escrita em (8). Depois de libertado para a atmosfera o NO, na presença de quantidade suficiente de O2 , reage para formar NO2, tal como se evidencia em (9). O dióxido de azoto assim formado, juntamente com outros gases indesejáveis libertados pelos motores dos automóveis, como o monóxido de carbono e hidrocarbonetos que não sofreram combustão, tornavam os tubos de escape numa fonte de poluição atmosférica. Com os catalisadores químicos, contidos nos tubos de escape, ocorre a reacção entre os óxidos de azoto, monóxido de carbono e combustível não queimado (hidrocarbonetos de fórmula geral CHx) e forma-se dióxido de carbono, água e azoto, através de um processo que globalmente pode ser representado por:

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222NOHCOCOCHNO

xx++!"!++ (15)

Para evitar a corrosão do calcário e do mármore, onde o cálcio aparece sob a

forma de carbonato de cálcio, é costume revestirem-se os monumentos com vernizes, que são películas sintéticas resistentes à acção dos ácidos. Desta forma retarda-se a degradação dos monumentos por intermédio das chuvas ácidas. A reacção de corrosão da pedra mármore, constituída essencialmente por carbonato de cálcio, pode ser esquematizada de acordo com:

)()(3)()(2)( 22

2

33 gCOlOHaqCaaqOHsCaCO ++!+++ (16)

É de salientar, no entanto, que até mesmo o dióxido de enxofre poderá atacar directamente o carbonato de cálcio de acordo com:

)(2)(2)()(2)(2 24223 gCOsCaSOgOgSOsCaCO +!++ (17)

Para proteger das chuvas ácidas as estruturas metálicas dos edifícios e as obras de arte feitas de metal e, evitar assim a reacção de deterioração dos metais que a seguir se apresenta,

.

),(2

)()()( 2

Mporntegenericamedorepresentaaparece

metaloondegHn

aqMaqnHsM n+!"!+

++

(18)

pode utilizar-se uma pintura anticorrosiva (tinta de poliuretano formulada à base de resinas de poliéster endurecidas com isocianatos alifáticos) (Farinha et al., 1992), entre outros processos, sendo este actualmente o método mais usual. 5.4 RADIAÇÕES IONIZANTES

A radiação electromagnética, que se propaga no vácuo à velocidade de 3×105 km/s, é originada pela criação sucessiva de campos eléctricos e magnéticos mutuamente perpendiculares (um campo eléctrico variável cria um campo magnético variável que por sua vez cria um campo eléctrico variável, etc...)., daí a sua natureza ondulatória (propagação de uma perturbação).

No início do séc. XX, as experiências do corpo negro e do efeito fotoeléctrico vieram demonstrar o carácter corpuscular da radiação electromagnética.

Entende-se hoje que os dois aspectos coexistem, isto é, a radiação electromagnética é passível de ser descrita, em certas circunstâncias, por um modelo ondulatório (característico das experiências de difracção e interferência), e, noutras, por um modelo corpuscular (radiação como um conjunto de fotões), mas estes dois tipos de natureza não se manifestam simultaneamente.

A energia transportada pela radiação não pode ter um qualquer valor, mas tem de possuir obrigatoriamente valores discretos, isto é, que diferem uns dos outros de uma certa quantidade. Cada um destes valores é um múltiplo inteiro de uma quantidade chamada um quantum de energia. Por isso, se diz que a energia é quantizada.

Cada quantum de energia de radiação de uma certa frequência é directamente proporcional a essa frequência.

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________________________________________________________________ 83

É conveniente saber distinguir no espectro da radiação electromagnética a radiação ionizante da não ionizante.

O que caracteriza uma radiação ionizante é a sua capacidade de alterar propriedades eléctricas dos materiais em que incide. Uma vez que é capaz de ionizar os materiais em que incide, transforma radicalmente as suas propriedades.

Porque é que existe radiação ionizante e radiação não ionizante? A radiação ionizante caracteriza-se por possuir a energia mínima necessária para

arrancar electrões dos átomos ou moléculas, originando iões (processo de ionização). No espectro electromagnético apenas as bandas mais energéticas (maior

frequência, menor comprimento de onda) possuem energia suficiente para provocar ionização. São, portanto, consideradas radiação electromagnética ionizante:

• - a radiação γ, de comprimentos de onda da ordem dos 10-13 m, e energia entre valores da ordem dos keV aos MeV.

• - os raios X: altamente energéticos (comprimento de onda da ordem de 1 nm, energias entre 100 eV e 0,2 MeV).

A parte da banda ultravioleta de maior frequência também possui energia

suficiente para originar a ionização de alguns átomos e, por isso, essa pequena gama de comprimentos de onda limítrofes da banda UV (UV-B e UV-C) é também considerada por muitos como radiação ionizante. Nem sempre é citada como radiação ionizante, uma vez que só as radiações de maior energia são suficientemente energéticas para originar o processo de ionização. Assim, e de acordo com a Norma Portuguesa NP-442, designam-se, genericamente, como radiações ionizantes as radiações electromagnéticas γ e X e as partículas α e β, electrões, protões, neutrões e outras partículas nucleares.

Em geral, quando se fala de radiação, as pessoas relacionam com a radiação ionizante proveniente das fontes radioactivas. Isto porque também é costume chamar radiação ionizante às emissões α e β, que não são radiação electromagnética, mas partículas – núcleos de átomos de hélio no primeiro caso e electrões no segundo.

Quando um núcleo atómico não é estável, transforma-se noutro mais estável, por emissão de partículas ou de radiação electromagnética. A este fenómeno chama-se radioactividade. Pode identificar-se três tipos diferentes: radioactividade α (emissão de partículas α), radioactividade β (emissão de electrões e de positrões) e radioactividade γ (emissão de fotões de energia elevada). Radioactividade α: Quando um nuclídeo instável decai noutros nuclídeos estáveis, representados na linha de estabilidade, ele pode emitir:

• radiação α : núcleo do átomo de Hélio (dois protões e dois neutrões).

HeYX

A

Z

A

Z

4

2

4

2+!"!

#

# (1)

• A emissão alfa ocorre principalmente com isótopos de elementos de grande

massa atómica instáveis, originando um isótopo estável de um outro elemento (o núcleo filho).

• Quando um núcleo emite uma partícula α, o núcleo filho tem um número

atómico com menos duas unidades e o número de massa com menos quatro do que o núcleo pai.

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• Como a massa do núcleo original é maior do que a soma das massas dos produtos de decaimento (uma partícula α e o núcleo filho) e esta diferença é grande a energia com que as partículas α são libertadas é muito elevada.

Radioactividade β: Quando um nuclídeo instável decai noutros nuclídeos estáveis, representados na linha de estabilidade, ele pode emitir:

radiação β: electrão (decaimento β-) ou positrão (decaimento β+)

• O decaimento β ocorre em núcleos que possuem um número excessivo ou insuficiente de neutrões para serem estáveis.

Decaimento β -:

(2)

• Um isótopo instável de número de massa A e número atómico Z transforma-se noutro núcleo com número atómico Z+1, com emissão de um electrão e de um antineutrino.

• A energia do decaimento é 0,782 MeV, diferença entre a soma das energias do

neutrão e do protão. Decaimento β+:

(3)

• Um isótopo instável com défice de neutrões, com número de massa A e número atómico Z transforma-se noutro núcleo com número atómico Z-1, com emissão de um positrão e de um neutrino.

• No processo de decaimento β+ do protão é emitido um neutrino

Radioactividade γ:

(4)

• Neste caso, um isótopo radioactivo num estado excitado decai para um estado de menor energia, emitindo um ou mais fotões (radiação γ, com certa frequência).

• Como o espaçamento entre os níveis energéticos nucleares é da

ordem dos MeV, os comprimentos de onda da radiação emitida são da ordem dos 10-12 m.

1 1 0

1 0 1 ep n e !

+" + +

1 1 0

e0 1 1n p e !

"# + +

A * A

Z ZX X !" +

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Porque é que se costuma designar as emissões α e β por radiação α e radiação β? Louis de Broglie, em 1926, emitiu a hipótese seguinte:

• Os corpúsculos materiais, tal como os fotões podem ter um aspecto ondulatório. De Broglie, associa então, a um corpúsculo material de energia E uma onda cuja frequência é dada pelas mesmas relações que para os fotões

• O momento linear do corpúsculo (p) relaciona-se com o comprimento de

onda correspondente (λ) pela relação de De Broglie

(5)

Após os resultados da experiência do corpo negro, Planck atribuíra qualidades de partícula às ondas electromagnéticas e Einstein, raciocinando sobre esta experiência e a do efeito fotoeléctrico, generalizara estas conclusões. Louis de Broglie propôs que as duas propriedades eram inseparáveis. Davisson e Germer e George Thomson realizaram experiências que verificaram o carácter ondulatório do electrão.

Chamou-se a esta questão o dilema da dualidade corpúsculo – onda que foi interpretado do seguinte modo:

• As entidades microscópicas não são ondas nem partículas. Quando se usam estes modelos, não se afirma que o fotão seja uma partícula mas antes que, em certas circunstâncias o seu comportamento é explicável por um modelo de partícula, assim como o comportamento do electrão (ou de outra partícula, como o neutrão ou o protão), em determinadas condições é traduzível por um modelo ondulatório.

• Não há, pois, justificação para se dizer que um fotão (ou o electrão) por vezes é onda, por vezes é partícula.

O dilema da dualidade partícula – onda foi um passo importante na História da

Física Moderna, mas, hoje, é um facto histórico já ultrapassado Experiências realizadas muito mais tarde (já na década de 70 do século XX)

revelam que a utilização de apenas estes dois modelos não consegue explicar cabalmente o comportamento do mundo microscópico. A realidade é muito mais complexa.

No entanto, acentuando a natureza ondulatória das partículas quânticas, é usual designar-se a emissão α (um núcleo atómico) e a emissão β (um electrão ou um positrão) por radiação. Mas isto não quer dizer que sejam radiação electromagnética! São apenas partículas quânticas emitidas com energia suficiente para poderem provocar ionização.

Dada a grande variedade de frequências, é usual classificar as ondas electromagnéticas em: ondas de rádio-frequência (ou ondas hertzianas), microondas, espectro infravermelho, luz ou espectro visível, radiação Roentgen ou raios X e raios gama, correspondendo a cada uma destas designações um intervalo de frequências que se designa por banda.

21 8

124,136 10 3 101,240 10 m

1

cE h !

!

"

"# # #= $ = = #

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________________________________________________________________ 86

Ondas de rádio-freqüência - são ondas electromagnéticas cujo comprimento de onda ! no vazio é superior a 10-3 m (respectivamente, ƒ< 3×1011 Hz), e que são produzidas por dispositivos electrónicos (Almeida, 2002). Pode considerar-se diferentes bandas de frequência dadas as características específicas de propagação e de geração das ondas de rádio-frequência.

Microondas – os comprimentos de onda das microondas vão desde 0,3 m a 10-3 m.

O intervalo de frequências é desde 109 Hz até 3×1011 Hz. A região das microondas é também designada UHF (Ultra High Freqüency, frequência ultra-elevada em relação à rádio-freqüência).

Luz ou espectro visível – é uma banda estreita de comprimentos de onda aos

quais a nossa retina é sensível. Estende-se de 7,8×10-7 m a 3,8×10-7 m com frequências que variam entre 4×1014 Hz e 8×1014 Hz. A luz é produzida por átomos e moléculas como resultado de ajustes internos no movimento dos seus componentes, principalmente electrões. Quando o estímulo luminoso é intenso (visão fotópica), a CIE (Commission Internationale de l’Éclairage) estabeleceu que os limites do espectro visível são 360 nm e 830 nm (Almeida, 2002).

Espectro infravermelho – esta banda é produzida nas transições entre estados de

energia das moléculas, e dos corpos aquecidos a temperaturas baixas. É vulgar designar as radiações electromagnéticas que uma substância emite, à custa da sua energia interna, por radiações térmicas (Yavorski e Detlaf, 1990).

São radiações electromagnéticas cujos comprimentos de onda no vazio ficam compreendidos entre 1 nm e 770 nm. Esta região é, normalmente, subdividida em três: o infravermelho distante, de 10-3 m a 3×10-5 m; o infravermelho médio, de 3×10-5 m a 3×10-6 m; e o infravermelho próximo, que vai até 7.7×10-7 m, embora alguns autores utilizem outras designações como, por exemplo, a da tabela 1.

Tabela 1 – Classificação das frequências das radiações IV (Lima, 2003) ! /nm Região fotográfica Região dos harmónicos Região das vibrações fundamentais Região das rotações moleculares

760-1300 1300-2500

2500-25000 25000-3×10-6

Raios ultravioleta (UV) - os comprimentos de onda, no vazio, variam entre 380 nm e 100 nm. São bandas proveniente de transições atómicas e moleculares devido a descargas eléctricas, ou do aquecimento de uma substância a uma temperatura igual ou superior a 2500 K (Almeida, 2002). A sua energia é da ordem de grandeza da aplicada na ionização de átomos e na dissociação molecular, e explica muitos dos efeitos químicos da radiação UV.

Os dermatologistas costumam distinguir três regiões (tabela 2).

Tabela 2 – Classificação das radiações UV (Lima, 2003) ! /nm Energia (eV)

UV-A UV-B UV-C

400-315 315-280 280-100

3.1-3.9 3.9-4.4 4.4-12.4

Considera-se que a radiação UV é ionizante para comprimentos de onda inferiores a 315 nm.

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Uma segunda classificação é apresentada na tabela 3. Tabela 3 – Classificação das radiações UV (Lima, 2003)

! /nm Energia (eV) UV-próximos UV-médios UV-remotos UV-extremos

400-300 300-200 200-100

<100

3.1-2.7 2.7-6.2 6.2-12.4

>12.4

Uma classificação distinta é, por vezes, usada em Biologia (tabela 4). Tabela 4 – Classificação das radiações UV (Lima, 2003) ! /nm Energia (eV)

UV-próximos UVactínicos UV-vácuo

400-315 315-200

<200

3.1-3.9 3.9-6.2

>6.2

A radiação com ! < 200 nm designa-se por UV-vácuo porque como é absorvida pelo ar, só se propaga no vazio, de modo que não são conhecidos efeitos biológicos deste tipo de radiações.

Raios X – (radiação Roentgen), produzidos por transições dos electrões dos níveis

mais internos do átomo e pela aceleração de cargas eléctricas (de Almeida, 1997). Os comprimentos de onda associados, no vazio, ficam compreendidos dentro de uma ampla banda de limites convencionais de 10 - 100 nm até 0.01 – 1 pm (3×1016 Hz<ν < 3×1018 Hz) (Yavorski e Detlaf, 1990).

Os raios X, descobertos em 1895 por Wilhelm Röntgen, actuam sobre os átomos e moléculas das substâncias que atravessam, produzindo dissociação e ionização. São utilizados em diagnóstico médico porque os ossos e os tecidos têm diferente absorção de raios X, o que permite obter um contraste claramente definido sobre uma chapa fotográfica. Como resultado dos processos moleculares que induzem, causam também graves danos em tecidos e organismos vivos.

Raios γ – radiação electromagnética que cobre uma gama de comprimentos de

onda inferiores a 0.1 nm (ν > 3×1018 Hz) (Yavorski e Detlaf, 1990); a emissão dessa radiação é produzida nos núcleos atómicos excitados durante as transformações radioactivas e as reacções nucleares, bem como durante a desintegração das partículas, a aniquilação dos pares “partícula-antipartícula” e outros processos.

Radiação Laser - é uma forma de radiação electromagnética. A diferença entre a

radiação “normal” e a radiação LASER está em quatro características distintas – a Monocromaticidade, Direccionalidade, Intensidade e Coerência.

O termo LASER é um acrónimo da expressão inglesa “Light Amplification By Stimulated Emission of Radiation”.

. PROCESSOS DE INTERACÇÃO DA RADIAÇÃO COM A MATÉRIA: Quando radiação incide sobre a matéria pode atravessá-la sem alterar as suas

características (trajectória e energia) – não houve interacção – ou ocorrer uma alteração da sua trajectória e/ou energia – houve interacção (colisão). Estas alterações

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podem dever-se a interacções com os electrões ou com os núcleos dos átomos constituintes da matéria, ou com ambos (Lima, 2003).

No caso particular das radiações X e γ, a ionização deve-se aos electrões que são libertados após as interacções primárias dos fotões com os átomos do meio.

Os processos de interacção com a matéria poderão ser analisadas segundo quatro categorias: a das partículas de massa e carga eléctrica nulas (fotões); a das partículas de massa elevada e carregadas (protões, partículas α, iões pesados); a das partículas de massa baixa e carregadas (electrões) e a dos neutrões com massa elevada e electricamente neutros.

I) PARTÍCULAS COM CARGA

a) Partículas carregadas com massa elevada (partículas α, protões e iões) Apresentam um poder ionizante elevado. Como têm uma massa elevada, no caso de interacções com electrões, a sua

trajectória praticamente não é alterada. Quando interactuam com um núcleo, a sua trajectória já pode sofrer grandes desvios.

b) Partículas carregadas com massa pequena (partículas β)

1 - Interacção das partículas β com o núcleo A partícula β sofre alterações de trajectória significativas embora a sua energia não

seja muito alterada. Este processo é conhecido por “dispersão de Rutherford” e corresponde a uma colisão elástica.

Quando a partícula β é desviada da sua trajectória inicial, é sujeita a uma aceleração. Associada a esta aceleração surge a probabilidade de ocorrer uma emissão de um fotão, podendo a energia irradiada variar desde zero até ao valor da energia cinética total da partícula β. Assim, o resultado da interacção da partícula β com o núcleo pode ser a emissão de radiação electromagnética de diferentes comprimentos de onda (radiação de Bremsstrahlung) e a diminuição da energia cinética da partícula β.

2 – Interacção das partículas β com os electrões A repulsão entre uma partícula β- e um electrão periférico, origina uma distribuição

da energia cinética inicial da partícula β- entre os dois. Se o aumento da energia cinética for elevado pode ocorrer a excitação ou a ionização do átomo. Em ambos os casos, a partícula β, ao perder energia, diminui a sua velocidade e acabará por combinar-se com um átomo ionizado do meio. O electrão, se for removido, passará a comportar-se como uma partícula ionizante.

II) PARTÍCULAS SEM CARGA a) Partículas sem carga e massa nula (fotões) 1 – Interacção dos fotões com os electrões O poder ionizante dos fotões é bastante menor do que o das partículas com

massa. Um fotão pode interactuar quer com o núcleo quer com os electrões do átomo.

Essa interacção pode originar uma colisão elástica, inelástica ou a absorção completa da energia do fotão.

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Se o fotão for pouco energético (radiofrequências e radiação IV) a energia transferida irá traduzir-se por um aumento da energia de vibração e rotação moleculares.

Se o fotão for medianamente energético (radiação visível) já pode alterar a configuração electrónica. Contudo, a interacção entre o fotão e o electrão não é suficiente para produzir a ionização.

Se o fotão for muito energético (radiação UV, radiação X e radiação gama), pode provocar a remoção do electrão ficando o átomo atingido ionizado.

Alguns dos tipos de interacções que os fotões podem estabelecer com os electrões dos átomos do absorvente são por:

1.1 Efeito Fotoeléctrico No efeito fotoeléctrico toda a energia do fotão é transferida para o meio. Parte da

energia é usada na extracção do electrão do átomo e a restante (se não for nula) é transferida para o electrão na forma de energia cinética. Assim, o átomo fica ionizado, sofrendo um rearranjo dos electrões e o electrão extraído torna-se uma partícula ionizante.

1.2 Efeito Compton Interacção entre o fotão e um electrão, na qual só parte da energia do fotão é

cedida. - O fotão perde energia e muda de direcção. - O átomo fica ionizado, sofrendo um rearranjo dos

electrões. - O electrão extraído torna-se uma partícula ionizante

secundária. 1.3 Difusão de Rayleigh-Thomson Interacção entre o fotão e o electrão não é suficiente para produzir a ionização ou

a excitação do átomo, trata-se de uma colisão elástica. O fotão sofre uma ligeira mudança de direcção sem perda de energia.

2 – Interacção dos fotões com o núcleo Para energias elevadas, superiores a 1,022 MeV, o fotão pode interagir com o

núcleo do átomo.

Efeito da produção de pares Quando o fotão fica sujeito ao campo eléctrico intenso que existe na

proximidade de um núcleo, pode produzir-se um positrão e um electrão. - O excesso de energia do fotão aparece na forma de

energia cinética. - O electrão e o positrão extraídos tornam-se partículas

ionizantes secundárias. - Quando o positrão tiver perdido praticamente toda a sua

energia combina-se com um electrão, as suas massas desaparecem e são produzidos dois fotões de 0,511 MeV.

b) Partículas sem carga e massa elevada Os neutrões, como são partículas sem carga, só interactuam com os núcleos. A

interacção pode ser de três formas diferentes: - colisão elástica com os núcleos;

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- colisão inelástica com os núcleos; - reacções nucleares com a produção de partículas

carregadas ou de novos neutrões. Na colisão elástica, toda a energia perdida pelo neutrão aparece sob a forma de

energia cinética do núcleo com o qual se produziu o choque. A colisão é inelástica se uma parte da energia for excitar o núcleo, ficando este com mais energia.

Nas reacções nucleares podem ocorrer processos de captura de neutrões que podem dar origem à emissão de radiação gama, radiação alfa ou emissão de protões, ou ainda reacções de cisão nuclear.

EFEITOS DAS RADIAÇÕES Nem todas as radiações têm consequências nefastas para o ser humano. Há

radiações que são utilizadas com fins terapêuticos, como é o caso da radiação IV usada no tratamento de doenças musculares e reumáticas.

A manifestação das consequências oriundas da exposição a radiações ionizantes depende de factores como da dose total de radiação (dose de radiação equivalente absorvida) e da duração da exposição (tempo de exposição à radiação). Dever-se-á dizer dose de radiação equivalente absorvida e não dose de radiação absorvida para que os factores, que fazem variar os efeitos biológicos das radiações ionizantes (tipo de radiação; órgãos afectados; …), entrem em linha de conta. Grandezas utilizadas na medição do efeito das radiações

Dose de radiação absorvida ou dose absorvida – representa o valor médio da energia absorvida por unidade de massa e define-se matematicamente por:

D=E / m (6)

No Sistema Internacional de unidades (S. I.), exprime-se em gray (Gy), sendo 1Gy= 1J. K-1. Fora do S. I. usa-se habitualmente, para dose absorvida, o rad (radiation absorved dose), sendo 1 rad= 10-2 Gy.

Dose de radiação equivalente absorvida, H – noção que pretende chamar a

atenção para o facto de diferentes radiações produzirem, em geral, diferentes efeitos biológicos num determinado órgão ou tecido humano. Deste modo, na definição de dose absorvida dever-se-á entrar com um factor adimensional que tenha em conta o tipo de radiação e, que por isso, meça o efeito relativo dessa radiação. Assim, matematicamente pode definir-se por:

H= ∑QR DR (7)

R

onde QR é o factor de qualidade da radiação R (ou RBE - Relative Biological Eficiency) e DR é a dose absorvida dessa radiação. A grandeza H tem as mesmas dimensões da grandeza D, ou seja, exprime-se em J.kg-1, mas a unidade de dose equivalente absorvida designa-se no S. I. por sievert (Sv) e, fora do S.I., usa-se habitualmente como unidade o rem, onde 1 rem= 10-2 Sv.

Dose de radiação efectiva, ε - noção que pretende ter em conta o facto de diferentes órgãos ou diferentes tecidos do organismo terem diferentes sensibilidades a uma determinada radiação, sendo por isso definida com um

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factor adimensional , NT, capaz de traduzir o efeito da radiação num determinado tecido. Matematicamente pode definir-se por:

ε= ∑NT DR ∑QR DR,T (8)

T R

A dose efectiva exprime-se em sievert (Sv). Para uma dada radiação absorvida por um determinado tecido, tem-se ε=NQD.

Efeitos biológicos da radiações ionizantes

Os efeitos biológicos das radiações são de natureza extremamente diversa, variando com o tipo da radiação, com a pessoa irradiada, o órgão atingido, a dose administrada, as condições da irradiação, etc.

É a reacção, à radiação ionizante, dos tecidos do órgão atingido e das suas células que determina o efeito biológico da radiação.

Os efeitos a longo prazo, que ocorrem após um período latente de alguns meses ou até anos, podem ser divididos em duas categorias: efeitos não estocásticos ou determinísticos e efeitos estocásticos.

Para os efeitos não estocásticos pode-se estabelecer uma relação determinística de causalidade entre dose e efeito, enquanto que para os efeitos estocásticos só se pode falar em probabilidades.

Lesões moleculares

Embora todas as lesões provocadas nas moléculas biológicas possam ter consequências graves, estas serão tanto mais graves quanto mais importantes forem as funções desempenhadas por essas moléculas. Como a função de reprodução das células está armazenada nas cadeias de ADN (ácido desoxirribonucleico), as lesões consideradas mais graves são as do ADN.

O efeito das radiações é radioquímico quando passa quer por uma ionização directa do ADN, quer pela ionização ou excitação de outras moléculas vizinhas. A radiólise da água (formação de radicais livres devido à rotura das moléculas de água) é uma das causas de ruptura do ADN, via oxidação pelos radicais livres, nomeadamente OH*.

Os efeitos radioquímicos podem ser de diversos tipos: - modificações das bases; - mudanças de conformação do ADN; - lesões por entrecruzamento (“cross links”); - remodelações da estrutura dos cromossomas.

Estima-se que uma dose de 1 Gy provoca mil roturas simples numa espiral de ADN e duas mil alterações num aminoácido.

Quando as lesões, provocadas pela irradiação, afectam apenas um dos filamentos da dupla hélice de ADN, a reparação é, na maioria das vezes, total. 85% destas lesões são corrigidas em alguns minutos e as restantes em algumas horas (Cavedon, 2000).

A reparação de defeitos duplos é mais difícil tendo como consequência, por vezes, reparações incorrectas que podem levar à morte da célula ou à sua cancerização. As partículas pesadas (neutrões e partículas alfa), que libertam a sua energia em pontos muito próximos ao longo da sua trajectória, são as mais susceptíveis de provocar lesões duplas.

As lesões que não forem reparadas ou forem reparadas de forma incorrecta podem evoluir segundo três vias. As lesões irreversíveis do ADN, podem conduzir à morte imediata, quando a estrutura química da célula perde a sua integridade ou à

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morte diferida: a célula continua a funcionar mas ocorreu uma modificação definitiva do património hereditário da célula. Na segunda situação a célula pode perder a capacidade de se dividir e dar origem a células filhas normais ou tornar-se imortal; isto é, adquire a capacidade de se reproduzir indefinidamente. Se a lesão ocorrer nas células sexuais, o erro genético é transmissível aos descendentes.

Uma lesão diz-se letal quando é suficiente para matar a célula. Numa lesão subletal, a célula só morre após uma segunda lesão. O futuro de uma célula depende da sua capacidade de se regenerar correctamente entre a primeira e a segunda irradiação. Esta competição entre a regeneração e o débito da dose (o fluxo de partículas irradiantes) está na origem dos tratamentos de cancro por irradiação (o valor da velocidade de regeneração das células cancerosas é menor).

A proporção de células sobreviventes depende da dose de radiação, fonte de radiação, intensidade e duração da exposição (Dernell e Wheaton, 1995).

A relação entre a dose e a proporção de células sobreviventes varia segundo o tipo de célula. Em todas as células, a dimensão do alvo e a radiossensibilidade são tanto maiores quanto maior for a quantidade de material genético (ADN).

Quando as células de mamíferos são irradiadas com partículas fortemente ionizantes, a relação dose/efeito é exponencial. No caso de irradiação pouco ionizante a relação varia: se a dose for menor do que 1 Gy a eficiência da irradiação é fraca, mas eleva-se com a dose; para valores de alguns gray a relação dose-efeito torna-se exponencial.

Em média, para as células de mamíferos, uma irradiação única de: 1 Gy mata entre 15% a 25% das células presentes 2 Gy mata cerca de 40% a 55% das células presentes 3 Gy mata cerca de 50% a 70% das células presentes Quando a irradiação é fraccionada, se as sessões forem separadas por um

intervalo superior a algumas horas, a totalidade das lesões subletais é reparada e tudo se passa como se as células sobreviventes tivessem esquecido a irradiação precedente. É por isso que, para a mesma dose total, a proporção de células sobreviventes é tanto mais elevada quanto maior for o número de sessões em que a dose for aplicada.

Dos 3 tipos de radiação nuclear, as partículas alfa são as que em geral têm o menor poder de penetração. As partículas beta são mais penetrantes do que as partículas alfa, mas menos do que os raios gama (Chang, 1994). No entanto, as partículas alfa provocam cerca de 20 vezes mais danos nas células do que a mesma dose de radiação de partículas beta, ou de radiação gama, ou de raios X.

Lesões teciduais

Embora as lesões sejam ocasionadas nas células, os seus efeitos manifestam-se

no nível superior de organização; isto é, nos tecidos ou órgãos constituídos por células do mesmo tipo.

Os efeitos da irradiação dos tecidos só se manifestam quando ocorre a morte de um número significativo de células constituintes desse tecido. Se não for atingida uma proporção significativa de células, o tecido não apresenta nenhuma lesão detectável. É possível determinar uma “dose limiar”, para cada tecido, abaixo da qual não é detectada nenhuma degradação do tecido. (Alves, 2005).

Os efeitos determinísticos sobre os tecidos são característicos de doses fortes (da ordem do gray e acima disso), aplicadas em intervalos de tempo muito curtos. Estas doses reduzem significativamente a proliferação celular num tecido.

O atraso no aparecimento e regeneração das lesões depende das características do tecido e varia muito de tecido para tecido.

A acção das radiações é sobretudo nítida nas células-mãe (capazes de auto-reprodução infinita e cuja descendência se diferencia) e é nula nas células

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diferenciadas que não se multiplicam mais. Em tecidos em que a divisão celular é lenta, os efeitos demoram a surgir e os mecanismos de regulação não são accionados, dando origem a lesões irreversíveis.

Efeitos não estocásticos (ou determinísticos) Para os efeitos não estocásticos o limiar de segurança de cada órgão é conhecido

(Tabela a.1). Os tecidos com uma elevada taxa de renovação celular, como por exemplo medula óssea, gónadas masculinas e femininas, intestinos, etc., são mais radiossensíveis (Rauth, 1991).

Tabela a.1 – Limiares estimados de efeitos não estocásticos para a exposição aguda e

crónica de todo o corpo

Tecido/efeito Dose de

exposição aguda (Sv)

Dose anual de exposição crónica

(Sv) Gónadas masculinas: esterilidade temporária esterilidade permanente

0,15

3,5-6,0

0,4 2,0

Gónadas femininas: esterilidade

>2,5

>0,2

Cristalino: opacidade cataratas

2-10 >2,0

>0,1

>0,15 Medula óssea: Anemia

>0,5

>0,4

Quando a radiação atinge o corpo todo, o que sucede muitas vezes fruto de situações acidentais, o quadro clínico é conhecido. A tabela seguinte a.2 ilustra os efeitos a curto prazo da irradiação global em função da dose (Cavedon, 2000).

Tabela a.2 – Efeitos a curto prazo da irradiação global em função da dose

Dose Efeito >0,25 Gy Não tem qualquer efeito determinístico.

[0,25;1] Gy Descida nítida dos glóbulos brancos. Os efeitos biológicos são espontaneamente reversíveis e não se justifica qualquer tratamento.

[1;2,5] Gy Surgem vómitos. Os efeitos são reversíveis espontaneamente. >2,5 Gy É necessária a hospitalização da vítima. A sobrevivência depende

do seu estado geral. Fase inicial – naúsea e vómitos; diminuição rápida de linfócitos. Fase crítica – fadiga intensa, febre alta, ulcerações bucais, etc. No sangue o número de glóbulos brancos e plaquetas é bastante reduzido porque a produção medular é praticamente nula. Há o risco de infecção ou hemorragia.

>8 Gy Manifestações intestinais (diarreia, hemorragia, etc.) A sobrevivência depende da qualidade dos cuidados prestados. O prognóstico é extremamente sombrio na ausência de um transplante de medula.

>15 Gy Verificam-se manifestações neurológicas e não há terapia eficaz.

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No caso da radiação ultravioleta, há vários efeitos que podem ocorrer a curto

prazo. Entre os mais significativos, tem-se o escurecimento do pigmento da pele, a produção de eritema e o aumento da pigmentação que se manifesta no bronzeado.

A longo prazo, a exposição prolongada a radiações UV causa envelhecimento, degeneração do tecido da derme com consequente diminuição da elasticidade e formação de rugas mais profundas na pele. Ao nível dos olhos, tem sido sugerido que a exposição a doses excessivas de radiação UV-A pode causar cataratas a longo prazo.

Efeitos estocásticos

Certas lesões compatíveis com a reprodução celular podem constituir o ponto de

partida de um cancro se se tratar de células somáticas, ou de anomalias genéticas se se tratar de células sexuais; estes efeitos, ditos estocásticos, são idênticos seja qual for a dose, e a sua probabilidade aumenta com a dose, não existindo, para os efeitos estocásticos uma dose mínima de segurança (Webbon, 1995). O que depende da dose recebida é a probabilidade de aparecimento de cancro e não a sua gravidade.

A destruição de sistemas vivos pela radiação é geralmente classificada como somática ou genética.

Os efeitos somáticos são aqueles que afectam directamente o indivíduo exposto à irradiação e não são transmitidos às gerações futuras. Entre os efeitos somáticos mais importantes estão:

aumento da incidência de cancro; desenvolvimento anormal do embrião; indução de cataratas; redução do tempo de vida média (Alves, 2005).

Quanto aos efeitos genéticos, pode dizer-se que consistem em mutações nas células reprodutoras e que afectam as gerações futuras. Assim, quando a radiação atinge as células reprodutoras ou seus percursores, pode ocorrer uma alteração na informação genética, provocando uma mutação genética. Se o espermatozóide ou óvulo for utilizado na concepção, a alteração será reproduzida durante a divisão celular e incorporada nas células do novo ser. Se essa mutação não for letal poderá ser transmitida de geração para geração. Por isso, os descendentes de uma pessoa cujos cromossomas tenham sido lesados ou alterados pela radiação podem apresentar deformações.

As radiações ultravioletas mais energéticas (UV-B e UV-C) também podem causar o aparecimento de tumores malignos ao nível da pele, sobretudo em pessoas de pele clara e que têm uma história de exposição prolongada ao Sol. 5.5 DERRAME DE ÓLEOS A PROPÓSITO DO ACIDENTE COM O “PRESTIGE”

Outro tema com enorme importância para o cidadão comum é a poluição das águas. Como tirar partido de acidentes ocorridos como o do “Prestige”?

Poluição das águas Poluição dos mares

Os mares ocupam cerca de 361 milhões de km2, aproximadamente 7/10 da

superfície terrestre, com um volume total de água de 1330 milhões de km3.

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A maioria dos resíduos da actividade humana contendo substâncias tóxicas e nutrientes, assim como certos minerais do solo, é carreada para os mares, sendo a maior parte deste material orgânico e mineral sedimentado no leito dos oceanos.

Através de correntes ascendentes que ocorrem em determinadas regiões, como no Pacífico, às costas do Peru, os nutrientes são trazidos à superfície pelo fenómeno de ressurgência, fertilizando as cadeias alimentares daquele ecossistema (Pinheiro e Monteiro, 1992).

As substâncias tóxicas e os poluentes podem comprometer os ecossistemas aquáticos causando desequilíbrios na quantidade de oxigénio do planeta, visto que grande parte dele é produzido pelas algas do fitoplâncton marinho. Lançamento de agentes poluidores em mar aberto

O uso de meios de transporte marítimo, como navios e barcos, pode eventualmente dispor no oceano material sólido, esgoto e óleo.

Os maiores danos para o ecossistema aquático são decorrentes dos derrames de óleo, visto que o material sólido e o esgoto são biodegradados com certa facilidade pelas águas oceânicas, devido à pequena concentração do poluidor (Pinheiro e Monteiro, 1992).

Os derrames de petróleo ou seus derivados no mar são decorrentes de acidentes durante a extracção do óleo em plataformas submarinas, durante o seu transporte em navios petroleiros e durante o processo de armazenagem.

A combustão dos motores dos navios também contribui com o lançamento de resíduos tóxicos nos ecossistemas aquáticos.

Com o crescimento do comércio marítimo, as catástrofes decorrentes do derrame de petróleo têm ocorrido cada vez em maior número. Já no princípio do século XX, com o início do transporte de hidrocarbonetos por via marítima, verificou-se que esta prática comportava alguns riscos, não só para o ambiente, mas também para as pessoas que seguiam a bordo dos petroleiros. No entanto só com os primeiros acidentes é que esta questão começou a merecer a atenção e preocupação da opinião pública (Naturlink, 2006).

O petróleo derramado pode matar diversos seres aquáticos por asfixia, pois prejudica a assimilação de oxigénio pelas águas, além de prejudicar a fotossíntese devido à obstrução das células dos seres produtores e diminuição do poder de penetração da luz. As aves aquáticas podem ter o corpo coberto de óleo e morrer afogadas pela permeabilidade à água que as suas penas ganham, ou por hipotermia (uma vez que o óleo aderente às suas penas reduz a sua capacidade de reter calor), ou ainda devido a problemas pulmonares. Vários componentes do petróleo têm natureza tóxica, causando danos à saúde dos seres aquáticos e à saúde do homem pelo efeito cumulativo na cadeia alimentar. Assim, podem ocorrer mortes por envenenamento, devido à ingestão directa de petróleo ou por inalação dos compostos aromáticos voláteis que contaminam a atmosfera.

O petróleo, possuindo peso volúmico γ (anteriormente designada peso específico o que é incorrecto segundo consta em Almeida, 2002) menor do que o da água, mantém-se à superfície. Sendo um elemento não-miscível em água, forma-se na superfície de contacto óleo-água uma película de tensão superficial. A força gravitacional, agindo sobre a camada de óleo e tendo como barreira a película de tensão superficial da água, faz com que o óleo sofra um espalhamento lateral transformando-o numa película fina e uniforme, facilitando a sua biodegradação. Uma tonelada de petróleo derramado pode ocupar uma área de mais de 100 km2 (Pinheiro e Monteiro, 1992).

O estudo de uma maré negra depende antes de tudo do comportamento, no mar, do petróleo derramado e, portanto, da sua natureza. Ele pode ser constituído por hidrocarbonetos alifáticos saturados ou alcanos, que são pouco tóxicos e

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biodegradáveis; por hidrocarbonetos aromáticos insaturados (ex. benzeno, naftaleno), que são tóxicos e muito solúveis na água do mar, sobretudo os mais leves; e por resinas e asfaltenos, também chamados de alcatrões ou betumes, que são moléculas de alto peso molecular que contêm frequentemente metais (níquel e vanádio), altamente tóxicos e pouco solúveis nas águas do mar.

Essencialmente, a toxicidade química do petróleo está nos hidrocarbonetos aromáticos, sobretudo os mais leves, que apresentam um a três núcleos aromáticos. Os hidrocarbonetos tóxicos leves são também os mais solúveis na água do mar (Laubier, 2005). O petróleo bruto é uma mistura de várias centenas de moléculas de hidrocarbonetos das três famílias acima mencionadas, enquanto o petróleo refinado é mais rico em moléculas de uma das famílias. De acordo com a sua composição, a viscosidade do petróleo varia sensivelmente, pelo que assim que cai no mar, forma com a água uma emulsão inversa que, quanto mais fina, mais facilmente penetra em diferentes nichos do ecossistema submarino. Depois disto, o petróleo passa por diversos processos físico-químicos e transforma-se de acordo com a sua composição: pode espalhar-se, evaporar, dissolver-se, sedimentar, ser foto-oxidado, biodegradar-se, etc.

A poluição causada por uma maré negra evolui em três fases (Laubier, 2005). Durante a fase de extensão, ela espalha-se tanto superficialmente como em profundidade. É nessa fase, que dura cerca do dobro do tempo de derrame, que os organismos marinhos são envenenados ou mortos. Segue-se a fase de estabilização, na qual a toxicidade dos diferentes elementos atingidos (água do mar, sedimentos, leitos, organismos vivos, etc.) desaparece. Esta fase dura de alguns meses a mais de um ano, de acordo com a composição física e química do bioma. Na fase de recolonização, que se estende por cerca de dez anos nas latitudes européias, as populações destruídas reconstróem-se progressivamente.

Desta forma, pode dizer-se que as consequências em termos de impacto ambiental de dois derrames de petróleo variam consoante o tipo de óleo vazado. Por isso, o acidente com o petroleiro Amoco Cadiz (1978), com óleo fino e solúvel, devastou sobretudo a vida marinha, enquanto que o acidente com o petroleiro Erika (1999), com óleo viscoso de manchas fragmentadas, afectou mais o ecossistema costeiro, sobretudo as aves. Assim, apesar de o primeiro acidente ter envolvido um volume maior de óleo, o seu impacto de longo prazo foi menor, pois a baixa viscosidade do petróleo envolvido, a sua proporção de hidrocarbonetos, a proporção elevada de fracções leves e a forte agitação do mar favoreceram a sua dissolução em água (Laubier, 2005). Já no caso do Erika, o óleo transportado era constituído, na sua grande maioria, por compostos aromáticos policíclicos tóxicos e cancerígenos e pouco solúveis na água. Para além disso, esse óleo tinha uma densidade próxima à da água do mar e formou emulsões que continham 30% a 50% de água, de modo que as manchas não permaneceram o tempo todo na superfície e tornaram-se particularmente perigosas para as aves marinhas que, não as percebendo, ficavam presas nesse fluido viscoso.

Com a multiplicação das marés negras, as estratégias e os meios para o seu combate têm sido aperfeiçoados. O primeiro objectivo de uma operação deste tipo consiste em impedir a aproximação massiva do petróleo às zonas costeiras, onde a sua eliminação é mais difícil e onerosa. Existem várias técnicas de combate e limpeza das marés negras: afundamento; combustão; utilização de absorventes; utilização de detergentes e dispersantes; biorremediação ou degradação biológica e recolha mecânica.

A técnica de afundamento do lençol de petróleo (por aumento da sua densidade) tem efeitos nocivos sobre a flora e a fauna dos fundos oceânicos. É que o petróleo derramado pode sofrer emulsificação devido à agitação da água, o que aumenta a sua viscosidade e volume, mas prejudica a sua captação mecânica. Deste modo, os óleos que se encontram abaixo da superfície das águas, por aumento de densidade, e quando próximos à costa misturam-se com partículas sólidas dos sedimentos e

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depositam-se no fundo dos mares. Isto compromete a vida aquática, como por exemplo, os corais, e a mistura óleo-areia, pela acção das ondas, prejudica a estética das praias.

A combustão consiste na queima do petróleo como forma de o eliminar, mas as altas temperaturas promovem a solubilização de componentes tóxicos, o que não favorece o processo, para além de gerar grandes quantidades de fumos (poeiras e dióxido de carbono o que agrava o efeito estufa). Por vezes usam-se substâncias absorventes, tipo esponja, para reter o petróleo. Também o uso de detergentes tem-se revelado prejudicial, pois são produtos que provocam a dissolução e dispersão do petróleo. No entanto, os compostos resultantes da mistura são mais tóxicos, e a sua biodegradação é mais lenta, pois tendem a precipitar e a depositar-se em profundidade. Todavia, têm-se tentado que estes produtos sejam cada vez mais ecológicos. Na biorremediação, as bactérias decompõem o petróleo em substâncias mais simples (combustão natural). Estas bactérias são extraídas do amido de milho, e para digerir 1 Litro de petróleo consomem o oxigénio de 327 Litros de água do mar, pelo que se agrava o risco de asfixia do meio marinho (Naturlink, 2006).

A recolha mecânica é aparentemente o método ideal, pois não prejudica o ambiente, mas torna-se difícil de executar em condições atmosféricas adversas. Esta consiste no uso de sistemas de retenção insufláveis, denominadas barreiras de contenção, para evitar que o óleo atinja as costas. O petróleo pode ser contido e recuperado para posterior utilização, com recurso a equipamentos de captação conhecidos por skimmers. Os skimmers separam o óleo da água por centrifugação (a água do mar é mais densa que o petróleo, pelo que este tende a concentrar-se no centro de rotação, podendo ser bombeado para fora), por elevação (pelo uso de correias transportadoras), e por adsorção (com recurso a materiais oleofílicos). Este método é mais eficaz quando executado logo após o derrame, enquanto o óleo não sofreu grande evaporação, o que leva a um aumento de viscosidade e densidade, permitindo que ele passe por baixo das barreiras flutuantes de contenção.

Para evitar problemas de poluição decorrentes de vazamentos de óleo causados por ruptura de cascos de navios, muitas vezes opta-se por um casco de estrutura dupla, que apesar de encarecer os projectos de construção de navios petroleiros, evita grandes prejuízos ambientais e económicos. No caso do petroleiro “Prestige”, o casco é simples, visto que entre o petróleo e a água existia apenas uma camada de aço. No entanto, o que é exigido pela União Europeia, é que o casco seja duplo; isto é, entre o petroleiro e a água existem duas camadas de aço (Público, 2006). Para além disto, são desenvolvidos esforços no sentido de serem tomadas medidas a implementar para prevenir acidentes com petroleiros. De salientar, por exemplo, as medidas legislativas tomadas pela União Europeia, denominadas ERIKA-I (em Março de 2000) e ERIKA-II (em Dezembro de 2000).

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No momento do acidente e muito tempo depois de ele ter sucedido, várias foram as notícias veiculadas pelos mass media, entre as quais:

O acidente do “Prestige” A 13 de Novembro de 2002, o Prestige, um petroleiro de casco simples com 26

anos, pertencente a uma companhia liberiana e que transportava 77000 toneladas de fuelóleo pesado, sofre um rombo no casco quando navegava ao largo da Galiza. Em 19 de Novembro, o navio quebra-se e acaba por se afundar, a 270 km da costa espanhola.

Vários milhares de toneladas de fuelóleo pesado derramam-se no mar. A poluição atinge primeiro a costa da Galiza, estendendo-se depois ao litoral das Astúrias, da Cantábria e do País Basco espanhol. Em 31 de Dezembro de 2002, a poluição já atingia a costa francesa. Nas praias dos departamentos das Landes e da Gironda são encontrados os primeiros nódulos de hidrocarbonetos. Uma semana mais tarde, a poluição afectava mais de 200 km do litoral atlântico, da fronteira espanhola à ilha de Yeu.

(…) Nas operações de combate à poluição intervêm meios e equipamentos de

reconhecimento das manchas e de tratamento e recuperação dos hidrocarbonetos disponibilizados por vários Estados-Membros.

(…) Extraído de Dossier de imprensa – 5 de Março de 2003 Comissão Europeia Direcção-Geral Energia e Transportes

Fuel do “Prestige” contém elementos

cancerígenos (…) As primeiras análises feitas ao combustível em França indicam que o fuel

derramado contém um alto grau de elementos potencialmente cancerígenos. Segundo a Cadena SER, Fraga (presidente do governo galego) estaria talvez a referir-se à existência de altas quantidades de benzeno e enxofre, uma suspeita que só as análises agora em curso poderão confirmar.

Ontem ao final da tarde começaram a ser divulgados os primeiros resultados preliminares, segundo os quais o fuel derramado contém um alto grau de elementos potencialmente cancerígenos. (…)

A Agência de Investigação Internacional do Cancro classificou o “fuel” como “possível carcinógeno humano, ou seja, uma classificação reservada às substâncias que oferecem “evidências quase suficientes (de que são cancerígenas), mas não total, segundo os estudos epidemiológicos”, cita hoje o “El Mundo”.

(…) … o fuelóleo é de “tipo pesado número 2”, precisando que entre as cerca de 30 componentes do combustível encontram-se seis hidrocarbonetos aromáticos, classificados na categoria 2-4, ou seja, como “possível carcinógeno humano”.

Agentes cancerígenos na cadeia alimentar Contrariando os dados oficiais do governo espanhol, a Universidade de A Corunã

afirma que o derrame de fuel do “Prestige” deixou no mar agentes cancerígenos que estão a ser absorvidos pelas espécies marinhas e a entrar na cadeia alimentar.

Um ano depois da tragédia que manchou de negro a costa da Galiza, um estudo realizado por especialistas daquela universidade prova que Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (HAP) já foram assimilados em níveis assustadores por inúmeras espécies (…).

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Assinale-se que os HAP são um conjunto de cerca de 40 substâncias perigosas, a maioria delas consideradas cancerígenas pela Agência Internacional de Investigação do Cancro. (…) os níveis assimilados por estas espécies ainda não ultrapassam os considerados aceitáveis, mas ultrapassam já os níveis considerados perigosos e superam de longe os resultados divulgados pela Agência Espanhola de Segurança Alimentar (AESA) (…) .

O aspecto mais preocupante desta contaminação é que os HAP são bioacumulativos, isto é, poucas espécies são capazes de expeli-los, pelo que se acumulam nos organismos e são transmitidos a outras espécies seguindo a cadeia alimentar.

Extraído de Ecosfera 1 (2006)

Maré negra continua a crescer

O “Prestige”, o petroleiro que anteontem encalhou ao largo da costa galega, continua a correr o risco de se afundar.

Apesar de estar a ser rebocado para longe da costa, as três mil toneladas de crude já derramadas formam neste momento uma mancha negra com cerca de 37 quilómetros quadrados. (…)

Independentemente de se partir ou não, e caso o navio se afunde, resta saber até que ponto os tanques conseguirão aguentar a pressão que se faz sentir a cerca de 2 mil metros (!!) de profundidade.

Entretanto estão já em marcha os procedimentos de emergência para evitar que a maré negra chegue à costa da Galiza. Cerca de oito quilómetros de barreiras flutuantes vão ser colocadas, além de 23 tanques (três deles flutuantes) para recolher o combustìvel.

Extraído de Ecoponto (2006) Exemplo de um comentário feito por correio electrónico a propósito da notícia “Maré negra continua a crescer”:

“as autoridades espanholas deviam ter deitado o fogo ao navio. Estragavam um bocado a camada do ozono mas assim não havia tanta gente prejudicada.” Mensagem de Pedro Gomes e de Tânia Serra em 5/12/2002 às 11:34:29 e inserida em Ecoponto (2006)

Tipo de combustível derramado por “Prestige”

pode dificultar limpeza

A reduzida percentagem de componentes voláteis do fuelóleo nº 6, o combustível que tem sido derramado pelo petroleiro “Prestige”, ao largo da costa da Galiza, pode dificultar os trabalhos de limpeza, (…) ,

(…) o combustível derramado tem uma densidade a 15 graus centígrados de 975,3 quilogramas por metro cúbico e tem uma baixa percentagem de componentes voláteis.

“Isto quer dizer que este combustível não tem capacidade para se evaporar muito facilmente, de forma natural” (…)

Além disso, as condições meteorológicas e climatéricas na região não favorecem os trabalhos de limpeza da mancha com 37 quilómetros e de três mil toneladas de fuelóleo, substância “bastante poluente” (…)

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(…) a par com o processo de evaporação, é outro aspecto a analisar nestas situações – Alice Soares avança que as ondas de quatro a cinco metros vão aumentar a tendência para a mancha se dispersar e quebrar (…).

Extraído de ecosfera 2 (2006)

Afinal por que é que a mensagem passa, mas não surte o efeito desejado?! Por que é que pouco tempo depois do acidente ter ocorrido (Verão de 2003) já havia quem fizesse praia nestas zonas atingidas pelo derrame de fuelóleo?!

Desde o início em que se deu o acidente foram surgindo notícias em todos os meios de comunicação social sobre o que sucedeu ao petroleiro, quais as implicações ambientais, económicas e sociais do desastre. Apareceram descrições das doenças que diversas aves, peixes e crustáceos podiam sofrer e das implicações na cadeia alimentar; das causas físicas do afundamento desde a modificação do equilíbrio do petroleiro, passando pela danificação da sua estrutura, até à forma como afundou; da influência que os ventos teriam no deslocamento, no mar, das manchas de fuelóleo; etc.

A opinião pública ficou conhecedora, entre outras, da forma como foram sacrificadas as populações da Galiza com as manchas nas suas praias e os esforços diários que fizeram para retirar delas toneladas de lixo; das previsões e explicações sobre a deslocação das manchas no mar e sobre os afloramentos do fuelóleo que se vieram a concretizar, dentro de certos limites; etc.

Em suma, demonstrou-se que o acidente teve repercussões ambientais, económicas e sociais e que a Ciência desempenhou o papel de prestar informações e dar previsões sobre o que se passava e que poderia suceder e alertar para os perigos da situação.

Mas parece ter havido aqui uma falha de comunicação que passou, antes de mais, pela forma como se entende a Ciência… Atente-se pois à forma como estas notícias chegaram ao público em geral… por um lado, lançou-se o pânico pelo acidente ocorrido e pelas consequências que daí poderiam advir e, por outro, desvalorizou-se o trabalho que os cientistas desenvolveram, quando se contrapuseram resultados fornecidos pela Ciência com os fornecidos pela entidades estatutárias. Deste modo, é difícil que a mensagem, veiculada por estas e outras notícias, passe surtindo o efeito desejado; isto é, que o cidadão actue de modo mais consciente tomando uma atitude mais positiva e mais credível face à Ciência.

Pela investigação levada a cabo por Costa (2002), pode concluir-se que o público leitor, em Portugal, é considerado maioritariamente benevolente e indiferente no que diz respeito ao seu modo de relacionamento com a Ciência e os temas científicos, pelo que muito dificilmente, para não dizer impossível, se chegará a este mesmo público com notícias como estas, de forma a que este tenha uma atitude positiva face à Ciência e tire partido do trabalho que ela põe ao seu alcance e em prol da sua saúde, da sua segurança, do ambiente e de um futuro sustentável.

Para além disto, o comentário enviado por e-mail, à notícia “Maré negra continua a crescer” é revelador de concepções alternativas a respeito de fenómenos como o “efeito estufa” e “camada de ozono”. Este comentário vai ao encontro de uma das conclusões que o estudo sociológico sobre contaminação atmosférica permitiu chegar (Carmona, 2005) – existência de uma elevada percentagem de desconhecimento (superior a 65%) quanto aos aspectos científicos relacionados com a “camada de ozono”. De salientar que este estudo foi realizado na Espanha, e nele participaram professores, alunos maioritariamente do ensino secundário, familiares de alunos, entre outros.

Se este acidente for visto numa outra perspectiva bem diferente da que até aqui foi apresentada, pode constatar-se que ele se poderá revestir de aspectos positivos no que concerne à sua exploração numa aula de Ciências. Pode, por isso, pôr-se a

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seguinte questão: Como tirar partido de um caso prático como o acidente do “Prestige”, mobilizando os saberes dos alunos? Embora de uma forma dramática, esta situação acidental evidencia as interacções entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente. Por esse motivo, os aspectos relacionados com o acidente carecem ser discutidos em aulas de Ciências, como por exemplo nas disciplinas de Física, Química e Biologia. A escola pode, pois, tirar partido de casos práticos como este, sem prejuízo de operacionalizar as ferramentas conceptuais previstas nos normativos curriculares. Cabe, por isso, aos professores de Ciências saber aproveitar e explorar situações como esta nas suas aulas … Foi neste sentido que se constituiu a pergunta 17 do questionário elaborado. A ideia foi sobretudo pretender avaliar a atitude do docente de Ciências na sala de aula face a situações práticas do quotidiano; isto é, através da facilidade ou não com que o docente é capaz de fornecer conceitos susceptíveis de serem explorados a partir de uma situação prática do quotidiano e de os interligar, inferir sobre as práticas pedagógicas seguidas na sala de aula. Assim, se o docente tiver facilidade em responder a esta questão, significa que, de uma forma ou de outra, já explorou situações deste tipo em outras ocasiões e é capaz de o voltar a fazer com outra situação que seja sugerida pelos alunos ou não.

Esta situação acidental está recheada de informação a que todos puderam aceder

e interliga-se com saberes sobre situações menos complexas e que a generalidade das pessoas têm, por exemplo:

um objecto a flutuar na água pode ser deslocado pelo vento;

um objecto a flutuar na água pode afundar-se se deixar meter água;

um objecto sujeito a uma enorme pressão pode colapsar; as ondas do mar podem atirar com toneladas de água

contra os barcos e danificá-los; muitas zonas costeiras são afectadas pelo aparecimento de

crude e seus derivados, o que afecta a qualidade da água e da vida marinhas, tendo custos económicos, ambientais e sociais (Lopes, 2004).

Se se pretender trabalhar com um caso prático como o do “Prestige” em aulas de

Física, por exemplo, pode-se aproveitar a situação acidental para explorar, do ponto de vista físico, conceitos básicos tais como pressão; forças de pressão; impulsão; densidade; sistema; equilíbrio; força; elasticidade; velocidade; atrito; ondas; momento linear; energia; potência; etc. É na exploração de modelos mais simplificados da situação apresentada que é possível mobilizar os saberes dos alunos (tanto conhecimentos como competências) e articulá-los num todo que faça sentido (Lopes, 2004).

. Assim, por exemplo, para explicar sob o ponto de vista físico: o arrastamento pelo vento das manchas de fuelóleo no mar pode recorrer-se

aos conceitos de força de pressão, atrito, velocidade, aceleração e sistema e interligá-los;

o equilíbrio do barco pode recorrer-se aos conceitos de impulsão, força, peso, densidade e sistema e interligá-los;

o deslocamento do barco, por si ou pelos rebocadores, no mar pode recorrer-se aos conceitos de força, velocidade, aceleração, atrito, energia, potência, momento linear, impulsão, equilíbrio e sistema e interligá-los;

a resistência dos tanques do petroleiro à pressão da água no fundo do mar pode recorrer-se aos conceitos de pressão, forças de pressão, sistema, equilíbrio, força e elasticidade e interligá-los.

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Em suma, é preciso que se leve para a sala de aula situações do quotidiano de modo a proporcionar aos alunos a possibilidade de serem discutidas e exploradas, mas também é necessário saber tirar partido delas para que se alcance aquilo que se pretende actualmente da educação científica.

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CAPÍTULO III

DESCRIÇÃO DO ESTUDO

“A boa educação em Ciência está associada a um currículo bem desenhado e bem construído, explorado de forma adequada e eficaz …”

Hodson, 2001

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INTRODUÇÃO

A finalidade deste capítulo será descrever e fundamentar as opções metodológicas

que foram tomadas a fim de responder ao problema da investigação e atingir os objectivos definidos. No sentido de facilitar a leitura dos procedimentos tomados, optou-se por dividir o presente capítulo em duas partes, apesar de estarem intimamente ligadas entre si.

Na primeira parte é feita uma descrição do estudo conduzido, onde são desenvolvidos os seguintes aspectos:

Selecção e caracterização do universo em estudo; Selecção e caracterização da amostra produtora de dados. A segunda e última parte do presente capítulo diz respeito à metodologia de

recolha de dados, onde são desenvolvidos os seguintes parâmetros: Selecção da técnica e do instrumento de recolha de dados; Concepção do instrumento de recolha de dados; Validação do questionário; Administração do questionário; Limitações do questionário.

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6. METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO PARTE I 6.1 Selecção e caracterização do universo em estudo

Optou-se por desenvolver este estudo com docentes portugueses de grupos disciplinares ligados a áreas científicas como a Física, a Química, a Biologia e a Geologia, e aptos para leccionar o 3º Ciclo do Ensino Básico e/ou o Ensino Secundário. Os motivos que levaram à escolha de docentes destes dois grupos disciplinares, onde não se inclui o grupo disciplinar de Matemática, prendem-se com os objectivos do estudo. Embora os docentes do grupo disciplinar de Matemática sejam também professores de ciência, não leccionam disciplinas cujos conteúdos programáticos incluam temas de âmbito CTS abordados no questionário.

Deste modo, o universo em estudo deveria ser constituído por todos os docentes portugueses pertencentes aos grupos disciplinares acima referidos. 6.2 Selecção da amostra produtora de dados

Devido às dimensões do universo em estudo, ao limite de tempo para a realização da investigação e aos recursos de que se dispunha, nomeadamente à facilidade de contactos, optou-se por estudar e usar uma amostra, representativa do universo em estudo, constituída por um grupo de professores portugueses mais restrito, dos grupos atrás citados.

De forma a que a amostra escolhida fosse representativa e não sectária por se basear apenas em algumas regiões do país, foram seleccionados aleatoriamente professores a leccionar ou a residir em diferentes regiões. A aleatoriedade da escolha encontra-se assim directamente relacionada com a facilidade de contactos estabelecida com outros docentes. De salientar que um dos inquiridos deste

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questionário estava desempregado, daí que se tenha incluído a residência como um dos factores a utilizar na selecção da amostra. 6.3 Caracterização da amostra produtora de dados

A amostra seleccionada para este estudo envolveu um total de 83 inquiridos.

Gráfico 1 – Distribuição da amostra em termos de idade

Da análise do gráfico 1, pode constatar-se que a amostra abrange todos os

escalões etários, pelo que de algum modo retrata o universo constituído por todos os professores portugueses. Para além disso, verifica-se também que a amostra inclui maioritariamente 72,3% docentes com idades compreendidas entre os 30 e os 49 anos de idade, o que pode explicar-se pelo facto de a faixa etária 50-60 anos de idade poder incluir docentes em idade de aposentação e de pré-reforma de acordo com o Estatuto da Carreira Docente em vigor, e de a faixa etária dos 25-29 anos, incluir docentes em início de carreira.

Gráfico 2 – Distribuição da amostra em termos de tempo de serviço docente

0-5 anos

9,6%

6-17 anos

42,2%18-29 anos

30,1%

30-35 anos

15,7%

Brancos

2,4%

Da análise do gráfico 2 pode-se constatar que as parcelas com maior

representatividade (72,3%) são constituídas por professores que, em média, têm entre 6 a 29 anos de serviço docente. Este facto traduz a situação verificada no gráfico anterior, na medida em que a estas 2 parcelas, com maior expressão e que aqui se evidenciam, deverão corresponder as duas parcelas de maior representatividade que constam do gráfico 1. De modo análogo poder-se-á inferir que às parcelas com menor

30-39 anos

30,1%

40-49 anos

42,2%

50-60 anos

20,5%

25-29 anos

7,2%

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tempo de serviço docente (dos 0 aos 5 anos e dos 30 aos 35 anos) deverão corresponder às parcelas com menor representatividade do gráfico 1, onde se deverão encontrar os grupos de professores em início de carreira e em idade de aposentação e de pré-reforma.

De salientar que houve 2 inquiridos que, por razões alheias ao estudo, preferiram deixar em branco o espaço reservado a este item.

Gráfico 3 – Distribuição da amostra em termos de habilitações académicas

Legenda Habilitações académicas: Lic. – Licenciatura Mest. – Mestrado Dout. – Doutoramento FEPG – Formação especializada pós-graduada

Da análise do gráfico 3 pode-se constatar que a amostra seleccionada é, na sua grande maioria (81,9%), constituída por inquiridos licenciados. Este resultado parece efectivamente estar de acordo com o que seria de esperar no Universo de todos os professores portugueses, uma vez que o grau exigido para a docência é a Licenciatura. De notar que logo de seguida aparece o grau de Mestrado, com 10,8%.

De salientar que houve 1 inquirido que, por razões alheias ao estudo, preferiu deixar em branco o espaço reservado a este item. Possível perda de anonimato ou simples esquecimento poderão estar na origem do sucedido.

Gráfico 4 – Distribuição da amostra em termos de níveis de ensino

Lic.

81,9%

FEPG

4,8%

Mest.

10,8%

Brancos

1,2%

Dout.

1,2%

8º Ano

13,7%

9º Ano

14,4%10º Ano

15,8%

11º Ano

19,2%

12º Ano

17,8%

7º Ano

13,7%

SN

0,7%

CEF

0,7%RN3ºC

0,7%RNS

3,4%

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Legenda RN3ºC – Recorrente nocturno 3º Ciclo RNS – Recorrente nocturno Secundário CEF – Cursos Educação Formação SN – Sem níveis (desempregado) Da análise do gráfico 4 pode-se verificar que a amostra seleccionada é constituída

por uma maioria de inquiridos (56,2%) que se encontram a leccionar o Ensino Secundário. PARTE II 6.4 Selecção da técnica e do instrumento de recolha de dados

Com a finalidade de recolher dados para tentar obter resposta às questões colocadas numa investigação, existem documentados na literatura várias técnicas de recolha de informação, nomeadamente o inquérito por questionário, a entrevista e a observação directa.

Assim e depois de ponderadas as vantagens e limitações das diversas técnicas de recolha de dados em função da informação necessária à consecução dos objectivos do estudo, da dimensão da amostra e do tempo disponível, optou-se pela técnica do questionário para a recolha de dados.

O questionário, instrumento de observação do tipo não participante estruturado, é uma importante técnica de recolha de dados em investigação em educação, pelo facto de entre outras vantagens, poder ser administrado a uma grande quantidade de indivíduos, o que minimiza o problema da representatividade da amostra. Porém, neste caso o uso do questionário, instrumento de análise adoptado neste estudo, tem uma justificação mais forte: apesar de, com a entrevista se poder obter uma informação eventualmente mais rica, o seu uso não é viável quando se pretende recolher informações sobre assuntos delicados/e ou pessoais ou que envolvam um domínio de conhecimentos, como é o caso do presente estudo. Para além disso, o uso do questionário facilita o processo de análise dos dados uma vez que, as questões que o constituem são, normalmente, codificadas de modo que os inquiridos devam seleccionar as suas respostas entre as que lhe são apresentadas. 6.5 Concepção do instrumento de recolha de dados

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O questionário elaborado (que se encontra no Anexo I) é constituído por nove

páginas A4 e está dividido em duas partes (Parte I e Parte II). A primeira página inicia-se com um pequeno texto, que serve de introdução, e onde constam os objectivos gerais da investigação. Seguem-se algumas questões destinadas a recolher elementos para a caracterização da amostra sob a designação “Dados pessoais/profissionais”.

A parte I do questionário envolve 7 questões cuja natureza diz respeito às “crenças, comportamentos e atitudes dos docentes na sala de aula”. A parte II, intitulada “alguns temas de ciência para o público”, apresenta um conjunto de 10 questões, três das quais de resposta aberta.

A maioria das questões são de escolha múltipla, tendo algumas das quais uma alternativa de resposta “Outro (a). Qual?”, por forma a que o inquirido possa expressar a sua opinião e, eventualmente, daí emergirem possíveis concepções alternativas não facilmente detectáveis em questões desta natureza. Por outro lado, como a escolha de uma mesma alternativa de resposta numa questão de escolha múltipla pode ser feita por diferentes razões optou-se, em alguns casos, por questões de resposta aberta, de modo a avaliar o grau de conhecimento do inquirido sobre alguns temas de Ciência.

As questões que constam da parte I, estão directamente relacionadas com as crenças e práticas pedagógicas dos professores de Ciência. As perguntas sobre os hábitos de leitura dos professores, que surgiram nesta parte, foram intencionais, e surgiram na sequência da leitura sobre um estudo feito por Costa (2002), acerca dos hábitos de leitura dos portugueses, onde se realça a importância dos níveis de educação.

As questões que constituem a parte II dos questionários foram elaboradas tendo por base temas de âmbito CTSA, actualmente abordados nos mass media e nos currículos das disciplinas de carácter científico, nomeadamente nas áreas da Física, Química, Biologia e Geologia. Assim, procedeu-se à selecção de cinco temas, do interesse do cidadão comum e do público em geral, designadamente “camada e buraco do ozono”, “efeito estufa”, chuvas ácidas, radiações ionizantes e derrame de óleos em acidentes como o ocorrido com o “Prestige” (facto que tinha acontecido recentemente, aquando do início desta investigação). 6.6 Validação do questionário

Após se ter construído uma primeira versão, o questionário foi validado por um painel de peritos externos constituído por 4 docentes universitários de Física e de Química com interesse na área da investigação desta tese e um docente do ensino secundário da mesma área com larga experiência na formação de professores.

No sentido de os juízes poderem realizar uma análise crítica do instrumento de recolha de dados foi-lhes enviado não só os questionários, como e também os objectivos a atingir para cada pergunta.

O questionário foi depois reformulado tendo em consideração as sugestões apresentadas.

6.7 Administração do questionário

Tratando-se de uma observação indirecta, houve necessidade de vencer a

resistência natural e/ou inércia dos inquiridos para participarem na investigação a desenvolver. Nesse sentido e numa primeira fase, procurou-se abordar os Conselhos Executivos e os docentes coordenadores dos grupos de Ciências, com os quais já houvesse algum tipo de relação de amizade, ou que se julgasse que estariam mais motivados e receptivos para participarem nesta investigação. Assim e para além do

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pedido de autorização que foi feito e que em termos éticos se exigia para a administração do questionário em tais escolas, estas duas entidades – Conselhos Executivos e docentes-coordenadores dos respectivos grupos disciplinares - foram informadas dos objectivos do questionário e dos moldes em que este seria aplicado, por forma a que a credibilidade dos resultados com ele obtidos não fosse afectada.

Para além disso, foram estabelecidos vários contactos para que o questionário abarcasse um número de docentes representativo a leccionar em diversas regiões do país. Porém, é de salientar que, após a recepção do questionário, se denotou alguma resistência por parte de alguns docentes em concluí-lo ou até mesmo em entregá-lo, pois, em sua opinião, este não possuía o formato a que estavam habituados. Segundo estes, o questionário, embora anónimo, parecia, antes de mais, ter a intenção de avaliar os inquiridos. Esta avaliação a que diziam sentir estar sujeitos, de algum modo, intimidava-os e fazia-os recear, pelo que a participação no preenchimento do questionário nem sempre teve a receptividade que se desejaria. Este receio da avaliação e de perda de anonimato também foi notória durante a análise dos resultados obtidos no questionário onde, por exemplo, apareceram algumas respostas em branco no que dizia respeito às habilitações académicas, ou respostas onde surgiam frases do tipo «o inquirido prefere não responder». 6.8 Limitações do questionário

Como e qualquer outro instrumento de recolha de dados, o questionário apresenta limitações.

As questões fechadas e de escolha múltipla condicionam as respostas dos inquiridos, o que consequentemente minimiza a obtenção de informação detalhada. No sentido de contornar esta limitação, foi dada, sempre que se entendeu necessária, a possibilidade ao inquirido de acrescentar outra resposta (”Outro(a). Qual?”), diferente das apresentadas, ou de justificar a resposta dada como é o caso da questão 7. Este facto permite assim que o inquirido possa expressar a sua opinião e, eventualmente, daí emergirem possíveis concepções alternativas não facilmente detectáveis em questões desta natureza.

Porém, como a escolha de uma mesma alternativa de resposta numa questão de escolha múltipla pode ser feita por diferentes razões, e os itens poderem ter significados diferentes para cada inquirido, faz com que a objectividade dos resultados seja passível de ser questionada, acrescido do facto de nem sempre a sinceridade nas respostas ser fácil de alcançar. De modo a ultrapassar tais limitações, optou-se, em alguns casos, por questões de resposta aberta onde se pretendia avaliar o grau de conhecimento do inquirido sobre alguns temas de Ciência.

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CAPÍTULO IV

ANÁLISE DOS RESULTADOS

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“Por isso, é hoje clara a importância de uma adequada cultura científica/tecnológica e coloca-se, em toda a sua pertinência, a questão de uma adequada Educação em Ciência no âmbito da educação formal, não-formal e mesmo informal.”

Cachapuz, Praia e Jorge, 2002

“As nossas concepções de Ciência derivam do que aprendemos (e experimentamos) na escola e também das formas como a experimentamos (e aprendemos) na sociedade, destacando-se aqui o papel dos media e das relações preferenciais dos indivíduos.”

Yager, 1996

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INTRODUÇÃO

Nesta secção são analisados os resultados obtidos neste estudo. Para facilitar o tratamento estatístico foi construída uma “base de dados” no

programa Microsoft Excel. Fez-se uma tentativa de categorização das respostas, sendo consideradas nulas

as que envolviam, numa mesma questão, a escolha de duas ou mais alternativas, dado que isso não é permitido pelas condições impostas e expressas no questionário. As respostas sem indicação da escolha de qualquer tipo de alternativa proposta, ou do ponto de vista do inquirido, foram integradas na categoria com a designação brancos.

Em seguida, são apresentadas as questões e objectivos do instrumento de trabalho utilizado, bem como os resultados obtidos para cada uma delas e feita a respectiva análise.

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DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

PARTE I – CRENÇAS, COMPORTAMENTOS E ATITUDES DOS DOCENTES NA SALA DE AULA

Questão 1 Em sua opinião, a educação científica visa: Possibilitar a aquisição e compreensão de um conjunto de factos, leis e teorias científicas isentos de controvérsia e portadores de verdades imutáveis e universais. Dotar os cidadãos de capacidades para, na sua vida quotidiana, serem capazes de intervir activa e conscientemente, percebendo e lidando com a informação científica nos vários contextos em que ela se torna relevante. Fornecer um conjunto de factos, leis e teorias científicas, de forma a lançar nos jovens as bases de formação de futuros cientistas. Outra. Qual? __________________________________________________________________________________ Objectivos

Avaliar as diferentes concepções dos docentes acerca da finalidade da educação científica, de algum modo condicionadas pelas suas crenças sobre a natureza do conhecimento científico. Com a primeira opção de resposta poder-se-á inferir que os docentes que a seleccionarem têm uma visão simplista e redutora da Ciência, substanciando-a num corpo de conhecimentos estático, que não sofre evolução e à margem de reformulações sucessivas tendo por base as novas descobertas que vão sendo feitas. Já com a terceira opção de resposta poder-se-á inferir que os docentes entendem que educar cientificamente significa, antes de mais, fornecer as bases de

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formação de futuros cientistas; isto é, educar em Ciência para ter uma profissão ligada à Ciência. Neste caso, a educação científica surge baseada na aprendizagem das matérias básicas consideradas essenciais para a formação futura de especialistas em áreas científicas, ou seja no pressuposto de que a Ciência é para ser feita e compreendida por elites. Os docentes que seleccionarem a segunda opção, integram-se numa concepção dinâmica de Ciência e demonstram ter uma visão arejada sobre o que se pretende com a educação científica nos dias de hoje. Na afirmação feita, a educação científica aparece orientada para a aquisição de uma alfabetização científica básica (literacia científica), onde o conhecimento científico é concebido numa perspectiva de inter-relação CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente). Desta forma, abre-se caminho para a formação de cidadãos, não necessariamente cientistas, capazes de lidarem com aspectos científicos da vida social e da sociedade.

Na quarta opção de resposta dá-se total liberdade ao respondente de expor o seu ponto de vista, pelo que a partir da resposta dada poder-se-ão evidenciar outras visões de educação científica que possam servir para a investigação em questão.

A questão 1 surgiu tendo em consideração que a concepção do docente acerca da finalidade da educação científica está, de algum modo, condicionada pela sua crença sobre a natureza do conhecimento científico, estando esta directamente relacionada com a prática pedagógica seguida pelo docente.

As respostas a esta questão foram integradas em 4 categorias distintas. A resposta que aparecia em primeiro lugar no questionário a que chamámos C1,

pelo seu conteúdo perspectiva em que a educação científica apenas visa a aquisição de um conjunto de factos, leis e teorias científicas, daí a designação de concepção de ensinar Ciência redutora. As designações de concepção de ensinar Ciência estática e dogmática derivam da circunstância de esses factos, leis e teorias científicas serem vistos como isentos de controvérsia e portadores de verdades imutáveis e universais, não sofrendo evolução e estarem à margem de reformulações sucessivas.

A segunda alternativa de resposta proposta foi integrada na categoria C2 – concepção de ensino da Ciência dinâmica e actual. Esta é a concepção mais actual do ensino da Ciência. A designação dinâmica surge aliada ao facto de ela admitir uma intervenção activa e consciente do cidadão em geral.

A categoria C3 da terceira alternativa de resposta proposta aponta para o ensino da Ciência como um modo de fornecer as bases de formação de um grupo restrito da população, ou seja de futuros cientistas. Neste caso, a educação científica tem por objectivo a formação de cidadãos que futuramente terão uma profissão ligada à Ciência e não a formação de todos os cidadãos independentemente das suas opções profissionais.

A quarta e última opção proposta é de resposta aberta, pois pretendia-se que o inquirido fornecesse a sua perspectiva sobre os objectivos da educação científica e de onde fosse possível inferir a sua própria concepção de ensinar Ciência, caso não optasse pelas alternativas anteriores.

Tabela 1 – Resultados obtidos para a questão 1

Resp. NR %

C1 3 3,6 C2 75 90,4 C3 2 2,4

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C4 0 0,0 B 0 0,0 N 3 3,6

Legenda NR – Nº de respostas Categorias de resposta: C1 – Concepção de ensinar Ciência estática, dogmática e redutora C2 – Concepção de ensinar Ciência dinâmica e actual C3 – Concepção de ensinar Ciência feita para elites C4 – Outras concepções de ensinar Ciência (resposta aberta) B – Brancos N – Nulos

Delimitada a vermelho encontra-se a percentagem mais elevada de respostas obtida nesta questão.

Pela análise dos resultados obtidos pode constatar-se que a grande maioria dos inquiridos, que opta pela segunda alternativa de resposta, integra-se numa concepção dinâmica de Ciência e tem uma visão arejada sobre o que se pretende com a educação científica nos dias de hoje. Deste modo, os 90,4% dos docentes que seleccionaram esta alternativa de resposta terão uma visão de Ciência fortemente orientada para a aquisição de uma alfabetização científica básica (literacia científica), onde o conhecimento científico é necessariamente concebido numa perspectiva de inter-relação CTSA, que leva à formação de cidadãos, não necessariamente cientistas, mas capazes de lidarem com aspectos científicos, tecnológicos, sociais e ambientais. É aliás para ela que apontam os novos curricula das disciplinas de carácter científico.

Para além disto, pode verificar-se ainda que a amostra do estudo contempla um número, ainda que reduzido, de docentes com diferentes concepções sobre educação científica e sua finalidade. Assim, pela análise da tabela 1, pode verificar-se que há quem opte pela alternativa C1, cujo conteúdo fornece uma visão simplista, dogmática e redutora de Ciência. Esta concepção parece remontar a tempos antigos onde os factos, conceitos e teorias científicas eram enfatizados e objecto de aprendizagem de forma descontextualizada, sem articulação entre teoria e prática científica, e onde se fornecia uma imagem de Ciência como traduzindo verdades imutáveis.

Quem optou pela terceira alternativa de resposta detém também uma concepção de Ciência desenquadrada da actualidade, na medida em que esta perspectiva, perfeitamente elitista, sobre o que seria educar para a Ciência (“educar em Ciência para ter uma profissão ligada à Ciência”), foi uma visão dominante no passado.

Deste modo, os docentes que seleccionaram estas alternativas de resposta concebem a Ciência de uma forma perfeitamente desenquadrada da que se detém na actualidade em pleno século XXI, pelo que o ensino da Ciência feito por estes agentes educativos deverá pôr em causa aquilo que se pretende com a educação científica nos dias de hoje. Em suma, quem optou pelas respostas C1 e C3 mostra uma maior concordância com concepções tradicionais que há muito deveriam ter sido banidas do ensino da Ciência.

Face aos resultados obtidos parece que esta questão veio reforçar algumas das ideias apresentadas ao longo do capítulo III, dado que parece claro que podem existir, no seio da classe docente, as mais diversas ideias estruturadas acerca não só da Ciência, mas também da actividade docente e, portanto, da própria educação científica.

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Questão 2 Qual o grau de importância que atribui à discussão, na sala de aula, de problemas científicos de interesse social ou tecnológico, por aplicação de uma metodologia numa perspectiva CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente), ainda que eventualmente não tenha sido educado segundo esta perspectiva? Muito pouco/nada importante. Pouco importante. Moderadamente importante. Muito importante. Objectivos Saber a opinião do docente acerca do grau de importância atribuído à discussão,

na sala de aula, de problemas com interesse social ou tecnológico. Procurar investigar, com as respostas dadas às questões Q3 e Q4, a consonância

existente entre a crença do docente acerca do debate de problemas científicos de interesse social ou tecnológico e a sua prática pedagógica.

A tabela 2 ilustra os resultados obtidos para a questão 2. Tabela 2 – Resultados obtidos para a questão 2 Grau de importância 1 2 3 4 B N

NR % NR % NR % NR % NR % NR %

Discussão de probl. cient.

1 1,2 0 0,0 20 24,1 62 74,7 0 0,0 0 0,0

Legenda NR – Nº de respostas Discussão de probl. cient. – Discussão de problemas científicos Opções de resposta: 1 – Muito pouco/nada importante 2 – Pouco importante 3 – Moderadamente importante 4 – Muito importante B – Brancos N – Nulos

Delimitada a vermelho encontra-se a percentagem mais elevada de respostas obtida nesta questão.

Do tratamento estatístico realizado para a análise desta questão pode verificar-se

que a grande maioria dos inquiridos (98,8%) declara considerar ser muito importante ou moderadamente importante a discussão, na sala de aula, de problemas científicos

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de interesse social ou tecnológico, por aplicação de uma metodologia numa perspectiva CTSA.

De salientar que apenas um inquirido afirma ser muito pouco ou nada importante tal discussão, muito embora na questão 1 tenha optado pela alternativa de resposta C2 (Dotar os cidadãos de capacidades para, na sua vida quotidiana, serem capazes de intervir activa e conscientemente, percebendo e lidando com a informação científica nos vários contextos em que ela se torna relevante). Estas opções de resposta revelam-se contraditórias, já que a educação científica, tal como é concebida nos dias de hoje, prevê necessariamente a discussão de problemas deste tipo. Sem essa discussão, os alunos não serão capazes de perceber e lidar com a informação científica nos vários contextos em que ela se torna relevante, e isso traduzir-se-á na incapacidade, como futuros cidadãos, de intervir activa e conscientemente nos problemas com que se irão defrontar a nível científico, tecnológico, social e ambiental. Deste modo, e a avaliar pela contradição evidente nas respostas dadas, este docente parece ter respondido na questão 1, o que entende ser “educacionalmente correcto” e não aquilo que realmente pensa.

Os outros docentes, que na questão 1 optaram pelas alternativas C1 ou C3, escolheram, na questão 2, as alternativas de resposta “moderadamente ou muito importante”. Mais uma vez se constata aqui o efeito de “desejabilidade social”, com estes inquiridos a optarem pelas respostas que entendem como “educacionalmente correctas” e aceites socialmente e não por aquelas que traduzem verdadeiramente o que pensam. Questão 3 Com que frequência costuma discutir, na sala de aula, problemas científicos de interesse social ou tecnológico relativos a tópicos de Ciência (que esteja ou não a leccionar)? Raramente. Uma vez por período. Uma vez por mês. Uma vez por semana. Em todas as aulas. Objectivos Saber qual o hábito do docente em fomentar a discussão de questões científicas

de interesse social ou tecnológico. Relacionar a frequência com que o docente põe em prática a estratégia a que a

questão se refere com a crença do docente acerca da importância a ela atribuída (muito frequente, logo muito importante; pouco frequente, logo pouco importante). O contrário (muito importante, logo muito frequente) poderá não se verificar pelos condicionalismos que se poderão levantar na prática e não propriamente pelo descrédito atribuído à discussão de problemas deste âmbito .

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A tabela 3 ilustra os resultados obtidos para a questão 3. Tabela 3 – Resultados obtidos para a questão 3

Frequência 1 2 3 4 5 B N

NR % NR % NR % NR % NR % NR % NR %

Discussão de probl. cient. 6 7.2 5 6.0 21 25.3 24 28.9 23 27.7 2 2.4 2 2.4

Legenda NR – Nº de respostas Discussão de probl. cient. – Discussão de problemas científicos Opções de resposta: 1 – Raramente 2 – Uma vez por período 3 – Uma vez por mês 4 – Uma vez por semana 5 – Em todas as aulas B – Brancos N – Nulos

Delimitada a vermelho encontra-se a percentagem mais elevada de respostas obtida nesta questão.

Relativamente aos hábitos dos inquiridos em fomentar a discussão de problemas

científicas de interesse social ou tecnológico, pode constatar-se que uma grande maioria de docentes (81,9%) afirma fazê-lo com uma certa periodicidade. Assim, 25,3% afirma realizar esta actividade mensalmente, 27,7% diz fazê-la em todas as aulas e, um maior número de docentes que retrata o maior número de respostas nesta questão, declara realizá-la semanalmente.

Comparando os resultados obtidos nesta questão com os da questão 2, pode dizer-se que a frequência com que os docentes da amostra põem em prática a estratégia referida está, de algum modo, relacionada com a crença dos docentes sobre a importância a ela atribuída, uma vez que 81,9% refere realizá-la periodicamente e 98,8% a considera muito ou moderadamente importante. A diferença de 16,9%, relativamente aos valores obtidos nas questões 2 e 3, poder-se-á ficar a dever ao facto de, muitas vezes, os docentes se sentirem impelidos a responder o que é suposto ser “politicamente correcto” e de não agirem em conformidade com isso se essas não forem, na realidade, as suas crenças. Por outro lado, poder-se-á também inferir que a frequência de realização deste tipo de discussão poderá estar ainda relacionada com os condicionalismos que se colocam para a porem em prática, pois os docentes podem considerá-la muito importante mas não a porem em prática frequentemente pelos obstáculos que se levantam à sua implementação na sala de aula. É como tal inconclusivo se a diferença entre as afirmações e o modo de actuação na sala de aula será resultado do descrédito atribuído por alguns professores a este tipo de actividade e portanto das suas crenças, ou se será, por seu turno, resultado dos condicionalismos com que estes se deparam quando a tentam pôr em prática. Por outro lado, parece pouco credível a afirmação dos docentes que diz realizar a discussão deste tipo de problemas científicos em todas as aulas. Este tipo de resposta evidencia uma certa tendência para os inquiridos responderem aquilo que é suposto (“o que é politicamente correcto”), na tentativa de corresponderem ao que julgam ser a resposta bem aceite socialmente.

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13,2% dos inquiridos afirmam que raramente ou que uma vez por período fomentam a discussão deste tipo de problemas. Isto revela claramente um descrédito, relativamente à discussão desse tipo de problemas, dos docentes que optaram por estas alternativas de resposta. Poder-se-á inferir então que, mesmo que existam barreiras à implementação desta estratégia, tais docentes incluem-se no grupo dos que crê que tal discussão não é importante ou é pouco importante, daí a frequência com que a põem em prática ser quase nula. No entanto, o facto de apenas 1,2% dos inquiridos (à qual corresponde 1 único docente) ter respondido, na questão 2, “muito pouco/nada importante” ou “pouco importante”, reforça mais uma vez a ideia atrás defendida de que há uma forte tendência para os inquiridos responderem aquilo que entendem ser “educacionalmente correcto” e não aquilo em que realmente acreditam, pois, caso contrário, as suas crenças revelar-se-iam nas suas atitudes, no seu comportamento e tendiam a emergir, por isso, na sua prática pedagógica. Apesar de os docentes da amostra poderem considerar que existem obstáculos à implementação da discussão de problemas científicos, julgamos que se tais docentes estiverem convictos de que tal discussão é realmente fundamental existir no ensino da Ciência, tentarão pô-la em prática quanto mais não seja uma vez por mês.

As 2 respostas em branco que surgiram nesta pergunta poderão revelar que estes docentes não se reviram nas alternativas de resposta propostas. Questão 4 Se se depara com dificuldades em discutir na sala de aula, com alguma frequência, problemas científicos de interesse social ou tecnológico relativos a tópicos de Ciência (que esteja ou não a leccionar), qual pensa ser o principal obstáculo com que se defronta? O cumprimento de programas curriculares. A falta de formação de professores no ensino das Ciências de orientação CTSA. Os recursos didácticos. Outro. Qual? ______________________ Objectivos Conhecer o principal obstáculo invocado pelo docente para a discussão de

problemas científicos de interesse social ou tecnológico relativos a tópicos de Ciência (que esteja ou não a leccionar).

Estabelecer uma relação entre o comportamento do docente na sua prática pedagógica e o principal motivo que o leva a ter esse mesmo comportamento (Q3 e Q4).

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A inclusão nesta questão de uma resposta aberta teve como objectivo conhecer o ponto de vista do inquirido que não se enquadrasse nas alternativas de resposta propostas. Assim, por exemplo, o inquirido poderia entender que há outro tipo de obstáculo que não consta da lista dos que lhe foram apresentados e que, em sua opinião, tem maior grau de importância. O desinteresse dos alunos é um exemplo de uma resposta aberta dada nesta questão.

A tabela 4 ilustra os resultados obtidos para a questão 4. Tabela 4 – Resultados obtidos para a questão 4

Respostas Principal obstáculo NR %

Cump. programas 52 62.7 Falta form. professor 16 19.3 Recursos didácticos 5 6.0

RA 3 3.6 B 4 4.8 N 3 3.6

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: Cumprimento de programas curriculares Falta de formação de professores Recursos didácticos RA – Resposta aberta (Outro. Qual? ___) B – Brancos N – Nulos

Delimitada a vermelho encontra-se a percentagem mais

elevada de respostas obtida nesta questão. Da análise feita para a questão 4 pode constatar-se que a maioria dos inquiridos

(62,7%) invoca ser o cumprimento de programas curriculares o principal obstáculo à discussão, na sala de aula, de problemas científicos de interesse social ou tecnológico relativos a tópicos de Ciência (que se esteja ou não a leccionar). Segue-se a falta de formação de professores no ensino das ciências de orientação CTSA e os recursos didácticos, cada um deles a recolher 19,3% e 6,0% de respostas respectivamente.

É de salientar a incoerência da resposta dada pela maioria dos inquiridos, já que indicam o cumprimento dos programas curriculares como principal entrave à discussão, na sala de aula, de problemas científicos de interesse social ou tecnológico, quando os próprios programas curriculares obrigam à abordagem de temas de âmbito CTSA. Repare-se, por exemplo, no que vem expresso nas Orientações do programa de Física e Química A, para o 10º Ano (Martins e Caldeira, 2001):

«Este tipo de ensino privilegia o conhecimento em acção (por oposição ao conhecimento disciplinar) e é conhecido por “ensino CTS” (Ciência-Tecnologia-Sociedade) ou “CTSA” (Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente), dada a natureza ambiental dos problemas escolhidos para tratamento. Trata-se de uma visão externalista do ensino da Ciência estruturada em torno de duas ideias principais:

1. A visão do mundo na sua globalidade e complexidade requer o recurso à

interdisciplinaridade com vista a conciliar as análises fragmentadas que as visões analíticas dos saberes disciplinares fomentam e fundamentam. As visões disciplinares serão sempre complementares.

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2. Escolhem-se situações-problema do quotidiano, familiares aos alunos, a partir das quais se organizam estratégias de ensino e de aprendizagem que irão reflectir a necessidade de esclarecer conteúdos e processos da Ciência e da Tecnologia, bem como das suas inter-relações com a Sociedade, proporcionando o desenvolvimento de atitudes e valores. A aprendizagem de conceitos e processos é de importância fundamental mas torna-se o ponto de chegada, não o ponto de partida. A ordem de apresentação dos conceitos passa a ser a da sua relevância e ligação com a situação-problema em discussão.

A educação CTS pode assumir uma grande variedade de abordagens, mas a

abordagem problemática tem sido a mais usada nos currículos. Nela utilizam-se grandes temas-problema da actualidade como contextos relevantes para o desenvolvimento e aprofundamento dos conceitos.

Na construção dos programas de Física e Química A, partilha-se esta posição, defendendo-se que estes incluam:

• (…) • temas actuais com valor social, nomeadamente problemas globais que

preocupam a Humanidade.» Esta alternativa de resposta, assumida pela maioria dos inquiridos, revela que

estes docentes desconhecem os programas curriculares e evidencia a concepção que aqueles têm sobre eles. Para estes docentes, o programa curricular parece restringir-se aos conteúdos, por isso o seu cumprimento passa unicamente e apenas por aqueles, e não pelas actividades experimentais e orientações metodológicas como está previsto. Neste sentido, o processo de ensino e aprendizagem da Ciência é concebido de forma inversa do que o programa prevê, na medida em que, para estes professores, o ponto de partida do ensino da Ciência é a aprendizagem de conceitos e processos e, o ponto de chegada, a abordagem de problemas de cariz CTSA, que embora considerada importante só terá lugar quando houver disponibilidade para tal. Para além disso, o facto de os professores mostrarem nesta resposta desconhecer os programas curriculares, e revelarem a sua concepção do que é o ensino e aprendizagem da Ciência, leva a que se possa, de algum modo inferir, que as suas práticas pedagógicas deverão ser pautadas unicamente pelo manual escolar adoptado, onde a abordagem dos conteúdos é modelada de acordo com aquilo que cada um do(s) seu(s) autor(es) pensa(m).

Um dos docentes que optou pela alternativa de resposta aberta revelou que e, passo a citar: «Desinteresse dos alunos e desconhecimento absoluto da existência do problema (falta de informação?)». Deste modo, e na opinião deste docente, o principal obstáculo não é nenhum dos apresentados, mas os alunos e a sua aptidão e motivação para a aprendizagem da Ciência. Isto poderá resultar de múltiplos factores como a falta de expectativas destes alunos, ou a desarticulação entre teoria e prática científicas, entre outros. Para além disso, dever-se-á questionar se essa falta de motivação dos alunos, que o professor diz notar, não poderá ser ultrapassada com discussões sobre tópicos tecnológicos e sociais (de cariz CTS) que digam respeito aos seus alunos.

As 4 respostas em branco que surgiram nesta pergunta poderão revelar que estes docentes não se reviram nas alternativas de resposta propostas, ou simplesmente que não têm opinião formada acerca do assunto em questão pelo simples facto de se incluírem no grupo de professores que não implementa a discussão de problemas científicos com muita regularidade.

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Questão 5 Indique os dois últimos livros científicos ou de divulgação científica que sentiu necessidade de ler para estar informado e actualizado sobre diversos temas de interesse social e tecnológico que poderão ser abordados em aulas de Ciências. Objectivos Saber se o docente recorre ou não a livros científicos ou de divulgação científica

para sua informação e actualização (uma resposta onde não conste a referência a nenhum livro indicará que o docente não recorre à leitura para a sua própria informação e actualização).

Conhecer o tipo de livros que o docente utiliza para ele próprio estar informado e actualizado nas mais diversas áreas científicas.

Inferir, a partir do tipo de livros referidos, se o docente recorreu à leitura para tirar dúvidas e estar informado acerca de um assunto já seu conhecido ou, se pelo contrário, recorreu à leitura para estar actualizado acerca de uma temática nova onde ele próprio pode não ter tido formação.

Na questão 5, optou-se por 5 categorias diferentes (científico; de divulgação científica; científico e de divulgação científica; científico/ divulgação científica e manuais escolares). Estas duas últimas categorias surgiram posteriormente, por se entender que, por um lado, seria injusto considerar nula a resposta onde apenas fosse indicada a referência bibliográfica de um livro face a respostas onde não era dada qualquer tipo de referência e, por outro, seria proveitosa a inclusão de uma categoria sob a designação manuais escolares, que possibilitasse analisar a frequência com que este tipo de resposta ía sucedendo.

Nos inquéritos analisados são consideradas nulas as respostas onde constavam temas genéricos, sem menção a qualquer autor ou editora, como por exemplo: “Astronomia”; “Relatividade”; “Engenharia Genética”. São igualmente consideradas nulas as respostas onde constam referências de revistas científicas ou de divulgação científica, ou de artigos científicos; bem como as respostas com menção à Internet. Muito embora o recurso à Internet seja positivo, na medida em que é um meio de consulta poderoso e equivalente ao livro, o que se pedia era a referência de dois livros e, por esse motivo, optou-se por considerar nula este tipo de resposta.

É de realçar a resposta, considerada nula, dada por um inquirido que refere expressamente e, passo a citar:

«Não senti necessidade.»

As respostas sem indicação de qualquer referência bibliográfica são integradas na categoria com a designação brancos.

Tabela 5 – Resultados obtidos para a questão 5

Tipo de livros NR % Científico 9 10,8 De div. Científica 20 24,1 Científico e de div. 4 4,8

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Universidade de Coimbra ______________________________________________________________________

________________________________________________________________ 124

Científica Científico/ div. científica 8 9,6 Manuais escolares 4 4,8 B 32 38,6 N 6 7,2

Legenda NR – Nº de respostas Categorias de resposta: Científico – referência de 2 livros científicos De div. científica – referência de 2 livros de divulgação científica Científico/ e de div. científica – referência de um livro científico e outro de divulgação científica Científico/ div. científica – referência de apenas um livro científico ou de divulgação científica Manuais escolares – referência a um ou mais manuais escolares B – Brancos N – Nulos

Delimitada a vermelho encontra-se a percentagem mais elevada de respostas obtida nesta questão.

Pela análise da tabela 5 pode constatar-se que há uma grande parte de docentes

(39,7%) que afirma recorrer à leitura de livros de cariz científico ou de divulgação científica para sua informação e actualização. Destes 39,7% de docentes que afirmaram recorrer à leitura, constata-se haver um número maior de docentes (24,1%) que refere ler livros de divulgação científica. Perante este resultado poder-se-á concluir que tais docentes recorrem à leitura com o intuito de obter informação e se esclarecerem sobre temáticas que possivelmente não terão sido objecto de análise durante o curso e não tanto com o objectivo de tirar dúvidas sobre assuntos já seus conhecidos e abordados durante a sua formação académica.

A distinção entre livros científicos e livros de divulgação científica, embora difícil por vezes, foi feita com base nas referências dos livros fornecidos, sendo a maior parte deles conhecidos. Sempre que suscitavam dúvidas relativamente à categoria em que se deveriam integrar, procurou-se consultar tais livros com o intuito de os poder classificar.

A título de curiosidade são apresentados, em seguida, alguns títulos de livros mencionados na resposta a esta questão.

Livros de divulgação científica: “Mais rápido que a luz” “A Terra, uma fábrica química” “O fim da Física” “Um pouco mais de azul” “O que é a Ciência?” “Como construir uma máquina do tempo” “Os relógios de Einstein e os relógios de Poincaré” “Breve história de quase tudo” “Breve história do tempo” “Cosmos” “Feiticeiros e cientistas – o oculto desmacarado pela ciência” “Einstein – vida e época” “Os Deuses jogam aos dados”

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Mestrado em Ensino da Física e da Química ______________________________________________________________________

________________________________________________________________ 125

“Tudo o que precisa saber acerca da gripe das aves e o que pode fazer para se preparar”

“Como ensopar um donut” “Viagens no espaço-tempo” “História da Física Moderna”

Livros científicos: “Modern Phisics” “Feinman Lectures on Physics” “Física Nuclear” “Química” “Human Physiology” “Biology”

9,6% dos docentes inquiridos faz referência apenas a um livro e não a dois como

lhes era pedido, pelo que isto poderá traduzir, por um lado, que a leitura de livros não será muito frequente ou, por outro, que a leitura já ocorreu há demasiado tempo, de tal modo que os próprios inquiridos não se recordam da referência de outro livro lido.

Ainda assim, verifica-se que um número relativamente elevado de docentes (32) deixa em branco o espaço destinado à resposta a esta questão. Face a estes resultados poder-se-á inferir que tais docentes não recorrem à leitura de livros para a sua própria informação e actualização. A afirmação feita por um dos inquiridos, que faz questão de escrever «não senti necessidade» vem reforçar esta conclusão. A resposta dada por este inquirido foi, por isto, considerada em branco e não nula, na medida em que, embora responda, não dá a referência de qualquer tipo de livro como lhe era solicitado.

As respostas consideradas nulas nesta questão continham referências de revistas e artigos científicos, menção de recurso à Internet, ou ainda referências a temas genéricos tais como Astronomia, Engenharia Genética e não a títulos de livros como lhes tinha sido solicitado.

4,8% dos inquiridos fornece respostas onde constam referências bibliográficas de manuais escolares. Esta percentagem é esclarecedora do facto de existirem professores a fazerem uso exclusivo da leitura de manuais escolares, o que parece vir ao encontro do que se concluiu na resposta à questão 4. Muito embora o manual escolar deva ser um recurso para o aluno, que o professor deve conhecer bem, ele não deverá ser nunca o único recurso para o professor.

Este hábito torna-se perigoso, na medida em que os manuais escolares contêm inevitavelmente as concepções de ciência dos autores que os conceberam e, até mesmo ainda, concepções alternativas que tais autores detêm sem que estes se apercebam disso.

Em seguida são apresentados exemplos concretos de respostas dadas nesta questão.

”Sempre que necessário consulto os livros do ensino secundário e os livros e sebentas da Faculdade.” ”Manuais escolares.” “Geralmente procuro informação nos manuais escolares, Internet e enciclopédias de ciência.” “Livros de texto de algumas editoras.”

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Universidade de Coimbra ______________________________________________________________________

________________________________________________________________ 126

Questão 6 Com que frequência costuma… Ver programas televisivos de âmbito científico e tecnológico?

� Anualmente � Trimestralmente � Mensalmente � Semanalmente � Diariamente

Ler revistas de âmbito científico ou tecnológico ou de educação científica (ex. Education in Chemistry; Gazeta de Física; Science Education; Boletim da SPQ; The Physics Teacher; Physics Education; …? � Anualmente � Trimestralmente � Mensalmente � Semanalmente

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Mestrado em Ensino da Física e da Química ______________________________________________________________________

________________________________________________________________ 127

Ler revistas de divulgação científica (ex. Science & Vie ; Quo; Scientific American; La Recherche; Super interessante; …? � Anualmente � Trimestralmente � Mensalmente � Semanalmente

Trocar impressões/ colocar dúvidas de âmbito científico com colegas e pessoas amigas que desenvolvam a sua actividade profissional como cientistas ou tecnólogos? � Anualmente � Trimestralmente � Mensalmente � Semanalmente � Diariamente

Objectivos Fazer um levantamento sobre a frequência com que o docente costuma realizar

as actividades apresentadas. Inferir da importância atribuída pelo docente à realização das actividades

apresentadas (crenças do docente) a partir da frequência com que as põe em prática, uma vez que tais actividades se desenrolam extra-aula e em momentos de lazer (muito frequente, logo muito importante; pouco frequente, logo pouco importante).

Em face dos objectivos já anteriormente indicados, foi formulada a questão 6 cujos

resultados se apresentam na tabela 6. Tabela 6 – Resultados obtidos para a questão 6

Frequência anual. trimestral. mensal. semanal. diaria. B N Actividades NR % NR % NR % NR % NR % NR % NR %

Ver progr.

telev. 2 2,4 5 6,0 22 26,5 42 50,6 8 9,6 3 3,6 1 1,2

Ler r. âmb.

cient. 19 22,9 24 28,9 25 30,1 10 12,0 ´-----´

´-----´ 5 6,0 0 0,0

Ler r. div.

cient. 14 16,9 22 26,5 36 43,4 7 8,4 ´-----´

´-----´ 4 4,8 0 0,0

Trocar impr. 6 7,2 11 13,3 23 27,7 20 24,1 18 21,7 3 3,6 2 2,4

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: anual. – anualmente trimestral. – trimestralmente

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________________________________________________________________ 128

mensal. – mensalmente diaria. – diariamente B – Brancos N – Nulos Actividades: Ver progr. telev. – ver programas televisivos de âmbito científico e tecnológico … Ler r. âmb. cient. – ler revistas de âmbito científico ou tecnológico ou de educação científica … Ler r. div. cient. – ler revistas de divulgação científica … Trocar impr. – trocar impressões/ colocar dúvidas de âmbito científico com colegas …

Delimitadas a vermelho encontram-se as percentagens mais elevadas de respostas obtida nesta questão.

Pela análise da tabela 6 pode verificar-se que a maioria dos inquiridos (50,6%) afirma ver semanalmente programas televisivos de âmbito científico e tecnológico. Para além disso, há uma parte significativa de docentes (30,1%) que afirma ler mensalmente revistas de âmbito científico ou tecnológico ou de educação científica, 43,4% que afirma ler mensalmente revistas de divulgação científica e ainda 27,7% que afirma trocar impressões/coloca dúvidas de âmbito científico mensalmente.

Constata-se que as actividades com maior adesão são a visualização de programas televisivos de âmbito científico e tecnológico e a leitura de revistas de divulgação científica. Este resultado poderá encontrar justificação no facto de ambas as actividades serem de fácil acesso, na medida em que a televisão é cada vez mais o meio de comunicação com maior adesão, e as revistas de divulgação científica são facilmente acessíveis e estão disponíveis numa biblioteca escolar ou até mesmo em casa.

Em face dos resultados obtidos nesta questão poder-se-á inferir da importância atribuída pelos docentes à realização das actividades apresentadas (crenças dos docentes) a partir da frequência com que as põem em prática (muito frequente, logo muito importante), uma vez que aquelas se desenrolam extra-aula e, algumas delas, em momentos de lazer.

No caso da visualização de programas televisivos de âmbito científico e tecnológico constata-se uma grande adesão a este tipo de actividade, onde 42 docentes afirmam realizá-la semanalmente. Deste modo e admitindo a credibilidade das respostas dadas, pode concluir-se que esta é uma actividade que os docentes parecem realizar frequentemente, logo deverá ser uma actividade que eles próprios valorizam pois, caso contrário, não se dispunham a fazê-la semanalmente num período de tempo que poderiam ocupar com outro tipo de actividades do seu interesse e agrado.

No que concerne à leitura de revistas quer de âmbito científico ou tecnológico, quer de divulgação científica, poder-se-á dizer que, muito embora se verifique que a frequência de realização destas actividades seja feita, na sua maioria, mensalmente, isso não deverá significar que os docentes não valorizem este tipo de actividades, já que, muitas dessas revistas são mensais pelo que os resultados deverão deixar transparecer este facto. Por outro lado, embora existam muitas revistas mensais, isso não deverá ser impeditivo de o docente fazer delas uma leitura diária, uma vez que poderá sempre, por exemplo, ler os números anteriores dessas mesmas revistas.

Para além disso, se compararmos a percentagem de docentes que diz realizar a leitura de revistas de âmbito científico ou tecnológico ou de educação científica (93,9%) com a percentagem de docentes que afirma ler revistas de divulgação científica (95,2%), pode-se concluir que há uma maior adesão, ainda que pouco acentuada, à leitura deste último tipo de revistas.

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________________________________________________________________ 129

Regista-se uma percentagem mais elevada de respostas quanto à troca de impressões/colocar de dúvidas quando realizada mensalmente. Parece pois ser esta uma actividade que se reveste de alguma importância para os docentes inquiridos a avaliar pelo número de respostas que reuniu. Porém, é de salientar que seria desejável que esta actividade obtivesse maior adesão se não diariamente pelo menos semanalmente e durante, por exemplo, as tão necessárias reuniões de coordenação por ano/disciplina que todos os grupos disciplinares deverão realizar. Questão 7 Em sua opinião, em qual das seguintes situações está a ocorrer ensino/aprendizagem de Ciência? Um professor universitário expondo a Teoria da Selecção Natural de Darwin numa aula do primeiro ano. Dois estudantes a trabalhar em conjunto numa biblioteca, resolvendo problemas ligados aos valores calóricos de diferentes alimentos. Um professor do ensino básico procurando descrever a uma turma de alunos do 9º ano os passos para utilização duma técnica científica complexa aplicada à manipulação genética. Não se consegue formular uma opinião que dê resposta a esta questão, pelo que para o poder fazer necessito da seguinte informação adicional: __________________________________________________________ Justificação da opção seleccionada na questão 7.: _____________________________________________________ Objectivos Fazer emergir as concepções de ensino de Ciência do respondente, sendo para

isso apresentadas situações concebidas de modo a permitir que o professor responda aquilo que pensa e não aquilo que é suposto ele responder (“o que é politicamente correcto”) na tentativa de corresponder ao que ele julga ser a resposta bem aceite socialmente, pelo designado efeito de desejabilidade social.

Clarificar as ligações entre aquilo que os professores dizem e as suas concepções de ensino/aprendizagem de Ciência.

A questão 7 foi inspirada no trabalho de Hewson et al. (1995), onde foi utilizada a

técnica de entrevista estruturada CTSI (abreviatura de Conception of Teaching Science Interview) concebida de modo a permitir respostas passíveis de fazer emergir as componentes da concepção de ensino de Ciência dos docentes. Muito embora não se estivesse a usar a técnica da entrevista, entendeu-se ser proveitoso usar algumas das situações que constavam na CTSI, uma vez que os objectivos que nos propúnhamos alcançar nesta questão eram análogos. Deste modo, a pergunta 7 foi adaptada e elaborada com base em 3 dos 10 acontecimentos apresentados na CTSI, e os resultados obtidos nesta questão encontram-se ilustrados na tabela 7.

Ainda que a alternativa R2 pareça ser a que melhor se enquadra como resposta correcta à questão formulada por contemplar o ensino e a aprendizagem de Ciência, nela não é referida, no entanto, a natureza dos problemas que os estudantes estão a resolver. Estes problemas poderão ser meros exercícios numéricos (de reforço ou de

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________________________________________________________________ 130

aplicação), que não envolvam pesquisa, selecção, análise e até mesmo actividade laboratorial, pelo que a ser assim esta não poderá nunca ser uma situação onde se considere estar a ocorrer ensino/aprendizagem de Ciência. Deste modo, considera-se como correcta a alternativa que refere não se conseguir formular uma opinião acerca da questão em causa pelos motivos anteriormente citados e pela falta de esclarecimento quanto ao conceito da noção de problemas, designadamente pela falta de informação no que diz respeito a: saber se a situação problemática já foi ou não anteriormente colocada aos alunos, se esta tarefa estava previamente definida ou não, se o problema tem solução imediata ou única ou se não tem solução.

Tabela 7 – Resultados obtidos para a questão 7

Opções Justificação

da opção

ocorrência de ensino/ aprendiz. de Ciência NR % NR %

R1 2 2,4 1 2,4 R2 28 33,7 19 45,2 R3 5 6,0 2 4,8 R4 24 28,9 20 47,6 B 22 26,5 ____ ____ N 2 2,4 ____ ____

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: R1 – Um professor universitário expondo a teoria da selecção natural de Darwin … R2 – Dois estudantes a trabalhar em conjunto numa biblioteca, resolvendo problemas … R3 – Um professor do ensino básico procurando descrever a uma turma de alunos … R4 – Se não consegue formular uma opinião … B – Brancos (para quem não optou por nenhuma situação nem apresentou justificação). N – Nulos

Delimitada a vermelho encontra-se a percentagem mais

elevada de respostas obtida nesta questão. Pela análise da tabela 7 pode verificar-se que grande parte dos inquiridos (33,7%)

elegeu a alternativa R2 como a situação onde estaria a ocorrer ensino/aprendizagem de Ciência e, pelas justificações apresentadas para esta escolha, pode constatar-se que todos salientam como importante e, até mesmo essencial, existir no processo de ensino/aprendizagem, interacção entre agentes, neste caso entre os dois estudantes. Parece pois que estes docentes concebem o ensino/aprendizagem da Ciência como um processo que implica uma participação activa dos alunos onde a análise, pesquisa, selecção e trocas de ideias deverão ser uma constante. De realçar que, muito embora a figura do professor apareça omissa nesta situação, três destes inquiridos referem expressamente ser necessário que ela exista como figura orientadora do processo de ensino/aprendizagem da Ciência. Há até quem reforce esta ideia, salientando que o auto-didactismo é difícil e daí a razão da presença imprescindível do professor. Este facto salientado por alguns inquiridos a respeito da figura do professor remete-nos para o trabalho de Agguirre, Haggerty e Linder (1990), onde o professor de Ciências é concebido como guia orientador e como fonte de conhecimentos e o ensino como

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transmissão desses mesmos conhecimentos e como actividade que influencia ou facilita a compreensão.

Quem opta por R4 entende necessitar de informação adicional tal como: a avaliação dos conceitos apreendidos e a sua aplicação em contextos diferenciados (há até quem mencione a existência de ficha de controlo do processo); a formulação de questões e validação de conclusões; o contexto em que o ensino/aprendizagem decorreram e os recursos disponíveis; as motivações; as estratégias de ensino/aprendizagem utilizadas; e a natureza dos problemas que os estudantes resolveram em R2 (de natureza numérica ou de outro âmbito).

Os motivos apresentados pelos docentes para justificarem a escolha de R4 foram a avaliação do processo ensino/aprendizagem e o trabalho experimental como validação da aprendizagem efectuada. Por isso, parece sair evidenciado o facto de, estes docentes, conceberem o ensino/aprendizagem da Ciência como um processo onde o trabalho experimental e a avaliação deverão ser valorizados.

Para além disto, constata-se que há 37,3% de docentes que ou não respondem, ou seleccionam mais do que uma opção de resposta, ou que optam pelas alternativas R1 e R3 que só contemplam uma das dimensões do processo – ou o ensino, ou a aprendizagem da Ciência.

A avaliar pelo menor número de justificações dadas face ao número de respostas obtidas, parece haver docentes hesitantes ou renitentes em responder, ou com ideias pouco claras sobre a situação que lhes é apresentada. Isto é notório também nas 2 respostas consideradas nulas para esta questão e que a seguir se apresentam.

«Não sei responder.» «O inquirido prefere não responder.»

A título de exemplo, e por se considerar importante, transcreveram-se para a presente investigação algumas das respostas dadas a esta questão.

Justificação da questão 7 apresentada por um inquirido que seleccionou a alternativa R1: «Os estudantes estão a investigar, mas é necessário terem um professor que os oriente.» Justificação da questão 7 apresentada por um inquirido que seleccionou a alternativa R2: «Penso que o professor tem muita importância no processo de aprendizagem, pois na minha opinião o auto-didactismo é mais difícil, no entanto o professor deve ter em linha de conta o grau de dificuldade dos assuntos que está a ensinar e o público alvo.»

Justificação da questão 7 apresentada por um inquirido que seleccionou a alternativa R2: «O processo de ensino/aprendizagem implica uma atitude activa do aluno, não é um sujeito passivo que se assemelha a uma esponja que descreve o que se lhe transmite sem revelar atitude crítica .» Justificação da questão 7 apresentada por um inquirido que seleccionou a alternativa R2:

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«1ª situaçãoensino; 2ª situação: aprendizagem; 3ª situação: ensino/aprendizagem pela interacção que a situação necessariamente envolve.»

Justificação da questão 7 apresentada por um inquirido que seleccionou a alternativa R3: «Verificar e discutir com os alunos se os objectivos foram ou não atingidos.»

Justificação da questão 7 apresentada por um inquirido que seleccionou a alternativa R4, mas que a deixou em branco: «O ensino/aprendizagem da ciência pode e deve assumir múltiplas dimensões que podem conter as diversas opções de resposta apresentadas por isso considero que não se podem tomar como exclusivas, existindo uma melhor que outra, do mesmo modo que a ciência não pode privilegiar qualquer uma das suas dimensões.»

Justificação da escolha da alternativa R4: «Para que ocorra aprendizagem significativa os conteúdos têm de ser transmitidos e o aprendiz deve ser capaz de utilizar esses conceitos em contextos diferentes.»

Justificação da selecção da alternativa R4 e da questão 7 respectivamente : «Do contexto da situação, dos recursos disponíveis e do público alvo.» «Qualquer uma das outras opções não contextualiza a situação pelo que é difícil uma escolha fundamentada.»

PARTE II – ALGUNS TEMAS DE CIÊNCIA PARA O PÚBLICO

Questão 8

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A propósito da “camada de ozono” pode dizer-se que: A expressão “camada de ozono” pretende designar a zona da atmosfera constituída apenas por ozono. A expressão “camada de ozono” pretende designar a zona da atmosfera onde é maior a concentração de ozono. A expressão “camada de ozono” pretende designar a zona da atmosfera onde a concentração de ozono é elevada. A expressão “camada de ozono” pretende designar a camada da atmosfera (estratosfera) onde é maior a concentração de ozono. A expressão “camada de ozono” pretende designar uma das camadas da atmosfera onde a concentração de ozono é elevada. A expressão “camada de ozono” pretende designar uma das camadas da atmosfera onde é maior a concentração de ozono. Objectivos Avaliar o domínio científico relativamente ao conceito “camada de ozono”. Procurar possíveis concepções alternativas do docente e ou imprecisões de

linguagem que eventualmente possam ser veiculadas aos alunos. Assim, com as três últimas opções de resposta pretende-se averiguar a concepção alternativa de que, na realidade, existe uma camada da atmosfera constituída unicamente por ozono, ou onde existe uma grande quantidade de ozono - (o ozono não existe propriamente numa camada!). Por seu turno, com a 1ª e 3ª opções de resposta pretende-se averiguar a concepção alternativa de que a ”camada de ozono” contém unicamente ozono, ou tem uma concentração de ozono elevada.

Com o intuito de atingir os objectivos anteriormente referidos, foi elaborada a questão 8, cujos resultados estão ilustrados na tabela 8.

Tabela 8 – Resultados obtidos para a questão 8

Conceito de "camada de ozono" NR %

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R1 1 1.2 R2 20 24.1 R3 4 4.8 R4 45 54.2 R5 4 4.8 R6 6 7.2 B 2 2.4 N 1 1.2

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: R1 – … zona da atmosfera constituída apenas por ozono.

R2 – … zona da atmosfera onde é maior a concentração de ozono. R3 – … zona da atmosfera onde a concentração de ozono é elevada. R4 – …a camada da atmosfera (Estratosfera) onde é maior a concentração de ozono. R5 – … uma das camadas da atmosfera onde a concentração de ozono é elevada. R6 – … uma das camadas da atmosfera onde é maior a concentração de ozono.

B – Brancos N – Nulos

Delimitada a azul encontra-se a percentagem de respostas consideradas correctas e, a vermelho, a percentagem mais elevada de respostas obtida nesta questão.

Da análise da tabela 8 realça o facto de apenas 24,1% dos docentes inquiridos ter indicado correctamente que a “camada de ozono” corresponde à zona da atmosfera onde é maior a concentração de ozono.

Perante os resultados obtidos, onde a alternativa R4 obteve a maioria reunindo uma percentagem de 54,2% de respostas, pode concluir-se que os inquiridos detêm um conceito de “camada de ozono” envolto de concepções alternativas. Assim, os docentes que seleccionaram esta resposta parecem associar o termo “camada”, da designação “camada de ozono”, a uma das camadas da atmosfera onde ela se encontra – a Estratosfera, ou seja confunde-se localização com a área pela qual a “camada de ozono” se estende. Esta associação é errada uma vez que o ozono não existe propriamente numa camada, e, ao ser feita, leva necessariamente a uma concepção alternativa que passa pela adopção da ideia de que a “camada de ozono” é, de facto, uma camada que se localiza e se estende por toda a Estratosfera, pelo que se pode defini-la como sendo uma das camadas da atmosfera.

A alternativa R6 foi a alternativa que recebeu, a seguir à alternativa correcta R2, maior número de respostas (7,2%). Também esta resposta está envolta de concepções alternativas. Volta-se a repetir a associação do termo “camada”, da designação “camada de ozono”, a qualquer uma das camadas da atmosfera. Neste caso a situação é ainda mais preocupante, na medida em que não é referida qual a camada da atmosfera a que a afirmação se reporta, pelo que poderá ser qualquer uma. Por outro lado, a afirmação refere que é uma das camadas da atmosfera onde é maior a concentração de ozono, o que também não é verdade, já que a concentração de ozono é maior nessa zona da atmosfera, que se designa por “camada de ozono”, e não em toda a atmosfera tal como a afirmação refere.

As alternativas R3 e R5, que obtiveram 4,8% de respostas cada uma, também estão envoltas de concepções alternativas, uma vez que ambas afirmam que a

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concentração de ozono é elevada. Ora, como se sabe isto não é verdade, visto que até mesmo na “camada de ozono “, onde essa concentração atinge valores mais elevados, a concentração de ozono continua a ser baixa. A “camada de ozono” não contém unicamente ozono, nem tem uma concentração de ozono elevada. Na resposta R5 volta-se a repetir a associação errónea do termo “camada”, da designação “camada de ozono”, a qualquer uma das camadas da atmosfera.

As respostas em branco revelam uma total falta de conhecimento que se traduz na ausência do conceito científico de “camada de ozono”.

Nos inquéritos analisados foi considerada nula uma resposta a esta questão pelo facto de esta ter envolvido a escolha de 2 ou mais alternativas de resposta, quando isso não era permitido pelas condições impostas desde o início da realização deste questionário.

Questão 9 O que entende por “buraco do ozono”? __________________________________________________________ Objectivos Avaliar o domínio científico relativamente ao conceito “buraco do ozono”. Detectar a concepção alternativa ou a imprecisão de linguagem derivada do uso

frequente do termo “buraco” muitas vezes associado à existência de vazio. Detectar a concepção alternativa derivada da associação da expressão “buraco

do ozono” à inexistência de ozono, através da omissão da noção de concentração/rarefacção na resposta a esta questão. Deste modo, a resposta a esta questão terá de envolver a noção de que, na zona da estratosfera situada por cima da Antárctida, se verifica uma elevada rarefacção de ozono (ou uma diminuição da concentração de ozono), onde o nível de ozono é inferior a 220 Dobson.

Com o intuito de alcançar os objectivos anteriormente referidos foi formulada a

questão 9, cujos resultados obtidos se encontram ilustrados na tabela 9. As respostas a esta questão foram integradas em 5 categorias. A categoria C1 inclui todo o tipo de respostas onde é feita a associação do

conceito “buraco do ozono” à noção de vazio ou à ausência de ozono; na categoria C2 estão incluídas todas as respostas que associam “buraco do ozono” apenas à espessura da “camada de ozono”; em C3 constam as respostas que envolvem a associação de “buraco do ozono” apenas à rarefacção de ozono; em C4 incluem-se as respostas consideradas correctas e onde é feita a associação de “buraco do ozono” à rarefacção de ozono numa determinada zona da Estratosfera e, finalmente em C5, incluem-se as respostas onde é feita outro tipo de associação diferente das atrás apresentadas.

Tabela 9 – Resultados obtidos para a questão 9

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Conceito de "buraco do ozono" NR %

C1 10 12.0 C2 12 14.5 C3 30 36.1 C4 7 8.4 C5 19 22.9 B 5 6.0

Legenda NR – Nº de respostas Categorias de resposta: C1 – Associado à noção de vazio ou associado à ausência de

ozono. C2 – Associado apenas à espessura da camada como se a “camada de ozono” fosse unicamente constituída por ozono. C3 – Associado à rarefacção de ozono. C4 – Associado à rarefacção de ozono numa determinada zona da Estratosfera. C5 – Outra associação.

B – Brancos Delimitada a azul encontra-se a percentagem de respostas consideradas correctas e, a vermelho, a percentagem mais elevada de respostas obtida nesta questão. Pela análise da tabela 9 pode verificar-se que há somente 8,4% de respondentes

que indicam correctamente que o conceito de “buraco do ozono” corresponde à rarefacção de ozono numa determinada zona da Estratosfera.

No entanto, face aos resultados obtidos pode dizer-se que os docentes que integram a amostra possuem diferentes concepções sobre a designação “buraco do ozono”. Deste modo, pode constatar-se que grande parte dos inquiridos (36,1%) fornece uma resposta que se enquadra na categoria C3, onde se menciona a rarefacção de ozono sem referência à sua localização. Embora esta concepção não apareça envolta de concepções alternativas, surge de forma incompleta. O mesmo não se poderá dizer de C1 e de C2, que estão envoltas de concepções alternativas.

Nas respostas que se integram na categoria C1, por exemplo, o conceito de “buraco de ozono” aparece associado à noção de vazio ou à ausência de ozono. Esta associação surge pela tendência que se verifica para substancializar ou “coisificar” a noção de buraco, daí que apareça no sentido físico do termo como algo substancial e associado à existência de vazio ou à ausência de ozono. As afirmações que se seguem são exemplos de respostas dadas pelos inquiridos da amostra onde esta concepção errónea se evidencia.

“Falta de ozono em determinado local.” “Zona da camada de ozono destruída.” “Menor espessura ou ausência.” “Zona da atmosfera onde não há ozono e devia haver, assim sendo não há filtro

de radiações UV.” “Local onde, por não haver ozono, as radiações UV não são filtradas, logo

trazem problemas ao homem.”

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Mestrado em Ensino da Física e da Química ______________________________________________________________________

________________________________________________________________ 137

“Zona da “camada de ozono” onde a concentração de ozono é nula ou vestigial.”

”Local da atmosfera onde não existe ozono.” “Sem ozono.”

Nas respostas que se enquadram na categoria C2, o conceito de “buraco de

ozono” surge associado apenas à espessura da camada como se a “camada de ozono” fosse unicamente constituída por ozono. Esta associação poderá advir da definição de unidade Dobson. De facto e na realidade a espessura é mais fina, mas isso deve-se à acentuada rarefacção de ozono e não aos outros constituintes presentes nessa camada. As afirmações que se seguem são exemplos de respostas dadas pelos inquiridos da amostra onde esta concepção errónea se evidencia.

“Redução na espessura da “camada de ozono”.” “Zona da “camada de ozono” que é mais fina.” “Diminuição da espessura da camada de ozono.” “Zona da camada de ozono que é menos espessa.” “Diminuição da camada de ozono estratosférico.” “Camada muito fina de ozono sobre a Antárctida.” (Para este

docente, por exemplo, “buraco do ozono” é uma camada unicamente constituída por ozono e que existe sobre a Antárctida.)

Nas respostas que se integram na categoria C5 surgem outros tipos de associações nem sempre correctas. As afirmações que se seguem são exemplos de respostas dadas pelos inquiridos da amostra e que foram integradas em C5.

“Zona onde a concentração de ozono é pequena (baixa).” “É quando a concentração de ozono é baixa.” “Diminuição da quantidade de ozono na atmosfera.” “Diminuição da quantidade de ozono na alta atmosfera. Esta diminuição é

mais acentuada em determinadas pontos. Penso que junto dos pólos, na alta atmosfera, esta diminuição tem maiores valores.”

“Zona onde a concentração de ozono é baixa.” “Significa escassez de ozono que impeça a passagem de radiações UV.” “Zona da camada da atmosfera em que a concentração de ozono é

relativamente baixa.” “Pequena concentração de ozono.” “Zona de baixa concentração de ozono.” “Região com pequena quantidade de ozono.”

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Universidade de Coimbra ______________________________________________________________________

________________________________________________________________ 138

“Camada da atmosfera onde a concentração da “camada de ozono” é diminuta.”

“Zona da estratosfera onde a camada de ozono apresenta menor expressão.” Destes exemplos parece realçar que os docentes, autores destas respostas, têm a

ideia de que a “camada de ozono” é uma zona onde a concentração de ozono é elevada, pelo que associada a esta ideia surge implicitamente uma outra a de que “buraco de ozono” será a zona onde a concentração de ozono é baixa ou onde a quantidade desta substância é pequena. Neste sentido, tais docentes desconhecem que a concentração de ozono na “camada de ozono” já é baixa, já é pequena por natureza, por isso o conceito de “buraco de ozono” não pode ser definido deste modo.

Por outro lado, os docentes que se referem à quantidade de ozono na atmosfera ou na alta atmosfera parecem desconhecer a localização exacta do “buraco de ozono”, na medida em que a designação “alta atmosfera” comporta várias camadas da atmosfera e a designação “atmosfera” engloba todas as camadas.

A designação “escassez de ozono” usada numa das respostas a esta questão também aparece envolta de alguma ambiguidade, uma vez que escasso significa pequena quantidade, que não é abundante e a concentração de ozono na “camada de ozono” não é elevada, embora seja a zona onde tal concentração é maior. Também se referem à filtração de radiações ultravioleta como se a “camada de ozono” funcionasse como filtro para todo o tipo destas radiações quando, na verdade, só impede a passagem das radiações UV-B. Há também um docente que dá uma resposta completamente errada e sem sentido, pois define «buraco» como sendo «a camada …», não distingue por isso buraco de camada, e refere-se à concentração da “camada de ozono”. Numa outra resposta aparece ainda a ideia de «…menor expressão» o que torna a resposta muito ambígua e geradora de concepções alternativas, uma vez que não se compreende muito bem qual o significado atribuído a menor expressão (menor representatividade? Menor significado?).

As 5 respostas em branco, que surgiram durante a análise dos questionários, revelam uma falta de conhecimento que se traduz na ausência do conceito “buraco do ozono”. Comparando o número de respostas em branco nesta questão com o número de respostas em branco obtido na questão anterior pode concluir-se que a designação “buraco do ozono” é um conceito menos conhecido que o conceito associado à designação “camada de ozono”.

É de realçar que as respostas que se enquadravam na categoria R4 seriam consideradas correctas. No entanto, nesta categoria só foram integradas 8,4% de respostas; ou seja, é a categoria que abarca menor número de respostas, sendo apenas superada pelo número de respostas em branco.

Questão 10

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Por que motivo o “buraco do ozono” está situado sobre a Antárctida? _______________________________ Objectivos Avaliar o domínio científico do docente sobre os fundamentos que levam a que a

rarefacção do ozono estratosférico não seja uniforme.

Na tabela 10 encontram-se os resultados obtidos com a análise e tratamento estatístico efectuados para a questão 10.

As respostas a esta questão foram integradas em 4 categorias. A categoria C1 inclui todo o tipo de respostas onde é referido um dos factores a ter em conta para justificar a localização do “buraco do ozono”; na categoria C2 estão incluídas todas as respostas onde constam dois desses factores; em C3 encontram-se as respostas que envolvem e relacionam todos os factores a considerar e capazes de justificar tal localização e, finalmente em C4, incluem-se todas as respostas que não se enquadrem nas anteriores.

As respostas sem indicação do ponto de vista do inquirido são integradas na categoria com a designação brancos.

Tabela 10 – Resultados obtidos para a questão 10

Localização do "buraco do ozono" NR %

C1 37 44.6 C2 4 4.8 C3 0 0.0 C4 17 20.5 B 25 30.1

Legenda NR – Nº de respostas Categorias de resposta: C1 – Refere um dos factores a ter em conta.

C2 – Refere 2 factores a ter em conta. C3 – Refere e relaciona os factores a considerar na resposta (Vórtice Polar; aparecimento de nuvens polares estratosféricas; aparecimento da luz solar que leva à acumulação de compostos de cloro com destruição de ozono). C4 – Outro tipo de resposta que não se enquadre nas anteriores.

B – Brancos Delimitada a azul encontra-se a percentagem de respostas consideradas correctas e, a vermelho, a percentagem mais elevada de respostas obtida nesta questão.

Ao analisar-se a tabela 10, pode constatar-se que nenhum dos inquiridos responde correctamente à questão formulada, pois não referem e relacionam os factores que estão indicados em C3.

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Para além disso, pode verificar-se que a categoria que abarcou maior número de respostas foi a C1, com uma percentagem de 44,6%. Tal como se indica na legenda anexa à tabela 10, a categoria C1 inclui respostas onde apenas é referido um dos factores explicativo a ter em conta na localização do “buraco de ozono”.

É de realçar o facto de nesta questão o número de respostas em branco ter atingido um valor elevado (30,1%). Este resultado revela o elevado nível de desconhecimento sobre os fundamentos que levam a que a rarefacção do ozono estratosférico não seja uniforme.

Fazendo uma comparação entre as questões 8, 9 e 10 pode verificar-se que o conceito mais conhecido é a “camada de ozono”, seguido do conceito “buraco de ozono” e, por último, encontra-se a explicação para a sua localização; isto é, o facto de o “buraco de ozono” se encontrar localizado, mas não limitado sobre a Antárctida.

Os docentes inquiridos que dessem uma resposta que se enquadrasse em C3 revelavam conhecer as razões de a rarefacção de ozono estratosférico não ser uniforme. Porém, pelos resultados obtidos, pode constatar-se a ausência de respostas nesta categoria, de onde se pode inferir que a maior parte dos docentes inquiridos possui um conhecimento incompleto sobre os fundamentos da localização do “buraco de ozono” e que um grande número de docentes ou desconhece tais fundamentos ou indica-os de forma defeituosa. É de salientar o facto de a categoria C2 ter abarcado o menor número de respostas (4,8%) de todas as possibilidades de resposta previstas.

Na categoria C4, que obteve 20,5% de respostas, surgem outros tipos de resposta, nem sempre correctas, e que não se enquadram nas respostas anteriores. As afirmações que se seguem são exemplos de respostas dadas, para esta categoria, pelos inquiridos da amostra.

“Por causa dos ventos que arrastam o dióxido de carbono e com a temperatura que favorece a reacção química em que o oxigénio por acção dos raios UV se transforma em ozono.”

“Arrastamento da camada mais frágil de outras regiões do planeta para aquela região.”

Tais afirmações deixam transparecer os erros que envolvem a resposta a esta questão. Realce-se, por exemplo, o facto de se referir uma reacção química que leva à formação de ozono e não à sua destruição; a referência à substância dióxido de carbono para explicar a localização do “buraco de ozono”; a ideia de que o “buraco do ozono” é uma camada, neste caso a «camada mais frágil» que pode ser arrastada de região em região. Questão 11

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________________________________________________________________ 141

A propósito das chuvas ácidas pode dizer-se que: São originadas pelo aumento de dióxido de carbono. São originadas por radiações que vêm do Sol. São originadas sobretudo pela combustão de compostos de azoto e de enxofre. São originadas pelos fogos florestais. Outra. Qual? _________________________ Objectivos Avaliar o domínio científico do docente sobre a origem das chuvas ácidas. Detectar a concepção alternativa derivada da confusão estabelecida entre o

“efeito estufa” e as chuvas ácidas.

De acordo com os objectivos a atingir foi formulada a questão 11, cujos resultados obtidos na análise e tratamento estatístico efectuados se encontram ilustrados na tabela 11.

Tabela 11 – Resultados obtidos para a questão 11

Origem chuvas ácidas NR %

R1 10 12,0 R2 0 0,0 R3 57 68,7 R4 0 0,0

RA 9 10,8 B 2 2,4 N 5 6,0

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: R1 – São originadas pelo aumento de dióxido de carbono.

R2 – São originadas por radiações que vêm do Sol. R3 – São originadas sobretudo pela combustão de compostos de azoto e de enxofre. R4 – São originadas pelos fogos florestais. RA – Resposta aberta

B – Brancos N - Nulos

Delimitada a azul encontra-se a percentagem de respostas consideradas correctas obtidas nesta questão.

Perante os resultados obtidos pode concluir-se que a alternativa R3 foi a que reuniu o maior número de respostas com uma percentagem elevada e igual a 68,7%, sendo esta a alternativa considerada correcta. Daqui resulta a ideia que a maioria dos inquiridos considera que a origem das chuvas ácidas resulta principalmente da combustão de compostos de azoto e de enxofre.

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________________________________________________________________ 142

O tratamento estatístico que foi feito para esta questão permite evidenciar que 12% dos inquiridos estabelecem uma relação entre o aumento do dióxido de carbono e as chuvas ácidas. Tal relação poderá ser fruto do facto de deterem uma concepção alternativa derivada da confusão frequentemente estabelecida entre os fenómenos chuvas ácidas e “efeito estufa”, mais concretamente entre chuvas ácidas e o aumento do dióxido de carbono, uma das causas responsáveis pelo aumento do “efeito estufa”. Embora seja verdade que a presença de dióxido de carbono na atmosfera seja responsável pela acidez da água das chuvas (“dita normal”), não se pode considerar que este composto, por si só, origine o fenómeno das chuvas ácidas. Segundo algumas fontes encontradas na literatura sobre este assunto, nomeadamente Chang (1994), não se espera que o dióxido de carbono atmosférico em equilíbrio com a água da chuva dê origem a um pH inferior a 5.5 e, por esse facto, não se refere o dióxido de carbono como responsável pela elevada acidez das chuvas, quando comparado com os óxidos de enxofre e, em menor grau, com os óxidos de azoto. No entanto, e admitindo a possibilidade desse facto ocorrer, não é correcto optar por uma alternativa de resposta que afirma que as chuvas ácidas são originadas pelo aumento de dióxido de carbono quando, em outra alternativa, se evidencia o papel, através do termo sobretudo, de outros compostos com muito maior quota parte de responsabilidade que os compostos de carbono, como é o caso dos compostos de azoto e de enxofre.

Para além disso, pode também constatar-se que alguns docentes (10,8%), não se revendo em nenhuma das alternativas propostas, optaram pela possibilidade de fornecerem uma resposta do tipo aberta onde lhes fosse dada a possibilidade de fornecerem o seu ponto de vista. Assim, dos que seleccionaram a alternativa designada por RA, destaca-se a seguinte frase:

“São originadas pela combustão de compostos de carbono, azoto e enxofre.” Esta resposta é considerada correcta e demonstra que os inquiridos que a

forneceram não valorizaram o significado do termo sobretudo utilizado na alternativa R3, parecendo revelar por isso alguma dificuldade de interpretação da afirmação contida nesta alternativa de resposta.

Embora os resultados obtidos nos permitam constatar que a maioria dos docentes da amostra conseguem identificar o que origina as chuvas ácidas, verifica-se que ainda existem 2,4% de inquiridos que não conseguem atingir este objectivo, optando por isso por deixar a resposta a esta questão em branco.

Nesta questão foram consideradas nulas 5 respostas. Deste modo, e a título de exemplo, apresentam-se em seguida as cinco respostas consideradas nulas. Assim, três destas respostas envolveram a escolha simultânea das duas alternativas R1 e R3 e, nas duas outras respostas que foram consideradas nulas, os docentes seleccionaram simultaneamente as alternativas R3 e R4.

Questão 12

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________________________________________________________________ 143

Um dos efeitos das chuvas ácidas é: A destruição do ozono estratosférico. A destruição dos edifícios e monumentos de granito. O aumento da actividade vulcânica. Outro. Qual? _________________________ Objectivos Avaliar o domínio científico do docente sobre os efeitos das chuvas ácidas. Constatar a existência ou não de confusão existente em torno dos temas

“camada de ozono” e chuvas ácidas. Verificar até que ponto os conceitos apreendidos a nível químico prevalecem

sobre a simples memorização de termos. Verificar a existência de confusão entre causa e efeito, nomeadamente e no que

diz respeito à 3ª opção de resposta, uma vez que a actividade vulcânica é uma das causas do aparecimento de chuvas ácidas e não um efeito resultante da sua existência.

Na tabela 12 encontram-se os resultados obtidos da análise e tratamento estatístico efectuados nesta questão.

Tabela 12 – Resultados obtidos para a questão 12

Efeitos chuvas ácidas NR %

R1 4 4,8 R2 39 47,0 R3 0 0,0 RA 36 43,4 B 2 2,4 N 2 2,4

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: R1 – A destruição do ozono atmosférico.

R2 – A destruição dos edifícios e monumentos de granito. R3 – O aumento da actividade vulcânica. RA – Resposta aberta

B – Brancos N - Nulos

Delimitada a azul encontra-se a percentagem de respostas consideradas correctas e, a vermelho, a percentagem mais elevada de respostas obtida nesta questão.

Pela análise da tabela 12 denota-se que 47,0% dos inquiridos (praticamente a maioria) concebe a destruição dos edifícios e monumentos de granito como sendo um dos efeitos resultantes das chuvas ácidas. Provavelmente este resultado advém do facto de se recorrer, com frequência, à simples memorização de termos impeditiva da

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prevalência dos conhecimentos apreendidos a nível químico. Neste sentido, facilmente se eliminaria esta alternativa se se recorresse e se pensasse na acção dos ácidos sulfúrico e nítrico. O efeito destrutivo destes ácidos só é notório no calcário, o mesmo não sucedendo com o granito.

A alternativa de resposta RA foi a que reuniu maior percentagem de respostas (43,4%) a seguir a R2. A análise das respostas dadas deixam claro que os docentes não identificaram, em nenhuma das alternativas propostas, um efeito das chuvas ácidas, pelo que recorreram à elaboração de uma frase onde incluíram alguns dos efeitos associados a este fenómeno. A título exemplificativo, seguem-se algumas das respostas abertas dadas.

“Degradação do coberto vegetal, alteração do pH do solo.” “Destruição de edifícios de calcário, flora; alteração do pH dos recursos hídricos.” “Destruição dos edifícios de mármore e estruturas metálicas.” “Destruição da vegetação; eutroficação de lagos; aumento da acidez da água do mar.” “Corrosão dos metais e decomposição de monumentos, principalmente os que são feitos de calcário e mármore.” 4,8% dos inquiridos confunde chuvas ácidas com “camada de ozono”, na medida

em que crê que a destruição do ozono estratosférico é um dos efeitos das chuvas ácidas.

Pelos resultados obtidos pode ainda constatar-se que os docentes desta amostra distinguem claramente causa de efeito, não havendo por isso docente algum a seleccionar a alternativa R3 onde é indicada uma das causas do aparecimento das chuvas ácidas e não um efeito resultante da sua existência.

Como possíveis causas para a diferença verificada entre a alternativa considerada correcta (RA) e a que obteve maior número de respostas (R2) encontra-se provavelmente a desatenção e a precipitação dos inquiridos em responder às questões propostas no questionário, uma vez que a destruição de edifícios e monumentos de calcário é uma das consequências das chuvas ácidas mais frequentemente referidas, pelo que o termo granito parece não ter sido valorizado nesta alternativa de resposta.

Pela análise da tabela 12 pode verificar-se que, embora em número pouco expressivo, existem ainda 2,4% de inquiridos que não conseguem indicar um dos efeitos das chuvas ácidas, optando por isso por deixar a resposta a esta questão em branco.

Nesta questão foram consideradas nulas 2 respostas. Deste modo, e a título de exemplo, pode dizer-se que tais respostas envolveram a selecção simultânea das alternativas R2 e RA. Assim, e em RA, surgiram frases como ”destruição geral da vegetação” e “vão provocar distúrbios ao nível das cadeias alimentares”.

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________________________________________________________________ 145

Questão 13 Uma das causas do efeito estufa: São os fogos florestais. A elevação da temperatura da Terra. São as chuvas ácidas. A destruição do ozono atmosférico. Outra. Qual? _________________________ Objectivos Avaliar o domínio científico do docente sobre a origem do efeito de estufa. Constatar a existência de confusão entre causa e efeito, nomeadamente e no

que diz respeito à 2ª opção de resposta, uma vez que a elevação da temperatura da Terra é um dos efeitos do efeito estufa e não uma das causas da sua existência.

Percepcionar a existência ou não de confusão existente em torno dos temas efeito estufa e chuvas ácidas.

No que concerne à quarta alternativa de resposta, poder-se-á avaliar a existência ou não de concepção alternativa acerca do efeito estufa e sua relação com a destruição do ozono atmosférico. De acordo com as concepções alternativas apresentadas por alunos, poder-se-á

inferir que um destes fenómenos poderá ser indicado com alguma frequência quer como causa quer como efeito do outro.

Na tabela 13 encontram-se os resultados obtidos da análise e tratamento

estatístico efectuados nesta questão. Tabela 13 – Resultados obtidos para a questão 13

Causas efeito estufa NR %

R1 33 39,8 R2 21 25,3 R3 0 0,0 R4 4 4,8 RA 16 19,3 B 2 2,4 N 7 8,4

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: R1 – São os fogos florestais.

R2 – É a elevação da temperatura na Terra. R3 – São as chuvas ácidas. R4 – É a destruição do ozono atmosférico. RA – Resposta aberta

B – Brancos N - Nulos Delimitada a azul encontra-se a percentagem de respostas

consideradas correctas obtida nesta questão.

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Da análise da tabela 13 realça o facto de 39,8% dos docentes ter indicado

correctamente os fogos florestais como uma das causas do efeito estufa. Porém, é de salientar que uma percentagem significativa de inquiridos (40,9%) fornece uma resposta incorrecta (opções R2 e R4), nula ou em branco.

A segunda alternativa que reuniu maior número de respostas (25,3%) é a R2, pelo que os docentes que a seleccionaram revelam não distinguir causa de efeito, uma vez que a elevação da temperatura global da Terra é um dos efeitos do fenómeno efeito estufa e não uma das causas da sua existência. Esta ideia é também notória na seguinte frase fornecida em RA:

“Manutenção da temperatura média terrestre. O aumento do efeito de estufa é responsável pela elevação da temperatura da Terra.” Embora com uma pequena expressão, pode constatar-se que 4,8% dos docentes

inquiridos julga existir uma relação entre efeito estufa e destruição do ozono atmosférico. Deste modo, tais docentes atribuem à destruição do ozono troposférico e estratosférico uma quota parte de responsabilidade pelo efeito estufa. Esta relação é incorrecta e, para isso, basta pensar que a concentração do ozono troposférico está a aumentar e não a diminuir, ou a ser destruído como é referido na afirmação feita. Para além disso, não é o ozono estratosférico que contribui para o efeito estufa, mas o troposférico que é um gás de estufa.

No que concerne às respostas abertas, pode verificar-se que alguns dos docentes que optaram por esta alternativa sugerem ser o aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera uma das causas do efeito estufa. Muito embora este facto não seja incorrecto, traz implicitamente a ele associado a ideia de que tais docentes não reconhecem nos fogos florestais um meio através do qual ocorre libertação de dióxido de carbono, logo um meio capaz de fazer aumentar a concentração de dióxido de carbono na atmosfera. A reforçar esta ideia surgem, a título de exemplo, as frases fornecidas na resposta aberta a esta questão.

“Aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera.”

“Libertação de CFCs e os produtos das combustões.” “Aumento de dióxido de carbono na atmosfera.” “Poluição, emissão de dióxido de carbono.” “Excessiva produção de dióxido de carbono.” “Elevação da concentração de dióxido de carbono e de outros gases de estufa.” “Libertação de dióxido de carbono pelas indústrias e veículos motorizados resultante da combustão de combustíveis fósseis.” Para além disso, verifica-se que há 5 docentes a associarem a poluição

atmosférica, de uma forma geral, ao efeito estufa, evidencia esta realçada pelas afirmações feitas na opção RA, tais como:

“Poluição atmosférica” e “Poluição, emissão de dióxido de carbono”.

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Pela análise da tabela 13 pode verificar-se que, embora em número pouco expressivo, existem ainda 2,4% de inquiridos que não conseguem identificar os fogos florestais como uma das causas do efeito estufa, optando por isso por deixar a resposta a esta questão em branco.

Nesta questão foram consideradas nulas 7 respostas. A título de exemplo, pode dizer-se que tais respostas envolveram a selecção simultânea das alternativas R1, R4 e R1, RA. Assim, e em RA, surgiram frases como “poluição antropogénica”, “aumento de dióxido de carbono na atmosfera” e “libertação de dióxido de carbono pelas indústrias e veículos motorizados resultante da combustão de combustíveis fósseis”.

Questão 14 O efeito estufa causa: A formação de chuvas ácidas. Apenas consequências com efeitos negativos que põem em risco a existência de vida na Terra. A diminuição do ozono estratosférico. Outra. Qual? ____________________ Objectivos Percepcionar a existência ou não de confusão existente em torno dos temas

efeito estufa e chuvas ácidas. Constatar a concepção alternativa de considerar o efeito estufa prejudicial (2ª

opção de resposta), devido ao facto de este fenómeno ser muitas vezes encarado só como prejudicial porque se negligenciam os seus efeitos benéficos para a Terra.

No que concerne à quarta alternativa de resposta, poder-se-á avaliar a existência ou não de concepção alternativa acerca do efeito estufa e sua relação com a diminuição do ozono estratosférico.

A 5ª opção de resposta serve para se saber o que o respondente pensa acerca do fenómeno e nela, eventualmente, poderão surgir outras concepções alternativas.

Na tabela 14 encontram-se os resultados obtidos da análise e tratamento

estatístico efectuados para esta questão.

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Tabela 14 – Resultados obtidos para a questão 14

Consequências do efeito estufa NR %

R1 2 2,4 R2 29 34,9 R3 4 4,8 RA 44 53,0 B 2 2,4 N 2 2,4

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: R1 – A formação das chuvas ácidas.

R2 – Apenas consequências com efeitos negativos que põem em risco a existência de vida na Terra. R3 – A diminuição do ozono estratosférico. RA – Resposta aberta

B – Brancos N - Nulos

Delimitada a azul encontra-se a percentagem de respostas consideradas correctas obtida nesta questão.

Neste caso, a opção correcta para esta questão passa pela resposta aberta, onde

é fornecida uma das consequências do efeito estufa. A maioria dos docentes optou por esta alternativa fornecendo para isso alguns dos efeitos associados a este fenómeno, sendo o aumento da temperatura global do planeta o mais frequentemente referido. Destas respostas realça ainda o facto de um dos docentes registar “tem efeitos negativos e positivos”, apesar de não fornecer nenhum exemplo desses efeitos. Pode pois concluir-se que, muito embora saiba que o efeito estufa tem efeitos de natureza diferente, este docente desconhece as consequências por aquele geradas.

Analisando os resultados obtidos que constam na tabela 14 pode verificar-se que, embora a maioria dos inquiridos (53,0%) tenha optado por uma resposta aberta, há um número significativo de docentes (42,1%) que opta pelas alternativas R1, R2 e R3 envoltas de concepções alternativas a propósito desta questão e facilmente transmissíveis nas suas práticas pedagógicas. Assim, 34,9% dos inquiridos concebe o efeito estufa como um fenómeno cujas consequências têm apenas efeitos negativos, revelando por isso desconhecer que é graças a ele que a Terra consegue manter a sua temperatura média global. Fica como tal demonstrada que a ideia de o efeito estufa ser encarado como prejudicial por se negligenciarem os seus efeitos benéficos para a Terra. Para além disso, constata-se que 7,2 % dos docentes inquiridos entende que o efeito estufa causa a formação de chuvas ácidas e a diminuição do ozono estratosférico; ou seja, para eles estes dois últimos acontecimentos estão directamente relacionados com o efeito estufa e não com outros factores que contribuem para cada um deles, sendo por isso frequentemente indicados quer como causa, quer como efeito do outro.

Nesta questão foram consideradas nulas duas respostas que, embora em número reduzido, evidenciam concepções alternativas em torno do efeito estufa e suas

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consequências. Uma das respostas envolveu a escolha simultânea das duas alternativas R1 e R2; ou seja, para este docente o efeito estufa causa a formação de chuvas ácidas e tem apenas consequências com efeitos negativos que põem em risco a existência de vida na Terra. Na segunda resposta que foi considerada nula, o docente seleccionou simultaneamente as alternativas R2 e RA, colocando nesta última a frase “aquecimento global”; ou seja, para ele o efeito estufa causa apenas consequências com efeitos negativos que põem em risco a existência de vida na Terra e o aquecimento global.

Em branco ficaram duas respostas que reflectem o desconhecimento pelos docentes das consequências do efeito estufa.

Questão 15 A propósito do tema radiações ionizantes pode dizer-se que: Sempre que o ser humano é exposto a radiações, ionizantes ou não, sofre consequências nefastas da exposição a que foi sujeito. Sempre que o ser humano é exposto a radiações ionizantes sofre, a longo prazo, consequências nefastas da exposição a que foi sujeito. As radiações ionizantes têm efeitos somáticos, ou seja manifestam-se apenas no organismo da própria pessoa exposta à radiação. No organismo dos seres humanos há órgãos mais sensíveis a radiações ionizantes do que outros. Os raios X provocam mais danos nas células dos seres humanos do que a mesma dose de radiação α.. Todas as afirmações anteriores são verdadeiras. Objectivos Verificar se o docente está consciente que nem todas as radiações têm

consequências nefastas para o ser humano. Muitas vezes esta ideia surge associada a uma outra ideia generalizada de que todas as radiações nos são prejudiciais, daí a necessidade de associar a palavra radiação ionizante a todo e qualquer tipo de radiação. Caso o docente opte por esta resposta (1ª), mostra ter dificuldades em afastar-se desta ideia algo enraizada no senso comum e em utilizar os seus conhecimentos de formação para a desmistificar.

Verificar se o docente está consciente que nem todas as radiações ionizantes têm consequências nefastas para o ser humano a longo ou a curto prazo (2ª op.). Caso o docente opte por esta resposta (2ª), mostra ter dificuldades em afastar-se desta ideia, algo enraizada no senso comum, de que tudo o que é ionizante é prejudicial (a manifestação das consequências oriundas da exposição a radiações ionizantes depende da dose total de radiação (dose de radiação equivalente absorvida) e da duração da exposição (tempo de exposição à radiação). O docente que seleccionar esta opção revela ter dificuldades na aplicação dos seus conhecimentos que serviram de base à sua formação.

Verificar se o docente está consciente que as radiações ionizantes podem também ter efeitos genéticos; ou seja, os seus efeitos podem manifestarem-se nos descendentes da pessoa directamente exposta à radiação (3ª opção).

Verificar se o docente está consciente que as consequências oriundas da exposição a radiações ionizantes, nos organismos vivos, depende também do tipo de radiação e dos órgãos afectados (5ª opção).

Constatar várias concepções alternativas do docente acerca do tema radiações ionizantes (6ª opção).

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Na tabela 15 encontram-se os resultados obtidos da análise e tratamento

estatístico efectuados para esta questão. Tabela 15 – Resultados obtidos para a questão 15

radiações ionizantes NR %

R1 1 1,2 R2 16 19,3 R3 6 7,2 R4 25 30,1 R5 3 3,6 R6 11 13,3 B 8 9,6 N 13 15,7

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: R1 – Sempre que o ser humano é exposto a radiações,

ionizantes ou não, sofre consequências nefastas da exposição a que foi sujeito.

R2 – Sempre que o ser humano é exposto a radiações ionizantes sofre, a longo prazo, consequências nefastas da exposição a que foi sujeito. R3 – As radiações ionizantes têm efeitos somáticos, ou seja manifestam-se apenas no organismo da própria pessoa exposta à radiação. R4 – No organismo dos seres humanos há órgãos mais sensíveis a radiações ionizantes do que outros. R5 – Os raios X provocam mais danos nas células dos seres humanos do que a mesma dose de radiação alfa. R6 – Todas as afirmações são verdadeiras.

B – Brancos N - Nulos

Delimitada a azul encontra-se a percentagem de respostas consideradas correctas obtida nesta questão.

Ao analisar-se a tabela 15 pode constatar-se que, apesar de uma parte

significativa de inquiridos (30,1%) ter identificado bem R4 como sendo a alternativa correcta e capaz de responder à questão formulada, a maioria dos docentes (54,2%) ou detém as concepções alternativas apresentadas em R1, R2, R3, R5 e R6 ou opta por deixar em branco a resposta a esta questão. Para além disto, verifica-se um número significativo de respostas consideradas nulas (15,7%), o que também poderá ser indicativo da existência de concepções alternativas capazes de levarem o docente

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à escolha de duas ou mais opções e forçosamente ao esquecimento das regras impostas para a realização do questionário.

A segunda alternativa que reuniu maior número de respostas foi a R2, (com 19,3%), onde consta uma concepção alternativa frequentemente observável. Deste modo, pode concluir-se que os docentes que optaram por esta alternativa mostram ter dificuldade em afastar-se desta ideia, algo enraizada no senso comum, de que tudo o que é ionizante é prejudicial e, portanto, mais cedo ou mais tarde sofrer-se-á as consequências nefastas dessa exposição. Para além disso, estes docentes revelam desconhecer que a manifestação das consequências oriundas da exposição a radiações ionizantes depende da dose total de radiação (dose de radiação equivalente absorvida) e da duração da exposição (tempo de exposição à radiação).

O docente que seleccionou a opção R1 atribui à palavra radiação uma conotação negativa, maléfica e, portanto prejudicial, pelo que, no seu entender, todo e qualquer tipo de radiação nos é prejudicial. Este docente revela, por isso, ter dificuldades em afastar-se desta ideia algo enraizado no senso comum e em utilizar os seus conhecimentos, que serviram de base à sua formação, para a desmistificar. Bastar-lhe-ia, por exemplo, pensar nas inúmeras aplicações terapêuticas das radiações …

Embora as opções R3 e R5 tenham reunido um número pouco expressivo de respostas (10,8%), permitem inferir que nem todos os inquiridos têm noção de que, por um lado, os efeitos das radiações ionizantes podem manifestar-se nos descendentes da pessoa directamente exposta à radiação; ou seja, as radiações ionizantes podem ter efeitos somáticos e genéticos, e, por outro, que as consequências oriundas da exposição de seres vivos a este tipo de radiações depende, entre outros factores, do poder penetrante da radiação em causa.

O número de respostas obtido para a opção R6 não é expressivo, mas é revelador de um claro desconhecimento do tema radiações ionizantes, implícito nas afirmações feitas de R1 a R5.

Questão 16 A propósito de tipos de radiações ionizantes pode dizer-se que: A radiação infravermelha, ultravioleta e LASER são exemplos de radiações ionizantes. A radiação infravermelha, ultravioleta e raios X são exemplos de radiações ionizantes. A radiação infravermelha e ultravioleta são exemplos de radiações ionizantes. A radiação ultravioleta e raios X são exemplos de radiações ionizantes. A radiação infravermelha e raios X são exemplos de radiações ionizantes. A radiação LASER e raios X são exemplos de radiações ionizantes. Outra. Qual? ___________ Objectivos Avaliar o domínio científico do docente sobre tipos de radiações ionizantes. Constatar concepções alternativas dos docentes em torno do tema tipos de

radiações ionizantes. Caso o docente não seleccionar a opção correcta (4ª) revela dificuldades em distinguir radiações ionizantes ou não, por se encontrar fortemente ligado à ideia, de senso comum, de que tudo o que é radiação é ionizante.

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Em face dos objectivos a atingir, foi formulada a questão 16 cujos resultados obtidos na análise e tratamento estatístico efectuados se encontram ilustrados na tabela 16.

Tabela 16 – Resultados obtidos para a questão 16

Tipos de radiações ionizantes NR %

R1 1 1,2 R2 9 10,8 R3 0 0,0 R4 41 49,4 R5 0 0,0 R6 11 13,3 RA 6 7,2 B 12 14,5 N 3 3,6

Legenda NR – Nº de respostas Opções de resposta: R1 – As radiações infravermelha, ultravioleta e LASER são

exemplos de radiações ionizantes. R2 – As radiações infravermelha, ultravioleta e raios X são

exemplos de radiações ionizantes. R3 – As radiações infravermelha, ultravioleta são exemplos de

radiações ionizantes. R4 – As radiações ultravioleta e raios X são exemplos de

radiações ionizantes. R5 – As radiações infravermelha e raios X são exemplos de

radiações ionizantes. R6 – As radiações LASER e raios X são exemplos de

radiações ionizantes. B – Brancos N - Nulos

Delimitada a azul encontra-se a percentagem de respostas consideradas correctas obtida nesta questão.

Pela análise da tabela 16 pode constatar-se que praticamente a maioria dos

docentes inquiridos (49,4%) optou pela alternativa de resposta considerada correcta (R4). No entanto e apesar deste resultado, deve-se evidenciar o facto de esta percentagem, embora elevada, ter sido quase atingida pela percentagem de inquiridos (43,4%) que optou por alternativas incorrectas, ou por ter dado respostas consideradas nulas ou em branco. De notar, por exemplo, que a segunda alternativa

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mais escolhida e que reuniu 14,5 % de respostas, é a opção designada por brancos, reveladora da extrema dificuldade sentida por alguns docentes em identificar tipos de radiações ionizantes.

Pelas opções R2 e R6, com 10,8% e 13,3% de respostas respectivamente, depreende-se o facto de alguns docentes considerarem erradamente as radiações infravermelha e LASER como ionizantes. Estes docentes revelam, por isso, desconhecer o significado de radiação ionizante ou o mecanismo de actuação das radiações referidas.

As três respostas que foram consideradas nulas tiveram por base a escolha de duas ou mais alternativas, não sendo por isso válidas de acordo com as condições impostas para a realização do questionário.

Não obstante o número de docentes que seleccionou a alternativa RA, fornece-se, a título de exemplo, as respostas que nela constam. Assim, surgiram duas respostas nas quais é referido:

“Raios X e radiação gama.” Para além disso, surgiram outras respostas tais como:

“Raios X, radiação gama e emissões alfa e beta.” “Radiações alfa e beta por exemplo.” “Radiação alfa.”

De todas as respostas fornecidas salienta-se o facto de em nenhuma delas ter sido

mencionada a radiação ultravioleta, o que se justifica tendo em conta que a sua classificação como radiação ionizante é discutível, logo não consensual; isto é, há autores que consideram válida a sua inclusão nas radiações ionizantes, outros, pelo contrário, não consideram. Como durante a elaboração do questionário utilizado sempre se considerou válida tal inclusão, admitiu-se como correcta a alternativa R4, porém a inserção de uma resposta aberta tinha como objectivo fazer emergir as concepções do docente nesta matéria. Deste modo, considera-se a resposta “raios X, radiação gama e emissões alfa e beta” correcta e, portanto, válida para a questão proposta. Todas as outras respostas incorrem em crítica por serem incompletas.

Questão 17 A propósito do acidente ocorrido com o petroleiro “Prestige”, demonstre como poderia aproveitar uma das situações a seguir apresentadas para relacionar conceitos que possam ser explorados nas aulas de Ciências. Arrastamento pelo vento das manchas de fuelóleo no mar. Resistência dos tanques do petroleiro à pressão da água no fundo do mar. Absorção de agentes cancerígenos bioacumulativos (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos) que o derrame de fuelóleo do “Prestige” deixou no mar. Objectivos Verificar a capacidade do docente em estabelecer a relação entre a situação

descrita e possíveis conceitos leccionados nas aulas de Ciências.

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Concluir, a partir do número de ligações conseguidas (situação/conceitos), se o docente tem ou não facilidade em estabelecer relações, a partir de situações concretas, e do tipo aberto tal como as que lhe são apresentadas.

Inferir, a partir do número de ligações conseguidas nesta questão, sobre as práticas pedagógicas seguidas na sala de aula; ou seja, um número elevado de ligações correctas poderá ser indicativo de um ensino fortemente orientado numa perspectiva CTSA; pelo contrário, a inexistência de ligações ou a existência de um número muito reduzido de ligações poderá ser revelador de um ensino tradicional, com pouca articulação entre teoria e prática científica, tipificado pelo perfil de um professor com outras crenças e ideologias acerca do que se pretende actualmente com a educação científica.

Na tabela 17 encontram-se os resultados obtidos da análise e tratamento estatístico efectuados para esta questão.

Nos inquéritos elaborados são consideradas nulas as respostas que a esta questão tenham envolvido a escolha de 2 ou mais alternativas de resposta, bem como aquelas em que o inquirido não fornece conceitos mas conteúdos genéricos.

As respostas sem indicação da escolha de qualquer tipo de alternativa proposta e dos possíveis conceitos de ligação à situação proposta são integradas na designação brancos.

Tabela 17 – Resultados obtidos para a questão 17 opção feita NL NR 1 4 2 4 3 4 situação 1 4 3 1 5 2 12 3 3 4 4 situação 2 5 1 1 4 2 7 3 6 5 1 6 1 situação 3 9 1 B ____ 21 N ____ 3

Legenda NL – Nº de ligações NR – Nº de respostas Opções de resposta: Situação 1 Situação 2 Situação 3 B – Brancos N - Nulos

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Delimitada a vermelho encontra-se a percentagem mais elevada de respostas obtida nesta questão.

Pela análise da tabela 17 pode verificar-se que há um elevado número de

respostas em branco (21), que deixam transparecer a incapacidade do inquirido em estabelecer uma relação entre a situação concreta e do tipo aberto que lhe é apresentada e possíveis conceitos leccionados em aulas de Ciências. Deste modo e a avaliar pela inexistência de ligações conseguidas, poder-se-á inferir que estes docentes ou não entenderam o conteúdo da questão, ou não têm o hábito de fomentar a discussão de situações análogas a estas durante a sua prática lectiva, daí que se justifique a extrema dificuldade com que se depararam para responder ao que lhes era solicitado. Não obstante ambas as hipóteses poderem ser credíveis, parece ser a segunda a mais provável pelo facto de a maioria dos inquiridos ter respondido à questão, independentemente do número de ligações conseguidas. A reforçar esta última afirmação, encontra-se a resposta que a seguir se transcreve:

«O inquirido prefere não responder».

Pode então inferir-se que os docentes que se enquadram na segunda hipótese perspectivam o ensino das Ciências de uma forma ligada ao tradicional, onde não há lugar à discussão de problemas de cariz CTSA. Se assim não fosse, com relativa facilidade, os docentes dariam, pelo menos um ou dois conceitos ligados à situação descrita, que poderiam escolher entre três situações diferentes consoante a que lhes fosse mais familiar, ou mais ligada à área científica da sua formação.

No que concerne a cada uma das situações escolhidas, pode constatar-se que a situação 2 foi a que reuniu um maior número de respostas, tendo sido escolhida por 25 dos inquiridos, ao contrário da situação 1 que apenas foi seleccionada por 15 docentes. A razão desta escolha poderá prender-se ao facto de os docentes sentirem uma maior familiaridade da situação descrita à sua área científica, ou pelo facto de a formulação da frase, que descreve a situação 2, tornar mais explícitos os conceitos com ela relacionados, sendo por isso mais fácil de obter um maior número de ligações. Ainda assim, a situação 3 foi a que obteve um maior número de ligações, onde um docente foi capaz de indicar 9 conceitos relacionados à situação e, como tal, de estabelecer 9 ligações. Perante estes resultados poder-se-á inferir que os docentes que ou não estabeleceram nenhuma ligação, ou que apenas estabeleceram uma ou duas ligações, não deverão orientar as suas práticas pedagógicas seguindo uma perspectiva CTSA, onde a apresentação e discussão deste tipo de problemas é uma constante, pois, caso contrário, mostrariam ter alguma destreza em realizar tarefas como esta. Também o oposto é verdadeiro; isto é, se os docentes conseguiram estabelecer um número elevado de ligações à situação escolhida é porque têm destreza na realização de tarefas como esta, logo devê-las-ão implementar nas suas práticas lectivas.

A título exemplificativo fornecem-se algumas das respostas dadas nesta questão. Assim, e para a situação 1, surgiram respostas tais como:

Densidade; marés; impulsão; forças. Correntes de convecção; energias renováveis; hidrocarbonetos; separação de componentes. Para a situação 2: Densidade; impulsão; protecção de materiais (oxidação-redução). Pressão; temperatura; viscosidade; resistência dos materiais.

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Para a situação 3: Cadeia alimentar; nível trófico; bioacumulação; bioampliação; toxicidade; dose; mutação genética; neoplasia; biodiversidade. Efeito dos produtos tóxicos; efeito cumulativo; DL50.

Nos inquéritos elaborados foram consideradas nulas duas respostas nesta questão

pelo facto de os inquiridos terem fornecido conteúdos genéricos e não conceitos como lhes era solicitado. Assim, e a título de exemplo, pode dizer-se que um dos inquiridos indicou o tema poluição para a situação 3 e, o outro, indicou os temas poluição e destruição da fauna e flora para a situação 1.

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CAPÍTULO V

REFLEXÕES FINAIS

“… os professores têm necessariamente que reflectir sobre a sua prática pedagógica, pois sem isso não há mudança possível em educação. ”

Foulcault

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INTRODUÇÃO Neste capítulo é feita uma síntese das principais conclusões resultantes deste

projecto e uma reflexão final sobre o estudo desenvolvido. No final, são apresentadas algumas limitações do estudo levado a cabo e,

consequentemente, propostas algumas recomendações para pesquisas posteriores neste âmbito.

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CONCLUSÕES

As respostas ao problema que determinou esta investigação incentivam e

propulsionam um trabalho de interpretação e de reflexão em torno das mesmas. Uma primeira conclusão a realçar neste estudo, relativamente à primeira parte do

questionário elaborado, é que existem, no seio da classe docente, diversas ideias acerca da Ciência e dos objectivos a atingir no ensino desta. Porém, este facto nem sempre aparece traduzido nas respostas às questões formuladas, uma vez que ao longo da parte I do instrumento de trabalho elaborado se constata existir uma forte tendência, por parte dos docentes, em optar por responder o que entendem como educacional e socialmente correcto e não por aquilo que traduz verdadeiramente o que pensam (efeito da desejabilidade social). Este efeito revela-se em questões cujo objectivo é conhecer as concepções dos docentes, uma vez que facilmente se depara com contradições existentes entre crenças e comportamentos detidos. Ou seja, as crenças nem sempre se revelam nos comportamentos e hábitos que os docentes assumem ter e, por isso, pode concluir-se que muitos deles não agem em conformidade com a forma como dizem pensar.

O ensino/aprendizagem de Ciência aparece aqui perspectivado como um processo orientado onde a figura do professor é essencial como guia orientador e de cujas directrizes depende o trabalho do aluno.

Uma outra conclusão importante a reter diz respeito à forma como é concebido um programa curricular de Ciência para a maioria destes docentes. Pelas respostas obtidas pode concluir-se que o manual escolar adoptado é assumido como sendo o programa curricular a seguir. Neste sentido, os programas curriculares restringem-se aos conteúdos, de modo que o seu cumprimento passa unicamente e apenas por aqueles, e não pelas actividades experimentais e orientações metodológicas como está previsto. Deste modo, pode também concluir-se que as orientações de cariz CTS, previstas nos curricula de Ciência, são postas em causa pelas concepções que a maioria dos docentes detém sobre o que é um programa curricular.

A investigação desenvolvida por Martins et al. (2002), embora realizada em data anterior a esta, mostra uma situação semelhante. Naquela investigação, os professores (exceptuando os do Curso Tecnológico de Química) valorizam objectivos promotores de aquisição de conhecimentos e factos em detrimento dos de desenvolvimento de competências práticas, criatividade, espírito crítico, curiosidade e

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autonomia na aprendizagem dos alunos, e as dimensões dos programas relativas à História das Ciências e da inter-relação CTSA não são praticamente abordadas em todos os níveis de ensino.

No que concerne a comportamentos evidenciados pelos docentes pode concluir-se que estes manifestam ter insuficientes hábitos de leitura para sua própria actualização e, quando recorrem a ela, fazem-no com livros de divulgação científica a título de curiosidade ou para obter informação e se esclarecerem sobre temáticas que possivelmente não terão sido objecto de análise durante a sua formação académica. Para além disso, e embora em número pouco expressivo, há quem faça uso exclusivo da leitura de manuais escolares e os conceba como livros capazes de servir para a actualização de professores, o que mais uma vez reforça a ideia implícita na forma como estes docentes concebem um curricula em Ciência. Estes resultados vão ao encontro dos obtidos no Inquérito à Cultura Científica dos Portugueses 2000, onde se verifica uma baixa prática de leitura de livros em geral. A actividade de leitura de livros de divulgação científica ou de carácter tecnológico é igualmente baixa, sendo somente realizada por um sexto da população portuguesa constituída pelos leitores que compulsam regular ou ocasionalmente tais livros (OCT, 2000).

O estudo de Martins et al. (2002) também remete para o facto de existirem professores a fazerem um uso quase exclusivo do manual escolar na planificação e preparação das actividades lectivas, na medida em que conclui que aqueles têm, em geral, práticas profissionais pouco colaborativas, onde a utilização de materiais pouco diversificados, para além do manual escolar, é uma constante.

Quanto ao consumo informal de Ciência, pode concluir-se que as actividades mais valorizadas são a visualização de programas televisivos de âmbito científico e tecnológico e a leitura de revistas de divulgação científica, em virtude do reflexo que têm no quotidiano dos docentes enquanto cidadãos. De salientar que esta última actividade mencionada remete para as conclusões obtidas na investigação levada a acabo por Costa et al. (2002). Relativamente ao Inquérito à Cultura Científica dos Portugueses 2000, verifica-se que os programas de Ciência e Tecnologia na televisão são os eleitos pela população, com 13,4% a afirmar realizar regularmente este tipo de actividade. Para além disso, o escalonamento de assunção de diversas actividades de consumo informal de Ciência, quer para a frequência regular como para a ocasional, por ordem crescente de preferência é a seguinte: leitura de livros de divulgação científica ou de carácter tecnológico, leitura de revistas de carácter científico ou tecnológico, artigos ou suplementos sobre Ciência em jornais e visualização de programas de Ciência e Tecnologia. Deste modo, pode concluir-se que também no parâmetro de consumo informal da Ciência, o comportamento dos professores traduz a perspectiva do cidadão comum.

A Parte II do questionário elaborado tinha como função avaliar não só o domínio científico dos professores relativamente a algumas controvérsias do domínio público, como e também a sua destreza no estabelecimento de ligações de conceitos científicos a situações do quotidiano. De um modo geral, pode concluir-se que grande parte dos docentes inquiridos tem dificuldades em definir conceitos científicos subjacentes a tais controvérsias e em atribuir-lhes causas ou referir consequências e revela, por vezes, desconhecimento ou um conhecimento científico envolto de concepções alternativas. Constata-se, por exemplo, que os docentes inquiridos possuem diferentes conceitos de “camada de ozono” e de “buraco de ozono”, sendo alguns deles erróneos e propensos à adopção de concepções alternativas por parte dos alunos, havendo muitos professores que não conseguem fornecer, ou que fornecem justificações incompletas para a localização do “buraco do ozono”. No que concerne aos resultados obtidos no Inquérito à Cultura Científica dos Portugueses 2000, 43,4% da população já ouviu falar do “buraco do ozono” e considera-se informada sobre este tema. No que concerne ao efeito de estufa e chuvas ácidas, o resultado é diferente com 41,6% e 38,2% respectivamente, da população portuguesa a afirmar já ter ouvido falar neste tema, mas a considerar que não sabe o que é.

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Também na investigação realizada e que dá consistência a esta dissertação, se pode concluir que há um número significativo de docentes com insuficientes conhecimentos científicos sobre efeito de estufa e chuvas ácidas. A investigação levada a cabo por Martins et al. (2002) reforça também a ideia de existirem lacunas nos domínios científicos da formação inicial e contínua de professores do 3º ciclo do Ensino Básico, do Ensino Secundário e do Curso Tecnológico de Química, designadamente em áreas relacionadas com a Química e Ambiente, entre outras.

O estabelecimento de ligações entre conceitos científicos e situações de cariz CTS constitui também uma tarefa onde alguns docentes revelam incapacidade para realizar, ou apresentam dificuldades apreciáveis.

Em suma, esta investigação permitiu verificar a consistência da relação

frequentemente estabelecida entre as concepções dos professores de Ciência e a sua prática docente, bem como evidenciar a falta de preparação a nível científico de alguns professores na abordagem de temas CTSA do interesse do público em geral. Deste modo, embora os resultados obtidos neste estudo não possam ser generalizados, dada a reduzida dimensão da amostra, pensamos poder concluir que o ensino da Ciência em Portugal apresenta algumas lacunas fruto não só do facto de nem todos os docentes darem cumprimento ao que vem expresso nos curricula de Ciência, nomeadamente às orientações CTSA, como e também fruto do facto de a sua preparação em termos científicos ser, em alguns casos, deficitária. Em consequência disto, os objectivos que visam alcançar-se com a educação científica nos dias de hoje não estão a ser plenamente atingidos, pelo que nem todos os alunos, futuros cidadãos, estarão preparados para lidar com a informação científica nos vários contextos em que ela se torne relevante e, em consequência disso, para o exercício de cidadania democrática.

Urge pois alterar esta situação que deverá começar no seio da classe docente e a nível conceptual, nomeadamente apelando por uma mais profunda formação inicial e contínua de professores.

Limitações do estudo realizado

O estudo realizado fica, de algum modo, limitado pela representatividade dos resultados obtidos no universo dos docentes portugueses, que poderá ser questionada, e pelo próprio instrumento de recolha de dados utilizado. Porém, procurou-se incessantemente contornar tais limitações. Deste modo, tentou-se que a amostra fosse constituída por um leque de professores não só de uma determinada região, mas do país, de forma a que os resultados obtidos pudessem reflectir o que sucede no universo dos docentes portugueses.

Para além disso e como já foi anteriormente referido, o questionário elaborado apresenta também algumas limitações, que vão desde a subjectividade da amostra seleccionada a qual, devido à sua dimensão, poderá ter uma representatividade pequena do Universo, à superficialidade das respostas obtidas que não permitem uma análise profunda das ideias dos inquiridos e à individualização dos docentes que, neste tipo de instrumento, são considerados independentemente das suas redes de relações profissionais. No sentido de as ultrapassar, procurou-se fazer perguntas onde o inquirido expressasse o seu próprio ponto de vista sobre o assunto em questão e, sempre que se julgou necessário, dar a possibilidade de acrescentar outras respostas diferentes das apresentadas, pedindo, sempre que possível, a justificação de algumas das opções feitas.

Poder-se-ia ter optado por um outro instrumento de trabalho, como a entrevista, porém, apesar de com esta técnica se poder obter uma informação eventualmente mais rica, o seu uso não é viável quando se pretende recolher informações sobre

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assuntos delicados/e ou pessoais ou que envolvam um domínio de conhecimentos, como é o caso do presente estudo.

Recomendações para pesquisas posteriores

Dadas as limitações deste estudo e aquilo que se poderá usufruir com este trabalho no ensino e aprendizagem da Ciência, uma investigação mais completa poderia:

• Utilizar uma amostra de maiores dimensões da que foi utilizada neste estudo, no sentido de verificar se as conclusões a que se chega se mantêm;

• Proceder à elaboração de outros instrumentos de trabalho que complementem os questionários, como a entrevista dos inquiridos;

• Trabalhar in loco pela observação de aulas dos docentes participantes e fazer disso um outro instrumento de recolha de dados que complemente o estudo desenvolvido.

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ANEXO

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Mestrado em Ensino da Física e da Química ______________________________________________________________________

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Caro(a) colega: Sou docente do 4º Grupo A e encontro-me a realizar uma tese de Mestrado sobre

“Compreensão Pública da Ciência e Formação de Professores”. É hoje cada vez mais reconhecida a necessidade da compreensão da Ciência pelo público e que esta se tem de radicar na preparação dos alunos para serem, no futuro, cidadãos esclarecidos capazes do exercício pleno de cidadania democrática. Por isso, pretendo conhecer os pontos de vista dos professores de Ciências acerca da Educação Científica, a sua preparação relativamente a alguns tópicos que preocupam a população em geral e a forma como ambos o condicionam na sua prática pedagógica.

Nesse sentido, solicito desde já a sua colaboração para preencher a ficha de dados pessoais/profissionais e responder ao questionário que se segue constituído por duas partes (Parte I e Parte II).

O questionário é anónimo e assegura-se a absoluta confidencialidade dos dados obtidos, os quais servirão, exclusivamente, para o fim indicado.

A sua opinião é de extrema importância, pelo que solicito que responda a todas as questões com o máximo de sinceridade.

Muito obrigada pela sua colaboração, Ana Luísa Pinto da Silva

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Universidade de Coimbra ______________________________________________________________________

________________________________________________________________ 176

DADOS PESSOAIS/PROFISSIONAIS Idade ______ (anos) Tempo de serviço docente: ____ (anos) em 31 de Agosto de 2006 Habilitações académicas: Licenciatura Bacharelato Formação especializada, pós-graduada Mestrado Doutoramento Outra . Especifique _____________ Níveis de ensino que se encontra a leccionar 7º Ano de escolaridade

8º Ano de escolaridade 9º Ano de escolaridade 10º Ano de escolaridade 11º Ano de escolaridade 12º Ano de escolaridade Outro.Qual? ____________

QUESTIONÁRIO

Em cada uma das questões que a seguir se apresentam opte sempre pela

alternativa de resposta que entenda estar mais próxima da sua ideia ou perspectiva acerca do assunto em questão. A resposta à questão deverá ser assinalada com uma cruz no quadrado correspondente.

Responda sempre e de forma sequencial a todas as questões sem deixar nenhuma em suspenso.

PARTE I

Crenças, Comportamentos e Atitudes dos Docentes na Sala de Aula

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Mestrado em Ensino da Física e da Química ______________________________________________________________________

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1. Em sua opinião, a educação científica visa: Possibilitar a aquisição e compreensão de um conjunto de factos, leis e teorias científicas isentos de controvérsia e portadores de verdades imutáveis e universais.

Dotar os cidadãos de capacidades para, na sua vida quotidiana, serem capazes de intervir activa e conscientemente, percebendo e lidando com a informação científica nos vários contextos em que ela se torna relevante. Fornecer um conjunto de factos, leis e teorias científicas de forma a lançar nos jovens as bases de formação de futuros cientistas.

Outra. Qual? ____________________________________________________

________________________________________________________________ ________________________________________________________________

2. Qual o grau de importância que atribui à discussão, na sala de aula, de

problemas científicos de interesse social ou tecnológico, por aplicação de uma metodologia numa perspectiva CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente), ainda que eventualmente não tenha sido educado segundo esta perspectiva?

Muito pouco/nada importante.

Pouco importante. Moderadamente importante. Muito importante. 3. Com que frequência costuma discutir, na sala de aula, problemas científicos de

interesse social ou tecnológico relativos a tópicos de Ciência (que esteja ou não a leccionar)?

Raramente. Uma vez por período. Uma vez por mês. Uma vez por semana.

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Universidade de Coimbra ______________________________________________________________________

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Em todas as aulas. 4. Se se depara com dificuldades em discutir na sala de aula, com alguma

frequência, problemas científicos de interesse social ou tecnológico relativos a tópicos de Ciência (que esteja ou não a leccionar), qual pensa ser o principal obstáculo com que se defronta?

O cumprimento de programas curriculares. A falta de formação dos professores no ensino das Ciências de orientação CTSA.

Os recursos didácticos.

Outro. Qual? ________________________________________________________ 5. Indique os dois últimos livros científicos ou de divulgação científica que sentiu

necessidade de ler para estar informado e actualizado sobre diversos temas de interesse social e tecnológico que poderão ser abordados em aulas de Ciências.

___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 6. Com que frequência costuma … 6.1 ver programas televisivos de âmbito científico e tecnológico?

Anualmente. Trimestralmente. Mensalmente. Semanalmente. Diariamente.

6.2 ler revistas de âmbito científico ou tecnológico ou de educação científica (ex. Education in Chemistry; Gazeta de Física; Science Education; Boletim da SPQ; The Physics Teacher; Physics Education ….)?

Anualmente.

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Mestrado em Ensino da Física e da Química ______________________________________________________________________

________________________________________________________________ 179

Trimestralmente. Mensalmente. Semanalmente.

6.3 ler revistas de divulgação científica (ex. Science & Vie; Quo; Scientific

American; La Recherche; Super Interessante...)?

Anualmente.

Trimestralmente. Mensalmente. Semanalmente.

6.4 trocar impressões/colocar dúvidas de âmbito científico com colegas e pessoas amigas que desenvolvam a sua actividade profissional como cientistas ou tecnólogos? Anualmente. Trimestralmente.

Mensalmente. Semanalmente. Diariamente.

7. Em sua opinião em qual das seguintes situações está a ocorrer ensino/aprendizagem de Ciência?

Um professor universitário expondo a Teoria da Selecção Natural de Darwin numa aula do primeiro ano.

Dois estudantes a trabalhar em conjunto numa biblioteca, resolvendo problemas ligados aos valores calóricos de diferentes alimentos.

Um professor do ensino básico procurando descrever a uma turma de alunos do 9º ano os passos para utilização duma técnica científica complexa aplicada à manipulação genética.

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Universidade de Coimbra ______________________________________________________________________

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Não se consegue formular uma opinião que dê resposta a esta questão, pelo que para o poder fazer necessito da seguinte informação adicional: ________________________________________________________________________________________________________________________________

Justificação da opção seleccionada na questão 7.: ________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________

PARTE II

Alguns Temas de Ciência Para o Público

8. A propósito da “camada de ozono” pode dizer-se que:

A expressão “camada de ozono” pretende designar a zona da atmosfera constituída apenas por ozono. A expressão “camada de ozono” pretende designar a zona da atmosfera onde é maior a concentração de ozono. A expressão “camada de ozono” pretende designar a zona da atmosfera onde a concentração de ozono é elevada. A expressão “camada de ozono” pretende designar a camada da atmosfera (estratosfera) onde é maior a concentração de ozono. A expressão “camada de ozono” pretende designar uma das camadas da atmosfera onde a concentração de ozono é elevada. A expressão “camada de ozono” pretende designar uma das camadas da atmosfera onde é maior a concentração de ozono.

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Mestrado em Ensino da Física e da Química ______________________________________________________________________

________________________________________________________________ 181

9. O que entende por “buraco do ozono”? ___________________________________________________________________

___________________________________________________________________ 10. Por que motivo o “buraco do ozono” está situado sobre a Antártida? ___________________________________________________________________

______________________________________________________________________________________________________________________________________

11. A propósito das chuvas ácidas pode dizer-se que: São originadas pelo aumento de dióxido de carbono. São originadas por radiações que vêm do Sol. São originadas sobretudo pela combustão de compostos de azoto e de enxofre. São originadas pelos fogos florestais. Outra. Qual? ______________________________________________________ 12. Um dos efeitos das chuvas ácidas é: A destruição do ozono estratosférico. A destruição dos edifícios e monumentos de granito. O aumento da actividade vulcânica. Outro. Qual? _________________________________________________ 13. Uma das causas do efeito estufa: São os fogos florestais. É a elevação da temperatura da Terra.

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Universidade de Coimbra ______________________________________________________________________

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São as chuvas ácidas. É a destruição do ozono atmosférico. Outra. Qual? ______________________________________________________ 14. O efeito estufa causa: A formação de chuvas ácidas. Apenas consequências com efeitos negativos que põem em risco a existência de

vida na Terra. A diminuição do ozono estratosférico. Outra. Qual? ______________________________________________________

15. A propósito de radiações ionizantes pode dizer-se que: Sempre que o ser humano é exposto a radiações, ionizantes ou não, sofre

consequências nefastas da exposição a que foi sujeito. Sempre que o ser humano é exposto a radiações ionizantes sofre, a longo prazo,

consequências nefastas da exposição a que foi sujeito. As radiações ionizantes têm efeitos somáticos, ou seja manifestam-se apenas no

organismo da própria pessoa exposta à radiação. No organismo dos seres humanos há órgãos mais sensíveis a radiações

ionizantes do que outros. Os raios X provocam mais danos nas células dos seres humanos do que a mesma

dose de radiação α. Todas as afirmações anteriores são verdadeiras. 16. A propósito de tipos de radiações ionizantes pode dizer-se que: A radiação infravermelha, ultravioleta e LASER são exemplos de radiações

ionizantes. A radiação infravermelha, ultravioleta e raios X são exemplos de radiações

ionizantes. A radiação infravermelha e ultravioleta são exemplos de radiações ionizantes.

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A radiação ultravioleta e raios X são exemplos de radiações ionizantes. A radiação infravermelha e raios X são exemplos de radiações ionizantes. A radiação LASER e raios X são exemplos de radiações ionizantes. Outra. Qual? ______________________________________________________ 17. A propósito do acidente com o petroleiro “Prestige”, ocorrido a 13 de

Novembro de 2002 ao largo da costa da Galiza, sugira conceitos que entenda serem possíveis de exploração nas aulas de Ciências, a partir de uma das situações apresentadas.

Arrastamento pelo vento das manchas de fuelóleo no mar. ___________________________________________________________________

______________________________________________________________________________________________________________________________________

Resistência dos tanques do petroleiro à pressão da água no fundo do mar. ___________________________________________________________________

______________________________________________________________________________________________________________________________________

Absorção de agentes cancerígenos bioacumulativos (hidrocarbonetos aromáticos

policíclicos) que o derrame de fuelóleo do “Prestige” deixou no mar. ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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Universidade de Coimbra ______________________________________________________________________

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FIM

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Mestrado em Ensino da Física e da Química ______________________________________________________________________

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(Ana Luísa Pinto da Silva)

Professora do Quadro de Nomeação Definitiva da Escola Secundária c/ 3º Ciclo do Ensino Básico de Tondela