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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA - FESP CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO JANINY JACIANA LEITE GOMES VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHADA NA INFÂNCIA JOÃO PESSOA 2009

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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA - FESP CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

JANINY JACIANA LEITE GOMES

VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHADA NA INFÂNCIA

JOÃO PESSOA 2009

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JANINY JACIANA LEITE GOMES

VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHADA NA INFÂNCIA

Monografia apresentada à Banca Examinadora da Fesp Faculdades, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Profª Mestre Luciane Gomes Área de Concentração: Direito de Família

JOÃO PESSOA 2009

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P667p Gomes, Janiny Jaciana Leite Vantagens e desvantagens da guarda compartilhada na

infância / Janiny Jaciana Leite Gomes - João Pessoa, 2009. 53f. Orientadora: Profª Luciane Gomes Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)

– FESP – Faculdade de Ensino Superior da Paraíba. 1. Impenhorabilidade salarial 2. Positivismo jurídico 3.

Colisão de direitos 4. Princípio da proporcionalidade I. Título.

FESP/BC CDU: 347.9(043)

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JANINY JACIANA LEITE GOMES

VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHADA NA INFÂNCIA

Aprovada em: ______ / ______ / 2009.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Profª Luciane Gomes

Orientador

__________________________________________________ Professor (a)......................................

Examinador

__________________________________________________ Professor (a)......................................

Examinador

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AGRADECIMENTOS

Obrigada, meu DEUS, por sua presença constante na minha vida, pelo auxílio

nas minhas escolhas, pelo conforto nas horas difíceis e principalmente pelas

bênçãos derramadas sobre mim.

A minha ORIENTADORA, professora Luciane Gomes, obrigada pela

paciência, apoio, carinho e por está me ajudando a realizar este sonho.

Agradeço aos meus PAIS, por estarem ao meu lado, por todo amor, carinho e

confiança em mim depositada;

A minha FILHA, Maria Eduarda, presente de Deus, a quem dedico meus

esforços e minha vida;

Aos meus IRMÃOS que nunca mediram esforços para me ajudar, dando-me

força para nunca desistir dos meus sonhos;

Aos meus CUNHADOS, minha CUNHADA E SOBRINHOS pelo incentivo e

confiança;

Aos meus AMIGOS companheiros nessa vitória e aos MESTRES por todos os

conhecimentos proporcionados ao longo dessa caminhada.

Enfim, a todos que colaboraram na construção desse trabalho, seja na

colaboração direta ou dedicando a sua amizade e apoio. A todos, muito Obrigada!

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“(...) Vamos precisar de todo mundo.

Um mais um é sempre mais que

dois. Para melhor juntar as nossas

forças. É só repartir melhor o pão.

Recriar o paraíso agora. Para

merecer quem vem depois”

Beto Guedes

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RESUMO

A ruptura dos relacionamentos familiares é um fato social com implicações

nas mais diversas searas, que vão desde os aspectos psico-sociais até as questões atinentes aos destinos dos membros que compõem a entidade familiar. Na busca pela implementação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, diversos estudos foram empreendidos com vistas a encontrar o modelo mais adequado de guarda dos filhos. Mesmo na ausência de previsão legislativa, muitos magistrados, adotando postura bastante vanguardista, passaram a aplicar aos casos concretos que lhes eram apresentados a denominada “guarda compartilhada”, sempre que se revelasse a medida a mais adequada aos seus destinatários e desde que houvesse um mínimo de convivência harmoniosa entre seus pais. Em resposta aos anseios da sociedade e dos operadores do Direito que atuam na seara do Direito de Família, foi editada, em 13 de junho de 2008, a Lei n. 11.698, também conhecida como a Lei da Guarda Compartilhada. Em decorrência da nova normativa, a modalidade compartilhada passa a ser a regra na fixação da guarda e a exclusiva ou unilateral a exceção, sempre devendo ser observado o melhor interesse na criança, quando da opção. Passa, assim, a ocupar espaço ainda mais ampliado, com o objetivo de possibilitar aos genitores participação mais pró-ativa na vida e no desenvolvimento de seus filhos, ao exercerem conjuntamente os deveres impostos pelo poder familiar. É tema de grande complexidade, que envolve não apenas questões jurídicas, mas vários aspectos, a exemplo dos psicológicos, sociais e emocionais. Consiste, em regra, portanto, na solução que atende ao princípio do “melhor interesse da criança e do adolescente”, encartado no Estatuto da Criança e do Adolescente. As decisões que a envolvem devem ser tomadas de forma conjunta, com espírito cooperativo, estabelecido com base no diálogo entre os genitores, que devem deixar à margem suas incompatibilidades pessoais, em especial nas decisões atinentes à educação, saúde, religião, procedimentos médicos eletivos, tratamento psicológico, atividades extracurriculares e férias, que impactam decisivamente no desenvolvimento salutar da criança. O essencial é que o exercício da guarda compartilhada se dê de modo a oportunizar a participação efetiva e o contato contínuo do filho com ambos os pais, com vistas ao seu pleno desenvolvimento.

Palavras chave: Guarda compartilhada. Melhor interesse do menor. Participação

dos pais.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................7 1 O PODER FAMILIAR .......................................................................................9 1.1 Delineamentos Históricos e Evolução..........................................................9 1.2 Poder familiar e a Igualdade entre os cônjuges.........................................16 1.3 Suspensão, Perda ou Extinção do Poder Familiar ....................................19 2 GUARDA DE FILHOS....................................................................................23 2.1 Noções Gerais...............................................................................................23 2.2 Direitos e deveres dos pais em relação aos filhos ....................................26 2.3 A realidade atual das relações familiares...................................................27 3 GUARDA COMPARTILHADA .......................................................................31 3.1 Análise da Guarda Compartilhada ..............................................................31 3.2 Origem da Guarda Compartilhada ..............................................................35 3.3 Guarda no Direito Brasileiro ........................................................................36 4 A GUARDA COMPARTILHADA APLICADA ................................................39 4.1 Reflexos essenciais da aplicação prática da modalidade compartilhada ... ........................................................................................................................40 4.1.1 Residência ......................................................................................................40 4.1.2 Educação........................................................................................................42 4.1.3 Responsabilidade civil dos pais ......................................................................43 4.2 Vantagens da Guarda Compartilhada.........................................................46 4.3 Desvantagens da Guarda Compartilhada...................................................48 CONCLUSÂO ...........................................................................................................51 REFERÊNCIAS.........................................................................................................52

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INTRODUÇÃO

O tema a ser versado no presente estudo apresenta algumas dificuldades, eis

que se trata de objeto que envolve questões de diversas searas, demonstradas no

decorrer do trabalho. Serão abordados aspectos diversos acerca das conseqüências

da fixação da guarda no bem-estar de crianças, que enfrentam as repercussões

psicológicas no âmbito familiar, quando da ruptura do relacionamento de seus pais.

É questão bastante delicada aos olhos dos estudiosos do problema.

Outrossim, verifica-se a busca incessante pela modalidade de guarda mais

adequada aos casos concretos que se apresentam, por intermédio de leis, doutrinas

e julgados. Para tanto, não se pode olvidar do princípio basilar do estabelecimento

da guarda, qual seja, do melhor interesse da criança e do adolescente, que serve de

norte para a busca da minimização das conseqüências maléficas, que parecem

inevitáveis, decorrente do fim da relação dos pais, no sentido de mitigar os traumas

e seqüelas futuros sofridos pelos filhos, o que se dá por meio do estímulo e

acompanhamento contínuo de ambos os pais no que se refere à formação,

educação, apoio, aconselhamento, cultura e encaminhamento para sua vida social,

independentemente da ruptura do relacionamento que vivenciaram.

Objetivando avançar na compreensão da problemática que envolve a guarda

dos filhos, serão traçados alguns parâmetros histórico-psicológicos que contribuíram

para um melhor entendimento e, via de conseqüência, contribuição na busca pela

solução mais adequada com vistas ao bem-estar da prole que vivencia momentos

de difícil aceitação dentro do seu mundo cotidiano, advindos da separação entre

seus pais. Essa ruptura, por vezes, ocasiona certa descaracterização diante da sua

compreensão de família, por quebrar a convivência entre um casal e uma criança

dentro de um mesmo ambiente, acaba por ensejar a formação da família

monoparental, tutelada expressamente pela Constituição Federal.

No deslinde de questões envolvendo a guarda, a psicologia desempenha

papel fundamental, ofertando suporte emocional a todos os membros envolvidos no

processo e contribuindo com elementos de valia para a formulação de propostas

conducentes a resultados de maior benefício para os envolvidos.

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Em suma, o estudo da guarda compartilhada restará calcado no critério do

melhor interesse da criança, estabelecido pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, que objetiva o aperfeiçoamento das relações paterno-filiais, em que um

dos pais recebe a incumbência de ficar com os filhos sob os seus cuidados, cabendo

ao outro, salvo em casos excepcionais, o direito à visita e à participação efetiva em

todas as atividades desenvolvidas pelas crianças. Dessa feita, mister frisar o

cuidado com o valor jurídico no que se refere aos princípios constitucionais

concernentes à família.

Levando-se em consideração que os pais são os maiores interessados na

melhor criação, educação e formação dos seus filhos, deve a guarda compartilhada

servir de instrumento apaziguador, minimizando a dor, o sofrimento e a angústia dos

envolvidos numa separação, no árduo caminho da solução para os problemas

resultantes do fim da parceria entre os pais e que acaba por trazer efeitos danosos

aos filhos.

Traduz-se em assunto bastante palpitante e, ao mesmo tempo, delicado,

chamando atenção em especial por não se tratar, exclusivamente, de uma visão

jurídica, mas sim de interação ou interdisciplinaridade de vários ramos do

conhecimento, que contribuem na compreensão da importância da criança nos

padrões familiares, bem assim no enquadramento da guarda compartilhada como

uma nova e eficaz modalidade de exercício da guarda dos filhos.

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1 O PODER FAMILIAR 1.1 Delineamentos Históricos e Evolução

Salutar que se faça um apanhado histórico-social das realizações e profundas

modificações que marcaram o Direito de Família.

A legislação civil sofreu inúmeras modificações, no intuito de suprir lacunas

decorrentes da nova ordem constitucional, bem assim impelidas pelos clamores

sociais.

O germe do novel Direito Civil remonta ao ano de 1972, momento em que o

jurista e filósofo Miguel Reale, juntamente com comissão de grandes professores,

elaborou anteprojeto do Código Civil, que culminou na apresentação ao Poder

Executivo do projeto definitivo n° 634/75, enviado ao Congresso Nacional, aprovado

pela Câmara dos Deputados, seguidas de algumas alterações, somente em 1984.

Devido ao lapso temporal, alguns aspectos do anteprojeto se apresentavam

ultrapassados. Ademais, exigia algumas modificações decorrentes dos novos

dispositivos constitucionais, bem assim dos diplomas legais deles decorrentes, a

exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

Desse modo, impende destacar a importância do trabalho de Reale, que,

juntamente com José Carlos Moreira Alves, ficaram incumbidos de restaurar e dar

andamento ao anteprojeto1.

Após longos anos de espera, finalmente sua aprovação se dá com a edição

da Lei n° 10.406/02, constituindo a nova Legislação Civil Brasileira, devendo-se

ressaltar, contudo, que a estrutura do Código Civil de 1916 foi praticamente mantida,

permanecendo muitos artigos com a mesma redação.

Com relação ao Direito de Família, atrelado ao tema em análise, Denise

Damo Comel leciona: “O novo código civil veio embasado no sentido social, em

relação, principalmente, ao individualismo do velho código que ainda estava calçado

em idéias ultrapassadas e tradicionalistas do século XIX”. 2

1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Novo código civil: texto comparado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.31. 2 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar.São Paiulo:Revista Dos Tribunais, 2003. p.53.

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Dessa feita, dentro desse panorama histórico, inúmeras evoluções foram

implementadas pela Legislação Civil, trazendo alterações marcantes nas relações

familiares, em especial no que atine à isonomia de direitos e deveres entre homens

e mulheres pela Constituição Federal de 1988, no seu art. 5°, I.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

No Código Civil de 1916, era bastante evidenciada a importância da figura

paterna para a sociedade familiar. A esse respeito, Ana Carolina Silveira Akel

expressa comentário bastante pertinente: Defere ao varão, ou seja, ao pai, o pátrio poder, em razão de ser o chefe da sociedade conjugal, cabendo a mulher apenas colaborar, ou melhor, co-participar na função do exercício de tal poder, que lhe era conferido, tão somente, na falta ou impedimento paterno ao exercício e a chefia de sociedade conjugal. 3

Percebe-se claramente a desigualdade então existente entre o homem e a

mulher, verificando o privilégio tamanho da figura do pai e marido (chefe de família)

e a preterição da mulher na sociedade, principalmente no âmbito familiar,

posicionando-se, não raro, como mera peça figurativa, com o papel apenas de

reprodução e de projeção da figura do consorte, não desempenhando papel de

destaque na sociedade conjugal.

Diante do panorama familiar que se apresentava, salutar foi à modificação do

Ordenamento Jurídico, tendo em vista que não mais se coadunava com os ditames

sociais, encontrando-se em descompasso com a visão moderna de família, na qual

as figuras paterna e materna desempenham funções de grande relevância para a

formação da família, atendidas de plano pelas normas constitucionais. Do mesmo

modo, vários artigos da legislação civil foram derrogados por leis complementares,

em especial pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que se traduziu na

esperança de nova visão familiar e da aplicação efetiva do princípio da isonomia

3 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.7.

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entre o homem e a mulher, bem como do melhor interesse da criança e do

adolescente, como se pode inferir do artigo 21 do diploma legal em apreço. 4

Adentrando mais especificamente em tema afeto ao trabalho em

desenvolvimento, convém traçar algumas considerações acerca da evolução

histórica do instituto do poder familiar.

Inicialmente, convém analisar a problemática da terminologia “pátrio poder”,

substituída pela expressão “poder familiar”, alteração promovida em decorrência de

inúmeras discussões entre os operadores do Direito.

Ana Carolina Silveira Akel narra: Na verdade, a alteração teve como fundamento o fato de que a expressão pátrio poder denota, imediatamente, a idéia da prevalência da figura paterna sobre os filhos, o que não é verdade, uma vez que a designação pátrio, a muito tempo, se dissociou do elemento masculino da paternidade.5

De outro lado, “poder familiar” é expressão que evidencia a isonomia de

sexos assim existentes, abrangendo não apenas a sociedade em geral, mas a

própria sociedade conjugal, conferindo, o Estado, aos pais de forma simultânea a

incumbência legal da responsabilidade perante a prole, tendo como característica

marcante a proteção da pessoa do filho, sujeito em desenvolvimento.

Akel conclui seu posicionamento: Entretanto, a modificação da nomenclatura não traduz a criação de um novo instituto jurídico, mas uma nova denominação adequada ao texto constitucional e compatibilizada com o avanço marcante e profundo da sociedade mundial6.

A denominação, consoante apontado anteriormente, foi alvo de incontáveis

críticas, sustentando alguns que seria muito mais adequada a expressão “autoridade

parental”. O vocábulo autoridade traduz de maneira mais explícita o sentido do

exercício da função e seria forma eficiente de ratificar o direito e dever exercido

pelos pais. Em relação à palavra parental, configura-se em modo interessante de

exprimir a relação de parentesco entre pais e filhos.

Anteriormente só o pater - o pai - desempenhava domínio total perante a

família e o patrimônio. Nesta época prevalecia um regime patriarcal onde o “pater

4 Art. 21, ECA: “O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, na forma do que

dispuser a legislação civil, assegurando a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência”. 5 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.9. 6 Ibidem. 2008. p. 9.

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familia” era considerado a autoridade absoluta sobre tudo e todos. De acordo com

algumas evoluções, o poder paternal foi tomando novas diretrizes, no qual ficou

restrito às leis, passando assim, de poder para dever. Portanto, aos pais foi

repassado o dever de educar seus filhos, administrar ou colaborar na administração

dos bens dos mesmos.

Com base nessa evolução, é bastante salutar que se tenha a preocupação de

traçar as principais evoluções ocorrentes no conceito de poder familiar.

Tudo parte da prerrogativa do Direito Romano, cuja característica

fundamental da família estava fundada sobre relações de poder, que tinham como

base uma profunda desigualdade entre indivíduos do próprio corpo familiar.

Historicamente, quando ocorre um desenvolvimento no instituto familiar,

observa-se que, atrelado a tal evolução, nasce uma estrutura jurídica, econômica e

principalmente religiosa, a partir da figura do pater. O papel da mulher perante a

família foi colocado em uma posição de inferioridade, eis que era considerada

incapaz de se manter a frente de sua própria vida, igualando-se aos filhos. Assim, o

pátrio poder era exercido somente pelo pai e os demais membros da família eram

comparados a objetos, na qual estavam inclusos a esposa, os filhos, os escravos e

os assemelhados.

É visível que o poder do pai era absoluto, ou seja, sem limites e sem fim. O

mesmo possuía o direito de expor, vender, ou até mesmo matar seu próprio filho.

Em relação à mulher, que também se enquadrava como propriedade do homem, era

usada literalmente para procriação e para suprir as necessidades biológicas

masculinas. A mesma estava à mercê da vontade do pater, podendo ser capturada,

comprada, trocada ou recebida como recompensa. Em suma, o papel da mulher

nessa época, era de reles serva do homem. 7

A expressão “Pátrio Poder” é encontrada em diversas línguas de povos

arianos, gregos, romanos e hindus e com idênticos sentidos, significando autoridade,

dignidade majestosa, diferindo do atual sentido de poder familiar, até porque não

mais prevalece a concentração da autoridade apenas na figura paterna, bem assim

a paternidade carnal, de sangue, eis que se reconhece, a cada dia de modo mais

ampliado, a paternidade sócio-afetiva.

7 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.11.

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Entre os romanos da época, ou mesmo os povos antigos em geral, a origem

do “pátrio poder” tem fundamento na religião, isto é, o “pater” seria o chefe de um

culto religioso aos antepassados.

Ana Maria Milano Silva retrata a capacidade da pessoa física no direito

romano: Quanto à capacidade da pessoa física no direito romano, em se tratando de família, era definida como sui juris (capaz) e alienae juris (incapaz). Aqueles compreendidos no rol do sui juris eram senhores de sua pessoa, possuindo personalidade jurídica e patrimônio próprio, podendo desse se servir como melhor lhes aprouvesse. Já as chamadas alienae juris estavam sob o julgo do pater familias e não possuíam patrimônio nem personalidade jurídica, dependendo sempre de outrem.8

Deve-se salientar que essa autoridade paternal existente era a forma

estabelecida para impor a disciplina dentro do lar e na sociedade no todo. Ademais,

verifica-se que poucos possuíam a capacidade plena. Os filhos e mulheres não eram

dela dotados e dependiam irremediavelmente do pater.

Assim destaca Silvio Rodrigues: [...] essa concepção rigorosa do pátrio poder se abranda com o tempo, não sendo indiferente a esse abrandamento a influência do estoicismo e do cristianismo. Todavia, tal influência não é exclusiva, nem definitiva, pois, mesmo antes do cristianismo já esmaece o rigor do pátrio poder. 9

Nas lições de Waldir Grisard Filho havia um conflito entre a tradição romana e

o mundo germânico:

[...] a tradição romana, mantida nos países de direito escrito, consagrava a predominância do pai em detrimento do filho e lhe atribuía um poder perpétuo sobre seus descendentes. O munt germânico concebia o pátrio poder como um direito e um dever dos pais orientados à proteção dos filhos (é o gérmen da Doutrina da proteção integral, perfilhada pela Lei 8.069/90) como parte de uma proteção mais geral projetada para todo o grupo familiar, em evidente reação à tradição romana: seu exercício era temporário, suas funções eram também atribuídas à mãe e não impedia que os filhos possuíssem bens.10

Com o passar do tempo, o cristianismo foi modificando a visão no que se

refere à igualdade entre os cônjuges e a figura da mulher e, consequentemente,

começou a pregar um dever dos pais perante seus filhos nos cuidados relacionados

à educação social, cultural, moral, religiosa e física. A mulher era considerada uma

8 SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre a guarda compartilhada. 2. ed. São Paulo: JH Mizuno 2008. p. 15. 9 RODRIGUES, Silvio. Direito de família. direito civil. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 352. v.6. 10 GRISARD, Waldir Filho. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 30.

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criação condicionada à vontade do homem, isto é, Deus a teria retirado da costela

de Adão para satisfazê-lo, mas tal concepção não prevalecia à idéia de que, diante

disso, ocorreria, assim, um vínculo de afeição entre o homem e a mulher e,

principalmente, uma complementação entre ambos, visão que inexistia no Direito

Romano.

Novas idéias foram se dissipando entre os países, inclusive no Brasil, disso

decorrendo transformações profundas, presentes nas legislações.

Segundo Ana Maria Milano Silva, “a figura exclusiva do pai vai se emanando,

enquanto que a mãe vai a ele se igualando”. 11

Verifica-se, portanto, que o ordenamento pátrio acompanhou as novas idéias

e o poder familiar tal como concebido atualmente possui raízes no munt germânico e

não no direito romano, ao contrário do que sói acontecer no Direito em geral, uma

vez que o direito germânico reconhecia o exercício pela mulher e, já naquela época,

falava em poder e dever.

Acerca do conceito de poder familiar, vale trazer os ensinamentos de Maria

Alice Zaratin Lotufo, que o define como “o conjunto de direitos e deveres, atribuídos

aos pais, no que tange à pessoa e aos bens dos filhos menores, com a finalidade de

proporcionar-lhes subsistência, educação e proteção” 12.

Destarte, os filhos enquanto menores estão ligados direto e indiretamente ao

poder familiar, assim como preceitua o artigo 1.630 do CC. Tanto os direitos quanto

os deveres devem ser exercidos de forma conjunta, por ambos os pais, dentro de

um ambiente de compreensão, entendimento e harmonia, para que a prole sinta

uma segurança familiar e conte com bom alicerce na infância, que influenciará sua

personalidade quando adulto.

A esse respeito, Silvio Rodrigues comenta: Dentro da vida familiar o cuidado com a criança e educação da prole se apresenta como a questão mais relevante, porque as crianças de hoje serão os homens de amanhã, e nas gerações futuras é que se assenta à esperança do porvir. Daí a razão pela qual o Estado moderno sente-se legitimado para entrar no recesso da família, a fim de defender os menores que aí vivem.13

11 SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre a guarda compartilhada. 2. ed. São Paulo: JH Mizuno, 2008. p.17. 12 LOTUFO, Maria Alice Zaratin. Curso avançado de direito civil: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.254. v.5. 13 SILVIO RODRIGUES apud BARBOSA, Heloísa Helena. Poder familiar em face das práticas médicas.

Revista do Advogado, ano 24, n.76, 2004. p. 40.

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Maria Helena Diniz também deixa explícita a importância que os pais têm

perante seus filhos, ressaltando a obrigação, a proteção, a segurança, que ambos

têm até que adquiram a emancipação ou maioridade. A proteção dos pais sobre os filhos advém de uma necessidade natural, uma vez que todo ser humano, durante sua infância, precisa de alguém que o crie, eduque, ampare, defenda, guarde e cuide de seus interesses, regendo sua pessoa e seus bens. 14

Por seu turno, Arnold Wald entende que o poder familiar constitui uma relação

jurídica, no sentido de que une pais e filhos, não emancipados, por um vínculo de

direitos e deveres, encontrando-se, ainda, quem sustente que se trata de verdadeiro

poder jurídico, delegado pelo Estado aos pais, no interesse da família. 15

A presença constante dos pais na vida de seus filhos é de tamanha

importância, porém os mesmos adquirem uma melhor segurança e uma

confiabilidade perante seu desenvolvimento social, dando assim, melhor bem-estar

para o menor. A prole necessita não apenas do econômico dos pais, como ainda,

do amor, da proteção, do carinho e da atenção dos mesmos para que ocorra uma

minimização da dor, da angustia e do sofrimento causado com o fim da relação

matrimonial que acaba afetando direto ou indiretamente na vida dos seus filhos.

Ana Carolina S. Akel faz comentário pertinente acerca do instituto do poder

familiar: Tal dispositivo ratifica o entendimento de que o pátrio poder, hoje denominado poder familiar, deverá ser exercido de forma conjunta pelo pai e pela mãe, reconhecendo, ainda, de forma enfática, o direito que todo menor tem de ver exercido esse poder, função protetiva imposta pelo Estado dos genitores sobre o menor16.

O poder familiar, portanto, no desenvolvimento da história do ser humano,

apresentou, de maneira evolutiva, inúmeras e profundas modificações.

Deve salientar que a guarda, objeto deste estudo, é uma das facetas do poder

familiar, porém dela pode se dissociar.

Na visão de Ana Maria Milano Silva, Pátrio Poder decorre do status do pai ou

mãe, que está inserido tanto em filiação natural ou na adotiva. O poder familiar

abarca a guarda, mas podem estar distanciadas. De acordo com a autora: “[...] É 14 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 439-440. v.5. 15 ARNOLD, Wald. Curso de direito civil Brasileiro: direito de família. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p.175. 16 KEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.19-20 .

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perfeitamente possível a sua separação. Pode, portanto, uma pessoa deter a

Guarda sem ser titular de o Pátrio Poder e ser titular do Pátrio Poder sem deter a

guarda”17.

No mesmo sentido, os ensinamentos de Yussef Said Cahali, para quem a

“Guarda dos filhos, não é da essência, mas tão só da natureza do Pátrio poder” 18.

Percebe-se, dessa feita, que o ordenamento pátrio pretende o melhor

desenvolvimento do poder familiar, de modo a incluir, em regra, a guarda em seu

feixe de direitos e deveres. Contudo, quando não se afigurar o melhor para os filhos,

a guarda é retirada, ainda que temporariamente, da figura do pai ou mãe faltante e

deixada a cargo de apenas um dos pais ou, ainda mais excepcionalmente, de

terceiros.

De fato, percebe-se que o pensamento moderno vem caminhando de modo a

adotar entendimento mais consentâneo com as necessidades dos filhos, que vem

sendo acompanhado pela legislação civil, ainda que de forma paulatina, contribuindo

primordialmente para o melhoramento e aperfeiçoamento do Direito de Família.

Salutar, portanto, que a legislação priorize a entidade familiar, colocando em

prática a importância da relação entre pais e filhos, destacando sempre que os pais,

indiferentemente do relacionamento findo, possuem filho em comum e que necessita

de relações mais isonômicas, amorosas, sentimentais e, principalmente, com a

presença de ambos, para um bom desenvolvimento psico-social, desenvolvendo, em

conjunto, as atribuições decorrentes do poder familiar, com destaque, nos limites

deste estudo, para o direito-dever de guarda.

1.2 Poder familiar e a Igualdade entre os cônjuges

A visão romana propagada, propagada por largo tempo no ordenamento

pátrio, encontrou guarida nas Ordenações do Reino, que foram transpassadas para

o Brasil pela Lei de 20 de outubro de 1823, conferindo total poder e domínio ao pater

família [...]. Naquele período, “o homem era o chefe da sociedade conjugal, a

17 SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre a guarda compartilhada. 2. ed. São Paulo: JH Mizuno, 2008. p.30-38. 18 CAHALI, Yussef Said. A importância do instituto da guarda. Revista do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, n.133, p.12, 1991.

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17

‘cabeça do casal’, enquanto a mulher, relativamente incapaz, necessitava de seu

amparo e de sua autorização para a prática de atos da vida civil”. 19

Cabia, à época, à mulher, a tarefa de educar seus filhos e, ao homem, o

provimento da família, a decisão acerca de questões familiares e a preservação do

título de chefe de família ou “cabeça do casal”.

De conformidade com o que prescrevia o artigo 380, parágrafo único, do

Código Civil de 1916, observa-se que era preservado o paradigma do direito

romano, que conferia um maior poder patriarcal: Art. 380. “Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade. Parágrafo Único. Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvando a mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência.

O dispositivo em apreço calcou-se na Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1942,

denominado Estatuto da Mulher Casada e que conferia à mãe a condição de colaboradora do pai, no exercício do pátrio poder.

Por sua vez, a Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, em seu art. 27,

indica que o pai e a mãe são titulares de encargos parentais, que persistem mesmo

após o divórcio ou quando sobrevenha novo casamento de qualquer dos pais, muito

embora a guarda de filho seja atribuída a somente um deles, à luz do art. 16 do

decreto - Lei 3.200/41 e do art. 381 do Código Civil de 1916. Verifica-se que foi um

primeiro passo na atribuição de responsabilidade conjunta a ambos os pais nos

destinos dos filhos, antes mesmo da modificação implementada pela nova ordem

constitucional.

O grande marco, entretanto, da evolução legislativa ocorreu com a

promulgação da Constituição Federal de 1988, que, dentre outros mandamentos,

preconizou a igualdade dos cônjuges na condução da família, seguida pela Lei n.

8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, não havendo mais que se falar em

qualquer desigualdade entre o homem e a mulher, isto é, entre o pai e a mãe, não

vigorando mais a terminologia “submissão”, mas colaboração, a partir da atuação

conjunta e igualitária.

19 BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em:<http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-F_81.pdf>. Acesso em: 14 set. 2009.

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18

Com a evolução, consoante apontado anteriormente, o termo “Pátrio Poder”

apresentou modificações, havendo doutrinadores que propugnam ainda agora a

modificação para a expressão “Autoridade Parental”, a exemplo de Eduardo de

Oliveira Leite, ao lecionar que: [...] preferimos o termo “autoridade parental” ao termo “pátrio poder”, de conotação romântica e que privilegiava a “potestas” masculina, inadmissível no atual estágio da evolução do direito brasileiro. Na realidade é unânime o entendimento de que o pátrio poder é muito mais pátrio dever, mas não só “pátrio”, na ótica do constituinte de 1988, mas sim “parental”, isto é, dos pais, do marido e da mulher, igualados em direitos e deveres, pelo art. 226, § 5º, da nova Constituição. 20

A igualdade entre os pais é alegada de maneira bastante explícita nos

dispositivos da nossa Lei Maior, onde no seu artigo 5°, inciso I, é demonstrada a

isonomia perante homem e mulher no chamado “poder familiar”. Tal poder tem sido

tutelado pelo Estado a luz do art. 226 em seu caput e parágrafo 5º do mesmo artigo

da CF/88, dando aos genitores uma segurança no que atina ao exercício de seus

direitos. 21

Ainda no artigo 226, parágrafo 5º da Constituição Federal de 1988 e o artigo

21 do Estatuto da Criança e do Adolescente deixam firmada a igualdade de

condições entre pai e mãe, sendo consolidado mais adiante com Código Civil de

2002 em seu artigo 1.511 ratificando a igualdade de direitos e deveres dos

cônjuges22.

Depreende-se, portanto, que, a partir dos avanços experimentados na seara

do Direito de Família, preconizados pela Constituição Federal de 1988, o poder

familiar tem atualmente um aparato na igualdade entre os pais, devendo ambos

assumirem todos os direitos e obrigações perante seus filhos. Atualmente,

considera-se bom pai e boa mãe aqueles que participam efetiva e assiduamente no

desenvolvimento de todas as esferas da vida de seu filho, refutando-se aqueles que

apenas contribuem financeiramente para o seu desenvolvimento.

20 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparenatis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.192. 21 Art. 5º, I, CF. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”; Art. 226, § 5º, CF – “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 22 Art. 21, ECA. “O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência”.

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19

1.3 Suspensão, Perda ou Extinção do Poder Familiar

Pela sistemática do Código Civil de 1916, o que de fato se propagava, de

início, era a indissolubilidade do casamento, admitindo-se apenas a possibilidade do

desquite, que não colocava fim ao vínculo matrimonial por completo, com a guarda

estabelecida ao cônjuge denominado “inocente” ou não culpado pela dissolução,

maneira de recompensar o cônjuge não causador do término do relacionamento

pelas consequências danosas do rompimento.

Havendo culpa de ambos pela dissolução do matrimônio, a guarda dos filhos

menores ficaria com a mãe, cabendo ao juiz verificar a inexistência de prejuízo de

ordem moral para as crianças. Caso a mãe fosse culpada pelo término do

casamento, não podiam ficar na comitiva da mãe, deixando assim de priorizar o

direito da criança e olvidando as melhores condições para o seu desenvolvimento.

A Lei nº. 6.515/77 ratifica a questão do “cônjuge inocente”, no qual os filhos

menores ficarão sobre a guarda do cônjuge que não houver dado causa à

dissolução do casamento e em caso de motivos considerados graves era facultado

ao juiz decidir diversamente23.

De acordo com Maria Berenice Dias: A Constituição Federal de 1988, ao consagrar o princípio da igualdade e assegurar ao homem e a mulher os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (art. 226, §5°) baniu discriminações, produzindo reflexos significativos no poder familiar. Deixou de vingar a vontade do pai. Da mesma forma, o ECA, ao dar prioridade absoluta à criança e o adolescente, transformando-os em sujeitos de direito, trouxe toda uma nova concepção, destacando os direitos fundamentais das pessoas de zero a 18 anos. 24

A culpa deixou de ser o grande norteador do estabelecimento da guarda,

cedendo espaço à efetivação do princípio do melhor interesse da criança e do

adolescente, objetivo maior do Direito de Família.

Maria Berenice Dias enfoca ainda um questionamento bastante pertinente

acerca do término do relacionamento e a posição do filho perante tal situação:

23

LEI DO DIVÓRCIO, Art. 13 - Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais. 24 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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20

O fim do relacionamento dos pais não leva à cisão, nem quanto aos direitos nem quanto aos deveres com relação aos filhos. O rompimento da relação de conjugalidade dos genitores não pode comprometer a continuidade dos vínculos parentais, pois o exercício do poder familiar em nada é afetado pela separação. O estado de “família é indisponível”. 25

Observa-se que a unidade familiar persiste de algum modo, mesmo

posteriormente à separação de seus componentes, é um elo que se perpetua de

geração para geração.

A fiscalização do cumprimento de deveres e obrigações dos pais ante seus

filhos é de responsabilidade do Estado, tendo a possibilidade de impor sanções,

caso necessário, a exemplo da suspensão do poder familiar, caso ocorra

comportamento negativo dos pais com seus filhos, seja referente à pessoa ou aos

seus bens, de conformidade com o prescrito pelo artigo 1.637 do CC, in verbis: Art. 1637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente ou o Ministério Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

A gravidade do caso é o que determinará a suspensão do poder familiar,

cabendo ao juiz analisar o que lhe for apresentado e comprovado. A sentença

poderá abranger todos os filhos, alguns ou apenas um e cessará a suspensão se

comprovada a regularização dos atos que a geraram.

A perda ou destituição do poder familiar se dá em casos mais graves, a

exemplo de atos de agressão aos deveres paternos que restarem comprovados. Tal

medida poderá atingir apenas um dos genitores ou ambos e, caso não tenha

condição de assumir o encargo um dos genitores, o juiz deverá nomear tutor ao

menor.

O artigo 1.638 do CC deixa explícita tal posição, destacando que o pai ou a

mãe perderá o poder familiar se castigar imoderadamente o filho, se o deixar em

abandono e se praticar atos contrários à moral e aos bons costumes.

Por sua vez, extingue-se o poder familiar pela morte dos pais ou do filho, pela

emancipação, nos termos do parágrafo único do art. 9º, pela maioridade, pela

adoção e pela perda do poder familiar, na forma do artigo 1638.

25 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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21

Percebe-se, portanto, que a extinção, a par de outros motivos, inclui a perda

do poder familiar, sendo uma de suas modalidades.

Nos incisos I e III do artigo 1635, atinente à extinção do poder familiar,

atinente à morte e à maioridade, há referência a causas involuntárias da extinção do

Poder Familiar, não tendo a vontade das partes o condão de interferir na ocorrência

das mesmas.

Por sua vez, os incisos II, IV e V, referem-se a causas voluntárias, pois a

ocorrência das mesmas depende das partes envolvidas.

O atual Código Civil trata, portanto, da extinção do poder familiar em artigo

1.635, mantendo o inciso I do CC de 1916, afirmando que a morte dos pais ou do

filho extingue o Poder Familiar. O inciso IV do mesmo artigo manteve a adoção

como forma de extinção do poder familiar.

Ainda no mesmo artigo houve acréscimo do inciso V, incluindo a decisão

judicial nos termos do artigo 1.638 como forma de extinção do poder familiar.

O inciso II trata-se da emancipação, remetendo-se ao artigo 5º, que alterou a

idade da cessação da menoridade, abreviando-a para 18 anos completos, momento

em que atinge a prática de todos aos atos da vida civil.

Portanto, embasando-se nas diversas definições, observa-se que o poder

familiar consiste numa igualdade de condições, no qual os pais são responsáveis

pelo cumprimento de todas as atribuições que lhes são atribuídas pela lei. Assim, os

pais têm o direito e dever de assistir, criar e educar seus filhos menores, de acordo

com o preceituado pelo artigo 229 da Constituição Federal, pelo artigo 22 do ECA e

pelo artigo 1.634 do Código Civil em vigor.

Merecem destaque, ademais, os dizeres de Silvana Maria Carbonera, para

quem: A autoridade parental traduz uma relação onde os pais dirigem seus esforços e proteção para proporcionar aos filhos todas as condições possíveis e necessárias de criação e desenvolvimento de suas personalidades. Por conseguinte, compete primordialmente aos pais assegurar os cuidados necessários para o desenvolvimento da personalidade do filho, o que corresponde, também às necessidades psicológicas dos pais e um profundo enriquecimento de suas vidas, fundados tanto na determinação legal como na existência de afeto entre os sujeitos da família. 26

26 CARBONARA, Silvana Maria. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Frabis, 2000. p.71.

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22

Verifica-se, portanto, que o feixe de deveres atrelados ao poder familiar é

vasto, devendo ser desenvolvido de modo a proporcionar aos filhos o melhor

desenvolvimento psico-social, sob pena da imposição de sanções, a exemplo da

suspensão e da perda do poder familiar.

Impende ressaltar, com referência aos pais separados, é explícito, sem

sombra de dúvida, embasando-se na Lei Maior, no Novo Código Civil ou no ECA,

que os pais precisam desempenhar funções que são atribuídos a ambos, apesar de

não permanecerem mais no mesmo ambiente. Para tanto, essencial se faz que a

autoridade e proteção se dêem até que os seus filhos alcancem à maioridade ou

adquiram a emancipação. Entretanto, cumpre ressalvar que, mesmo o filho

adquirindo a maioridade ou emancipação, não há de se perder de vista todos os

valores necessários ao seu pleno desenvolvimento, a exemplo do respeito entre os

membros da família, do amor, do afeto, em suma, sentimentos que devem perdurar

em cada etapa da vida de um filho.

Dessa feita, diante de toda a mudança de paradigma ocorrida ao longo do da

história e de todo o processo evolutivo do Direito de Família, importante se faz

destacar que o legislador atentou para a necessidade de valorização do organismo

familiar regrado, conveniente e moderno, disso decorrendo a necessidade de que

ocorra a responsabilidade compartilhada do casal, contribuindo não apenas para o

crescimento familiar, como também para a criação saudável dos filhos, com mútua

colaboração, desempenhando o papel de preservar a integridade, a moralidade e

proporcionar o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, possibilitando

que se tornem indivíduos centrados e de boa índole.

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23

2 GUARDA DE FILHOS 2.1 Noções Gerais

Objetivando melhor enquadramento e compreensão acerca do estudo em

desenvolvimento, convém traçar algumas linhas a respeito da definição do instituto

da guarda, antes de se abordar as modalidades de seu exercício, ofertadas pelo

ordenamento pátrio. Compulsando-se a obra de De Plácido e Silva, verifica-se que: O vocábulo guarda é derivado do antigo alemão Wargen (guarda, espera), de que proveio também o inglês Warden (guarda), de que forma o francês garde pela substituição do W em G, é empregado em sentido genérico para exprimir proteção, observância vigilância ou administração. De forma específica, a guarda de filhos é locução indicativa, seja do direito ou do dever, que compete aos pais ou a um dos cônjuges, de ter em sua companhia ou de protegê-los, nas diversas circunstâncias indicadas na Lei Civil. E ‘guarda’ neste sentido, tanto significa custódia como proteção que é devida aos filhos pelos pais. 27

Observa-se que, não raras vezes, o vocábulo guarda é utilizado de maneira

equivocada, considerando-a como posse, ou seja, tomando-se a palavra posse

como sinônima de “guarda” e não é exatamente assim que se deve compreendê-la,

eis que uma criança não deve ser vista como propriedade para que alguém tenha

em sua posse.

Dessa maneira, percebe-se que chegar à conceituação ou ao significado com

maior precisão do termo “guarda” não é tarefa fácil. Diante disso, deve-se estar

sempre alerta com os significados que se apresenta a linguagem própria e as

nomenclaturas técnicas. No que atine ao vocábulo posse, leciona Akel28 que

consiste em “um termo jurídico designativo de um instituto do direito das coisas,

como origem da terminologia jurídica inspirada no direito romano como possessio”.

Na realidade, inserido no Direito de Família, posse induz à idéia de

companhia e guarda que são palavras de mesmo significado. Entretanto, ter alguém

em companhia significa acompanhar o desenvolvimento, orientar e conversar, ao

passo que manter alguém sob a guarda de outrem abrange a vigilância e a “posse”.

27 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 2. ed. Rio de janeiro: Forense, 1990. p. 365-366. v. 1-2. 28 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.74.

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24

Percebe-se que é tarefa árdua encontrar um único conceito acerca da guarda

e, mais complicado ainda, elencar todas as relações decorrentes do instituto em tela.

No entanto, necessário se faz que sejam colocados em destaque as principais

características que a permeiam, apontadas pelos doutrinadores, a exemplo da

obrigação de vigilância e zelo em relação às pessoas sob chefia ou direção, bem

assim a obrigação para com as coisas que lhe são entregues, ou ainda, confiadas.

Apesar de se constatar a plurivocidade dos significados do termo guarda,

convém trazer à colação o conceito esposado por Roberto Senise Lisboa: “Guarda

dos filhos é um poder-dever, conferido àquele que mantém a prole, ou parte dela,

sob sua companhia, vigilância e responsabilidade.” 29

Deve-se destacar, portanto, com base no conceito apresentado, a

característica de poder-dever de que se reveste a guarda, significando que não está

adstrito à faculdade dos pais, mas a deveres decorrentes de paternidade.

A guarda é consoante mencionado anteriormente, atributo do poder familiar,

referindo-se à custódia natural, ou seja, à proteção devida à prole, exercida

diretamente por um ou ambos os pais, no bojo da qual se encontram encartados

deveres e obrigações, estabelecidas entre o menor e o guardião, no intuito de

contribuir para seu desenvolvimento pessoal, bem assim para sua integração social.

Percebe-se que guarda dos filhos vai além de um conceito ou definição

estanque e possui por idéia central o fato de os pais compartilharem seu efetivo

exercício, na união ou em seu desenlace, tendo em vista que a guarda se estende

para o poder, o dever, a obrigação e alguns direitos, possuindo, ademais, conotação

calcada no princípio informador do novo Direito de Família, qual seja, a afetividade.

Assevera Caetano Lagrasta Neto: Guarda é antes de tudo amar, estar presente, na medida do possível, comparecer a todos os atos e as festividades escolares, religiosas, manter diálogo permanente e honesto como filho sobre as questões familiares, sobre arte, religião, lazer, esporte e turismo30.

Em relação aos aspectos patrimoniais, cabe aos pais zelar pelos bens dos

filhos, cuidando do patrimônio até que adquiram a maioridade ou emancipação civil.

Enquanto a maioridade ou emancipação não aconteça, os menores têm que ser 29 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: direito de familia e das sucessões. 2. ed.rev.atual. São Paulo: revista dos tribunais. 2002. p. 127. 30 LAGRASTA. NETO, Caetano. Direito de família: a família brasileira no final do século XX. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 124.

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assistidos ou representados por seus genitores ou representantes legais, no que se

refere aos atos da vida civil.

Para tanto, são incumbidos os detentores da guarda da atuação em prol do

interesse dos filhos e, caso não o façam de modo responsável, protegendo o

patrimônio, o legislador impõe que tal ônus seja cumprido, sob pena poderá importar

na perda do poder familiar.

Além da punição citada, os pais que agirem de maneira incompatível com a

função podem ser responsabilizados civilmente, em virtude de prática de atos

nocivos, fraudulentos ou prejudiciais aos interesses patrimoniais dos seus filhos.

Ademais, deve-se frisar que a responsabilidade recaíra, necessariamente, no genitor

que efetivamente contribuiu ou provocou o dano, caso tenha sido perpetrado por

apenas um deles.

Dessa forma, o genitor não causador do dano deterá legitimidade para

ingressar em juízo na defesa dos interesses do filho, cabendo tal mister igualmente

ao Ministério Público, que atuará diante da inércia do pai ou mãe não causador do

dano, pleiteando a reparação pelo dano causado, ocasião em que será nomeado

pelo juiz curador especial ao menor, de acordo com o estatuído no artigo 1.692 do

Código Civil.

Ademais, em decorrência da guarda, o genitor responde civilmente pelos atos

lesivos causados pelo seu filho a terceiros. Os danos podem se dar na esfera

patrimonial ou moral.

Assim, a responsabilidade do genitor também se estende às obrigações

morais decorrentes de conduta inadequada praticada por seus filhos em face de

terceiros, eis que submetidos ao poder familiar na ordem civil, cabendo-lhes prevenir

as faltas, a partir da vigilância, sob pena de se ver inserto em ação judicial de

reparação por danos, cuja responsabilidade é objetiva para os pais, eis que a culpa

se presume, denominada de culpa in vigilando.

Contudo, essa presunção de responsabilidade do genitor perdura até que sua

prole atinja a maioridade ou se emancipe. Sendo assim, cessada a menoridade,

segundo Eduardo de Oliveira Leite, “a culpa por eventual dano pode ser atribuída a

outrem, seja o próprio filho que cometeu o ato ilícito, os pais ou terceiros, excluindo

a responsabilidade presumida dos pais”.

Verifica-se, portanto, que os pais devem ser diligentes no exercício da guarda,

acompanhando efetivamente o desenvolvimento dos filhos e, em especial,

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proporcionando educação e orientação adequada, sob pena de responderem pelos

atos ilícitos cometidos por seus filhos, na esfera patrimonial ou moral de terceiros.

2.2 Direitos e deveres dos pais em relação aos filhos

A família é considerada a “célula mater” de uma nação, permeada pelo direito

natural e fundamental para a sociedade. Deve-se perceber que desempenha papel

importantíssimo, possibilitando o bem-estar de todos os membros que a compõe, em

destaque, das crianças e adolescentes, que necessitam de prioridade absoluta no

atendimento de suas necessidades e anseios, conduta que deve ser pautada por

valores morais e éticos, buscando-se o pleno desenvolvimento da integridade física

e psico-social dos filhos.

Interessante colacionar a compreensão de Akel: A criança para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão, sendo educada, num espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade e solidariedade, com vistas a prepará-la para viver uma vida individual na sociedade. Os pais têm a difícil tarefa de preparar seus filhos para a vida, além da função de ensinar-lhes os valores que deverão norteá-la. 31

Observa-se, portanto, que o papel desempenhado pelos pais é de suma

responsabilidade, razão pela qual, para a harmonia tão desejada, o Estado é

chamado, por vezes, a intervir, prestando assistência e, ainda, salvaguardando os

interesses pessoais e patrimoniais dos menores, para que, desse modo, não

ocorram arbitrariedades por parte dos genitores, incumbidos de dirigir-lhes a criação

e educação.

No sentir de Maria Helena Diniz: Diante da formação tradicional da família, isto é, constituída por pai e mãe que convivem pelo enlace matrimonial, ou da união estável, o poder familiar é exercido por ambos os genitores e na hipótese de divergência, qualquer deles poderá recorrer ao Judiciário para a solução do conflito, evitando, que a decisão seja inoxerável. Embora a legislação prescreva que compete aos pais dirigir a criação e a educação dos filhos, nada dispõe sobre o modo como devem criá-los e, muito menos, como devem executar os encargos parentais. 32

31 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. 32 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 17. ed. São Paulo, Saraiva. 2002. p.301. v.5.

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O diploma civil elenca os direitos e deveres atribuídos aos pais no

desenvolver do poder familiar em seu artigo 1.634, que devem ser observados por

ambos os genitores, ainda que um só detenha a guarda física ou direta, indicando,

desse modo, a forma como devem prosseguir com relação à pessoa dos filhos.

Ao se referir aos direitos conferidos aos genitores, Roberto Senise Lisboa

relata: Diante do dispositivo legal, temos que são direitos do detentor do poder sobre os filhos incapazes: guarda companhia, reclamá-lo de quem os detenha ilegitimamente, consentir ou negar o casamento, exigir respeito e obediência, nomear tutor, exigir o desempenho de serviços próprios de sua idade e condição, educação, criação e exercer o direito de usufruto de seu bem, quando autorizado por lei. 33 (Grifo nosso)

Por sua vez, com relação aos deveres, assevera: Constituem os principais deveres dos genitores: assegurar a convivência comunitária e familiar do filho, criar, educar e acompanhá-lo nas atividades relacionadas com a fase na qual o menor está vivendo, proporcionar condições para seu desenvolvimento físico, espiritual, psíquico e social, representar os impúberes e assistir os púberes, e administrar seus bens. (destacou-se)

Da análise do elenco de direitos e deveres, depreende-se que o feixe de

deveres é sobremaneira mais ampliado que o de direitos, não no número, mas na

extensão, razão pela qual há de se concordar com a modificação da denominação

“poder familiar” para autoridade parental, propugnada por alguns autores, referida

anteriormente.

Os direitos e deveres em comento devem ser desempenhados com todo o

esmero que a situação merece, de modo a contribuir efetivamente na melhor

formação dos filhos, a fim de que se tornem cidadãos dignos. O papel

desempenhado pelos pais é de extrema importância, como se pode verificar,

podendo-se afirmar, sem medo de errar, que fará muita diferença no amanhã.

2.3 A realidade atual das relações familiares

Hodiernamente, o número de rompimento dos laços matrimoniais vem

crescendo a cada dia, ocorrendo à dissolução conjugal e da união estável pelos

33 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: direito de familia e das sucessões. 2. ed. rev. atual. São Paulo: revista dos tribunais. 2002. p.159.

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mais diversos motivos, entre eles a intolerância e a impaciência, decorrentes do

mundo moderno, em que as relações são menos estreitas e mais rápidas, eis que “o

mundo tem pressa”.

A quebra das uniões, bastante comum nos tempos atuais, portanto, vem se

tornando um costume aceito com mais facilidade pela sociedade, não causando

mais a perplexidade de outrora.

Entretanto, ainda que socialmente aceita não se pode deixar de mencionar

que o rompimento dos relacionamentos gera traumas, tanto para os adultos

envolvidos, quanto mais para os filhos e, como conseqüência, desencadeia

profundos problemas nas relações paterno-filiais.

Quando há o convívio da família unida sob o mesmo lar, o filho desfruta tanto

da presença física como psicológica de seus genitores. Porém, quando ocorre o fim

desse convívio, não há mais a presença integral, originando a denominada família

monoparental, isto é, família formada por apenas um dos genitores (homem ou

mulher) e seu filho, passando o outro genitor a residir em outro local, deixando uma

lacuna na nova estrutura familiar, que pode, contudo, ser minorada, quando o que se

vai não se ausenta de todo.

Essa modificação decorrente do desligamento do casal não extingue a

autoridade parental, apenas a modifica, por razões de ordem prática, em especial

para o cônjuge que não detém a guarda física. A idéia de que a este só resta o

direito de visitas e a função na prestação, impreterivelmente, de alimentos deve ser

desmistificada, conforme se poderá observar na análise da modalidade

compartilhada de guarda, a ser desenvolvida no próximo capítulo.

De acordo com profissionais da psicologia que atuam na área, a atribuição da

guarda é algo extremamente difícil, devido à dificuldade enfrentada por alguns

casais de separarem a dissolução do matrimônio da relação com os filhos,

esquecendo-se da necessidade que as crianças e adolescentes possuem de

conviver com ambos os genitores, a fim de lhes ofertar apoio e contribuição, cada

um com sua função, para o crescimento e desenvolvimento completo, eis que

possuem filhos em comum, vínculo que perdurará por toda vida.

O psicólogo François Podevyn traz análise sintética dessa questão tão

delicada: ”Muitas vezes, os casais utilizam-se dos filhos como objeto de seus

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conflitos e frustrações, possibilitando até que os filhos não mais respeitem o genitor

com quem não coabitem”. 34

Essa atitude de disputa pela atenção integral do filho pode desencadear um

processo psicológico conhecido por alienação parental, no qual a criança acaba

sendo devido à fragilidade que lhe é inerente, programada para odiar um de seus

pais, sendo mais freqüente a repulsa para com o genitor que não detém a guarda.

É um fenômeno bastante recorrente nas rupturas de relacionamento,

demonstrando o ranço de vingança, repudiável, por se utilizar dos filhos como objeto

para atingir o outro.

Sobre o processo de alienação parental, Ana Carolina Silveira Akel relata: Embora a síndrome da alienação parental seja difícil identificação, pois, em alguns casos, o sentimento de rejeição surge naturalmente, tanto por parte dos filhos, como dos genitores, a situação mais propensa para sua ocorrência é a fixação do exercício exclusivo da guarda, podendo apresentar sintomas de sabotagem como, por exemplo: desvalorização do pai não guardião na presença das crianças, interceptação de cartas ou presentes, não comunicação de chamadas telefônicas, impedir o exercício do direito de visitas, punir os filhos que mantiverem contato com o ascendente etc”. 35

Verifica-se, assim, que a guarda unilateral traz, em regra, malefícios aos

filhos, não se configurando, salvo exceções, na melhor solução. Nesse ponto,

essencial a interdisciplinaridade entre os vários profissionais da área, a exemplo de

psicólogos, assistentes sociais, a par dos operadores do Direito, que contribuirão na

escolha da modalidade mais adequada para o caso concreto.

O que se busca, na verdade, é a co-responsabilidade parental, que Waldyr

Grisard Filho explica como uma parceria que tende à reaproximação, na ruptura,

com a finalidade de proteger o menor dos sentimentos de desamparo e incerteza

que lhe submete a desunião. 36

Dessa forma, salutares as lições de Akel a respeito da importância e da

prevalência das mudanças de enfoque no que se refere à guarda:

34 PODEVYN,François. Síndrome de alienação parental. Disponível em:<http://www.sp.apase.org.br/index 1.htm>. acesso em: 28 ago. 2009. 35 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.59. 36 GUISARD, Waldyr Filho. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.105.

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O lado positivo de tais mudanças é a busca por novas fórmulas de fixação de guarda, capazes de assegurar aos pais desunidos, o efetivo exercício da parentalidade em igual condição, bem como minimizar os traumas para aqueles que sofrem com o desenlace da união, conscientizando-os de que o importante é que prevaleçam os interesses dos filhos sobre os conflitos conjugais37.

O que de fato se percebe é que os genitores têm por obrigação proporcionar

um ambiente sadio e tranquilo para o filho, amenizando o potencial dramático que é

o de fazer parte de uma família separada, tendo sempre que enquadrá-lo num

mundo real, porém demonstrando que todo esse momento difícil de sua vida será

superado, eis que a criança contará sempre com a presença e apoio de ambos os

pais, que o apoiarão no sentido de ultrapassar esse conflito familiar.

Conforme esclarece Evandro Luiz Silva: Numa separação, é inevitável o desgaste e ansiedades pertinentes àquele momento. No entanto, querer deixar as crianças de fora, é tirá-las do contato com a realidade e deixar que as suas fantasias se multipliquem, trazendo muitas vezes danos maiores que a realidade posta. A criança só tem a crescer e amadurecer, ao passar pelas angústias próprias do momento, tendo seus pais ao seu lado para ajudar a passar por essa fase. O conflito suscitado por uma separação, nos pais e filhos, é algo que precisa ser enfrentado por todos e necessita-se um tempo para a sua elaboração. No entanto, tanto quanto os pais, as crianças precisam ter contato com ele, vivenciando assim a realidade que ele impõe, visto que os conflitos são inerentes ao ser humano. 38

Em suma, a realidade familiar nos dias de hoje demonstra a nova roupagem

assumida pela família diante do número exorbitante de divórcios, bem assim das

novas entidades familiares que dele decorrem, a exemplo da monoparental,

causando interrogações e incertezas em relação ao futuro e à qualidade do vínculo

que os filhos irão manter com cada um dos pais.

37 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.30-32. 38 SILVA, Evandro Luiz. Apresentação do casal e as conseqüências dos tipos de guarda. APASE. Disponível em:<http://www.sp.apase.org.br/20005-aseparação.htm>. Acesso em 03 set. de 2009.

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31

3 GUARDA COMPARTILHADA 3.1 Análise da Guarda Compartilhada

Vive-se atualmente em um mundo contemporâneo que sofre inúmeras

mudanças sociais, atingindo de maneira significativa as entidades familiares e os

laços que as compõem.

Com a dissolução do casamento, em regra, é fixada a modalidade de guarda

que será exercida a partir de então, oportunidade em que deve o magistrado se

cercar de muita cautela, eis que a guarda traz consigo, não raras vezes, sérios

prejuízos no que diz respeito aos laços parentais construídos ao longo da

convivência, em especial quando se atribui à modalidade de guarda denominada

“exclusiva”.

Com o objetivo de conservar os vínculos afetivos entre os filhos e seus

genitores, mesmo após o rompimento da relação conjugal, sérios debates foram

travados entre profissionais das mais diversas áreas, com vistas a eleger um modo

de exercício de guarda menos traumático para todos os envolvidos, dando origem à

criação da guarda compartilha, tendente a preservar o convívio dos pais com seus

filhos. Tal posicionamento foi ressaltado no Tribunal de Minas Gerais: SEPARAÇÃO JUDICIAL CONSENSUAL - GUARDA COMPARTILHADA - INTERESSE DOS MENORES - AJUSTE ENTRE O CASAL - POSSIBILIDADE - Não é a conveniência dos pais que deve orientar a definição da guarda, e sim o interesse do menor. A denominada guarda compartilhada não consiste em transformar o filho em objeto à disposição de cada genitor por certo tempo, devendo ser uma forma harmônica ajustada pelos pais, que permita a ele (filho) desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, num regime de visitação bastante amplo e flexível, mas sem perder seus referenciais de moradia. Não traz ela (guarda compartilhada) maior prejuízo para os filhos do que a própria separação dos pais. É imprescindível que exista entre eles (pais) uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, na qual não existam disputas nem conflitos.39

A guarda compartilhada possui por escopo manter os laços que uniam os pais

e os filhos, antes da ruptura do relacionamento, preservando os filhos dos pontos

39 SILVA, Evandro Luiz. Apresentação do casal e as conseqüências dos tipos de guarda. APASE. Disponível em:<http://www.sp.apase.org.br/20005-aseparação.htm>. Acesso em 03 set. 2009.

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negativos causados pela ruptura do relacionamento entre seus pais. Objetiva,

portanto, preservar as relações dos pais com os filhos, permitindo que sejam

educados por ambos, em regime de cooperação e de efetiva participação nos

destinos dos filhos,

Nesse sentido, posicionamento defendido pelo magistrado Ronaldo Martins: Os filhos têm o direito de conviver com ambos os pais e o fato de viverem estes separados não podem retirar das crianças esse direito, como fazem alguns, causando-lhes traumas, sofrimentos e angústias pela espera e pela incerteza da companhia daquele que é responsável por sua existência, em um certo fim de semana – que pode ou não acontecer, eventualmente em razão de um compromisso profissional urgente e inesperado, de um médico, dentista ou advogado que necessitou atender a um cliente no horário da visita. [...] O convívio do filho com o pai ou mãe que não tem sua custódia não pode ser denominado de visita e não pode ser esporádico como é adotando-se o sistema padrão. [...] Entendo que, mesmo separados, os pais devem permanecer unidos quanto aos interesses dos filhos, exercendo em conjunto o poder familiar. 40

Durante a dissolução do relacionamento podem ocorrer litígios em relação à

família, aos bens, alavancando discussões. Mas é de fundamental importância que

tais adversidades fiquem adstritas, quando imprescindíveis, aos aspectos

patrimoniais, eis que, para que a guarda compartilhada venha a ratificar seus

propósitos, a harmonia tem que estar presente quando o assunto for o

estabelecimento da guarda.

O Estado desempenha papel marcante, através da figura do juiz, quando da

fixação da guarda e da eleição da modalidade mais adequada, com vistas a

implementar efetivamente o princípio do melhor interesse da criança e do

adolescente, protegendo-o, tanto quanto possível, dos desentendimentos entre os

pais e analisando de maneira abrangente as dimensões dos fatos apresentados,

mantendo a modalidade de guarda escolhida pelas partes ou aplicando a que reputa

mais adequada ao caso concreto.

A guarda compartilhada traz consigo vantagens e desvantagens, analisadas

no próximo capítulo, que desencadeiam grande repercussão em torno das

proposições legislativas, eis que se deve buscar meio para que, apesar da

separação, a relação seja continuada em favor da prole. A guarda compartilhada

traz para os pais responsabilidades com a educação e com a formação da

40 Ronaldo Martins, Juiz da Primeira Vara da Família do Rio de Janeiro, parecer sobre guarda de filhos de pais separados. Disponível em:<www.apaserpr.com.br>.

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personalidade dos filhos menores, de forma igualitária, sem sobrecarregar apenas

um dos genitores, ao contrário do que ocorre na chamada guarda “exclusiva”, que

passa a ser a exceção.

Os pais exercem o poder familiar de modo conjunto, cabendo-lhes a

responsabilidade de vigiar e educar a sua prole, com vistas ao pleno

desenvolvimento físico, psíquico e moral.

De acordo com grande parte dos julgados analisados, a guarda jurídica

estabelece qual dos genitores responderá pelas infrações que o menor vier a

cometer, ao passo que na guarda compartilhada os genitores respondem de forma

solidária, assumindo os prejuízos, caso venham a ocorrer, em consequência do

modo como se deu a educação de seus filhos, uma das razões pelas quais deve ser

prestigiada.

A posição dos filhos e dos pais na guarda compartilhada tem significativa

mudança, ou seja, havendo o reconhecimento pelos filhos do verdadeiro lugar e

valor que ocupam na vida dos genitores, já que aqueles, em que pese à ruptura do

relacionamento, encontram-se, de certo modo, unidos, a fim de ofertar estabilidade à

criança e ao adolescente.

As famílias que exercem guarda de modo compartilhado participam de um

novo paradigma jurídico, regulamentado por normas que direcionam o rumo das

relações familiares, estabelecendo diferenças importantes entre a guarda exclusiva

e a compartilhada.

Disso decorre a necessidade da disseminação dessa modalidade de guarda

em todo o seio social, cabendo tal mister aos operadores do Direito, bem assim aos

demais profissionais que compõem a equipe multidisciplinar, ou ao menos deveriam

compor, atuante na seara do Direito de Família.

Para tanto, essencial que ocorram, igualmente, esclarecimentos a respeito

das diferenças existentes entre a guarda compartilhada e a guarda alternada, que

geram grandes confusões, evitando, assim, interpretações e aplicações

equivocadas. Deve-se salientar, de plano, que a guarda alternada não é aceita pela

legislação civil pátria, ao passo que a compartilhada passou a ser prevista como a

guarda por excelência, cedendo espaço para a guarda exclusiva apenas em casos

excepcionais.

Acerca da recorrente confusão entre guarda compartilhada e alternada,

esclarece Cláudia Baptista Lopes:

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34

A desinformação de muitos sobre esse regime de guarda proposto iniciou uma polêmica, pois se pensou que, com a adoção da guarda compartilhada, os filhos menores permaneceriam por um período na casa da mãe e por um período na casa do pai, o que, dentre outros malefícios dificultaria a consolidação de hábitos na criança, provocando instabilidade emocional. [...] Esse receio não tem qualquer fundamento, já que, conforme explicitado, a guarda compartilhada pressupõe a permanência do menor com um os pais. Contudo, a guarda compartilhada torna mais efetiva a participação do não detentor da guarda na vida dos filhos, já que o tira da figura de mero coadjuvante, e, por vezes, de simples provedor financeiro. 41

Verifica-se, portanto, que a guarda compartilhada não quer significar a

alternância da criança em duas residências, o que configuraria a guarda alternada,

altamente perniciosa por quebrar os referenciais da criança. Ao contrário, na

compartilhada a criança reside com um dos pais, mas conta com a participação

efetiva do outro no seu desenvolvimento e no dia-a-dia, a exemplo que uma criança

que reside com a mãe, porém é levada ao colégio, às aulas de inglês ou aos

esportes pelo pai.

Por sua vez, a guarda alternada gera instabilidade para os filhos, uma vez

que não possuem residência fixa, ora adaptando-se às rotinas da mãe, ora às do

pai, importando em perda de referencial, podendo macular a perda da continuidade

da rotina e dos vínculos.

Dessa feita, deve-se evitar a todo custo que a guarda compartilhada seja

exercida como alternada, pelos prejuízos referidos, bem assim por não ser esta a

modalidade prevista pelo novel diploma legal, a Lei n. 11.698, de 13 de junho de

2008, oportunamente analisada em item seguinte.

Em suma, no exercício da guarda compartilhada, os filhos permanecem com

um dos genitores, mas não há a quebra da habitualidade, eis que é conferida ao

outro genitor a liberdade para intervir, ajudar e fortalecer o desenvolvimento, seja ele

comportamental, seja intelectual. Na aplicação dessa modalidade de exercício de

guarda é imprescindível que exista equilíbrio e bom senso dos pais, a fim de que as

decisões fluam de maneira natural, destacando-se que, apesar de apenas um deles

possuir a guarda física, há uma participação igualitária em direitos e deveres de

ambos.

41 LOPES, Cláudia Baptista. Guarda compartilhada valoriza papel do pai e da mãe. Disponível em: <www.conjur.com.br>. Acesso em: 4 out. 2004.

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3.2 Origem da Guarda Compartilhada

A guarda compartilhada é modalidade prevista no direito de vários países.

Originada na Inglaterra, há cerca de 20 anos, estendeu-se para a Europa

Continental, em um primeiro momento na França, alcançando igualmente as

Américas, a partir de sua previsão no Canadá, nos Estados Unidos e, mais

recentemente, na Argentina, Uruguai e Brasil. 42

O direito inglês, com o decorrer dos tempos, passou por significativas

mudanças, com vistas a garantir e privilegiar os interesses das crianças e

adolescentes, atribuindo aos pais de forma igualitária a autoridade parental.

Com o objetivo de diminuir as injustiças, os tribunais impulsionaram a

promulgação da Lei n. 87.570/87, Lei de Malhuret, denominação atribuída em

homenagem ao Secretário de Estado de Direitos Humanos, que contribuiu com as

modificações dos textos do Código Civil francês, a partir do qual foi modificado o

exercício da autoridade parental.43

Por seu turno, de acordo com Akel44, no direito canadense, era cognominada

de sole custody, ou seja, guarda unilateral, mas há casos em que a guarda

compartilhada é aplicada, buscando o equilíbrio psicológico de todos os envolvidos.

É importante salientar que há lei federal do ano de 1985 que admite que a guarda

pode ser conferida a várias pessoas.

Verifica-se, portanto, que, ao contrário do que ocorre no Brasil, no Canadá, a

guarda unilateral é a regra, como se dava anteriormente no Direito pátrio, e a

compartilhada a exceção.

O direito americano adota o modelo denominado joint custody, ou seja, a

guarda compartilhada pode ser exercida através da guarda física, guarda legal ou de

ambas, concomitantemente. Ressalte-se que, quando nenhum dos dois estiver

habilitado, a guarda será direcionada a uma terceira pessoa, preferencialmente um

membro da família. Enquanto que, a guarda na legislação argentina e portuguesa,

42 AKEL Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.115. 43 GUISARD, Waldyr Filho. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.120. 44 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p. 117.

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ocorre uma evolução no exercício da mesma, concebendo de maneira igualitária os

direitos dos pais, sem usurpar os privilégios dos filhos.45

Os diplomas formulados nos países retro-citados forneceram respaldo para

que as sociedades brasileiras, por intermédio dos profissionais multidisciplinares

envolvidos, tomassem conhecimento da importância de se modificar alguns

dispositivos do Código Civil, culminando na atuação do legislador na edição da

denominada Lei da Guarda Compartilhada, objeto de análise do próximo item.

3.3 Guarda no Direito Brasileiro

As constantes modificações no seio familiar trazem consigo a necessidade de

alterações na legislação brasileira, com ênfase no Código Civil, responsável em

observar e reger o comportamento dos genitores em face dos seus filhos.

O ordenamento jurídico brasileiro passou a prever expressamente, portanto, o

instituto da guarda compartilhada com a edição da Lei 11.698, de 13 de junho de

2008. Tendo em vista, portanto, os reclamos sociais e a nova realidade da família

brasileira, a guarda compartilhada tornou-se mais uma opção na aplicação do modo

de exercício da guarda, quando da ruptura dos relacionamentos pelos pais.

Anteriormente à previsão da guarda compartilhada, o exercício da guarda,

unilateral, ocorria do seguinte modo: após o término da relação conjugal, o pai e a

mãe dividiam o pátrio poder, mas a figura materna mantinha consigo os cuidados

com a prole, restando ao pai à figura de mero visitante.

Tendo em vista o princípio do melhor interesse da criança, alguns

magistrados passaram a atribuir a guarda unilateral igualmente ao pai, sempre que

se revelasse o melhor para o filho, passando, portanto, a guarda materna a ser

deferida nos casos em que se revelasse o melhor para os filhos, não mais a regra.

Ademais, na sequência, mesmo sem a mencionada previsão legal, os

magistrados passaram a atribuir a modalidade compartilhada, sempre que se

mostrasse a mais adequada, com respaldo no princípio do melhor interesse da

criança e do adolescente.

45 Ibidem p.118.

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O Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do Superior Tribunal de Justiça, ao se

pronunciar acerca dos artigos 1.584 e 1.585, do Código Civil, levantou a

necessidade de introduzir a guarda compartilhada na legislação civil, enunciado que

foram enviados à Comissão quando da elaboração da redação final da lei. Nos

dizeres do Ministro: O Novo Código Civil perdeu a oportunidade de atualizar-se na questão relativa à guarda dos filhos nas hipóteses de dissolução da sociedade conjugal. Não obstante tenha avançado quando retirou do texto a idéia de culpa, presente no art. 10 da Lei nº. 6.515, de 1977 (Lei do Divórcio), que regulava a matéria, ainda deixou sem resposta a controvérsia sobre a possibilidade de aplicação da guarda compartilhada. [...] o próprio poder familiar fica enfraquecido, pois o pai (ou mãe) privado da convivência diária com o filho fica impedido do amplo exercício de seu direito na mesma intensidade do guardador. Por tal motivo, surgem os inúmeros conflitos relativos à guarda da prole. [...] Pela sistemática do Novo Código Civil, seguindo o estabelecido na legislação anterior, ao guardião é deferido o poder familiar em toda sua extensão, cabendo ao outro genitor somente direito de visita e o de fiscalização da criação do filho, sem qualquer poder decisório (disciplina o art.1.589)). O guardião decide sobre a educação, formação moral e religiosa, lazer etc. Em caso de discordância em relação a algo que julgue prejudicial ao filho, o titular do direito da visita poderá recorrer ao juiz para a solução do problema educacional. [...] o texto codificado deve adequar-se ao texto constitucional. De fato, a própria Constituição admite ampla conformação legislativa da guarda conjunta, especialmente quando os pais têm o dever de assistir, criar, educar os filhos menores...’ (art.229) e que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (art.227 da CF)”.46

Apesar de ter sido reconhecida a eficácia da guarda compartilhada por alguns

magistrados, o reconhecimento legal de tal instituto deveria obedecer aos trâmites

legais para a aprovação do projeto.

Dentre os vários projetos de Lei, destaca-se o de n. 6.960/2002, elaborado

pelo Deputado Ricardo Fiúza, que propunha a seguinte redação: Art.1.583. No caso de dissolução da sociedade conjugal ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos, preservados os interesses destes. Parágrafo Único. A guarda poderá ser conjunta ou compartilhada.

Da análise do projeto, percebe-se que o legislador tinha em mente o princípio

do melhor interesse da criança e do adolescente, assim como a consensualidade na

46 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.112.

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ruptura do relacionamento, atentando para o fato de que a litigiosidade acirrada

prejudicará o exercício da guarda na modalidade compartilhada.

Cabe aos magistrados adequar à guarda compartilhada aos casos concretos

que lhe forem apresentados, observando, contudo, as particularidades que os

permeiam, exigindo, para tanto, olhar aguçado, tendo em conta o foco no interesse

do menor. Deve, assim, explicitar aos pais a importância do exercício do poder

familiar de maneira positiva no desenvolvimento intelectual e social dos filhos.

A Lei 11.698/2008 definiu que “quando não houver acordo entre a mãe e o

pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda

compartilhada”.

A guarda compartilhada implica em mudança porque promove mudança da

visão do pai pagador de pensão o participativo nos destinos dos filhos.

A idéia central da modalidade compartilhada é a de que o filho passe um

período sob a responsabilidade do pai e outro sob a guarda da mãe, cabendo ao

magistrado a prerrogativa de definir atribuições específicas para o pai e a mãe. A Lei

da Guarda Compartilhada confere, assim, ao juiz, respaldado para determinar,

mesmo quando as partes não chegarem a consenso, que a guarda seja conjunta.

Tal decisão dependerá de se configurar na solução mais adequada às crianças e

adolescentes, cabendo aos pais assumirem a responsabilidade.

Oportunas às palavras de Ana Maria Milano Silva: A guarda conjunta tem a finalidade de privilegiar o “melhor interesse da criança”, pregado pelo estatuto da criança e do adolescente, o mesmo deve ser dito sobre as decisões do dia a dia que incluem educação, saúde, religião, procedimentos médicos eletivos, questões psicológicas, atividades extracurriculares, férias, entre outras que muitas vezes tem impacto decisivo no desenvolvimento socioemocionall da criança, afetando sua saúde e bem-estar. Além disso, de acordo com Sérgio Eduardo Nick, vivenciar seus pais unidos em torno de si e de seus interesses, fortalece a auto-estima da criança, dando-lhe o sentimento de que suas necessidades não foram negligenciadas após o divórcio. 47

Por fim, destaque-se que a guarda conjunta é uma descaracterização e

cooperação para os pais não se utilizem de atitudes egoísticas. O que de fato

importa é que demonstrem aos filhos que continuam amados por ambos e que a

separação não enfraqueceu a ligação afetiva para com eles, permanecendo o casal

parental apesar de não haver mais o casal conjugal. 48

47 SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre a guarda compartilhada. 2. ed. São Paulo: JH Mizuno 2008. p.101. 48 Ibidem., p. 105.

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4 A GUARDA COMPARTILHADA APLICADA

Rompido o relacionamento conjugal, grande celeuma gera a questão atinente

à fixação da guarda e o modo do seu exercício, eis que é seara das mais delicadas,

a ser encarada por ambos os genitores, tendo em mente sempre não se destruir o

vínculo parental, mesmo diante da dissolução conjugal. A idéia central, portanto,

reside na adoção da decisão a respeito dos destinos dos filhos tomados

conjuntamente por ambos os pais, com participação efetiva de cada qual no dia a

dia da criança e do adolescente.

Não ocorre, portanto, divisão do poder de decisão entre os pais e sim

colaboração entre ambos. Caso ocorra algum desacordo, o genitor poderá recorrer

ao judiciário para que o juiz reexamine a situação e decida o que for melhor para o

menor.

A guarda conjunta49 traz o pressuposto que, mesmo ocorrendo essa ruptura

conjugal e as diferenças pessoais, ambos continuarão a exercer a autoridade

parental, ainda que não estejam dividindo o mesmo lar, devendo os conflitos

pessoais ser deixados de lado e priorizados a qualidade de vida da criança, que não

é culpada pela realidade vivida.

Segundo explica Ana Maria Milano Silva: [...] efetivamente o fator primordial que viabiliza, de plano, a aplicação da guarda compartilhada é a maneira como os genitores se relacionam após a ruptura da união conjugal. Assim, mais tranquilamente assumirão em conjunto a tarefa de permanecerem como pai e mãe, no pleno exercício do poder familiar, tomando as decisões a respeito da vida de seus filhos. 50

Essencial, portanto, que ambos os pais mantenham as diferenças pessoais à

margem da nova estruturação da família, assumindo a responsabilidade conjunta de

bem zelar pelos interesses dos filhos.

49 Que supõe a presença física da prole em um dos domicílios dos genitores, ou seja, um único genitor tem a guarda física conhecida também de guarda material, imediata ou próxima, mas observando que ambos possuem a guarda jurídica. 50 SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre a guarda compartilhada. 2. ed. São Paulo: JH Mizuno. 2008. p. 94-99.

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4.1 Reflexos essenciais da aplicação prática da modalidade compartilhada

As decisões mais recorrentes com relação aos destinos dos filhos se revelam

especialmente no que diz com a residência, a educação, a responsabilidade civil dos

genitores, os alimentos e o regime de visitas, a seguir abordados.

4.1.1 Residência

O afastamento que decorre da dissolução do vínculo conjugal entre os pais e

seus filhos é bastante prejudicial, tendo em vista que os vínculos emocionais entre

eles tendem a se desfazer com o tempo, caso não permaneça o convívio, podendo

ocasionar sequelas psico-sociais nas crianças e adolescentes.

Nesse sentido, assevera Ana Carolina Siveira Akel: Não há de se discutir a respeito de que a desunião provoca inúmeros efeitos maléficos à prole. Isto é, a criança, de um dia para o outro, deixa de coabitar a residência com os genitores, passando a morar com apenas um deles. Os contatos com o genitor não-guardião tornam-se esporádicos e racionáveis, com dias e horas predeterminados, ressalvando que, por muitas vezes, esses dias são restringidos a visitas agendadas quinzenalmente ou aos finais de semanas. Há que se ter em mente de que estamos tratando de pessoas de pouca idade que necessitam da presença do pai e da mãe (da figura feminina e masculina) no seu cotidiano, e tal distanciamento acarreta a perda do vínculo de familiaridade, fazendo com que a espontaneidade se perca, de forma brutal. 51

Portanto, a criança necessita ser submetida aos cuidados de ambos os

genitores, para que não ocorra a perda do referencial da figura masculina e feminina

em sua vida. É inadmissível que a criança veja na figura paternos ou maternos

meros provedores de pensão alimentícia ou visitadores de fins de semanas, o que é

bastante freqüente em muitos casos de separação familiar.

Waldyr Grisard assim comenta o assunto: Os estudos da psicologia confirmam que os efeitos causados pela ruptura do convívio entre pais e filhos são devastadores, dentre os quais destacam: conflitos, sentimentos de perda e abandono que abalam de forma direta, a psique da criança e do adolescente que, ao lado do progressivo afrouxamento dos laços que unem o filho ao genitor não-guardião, comprometem o seu desenvolvimento normal e sadio. 52

51 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.91. 52 GUISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.149-157.

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Diante de tais apontamentos, observa-se que a determinação da residência é

de suma importância para a estabilidade emocional da criança, pois a mesma terá

um ponto de referência e não deixará de conviver nem com a mãe e nem com o pai,

embora acabe por ficar mais tempo na companhia de um deles.

Consoante explica Ana Maria Milano Silva: Ambos os pais devem possuir acomodações para a criança em suas respectivas residências. Deve ela ter consciência de que existe “um canto seu” em cada um dos lares de seus genitores onde ela sentirá que é sua casa também. Não se trata aqui da exigência de quartos para cada filho, mas certamente um local especial, que será variável segundo o estilo de vida dos genitores bem como do potencial financeiro deles. Afinal, para os filhos, o essencial é se sentirem amados, e não bajulados financeiramente53.

Assim, ainda que o correto seja residir em apenas um local, importante que

haja, na residência do outro pai, um local em que a criança se sinta acolhida, que

perceba que possui espaço na vida de ambos os pais.

A importância da residência é, portanto, de firmar um centro de apoio aos

filhos, significando condições de continuidade, conservação e estabilidade para a

vida da criança, conforme reforça Waldyr Grisard Filho: [...] são dessas condições de continuidade, de conservação e de estabilidade que o menor mais precisa no momento da separação de seus pais, não de mudanças e rupturas desnecessárias. Os pais devem tentar manter constante o maior numero de fatores da vida dos filhos após a ruptura. 54

Em relação ao local de residência, se na casa paterna ou materna, tudo

dependerá do caso concreto, ou seja, da situação em que vivem os genitores, como

explica Eduardo de Oliveira Leite: [...] poderá ser a casa materna (se a mãe apresenta melhores condições de acompanhamento da criança) ou poderá ser a casa paterna (se o pai reúne melhores condições para o desenvolvimento da criança) e poderá mesmo ser a casa de um terceiro (avós, por exemplo) se nenhum dos pais reúne aquelas condições. Logo a residência do menor não é necessariamente a da mãe, mas, na sua maioria a residência lhe tem sido reconhecida porque as crianças são menores, a mãe delas se ocupa (ou porque não trabalha ou porque dispõe de mais tempo) e o pai declina desta prerrogativa por temer não conciliar suas atividades profissionais com as decorrentes da paternidade. 55

53 SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre a guarda compartilhada. 2. ed. São Paulo: JH Mizuno. 2008. p.107. 54 GUISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.71. 55 LEITE, Eduardo de Oliveira. Família monoparentais. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997. p. 272.

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A guarda compartilhada pretende, assim, com a fixação da residência,

reequilibrar os papéis parentais, no que se refere às tomadas de decisões

importantes na vida de seus filhos.

Na determinação do local de residência, deve-se ter em mente, sempre, a

solução que melhor atenda aos interesses do menor, a exemplo da permanência na

casa em que já residia, evitando maximizar os efeitos já sofríveis da ruptura do

relacionamento dos pais com mudança de morada.

Com relação aos períodos de férias, pode haver modificação temporária na

fixação da residência, adaptando-se o critério da divisão eqüitativa, por exemplo,

quinze dias com cada qual dos genitores. Deve-se ainda frisar que tudo está

relacionado ao acordo relativo entre genitores e as crianças e adolescentes, que

devem ter suas opiniões levadas em consideração, em especial no período das

férias, em que irão desempenhar atividades lúdicas, sempre que possível, com base

no consenso.

Portanto, é primordial que prevaleça o melhor interesse da criança, fixando-se

a residência onde menos desgaste lhe trouxer, a fim de que se possibilite o

aprimoramento das relações afetivas e a melhor formação para a vida da criança,

mantendo-se o referencial de família, ainda que sem a presença física contínua de

um dos genitores, que deverá, contudo, participar do seu cotidiano.

4.1.2 Educação

A educação dos filhos dos aspectos que gera maiores celeumas entre os pais,

com grandes implicações. Deve a conduta dos pais pautar-se pela cordialidade e

pelo consenso, a fim de que decidam o que melhor atender às necessidades dos

filhos, contribuindo, assim, para seu desenvolvimento psico-social.

As questões atinentes à educação incluem, por exemplo, a escolha do

colégio, público ou particular, método construtivista ou não, turno que irá freqüentar,

entre outras, sempre de acordo com a realidade dos interessados e do melhor

interesse da criança. Entretanto, não se esgota na educação escolar, abarcando a

formação moral, social.

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A educação é dever dos pais, prescrito pelo inciso I do artigo 1.634 do CC,

com fundamento no Art. 229 da Lei Maior56, bem assim no artigo 33 do Estatuto da

Criança e do Adolescente57.

Eduardo de Oliveira Leite comenta sobre o assunto: Educar não é como se tem propagado no Brasil – “pagar” a escola, “pagar” um professor particular, “pagar” um curso de línguas etc. O pai (geralmente) que paga os estudos do filho, que paga um professor particular, ou que paga um curso de línguas, pode estar participando pecuniariamente do sustento de uma criança, sem, portanto, educá-la. É bom que se distinga bem o sustento (manutenção material) da educação maliciosamente se direcionando no sentido de visualizar, no pagamento, a forma, por excelência, de se desvincular da educação dos filhos.

Esclarece, ademais, Eduardo de Oliveira Leite, o papel do pai em relação ao

filho: Já um pai que visita frequentemente a escola de seu filho, que procura saber junto ao corpo docente qual é o aproveitamento escolar da criança, que mantém diálogo permanente com o filho, que se faz presente e necessário nos momentos de lazer, enfim, que é tão indispensável à criança quanto à figura da mãe, no cotidiano, este pai pode está educando, mesmo que não financie o acesso do filho a cultura, a arte, a religião, ao esporte e ao lazer. 58

Enfim, não se podem confundir noções de educação com coabitação, eis que,

uma vez confundidas, podem gerar resultados diversos daqueles pretendidos pelo

instituto da guarda compartilha. Dessa feita, embora o filho resida com a mãe, as

opções educacionais dessa criança não dependem só da mãe, mas de uma ação

comum, em regime de cooperação entre ambos os genitores, que deverão

suplantar suas diferenças pessoais em prol do melhor para seus filhos.

4.1.3 Responsabilidade civil dos pais

Assunto que gera bastante divergência entre os doutrinadores diz com a

responsabilidade civil dos pais pelos atos ilícitos praticados por seus filhos.

Compete aos pais o dever de guarda e educação de seus filhos, disso

decorrendo a responsabilidade pelos danos causados a terceiros pelos filhos 56 Art. 229, CF/88 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 57 Art. 33, ECA - A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. 58 LEITE, Eduardo de Oliveira. Família monoparentais. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997. p. 273.

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menores, sejam eles culposos ou dolosos, consoante estabelece o artigo 1.521, I, do

Código Civil.

Os pais desempenham grande papel no modo de se portar de seus filhos, na

conduta que assumem no meio social. Possuem, pois, a função de vigiar e prestar

assistência aos menores, oferecendo-lhes ambiente saudável, cuidados constantes,

proteção contra as más companhias e orientação para que não freqüentem locais

inadequados, com vistas ao sadio crescimento e desenvolvimento da prole.

O poder familiar gera aos pais direitos e deveres perante seus filhos que vão,

repise-se, além do simples cuidado físico, abarcando os cuidados materiais,

intelectuais, morais, espirituais, entre outros.

As pessoas incapazes para os atos da vida civil, dentre os quais se incluem

os menores, devem ser assistidos ou representados, conforme se trate de

incapacidade relativa ou absoluta, por seus genitores ou pelos representantes

legais, tanto na feitura de contratos, por exemplo, quanto no cometimento de algum

ato nocivo, fraudulento ou prejudicial.

Quando a lei civil se refere aos deveres dos genitores, observa-se que estão

centrados, basicamente, em dois aspectos, que são o dever de assistência e o de

vigilância, ambos importantíssimos para a vida da criança. Cumprindo-se tais

responsabilidades pelos genitores dificilmente ocorrerão transtornos morais ou

materiais na vida dos filhos. Caso contrário, pela inobservância dessas obrigações,

responderão os pais no âmbito civil.

Sobre o assunto é importante trazer à baila julgado que vislumbra a

preocupação a respeito de vários aspectos atinentes ao bem estar da prole: GUARDA COMPARTILHADA INTERESSE DE(O) MENOR SENTENCA CONFIRMADA. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULA DE POSSE E GUARDA DE FILHA. SOBRELEVÂNCIA DO BEM ESTAR DA PROLE. NA GUARDA E PROTEÇÃO DE MENORES HÁ DE SE LEVAR EM CONTA O SEU BEM ESTAR MATERIAL, A SUA FORMAÇÃO MORAL, INTELECTUAL E SOCIAL. SITUAÇÃO QUE, SEGUNDO ESTUDO DE ASSISTENTE SOCIAL, PRESERVA TAIS VALORES. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INFORMATIVOS CAPAZES DE RECOMENDAR ALTERNATIVA DIVERSA DA CONSTANTE NA DECISÃO MONOCRÁTICA. Confirmação do julgado. (2004.001.10565 - APELAÇÃO CÍVEL - DES. NASCIMENTO POVOAS VAZ - Julgamento: 05/10/2004 - DÉCIMA OITAVA CAMARA CÍVEL)59

59 APASE. Disponível em:<Disponível em http://www.apase.org.br/81012-soboenfoque.htm>. Acesso em: 17 nov. 2009.

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A postura dos pais perante seus filhos é primordial para um bom

desenvolvimento na vida futura, orientando-os no melhor caminho a ser trilhado com

vistas a se tornarem cidadãos condignos e evitar condutas inadequadas. No sentir

de Ana Maria Milano Silva: A atuação diária dos pais na família, juntamente com boa escola, deve conduzir à fraternidade, à urbanidade, propiciando, dessa maneira, o autodomínio, bem como o respeito pelos seus semelhantes. Assim é porque os filhos são frutos do meio em que vivem e apenas repetem, com raras exceções, os atos de seus pais; por isso se diz que os filhos são reflexos de seus pais. Se há falta de respeito, ofensa, rivalidade, provocação e agressão, trata-se de legado da vida familiar.60 (destacou-se)

Prescrevem os artigos 1.566, IV, e 1.634, I e II, do Código Civil: Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: IV – sustento, guarda e educação dos filhos; Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda;

À luz desses dispositivos, leciona Ana Maria Milano: “Pela conjunção dos artigos supradestacados, na constância ou não do casamento, os pais têm o dever de prestar assistência ao filho, ou seja, criar, instruir, educar, alimentar e satisfazer suas necessidades. Devem, com seus recursos, propiciar ao menor, ao lado da prestação de conhecimentos compatíveis com suas aptidões e situação social, um adequado ambiente para seu desenvolvimento moral”61.

Portanto, cabe aos pais o melhor desempenho das atribuições que lhe são

confiadas, sob pena de responsabilidade civil, atribuída pelo artigo 932 do Código

Civil, cuja redação é a seguinte: Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

A fim de prevenir a imputação de responsabilidade civil, devem os pais

desenvolver seu mister com a consciência do seu papel perante seus filhos,

educando-os no sentido mais abrangente do termo, de modo a formá-los

completamente para a vida em sociedade, minimizando, ao menos, o cometimento

de ilícitos.

60 SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre a Guarda Compartilhada. 2. ed São Paulo: JH Mizuno, 2008. p.114. 61 Ibidem., p.115.

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4.2 Vantagens da Guarda Compartilhada

A grande discussão em torno da guarda compartilhada circunscreve-se à

relação continuada entre genitores e o melhor interesse do menor, com o objetivo de

protegê-lo, contribuir para seu desenvolvimento e permitir maior estabilidade

emocional, juntamente com formação mais equilibrada de sua personalidade que,

não raras vezes, altera-se com a ruptura do relacionamento dos pais.

No entender de Akel, a guarda conjunta é uma maneira de equilibrar e

ordenar os sentimentos da prole, não lhes impondo um processo de escolha entre

seus guardiões: A guarda conjunta ou compartilhada não impõe aos filhos a escolha por um dos genitores como guardião, o que é causa, normalmente, de muita angústia e desgaste emocional em virtude do medo de magoar o genitor preterido, possibilitando o exercício isonômico dos direitos e deveres inerentes ao casamento e à união estável, a saber, a guarda, o sustento e a educação da prole. Não há dúvidas de que, através desse sistema, os sentimentos de culpa e frustração do genitor não-guardião, pela ausência de cuidados em relação aos filhos, são diminuídos de forma significante. 62

Continuando sua linha de raciocínio, leciona Akel: A guarda compartilhada privilegia e envolve de forma igualitária ambos os pais nas funções formativa e educativa dos filhos menores, buscando reorganizar as relações entre seus genitores e os filhos no interior da família desunida, conferindo àqueles maiores responsabilidades e garantindo a ambos um relacionamento melhor do que o oferecido pela guarda uniparental.63

Observa-se que a modalidade compartilhada tem exercício bastante positivo,

eis que se constitui, igualmente, em facilitador da solução das divergências que

comumente ocorrem na guarda unilateral.

No que diz respeito à responsabilidade civil, oportunamente comentada, com

a guarda compartilhada é estabelecido o exercício conjunto das atribuições em

todas as searas da vida dos filhos. Dessa feita, os genitores serão solidariamente

responsáveis pela reparação dos prejuízos causados pelos atos de seus filhos

menores.

62 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.107. 63 Ibidem.p.107.

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A esse respeito, salutares as lições de Akel: Por compartilharem a guarda, presume-se que as decisões relativas à educação são tomadas em comum acordo pelos pais, que desempenham papel efetivo na formação diária dos filhos menores e, havendo um dano, a presunção de erro, ou falha na educação e vigilância, recai sobre ambos, ainda que a guarda material (física) permanece apenas com um dos genitores. Outra vantagem desse novo exercício de guarda é o conseqüente respeito que se estabelece entre os pais, pois, embora não mais convivam, para que bem desempenhem o poder familiar, devem conviver de forma harmônica, a fim de tomar as melhores decisões acerca da vida dos filhos. A certeza de que os vínculos com os pais serão mantidos, ainda que estes não mais compartilhem o mesmo lar, é de suma importância para que os filhos percebam que ainda há lugar para eles na vida do pai e da mãe, mesmo após o divórcio, eliminado o medo de perder os pais. 64

O aludido bom relacionamento entre os genitores irá contribuir sobremaneira

para o melhor desenvolvimento da prole, tendo em conta que se sentirá apoiado e

protegido por ambos, sem precisar escolher qual deles desempenhará melhor a

função, como se estivessem em uma competição e o filho fosse o prêmio pelo qual

os pais encontram-se em disputa.

Conforme sustenta Waldyr Grisard Filho: Estabelecida a cooperação entre os genitores após a dissolução do vínculo conjugal, cria-se uma esfera de segurança e proteção em torno da prole, que só tem a contribuir para seu saudável desenvolvimento. O efetivo intercâmbio de papéis entre o homem e a mulher aumenta sua disponibilidade para os filhos, incentiva o adimplemento da pensão alimentícia, majora o grau de cooperação, de comunicação e de confiança entre os pais separados na educação dos filhos, permitindo-lhes discussões de detalhes diários de suas vidas. 65

Para tanto, na busca efetiva por um relacionamento saudável mesmo após a

ruptura é necessário que tenham em mente que de fato a relação marital terminou,

porém remanesce a responsabilidade parental, que não se extingue com a

separação ou divórcio, ao contrário, ganha ênfase, uma vez à criança e o

adolescente encontra-se fragilizados e necessitam de ambos os pais unidos, a fim

de contribuir para o seu regular desenvolvimento.

A co-educação e o desenvolvimento do menor, portanto, são fatores de

destaque da guarda compartilhada, exigindo, assim, que os genitores se utilizem de

sensibilidade e flexibilidade na hora de decidirem o melhor para seus filhos. Para

64 AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. p.108. 65 GUISARD, Waldyr Filho. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.155-160.

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que isso ocorra deve-se estabelecer harmonia entre os pais, cumprindo-se, assim, o

exercício adequado da parentalidade.

Existindo o convívio harmonioso, ainda que não de todo, eis que sempre

restam mágoas, o filho desenvolverá convivência saudável com o grupo familiar e

social, o que só tem a contribuir com a sua formação.

É interessante destacar que, além de respeito entre os genitores, é

interessante que haja, tanto quanto possível, proximidade na residência entre os

genitores, a fim de facilitar o exercício da modalidade compartilhada de guarda. À

distância, portanto, dificultam a participação e o acompanhamento contínuo de

ambos os pais na vida e criação de seus filhos, porém não é fator impeditivo,

bastando, em regra, boa vontade e dedicação.

4.3 Desvantagens da Guarda Compartilhada

Apesar do número de vantagens apontadas para a fixação da guarda

compartilhada, muitos profissionais, ao exprimir, naturalmente, as preocupações

pertinentes no ensejo psicológico na vida da criança, apontam algumas

desvantagens.

Tais preocupações são perfeitamente compreensíveis, exatamente porque

envolvem cuidados parentais e turbilhões de sentimentos, gerados em momentos

difíceis, tanto para os genitores como os seus filhos. O divórcio é quase sempre

traumático, desencadeando mal-estar e sofrimento, não fazendo parte dos planos

iniciais de nenhum casal que inicia sua família.

Portanto, a guarda compartilhada só será eficaz se ocorrer uma verdadeira

cooperação entre os pais, isolando seus filhos dos conflitos pessoais e não fazendo

dos mesmos “objetos” de disputas entre si. Caso isso ocorra, a guarda conjunta fica

inviável, eis que não estarão cooperando para o cuidado dos filhos e não estarão, de

forma alguma, contribuindo de maneira positiva para o crescimento e

desenvolvimento completo da criança e do adolescente, surgindo, nesses casos,

motivos para que os profissionais da área apontem desvantagens ao instituto.

Os Tribunais do Rio Grande do Sul se tornaram palcos de inúmeros

indeferimentos da guarda compartilhada, quando da ausência de bom

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relacionamento entre os pais, em virtude de possibilitar a ocorrência de efeitos

desastrosos para os filhos: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE GUARDA. GUARDA COMPARTILHADA. O pedido de guarda compartilhada, formulado pelo apelante, mostra-se totalmente incongruente com a beligerância que marcou o processo desde o seu início. Esta modalidade de guarda pressupõe um grau de cooperação e comprometimento muito além daquele em que se encontram os litigantes. Ademais, a genitora sempre exerceu a guarda do filho que já conta com 3 (três) anos de idade, sendo que o apelante somente veio a reconhecer a paternidade no bojo da ação investigatória. Não logrou demonstrar, o apelante, qualquer elemento a ensejar a alteração da situação já consolidada. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70010773331, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 16/06/2005)66.

Ocorre assim, uma preocupação em tutelar o interesse do menor, no intuito

de amenizar futuros impactos negativos em sua vida.

Corroborando esse entendimento, o pensamento de Grisard, no sentido de

que a guarda compartilhada não deve ser aplicada às famílias marcadas pela

desunião e pelos conflitos: Nas famílias em que predominam desavenças e desrespeito, que inviabilizam qualquer tipo de convivência entre os genitores, deve-se optar pela guarda única, modelo tradicional, deferindo-a ao genitor que melhor tem condições de guardar os filhos menores, conferindo, ao outro, o direito amplo de visitas. 67

Corroborando o entendimento em epígrafe, convém trazer à baila interessante

julgado a propósito do tema, que, embora não seja tão recente, reflete a

necessidade da consensualidade no seio familiar para a fixação da guarda

compartilhada. Ressalte-se, apenas, que à época, a modalidade era fruto apenas de

construção doutrinária e jurisprudencial: Guarda conjunta. Só é recomendada a adoção da guarda conjunta quando os pais convivem em perfeita harmonia e livre é a movimentação do filho entre as duas residências. O estado de beligerância entre os genitores não permite a imposição judicial de que seja adotada a guarda compartilhada. Apelo do autor improvido e acolhido o recurso da ré. (Apelação Cível nº. 70001021534, TJRS, 7º Câm. Civ. Rel. Des. Maria Berenice Dias, j. 21-6-2000).

66 PASE. Disponível em:<Disponível em http://www.apase.org.br/81012-soboenfoque.htm>. Acesso em: 17 nov. 2009. 67 GUISARD, Waldyr Filho. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 173-174.

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Ademais, a guarda compartilhada é desaconselhável também quando uns

dos genitores não apresentam condições operacionais adequadas, a exemplo de

não possuir acomodação apropriada para receber seus filhos, residir longe da escola

dos filhos ao qual já está habituado e não possuir meios de romper essa barreira,

ausência constante do genitor por longos períodos, a trabalho ou por outros motivos

alheios, deixar a criança sobre cuidados de terceiros que não sejam os familiares

mais próximos, dentre outros.

Ana Maria Milano Silva esposa entendimento bastante pertinente a respeito

das desvantagens da aplicação da modalidade compartilhada de guarda: Finalmente, sem dúvida, o maior argumento contrário à guarda compartilhada é o que levanta a questão de que, na prática, a guarda conjunta só funciona quando pais e mães se entendem. E, dizem seus opositores, não há o que se fazer a fim de que casais traumatizados por longos e dolorosos processos judiciais possam, de repente, conversar amigavelmente sobre os problemas dos filhos. Muitos advogados e magistrados ainda vêem a tese do compartilhamento com desconfiança, pois entendem que esse tipo de guarda dividirá o mundo das crianças, principalmente quando os pais não morrem de amores, mas de ódio, um pelo outro. 68

A preocupação sobre a guarda compartilhada direciona-se, igualmente, na

instabilidade de residência, isto é, o receio de que a guarda compartilhada

transforme-se, na prática, em alternada, passando a criança uma semana na casa

do pai e outra na casa da mãe, transformando-os em verdadeiros “ioiôs” humanos

com mochilas nas costas sem identidade de lar, situação não prevista pelo

ordenamento civil brasileiro.

Para romper os problemas apontados, minimizando as desvantagens

porventura apresentadas pela aplicação do instituto da guarda compartilhada, faz-se

necessário convivam em harmonia, evitando a litigiosidade, bem assim que

procurem de plano fixar a residência habitual dos filhos, ofertando-lhe um ponto de

referência. Os genitores devem, ademais, privilegiar a continuidade de suas relações

com as crianças e protegê-las de seus conflitos, possibilitando a ocorrência de

cooperação parental e o estímulo ao entusiasmo de compartilharem direitos e

deveres no que se refere à responsabilidade pela proteção e educação dos seus

filhos, seres em desenvolvimento.

68 SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre a guarda compartilhada. 2. ed. São Paulo: JH Mizuno. 2008. p.162.

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CONCLUSÂO

A guisa de conclusão deste trabalho, convém tecer algumas considerações

finais acerca da guarda compartilhada.

Consiste a guarda compartilhada em instituto que surgiu com o escopo de

acompanhar as transformações ocorridas nas relações familiares, no passo da

evolução da sociedade contemporânea.

A aplicação dessa modalidade de guarda revelou-se, em regra, como a

solução que melhor atende aos anseios dos filhos e aos seus interesses, eis que,

apesar da ruptura do relacionamento entre seus pais, mantém a união parental dos

genitores para os filhos, implementando o direito dos filhos de conviver com o pai e a

mãe, cada qual com sua importância.

O exercício da guarda compartilhada permite à criança e ao adolescente nova

realidade, onde o vínculo de parentalidade deve ser mantido com harmonia, a fim de

que ocorra flexibilidade na participação com ambos os pais em assuntos importantes

de sua vida, a exemplo da educação, saúde, lazer, ou seja, no implemento de todos

os deveres estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, I,

seguida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Dessa feita, mostrou-se essencial que se mantenha a harmonia do

relacionamento entre os pais, que, pautados pela consensualidade, tomarão as

decisões atinentes ao destino dos filhos, nas mais diversas searas.

Ademais, devem os pais eleger um ponto fixo de residência para os filhos, não

havendo a possibilidade de ficar um período com cada um dos pais, sob pena de

transformar a guarda compartilhada em alternada, não prevista pelo ordenamento

pátrio. Entretanto, verificou-se a importância de se ofertar a criança um espaço

próprio na casa de cada um dos genitores, ofertando-lhes maior suporte emocional,

ao sentirem-se especiais onde quer que estejam.

Relevou-se, portanto, de salutar importância a alteração legislativa ocorrida,

no sentido da previsão expressa da guarda compartilhada, possibilitando aos

magistrados embasamento mais sólido no estabelecimento desta modalidade de

guarda, que há vários anos vem sendo apontada como a melhor solução para

proclamar a igualdade dos genitores na dinamicidade das relações familiares

vivenciadas atualmente.

.

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REFERÊNCIAS

AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada. São Paulo: Atlas, 2008. APASE. Disponível em:<Disponível em http://www.apase.org.br/81012-soboenfoque.htm>. Acesso em: 03 set. 2009. ______. Disponível em:<Disponível em http://www.apase.org.br/81012-soboenfoque.htm>. Acesso em: 17 nov. 2009. CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 2. ed. São Paulo: revista dos tribunais, 1993. 878 p. CARBONARA, Silvana Maria. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre, Sérgio Antônio Frabis, 2000. COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paiulo: Revista Dos Tribunais, 2003. p.53. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 17. ed. São Paulo, Saraiva, 2002. v. 5. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. GUISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. LAGRASTA NETO, Caetano. Direito de família: a família brasileira no final do século xx. São Paulo: Malheiros, 2000. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

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