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1 FACULDADE DE SÃO BENTO BACHARELADO EM TEOLOGIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DULCINDA CORRETO NAKAZAWA A ORAÇÃO: UM ENCONTRO COM DEUS São Paulo 2018

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FACULDADE DE SÃO BENTO

BACHARELADO EM TEOLOGIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

DULCINDA CORRETO NAKAZAWA

A ORAÇÃO: UM ENCONTRO COM DEUS

São Paulo

2018

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FACULDADE DE SÃO BENTO

BACHARELADO EM TEOLOGIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

DULCINDA CORRETO NAKAZAWA

A ORAÇÃO: UM ENCONTRO COM DEUS

Monografia apresentada como exigência

para obtenção do título de Bacharel em

Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Domingos Zamagna

São Paulo

2018

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DULCINDA CORRETO NAKAZAWA

A ORAÇÃO: UM ENCONTRO COM DEUS

Monografia apresentada como exigência

para obtenção do título de Bacharel em

Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Domingos Zamagna

Trabalho de conclusão de curso aprovado pela banca examinadora: em__ / __ / __

Prof. Dr. Domingos Zamagna

Prof. Me. Marcio Alexandre Couto

Prof. Me. Magno Vilela

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AGRADECIMENTOS

A Santíssima Trindade...

Que se comunicou ao homem o atraindo para oração.

À família...

Aos meus avós maternos pelo testemunho de uma vida de oração.

A minha mãe Esméria (In Memoriam) que me iniciou à vida cristã,

Ao meu esposo Cláudio, pela presença e incentivo durante o curso de Teologia.

Aos professores...

Pela transmissão de seus conhecimentos e motivando sempre a vida acadêmica.

Um agradecimento afetuoso...

À Congregação Escravas do Divino Coração, na qual dediquei-me durantes anos de

minha juventude e pude receber grande contribuição espiritual e intelectual.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Domingos Zamagna, pela disponibilidade e doação no

processo de desenvolvimento deste trabalho, sempre com a cordialidade e a escuta

evangélica, e por suas orientações que enriqueceram este trabalho. Também aos

estimados professores que compõem a banca examinadora Prof. Me. Marcio

Alexandre Couto e Prof. Me. Magno Vilela pelos quais tenho grande apreço.

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Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e fechando tua

porta, ora a teu Pai que está, no segredo; que vê no segredo, te

recompensará.

(Mt 6,6)

Eis como deveis rezar: Pai-nosso, que estais no céu, santificado

seja o vosso nome; venha a nós o vosso Reino; seja feita a vossa

vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia

nos daí hoje; perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós

perdoamos aos que nos ofenderam; e não nos deixeis cair em

tentação, mas livrai-nos do mal.

(Mateus 6, 9-13)

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RESUMO

Em toda história humana a busca pelo transcendente esteve presente. Essa busca se

manifesta de diversas formas, na qual destacamos a oração como meio do ser humano

encontrar-se com Deus e a partir desse encontro conhecê-lo. Com base na Sagrada

Escritura podemos verificar como se deu esse caminho da Revelação de Deus ao

homem e como nesse caminho se configurou a compreensão da oração como diálogo.

No Antigo Testamento a oração é compreendida a partir da experiência do povo com

Deus, na eleição do povo judeu e o agir de Deus em favor desse povo. Nesse contexto

as orações, como os Salmos expressam uma trajetória histórica dos feitos de Deus a

favor de seu povo escolhido. Essa perspectiva resulta em uma compreensão mais

comunitária, social da oração. No Novo Testamento, a partir de Jesus Cristo a oração é

compreendida de uma forma mais profunda, pois por meio d’Ele o cristão insere-se na

filiação Divina, ao qual pode chamar a Deus de Pai. A oração ensinada por Jesus aos

seus discípulos ressalta essa perspectiva, e vai configurar-se na oração mais comentada

em todo decorrer da história. Com a perspectiva cristocêntrica da oração a partir do

Novo Testamento o período da Patrística reforça as dimensões da oração partir dos

textos neotestamentários. Dentre os escritos da Patrística podemos abordar a

importância da fé na oração, que pode ser entendida como um encontro com Deus,

manifestada tanto na oração pessoal e silenciosa quanto na oração comunitária. Ambas

as dimensões da oração, são contempladas na oração do Pai-nosso. A oração do Pai-

nosso devido a sua importância tornou-se no decorrer da história a oração mais

importante para o cristão. Tornou-se objeto de reflexões e estudos, desde o período da

patrística. A oração, portanto, constitui em um encontro dom Deus que se revela e se

comunica ao ser humano.

Palavras-chave: Oração. Diálogo, Fé, Pai-nosso.

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ABSTRACT

In all human history the search for the transcendent was present. This search manifests

itself in several ways, in which we highlight prayer as the means of the human being to

meet God and from that encounter to know him. Based on Sacred Scripture, we can see

how this path of God's revelation to man took place and how the understanding of

prayer as a dialogue was configured on this path. In the Old Testament prayer is

understood from the experience of the people with God, the election of the Jewish

people and God's action on behalf of these people. In this context the prayers, like the

Psalms, express a historical trajectory of the deeds of God in favor of his chosen people.

This perspective results in a more communal, social understanding of prayer. In the

New Testament, from Jesus Christ prayer is understood in a deeper way, for through it

the Christian inserts himself into the Divine filiation, which he can call God the Father.

The prayer taught by Jesus to his disciples emphasizes this perspective, and will be

configured in the most commented prayer throughout history. With the Christocentric

perspective of prayer from the New Testament, the Patristic period reinforces the

dimensions of prayer from the New Testament texts. Among the writings of Patristics

we can address the importance of faith in prayer, which can be understood as an

encounter with God manifested both in personal and silent prayer and in community

prayer. Both dimensions of prayer are contemplated in the prayer of the Our Father. The

prayer of the Our Father because of its importance became in the course of history the

most important prayer for the Christian. It has become the object of reflections and

studies since the patristic period. Prayer, therefore, constitutes in a meeting God gift that

reveals itself and communicates to the human being.

Keywords: Prayer. Dialogue, Faith, Our Father.

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Sumário

INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 9

1. FUNDAMENTAÇÃO ESCRITURISTICA ............................................................ 11

1.1 CONCEITUALIZAÇÃO DA ORAÇÃO ............................................................. 11

1.2 ORAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO ........................................................... 14

1.3 ORAÇÃO NO NOVO TESTAMENTO............................................................... 21

2. FUNDAMENTAÇÃO PATRÍSTICA ...................................................................... 28

2.1 DIMENSÕES DA ORAÇÃO SEGUNDO ALGUNS PADRES DA IGREJA .... 29

2.1.1 Agostinho de Hipona: oração como encontro com Deus pela fé. ............ 29

2.1.2 Ambrósio de Milão: oração como encontro com Deus no silêncio. ......... 31

2.1.3 João Crisóstomo: oração como encontro com Deus na comunidade. ..... 33

3. A ORAÇÃO DO PAI-NOSSO. ................................................................................. 35

3.1 COMENTÁRIO SOBRE O PAI-NOSSO. ........................................................... 36

3.1.1 Pai-nosso que estás no céu........................................................................... 38

3.1.2 Santificado seja o vosso nome ..................................................................... 40

3.1.3 Venha a nós o vosso Reino .......................................................................... 41

3.1.4 Seja feita a sua vontade ............................................................................... 41

3.1.5 O pão nosso de cada dia nos dais hoje ....................................................... 43

3.1.6 Perdoai as nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores ... 43

3.1.7 Não nos deixeis cair em Tentação ............................................................... 45

3.1.8 Mas livrai-nos do mal .................................................................................. 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ........................................................................... 48

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INTRODUÇÃO

O tema da oração devido a sua grande importância tornou-se objeto de reflexões

e estudos no decorrer da história humana. A oração possui diversas dimensões, por isso

exige-se uma delimitação de sua abordagem. Um dos aspectos que caracterizam a

oração é a dimensão do encontro, uma vez que se entende a oração como diálogo. A

busca do ser humano em dialogar-se com o Ser transcendente, dá-se por meio da fé, são

os atributos da fé que orientam esse caminho de oração de cada ser humano.

Sob a ótica do cristianismo, Deus quis revelar-se ao ser humano, essa Revelação

de Deus constitui um encontro de Deus com a humanidade e pode ser compreendida por

meio da História da Salvação cuja fundamentação encontramos na Sagrada Escritura.

Este trabalho tem como objetivo apresentar a compreensão da oração como um

encontro com Deus, fundamentando-se na perspectiva bíblica e patrística. No primeiro

capítulo apresentamos uma breve concepção antropológica da oração na vida do ser

humano, essa necessidade e busca do ser humano em relacionar-se com o

transcendental, em seguida aprofundamos a compreensão da oração na Sagrada

Escritura, apresentando que no Antigo Testamento a oração é compreendida a partir da

experiência que o povo judeu fez no decorrer da história, o conhecimento e a fé em

Yahweh estão nos seus feitos pelo seu povo eleito, e a oração nesses períodos

apresentou grande relevo comunitário, constituindo-se na liturgia celebrada no Templo.

No Novo testamento a oração recebe um profundo significado na pessoa de Jesus

Cristo, em seu testemunho de oração bem como, na oração que ensinou aos seus

discípulos: o Pai-nosso.

No segundo capítulo apresentamos a oração como um encontro com Deus a

partir de três elementos: a fé, a oração pessoal e a oração comunitária fundamentados

em textos do período da Patrística. Iniciamos com uma breve apresentação da

importância de retornar a essas fontes no estudo teológico, em seguida utilizamos

escritos de Agostinho de Hipona, Ambrósio de Milão e João Crisóstomo, para

apresentar os três elementos da oração citados anteriormente e demonstrar que a

experiência de fé é fundamental para a oração e que a oração pessoal não exime o

cristão da vida e oração comunitária, local também de um encontro com Deus.

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No terceiro capítulo, apresentamos uma reflexão sobre o Pai-nosso,

fundamentando-nos principalmente na obra “Tratado sobre a Oração” uma coleta de

textos de Tertuliano, São Cipriano e Orígenes. A reflexão do Pai-nosso a partir dessa

obra visa reforçar a importância da reflexão patrística e também devido aos inúmeros

escritos sobre o Pai-nosso exigindo-nos delimitar nossa reflexão.

Enfim, percorrendo o caminho de reflexão proposto nesse trabalho é possível

perceber que a oração constitui um encontro com Deus, e que essa compreensão se deu

diversamente no decorrer da história, mas caracteriza ainda hoje um caminho para

experiência com Deus a todo ser humano.

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1. FUNDAMENTAÇÃO ESCRITURISTICA

1.1 CONCEITUALIZAÇÃO DA ORAÇÃO

Antes de iniciarmos um estudo sobre a oração na Sagrada Escritura, é importante

compreendermos o que é a oração e sua influência na vida do ser humano. O conceito

de oração é abrangente e pode ser abordado sob diversos aspectos. Para uma reflexão

sistematizada, podemos iniciar pela afirmação de que a oração é:

Um fenômeno fundante. Antes da existência pessoal, os pré-humanos se

encontravam imersos no mundo sem saber, inconsciente, sem consciência de

si mesmos, sem poderem diferenciar-se da realidade exterior e dos outros

indivíduos de sua espécie. Somente quando se torna pessoa, consciente de si

e capaz de comunicar-se de modo estruturado e simbólico, o ser humano

descobre e cria a oração. (PIKAZA, 2009, p.414)

Segundo esta afirmação de Pikaza (2009), a oração começou a fazer parte da

vida humana quando o ser humano passou a ter consciência de sua própria existência,

ou seja, a oração começou a existir a medida em que o ser humano passou a usar sua

razão, e por meio dela foi dando sentido e significado a todas as coisas. Nesse processo

da construção de sua própria consciência, e de sua capacidade racional, o ser humano

descobre a oração. Segundo o autor a oração não foi algo que o ser humano criou ao seu

bel prazer, mas surgiu de acordo com as realidades ou experiências superiores que se

lhe sobrevieram.

A oração desde sua origem, constitui um processo no qual o ser humano busca

respostas para suas realidades. Nessa busca encontra-se a busca de si mesmo, sua

interação com o mundo e, acima de tudo sua capacidade transcendental ao mistério:

A oração se descobre: não é algo que o ser humano possa criar a seu bel-

prazer, quando quer, mas a realidade ou experiência superior que lhe

sobrevém, experiência de ter sido chamado e de ter nascido dessa chamada,

certeza de encontrar-se animado por um mistério que ele não pode controlar,

pois o procede, o faz ser e o supera. Mas, ao mesmo tempo a oração se cria

como experiência que os seres humanos vão criando, caminho que eles

mesmos percorrem, de maneira organizada e surpreendente, na busca de si,

do sentido e da profundidade de sua própria realidade e tarefa sobre o mundo.

Neste aspecto podemos dizer que são eles a sua própria oração, entendida

como palavra e experiência de comunicação. (PIKAZA, 2009, p.414)

A partir da citação anterior, podemos encontrar alguns elementos fundamentais

que vão perpassar o estudo da oração: “experiência de ter sido chamado”, “ter nascido

dessa chamada”, “encontrar-se animado por um mistério”, “o precede, o faz ser e o

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supera”, “experiência de comunicação”. Tais elementos nos colocam diante do conceito

básico de oração, que em síntese é a experiência do ser humano com um Ser

transcendente, superior, que o anima, que se comunica e que constitui um mistério.

A oração enquadra-se então, na compreensão de que o ser humano, em sua

capacidade de transcender, busca por meio de sua consciência dialogar-se com o

mistério, com um Ser Superior, cuja relação ultrapassa os dados sensíveis e sua própria

razão; porém nesse processo vai dando-se a descoberta, a experiência:

Todo homem possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo

e pessoal. Como todas as coisas essenciais é invisível; esconde-se por detrás

de atos, comportamentos, palavras e gestos. Tudo isso vela e desvela, cobre e

descobre a interioridade humana. Na oração e na festa ela, porém se revela de

modo particularmente profundo. Porque se abre para o mistério de Deus,

experimentado como o que há de mais íntimo dentro de nossa vida e ao

mesmo tempo com o totalmente outro. (BOFF, 1971, p. 9)

Na medida em que o ser humano se abre para a oração, ou seja, nessa busca de

comunicar-se com o Ser – Transcendente simultaneamente vai dando sentido para sua

vida, ao passo que dessa comunicação brota uma orientação prática que orienta sua vida

ética e moral.

Podemos para fins deste trabalho, nos referirmos ao Ser – Transcendente como

Deus, de forma que posteriormente a abordagem sobre a oração será feita a partir da

Sagrada Escritura, onde Deus se revela, comunicando-se ao homem. Retomando a

reflexão do parágrafo anterior, podemos então afirmar, que na experiência do ser

humano com Deus, pela oração, vão se configurando exigências éticas e morais que

conduzem sua vida, segundo Schlesinger e Porto (1995. p.1929) “O homem ora para

compreender a vontade de Deus, a fim de que possa distinguir entre o que deve e o que

não; a afim de que possa saber o que esperar e o que Deus espera dele (não o que ele

espera de Deus); a fim de que ele possa perceber o propósito divino e servi-lo. ”

Essa orientação de vida que o ser humano vai adquirindo à medida em que se

coloca em relação com Deus constitui um conhecimento de si mesmo, de sua

interioridade e que o orienta, mas que também vai ganhar sua representação coletiva:

A oração supõe que o ser humano não está feito, não se encontra acabado a

partir de fora de si mesmo, definido por um tipo de lei que dita lá de cima o

que ele é e o que faz. Não está feito, deve fazer-se; não sabe aonde ir, mas

que deve buscar a meta e descobrir o caminho que a ela conduz. Pois bem, no

intenso caminho de seu ser e de seu tornar-se humano, não está sozinho: pode

dialogar e dialoga com o mistério da realidade que nele habita, o divino,

dialogando ao mesmo tempo consigo mesmo e com os outros” (PIKASA,

2009, p. 414)

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Em sua representação coletiva a oração pode ser abordada a partir do campo

social, porém sempre levando em conta aquela representação pessoal e convicção

interior de cada indivíduo pois “por meio da eleição e da aliança, Iahweh se tornou o

salvador de Israel e da cada israelita individualmente” (MCKENZIE, 2015, p.613). Não

podemos cair no rico de julgar que a oração, por se tratar de uma comunicação do ser

humano com Deus, em sua busca e abertura ao mistério, deva encerrar-se na

interioridade de cada indivíduo, sendo preciso salientar que:

Em perspectiva de interioridade, a oração parece terminar em si mesma, pois

nela o mundo ficava na sombra, superando-se na altura divina todas as

imagens e formas de vida. Ao contrário a oração da história abre o humano

para os outros: centraliza-o em Deus para enviá-lo novamente ao mundo,

com uma tarefa a serviço dos outros. (PIKASA, 2009, p. 417)

Segundo Pikasa (2009), “oração da história” pode ser compreendida como o

processo no qual o povo de Israel foi construindo sua experiência de Deus dentro da

história; Deus não está à parte das realidades humanas. A história do povo de Israel é

marcada no Antigo Testamento por muitas guerras, batalhas, e é em meio a essas

batalhas da história que Deus se revela, ou seja: “não se encontra fora, mas dentro da

própria guerra, ajudando a combater e vencer aos crentes, para quem a oração pertence

ao crescimento consciente da história humana, entendida como tempo de manifestação

divina” (PIKASA, 2009, p. 417).

A coletividade é, portanto, um fator primordial para entendermos essa interação

do homem com Deus, consigo mesmo e com os outros na identificação da busca do

mistério, e da experiência com Deus que se revela:

A oração se torna, por si mesma, comunitária, prática do encontro sagrado

com os outros, pelo menos com os membros da própria Igreja. A mesma

oração compartilhada fundamenta e delimita um grupo de pessoas que

descobrem juntas a Deus e cultivam na oração a sua presença. Assim se

vinculam, em perspectiva de mistério, presença criadora de deus,

compromisso de ação histórica e vinculação comunitária (PIKASA, 2009,

p.417).

É na perspectiva histórica e coletiva que podemos nos aprofundar sobre a oração

no contexto bíblico, no qual a oração vai se manifestando na história do povo de Israel,

em sua organização social, sua religião, entres outros fatores, pois a oração em sua

manifestação exterior está sempre ligada a outros fatores coletivos:

No decorrer da história, a oração tornou-se uma necessidade tão elementar

como a de conquistar, de trabalhar, de construir ou de amar. De fato, o

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sentimento religioso parece ser um impulso que brota do mais profundo da

nossa natureza, ou seja, é uma atividade fundamental. As suas variações estão

quase sempre ligadas às das outras atividades básicas – o senso moral, o

caráter e, por vezes, o sentimento do belo. (CARREL, 1999, p.53)

Tendo apresentado alguns conceitos básicos sobre a oração, é possível

adentrar a reflexão da oração no contexto da Sagrada Escritura. A partir da compreensão

da oração como um diálogo; no contexto da Sagrada Escritura podemos afirmar que:

Deus é o primeiro a chamar o homem. Ainda que o homem esqueça seu

Criador ou se esconda longe de sua Face, ainda que corra atrás de seus ídolos

ou acuse a divindade de tê-lo abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama

incessantemente cada pessoa ao encontro misterioso da oração. Essa atitude

de amor fie vem sempre em primeiro lugar na oração; a atitude do homem é

sempre resposta a esse amor fiel. À medida que deus se revela e revela o

homem a si mesmo, a oração aparece como um recíproco apelo, um drama de

Aliança. (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2567)

A oração, no contexto da Sagrada Escritura insere-se na Revelação de Deus à

humanidade, na interação entre o homem “que esta a procura de Deus” (CATECISMO

DA IGREJA CATOLICA, n.2566) e de Deus que se revela ao homem. Essa

comunicação entre Deus e o homem, é contemplada como a história da Salvação que

perpassa toda Sagrada Escritura.

Como a Sagrada Escritura é o conjunto de livros que compõem o Antigo e o

Novo Testamento, de forma que: “Deus, inspirador e autor dos livros dos dois

Testamentos, dispôs sabiamente que o Novo Testamento estivesse escondido no Antigo,

e o Antigo se tornasse claro no Novo”. (DEI VERBUM, n.16) nossa reflexão sobre a

oração, segue contextualizando-a nessa perspectiva.

1.2 ORAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO

Com base na fundamentação de que a oração é um diálogo, uma comunicação

entre o ser humano e o Deus que se revela, podemos afirmar que é pela oração que o ser

humano passou a conhecer a Deus, começou a participar da comunhão com Deus:

Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a

conhecer o mistério da sua vontade1,

mediante o qual os homens, por meio de

Cristo, Verbo encarnado, têm acesso no Espírito Santo ao Pai e se tornam

participantes da natureza divina2.

Em virtude desta Revelação, Deus

invisível3, no seu imenso amor, fala ao homens como a amigos

4 e conversa

1 Cf. Ef 1,9

2 Cf. Ef 2,18; 2Pd 1,4

3 Cf. Cl 1,15; 1Tm 1,17

4 Cf. Ex 33,11; Jo 15, 14-15

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com eles5,

para os convidar e admitir participarem da sua comunhão. (DEI

VERBUM , n.2)

É na Revelação de Deus à humanidade, que a oração constitui um encontro do

ser humano com Deus que “fala aos homens como amigos e conversa com eles”, nessa

experiência que o ser humano vai abrindo-se ao mistério.

Não podemos deixar de lado, a concepção coletiva da oração, pois para a

compreensão da oração contida na Revelação esse caráter social da oração tem grande

relevo, pois é na história de um povo que Deus se revela. Embora cada indivíduo possa

conhecer a Deus por meio de suas manifestações, é a representatividade coletiva desse

povo que marca o conhecimento da Revelação no Antigo Testamento:

A oração no Antigo Testamento implica e expressa numerosas ideias

teológicas que determinam seu caráter. É dirigida só a Iahweh; e somente

essa característica distingue-a das orações acádicas e egípcias, que são

frequentemente semelhantes no tom e na expressão[...] A oração israelita

afirma implicitamente e, às vezes, explicitamente que os títulos e petições da

oração só podem ser dirigidos a Iahweh porque só nele está a salvação.

Dirige-se a Iahweh como o Deus de Israel; isso significa que ele é o Deus da

aliança, o Deus da revelação que se manifestou a Israel, o Deus da eleição,

que escolheu Israel como o seu povo. (MCKENZIE, 2015, p. 612)

Verificamos que o caráter social, ou seja, a pertença a um povo que marcou a

Revelação de Deus no Antigo Testamento, foi por uma Aliança que Deus fez com esse

povo que o homem pôde conhecer a Deus:

Aprouve, no entanto, a Deus santificar e salvar os homens, não

individualmente, excluindo toda a relação entre os mesmos, mas formando

com eles um povo, que o conhecesse na verdade e o servisse em santidade. E

assim escolher Israel para seu povo, estabeleceu com ele uma aliança, e o foi

instruindo gradualmente, manifes tando, na própria história do povo, a si

mesmo e os desígnios da sua vontade e santificando-o para si. (LUMEN

GENTIUM, n. 9)

Essa comunicação de Deus ao povo de Israel é marcada por sua ação salvífica

em favor desse povo, o povo conhece a Deus que se revelou a Moisés como “Iahweh o

Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó” (Êxodo 3,

15) Deus ama esse povo, e está atento às suas orações:

Iahweh disse: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi

seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço suas angústias. Por

isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir desta

terra para uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel, o lugar dos

cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus.

Agora, o grito dos israelitas chegou até mim, e também vejo a opressão com

que os egípcios os estão oprimindo. (Êxodo 3, 9)

5 Cf, Br 3,38

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Este povo por meio da literatura, e por inspiração divina, vai transmitir sua

experiência com Deus; surgem então os textos sagrados nos quais podemos

compreender a interação do povo com Deus. Podemos verificar a partir da Sagrada

Escritura que a fonte da oração está na criação:

É sobretudo a partir das realidades da criação que se vive a oração. Os nove

primeiros capítulos do Gênesis descrevem essa relação com Deus como

oferenda dos primogênitos do rebanho de Abel6, como invocação do nome

divino por Enós7, como “caminhada com Deus”

8. A oferenda de Noé é

“agradável” a Deus, que o abençoa e, por meio dele, abençoa toda a criação9,

porque seu coração é justo e íntegro; também ele “caminha com Deus”10

.

Essa qualidade da oração é vivida por uma multidão de justos em todas as

religiões. Em sua Aliança indefectível com os seres vivos11

, Deus sempre

convida os homens a orar. Mas é sobretudo a partir de nosso pai Abraão que

a oração é revelada no Antigo Testamento. (CATECISMO DA IGREJA

CATOLICA, n. 2569)

O Catecismo da Igreja Católica, nos afirma que a partir da experiência de

Abraão se configurou uma profunda relação de Deus com seu povo, pois Abraão vai ser

o portador da promessa de Deus. Na perspectiva do Antigo Testamento essa relação de

Abraão com Deus é marcada pela fé. Nesse contexto, a fé torna-se um elemento

fundamental da oração. A fé nasce da Revelação de Deus e da abertura do homem em

acolher sua manifestação, foi assim com Abraão, e sua experiência de oração vai marcar

toda a história do povo de Israel.

Assim que Deus o chama, Abraão parte, “como lhe disse o Senhor”12

, seu

coração se mostra “submisso à Palavra”, ele obedece. A escuta do coração

que se decide segundo Deus é essencial à oração; as palavras lhe são

relativas. Mas a oração de Abraão se exprime primeiro por atos: como

homem de silêncio, ele constrói a cada etapa, um altar ao Senhor. Somente

mais tarde aparece sua primeira oração com palavras: uma queixa velada que

lembra a Deus suas promessas que parecem não se realizar. Desde o começo

aparece assim um dos aspectos do drama da oração: a provação da fé na

fidelidade de Deus. (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2570)

A experiência de Abraão vai delinear a experiência de oração do povo judeu. A

promessa de Deus feita a Abraão vai se concretizando à medida em que Deus

acompanha esse povo, está atento às suas necessidades, e o povo vai tomando

consciência desse Deus por meio dessa Revelação, de amor, de fidelidade de Deus a

Aliança feita com Abraão. Nessa perspectiva:

6 Cf. Gn 4,4

7 Cf. Gn 4,26

8 Cf. Gn 5,24

9 Cf. Gn 8, 20; 9,17

10 Cf. Gn 6,10

11 Cf. Gn 9, 8-16

12 Cf. Gn 12,4

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17

A oração do ponto de vista judaico, é a “conversa do homem com Deus,

acerca das duas esperanças”. É também, “a forma pela qual o homem

descobre cada dia que a vida tem sentido”. A oração é o processo pelo qual o

homem atinge o que há de melhor em si mesmo”. E finalmente: “a oração é

uma forma de fé”. (SCHLESINGER e PORTO 1995. P. 1929)

Essa compreensão da oração a partir da experiência da fé, nos remete a noção

básica da oração apresentada anteriormente que constitui num processo em que o ser

humano se abre à dimensão transcendental, sente-se chamado, e que nasceu desse

chamado, se comunica com o Ser Superior que o anima na vivência da própria vida.

Na abordagem do Antigo Testamento, ainda que de forma sucinta, podemos

verificar que a oração é o encontro do homem com Deus. De forma mais profunda

podemos afirmar que é Deus quem primeiramente se revela ao homem, como já citado

anteriormente “Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e

dar a conhecer o mistério da sua vontade” (DEI VERBUM, n.2)

Compreender a oração no Antigo Testamento requer um estudo profundamente

amplo de suas abordagens, para fins de contextualizar oração como um encontro com

Deus, além das noções já apresentadas podemos ressaltar algumas formas de oração que

marcaram o contexto da história do povo de Israel. A oração, no Antigo Testamento tem

essencialmente um caráter social, coletivo, é a experiência do povo judeu com Deus. A

oração está ligada ao culto prestado a Iahweh, cujo Templo é o local sagrado para sua

realização. Nessa dimensão podemos afirmar que a oração:

É parte integral da fé judaica e um fator indispensável do ponto de vista

teológico. A principais orações diárias dos israelitas são Tefilat -Minhá

(oração da tarde); Tefilat-Arvit (oração da noite). Podemos também

classificar as orações, do ponto de vista do seu conteúdo. Tornou-se hábito do

judaísmo, ao rezar, aproximar-se de deus, primeiramente com palavras de

louvou e de adoração. (SCHLESINGER E PORTO 1995. p.1929)

A oração envolve toda experiência do indivíduo e consequentemente do povo.

Logo, ao falar do conteúdo da oração encontramos as dimensões da oração dentro do

culto que o povo judeu prestava a Deus. O culto, como centro da vida oracional do povo

judeu tinha seu lugar próprio no Santuário. É no Templo que vemos a manifestação da

oração comunitária do povo de Israel. Segundo Mckenzie (2015, p. 613) “por causa do

caráter social da piedade israelita, a oração comunitária era de importância fundamental.

O lugar próprio da oração cultual era o santuário porque é o lugar da presença de

Iahweh” Nessa mesma perspectiva Bauer afirma:

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O pleno desenvolvimento, porém, da rica literatura de orações deve ser

atribuído ao culto de Deus no templo. Na época pré-exílica e ainda mais

depois, foram, no templo, proferidas e cantadas orações que expressavam as

múltiplas facetas da religiosidade de um povo em festa e, dentro dele, de cada

um. (BAUER, 2004, p. 292).

Também o Templo, lugar privilegiado do culto a Iahweh pelo povo judeu, está

inserido no contexto da Revelação e da Aliança:

A oração do povo de Deus florescerá à sombra da Casa de Deus, da Arca da

Aliança e mais tarde, do Templo. [...] O Templo de Jerusalém, a casa de

oração que Davi queria construir, será a obra de seu filho Salomão. A oração

da Dedicação do Templo se apoia na Promessa de Deus e em sua Aliança, na

presença ativa de seu nome entre o povo e a lembrança dos grandes feitos no

Êxodo. (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2578, 2580)

Embora a oração para o povo judeu no Antigo Testamento tenha seu caráter

mais fortemente comunitário, é importante ressaltar a dimensão da interioridade que

Deus exige de cada israelita. Deus exige uma oração que brote de uma verdadeira

conversão: “O senhor disse: Visto que este povo se chega junto a mim com palavras e

me glorifica com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Isaías 29, 13).

As exortações proféticas contidas no Antigo Testamento tendem a chamar a

atenção do povo judeu para a conversão a Deus, não bastava a oração exterior, era

preciso uma conversão pessoal, caso contrários as orações feitas no Templo não teriam

sentido:

O Templo devia ser para o povo de Deus o lugar de sua educação à oração: as

peregrinações, as festas, os sacrifícios, a oferenda da tarde, o incenso, os pães

da “proposição”, todos esses sinais da Santidade e da Glória de Deus,

Altíssimo e tão próximo, eram apelos e caminhos da oração. Mas o ritualismo

arrastava muitas vezes o povo para um culto por demais exterior. Faltava a

educação da fé, a conversão do coração. Foi a missão dos profetas antes e

depois do Exílio. (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2581).

A abordagem sobre a oração feita até este ponto, nos remete a uma compreensão

básica da oração no Antigo Testamento, da experiência tanto individual quanto

comunitária que caracterizou a Revelação de Deus ao povo judeu, e as expressões dessa

comunicação principalmente pelo culto coletivo prestado no Templo.

Podemos sintetizar a compreensão da oração no Antigo Testamento na seguinte

afirmação:

No Antigo Testamento a oração continua em Israel a mesma trajetória

evolutiva que sua fé em Deus. É o normal. Trata-se aliás, de um processo de

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séculos. A oração conserva no Antigo Testamento estreita relação com o

plano salvífico de Iahweh sobre Israel, o povo escolhido através de Abraão e

libertado da escravidão por meio de Moisés. Neste plano divino o

acontecimento culminante é, sem lugar para dúvidas, a aliança: “Passarei em

meio de vós, e serei para vós Deus, e vós sereis para mim um povo’

(Lv26,12) Deste modo Israel foi descobrindo, cada vez com maior clareza,

um Deus diferente e em toso os aspectos superior aos deuses dos povos

vizinhos. Iahweh se lhe apresenta, efetivamente como Deus pessoal e

vivente, cioso e providente, uno e único, paciente, compassivo e fidelíssimo,

e, ao mesmo tempo, poderoso, majestático e santo: imanente e transcendente

simultaneamente. A lado desta imagem de Deus caminha paralela uma forma

de oração que, com o tempo se vai delineando e aperfeiçoando: expressa

reconhecimento e admiração, gratidão e aceitação do plano de salvação que

lhe é oferecido, petição e perdão e confiante súplica no momento das

necessidades, lamento e louvor. O ponto de referência na oração será sempre

a aliança: “Por teu nome não nos rejeites... não rompas tua aliança conosco”

(Jr 14,20-21). (GAMARRA, 1988, p.625)

Uma última contribuição para essa compreensão até aqui apresentada, e que

não podemos deixar de apresentar, é a oração dos Salmos dentro da vivência oracional

do povo judeu. De forma sucinta podemos dizer que: “Os salmos foram pouco a pouco

reunidos numa coletânea de cinco livros: os Salmos (ou “Louvores”), obra-prima da

oração do Antigo Testamento. ” (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA. n. 2585).

Os Salmos expressam a experiência do povo de Israel com Deus. Há uma

variedade de conteúdo no conjunto de salmos, onde encontramos orações de louvor, de

penitência, entre outros. Podemos contextualizar o livro dos salmos nas palavras de

Mckenzie:

O livro é uma coletânea das devoções espontâneas e das crenças de Israel

desde a monarquia ao período pós -exílico. Na forma e no estilo, ele não é

profético, e sim lírico, vale dizer em certo sentido os Salmos são o

compêndio de todas as crenças de todo o Antigo Testamento, mas em outo

sentido, todo o Antigo Testamento é um comentário suficiente dos Salmos.

Os temas dos Salmos são antes supostos ou implícitos, pois na oração não se

pode explicar muita coisa, sobretudo quando ela é um canto. (MACKENZIE,

2015, p.758).

Segundo o autor, os salmos são as orações que expressam toda experiência do

povo judeu narrada no Antigo Testamento, nesse contexto podemos verificar que oração

e vivência se conjugam, e os salmos são provas disso. Na mesma perspectiva, Hamman

nos afirma:

Composto ao longo da história judaica, o Saltério – como os cânticos

dispersos através dos livros sagrados – traduz em oração a história de Israel,

o drama da salvação. Celebra a Gesta de Deus, no meio do seu povo, onde

cada indivíduo tem consciência de ser membro de um todo, no drama de seu

sofrimento como de sua esperança, do desígnio de Deus, que se realiza

lentamente, pacientemente, com a obstinação do amor misericordioso. Toda a

doutrina religiosa do Antigo Testamento reaparece ali sob a forma de oração

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e de meditação. Oração teológica, ou mais exatamente teologal, não no

sentido de fórmulas dogmáticas, abstratas, mas de uma fé existencial, a fé de

um povo que procura a Deus, pelas rotas de Abraão, de uma experiência

espiritual que conhece as intuições místicas. (HAMMAN, 1976, p.10)

Essa afirmação de Hamman, sintetiza a apresentação sobre a oração no Antigo

Testamento, demonstrando que os Salmos expressam como orações a história de vida

do povo judeu. É a apresentação sucinta da Revelação de Deus no Antigo Testamento,

expressa em cantos:

O Saltério é o livro me que a Palavra de Deus se torna oração do homem.

Nos outros livros do Antigo Testamento as palavras proclamam as obras (de

Deus em favor dos homens) e elucidam o mistério nessas contido. No

Saltério, as palavras do salmista exprimem, cantando-as a Deus, suas obras

de salvação. (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2585)

Podemos concluir a apresentação da oração no Antigo Testamento salientando

sua íntima ligação com a história da Salvação. Abordar a oração no Antigo Testamento

é ao mesmo tempo adentrar o campo da Revelação Divina, uma vez que como

apresentado incialmente a oração é essa relação do ser humano com o Ser

transcendente, neste caso Deus que se revelou por meio da eleição do povo judeu.

Se a oração é essa comunicação, concluímos que, o que conhecemos de Deus no

Antigo Testamento, é fruto da abertura do homem à Deus que nos revela quem somos e

ao mesmo tempo nos revela a Si mesmo. Toda essa experiência da oração, em diálogo

com Deus se plenificará no Novo Testamento, na pessoa de Jesus Cristo, Ele é a

Revelação de Deus por excelência pois, é o Filho de Deus encarnado. No Novo

Testamento, portanto, encontraremos uma significativa e aprofundada experiência sobre

a oração.

Oração no Antigo Testamento é, categoricamente, um encontro com Deus que se

revela, e que por meio dessa Revelação vai transformando a vida do povo. O povo pela

fé em Deus vai deixando-se ser conduzido por Ele, vai reafirmando sua identidade de

povo eleito, escolhido e amado. Oração, é encontro, é experiência marcante em toda

história.

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1.3 ORAÇÃO NO NOVO TESTAMENTO

Tendo apresentado alguns conceitos básicos da oração no Antigo Testamento,

podemos continuar a reflexão sob a perspectiva do Novo Testamento, onde a oração vai

ter grande relevo e significação na pessoa de Jesus Cristo. Segundo Laudazi (2012, p.

1806) “O Novo Testamento marca uma guinada na história da oração. O cristianismo é

por excelência a religião da oração, porque Cristo é a resposta às expectativas de Deus e

às expectativas dos homens”.

Para iniciar a abordagem da oração no Novo Testamento, é importante

considerar os conceitos apresentados anteriormente, principalmente no que concerne à

Revelação de Deus contida na Sagrada Escritura. Uma vez que oração é comunicação,

encontro, e Deus comunicou-se revelando a Si mesmo no Antigo Testamento, “quando,

porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher,

nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a

adoção filial”. (Gálatas 4,4).

No Antigo Testamento encontramos algumas teofanias, manifestações de Deus

ao seu povo escolhido Israel. Essas manifestações revelavam a presença de Deus em

meio ao seu povo, sua ação salvífica em prol de Israel. A oração, como já apresentada,

era dirigida a Iahweh, o Deus único. O “encontro” com Deus, dava-se por meio de sua

manifestação salvífica, libertando Israel do Egito, vencendo seus inimigos nas batalhas,

e elegendo os seus servos para servi-Lo diante do povo. Podemos verificar esse

encontro com Deus no Templo; como apresentado, era o lugar privilegiado da oração no

Antigo Testamento e onde havia o Santo dos Santos13, uma sala reservada que somente

o Sumo Sacerdote poderia entrar. Nesta sala havia a Arca da Aliança14, em que era

guardadas as Tábuas da Aliança, um vaso com o Maná que alimentou o povo no deserto

13

Santo dos Santos ou Santíssimo Lugar era uma sala do Tabernáculo, e mais tarde, se transformou em

uma sala do Templo de Salomão de 10 cúbitos x 10 cúbitos (5m x 5m) onde ficava guardada a Arca da

Aliança. Era aqui que se realizava anualmente uma cerimónia de sacrifício expiatório de um cordeiro sem

mácula (Ex. 12:5) pelos pecados do povo (Lev 4:35). Esta sala ficava separada do templo por uma cortina

de linho. Em caso de estar em pecado ao entrar, o sacerdote morria. E como o lugar era santíssimo, outros

não poderiam entrar, somente ele. (Wikpédia) 14

Segundo o livro do Êxodo, a montagem da Arca da Aliança foi orientada por Moisés, que por

instruções divinas indicou seu tamanho e forma. Nela foram guardadas as duas tábuas da lei; a vara

de Aarão; e um vaso do maná. Estas três coisas representavam a aliança de Deus com o povo de Israel.

Para judeus e prosélitos a Arca não era só uma representação, mas a própria presença de Deus.

(Wikpedia)

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e a vara de Aarão; era o lugar mais sagrado para os israelitas. A Arca da Aliança

representava o próprio Deus em meio ao seu povo:

A partir do momento em que as tábuas dos Dez Mandamentos foram

repousadas no interior da Arca e esta foi fechada, ela é tratada como o objeto

mais sagrado, como a própria representação de Deus na Terra. A Bíblia relata

complexos rituais para se estar em presença da Arca dentro do Tabernáculo

(o que normalmente era feito por Moisés ou algum sacerdote levita).

Segundo os relatos, Deus revelava-se como uma figura etérea que se

manifestava sobre os querubins que esticavam suas asas sobre a Arca. Tocar

a Arca era um ato de atrevimento punido severamente, e a Bíblia conta de

alguns casos em que pessoas tiveram morte instantânea apenas por tocar na

Arca (em I Samuel, um israelita tenta agarrar a Arca que está caindo no chão,

e mesmo assim é morto). Os varais permitiriam que ela fosse transportada

sem que fosse tocada. (AQUINO, 2018)

Essa referência ao Antigo Testamento serve para nos situar quanto à

compreensão da oração como um encontro com Deus. Esse encontro no Antigo

Testamento dava-se por meio da Arca da Aliança; a oração no templo, os sacrifícios,

todos os rituais estavam voltados para Deus, representado na Arca da Aliança. No Novo

Testamento, Deus vem ao encontro da humanidade, na pessoa de seu filho Jesus Cristo.

Na perspectiva teológica Deus encontra-se com a humanidade na sua própria condição

humana:

Ele, estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como

um deus, mas se despojou, tomando a forma de escravo. Tornando -se

semelhante aos homens e reconhecido em seu aspecto como um homem

abaixou-se tornando-se obediente até a morte, à morte sobre uma cruz.

(Filipenses 2, 6-8)

Compreender a Revelação de Deus no Novo Testamento é imprescindível para a

compreensão da oração como um encontro com Deus, justamente porque em Jesus

Cristo esta Revelação se dá em plenitude.

Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou-

nos Deus ultimamente, nestes nossos dias, por meio de seu Filho (Hb 1, 1-2)

Enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina todos os homens para

habitar entre os homens e explicar-lhes os segredos de Deus. Jesus Cristo,

Verbo feito carne, enviado “como homem aos homens”, “fala”, portanto “as

palavras de Deus” e consuma a obra de salvação que o Pai lhe mandou

realizar. Por isso ele, vendo o qual se vê também o Pai, com toda a presença e

manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e

sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição dentre os mortos, enfim

com o envio do Espírito de verdade, aperfeiçoa a Revelação completando-a, e

confirma com um testemunho divino: o de termos Deus conosco para nos

libertar das trevas do pecado e da morte, e para nos ressuscitar para a vida

eterna. (DEI VERBUM, n. 4)

Jesus Cristo é o “Deus conosco”. A oração no Novo Testamento se

fundamentará na pessoa de Jesus Cristo; n’Ele se dá o encontro de cada ser humano

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com Deus, porque: “Vede que manifestação de amor nos deu o Pai: sermos chamados

filhos de Deus, E nós o somos! ” (1Jo 3,1). Em Jesus Cristo, todo ser humano pode

encontrar-se com Deus.

No Antigo Testamento, Deus fez a aliança com o povo de Israel, como seu povo

escolhido; no Novo Testamento Jesus Cristo, institui uma Nova Aliança de valor

universal, todos aqueles que forem batizados em seu nome constituem o povo de Deus:

Em qualquer tempo e nação, é aceito por Deus todo aquele que o teme e

pratica a justiça (At 10,35). Aprouve, no entanto, a Deus santificar e salvar os

homens, não individualmente, excluindo toda a relação entre os mesmos, mas

formando com ele um povo, que o conhecesse na verdade e o servisse em

santidade. E assim escolheu Israel para seu povo, estabeleceu com ele uma

aliança, e o foi instruindo gradualmente, manifestando, na própria história do

povo, a si mesmo e os desígnios de sua vontade e santificando-o para si.

Tudo isto aconteceu como preparação e figura daquela aliança nova e

perfeita, que haveria de ser selada em Cristo, e da revelação mais plena que

havia de ser comunicada pelo próprio Verbo de Deus, feito carne. (LUMEN

GENTIUM, n.9)

Tomando como base a compreensão da Revelação em Jesus Cristo, podemos

refletir sobre o caminho da oração como um encontro com Deus no Novo Testamento.

A abordagem da oração no Novo Testamento pode ser bem ampla, tornando necessário

limitar a reflexão nos aspectos fundamentais da reflexão da oração como um encontro

com Deus, cujo objetivo pretendemos expor nesse trabalho.

Podemos partir da noção de que Jesus reformulou a maneira de orar,

introduzindo uma nova compreensão de Deus a partir de sua própria pessoa como Filho.

Mesmo tendo herdado a maneira judaica da oração, Jesus vai configurando uma nova

compreensão da oração. N’Ele o encontro com Deus vai se revelando de uma nova

forma. O Templo, continua sendo lugar de oração, Ele demonstra este zelo pelo Templo

como Casa de Deus15 ao mesmo tempo em que aponta para si mesmo como novo

Templo. Ele esteve no Templo e na sinagoga participando das ações litúrgicas

judaicas16 e também ia à montanha para orar17, Jesus traz novas dimensões da oração

que apontam para uma maior proximidade de Deus, para com o povo:

A atitude de Jesus em relação à prece é um himalaia de lições para o homem

de todas as épocas. Começa pelo extraordinário valor que lhe confere, até

mesmo em sua humilde e pungente feição de súplica, contrapondo-se assim à

piedade estoica que a julga inteiramente desnecessária, para não dizer

insolente, à vista da onipotência e onisciência de Deus. Perante a poliédrica

ritualística judaica de seu tempo manteve Jesus uma clara atitude de

15

Cf. Jo 2, 13-22 16

Cf. Lc 4,16-22 17

Cf. Mt 14,23

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confrontação crítica. O fato de ele haver adotado costumes do seu povo, não

nos deve levar a esquecer a mudança radical que ele vinha introduzir nas

tradições recebidas. Reivindicando plena autoridade e autonomia, insufla-

lhes espírito novo. Critica abertamente as formas ostentatórias da oração

sinagogal (Mt 6,5), porá haverem perdido seu significado orig inal de diálogo

com Deus. (SCHLESINGER e PORTO 1995. p. 1929)

No campo da oração, podemos dizer que Jesus rompeu com toda hipocrisia de

um culto vazio e sem frutos, criticou duramente os fariseus por colocarem fardos

pesados sobre o povo18. A compreensão da proximidade com Deus estava na

observância da Lei, que os judeus mantiveram como sustentáculo de sua fé em Iahweh,

do Deus Poderoso que os livrou do Egito, porém Jesus vem revelar Deus como Pai, isso

transforma profundamente a compreensão da oração e de como cada ser humano pode

encontrar-se com Deus:

Jesus tem plena consciência das misteriosas relações que o unem a seu Pai.

Esta consciência de uma união íntima com Deus vai aumentando desde sua

infância, porque existia desde que o Verbo de Deus tomou posse de sua alma

humana [...] Esta comunhão pessoal com o céu que o situa no mundo de Deus

como em seu próprio, exprime-se na expressão: Meu Pai, em que Cristo

sempre distingue sua relação de Filho, daquela dos discípulos. [...] a oração

situa Jesus no coração desta intimidade única, a mais íntima possível, a mais

pessoal também. (HAMMAN,1976, p.33)

A confiança em Iahweh na religião judaica que tem por fundamento sua ação

salvífica em meio ao povo, passa a ser transformada em uma confiança interior,

transmitida pelo próprio Filho de Deus, que ensina a chamar a Deus de Pai. Em Jesus o

caminho de encontro com Deus e da oração está centrado na interioridade de cada ser

humano, não excluindo por isso o culto exterior, mas valorizando – o por meio de uma

sincera interioridade e conversão pessoal:

Jesus foi altamente crítico de algumas práticas de oração da piedade dos

fariseus, ele exortou seus seguidores a não fazerem longas orações em

público, mas a orar brevemente e em privado, longas orações são mais

características da religião pagã do que da cristã. A hipocrisia dos fariseus

nunca é mais severamente posta em ridículo do que quando Jesus os descreve

como “devoradores das casas das viúvas enquanto eles fazem longas orações

em público” (Mc12,40; Lc20,47). (MCKENZIE,2015, p.613)

A oração feita a partir da experiência da fé, leva o cristão a uma experiência de

conversão, de amor ao próximo:

Oração é um abrir o coração a Deus. Precisamos possuir primeiro o coração

para dá-lo e fazê-lo aberto para Deus. Oração é um dialogar com Deus.

Preciso estar bem com Deus, assimilá-lo na vida para poder conversar com

Êle. Oração sem conversão não existe. Orar é uma das formas de amar. Amar

é buscar unidade. (BOFF, 1971, p. 26)

18

Cf. Mt 23,1-12

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Aqueles que oram a partir de Cristo e com Cristo, mergulham em uma

experiência pessoal e interior, movidos pela fé:

A oração toda mergulha o discípulo de Cristo em pleno mistério trinitário: da

oração à Trindade. É isso o que lhe dá sua interioridade. Esse caráter teologal

constitui a novidade da religião e a fé da Igreja. Por esse fato, a oração cristã

supõe primeiro o acolhimento do senhor e se consuma numa contemplação

que reconhece a graça recebida, por Cristo e no Espírito. (LAUDAZI, 2012,

p. 1808)

Para compreender a dimensão da oração a partir de Cristo, é importante

considerar que sendo Cristo o Filho de Deus, é pela fé em Cristo que participamos da

comunicação de Deus. Deus nos fala por meio do seu Filho e nós respondemos pela fé

no Filho enviado. Portanto, toda oração do cristão é uma participação da oração de

Cristo, é uma união a Ele. Nesse contexto encontramos no Novo Testamento os escritos

que situam a vivência da fé como uma participação da vida de Cristo. Ao mesmo tempo

Cristo nos coloca que na oração é em seu nome que devemos pedir: “Se me pedirdes

algo em meu nome, eu o farei” (Jo 14,14) e termos fé é fundamental na oração: “Em

verdade vos digo: se tiverdes fé, sem duvidar, fareis não só o que fiz com a figueira,

mas até mesmo se disserdes a esta montanha: ‘Ergue-te e lança-te ao mar’, isso

acontecerá. E tudo o que pedirdes com fé, em oração, vós o recebereis” (Mt 21,21-22)

A oração feita em nome de Jesus enfatiza sua participação na oração do cristão,

ele que tendo subido céu continua a orar com seu povo:

Mas a fórmula “orar em nome de Jesus” quer dizer, a princípio, que, em

orando, os discípulos continuam a ter necessidade da sua presença do próprio

Jesus, da mesma forma como a tinham durante sua vida terrena, e que essa

ajuda lhes é concedida, pois ele não estará ausente. “Até agora não tendes

pedido em meu nome”, diz Jesus (Jo, 16,24). Com efeito, quando ele estava

encarnado, estava junto deles intercedendo por eles. Doravante, deve-se

invocar em seu nome para que a sua ajuda na oração lhes seja ofertada.

(CULLMANN, 2009, p. 227)

Essa participação em Cristo, pela oração nos remete às suas palavras: “Eis que

eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos! “ (Mt28,20). Orar em

nome de Jesus, é orar com Jesus, e devemos aprender d’Ele o caminho da oração. Os

Evangelhos nos apresentam em vários momentos as atitudes de Jesus em relação a

oração. Ele aponta a interioridade, e condena as aparências e o exibicionismo da oração:

E quando orardes, não sejais como hipócritas, porque eles gostam de fazer

oração pondo-se em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos

pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa. Tu,

porém, quando orares, entra no teu quarto e fechando tua porta, ora a teu Pai

que está, no segredo; que vê no segredo, te recompensará. (Mt 6,1-4)

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Também nos afirma, que a confiança em Deus, em sua bondade de Pai nos

concede o quanto necessitarmos se o pedirmos:

Pedi e vos será dado, buscai e achareis; batei e vos será aberto; pois todo o

que pede recebe; o que busca acha e ao que bate se lhe abrirá . Quem dentre

vós dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão? Ou lhe dará uma cobra

se este lhe pedir peixe? Ora, se vós que sois maus sabei dar boas dádivas aos

vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos

que lhe pedem! (Mt 7,7-11)

Essas e outras passagens dos Evangelhos nos confirmam que “Jesus ensina que o

cristão deve orar com plena confiança de que a sua oração será atendida; o Pai trata

conosco como um pai trata seus filhos” (MCKENZIE, 2015, p.614).

Por meio da reflexão até aqui apresentada, podemos compreender basicamente o

significado da oração a partir de Jesus Cristo. É certo que, como já afirmado, o estudo

da oração é amplo, por isso nos detemos em compreender alguns elementos básicos da

oração como encontro com Deus.

Os evangelhos nos narram que Jesus se retirava para orar a sós, essa atitude de

Jesus está presente desde o início de seu ministério: desde quando esteve no deserto e

foi tentado pelo diabo19, aos momentos finais antes de sua morte na cruz20. Em Jesus, a

oração tem profunda dimensão interior, por isso, onde quer que o cristão esteja ele pode

elevar seu coração a Deus e num diálogo pela fé, une-se em comunhão com Deus. Logo

a oração constitui um encontro do cristão com Deus, em seu íntimo, pois Deus faz

morada em seu coração, segundo Pikasa:

Essa oração de interioridade pode ser entendida como diálogo com o

mistério, em outras palavras, como descobrimento de que somos

transparência do mistério. Trata-se de tirar os véus que colocamos diante de

nós, para deixarmos de nos enganar e ver-nos como somos. Trata-se de

apenas estar, de simplesmente sermos o que somos, a partir da Luz, da

Verdade e da Vida que nos faz, ou melhor, que é nossa vida. Tal pudéssemos

dizer que somos sustentados, quer dizer, habitados por Aquilo – Aquele que

nos sustém. Por isso, a oração não é ação particular, mas o reconhecimento

da imanência divina, que nos fundamenta e faz com que sejamos. (PIKASA,

2009. p. 416)

Essa dimensão interior, não exclui a dimensão exterior da oração, pois Jesus em

todo seu ministério salientou a necessidade de orar. A oração do Pai Nosso ensinada por

Jesus nos coloca diante também da dimensão comunitária da oração. A dimensão

comunitária já presente nos evangelhos será mais fortemente apresentada após sua

19

Mt 4,1-3 20

Mt 26,3646.

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ressurreição, a partir das primeiras comunidades cristãs. O próprio livro dos Atos dos

Apóstolos nos afirma: “ Todos estes, unânimes perseveravam na oração com algumas

mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, com os seus irmãos” (At 1,14).

A oração como encontro com Deus, no Novo Testamento, portanto, está

centralizada na pessoa de Jesus Cristo, e possui em si várias dimensões que podem ser

abordadas. Importante é considerar que em Jesus Cristo a oração constitui ao mesmo

tempo um encontro com Deus, o cristão ao orar com Cristo participa de sua vida,

assume sua dimensão salvífica que Deus quis para o ser humano desde sua queda no

paraíso.

Nessa mesma perspectiva, podemos ler os demais livros do Novo Testamento, os

Atos dos Apóstolos, as cartas paulinas, as cartas católicas, os escritos joaninos, enfim

todo Novo Testamento vai fundamentar-se na pessoa de Jesus Cristo em suas palavras e

em seu testemunho de oração. Certamente, os escritos neotestamentários possuem cada

qual, sua particularidade devido ao contexto e destino para o qual foram escritos.

Essa compreensão da oração em Jesus Cristo, nos dá uma noção básica da

oração no Novo Testamento, suficiente para compreender que a oração constitui um

encontro com Deus a partir de Jesus Cristo. Temos por excelência nessa reflexão, a

oração que Jesus ensinou, que não adentramos nesse capitulo tendo em vista seu

desenvolvimento mais aprofundado no terceiro capítulo deste trabalho.

A compreensão da oração vai sendo reforçada sob novas perspectivas,

aprofundadas a partir do Novo Testamento, e de forma especial podemos verificar seu

profundo desenvolvimento também no período da Patrística.

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2. FUNDAMENTAÇÃO PATRÍSTICA

Para adentrarmos o estudo sobre a oração no período da Patrística precisamos

primeiramente situarmo-nos em alguns aspectos importantes que marcaram esse

período. Inicialmente é importante considerar que o período da patrística:

São os séculos em que tem origem e em que se difunde o cristianismo. E a

mutação da qual se falava em muitos lugares é devida exatamente ao próprio

cristianismo. A patrologia, a patrística, e a literatura cristã antiga são

disciplinas que estudam a vida, as obras, o pensamento dos autores da

antiguidade cristã e que representam uma importante fonte para melhor

conhecer não só a existência interna das comunidades cristãs, mas também o

mundo externo com que aquelas mesmas comunidades entram em contato e

nas quais se inserem gradualmente. Certamente a maior contribuição trazidas

por elas para o conhecimento das atitudes espirituais, culturais e pastorais dos

cristãos dos primeiros séculos são os Padres que criam um estilo de vida

correspondente ao espírito evangélico: comentam o AT e o NT, fixam o

cânon dos livros sagrados, pregam inúmeros sermões, explicam o s ignificado

e as implicações das regulae fidei, em relação às heresias que iam surgindo,

que mantêm em relação a sua fé com a cultura do tempo, ainda dão forma às

liturgias e colocam as bases da disciplina canônica. (SINISCALCO, 2010,

p.1344)

Com base na definição dada por Siniscalco (2010), podemos verificar a grande

relevância do período da Patrística para o pensamento teológico, pois neste período

configurou-se as bases da doutrina da Igreja, e seus pensamentos dão continuidade ao

anúncio da Boa Nova inaugurada por Cristo. Sua proximidade histórica com aqueles

acontecimentos narrados nos evangelhos constitui um fator primordial para construção

do pensamento teológico cristão, pois:

São eles, em suma, as testemunhas privilegiadas da Tradição, os construtores

‘de um método teológico que tem a marca da novidade, baseando-se sobre a

revelação, entendida como mensagem de Deus que se torna conhecido do

homem; são eles os mediadores da revelação de Deus. (SINISCALCO, 2010,

p. 1345)

Podemos afirmar que a necessidade de retomar o pensamento do período da

patrística na abordagem de alguns conceitos teológicos, constitui um retorno às fontes

que caracteriza uma compreensão mais próxima de sua origem, em outras palavras:

É um fato que ao longo dos séculos e até hoje a Igreja e as Igrejas precisaram

confrontar-se com os Padres e com os escritores eclesiásticos antigos. Para

cada geração cristã o ponto dirimente foi o de encontrar o cristianismo na sua

plenitude. Mas como encontrá-lo senão retornando às suas fontes? Como

encontrar o significado de tanta vida, de tantas doutrinas e de tantas

instituições, a nãos ser procurando colher nas fontes aquele pensamento

criador do qual foram testemunhas? Mas retornar às fontes significa remontar

aos primeiros séculos da era cristã. (SINISCALCO, 2010, p. 1345)

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Retornar ás fontes, nos coloca diante de uma vasta literatura sobre oração, os

escritos dos Padres da Igreja abordam a oração em diferentes perspectivas a partir dos

evangelhos, sobretudo da oração do Pai-Nosso ensinado por Jesus, como nos afirma

Hamman (2002) “os dois primeiros séculos de experiência espiritual prepararam a idade

área do Padres e elaboraram a oração cristã, a partir do evangelho, sobretudo da Oração

do Senhor”.

Dentre os escritos sobre a oração do período da patrística, podemos refletir sobre

algumas dimensões importantes da oração como encontro com Deus a partir de alguns

textos redigidos nessa época, nos quais ressaltamos a fé, a oração silenciosa e a oração

comunitária como um encontro com Deus.

2.1 DIMENSÕES DA ORAÇÃO SEGUNDO ALGUNS PADRES DA IGREJA

A oração a partir da perspectiva bíblica, nos demonstra o papel da fé em Deus na

oração do crente. No Novo Testamento ao ensinar seus discípulos a orar, Jesus ressalta

uma profunda dimensão interior da oração, essa oração feita no silêncio “Quando

orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê

num lugar oculto recompensar-te-á.” (Mateus 6,6). Essa dimensão interior não excluí a

participação do cristão na oração comunitária, prova disso, são os relatos dos Atos dos

Apóstolos no qual podemos verificar a dimensão comunitária da oração:

Assim que chegaram, subiram a um grande aposento onde se hospedavam.

Estavam presentes: Pedro e João, Tiago e André, Felipe e Tomé, Bartolomeu

e Mateus; Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, filho de

Tiago. 14Todos estes, perseveravam unânimes em oração, juntamente com as

mulheres, com Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele. (Atos1,13)

Podemos refletir de forma sucinta estes três aspectos da oração: a fé, oração

pessoal e a oração comunitária. Ambas como expressão do encontro do homem com

Deus.

2.1.1 Agostinho de Hipona: oração como encontro com Deus pela fé.

Agostinho de Hipona nasceu em 13 de novembro de 354 em Tagaste, suas obras

são de grande relevância tanto para a filosofia quanto para a teologia, pois “desenvolveu

uma fecundíssima atividade teológica que o levou a enfrentar maniqueus donatistas,

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pelagianos, arianos e pagãos” (MANZANARES, 1995, p. 13). Suas obras são

numerosíssimas e abrange diversas áreas do conhecimento, dentro o qual podemos

destacar sua teologia:

Numa magnífica conjunção de fé e razão, o pensamento agostiniano gira em

torno de Deus (o ser sumo, primeira verdade, o eterno amor sem o qual é

impossível achar o descanso da alma) e do homem. [...] Seu método

teológico baseia-se na adesão à autoridade da fé que se manifesta na Escritura

(de origem divina, inerrante, lida literalmente em suas documentações

dogmáticas e com concessões alegóricas na pregação popular), lida à luz da

Tradição e dotada de um cânon estabelecido pela Igreja. Esta união à

Escritura deve-se viver em amor e expressar com exatidão terminológica.

(MANZANARES, 1995, p.15)

Agostinho escreve inúmeras obras das quais podemos encontrar a dimensão da

oração, como os comentários dos Salmos entre outras. A fim da contextualização deste

trabalho e de forma sucinta apresentamos uma de suas reflexões sobre a fé. Partindo da

experiência de fé, o cristão pela oração faz seu encontro dom Deus. Agostinho nos

afirma que esta fé, é um dom do próprio Deus ao ser humano, nesta perspectiva

podemos ressaltar que Deus tem o desejo de se revelar, de ter o encontro com o homem

e concede-lhe o dom da fé. Agostinho ao refletir sobre a carta do apóstolo Paulo à

comunidade dos Colossenses, nos diz que:

O Apóstolo adverte que o início da fé é também dom de Deus, pelo que quis

dizer na carta aos colossenses: Perseverai na oração, vigilantes, com ação de

graças, orando por nós também ao mesmo tempo, para que Deus nos abra

uma porta à Palavra, para falarmos do mistério de Cristo, pelo qual estou

prisioneiro, a fim de que eu dele fale como devo (Cl 4,2-4). E como se abre a

porta à Palavra, se não é abrindo-se o sentido do ouvinte para crer e, dado o

início da fé, acolha o que é anunciado e exposto para edificar a doutrina da

salvação, e não aconteça que, fechado o coração pela infidelidade, desaprove

ou rechace o que se prega.

Com base na afirmação o apóstolo Paulo, Agostinho nos demonstra que o cristão

para acolher a palavra deve estar com as portas abertas, referindo-se aos sentidos, de

modo que pela pregação este possa chegar ao conhecimento de Deus. Essa abertura,

esse início da fé, nos diz Agostinho que é também dom de Deus que quer comunicar-se

e ter o encontro com o homem.

Nesse caminho da experiência dom Deus como um encontro, a fé dom de Deus

ao crente, acontece mediante a oração, pois junto a essa comunicação encontramos a

exortação à oração para que Deus conceda esse dom aos destinatários da Boa Nova

anunciada:

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Mas voltemos à abertura da porta, símbolo do início da fé nos ouvintes. O

que significa: Orando também por nós ao mesmo tempo para que Deus nos

abra uma porta à Palavra, senão uma demonstração claríssima de que o

próprio início da fé é dom de Deus? Pois, não se suplicaria a Deus pela

oração, se não se acreditasse vir dele a concessão. Este dom da graça celeste

descera sobre a

negociante de púrpura, à qual, como diz a Escritura nos Atos dos Apóstolos:

O Senhor lhe abriu o coração, de sorte que ela aderiu às palavras de Paulo (At

16,14). Era assim chamada para que tivesse fé, pois Deus atua como quer nos

corações humanos ou ajudando ou julgando, com a finalidade de executar por

meio deles o que em seu poder e em sua sabedoria havia predestinado

realizar (At 4,28).

Para fazermos a experiência do encontro com Deus mediante a oração, devemos

ter o coração aberto a ação de Deus, que prepara nosso coração para acolher sua

mensagem. Conforme o comentário mencionado, Deus prepara o coração dos ouvintes

para acolher a mensagem da Palavra anunciada e nessa acolhida se revela ao homem,

gerando no mesmo a experiência do encontro, mediante sua fé.

A experiência do encontro com Deus mediante a fé é alimentada pela oração,

nesse sentido ora-se porque tem fé. A partir da fé em Deus o cristão pode fazer a

experiência da oração, que por sua vez possui suas inúmeras dimensões das quais

destacamos a dimensão pessoal, através do silêncio e recolhimento, e da dimensão

comunitária em que o cristão está inserido, formando um só corpo que é a Igreja.

2.1.2 Ambrósio de Milão: oração como encontro com Deus no silêncio.

Ambrósio de Milão nasceu em Tréveris no ano de 337 ou 339, quanto aos seus

escritos podemos dizer que:

“Ambrósio foi de uma fecundidade considerável no que se refere à sua

produção literária. Defensor da existência na Escritura de um tríplice sentido

(literal, moral e alegórico-místico) escreveu, segundo temos notícia, cerca de

vinte obras exegéticas embora não tenham chegado todas até nós. [...]

deixou-nos também obras morais, chegaram também até nós discursos,

cartas, algumas composições poéticas e hinos. (MANZANARES, 1995, p.25)

Dentro de seus escritos, encontramos uma reflexão que nos situa diante da

perspectiva da oração pessoal. Sua reflexão sobre a importância do silêncio na oração,

parte da mensagem evangélica na qual Cristo afirmou. “Quando orares, entra no teu

quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto

recompensar-te-á.” (Mateus 6,6), sobre esta perícope evangélica Ambrósio nos afirma:

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Tu, quando rezas, entra em teu cubículo. Ele diz bem: entra, para que não

rezes como os judeus aos quais foi dito: “Este povo me honra com os lábios,

mas o seu coração está longe de mim” (Is 9,13; Mt 15,8). Que tua oração,

portanto, não saia apenas dos teus lábios. Põe toda atenção do teu ânimo,

entra no íntimo do teu peito, e entra aí todo inteiro. Que aquele a quem

desejas agradar não te

encontre negligente. Que ele veja que rezas de coração, para que, rezando de

coração, ele se digne ouvir-te. 14. Tu, porém, quando orares, entra em teu

quarto. Encontras isso em outro lugar: “Vai, meu povo, entra em teu recesso,

esconde-te um pouco, até que passe a ira do Senhor” (Is 26,20). O Senhor

disse

isso por meio do profeta. No Evangelho, porém, ele diz: “Tu, quando rezares,

entra em teu quarto e, fechada a porta, reza ao teu Pai”. (AMBROSIO DE

MILÃO, VI Livro, p.72)

Esta reflexão de Ambrósio nos revela que a oração possui um caráter interior,

pois deve partir do íntimo do peito, de um recolhimento interior dirigindo-se para

aquele que se deseja agradar. O encontro com Deus dá-se no interior do cristão que

movido pela fé dirige-se para dentro de si mesmo ao encontro com Deus, Ambrósio nos

ressalta essa dimensão com as seguintes palavras:

O que significa porta fechada? Que porta temos nós? Sabe que tens uma

porta que deves fechar quando rezas. Deus queira que as mulheres ouçam! Tu

já ouviste, quando o santo Davi te ensinou, dizendo: “Senhor, põe uma

guarda em minha boca e uma porta em torno dos meus lábios” (Sl 140,3). Há

também uma porta da qual fala o apóstolo Paulo: “Para que abra para mim a

porta da palavra, a fim de falar do mistério de Cristo” (Cl 4,3), isto é: quando

rezas, não fiques gritando, não espalhe a tua oração, nem te vanglories no

meio das pessoas: reza secretamente em ti mesmo, seguro de que aquele que

tudo vê e tudo ouve, pode te ouvir em segredo, e “reza então ao teu Pai

escondidamente”.

De fato, “aquele que vê o que está escondido” (Mt 6,6), ouve a tua oração.

Essa dimensão interior, da oração feita no silêncio nos revela que o encontro

com Deus se realiza a partir da fé e do desejo mais profundo de cada cristão com um

gesto de humildade e recolhimento, Ambrósio critica o exibicionismo da oração, como

meio exterior de vangloriar-se, e reafirma as palavras evangélicas de que Deus vê

coração do homem e aquilo que ele deseja revelar-se no segredo do seu interior.

Na oração feita a partir de seu interior, no silêncio o homem faz seu encontro

com Deus, que vê e conhece seu interior. Mas é importante salientar que essa dimensão

da oração não exclui a forma litúrgica da oração, ou seja, sua dimensão comunitária.

Quando reunidos em comunidade, pertencente a um só corpo que é a Igreja, a oração

comunitária tem sua expressão interior revelada no culto prestado a Deus. Além da

dimensão pessoal, interior, secreta da oração, o encontro com Deus dá-se também na

dimensão comunitária.

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2.1.3 João Crisóstomo: oração como encontro com Deus na comunidade.

João Crisóstomo nasceu entre 344 e 354 em Antioquia, de família nobre e rica.

Ao referir-se às suas obras Manzanares nos afirma:

João Crisóstomo é o autor mais fecundo entre os Padres gregos Contudo, a

maior parte de suas obras são sermões de tipo exegético (sobre os salmos,

Isaías, Mateus, João, Atos, Romanos etc.), dogmático (Sobre a

incompreensível natureza de Deus, Contra os judeus, etc), de circunstâncias

(Homilia sobre as estátuas, as duas homilias Sobre Eutrópico etc). Escreveu

também catequeses batismais, uma série de tratados (Sobre o sacerdócio,

Sobre a vida monástica, Contra pagãos e judeus, etc.) e cartas.

(MANZANARES, 1995, p.133)

Em uma de suas homilias, João Crisóstomo nos aponta para a importância da

oração comunitária, ressalta o valor da oração conjunta ao mesmo tempo que critica

aqueles que desfazendo dessa perspectiva da oração encontram meios para justificar-se

da ausência da comunidade:

Qual a gélida desculpa de muitos? Eu posso, dizem eles, rezar também em

casa, enquanto é impossível ouvir em casa homilia ou instrução. Enganas -te a

ti mesmo, ó homem. Se, de fato, podes rezar em casa, não podes rezar do

mesmo modo que na igreja, onde se encontra grande número de Pais e onde

um clamor unânime sobe até Deus. Ao invocares o Senhor particularmente

não és atendido tão bem como na companhia dos irmãos. Aqui existe algo

mais, a saber, a concordância dos espíritos e a unanimidade das vozes, o nexo

da caridade e as orações sacerdotais. Efetivamente, os sacerdotes presidem a

fim de que as orações do povo, mais fracas, unidas às deles, mais fortes,

simultaneamente se elevem para o céu. (JOÃO CRISÓSTOMO, Terceira

Homilia, p. 63)

Crisóstomo sobrepõe o valor da oração comunitária à oração indivieual, onde

encontramos “a concordância dos espíritos e a unanimidade das vozes, o nexo da

caridade e as orações sacerdotais”, esta dimensão da oração comunitária e sua

importância foi anunciada por Jesus Cristo nos evangelhos: “Uma vez mais vos

asseguro que, se dois dentre vós concordarem na terra em qualquer assunto sobre o qual

pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus. Porquanto, onde se reunirem

dois ou três em meu Nome, ali Eu estarei no meio deles”. (Mateus 18, 19-20).

Em vários textos da Sagrada Escritura é possível verificar a importância da

oração comunitária, referindo-se libertação de Pedro da prisão como resposta da oração

da comunidade, Crisóstomo nos afirma:

Se a oração da Igreja foi tão útil a Pedro e tirou da prisão esta coluna, dize-

me como tu podes menosprezar sua eficácia, e que defesa terás? Escuta o

próprio Deus a afirmar que ele se torna propício quando o povo o invoca de

boa mente. Aconteceu isso quando ele se defendia das queixas de Jonas, por

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causa da planta da mamona, nesses termos: “Tu tens pena da mamona, que

não te custou trabalho e que não fizeste crescer. E eu não terei pena de

Nínive, a grande cidade, onde há mais de cento e vinte mil homens? ”. De

propósito ele destaca o número dos habitantes, para que saibas que a oração

de muitas vozes unidas tem grande poder. Quero mostrá-lo igualmente por

um exemplo da história humana geral. (JOÃO CRISÓSTOMO, Terceira

Homilia, p. 64)

O encontro com Deus pela oração dá-se também em sua dimensão comunitária,

nesse contexto a liturgia ganha seu grande relevo. Tanto a dimensão comunitária quanto

a dimensão pessoal, interior, da oração são encontradas na oração do Pai-nosso.

Ao ensinar seus discípulos a oração do Pai-nosso, Jesus o faz sobre a dimensão

comunitária, e coloca-nos todos como filhos de Deus. Torna-se, portanto, importante

uma reflexão mais aprofundada sobre a oração do Pai-nosso.

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3. A ORAÇÃO DO PAI-NOSSO.

Na abordagem da oração como encontro com Deus, apresentamos alguns

conceitos básicos que nos permitissem uma compreensão sucinta sobre a oração desde o

a Antigo Testamento, ao Novo Testamento e no período da Patrística, e como ela

representa um encontro com Deus. Essa Revelação de Deus, teve sua plenitude em

Jesus Cristo, e foi Ele quem ensinou os homens a orar chamando a Deus de Pai.

Essa oração que Jesus nos ensinou, é a oração por excelência, pois nela está

contida toda a mensagem que Jesus transmitiu em sua missão. Segundo Bauer (2004,

p.293) “Desde o começo a Igreja baseou-se no modo como Jesus orava e colocou

consequentemente o Pai-nosso no centro de sua vida de oração. O Pai-nosso é uma das

orações fundamentais da tradição cristã, influenciou tanto a liturgia como a piedade

individual”.

O Pai-nosso, é uma oração que demonstra a universalidade da missão salvífica

de Cristo, nele formamos um novo Israel:

Cristo tomou sempre muito cuidado em mostrar a diferença que separa nossa

atitude da sua com relação a seu Pai. Na oração judaica, a denominação Pai

era rara. Na boca de Jesus, ela supõe a suprema revelação da natureza íntima

de Deus eu se exprime no Filho: reconhecer o Filho é reconhecer o Pai. Toda

a missão de jesus está incluída neste título. O Antigo Testamento já tinha o

sentido descendente desta denominação: Pai-Filho. Mas o Israelita não

ousava deduzir a recíproca: Filho-Pai. O Pai-nosso acaba com esta última

distância e ensina-nos a dizer: Nosso Pai. A comunidade messiânica, e cada

cristão enquanto membro desta comunidade, e unicamente a este título, pode

doravante dizer: Nosso Pai. Todos aqueles foram escolhidos, todos aqueles

que compõem o novo Israel entram desde agora numa nova relação, abolindo

todos os outros laços de sangue e de raça. O Nós, s ão aqueles a aquém Deus

se revelou. (HAMMAN, 1976, p. 40)

A oração do Pai-nosso é, portanto, a oração daquele que faz a experiência de

Deus como Pai, concomitante à experiência com seu Filho Jesus, pois Deus se revela

como Pai no Filho. Ao nos ensinar a oração do Pai-nosso, é importante salientar que:

Jesus, no entanto, não nos deixa uma fórmula a ser repetida maquinalmente.

Como vale em relação a toda oração vocal, é pela Palavra de Deus que o

Espirito Santo ensina aos filhos de Deus como rezar a seu Pai. Jesus nos dá

não só as palavras de nossa oração filial, mas também, ao mesmo tempo, o

Espirito pelo qual elas se tornam em nós “espírito e vida” (Jo 6,63). Mais

ainda: a prova e a possibilidade de nossa oração filial consiste no fato de que

o Pai “enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba,

Pai! (Gl 4,6). (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n.2766)

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A oração do Pai-nosso deve, portanto, ao ser pronunciada, ser movida pela fé,

numa experiência com Jesus pelo qual nos tornamos Filhos com Ele, e por estarmos

inseridos em seu corpo que é a Igreja.

O Pai manifestou-se no ágape que tem por nome Salvador, Jesus. Não

podemos experimentar esse ágape a não ser na comunhão fraterna

estabelecida na fé e na esperança. Esta verdade fundamental tem imensas

repercussões na vida das comunidades religiosas, ele é a caridade que as

fundamenta, o sinal que prova sua autenticidade. (HAMMAN, 1976, p.40)

O Pai-nosso nos insere na dinâmica da fé. Em Cristo nos tornamos Filhos de

Deus e irmãos em comunidade. A beleza da oração do Pai-nosso está na expressão pela

qual podemos nos dirigir a Deus como Pai, segundo Tanquerey:

Entre as orações que recitamos em particular ou em público, não há nenhuma

mais bela que a que Nosso Senhor em pessoa nos ensinou, o Pai-Nosso. Nele

encontramos, em primeiro lugar , um exórdio insinuante, que nos põe na

presença de Deus e estimula a confiança: Pater noster, qui es in caelis. O

primeiro passo que devemos dar, quando vamos orar, é aproximar-nos de

Deus; ora apalavra Pai coloca-nos imediatamente na presença daquele que é

o Pai por excelência, Pai do Verbo por geração, e nosso Pai por adopção; é

pois, o Deus da Ss. Trindade que nos aparece, envolvendo-nos no mesmo

amor com que abraça o próprio Filho; e, como este Pai está nos céus, quer

dizer é omnipotente e manancial de todas as graças, sentimo-nos levados a

invocá-lo com absoluta confiança de filhos, viso sermos da família de Deus,

todos irmãos, como filhos que somos de Deus: Pater noster. (TANQUEREY,

1961, p. 247)

Sentindo-se chamado a estar na presença de Deus, e invocá-lo como Pai,

podemos nos aprofundar sobre os aspectos da oração do Pai-nosso baseando-nos em

alguns escritos do período da Patrística, uma vez que os comentários sobre o Pai-nosso

são inúmeros e perpassam toda a história da Igreja até os dias atuais.

3.1 COMENTÁRIO SOBRE O PAI-NOSSO.

A oração do Pai-nosso constitui uma herança que recebemos do próprio Cristo.

Antes de retornar ao Pai, o Senhor fez questão de deixar aos seus amados o melhor de

si: a oração. Conforme as Escrituras, a vida de Jesus foi marcada por muitos momentos

de intimidade com o Pai. Antes de iniciar o ministério de curas e expulsão de demônios,

Jesus se retirou para um lugar deserto21. Depois da cura de um leproso22 a notícia a seu

respeito se difundia cada vez mais, e acorriam numerosas multidões para ouvi-lo e

21

Cf. Lc 4, 42-44; v. 42. 22

Cf. Lc 5, 15-16; v. 15.

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serem curados de suas enfermidades.23 Ele, porém, permanecia retirado em lugares

desertos e orava. Enquanto o leproso curado testemunhava a ação de Jesus, este se retira

para revigorar suas forças no encontro com Deus Pai.

Antes da escolha dos doze,24 Ele foi à montanha para orar e passou a noite

inteira em oração a Deus.25 Depois que amanheceu, chamou os discípulos e dentre eles

escolheu doze, aos quais deu o nome de apóstolos que formaram o núcleo da

comunidade nova que ele veio criar e ensinar como falar com o Pai. Na transfiguração,26

tomando consigo Pedro, João e Tiago, Ele subiu a montanha para orar.27 Enquanto

orava o aspecto de seu rosto se alterou, suas vestes se tornaram de fulgurante brancura.

Os evangelhos, sobretudo Lucas, apresenta Jesus rezando continuamente. Foi esse

cotidiano orante28 de Jesus que despertou nos seus, a vontade de fazer o que ele fazia.

Lucas narra que um dos discípulos interrogou Jesus sobre a oração enquanto o

Senhor estava orando, o qual ao terminar, lhe deu a resposta:

Senhor ensina-nos a orar, como João ensinou a seus

discípulos”.29

Respondeu-lhes: Quando orares, dizei: Pai, santificado seja o

teu nome; venha o Teu Reino;30

o Pão nosso cotidiano dá nós a cada dia;31

perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos aos nossos

devedores; e não nos deixes cair em tentação. (Lucas 11,l-4)

O termo usado pelo Senhor para se dirigir a Deus é um vocábulo cheio de

ternura e intimidade, o mesmo que as crianças utilizavam para se dirigir ao pai.

Embora "Abba" não fosse exclusivo das crianças, sempre denotava carinho e

proximidade com o progenitor. Por meio desta preciosa palavra Jesus abria uma brecha

no mistério de Deus. A partir de agora, Deus ficava essencialmente orientado para o

homem na linha da ternura. Esta experiência do Mestre passou para os seus amados

discípulos. Paulo o atesta cheio de admiração: "Deus enviou aos nossos corações o

Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai!" (Gl 4,6).

O que se procura em primeiro lugar na oração é a união amorosa com Deus; o

nosso modo de rezar revela a imagem que temos dele, a nossa identidade. Quando Jesus

23

Cf. Lc 5, 15-16; v. 16. 24

Cf. Lc 6, 12-13; v. 12. 25

Cf. Lc 6, 12-13; v. 13. 26

Cf. Lc 9, 28-29; v. 28. 27

Cf. Lc 9, 28-29; v. 29. 28

Cf. mc 1,35; Lc 11,1;6,12; Jo 17,1. 29

Cf. Lc 11, 1-4; v. 2. 30

Cf. Lc 11, 1-4; v. 3. 31

Cf. Lc 11, 1-4; v. 3.

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38

nos ensina como e porque devemos rezar, ao mesmo tempo nos diz como devemos ser e

viver. A oração pode ser coletiva ou individual, basta que não haja exagero na forma,

pois o Senhor nos diz: “Não façais como os hipócritas que brandam alto pelas esquinas

e sinagogas; se queres falar com o Pai, entra no teu quarto, fecha a porta, do teu coração

da tua própria vida e fala ao teu Senhor”32. Se não sabemos rezar nos distanciamos da

essência do Evangelho. E para evitar esse distanciamento, o senhor nos ensinou como

se deve orar.

3.1.1 Pai-nosso que estás no céu

Tanto Mateus quanto Lucas, que nos transmitiram os evangelhos da infância de

Jesus, quiseram ressaltar que as origens de Jesus são transcendentes: ele vem de Deus

(Mt 1,1-25; Lc 1, 26-38; 2,1-38). Esta exclamação dirigida ao Pai não é fruto apenas de

experiência profética intensa de intimidade com ele, mas significa que sua unidade é tão

estreita que alcança sua própria ontologia.

Na Sagrada Escritura não são raras passagens que o próprio Jesus nos confirma

que Deus é Pai.33 Foi ele mesmo que ordenou a não chamarmos quem quer que seja na

terra de Pai34 senão o único que habita o céu. Portanto, o Pai-nosso não só é oração,

como também é cumprimento de uma ordem.

A oração que Jesus ensinou a seus discípulos é também uma invocação, ou

melhor, uma explosão incontida de júbilo e de louvor: Abba! Todas as orações do

Senhor que nos foram conservadas começam com esta palavra. Embora muitos séculos

antes dele, nas diversas religiões, Deus já fosse invocado com o título de Pai, é preciso

convir que tal termo se achava relacionado com o de criador. O mesmo acontecia em

Israel. O simples fato de que no A.T. o povo de Deus, Israel, seja denominado

primogênito entre todos os povos, significa que eles vinculavam sua filiação à criação-

eleição.

Jesus se sentiu vinculado a Deus com tal intensidade, que só o conseguiu

expressar utilizando a categoria de filiação. Ele não fala do Pai porque o seja de Israel

ou do mundo, mas porque este Deus, que os outros confessam ser criador ou redentor,

ele o sente como pai. Nesta confissão intensa de Jesus se vislumbra o próprio mistério

trinitário. Somente a partir daí ele poderá exclamar e sentir: "Tudo me foi entregue por

32

Cf. Mt 6,5-9). 33

Cf. Mt 23,9; Mc 11,26; Jo 20,16-17; 1Jo 3, 1-2; Gl 4,6 34

Cf. Mt 23,9

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39

meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o

Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11,27)

A palavra Pai revela a intimidade e a proximidade de Deus, sua ternura para com

o homem e seu cuidado. "Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem

ajuntam em celeiros. E, no entanto, vosso Pai Celeste as alimenta. Não valeis muito

mais do que elas?" (Mt 6,26).

São Cipriano afirma que o Deus invocado como Pai na oração ensinada por

Jesus é “Pai daqueles que creem, daqueles que foram santificados por Ele e que

reparados pelo nascimento da graça espiritual, começaram a ser filhos de Deus” (S.

CIPRIANO, 2001, p. 55). O possessivo “nosso” de Mateus nos introduz neste mistério

de filiação, participada por todos os batizados. O próprio Cristo no fim dos tempos se

identificará com cada um dos seus (Mt 25, 31-46). "Todos vós sois filhos de Deus pela

fé em Cristo Jesus", escreve São Paulo (Gl 3, 26). Fato que foi previsto pelo Pai:

Escolhendo-nos de antemão para sermos seus filhos adotivos por meio de Jesus Cristo"

(Ef 1,5).

De acordo com os ensinamentos da Igreja, ao chamar a Deus Pai Nosso,

reconhecemos que a filiação divina nos une a Cristo, “primogênito entre muitos irmãos”

(Rm 8, 29), por meio de uma verdadeira fraternidade sobrenatural. A Igreja é esta nova

comunhão de Deus e dos homens (cf. CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, 2790).

Na invocação de cada um a Deus Pai reconhecemos a fraternidade de todos aqueles que

receberam a graça de Cristo (Gl 4, 4-7). Deste modo, o Pai-nosso, mesmo rezado em

particular, tem cunho comunitário, porque traz escondida em sua própria essência a

dimensão universal da paternidade de Deus.

O epíteto - que estais no céu - recorda ao cristão que, embora Deus se tenha

aproximado tanto do homem, isto não significa que não continue sendo o Outro, o

Transcendente, o Mistério. Orígenes ensina que “quando se diz o Pai dos santos está no

céu, não devemos imaginar que ele tenha forma corporal e habite no céu [...]. Ao

contrário, devemos crer que é ele,na inefável potência da sua divindade, que

compreende tudo e a tudo contém”. (ORÍGENES, 2001, P. 149). Deus é totalmente o

Outro, é Transcendente, espírito (cf. Jo 4,24).

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3.1.2 Santificado seja o vosso nome

Na linguagem da Bíblia, o nome expressa a realidade íntima da pessoa.

Conhecer o nome é entrar no mistério de quem o possui e até chegar a dominar tal

mistério. É costume na Bíblia que, quase sempre que escolhe uma pessoa para uma

missão especial, se mude seu nome por outro que explique sua nova função no seio do

povo. Foi o que aconteceu com Abraão (Gn 17,5), com Jacó (Gn 32,29), com Pedro (Mt

16.18) e outros.

Na oração do Pai Nosso, além do significado do nome de Deus, Jesus ensina que

o mesmo deve ser santificado. A tradição bíblica entende por santidade uma qualidade

exclusiva da divindade que pode ser participada pela criatura. Neste sentido, santificar

uma coisa equivale a tirá-la de seu uso profano e orientá-la e reservá-la para a

divindade. Portanto, a finalidade deste pedido não é de um ganho material que nos

beneficia, mas é bendizer a Deus, conforme ensinou o Padre da Igreja:

Pedimos que esse nome seja santificado. Não que caiba aos homens desejar o

bem a Deus, como se alguém lhe possa dar qualquer coisa. Ou que Deus

passe necessidade, sem os nossos votos. Mas é muito conveniente que Deus

seja bendito em todo tempo e lugar pelo homem. Com efeito, todos os

homens devem se lembrar, sem cessar, dos benefícios divinos [...] Quando,

alias, deixa o nome de Deus de ser santo e santificado por si mesmo? Não é ,

acaso, por meio dele, que os outros são santificados? Os anjos em torno de

Deus não cessam de dizer: santo, santo, santo! da mesma forma, também nós,

destinados a viver em companhia dos anjos, se o merecermos, aprendemos o

que faremos no futuro, na glória (TERTULIANO, S. CIPRIANO,

ORÍGENES, 2001, p. 16-17).

Santificar o nome de Deus significa viver conforme a sua aliança e seus

preceitos. Santificar seu nome significa que todos os homens o aceitem como Pai, que

se aproximem dele partindo desta filiação e que assim o proclamem. Segundo este

critério, santificam seu nome aqueles que aceitam Deus como o Pai de Jesus e dos

homens. O Senhor ora e exorta seus discípulos a fazerem o mesmo para que Deus se

revele como Abba, isto é, que manifeste seu reino sobre todos (Mt 18,4; Lc 17,17),

Ao dizermos santificado seja o teu nome, pedimos que em nossa vida Deus seja

santificado ininterruptamente e seja igualmente santificado naquelas que não se abriram

à sua graça. Portanto, nessa petição oramos por nós e pelos outros que o próprio Jesus

chamou de ovelhas que estão fora do redil.35 E “orando por todos, observamos

igualmente um outro preceito evangélico, que é rezar por todos, mesmo os nossos

35

Cf. Jo 10,16

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inimigos (cf. Mt 5,44)” (TERTULIANO, S. CIPRIANO, ORÍGENES, 2001, p. 17).

Assim o nome de Deus será santificado não apenas em nós, mas em todos.

3.1.3 Venha a nós o vosso Reino

O Reino se acha em tensão, pois já está presente, mas ainda não se manifestou

em todo o seu esplendor. "Venha o teu Reino", "Venha a nós o vosso Reino", é a súplica

de quem pede que o que Deus começou a manifestar em Jesus se consume, e a petição

do próprio Jesus de que Deus, ou melhor, o Pai prossiga com seu plano, levando-o

adiante, que se manifeste a todos como Pai. E de acordo com São Cipriano, ao dizermos

“Venha a nós o vosso reino”, “pedimos também que o Reino de Deus se torne presente

a nós, como havíamos pedido que o seu nome fosse santificado em nós [...] pedimos o

Reino de Deus, isto é, o Reino celeste, pois há também um reino terrestre”. (SÃO

CIPRIANO, 2001, p. 59).

A Doutrina da Igreja nos ensina que “esta petição é o “Marana Tha", o grito do

Espírito e da Esposa: “Vem, Senhor Jesus" (Ap 22, 20) (…). Na oração do Senhor trata-

se principalmente da vinda final do Reino de Deus por meio da volta de Cristo ( Tt 2,

13)” (Catecismo, 2817-2818). O "maranatha"(1Cor 16,22) é o grito de fé e anseio de

esperança. Somente com esta volta de Jesus se implantará de verdade o reinado de

Deus, porque unicamente ele poderá reinar quando for tudo em todos (1Cor 15,28).

Para aceitar este reinado de Deus, precisamos fazer-nos como crianças (Mc

10,15), nascendo de novo e do alto (Jo 3,3). Não nos esqueçamos de que Jesus começou

a sua oração afirmando que Deus é Pai, o que significa que só aceitará agradecido as

súplicas daqueles que dirigem a ele como tal, isto é, orando com atitude de filhos. Com

esta confiança que equivale a proclamá-lo Abba.

3.1.4 Seja feita a sua vontade

Esta petição é exclusiva de Mateus, que, "provavelmente consertando a própria

oração de Jesus, quis interpretar o sentido da petição anterior: o Pai reina sobre quem

faz a sua vontade, em quem a realiza 'na terra' com a perfeição com que os anjos a

cumprem 'no céu'". Mateus pretende ensinar-nos que o cristão sabe e reconhece que o

reino já veio a ele quando faz a vontade de Deus, quando vive aderindo ao seu projeto.

O homem tem que se submeter ao plano de Deus; somente deste modo Deus reina e o

reino desce sobre os homens.

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42

Mas qual é a vontade de Deus, ou melhor, em que consiste? Respondendo a esta

pergunta, São Cipriano nos diz:

A vontade de Deus é a que Cristo praticou e ensinou. Humildade na vida,

estabilidade na fé, veracidade nas palavras, justiça no agir, misericórdia nas

obras, disciplina nos costumes; não saber praticar a injúria e saber tolerar a

recebida; manter a paz com os irmãos; querer a Deus com todo o coração,

amando-O enquanto Pai e temendo-O enquanto Deus (SÃO CIPRIANO,

2001, p. 60).

E podemos afirmar também que a vontade de Deus é o próprio Cristo, ou seja,

Cristo é a expressão viva da vontade do Pai; e ela consiste em aceitá-lo e seguir o

caminho por ele traçado: "Este é meu Filho amado, em quem me comprazo, ouvi-o" (Mt

17,6). Também João parece esclarecer-nos o mistério da vida eterna, onde os bem-

aventurados cumprem a vontade divina: "A vida eterna é esta: "que eles conheçam a ti,

o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo" (Jo 17,3). Na união com

Cristo, o homem faz a vontade de Deus.

Não vale dizer: Senhor, Senhor (Mt 7,21); é necessário cumprir os

mandamentos: "Vós sois meus amigos se praticardes o que vos mando"(Jo 15,14). Por

outro lado, Jesus faz o que agrada a Deus, vive na dependência do que ele manda, que é

vida eterna. Entramos em comunhão com a vontade de Deus comungando com a de

Jesus, conforme indica o Catecismo da Igreja Católica:

Pedimos a nosso Pai que una nossa vontade à de Seu Filho para cumprir Sua vontade,

Seu desígnio de salvação para a vida do mundo. Nós somos radicalmente impotentes

para isso, mas unidos a Jesus e com o poder de Seu Espírito Santo, podemos colocar em

Suas mãos nossa vontade e decidir escolher o que Seu Filho sempre tem escolhido :

fazer o que agrada ao Pai (cf. Jo 8, 29) (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n.

2825).

Sem dúvidas, esta petição resume a essência da santidade cristã. A santidade é

reduzida ao cumprimento desta vontade. Até os grandes místicos encontrariam aqui o

critério mais seguro para determinar a obra de Deus nas pessoas. Esta mesma tradição

situaria a vontade de Deus nas pessoas. Esta mesma tradição situaria a vontade de Deus

primeiramente na chamada imitação de Cristo e, mais tarde, no seguimento. O cristão

agora não tem que olhar para o Pai a fim de descobrir seu querer, pois em Cristo ele se

expressou com toda clareza: "Sede meus imitadores como eu sou de Cristo", escreveria

São Paulo (1Cor 11,1).

Por outro lado, ensina São Cipriano que esta é igualmente uma petição de

discernimento diante das seduções mundanas. Ao recitarmos esta parte, pedimos que

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“se faça a vontade de Deus quando somos atormentados pelo diabo, impedindo-nos de

seguir fielmente a Deus. Nos recorremos a Deus porque “ninguém é forte por suas

próprias forças, mas graças à indulgência e misericórdia de Deus (SÃO CIPRIANO,

2001, p. 59).

3.1.5 O pão nosso de cada dia nos dais hoje

Neste inciso deparamo-nos com alguma divergência entre a tradição de Mateus e

a de Lucas. Mateus diz que o pão nos seja dado hoje; Lucas, por sua vez, especifica que

nos seja dado a cada dia. Lucas parece esclarecer o significado deste vocábulo ao pedir

o pão para cada dia, alusão velada àquele outro pão, o maná (Ex 16,4), que o povo devia

recolher cada dia. Seu melhor comentário se acha nos Atos dos Apóstolos: "Dia após

dia, unânimes, mostravam-se assíduos no Templo e partiam o pão pelas casa, tomando o

alimento com alegria e simplicidade de coração" (At 2,46). Para a tradição patrística,

“pedimos que este pão nos seja dado diariamente a fim de que nós que estamos no

Cristo e recebemos diariamente a eucaristia como alimento de salvação, não venhamos

a ser separados do Corpo do Cristo” (SÃO CIPRIANO, 2001, p. 62).

De acordo como Catecismo da Igreja Católica o Pai nos dá o pão por sua

iniciativa. Trata-se de uma dádiva gratuita. “O Pai que nos dá a vida não pode deixar de

nos dar o alimento necessário para ela, todos os bens convenientes, materiais e

espirituais” (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2830). Para São Cipriano,

“podemos tomar este pedido tanto no sentido espiritual como no literal, pois um e outro

modo de entender aproveitam, com utilidade divina, para a nossa salvação. Pois o Cristo

é o pão da vida, e este pão não é de todos, mas nosso” (SÃO CIPRIANO, 2001, p. 62).

Além do pão material, ou melhor, junto com ele, ao mesmo tempo, se pede o

espiritual, o Reino que vem, a palavra de Deus e corpo de Cristo. Este é o pão

necessário. Se só pedisse o material, poder-se-ia contradizer o próprio Senhor, que nos

diz que não é só dele que vive o homem (Mt 4,4; Lc 4,4); se se pedisse só o espiritual,

haveria motivo para pensar que o Pai não se importa com a vida terrena de seus filhos.

3.1.6 Perdoai as nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores

Jesus sabe que o discípulo pode não corresponder às exigências do Reino e às do

Pai, que tão particularmente lhe foi revelado. Por isso, ele nos ensina o pedido de

perdão. Nesta petição, “voltamo-nos a Ele, como o filho pródigo (Lc 15, 11-32), e

reconhecemo-nos pecadores ante Ele como o publicano (Lc 18, 13). Nossa petição

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começa com uma “confissão" na qual afirmamos, ao mesmo tempo, nossa miséria e Sua

Misericórdia” (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2839).

O pecado consiste em não se haver deixado guiar sempre pelo espírito das bem-

aventuranças, que são a lei evangélica. O constante convite à conversão deixa entrever

que o cristão se acha no autêntico combate espiritual, do qual nem sempre sai vitoriosos

como seria de esperar. Também a parábola do filho pródigo manifesta de modo óbvio

esta realidade. Estar em dívida com Deus significa não manter sempre a atitude de filho,

nem se comportar de acordo com a experiência do Abba, nem o haver imitado "como

filhos caríssimos" (Ef 5,1-2).

Vale ressaltar que todo processo de conversão se inicia com um ato de contrição

e com a confissão de nossos pecados. De acordo com Tertuliano, “pedir perdão já é

confissão, pois quem pede perdão, confessa ter pecado. Assim, a penitência se revela

agradável a Deus, porque ele prefere à morte do pecador (cf. Ez 18,21-23)

(TERTULIANO, 2001, p. 21). O cristão quando suplica perdão nesta petição em

análise, se reconhece e se confessa pecador, imperfeito. E de fato, conforme as

Escrituras, todos somos pecadores. “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos

a nós mesmos e a verdade não está conosco. Se porém confessarmos os nossos pecados,

o Senhor é fiel e justo para perdoá-los” (1 Jo 1,8-9).

Que quer dizer "assim como nós perdoamos"? Será uma condição que, uma vez

cumprida, exigiria o perdão de Deus? Quase todos os comentadores levantam esta

pergunta e resolvem negativamente a questão. Não se trata de condição desvinculada da

ação divina. Esta condição o próprio Deus a coloca no homem, ajudando-o com o

auxílio de sua graça para que se abra a seu irmão e o acolha. O Evangelho insiste com

muita frequência neste perdão com frases muito semelhantes a esta que comentamos.

Com isso, ensina-se que o discípulo que se atreve a pedir perdão ao Pai para si, deve,

por sua vez ter entranhas de misericórdia para com seu irmão; em outros termos, há de

mostrar para com o outro a mesma atitude que gostaria que o Pai tivesse para com ele.

Seria contrassenso que alguém se atrevesse a pedir perdão ao Pai e não

oferecesse, por sua vez, aos outros filhos de Deus. Não nos esqueçamos de que o

Senhor está ensinando seus discípulos a orar e quer mostrar-lhes as atitudes que ele

exige para tanto; aproximar-se da oração perdoando: "se, portanto, estiveres para trazer

a tua oferta ao altar e ali te lembrares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti,

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deixa a tua oferta ali diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; e

depois virás apresentar a tua oferta" (Mt 5, 23-24).

Importa sublinhar que no contexto dos Evangelhos, o perdão não se refere

apenas ao irmão, mas deve abranger todos os homens, ser universal. Todo cristão tem

obrigações com seu irmão e, quando não corresponde a isso na linha do Evangelho,

esquiva-se dele e fica em dívida com ele. O perdão deve ser sem limites, sempre que

nos seja pedido (Mt 18, 21-22), tal como é o de Deus. Deste modo, através de nosso

perdão chega a nossos irmãos e a todos os homens o perdão do Pai.

3.1.7 Não nos deixeis cair em Tentação

É sabido que o conceito de tentação em alguns textos significa muito próximo do

pecado (Mt 26,41). Já são Tiago adverte que ninguém diga que é tentado por Deus. Mas

em outras passagens a tentação é sinônimo de provação ou prova; quem a suporta é

louvado: "Porque eras aceito por Deus, foi necessário que a tentação te provasse" (Tb

12, 13-14). A tentação tem aqui uma conotação muito especial. Refere-se

principalmente à prova definitiva e escatológica, está na linha da provação sofrida pelo

próprio Jesus no começo de sua vocação messiânica, e que poderíamos traduzir por

"não permitas que caiamos na tentação de rejeitar teu reino que vem".

Junto com esta tentação de assinalado caráter escatológico se acham as outras, as

de cada dia, que podem dificultar em maior ou menor grau a abertura a este reino que já

se manifesta em Jesus, a alegria do irmão e a difusão da palavra. Inclui-se aqui também

a tentação de não pôr em prática estes ensinamentos de Cristo, que tanto Lucas quanto

Mateus situaram ao redor da oração dominical (Mt 5, 13-17; 1,29; Lc 6, 27-49; 12, 4-

48). “Pedimos-lhe que não nos deixe tomar o caminho que conduz ao pecado, pois

estamos empenhados no combate “entre a carne e o Espírito". Esta petição implora o

Espírito de discernimento e de força” (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n.

2846)

O cristão sabe que satanás não descansa: "Simão, Simão! Eis que satanás pediu

intensamente para vos peneirar como trigo"(Lc 22,21); não ignora que Satanás vive

rodeando-os, procurando a quem devorar - encontramos escrito em Pedro (5,8).

Portanto, quando o Senhor nos exorta a pedir que Deus não nos deixe cair na tentação,

mostra que o adversário está derrotado. Suas armadilhas serão em vão porque “nada

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pode contra nós sem a permissão de Deus” (SÃO CIPRIANO, 2001, p.69). De todas

estas tentações pede que o faça sair vitorioso.

3.1.8 Mas livrai-nos do mal

Este inciso final é exclusivo de Mateus. Sua última palavra, "mal", pode ser

traduzida também - e assim o fazem grande número de exegetas - por maligno. Não

poucas vezes no Novo Testamento. Satanás é designado com este termo. Devido à sua

presença nas tentações do Senhor que se acham no fundo desta passagem, inclinamo-

nos a pensar que a palavra “maligno” se refere ao diabo como ser pessoal (livrai-nos de

maligno). O maligno “é aquele que “se atravessa" no desígnio de Deus e sua obra de

salvação cumprida em Cristo» (CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n. 2851)

Nesta petição inclui-se o desejo de ser libertados de todo mal. Satanás

personificaria aqui todas as forças que se opõem ao Evangelho. O clamor pela libertação

do Maligno percorre a Bíblia de ponta a ponta (Gn 3, 13-16; Ap. 3,10). A Doutrina

Cristã ensina que “ao pedir ser libertos do Maligno, oramos igualmente para ser libertos

de todos os males, presentes, passados e futuros dos que ele é autor ou instigador”

(CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n.2854).

Para terminar a nossa análise, urge frisar que oração do Pai Nosso não alcança

sua eficácia se praticada com palavras ou sem palavras. Queira a recitemos ou

cantemos, a expressemos em silenciosa meditação ou em coral de vozes, ela será rezada

com dignidade se tivermos consciência de todas as suas implicações ocultas em cada

petição. Além da consciência do significado profundo de cada petição, a oração do Pai

Nosso terá êxitos for feita com fé e amor. Pois o simples fato de recitá-la como que a

um poema não leva a um resultado positivo. Mas vale ressaltar que o Pai-Nosso é uma

oração que estabelece um relacionamento entre nós e aquele a quem nos dirigimos na

oração.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a reflexão sobre a oração encontramos um vasto conteúdo tanto exegético

quanto hermenêutico que possibilitam compreender as diversas dimensões da oração.

Ao refletir sobre a oração com um encontro com Deus pode parecer inicialmente uma

abordagem tanto quanto genérica, pois se compreende a oração fundamentalmente

como uma relação entre o ser humano e um ser transcendente. Porém é imprescindível

essa compreensão da oração como um encontro com Deus, pois a partir de uma reflexão

mais aprofundada encontramos outros elementos essenciais desse encontro que

contribuem para que o ser humano busque pela oração conhecer a Deus.

O estudo realizado neste trabalho nos demonstra que Deus quis revelar-se ao

homem, e a resposta do homem constitui esse caminho de oração. A oração, portanto,

permite ao ser humano comunicar-se com Deus, movido por sua fé. A abordagem

bíblica nos possibilitou compreender como foi se construindo a oração a partir da

Revelação de Deus, que teve sua plenitude em Jesus Cristo que ensinou aos seus

discípulos a oração do Pai-nosso.

Ao procurar fundamentar-se no pensamento patrístico sobre a oração, foi preciso

delimitar o tema, uma vez que há vários comentários sobre oração, sobre os salmos, etc.

Por isso o intuito foi buscar apresentar alguns elementos essenciais quando se fala da

oração como um encontro com Deus: a fé vivida a nível pessoal, mas também

comunitário.

Apresentar uma reflexão sobre o Pai-nosso visou reforçar a importância da

oração que o próprio Jesus nos ensinou, e nos insere numa vivência cristã profunda.

Demonstra que o encontro com Deus, dá-se na oração em uma relação Pai e Filho, na

pessoa de Jesus Cristo.

Enfim, a oração possibilita o encontro do homem com Deus. É Deus quem

deseja revelar-se ao coração do homem, e a oração é este caminho uma vez que o home

ao orar coloca-se em encontro com Deus.

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