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FACULDADE MERIDIONAL – IMED André Luiz de Felippo Práticas Abusivas de Consumo: envio de produtos não solicitados em desacordo com as normas do CDC Passo Fundo 2012

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FACULDADE MERIDIONAL – IMED

André Luiz de Felippo

Práticas Abusivas de Consumo: envio de produtos não solicitados em desacordo com as normas do CDC

Passo Fundo 2012

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André Luiz de Felippo

Práticas Abusivas de Consumo: envio de cartão de crédito sem a devida solicitação do consumidor, prática em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Direito, da Faculdade Meridional – IMED, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Me. Júlio César de Carvalho Pacheco.

Passo Fundo

2012

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André Luiz de Felippo

Práticas Abusivas de Consumo: envio de cartão de crédito sem a devida solicitação do consumidor, prática em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Ms. Júlio Cesar de Carvalho Pacheco – IMED Orientador

Prof. Dr. João Telmo de Oliveira Filho. - IMED Examinador

Prof. Ms. Rafael Marin - IMED Examinador

Passo Fundo

2012

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Dedico este trabalho com amor a minha esposa, Adienez, que como ninguém soube dispensar atenção e afeto para sua elaboração. De maneira especial esteve sempre ao meu lado, muitas vezes dando um novo alento quando a minha paciência estava quase que se esgotando. Parceira de todas as horas.

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Agradeço aos meus filhos, André e Fernanda e a Mariana, pois cada um, a sua maneira, demonstrou apoio ao meu projeto, sabendo da importância que significava. Agradecimento especialíssimo ao meu orientador Prof. Me. Júlio César de Carvalho Pacheco, que com sua sabedoria, paciência e acessibilidade foi impagável na condução desse trabalho.

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As perguntas são diamantes que observas contra a luz. Estuda uma vida inteira e verás diferentes cores na mesma joia. As mesmas perguntas formuladas várias vezes te darão as respostas que necessitas, no momento exato. Richard Bach

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Palavras-chave: Direito do consumidor. Envio de produto. Cláusula abusiva. CDC. Ônus Financeiro.

RESUMO O presente trabalho tem como objetivo demonstrar os abusos cometidos pelo sistema financeiro na venda de seus produtos e serviços. Utilizando-se de metodologia mercadológica avançada, os bancos ignoram os preceitos legais na busca de consumidores. Estuda-se particularmente o envio de Cartões de Crédito, sem a devida solicitação por parte do cliente, prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. Na busca de seus objetivos de mercado, o sistema financeiro utiliza relações de clientes, cujos aspectos de conceito e capacidade econômica são minuciosamente estudados. A monografia se dedica aos efeitos desse crédito nas finanças dos consumidores. As implicações negativas no equilíbrio das finanças dos consumidores, especialmente nas renegociações de dívidas oriundas de inadimplemento e os juros excessivos cobrados. Baseado em pesquisa bibliográfica e utilizando o método indutivo-dedutivo, traremos ao trabalho inicialmente os preceitos emanados do Código de defesa do Consumidor, a constitucionalidade desse dispositivo legal, e o direito fundamental do consumidor, continuando abordaremos os princípios fundamentais das relações de consumo no Brasil, a proteção ao consumidor por ser considerado hipossuficiente na relação de consumo e os princípios que devem se considerados nas relações de consumo, bem como as práticas abusivas e as cláusulas abusivas. Finalizando entraremos na abordagem da necessidade de prévia solicitação do consumidor em relação aos produtos e serviços e a subordinação do sistema financeiro aos preceitos do Código de defesa do Consumidor, bem como os efeitos do envio de cartão de crédito sem a devida solicitação do cliente.

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ABSTRACT This paper aims to demonstrate the abuses committed by the financial system in the sale of their products and services. Using advanced marketing methodology, banks ignore the legal precepts in search of consumers. It study particularly the remittance of Credit Cards, without proper customer request, practice prohibited by The Code of Consumer Protection. In the pursuit of their market goals, the financial system uses customers’ relations, whose aspects of concept and economic capacity are thoroughly studied. This monograph dedicates to the effects of this credit in the consumer finances. The negative implications on the balance of consumer finances, especially in the renegotiation of debt from default and excessive interest charged. Based on bibliographic search and using the inductive-deductive method, we will bring to the paper initially the precepts from The Consumer Defense Code, the constitutionality of this legal device, and the Fundamental Rights of Consumers. Continuing we will cover the fundamental principles of consume relations in Brazil, consumer protection to be considered underprivileged in consume relations and the principles that should be considered in consume relations, as well as abusive practices and abusive clauses. Finishing we will approach the requirement of prior consumer request of products and services and the financial system's subordination to the precepts of The Consumer Defense Code, as well as the effects of sending credit card without proper client request. Keywords: Consumer Law. Remit of product. Abusive clause. CDC. Financial onus.

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S U M Á R I O

1.INTRODUÇÃO...................................................................................................................10

2. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR............................................,,................12

2.1. O código e o direito fundamental do consumidor..............................................................12

2.2. Os direitos básicos do consumidor: art. 6º do CDC...........................................................12

2.3. Contrato de Adesão............................................................................................................22

3. OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO

BRASIL...................................................................................................................................23

3.1. A vulnerabilidade do consumidor......................................................................................25

3.2. Princípio da boa fé.............................................................................................................27

3.3. Princípio da autonomia da vontade...................................................................................32

3.4. Princípio da transparência..................................................................................................33

3.5. As práticas abusivas e as cláusulas abusivas.....................................................................34

3.6. O sistema nacional de proteção do consumidor.................................................................37

4. A NECESSIDADE DE PRÉVIA SOLICITAÇÃO DO CONSUMIDOR EM

RELAÇÃO AOS PRODUTOS E SERVIÇOS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE

CONSUMO..............................................................................................................................38

4.1. A aplicabilidade do CDC às Relações do Sistema Financeiro...........................................41

4.2. O direito consumerista frente à prática de envio de cartões de crédito sem prévia

solicitação..................................................................................................................................44

5. CONCLUSÃO....................................................................................................................45

6. BIBLIOGRAFIA................................................................................................................47

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1 INTRODUÇÃO

Os direitos dos consumidores asseguram a garantia de que o consumidor só

será responsável pelas obrigações decorrentes de serviços e produtos previamente solicitados

e contratados, mas, na prática, os fornecedores enviam produtos para a residência dos

consumidores sem que estes tenham manifestado qualquer intenção de recebê-los. Esse abuso

requer a atuação efetiva do Poder Judiciário, punindo e impedindo tais práticas.

A exposição do consumidor de serviços bancários, onde seu cadastro é

compartilhado entre os diversos segmentos do sistema financeiro, sem seu prévio

consentimento, com grande frequência lhe ocasiona o oferecimento de produtos bancários, os

quais este consumidor não solicita, especialmente os Cartões de Créditos, que se traduzem

numa forma eficiente de alavancar gastos extraordinários, não devidamente mensurados,

cujos reflexos nas suas finanças podem ser devastadores.

Para a realização do trabalho buscar-se-á a legislação vigente, especialmente

o Código de Defesa do Consumidor, Código Civil, Doutrinas e Jurisprudências, o método

utilizado será o dedutivo-indutivo, mais pesquisa bibliográfica.

A monografia será estruturada em três capítulos, sendo que no primeiro

capítulo destacará o Código de Defesa do Consumidor, CDC, instituído pela lei 8078 de 11 de

setembro de 1990, esse diploma legal vem reconhecer a hipossuficiência do consumidor em

relação ao fornecedor, nas relações de consumo. Em seu artigo 6º, o CDC declina os direitos

básicos do consumidor, os quais representam uma inovação no direito brasileiro tendo em

vista a nova maneira de encarar as relações de consumo em face aos direitos assegurados ao

consumidor estabelecendo um novo paradigma nessa relação, reconhecendo e assegurando

direitos visando um novo equilíbrio, mais equânime. Ainda no mesmo capítulo será abordado

o tema dos princípios fundamentais que devem nortear as relações de consumo buscando

trazer à tona a transparência, baseado na boa-fé contratual, no respeito à autonomia da

vontade, na lealdade e na transparência.

Por sua vez, o segundo capítulo abordará as cláusulas e práticas abusivas,

que são nocivas às relações contratuais, onde o CDC, estabelece o entendimento buscando

proteger o consumidor das armadilhas fruto de eventuais espertezas dos fornecedores,

determinando que cláusulas abusivas sejam nulas e em algumas condições, devidamente

comprovadas, condenando inclusive a inversão do ônus da prova, o qual deverá recair sobre o

mau fornecedor.

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E por último, encerrando o debate, a monografia no terceiro capítulo,

discutirá a necessidade de prévia solicitação do consumidor em relação aos produtos e

serviços no âmbito das relações de consumo, que é taxativamente determinado pelo CDC e,

que não raras vezes, é ignorado pelo sistema financeiro. No esteio desse preceito legal

apresentar-se-ão jurisprudências e doutrinas que ratificam esse entendimento. Encerrando o

capítulo trataremos da aplicabilidade do CDC nas relações do sistema financeiro e do direito

consumerista frente a prática do envio de cartão de crédito sem a prévia solicitação do cliente,

que é o centro desse Trabalho de Conclusão de Curso.

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2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor - CDC1, instituído através da Lei n.º

8.078/90, promulgada no Diário Oficial da União em 12 de Setembro de 1990, decretada pelo

Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República Fernando Collor de Mello em

11 de Setembro do mesmo ano, é a lei que regula as relações de consumo no país. Na Carta

Magna de 1988, há inserção do direito do consumidor entre os direitos fundamentais.

De outra parte, o art. 170, V, da carta magna promulgada em 1988, elevou a

defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica. A lei de defesa do

consumidor foi promulgada em cumprimento ao art. 48 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, o envio de cartão de crédito sem a prévia solicitação do

consumidor se constitui em prática abusiva, nos termos do art. 39, inciso III, sendo, portanto,

uma prática vedada aos fornecedores de serviços e produtos, como é o caso das

administradoras de cartões de crédito ou empresas similares.

Nesse sentido, argumenta Benjamin, Marques e Bessa (2009, p. 221),

A regra do Código, nos termos do art. 39, III, é de que o produto ou serviço só pode ser fornecido desde que haja solicitação prévia. O fornecimento não solicitado é uma prática corriqueira – e abusiva – do mercado. Uma vez, não obstante a proibição, o produto ou serviço seja fornecido, aplica-se o disposto no parágrafo único do dispositivo: o consumidor recebe o fornecimento como mera amostra grátis não cabendo qualquer pagamento ou ressarcimento ao fornecedor, nem mesmo os decorrentes de transporte. É ato cujo risco ocorre inteiramente por conta do fornecedor.

A definição de produto como qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial é bastante

ampla. Dentro do mercado de consumo não se enxerga qualquer exceção a esta definição

dada pelo § 1º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.

1 O CDC é um diploma legal, de âmbito federal, que contem 119 artigos.

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2.1 O Código de Defesa do Consumidor e o direito fundamental do consumidor

Menos pacífica é a definição de serviço. De acordo com o Código de

Defesa do Consumidor, artigo 3º, § 2º, “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de

consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e

securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Detalhe a ser observado

no texto é o trecho no mercado de consumo por prestação de serviço.

Uma condição sine qua non para ser tutelada pelo Código de Defesa do

Consumidor é que o fornecimento se dê dentro do mercado de consumo.

A legislação ordinária, buscando a inserção da defesa do consumidor como

um princípio informador da ordem econômica, é categórico em seu artigo 1º da lei 8078/90:

“Art. 1º O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.”

Emanada do mandamento Constitucional, pois o Constituinte, pelo artigo 48

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinou que o Congresso Nacional

elaborasse o Código de Defesa do Consumidor – o princípio da proteção e defesa do

consumidor passou a ter a conotação de princípio de ordem pública, integrante da ordem

pública econômica.

Em decorrência desse entendimento estabelecido no art. 1º da Lei 8078/90,

o artigo 4º do mesmo diploma legal, dispõe sobre a política Nacional das Relações de

Consumo, ressaltando o atendimento das necessidades dos consumidores, nos seguintes

termos:

Art. 4º. A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

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II ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho; III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

É importante destacar que a interferência do Estado nessa relação é muito

presente, conforme interpretação de Fonseca (1995, p.178):

A defesa e proteção dos interesses econômicos dos consumidores passam, a ter do disposto no artigo 4º, agora focalizado, a fazer parte integrante da política econômica a ser adotada pelo Estado. Estabelece-se uma política nacional de relações de consumo com um objetivo determinado: Encarrega-se o Estado de promover o atendimento das necessidades do consumidor. Assim, as relações de consumo passam a fazer parte integrante da atuação do Estado, como responsável pela concretização da ordem pública econômica de proteção. Assim, o Estado torna-se presente no mercado de consumo para exercer efetivamente uma ação governamental de proteção de consumidor.

A proteção aqui referida tem como finalidade o reconhecimento da

vulnerabilidade do consumidor, propiciando-lhe, nas relações de consumo o reconhecimento

de sua vulnerabilidade, e buscando resguardar o respeito pela sua dignidade, saúde, segurança

e melhoria de sua qualidade de vida.

Busca-se como fundamental importância também harmonizar o

desenvolvimento econômico e tecnológico, que tendem a satisfazer os consumidores,

atendendo melhor suas necessidades com o devido respaldo a ser garantido pelo Estado,

evitando-se abusos. (FONSECA, 1995, p.178).

Importante ainda mencionar os preceitos emanados do Código Civil, a

respeito da validade dos contratos e de sua função social, conforme mencionado em seu Art.

2035.

“A validade dos negócios jurídicos e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no

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art. 2045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada

Forma de execução. Parágrafo Único: Nenhuma convenção prevalecerá se contraria preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por esse Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Nesse prisma por oportuno, cabe tratarmos também a respeito dos que pouco respeitam a vontade do consumidor e também pouco cumprem com sua finalidade social, antes buscam resguardar e impor condições favoráveis exclusivamente ao fornecedor.

2.2. Os direitos básicos do consumidor: art. 6º do CDC

O Código de Defesa do Consumidor indica no art. 6º uma série de direitos

fundamentais e essenciais à proteção do consumidor, visando garantir o respeito às normas

protetivas na relação entre fornecedor e cidadão que adquire esses produtos. Assim, importa

nesse momento do estudo, abordar esses direitos básicos específicos.

O artigo 6º, portanto, trata dos direitos básicos do consumidor,

relacionando-os da seguinte forma:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: I- a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II- a educação e divulgação sobre o consumo dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III- a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre o risco que apresentam; IV- a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V- a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI- a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII- o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX – Vetado

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X- a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Segundo (POLO apud FILOMENO 1999, p.118-119), hodiernamente os

direitos dos consumidores atingiram uma amplitude sem precedentes. A variedade de normas

a proteger os direitos dos consumidores perpassa, pelo Direito Civil, Direito Administrativo,

Direito Processual Penal, Direito Penal e Direito Constitucional, sendo que esse aparato de

normas jurídicas assegura ao consumidor a melhor maneira de proteger-se:

(...) “a defesa e proteção do consumidor constitui-se hoje em dia num dos temas mais extraordinariamente amplos e que afeta e se refere a casos de todos os setores do ordenamento jurídico”. “A variedade de normas que tutelam ou - deveriam tutelar –“, prossegue, “o consumidor, pertencem não somente ao Direito Civil ou Comercial, como também ao Direito Penal e ao Processual, ao Direito Administrativo e inclusive ao Direito Constitucional, determinou que os limites desse setor de interesses sejam pouco precisos, e porque não se dizer vagos e difusos” “Situados nessa perspectiva, tudo hoje em dia é direito do consumidor: o direito a saúde e à segurança; o direito de exigir as quantidades e qualidade prometidas e pactuadas; o direito de informação sobre os produtos, os serviços e suas características, sobre o conteúdo dos contratos e a respeito dos meios de proteção e defesa; o direito a liberdade de escolha e à igualdade na contratação; o direito de intervir na fixação do conteúdo do contrato, o direito de não se submeter à cláusulas abusivas; o direito de reclamar juridicamente pelo descumprimento ou cumprimento parcial ou defeituoso dos contratos; o direito à indenização pelos danos e prejuízos sofridos; o direito de associar-se para proteção de seus interesses; o direito de voz e representação em todos os organismos cujas decisões afetem diretamente seus interesses; o direito, enfim, como usuários, a uma eficaz prestação dos serviços públicos e até mesmo à proteção do meio ambiente.”

O Código de Defesa do Consumidor tem como princípio básico reconhecer

e resguardar o direito do mais fraco, reconhecidamente o consumidor. O Estado tem o dever

de atuar no mercado para proteger este sujeito de direitos. Assim, a atuação do Estado por

dever legal deve pautar-se na proteção do mais fraco, do leigo, do vulnerável, do consumidor

e não do mais forte, do expert, do fornecedor de produtos e serviços. Busca-se uma igualdade

material e não apenas formal daí o papel dominante da lei sobre a vontade das partes,

buscando impor uma maior boa-fé nas relações no mercado, conduzindo o ordenamento

jurídico a impor um melhor controle, um controle mais efetivo no equilíbrio das relações de

consumo.

O surgimento de leis intervencionistas, com preocupação social, resultou

num renascimento da defesa da liberdade de contratar, da liberdade de escolha do parceiro

contratual, pelo novo dever de informação imposto ao fornecedor, para que o consumidor

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possa exercer seu direito de escolha buscando o parceiro que melhor atender as suas

expectativas, em relação ao produto ou serviço que busca no mercado. (BENJAMIN ET AL.,

2009, p. 58-59).

Por sua vez, Marcus Vinicius Fernandes Andrade da Silva (2008, p. 63-64),

refere-se sobre os Direitos Básicos do Consumidor ao citar os ensinamentos do doutrinador

Nelson Nery Júnior, segundo os quais apenas os sete primeiros artigos do CDC já seriam

suficientes a resguardar o que de mais importante deve ser preservado no tocante aos direitos

básicos do consumidor.

Continua Marcus Vinicius Fernandes Andrade da Silva (2008, p.63) citando

eminente professor e doutrinador Nelson Nery Jr., o Código de Defesa do Consumidor só

necessitaria dos seus sete primeiros artigos. Ideia esta totalmente comprovável com uma

simples leitura destes artigos, os quais refletirão todo o corpo normativo do CDC. Ousaria

afirmar que demais artigos seriam interpretações e adequações dos sete primeiros.

Os direitos básicos do consumidor estão dispostos no Capítulo III do CDC,

em específico nos artigos 6º e 7º. Entende-se que nestes incisos estariam as regras básicas da

proteção e defesa do consumidor. Acredita-se que alguns princípios jurídicos, regras e

cláusulas gerais que dariam esboço ao microssistema jurídico do CDC estariam presentes

nestes sete primeiros artigos, destacando-se os incisos do art. 6º do CDC.

Iniciam-se os direitos básicos por algo que é basilar não só ao consumidor,

mas também ao cidadão, que é a proteção à vida, saúde e segurança. Observa-se que o

legislador do CDC muitas vezes parece ser repetitivo, detalhista e até prolixo. Entretanto, isto

se faz por necessidade de não deixar qualquer margem para interpretação avessa ao texto

normativo do CDC. Ademais, a velha máxima de que o legislador não diz palavras inúteis é

válida também no CDC.

Logo, quando o inciso I dispõe sobre a vida, a saúde e a segurança, não é ao

acaso. Cada item deste inciso será esmiuçado em dispositivos legais no corpo da norma. O

que ocorre com esse primeiro chamamento sob o capítulo de direitos básicos é a preocupação

com o mercado de produtos e serviços. A cada dia novos produtos e serviços ingressam no

mercado, outros entram em experiência e estas atividades dos fornecedores possuem riscos.

A respeito do inciso III do artigo 6º do CDC, Silva (2008, p. 65), reputa-o

como de suma importância de vez que aborda a informação sobre os produtos e serviços do

CDC, e com base nessas informações que são repassadas, ou eventualmente deixam de serem

passadas, ou ainda são repassadas de forma incompleta, o consumidor tomará a decisão de

comprar os produtos anunciados ou decidirão pela aquisição ou não dos serviços. Essas

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decisões serão fundamentais e se refletirão no desenvolvimento do negócio, ramificando-se

por todo o corpo normativo do microssistema.

Elege-se o direito de informação do inciso III do artigo 6º do CDC como o principal direito básico do CDC. A previsão dada neste artigo terá ramificações em todo o corpo normativo do microssistema, desde o direito básico, a informação dos produtos e serviços em si, informação na oferta, informação na publicidade, informação diante das cobranças de dívidas, informação nos bancos de dados e cadastros, informação nas tratativas e no corpo dos contratos, até a informação sob o âmbito processual com decisões de sentença coletivas. Quando o CDC trata de informação ao consumidor refere-se a uma informação

qualificada, que deve ser interpretável por consumidor parte do mais baixo nível de escolaridade/intelectualidade ao provido dos mais altos níveis de inteligência e conhecimentos. Concluiu-se acertadamente que a ideia de homem médio do direito civil e até do direito comercial contraria totalmente a filosofia do direito consumerista. Não redunda dizer que o fornecedor tem que, em cada situação, oferecer um manual de usuário para todos os produtos ou serviços. Isso, no entanto, contraria um pouco a ideia de informação qualificada, já que um manual de nada serviria a um analfabeto que é consumidor em sua grande proporção. A informação que o CDC exige, além de ser clara, ostensiva, precisa, adequada, em língua portuguesa, deve ter sempre em consideração o destinatário da informação, ou seja, o consumidor. A informação tem de chegar ao consumidor de maneira que ele possa entender e interpretar aquilo que é dito sobre os produtos e serviços.

Com muita frequência o fornecedor não respeita os limites da lealdade do

mercado que deve prevalecer nas boas relações de comércio, para atingir os consumidores,

age sem qualquer pudor, obedece exclusivamente o ganho imediato, sem medir os reflexos

dessas atitudes, no dia-a-dia do consumidor, desconsiderando os incômodos que advirão

dessas atitudes desmedidas. Silva (2008, p. 66-67) aborda esses inconvenientes:

Mais um direito básico do consumidor é a proteção contra práticas abusivas e desleais. As previsões dos incisos IV e V reforçam, como direito básico, a proteção em face das práticas do mercado que não medem consequências na busca pelo consumidor. A regra é vender, angariar consumidores a qualquer custo, seja através de publicidades, práticas contratuais com cláusulas abusivas inseridas nos contratos padrões, etc. Outro Direito básico, manifesta previsão no artigo 5º, X, da CF, é o direito à reparação pelos danos materiais e morais sofridos, seja individual, coletiva ou difusamente. Neste inciso VI também é destacado o direito à efetiva prevenção destes danos, também de suma importância. Sob este aspecto, o CDC busca ir de encontro algumas normas que buscam tarifar indenizações, como por exemplo, a Convenção de Varsóvia, ao tratar dos transportes aéreos. A própria regra geral do Código Civil é bastante clara ao estabelecer que o dano se mede por sua extensão (art. 944 do CDC). Não resta nenhuma razão para tarifações que tornem inefetivas as reparações pelos danos sofridos.

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Encerrando este rol de direitos básicos, destacar-se-ia um dos avanços mais significantes sob o âmbito do processo civil, que é a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Há de se salientar que o inciso VIII do artigo 6º do CDC não trata em específico da possibilidade de inversão, e sim do direito básico de facilitação da defesa de seus direitos, sendo a possibilidade de inversão uma dessas facilitações.

Buscando proteger o consumidor de situações em que se ache exposto a

ações de fornecedores que agem com pouca lealdade e que disso decorra a necessidade do

consumidor recorrer à justiça para proteger-se dos seus direitos, o Código admite, mediante

decisão judicial, a inversão do ônus da prova, que é justificada pela posição de desequilíbrio

na qual se encontra o consumidor tendo em vista sua hipossuficiência em relação ao

fornecedor. A respeito dessa possibilidade, vale examinar a posição do doutrinador Silva,

(2008, p. 67-68):

A questão do ônus da prova tem sido muito discutida, fazendo surgir muitas divagações acerca do tema e desvirtuando totalmente o que os dispositivos preveem na lei. O tratamento de prova no CDC está previsto no art. 6º, VII, o qual não pode ser lido isolado da regra geral do Código. Assim, não se excetuam as relações de consumo na previsão do artigo 333 do CPC. A possibilidade da inversão trazida pelo artigo 6º, VIII, do CDC é justificada pela posição de desequilíbrio que o consumidor apresenta perante o fornecedor, e o legislador quis presumir a vulnerabilidade do consumidor e situações de hipossuficiência. O arbítrio do juiz, verificada a verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência do consumidor, poderá ser invertido o ônus da prova em sede processual. Entendo como Anselmo Pietro Alvarez, que apesar de a regra ser ou, que os juízes tendem a

verificar as duas exigências: a verossimilhança da alegação e a hipossuficiência do consumidor. Nas lições de Rizzato Nunes, há mais um dever do que um poder; em verdade, um poder-dever. Como bem lembra João Batista Lopes, há, inquestionavelmente, uma carga de subjetividade nesses conceitos. O termo ônus, utilizado tanto no CPC como no CDC, não significa uma obrigação de provar, mas uma carga. Se não se cumpre este fardo, nenhuma repercussão direta ocorrerá e apenas aquele que tinha o ônus e não cumpriu abarcará com as suas consequências, o que pode ser prejudicial, mas não essencial. Nelson Nery Jr. Leciona: “A palavra vem do latim ônus, que significa carga, fardo, peso, gravame. Não existe uma obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para obtenção do ganho de caus. A produção probatória no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte.

Destacado no CDC, por ser identificado como um sujeito de direitos

especiais, ou seja, um direito fundamental (positivo), o consumidor brasileiro, amparado pelo

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art. 6º do código e pelo art. 5º XXXII, da Constituição Federal, goza de privilégios como bem

destaca os doutrinadores Benjamin et al (2009, p. 57):

O novo do CDC é ter identificado um sujeito de direitos especiais, o consumidor, e ter construído um sistema de normas e princípios orgânicos para protegê-lo e efetivar seus direitos. A identificação deste novo sujeito de direitos, deste grupo de não-iguais, de vulneráveis, nos arts. 1º a 4º, não estaria completa se não houvesse a lista de direitos básicos no art. 6º do CDC. No caso brasileiro, trata-se da realização de um direito fundamental (positivo) de proteção do Estado métodos comerciais, para o consumidor (art. 5º XXXII, da CF/88). O consumidor foi identificado constitucionalmente (art. 48 do ADCT) como agente a ser necessariamente protegido de forma especial, e esta tutela foi caracterizada através do CDC e sua lista de direitos básicos do consumidor. O inciso IV do art. 6º do CDC proíbe o abuso de direito e impõe transparência e boa fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos. Como vimos, é possível afirmar que a boa-fé é o princípio máximo orientador do CDC; aqui também o princípio da transparência (art. 4º caput) atua como um reflexo da boa fé exigida aos agentes contratuais. CDC preocupa-se tanto com os aspectos pré-contratuais como com os de formação e execução dos contratos de consumo.

Mais adiante, seguem os doutrinadores abordando a transparência e boa-fé

que devem prevalecer nos contratos e na publicidade, para que os consumidores não sejam

ludibriados e incorram em enganos fundamentais, que venham a leva-los a definir-se por um

serviço ou produto diferente daquele que desejam e que necessitam (BENJAMIN ET AL.,

2009, p.59):

Os arts. 30 a 38 do CDC, que regulam a vinculação da publicidade, constituem uma das inovações mais comentadas do CDC e são reflexos deste direito de proteção contra abuso de marketing que ora comentamos. No sistema do CDC, porém, a transparência, a informação correta, está diretamente ligada à lealdade, ao respeito no tratamento entre parceiros. É a exigência de boa-fé quando da aproximação (mesmo que extra ou pré-contratual) entre fornecedor e consumidor. Neste sentido, disciplina o CDC, em seus arts. 36 a 38, a informação publicitária para obrigar o fornecedor que dela se utilizar a respeitar os princípios básicos de transparência e boa-fé nas relações de consumo. O CDC prevê ainda efeitos e sanções administrativas e penais correlacionados à publicidade. Essas normas do CDC aparecem como instrumento do direito para estabelecer também o equilíbrio, para estabelecer a força da “vontade”, das expectativas legítimas, do consumidor, compensando, assim, sua vulnerabilidade fática, assim como as normas sobre cláusulas e práticas abusivas (arts. 39 e 51).

Com relação à proteção contratual, que busca resguardar o consumidor de

onerosidade excessiva, assegurando-lhe o direito de proteger-se, podendo modificar cláusulas

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que não estabeleçam relações proporcionais nos contrato, assim se manifestam os

doutrinadores Benjamin et al. (2009, p. 60):

O inciso V do art. 6º do CDC trata também da proteção contratual dos consumidores, do combate a onerosidade excessiva, assegurando direitos e modificação das clausulas (não abusivas) “que estabeleçam prestações desproporcionais”ou direito à sua revisão por quebra da base do negócio, em face de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Com relação ao acesso a justiça e inversão do ônus da prova, enfatizam os

doutrinadores, ressaltando a importância do Estado e da União, no sentido de colocar a

disposição dos consumidores as defensorias públicas para ampará-los na busca de seus

direitos a reparação de danos, oriundos de relações comerciais que causem prejuízos aos

consumidores Benjamin et al.( 2009 p. 63):

O inciso VII assegura um direito de acesso a justiça e aos órgãos administrativos em geral, inclusive às agências que controlam os serviços ex-públicos e aos órgãos de defesa do consumidor, Procons etc., sempre com vistas à prevenção e reparação de danos, individuais e coletivos, aos consumidores. Neste direito inclui-se a proteção jurídica e administrativa aos necessitados, hoje realizadas por estes importantes órgãos que são as defensorias públicas dos Estados e da União. Aqui encontra-se também a semente do sistema recall ou retirada do mercado de produtos defeituosos. O inciso VIII do art. 6º é um dos mais citados e importantes do CDC, pois trata-se de uma norma autorizando o magistrado a inverter o ônus da prova em benefício do consumidor, em duas hipóteses: quando for verossímil sua alegação ou quando ele for hipossuficiente (espécie de vulnerabilidade processual, por exemplo, para fazer uma prova custosa e difícil para ele, mas cujo teor o fornecedor detém sem o menor problema). Reza o art. 6º, VIII, do CDC que é direito básico do consumidor “a facilitação de defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência”. Note-se que não podem as partes, através de contrato ou qualquer acordo, inverter o ônus da prova em prejuízo do consumidor. Como este inciso não foi desenvolvido na parte processual do CDC, é aqui que os advogados e magistrados procurarão o direito de inversão do ônus da prova a favor do consumidor, que foi garantido ao consumidor, mas dependerá da determinação do juiz. Notes-se que se trata de direito básico do consumidor, sendo assim se requerido e não atendido pelo magistrado de primeiro grau, discussão de mérito (discussão material sobre direito “a critério do juiz, (...) segundo as regras ordinárias da experiência”), e não problema processual, daí poder ser invertido a qualquer tempo pelos magistrados das instâncias superiores.

Por tratar-se de direito básico do consumidor, a inversão do ônus da prova,

mais do que trazer um alerta ao fornecedor, enfatiza uma advertência de que essa

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determinação do Código encerra uma poderosa arma de defesa do consumidor na busca de

seus direitos. Tem também o caráter educativo, com a oportuna ressalva do doutrinador, que

ignorado, ou não atendido esse direito pelo magistrado de primeira instância poderá, a

qualquer tempo, ser reivindicado em instâncias superiores.

Essa importante proteção do Código, reconhecendo em mais de uma

situação o caráter de hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor, aliada aos

princípios básicos das relações de consumo, como veremos a seguir, asseguram um

importante instrumento a serviço do consumidor, na defesa de seus direitos.

2.3 Contratos de Adesão

Os contratos de adesão são os definidos por lei como aqueles cujas cláusulas

tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo

fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar

substancialmente seu conteúdo.

Do contrato de adesão é normalmente de onde surgem as cláusulas

contratuais abusivas, sob o pressuposto falso, de que as partes assinaram o contrato

manifestando a autonomia de vontade, dando a hipotética ideia de que ambos os contratantes

tiveram a oportunidade de manifestar suas opiniões a respeito das cláusulas e condições,

dando a falsa ideia da existência da justiça do contrato (FONSECA, 1995, p.183). Nesse

sentido, o mesmo autor refere que:

Pelo artigo 51 o legislado especifica o conteúdo das cláusulas que não poderão constar num contrato entre fornecedor e consumidor. Trata-se de proibição absoluta e corresponde à característica de ordem pública e de vinculação ao interesse social. Visa um critério concreto de fixação do conteúdo da cláusula, não importando se existe ou não o efetivo conhecimento ou anuência das partes. É irrelevante a condição subjetiva do consumidor (1995, p.184).

É importante, nesse tópico, destacar a íntegra do art. 51, que trata das

cláusulas abusivas, representando um direito básico e fundamental do consumidor, segundo as

palavras de (FONSECA,1995, p. 184-188):

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Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: “I- Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.” Cláusulas contratuais que tenham como objetivo uma convenção de exoneração de responsabilidade, total ou parcial, é absolutamente nula, sem necessidade de apreciação judicial. “II- Subtraia ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código;” Esta cláusula impede que o consumidor sofra uma penalidade exagerada, de receber aquilo que foi pago, sem juros e correção monetária, nos casos de consórcio de que desistiu, por exemplo. “III- Transfira a responsabilidade a terceiros;” “IV- estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;” “§1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações inerentes a natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.” Cláusula nula de pleno direito possibilitará a intervenção por parte do judiciário para modificar-lhe o conteúdo, como consignado no inciso V do artigo 6º, referente aos direitos básicos do consumidor. Estará facultada a ocorrência de interferência no conteúdo do contrato, porque nula a fixação das prestações pelas partes.

Depois de analisadas as cláusulas abusivas, passa-se no próximo tópico ao

estudo dos direitos básicos do consumidor, tema fundamental para o esclarecimento do tema

central do trabalho, que o direito do consumidor de não receber produtos em sua residência ou

trabalho sem que tenha previamente solicitado esses bens ou serviços.

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3. OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

NO BRASIL

Como espinha dorsal do presente Trabalho de Conclusão de Curso, temos o

artigo 4º da lei 8078/90, do Código de Defesa do Consumidor, que trata da Política Nacional

de Relações de Consumo.

Este artigo revela que o Código, longe de ser um instrumento que gera a

discórdia entre o fornecedor e o consumidor, produz uma forma de harmonia entre esses entes

básicos da relação de consumo. Busca resguardar os direitos do consumidor constantes do

Código, mas também não estigmatizar o fornecedor como sendo o vilão da história, ao

contrário o fornecedor é visto como uma parte importante da cadeia de consumo, como frisa o

José Geraldo Brito Filomeno (1990, p. 53),

POLÍTICA NACIONAL DE RELAÇÕES DE CONSUMO – Ao contrário do que se tem ouvido de alguns, o Código ora instituído entre nós não é instrumento de “terrorismo” ou então de fomento da discórdia entre os protagonistas das relações de consumo ou, mais grave ainda, como pretendem ver alguns leitores mais afoito e apressados do texto sob análise, elemento desestabilizador do mercado, eis que encara o fornecedor como o vilão da história, atribuindo-se-lhe todas as mazelas e distorções verificadas no mercado de consumo. Muito pelo contrário, e como já salientado linhas atrás, visa exatamente a harmonia das sobreditas “relações de consumo”, porquanto, se por um lado efetivamente se preocupa como o atendimento das necessidade básicas dos consumidores (isto é, respeito à sua dignidade, saúde, segurança e aos seus interesses econômicos, almejando-se melhoria de sua qualidade de vida), por outro visa igualmente à paz daqueles, para tanto atendidos certos requisitos, como serão analisados a seguir, dentre os quais se destacam as boas relações comerciais, a proteção da livre concorrência, do livre mercado, da tutela das marca e patentes, invento e processos em industriais, programas de qualidade e produtividade, enfim uma política que diz respeito ao mais perfeito possível relacionamento entre consumidores – todos nós em última análise, em menor ou maior grau – e os fornecedores. E até por uma questão de lógica irrefutável: são aqueles que propiciam o lucro e subsidiam os investimentos dos segundos os quais, por seu turno, não podem prescindir dos bens da vida – ainda pelos segundos propiciados. São verdades evidentes por si próprias e que não demandam demonstração, pela sua obviedade. Quando se fala “política nacional de relações de consumo”, por conseguinte, o que se busca é a propalada” harmonia” que deve regê-las a todo momento, falando o Código examinado ainda em “Sistema Nacional de Defesa do Consumidor” (arts. 105 e 106), que será tratado noutro passo e pela ordem numérica dos artigos que o compõem.

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Inserido no Capítulo II – Da Política Nacional das Relações de Consumo, o

art. 4º, traz a normatização do código que visa harmonizar essas relações atribuindo às

responsabilidades de fornecedores e consumidores, sempre resguardando as garantias dos

consumidores, por se tratarem do elo mais frágil da cadeia de consumo, merecendo por isso

uma proteção especial, mais especificamente quanto a sua vulnerabilidade, in verbis:

Art. 4º - A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivo à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho; III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 1790, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV- educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado consumo; V – incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII – racionalização e melhorias dos serviços públicos; VIII – estudo constante das modificações do mercado de consumo.

Depois de abordados os princípios gerais das relações de consumo, faz-se

prudente destacar, a seguir, a vulnerabilidade do consumidor, que se trata de um dos mais

efetivos e importantes princípios do sistema protetivo do cidadão consumidor.

3.1. Vulnerabilidade do Consumidor Um dos pilares do Código de Defesa do Consumidor, CDC, foi reconhecer

o consumidor como a parte vulnerável, hipossuficiente na relação de consumo.

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A respeito dessa distinção no trato do consumidor, protegendo-o, por ser

considerado o elo mais fraco da relação e reconhecendo os empresários, os que detêm os

meios de produção, como a parte forte da relação, José Geraldo Brito Filomeno (1999, p. 54),

assegura:

“O consumidor é o elo mais fraco da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco”. O autor dessa frase, ao contrario do que possa parecer, não é qualquer consumerista exacerbado. Ao contrário, é o “pai da produção em série”, ninguém menos que o célebre magnata da indústria automobilística Henry Ford, conforme nos dá conta Paulo Rónai. Como já acentuado noutro passo socorrendo-nos das ponderações do prof. Fábio Konder Comparato, o consumidor certamente é aquele que não dispõe de controle sobre os bens de produção e, por conseguinte, deve se submeter ao poder dos titulares destes, concluindo que, por conseguinte é, de modo geral, aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários. Como já afirmava o célere Ruy Barbosa, a democracia não é exatamente o regime político que se caracteriza pela plena igualdade de todos perante a lei, mas sim pelo desigual dos desiguais. No âmbito da tutela especial do consumidor, efetivamente, é ele sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável se se tiver em conta que os detentores dos meios de produção é que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir e para quem produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro. Embora se tenha em vista o livre mercado, a livre concorrência, é o próprio art. 170 da Constituição Federal que estabelece os parâmetros da ordem econômica visada pelo Estado brasileiro, colocando a defesa do consumidor como um de seus pilares imprescindíveis.

Importante para caracterizar, quem é quem nas relações de consumo, é

verificar o que diz o código e quais os princípios adotados para definir o consumidor. Essas

definições são cruciais para reconhecer a quem é endereçada e a quem é assegurada a

proteção que emerge do CDC, uma vez que bem definidas essas coberturas podem destinar-se

tanto ao consumidor pessoa física, como pessoa jurídica.

Dentro dessa perspectiva Leonardo Roscoe Bessa (2003, p. 166) afirma que:

Os destinatários da proteção do CDC constituem-se em um dos temas mais abordados pela doutrina especializada. A explicação é simples, até óbvia. Como o CDC confere um tratamento diferenciado a pessoas que estão em situações fática específicas, cumpre necessariamente identificar qual ou quais são essas situações (suporte fático), de modo a se concluir pela incidência ou não das normas especiais de proteção ao consumo. Na hipótese, cabe identificar as pessoas e situações que ensejam a incidência das disposições do CDC, reguladoras da atuação dos bancos de dados e proteção ao crédito. Ao final, se conclui que tanto as pessoas físicas como as jurídicas podem invocar em seu favor a disciplina referente a banco de dados.

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Segue o doutrinador no mesmo tema, explicando as distinções de

consumidores, consolidando as diferenças básicas que são de importância fundamental para

que não haja qualquer dúvida com respeito a quem se destinam as proteções amparadas pelo

Código de Defesa do Consumidor, quem é o consumidor final, quem é o destinatário final,

fático e econômico, do bem ou serviço, podendo ser pessoa física como também pessoa

jurídica (BESSA, 2003, p. 167-168).

As divergências doutrinárias giram especialmente em torno do sentido da expressão destinatário final. De um lado a corrente maximalista, conferindo interpretação extensiva à lei, sustenta que tanto o destinatário final fático como o econômico inclui-se na definição. Assim, estaria sob a proteção qualquer pessoa adquirente de produtos e serviços no mercado mesmo que estes servissem apenas de insumo ou elemento da cadeira produtiva. Interpretação mais restrita é conferida pela corrente finalista. Cláudia de Lima Marques assim condensa o pensamento dos finalistas. “Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4º, inciso I. Logo convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem é o consumidor e quem não é. Propõem, então, que se interprete a expressão destinatário final do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4º e 6º. Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo essa interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção(...)”. O conceito básico de fornecedor encontra-se no art. 3º do CDC como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

É certo que a vulnerabilidade da pessoa física é maior. As pessoas jurídicas

em geral, possuem conhecimentos técnicos capazes de minorar os efeitos negativos

decorrentes de registro irregular em entidades de proteção ao crédito (BESSA, 2003, p.73).

É por isso que a maior proteção é dirigida, como visto até agora, ao

consumidor pessoa física, mais vulnerável e hipossuficiente nas relações de consumo. Diante

de tal perspectiva, passa-se a estudar o princípio da boa-fé.

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3.2. Princípio de Boa Fé

Impossível tratar-se de relação de consumo baseado nos ditames do CDC, sem

apreciar os princípios boa fé, os quais devem pautar todas as relações, mais enfaticamente,

entretanto, as relações contratuais.

Poderíamos afirmar genericamente que a boa-fé é o princípio máximo orientador do

CDC. Neste trabalho estamos destacando também a transparência (art.4º, caput) que não

deixa de ser um reflexo da boa-fé exigida aos agentes contratuais.

Afirma ainda a doutrinadora Cláudia de Lima Marques (2006, p.799) a esse respeito:

O caput do art. 4º do CDC menciona, além da transparência, a necessária harmonia das relações de consumo. Esta harmonia será buscada através da exigência de boa fé nas relações de consumo entre consumidor e fornecedor. Segundo dispõe o art. 4º do CDC, inciso III, todo o esforço do Estado ao regular os contratos de consumo deve ser no sentido de harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 Constituição Federal) sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

Segue a doutrinadora interpretando o CDC, com relação ao seu artigo 39, tecendo os

seguintes ensinamentos (MARQUES, 2006, p. 815-820):

A lista do art. 39 é suficientemente clara sobre seus propósitos e pode ser dividida em quatro grupos. No primeiro grupo proíbe o CDC que o fornecedor se prevaleça de sua superioridade econômica e técnica para determinar condições negociais desfavoráveis ao consumidor. Assim, proíbe o art. 39, em seu inciso I, a práticas da chamada venda casada e os limites quantitativos, em seu inciso V, a exigência de vantagem manifestamente excessiva do consumidor, e, por fim no inciso XII, que o fornecedor deixe de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixe a fixação do termo inicial a seu exclusivo critério. No segundo grupo de práticas abusivas e, portanto, proibidas pelo art. 39, encontram-se aquelas que prevalecem da vulnerabilidade social ou cultural do consumidor. Segundo o inciso IV, é vedado ao fornecedor “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”. Neste grupo podemos incluir também a prática abusiva destacada no inciso VII: é vedado ao fornecedor repassar informações depreciativas referente a tos praticados pelo consumidor no exercício de seus direitos. (MARQUES, 2006, p. 815-820).

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A autora gaúcha também enfatiza o que chama de terceiro e quarto grupo de práticas

abusivas, classificação que decorre do próprio texto legal, do artigo 39 do CDC. No terceiro é

que estão inseridas as vendas sem a prévia manifestação dos consumidores, conforme explica:

No terceiro grupo encontram-se as práticas de vendas ou modificações contratuais sem manifestação prévia do consumidor. Nas vendas sem manifestação prévia do consumidor, este recebe o produto ou serviço não requisitado e não tem como devolver o objeto ou não aceitar o serviço e se vê literalmente forçado a contratar. Estas táticas agressivas de venda ficaram proibidas, de maneira muito inteligente, pelo inciso III combinado com o parágrafo único do art. 39. Efetivamente dispõem o inciso III e o parágrafo único do art. 39: “Art. 39 é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto ou fornecer qualquer serviço; (...) Parágrafo Único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

Outro aspecto importante é que a doutrina consumerista, segundo explicação de

Claudia Lima Marques, considera como amostra grátis os produtos enviados para o

consumidor, sem prévio conhecimento ou solicitação por parte deste. Há uma espécie de

equiparação com as amostras grátis, não tendo o consumidor nenhuma obrigação de pagar por

esses produtos. É uma criação inventiva do Direito do Consumidor brasileiro, fixada assim no

Código, dando ênfase ao fato de que muitas vezes as normas do CDC assumem um caráter

mais operacional do que conceitual, senão vejamos:

Vale lembrar aqui a noção de que as novas normas do Código assumem por vezes uma natureza mais operacional do que conceitual, a que estávamos acostumados nas lições do grande Beviláqua. Quanto à eficácia prática da norma do art. 39, III, não resta a menor dúvida – pode-se apenas discutir se outra solução seria ou não mais apropriada ao novo princípio geral de equidade e equilíbrio das relações entre fornecedor e consumidor. (...) O inciso X considera abusiva a prática de “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços” e inciso XI, a de “aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido”. (MARQUES, 2006, p. 815-820).

Para finalizar, Marques destaca o quarto grupo das cláusulas abusivas, segundo

classificação extraída do CDC:

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Mas o último grupo de práticas abusivas proibidas pelo art. 39 é ainda mais polêmico: trata-se do inciso II, que possui a seguinte redação: “Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) “II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de sua disponibilidade de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes”. Pela primeira vez o CDC menciona na fase pré-contratual a aplicação de “usos e costumes”, menção que acalma o espírito dos comercialistas e contratualistas tradicionais, pois usos e costumes, no Brasil, geralmente são estabelecidos tendo em vista a superioridade econômica do fornecedor. Mas a segurança dos tradicionalistas acaba no inciso II do art. 39, pois, se interpretado sistematicamente com os arts. 30 e 35 do mesmo capítulo (Das práticas comerciais), pode levar a conclusão de que o CDC instituiu uma verdadeira obrigação de contratar para o fornecedor. Efetivamente, se “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa”, segundo o art. 30, é oferta e vincula, e se o fornecedor não pode recusar dar cumprimento a oferta sem sofre consequências contratuais do art. 35, então pelo art. 39, II, ele também não pode recusar a contratar, se ainda tem estoque, isto é “na exata medida de suas disponibilidades de estoque”.

A boa fé objetiva e a função social dos contratos são duas premissas que

norteiam o Código do Consumidor e também o Código Civil, 2002. A respeito desse tema, o

doutrinador Marcos Vinicius Fernandes Andrade da Silva, leciona, com muita propriedade

(2008, p.205e 206), que,

Tratar de contratos, em destaque os de consumo, sem tratar da boa-fé objetiva é totalmente inconcebível, seja ela manifestação de princípio, cláusula geral ou regra. As Seguir-se-á a pesquisa de elaborada por Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, que, diante de tantas obras consultadas e estudadas, apresentou respeitável abordagem sobre a temática da boa-fé objetiva nas relações de consumo. A origem da boa-fé é o termo fides (latim), já presente na Roma Arcaica. Na lei das XII tábuas já havia previsão de sanção religiosa no caso de fraudes do patrão em face de seu cliente. Após cair em desuso, retorna no período clássico em Roma, sob o aspecto puramente processual, fundada na actiones in ius conceptate. Scartezzin, citando Jair Vasconcellos do Carmo e J. Cretella Junior, acresce que: “Corporificou-se a bonai fidei iudicia, que buscava no processo, deixando de lado o formalismo, a melhor solução para os litígios contratuais”. Ressurge nas questões possessórias. Neste caso Menezes de Cordeiro aponta uma confusão entre as significações da boa fé e a nonum aequum e a aequitas. Já no direito canônico, a boa-fé era tida como ausência de pecado, fazendo oposição a ideia de má fé. Neste sentido, mais ressaltado é o aspecto subjetivo, iniciando assim o que seria contemplado no código de Napoleão, ou seja, diferenciação de boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva.

A lealdade entre as partes, que antes de mais nada é uma manifestação de

boa fé objetiva, deve ser manifestada em todas as fases do contrato, possibilitando ao juiz

melhor embasamento sob o aspecto decisório. Nesse ponto ensina o doutrinador Marcos

Vincius Fernandes Andrade da Silva (2008, p. 208):

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A leal e harmoniosa conduta entre as partes seria uma manifestação de boa-fé objetiva. Na manifestação de princípio, daria aparato a toda a legislação e sistema como regra geral, seriam aplicados de imediato nas lides, sem deixar margens à interpretação, ou ainda como cláusula geral, permitindo ao juiz melhor embasamento sob o aspecto decisório ou para positivar um princípio. Como visto anteriormente, estes deveres acessórios ditados pela boa-fé objetiva devem ser manifestos em todas as fases contratuais. Nas relações de consumo o legislador brasileiro optou inicialmente como princípio, com a intenção de que manifeste em todo o texto normativo. Isso não descarta sua manifestação como regra e cláusula geral. Tratar a boa-fé objetiva como um mero critério de interpretação é reduzir em muito o seu valor, sua relevância e função.

Ainda sobre o princípio da boa-fé, nosso mestre e renomado doutrinador

Humberto Theodoro Júnior é enfático ao se referir ao assunto, ressaltando que embora o

Código não contenha uma norma específica sobre o tema, na doutrina o entendimento é de

que a boa-fé deve prevalecer como um princípio geral de direito (2011, p. 218 e 219):

Muitos códigos são expressos em afirmar que os contratos devem ser pactuados, interpretados e executados segundo o princípio da boa-fé. Nosso Código não contém norma específica sobre o tema, mas a doutrina e a jurisprudência entendem, à unanimidade, que dito princípio também prevalece entre nós, como princípio geral de direito. Historicamente, o direito\contratual romano se caracterizava Pela dicotomia entre contratos de direito escrito e contratos da boa-fé. Os primeiros eram formais (do direito civil, ou quiritário) e os de boa-fé, os que não dependiam de forma ou solenidade para produzir sua eficácia. Para os de direito escrito, só se admitia a interpretação rigorosa, segundo as solenidades traçadas pelas fórmulas da lei. Já para os não solenes, admitia-se que o Juiz pesquisasse livremente a intenção das partes, sem se preocupar com as palavras utilizadas pelos contratantes. A interpretação deixava de ser literal ou formalista. Nos tempos atuais, prevalece o princípio de que “todos os contratos são de boa-fé”, já que não existem mais, no direito civil, formas sacramentais para a declaração de vontade nos negócios jurídicos patrimoniais, mesmo quando a lei considera um contrato como solene.

Como vemos, a forma natural de contratar hoje pressupõe a existência do

princípio da boa-fé, que deve ser a intenção dominante das partes, dessa forma ao interpretar

um contrato o Juiz, examinará de imediato se esse princípio prevaleceu quando de sua

elaboração, evitando-se dessa maneira a esperteza nociva, a avidez exagerada e cláusulas

dúbias, que serão de pronto consideradas nulas, sempre buscando resguardar o interesse da

parte mais frágil na relação de consumo, o hipossuficiente que é o consumidor.

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3.3 Princípio da Autonomia da Vontade

Tratando a autonomia da vontade como a força criadora da relação jurídica

obrigacional dos contratantes, Humberto Theodoro Junior (2011, p. 208-209), acrescenta que

além da autonomia de vontade, devem ser observadas as limitações de ordem pública e os

bons costumes:

A ideia tradicional de contrato vê na vontade dos contratantes a força criadora da relação jurídica obrigacional, de sorte que nesse terreno prevalece como sistema geral a liberdade de contratar, como expressão daquilo que se convencionou chamar de autonomia da vontade. Essa liberdade de contratar, no plano do direito privado, especialmente na esfera do direito das obrigações, se manifesta sob tríplice aspecto, a saber: a) pela faculdade de contratar e não contratar, isto é, pelo “arbítrio de decidir, segundo os interesses e conveniências de cada um, se e quando estabelecerá com outrem um negócio jurídico contratual” (Caio Mário, op. Cit., III, n. 186, p.15); b) pela liberdade de escolha da pessoa com quem contratar (idem, ibidem); c) pela liberdade de fixar o conteúdo do contrato, redigindo suas cláusulas “ao sabor do livre jogo das conveniências dos contratantes” (idem, ibidem). (...) Duas limitações, porém, sempre foram opostas ao princípio da liberdade de contratar, que são as regras legais de ordem pública e os bons costumes. Isto quer dizer que a vontade pode amplamente determinar o aparecimento do contrato e definir o seu conteúdo, mas não pode fazê-lo contrariando aquilo que o legislador disciplinou como matéria de ordem pública, por reconhecer, nas circunstâncias, a ocorrência de interesse público em nível superior ao interesse privado dos contratantes. (...) Vive o direito contratual, sem dúvida, uma notável fase evolutiva, em que o princípio da autonomia de vontade tem sofrido questionamentos variados, com reflexos constantes sobre o direito positivo, de maneira a dar ao dirigismo contratual quase que uma prevalência sobre a tradicional liberdade privada de regularem as próprias partes seus negócios jurídicos contratuais.

Com relação aos direitos individuais e as garantias contratuais, vigentes hoje

no dito Estado social, tratam-se não apenas de direitos individuais como também de garantias

fundamentais e sua política de efetiva implantação, buscando a justiça social, segundo

orientação de Humberto Theodoro Júnior (2011, p.210):

Ao Estado liberal sucedeu, em nossos tempos, o Estado social, com a tônica de não apenas declarar direitos individuais e garantias fundamentais, mas de torná-los realidade, mediante política de efetiva implantação de medidas compatíveis com a justiça e o bem-estar sociais. O dirigismo contratual, por meio da multiplicação das regras de ordem pública, passou a dominar a preocupação dos legisladores, mudando a feição e atingindo, até mesmo, o âmago do direito das obrigações.

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3.4. Princípio da Transparência

Previsto no Código de Defesa do Consumidor esse princípio, busca tornar

mais clara e menos danosas as relações de consumo. O art. 4º do Código, antes de tudo tem

como objetivo possibilitar uma aproximação num ambiente de sinceridade, baseado na

transparência que significa clareza nas relações, com informações reais sobre os produtos e

serviços que estão sendo oferecidos. Nesse sentido explica Claudia Lima Marques (2006, p.

714-718):

Na formação de contratos entre consumidores e fornecedores, o novo princípio básico norteador é aquele instituído pelo art. 4º, caput, do CDC, o da transparência. A ideia central é possibilitar uma aproximação e uma relação mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo. O CDC regulará, assim, inicialmente aquelas manifestações do fornecedor que tentam atrair o consumidor para a relação contratual, a fim de motivá-lo a adquirir seus produtos e usar os serviços que oferece. Regula, portanto, o Código a oferta feita pelo fornecedor, incluindo aqui também a publicidade veiculada por ele. (...). (...) De um lado, o ideal de transparência no mercado acaba por inverter os papéis tradicionais: aquele que se encontrava na posição ativa e menos confortável (caveat emptor), aquele que necessitava atuar, informar-se perguntar, conseguir conhecimentos técnicos ou informações suficientes para realizar um bom negócio, o consumidor, passou para a confortável posição de detentor de um direito subjetivo de informação (art. 6º, III), enquanto aquele que se encontrava na segura posição passiva, o fornecedor, passou a ser sujeito de um novo dever de informação (caveat vendictor), dever de conduta ativa (informar), o que significa, na prática, uma inversão de papéis (art. 46, 51, IV, e 54) e um início de inversão ex vil lege ônus da prova. Se esta inversão de papéis ocasionada pelo ideal de transparência e lealdade no mercado imposto pelo CDC pode ser considerada renovadora, o sentido e o fim (Sinn und Zweck) do mandamento, como denominam os alemães a ratio legis, podem ser reduzidos à tradicional procura da “verdadeira e livre vontade do consumidor”. Visto deste ângulo, o ideal de transparência, seria apenas uma nova (e sem dúvida importante) pré-condição para que o consumidor possa manifestar sem medo e livremente sua vontade e realizar o (ao fim) as suas expectativas legítimas, aquelas que o levaram – informado devidamente sobre o produto ou serviço, ciente de seus futuros direitos e deveres contratuais – a escolher aquele fornecedor como seu parceiro contratual.

O princípio da transparência se manifesta nas relações de consumo, com

muita intensidade na oferta dos produtos e serviços, que deve ser clara e concreta. Nesse

quesito a propaganda cumpre um papel importante, pois qualquer falha na informação poderá

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levar o fornecedor a cumprir com o que está sendo divulgado. Segue a doutrinadora Claudia

Lima Marques, finalizando o tema (2006, p.719 e 720),

Resumindo, como reflexo do princípio da transparência temos o novo dever de informar o consumidor, seja através da oferta, clara e concreta (leia-se aqui publicidade ou qualquer outra informação suficiente – art. 30), sobre as qualidades dos produtos ou serviços e as condições do contrato, sob pena de o fornecedor responder pela falha da informação (art. 20), ou ser forçado a cumprir a oferta nos termos em que foi feita (art.35), seja através do próprio texto do contrato, pois, pelo art. 46, o contrato deve ser redigido de maneira clara, em §especial os contratos pré-elaborados unilateralmente (art. 54 § 3º), devendo o fornecedor “dar oportunidade ao consumidor” de conhecer o conteúdo das obrigações que assume, sob pena de o contrato, por decisão judicial, não obrigar o consumidor, mesmo se devidamente formalizado.

Inobstante existirem nas relações de consumo outros princípios igualmente

importantes, reputamos os acima mencionados como os adequados para a abordagem do tema

do presente trabalho, pois em nosso entendimento são suficientemente abrangentes e

intrinsecamente ligados ao cerne do problema aqui levantado. Poderíamos trazer a baila,

ainda, o Princípio da Lealdade Contratual, o qual é também relevante nesse contexto,

entretanto, esse princípio está inserido no Princípio da Boa Fé, sendo assim, é mais

abrangente, pois representa o âmago da questão pela qual as partes devem agir com os

espíritos desarmados, sem segundas intenções, sem o agir ardiloso. Agir de forma correta,

sem buscar o artifício da esperteza desleal.

Certamente esses princípios, juntamente com a abordagem no capítulo a

seguir das Práticas Abusivas e das Cláusulas Abusivas, serão suficientemente claros e

elucidadores para demostrar que em muitas relações contratuais ainda persistem situações que

embora reprimidas pelo Código de Defesa do Consumidor continuam sendo usadas ao arrepio

da lei. Referimos-nos ao abuso do Sistema Financeiro, fazendo prevalecer seus métodos

pouco éticos em detrimento dos consumidores menos informados, considerados a parte

hipossuficiente nas relações de consumo.

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3.5. As práticas abusivas e cláusulas abusivas

A abusividade no Código de Defesa do Consumidor é tratada de duas

formas distintas, porém intrinsecamente relacionadas entre si, a saber: as práticas abusivas

(art. 39) e as cláusulas abusivas (art. 51).

As disposições relativas às praticas abusivas, estão relacionadas às práticas

comerciais, mais especificamente reguladas como a oferta, a publicidade, a informação, a

proteção contratual e as práticas abusivas.

Já as cláusulas abusivas, inseridas no Capítulo VI, do Código de Proteção

do Consumidor, tratam detidamente da proteção contratual. As práticas abusivas estão

especificamente enumeradas no art. 39, do CDC, in verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços: I - Condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justas causa a limites quantitativos. (faz referência a situações em que o consumidor é condicionado pelo fornecedor a adquirir produto que não deseja, ou em quantidade diferente da que deseja. É o condicionamento imposto pelo fornecedor – abusividade de prática). II - Recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; VII - repassar informação depreciativa referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos; VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial – Conmetro; IX - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu temo inicial a seu exclusivo critério.

A respeito das práticas abusivas, para Fonseca (1995, p.180) o mais

importante é verificar a realização do ato descrito na norma pelo fornecedor,

independentemente da existência de culpa ou não, conforme comenta:

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O legislador se refere àquelas situações contratuais em que o consumidor é obrigado pelo fornecedor a adquirir produto que não quer ou em quantidade diferente das por ele pretendida; ou ainda à tentativa de ocultação de estoque, recusando-se a atender o consumidor; ou mesmo a tentativa de forçar a venda do produto ou do serviço enviando-os ou entregando-os ao consumidor que não solicitou. Vê-se que, em todos esses casos, do inciso I ao IX, o que tem importância é a caracterização do fato descrito na hipótese legal. A simples existência do fato descrito na norma configura a abusividade da prática, independentemente de se perquirir a respeito da intenção do fornecedor.

As cláusulas abusivas encontram-se no capítulo em que trata da proteção da

lei ao consumidor. Objetiva claramente proteger a parte economicamente mais fraca da

relação de consumo. Importante notar a postura assumida pelo legislador ordinário, em

concordância ao que lhe foi imposto pelo texto constitucional.

Para Silva (2008, p. 137-139), que reputa a publicidade como carro chefe

das práticas, o ar. 39, do CDC, faz referência a outros importantes ensinamentos:

(...) O art. 39 do CDC traz mais um rol de práticas comerciais abusivas, cuja característica predominante é a presença do dentre outras no caput do artigo, com o que o legislador quis deixar claro que este rol não é taxativo, e sim exemplificativo. Ou seja, podem ocorrer práticas que sejam abusivas que não estejam especificadas entre as expostas no art. 39. Interessante também verificar a presença de cláusulas gerais entre os incisos do art. 39 do CDC (IV e V), e a abertura que elas dão, cujo papel primordial de recepcionar algumas práticas abusivas não previstas no CDC. Acompanhando o art. 39 na íntegra. Comentar-se-á sinteticamente o que cada inciso veda. a) A vedação do inciso I é a conhecida venda casada (...) b) O inciso II veda a recusa ao atendimento da demanda do consumidor (...) c) É vedado também ao fornecedor o envio e a entrega de produto ou serviços não solicitados, os quais, nesse caso, devem ser considerados como amostra grátis (...) d) (...) Está totalmente atrelado ao estado de vulnerabilidade do consumidor, que numa caso específico da prática, se dará inevitavelmente, segundo a casuística. Já o inciso V veda a exigência de vantagem excessiva, sendo por demais aberto. (...) e) O inciso VI do art. 39 não permite interpretações diversas. (...) f) O inciso VII veda a passagem de informações depreciativas de um fornecedor a outros, sobre determinado consumidor (...) g) O inciso VIII existem vários produtos e serviços, em destaque os perigosos e nocivos, que possuem normas técnicas específicas a serem seguidas. (...) h) a vedação do inciso IX assemelha-se à vedação do inciso II do art. 39 do CDC. Entretanto, não podem se confundidas. (...) i) o inciso X determina que é abusivo elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços. (...) j) por fim o inciso XII é auto-explicativo, sou seja, é considerada abusiva a prática do fornecedor que não estipular nenhum prazo para o cumprimento de suas obrigações, bem como estipular unilateralmente o prazo de início de sua obrigação. A conclusão que pode se tirar referente às práticas abusivas é que, apesar de serem proibidas, muitos fornecedores insistem em realizá-las. O porquê disto é bastante simples: além da explicação dada pela Teoria dos Jogos,é sempre ínfimo o número de consumidores que reclamam e buscam seus diretos, talvez por desinformação ou em decorrência dos valores dos danos gerados pela práticas.

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Da conclusão do autor pode-se inferir que o consumidor de certa forma é

passivo em relação à reivindicação de seus direitos, pois em face ao pequeno número de

consumidores que realmente buscam o que a lei lhes autoriza, há o permissivo ao fornecedor

para não cumprir com o que a lei lhe proíbe, legitimando a máxima de que neste caso o crime

compensa. De uma maneira geral é mais barato aos fornecedores pouco corretos, os quais

com base na fórmula de custo-benefício, concluem ser mais econômico não cumprirem com

todos ou alguns direitos dos consumidores, pois sabem que estes não são exigentes a ponto de

buscarem esses direitos. Financeiramente é mais barato ao fornecedor não atender a todos os

direitos dos consumidores, valendo mais a pena o risco ser chamado a responder

pontualmente, do que cumprir a lei e agir de acordo com os mandamentos legais. Conta com

a complacência do consumidor na busca de seus direitos.

3.6. O sistema nacional de proteção do consumidor

Ao falar de sistema nacional ou Política Nacional de Defesa do Consumidor

é fundamental destacar os princípios que sustentam essa política. Por ser uma lei

protecionista, a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo é a característica e/ou

princípio preponderante do Código de Defesa do Consumidor. Há uma presunção de que todo

consumidor, em qualquer relação de consumo, é vulnerável.

Isso não significa que o consumidor pode tudo e que o fornecedor sempre é

o vilão da relação de consumo. Na verdade, para o legislador o consumidor merece um

cuidado especial, que um protecionismo deve ser observado e obedecido. Nesse aspecto, para

resguardar essas prerrogativas do consumidor, há a previsão da inversão do ônus da prova,

pois no entendimento do legislador quem detém melhor conhecimento, maior suficiência,

maior poder de trazer a verdade num processo, é o fornecedor. É um direito em favor do

consumidor.

Vulnerabilidade é a presunção de que na relação de consumo o consumidor

está em posição de desvantagem perante o fornecedor, que detém o poder e conhecimentos de

diversas naturezas.

A equiparação entre eles destoa, pois o que é habitual para o fornecedor é

eventual para o consumidor. Contrasta com uma relação civil ou até comercial, em que se

subentende que os parceiros contratantes estão em pé de igualdade.

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4. A NECESSIDADE DE PRÉVIA SOLICITAÇÃO DO CONSUMIDOR EM

RELAÇÃO AOS PRODUTOS E SERVIÇOS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE

CONSUMO

Com a intenção de preservar o consumidor de possíveis dissabores e

incômodos ao receber produtos ou serviços que não tenham sido previamente por ele

solicitados, o Código de Defesa do Consumidor é enfático em seu artigo 39.

Art. 39: é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outra práticas abusivas: (...) III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou oferecer qualquer serviço; (...) Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese do prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

Tratando dessa situação, que é vedada e absolutamente clara no regramento

do Código de Defesa do Consumidor, os consumeristas Benjamin et al. (2008, p. 221), assim

se referem:

A regra do Código, nos termos do seu art. 39, II, é de que o produto ou serviço só pode ser fornecido desde que haja solicitação prévia. O fornecimento não solicitado é uma prática corriqueira – e abusiva – do mercado. Uma vez que, não obstante a proibição, o produto ou serviço seja fornecido, aplica-se o disposto no parágrafo único do dispositivo: o consumidor recebe o fornecimento como mera amostra grátis, não cabendo qualquer pagamento ou ressarcimento ao fornecedor, nem os decorrentes de transporte. É ato cujo risco corre inteiramente por conta do fornecedor.

Para referendar o entendimento dado pelo artigo, os autores citam

jurisprudência emanada do Superior Tribunal de Justiça:

(...) Na mesma linha, o STJ afirma se prática abusiva enviar ao consumidor cartão de crédito não solicitado: “O envio de cartão de crédito não solicitado, conduta considerada pelo Código de Defesa do Consumidor como prática abusiva (art. 39,

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III), adicionado aos incômodos decorrentes das providências notoriamente dificultosas para o cancelamento do cartão, causam dano moral ao consumidor, mormente em se tratando de pessoa de idade avançada, próxima dos cem anos de idade à época dos fatos, circunstância que agrava o sofrimento moral (REsp 1061500-RS, rel Min. Sidnei Beneti, j. 04.11.2008, DJ 20.11.2008).

Essa decisão do STJ deixa evidente que o tribunal entende que o Código de

Defesa do Consumidor é competente para normatizar essa relação do sistema financeiro,

proibindo o envio de cartão de crédito; no caso em tela, o Tribunal ainda referiu-se ao

incomodo decorrente das providências para cancelar o cartão.

Os bancos após criteriosa análise do perfil dos clientes que são potenciais

utilizadores de cartões de crédito, levando em consideração especialmente seu cadastro

(entenda-se situação financeira/capacidade de pagamento), tomam a iniciativa de remeter os

cartões. Essa iniciativa, unilateral, sem consultar o cliente e sem o seu consentimento, é

implantada no sistema do banco e para ser cancelada é extremamente difícil.

O atendimento ao cliente é normalmente, pelo autoatendimento, via

telefone, o denominado 0800, que além de moroso é extremamente burocrático, pois a ligação

é encaminhada a diversos setores do banco, onde os funcionários que atendem, ou quando

atendem, são exaustivamente treinados a demover o cliente de seu objetivo de realizar o

cancelamento.

Para evitar que o consumidor logre sucesso na sua intenção de proceder o

cancelamento do cartão ou informações de como o cartão lhe foi enviado, uma vez que não

fora solicitado, são usados todos os argumentos possíveis e imagináveis. As ligações são

transferidas de um para outro setor, levando o consumidor à exaustão dificultando ao máximo

que o cliente efetue o cancelamento.

Dessas dificuldades impostas pelos bancos ou administradoras de cartões de

crédito, resulta que muitas vezes, uma ligação apenas não é suficiente para que o cliente

obtenha êxito no seu intento de cancelar o cartão. São necessárias mais ligações, duas, três ou

até mais. O tratamento destinado por essas empresas nesses casos é abaixo da crítica, abaixo

do respeito que o cliente merece, chegam a ferir os conceitos de dignidade da pessoa humana.

Esse atendimento, porém, é de caso pensado, é minuciosamente estudado pelas empresas. O

objetivo é demover o consumidor de seu intento, evitar que o cancelamento seja executado. E

para alcançar esse objetivo não existe limite, nem negocial e nem ético.

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Na mesma linha de raciocínio e interpretação o Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul, tem se posicionado francamente favorável aos consumidores em situações

onde o cartão de crédito é enviado sem prévia solicitação.

Para maior clareza, seguem-se alguns julgados recentes do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que respaldam esse entendimento:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CARTÃO DE CRÉDITO.AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FORNECEDOR DE PRODUTO OU SERVIÇO SEM SOLICITAÇÃO. Consiste prática abusiva “enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço. “Entendimento do art. 39, III, do Código de Defesa do Consumidor. Ausência de prova da contratação e do uso referente ao débito questionado, o que gera o dever de indenizar. QUANTUM INDENIZATÓRIO. O valor da indenização deve observar princípios da proporcionalidade e da razoabilidade; não há de permitir o enriquecimento sem caus ou representar vantagem exagerada ao lesado; tampouco ser ínfimo a ponto de perder o aspecto expiatório frente ao réu. Devem ser consideradas as condições sócio-econômicas da vítima e do agressor, objetivando-se o ressarcimento justo e o cumprimento do caráter pedagógico-punitivo da medida. JUROS MORATÓRIOS SOBRE INDENIZAÇÇÃO. Conforme novel entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o marco a partir do qual deverão incidir juros moratórios é a data da sentença judicial, do arbitramento ou do acordo judicial.” DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU. UNÂNIME. (Apelação Cível N}70047922539, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS. Relator:Laura Louzada Jacconettet, julgado em 17/04/2012)

APELAÇÕES CIVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA COM REPTIÇÃO DE INDÉBITO E PEDIDO DE DANO MORAL. CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO. EMPRÉSTIMO NÃO CONTRATADO. DESCONTOS INDEVIDOS. DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. 1. Não comprovada a contratação pela requerida, inexigível a cobrança dos valores correspondentes. Ônus da prova incumbe à demandada. Art. 6º, VIII, do CDC. 2. Restituição dos valores indevidamente cobrados em dobro art. 42, parágrafo único, CDC. 3. Dano moral caracterizado. Agir ilícito da ré que ultrapassa o mero dissabor. Quantum indenizatório mantido, porquanto assegura o caráter repressivo e pedagógico da indenização, sem constituir-se elevada bastante para o enriquecimento indevido da parte autora. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO; APELO DA PARTE AUTORA PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70047705868, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Isabel Dias Almeida, Julgado 28/03/2012)

Como é possível notar as decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul, seguem, sem qualquer sombra de dúvida, as normas do CDC para nortear os julgados que

envolvem o direito do consumidor e o sistema financeiro.

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4.1. A aplicabilidade do CDC às relações do sistema financeiro

Contrariando o pleito dos bancos, o Supremo Tribunal Federal, já pacificou

a situação de que as relações entre os bancos e seus consumidores são tuteladas pelo Código

de Defesa dos Consumidores. Nesse sentido, os bancos ajuizaram a ADIn (Ação Direta de

Inconstitucionalidade) nº 2.591, mas o STF, entretanto, decidiu que o Código de Defesa dos

Consumidores deveria ser aplicado a estas instituições.

Também o Superior Tribunal de Justiça – STJ, para definir o tema da

subordinação das instituições financeiras ao Código de Defesa do Consumidor, foi taxativo,

através de Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições

financeiras.

Marcos Vinícius Fernandes André e Silva (2008, p.31) também se posiciona

a favor da interferência do CDC nas relações entre consumidores e bancos, nesse sentido:

Com mais razão ainda, deve ser aplicado o CDC nas relações de consumidores-

bancos. As situações em que os consumidores sentem-se mais vulneráveis, mais hipossuficientes, são aquelas em que ocorrem as concessões de crédito, conhecidas como contratos de mútuo. Em primeiro momento, o próprio contrato por adesão é totalmente indecifrável pelo consumidor (quando este ao menos é apresentado), havendo algumas vendas casadas para se conseguir algum crédito e uma complexa operação contábil entre juros de toda a natureza, entre outros problemas. É a situação em que a vulnerabilidade é mais destacável, sendo a hipossuficiência mais patente. Restringir apenas os bancos de tal situação seria in justo, logo mais apropriado seria pulverizar os contratos de concessão de crédito e financiamentos no mercado de consumo.

O poder econômico exercido costumeiramente pelos mais fortes em relação

aos mais fracos, fica patente nas relações interbancárias, onde o sistema financeiro, detentor

da força econômica, usa sua reconhecida superioridade em relação aos consumidores de seus

produtos, para forçá-los ao consumo, ou seja, a compra dos produtos por ele oferecidos.

Nessa busca incessante por consumidores, tem-se utilizado de práticas pouco recomendáveis,

beirando ao abuso, impondo aos consumidores produtos que sequer eles tenham pedido,

sendo que muitos clientes sequer têm familiaridade com alguns produtos, como é o caso do

Cartão de Crédito.

De outra parte, o Código de Defesa do Consumidor ampara também os

consumidores que têm seus dados violados e utilizados indevidamente por bancos, para

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oferecer todos os produtos e serviços, mais que oferecer, no caso de Cartão de Crédito, é

comum os bancos enviarem aos clientes esses produtos independentemente de solicitação.

Benjamin, Marques e Bessa (2009, p. 85), têm um posicionamento

esclarecedor desse tema, afirmando que a situação de vulnerabilidade do consumidor em

relação aos bancos expõe os consumidores a uma prática comercial, aos efeitos externos de

um contrato, ao terem seus dados, utilizados de forma inescrupulosa pelo banco.

Levou a uma espécie de ampliação do campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, através de uma visão mais alargada de seu art. 3º. É o que denomina fornecedor-equiparado, aquele terceiro na relação consumo, um terceiro apena intermediário ou ajudante da relação de consumo principal, mas que atua frente a um consumidor, ou a um grupo de consumidor de consumo, como se fornecedor fosse.

Como preconizam ainda Benjamin, Marques e Bessa (2009, p.270), “o

CDC, enfatizou que a abertura de registro de bancos de dados deverá ser comunicada por

escrito ao consumidor, quando solicitada por ele (§ 2º do art. 43)”.

A figura do fornecedor equiparado, aquele que não é fornecedor do contrato

principal de consumo, mas é intermediário, antigo terceiro, ou estipulante, hoje é o dono da

relação conexa (principal) de consumo, por deter uma posição de poder na relação com o

consumidor. É realmente uma interessante teoria, que será muito usada no futuro, ampliando

o espectro de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

As relações de consumo, se baseadas no comportamento de mercado

deveriam ser harmônicas, equilibradas. O consumidor buscaria satisfazer suas necessidades,

em condições justas, onde pudesse ser uma parte com igualdade de forças em relação ao

fornecedor. Na prática, entretanto, o consumidor é a parte frágil, hipossuficiente da relação.

O comportamento de mercado altera-se ao sabor das variações econômicas.

As empresas buscam rentabilidade a qualquer custo. A economia de escala é a tônica dos

grandes conglomerados. Dessa forma, busca-se uma rentabilidade maior com o mesmo

investimento. Essas alterações mercadológicas deixam o consumidor ainda mais vulnerável,

em razão da falta de instrumentos adequados para fazer frente a estas práticas do mercado.

Os fornecedores se protegem das mudanças do mercado através dos

oligopólios, dominando determinados setores da economia, por meio de associações ou

aquisições de empresas do mesmo segmento. O papel do Estado nessas ocasiões deve ser o de

disciplinador das relações entre fornecedor e consumidor, regrando as condutas.

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A intervenção do Estado no mercado deve ser a de preservar a figura do

consumidor, o qual não tem mecanismos suficientes para se proteger isoladamente.

A respeito dessa relação De Luca (2008, p.89) enfatizou que,

A intervenção estatal em defesa do consumidor possibilita um acirramento da atividade comercial, uma vez que permite a formação da demanda de maneira mais qualitativa, aprofundando a dinâmica da concorrência e garantindo uma maior seletividade no mercado.

Essa afirmativa do doutrinador vem ao encontro do pressuposto básico do

CDC, que considera o consumidor hipossuficiente em relação ao fornecedor. Ora, diante

dessa premissa, nada mais justo que esse ente, fundamental da cadeia de consumo seja

protegido pelo Estado, que deverá garantir uma demanda mais equilibrada.

Nesse mesmo norte, José Geraldo Brito Filomeno (2008, p. 47), assim se

refere às garantias que devem ser asseguradas pelo Estado aos consumidores:

De nada adiantaria o Código de Defesa do Consumidor, seus princípios e normas dispositivas, se não houvesse instrumentos adequados para a sua implementação. Aliás, a defesa do consumidor, mediante normas específicas ou lato sensu, de caráter interdisciplinar, já que se cuida, no caso, de um microssistema jurídico, que, como visto anteriormente, é uma das faces do próprio exercício da cidadania. Abstraído o sentido específico desse termo cidadania, qualidade de quem está vinculado a um determinado Estado e, portanto, detentor de direitos individuais e políticos, entendemos que cidadania deva ser considerada como a qualidade de todo ser humano ver respeitados seus direitos individuais e coletivos, bem como ter acesso aos meios de defesa desses mesmos direitos. (GRIFO DO AUTOR).

Sendo a parte hipossuficiente da relação de consumo, o consumidor merece

uma assistência jurídica em caráter permanente e não somente a defesa de seus interesses em

juízo, mas também uma assistência preventiva, consultiva, que lhe assista para evitar que

ocorram prejuízos oriundos de ações de má fé. Tal assistência pode ser prestada pelos órgãos

de defesa do consumidor e Defensoria Pública, medida que além de colocar o consumidor

numa situação mais confortável com relação as suas dúvidas, evitará que uma série de ações

chegue à justiça e obstruam ainda mais os tribunais.

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4.2. O direito consumerista frente à prática de envio de cartões de crédito sem prévia

solicitação

O Cartão de Crédito, que é o foco do tema da presente monografia, abre

uma falsa perspectiva ao cliente menos avisado relativamente a sua disponibilidade

financeira, pois permitindo extrapolar nos seus gastos, atitudes que futuramente podem

resultar em desequilíbrio financeiro, com todos os transtornos daí decorrentes.

O consumidor, embora tenha um ótimo conceito no tocante ao seu crédito,

muitas vezes desconhece os reflexos de utilização de uma linha de crédito. Influenciado por

essa alternativa que o sistema financeiro coloca a sua disposição acaba exagerando em seus

gastos e incorrendo em um desequilíbrio financeiro, ou seja, gastando mais do que a sua

capacidade de pagamento permite.

O inadimplemento decorrente desse gasto desmesurado, que resulta em

outro inconveniente, também com reflexos extremamente negativo, que é o da renegociação

de seus débitos, a taxas de juros exorbitantes. Está formada a conhecida bola de neve.

Este círculo vicioso, só é conveniente para o sistema financeiro, que possui

informação do potencial do cliente e que fica com o mesmo em sua mão. De um lado

oferecendo produtos, e, de outro cobrando taxas de juros exorbitantes, para que o consumidor

mantenha seu conceito de cliente de primeira linha.

Por isso, trata-se de tema importante para o debate do Direito do

Consumidor, a prática abusiva dos comerciantes que enviam cartão de crédito aos

consumidores sem solicitação prévia.

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5 CONCLUSÃO

Ao desenvolver o presente trabalho busca-se evidenciar o modus operandi

do sistema financeiro nacional, mais especificamente o sistema das operadoras de cartões de

crédito na busca por clientes. A forma e os métodos usados pelas operadoras na busca de

novos clientes.

A medida que evoluía o nosso estudo, se tornava evidente que a captação

dos possíveis clientes para cartões de crédito é uma ação desenfreada dos bancos e poucas

regras são obedecidas, as leis são sistematicamente descumpridas, especialmente o Código de

Defesa do Consumidor. As causas dessas ações das operadoras que justificam a massificação

do uso dos cartões, não é outra senão a perspectiva de polpudos resultados financeiros. A

operadora é remunerada diretamente pelos usuários, que pagam as conhecidas anuidades;

pelos fornecedores aqueles que vendem mercadorias ou prestam serviços e recebem

diretamente das operadoras, sobre essa garantia de crédito é cobrada uma taxa de até 5%

(cinco por cento) e, ganham e ganham muito, nas operações financeiras executadas

diretamente com os portadores dos cartões, exemplo Crédito Direto ao Consumidor –

conhecidos CDC.

Como garantidor do crédito as operadoras de cartões mantêm os clientes

sob forte controle. Desenvolvem um rígido sistema de acompanhamento e cobrança de

eventuais inadimplementos nos pagamentos, são implacáveis nas cobranças. Extremamente

eficientes. Ocorrendo, entretanto atrasos nos pagamentos situação que o consumidor deverá

renegociar seu débito, o ônus para essa renegociação é leonino, as taxas de juros cobradas são

exorbitantes. São quase que impagáveis. Se pagáveis comprometerá o equilíbrio financeiro

do devedor por um longo período.

Essa renegociação muitas vezes inviabiliza a situação financeira do

consumidor, desequilibra suas finanças pois amedrontado pelas consequências de eventual

inadimplementos no tocante ao seu crédito, submete-se a pactuar acordos sem medir as

consequências.

Evidente na situação que estamos trazendo a baila, as infinitas perspectivas

de lucros do Sistema Financeiro ao conquistar um cliente, um consumidor de seus serviços.

O cartão de crédito é o instrumento desse sistema que abre um leque de grandes

possibilidades de faturamento. Em decorrência da venda do cartão de crédito os bancos têm

uma imensa perspectiva de bons negócios, mesmo em caso de inadimplemento, especialmente

nesse caso, oportunidade em praticar as maiores taxas de juros para renegociação.

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Tendo em tela todas essas perspectivas de negócios, os funcionários das

operadoras de cartões de crédito, são cobrados por cumprimento de metas na venda desse

produto. São premiados quando atingem ou superam as metas, como também são penalizados

senão as atingem.

Para o cumprimento desses objetivos seguidamente os operadores fazem

vistas grossas aos preceitos legais, com a concordância dos seus superiores. As normas legais

são relegadas a plano secundário.

É nesse cenário que está centrado o nosso trabalho. No descumprimento

dos preceitos legais estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, no que tange ao

envio de produtos ou serviços sem a devida solicitação do consumidor.

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