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FACULDADES RIO-GRANDENSES CURSO DE DIREITO FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS Uma análise doutrinária, sistemática e social destes crimes EDUARDO ZOTTIS SALLA DURO PORTO ALEGRE 2012

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FACULDADES RIO-GRANDENSES

CURSO DE DIREITO

FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS

Uma análise doutrinária, sistemática e social destes crimes

EDUARDO ZOTTIS SALLA DURO

PORTO ALEGRE

2012

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EDUARDO ZOTTIS SALLA DURO

FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS

Uma análise doutrinária, sistemática e social destes crimes

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como requisito parcial para a obtenção do título

de Bacharel em Direito, pelo Curso de Direito

das Faculdades Rio-Grandenses (FARGS).

Orientadora: Prof. Me. Dinéia Largo Anziliero

Porto Alegre

2012

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EDUARDO ZOTTIS SALLA DURO

FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS

Uma análise doutrinária, sistemática e social destes crimes

Monografia defendida e aprovada como requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Direito, banca examinadora constituída por:

________________________________________

Prof. Me. Mateus Marques

________________________________________

Prof. Me. Natalia Gimenes Pinzon

Porto Alegre

2012

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AGRADECIMENTOS

Esta monografia não foi escrita por mim, pois me

considero um mero instrumento guiado pelos sentimentos

dos meus familiares, amigos e entes mais queridos, que

tanto me ajudaram e apoiaram ao longo desde processo

pessoal e educacional, iniciado ainda em meados do ano

de 2007.

Não é fácil transformar sentimentos em letras escritas e

frias, mas utilizarei este espaço para transcrever o quão

valioso é o meu agradecimento a estas pessoas:

Á minha família, em especial à minha mãe LAURA e ao

meu pai CARLOS por todo o empenho, amor e dedicação

na árdua tentativa de me educar, assim como à minha

irmã LÍVIA, pela grande sabedoria e um ideal de justiça e

lealdade que me acompanharm e auxiliam nas “peleias”

da vida;

Á minha tia SANDRA, pois investiu com a melhor das

expectativas no meu futuro, quando muitos certamente

não fariam o mesmo;

Aos meus grandes amigos, em especial aos

companheiros da “RAÇA”, TEGLER e THEODORO, pois

me ensinaram coisas que faculdade alguma no mundo

seria capaz de ensinar, como o conceito de uma amizade

forte, real e incondicional, uma irmandade.

Aos meus avôs (in memoriam), pois a imortalidade do

meu amor por eles foi decisiva para o cumprimento de

mais este percurso na vida;

Por fim aos meus cães, pois os animais refletem através

das suas lições de simplicidade e amizade a presença

constante de Deus entre os seres humanos.

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"Sustento que quem infringe uma lei porque sua

consciência a considera injusta, e aceita voluntariamente

uma pena de prisão, a fim de que se levante a

consciência social contra essa injustiça, faz gaulesa, em

realidade, de um respeito superior pelo direito."

Martín Luther King

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"Deixa eu te contar uma coisa que você já sabe: O

mundo não é feito apenas de sóis e arco-íris. É um lugar

malicioso e injusto, que não se importa o quão durão

você é... ele vai te bater até que você caia de joelhos e

vai te deixar lá pra sempre se você deixar.

Nem você, nem eu, nem ninguém vai bater tão forte

como a vida. Não é sobre o quão forte você bate. É sobre

o quanto você apanha e continuar seguindo em frente.

Quanto você aguenta e continua seguindo em frente. É

assim que a vitória é feita!

Se você sabe o quanto você vale, vá lá e conquiste o que

você vale. Mas você tem que estar disposto a levar as

pancadas. E não ficar apontando dedos e dizendo que

você não é o que queria ser por causa dele, dela ou

qualquer um! Covardes fazem isso e ESSE NÃO É

VOCÊ! Você é melhor do que isso."

Rocky Balboa

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RESUMO

Na atualidade, os crimes patrimoniais possuem um imenso impacto social no

cenário nacional, constituindo a maior causa de prisões e de processos criminais no

Brasil. Tal perspectiva mostra a estreita relação existente entre esta modalidade

delitiva e o aumento exponencial da criminalidade, especialmente nas duas últimas

décadas.

No que tange aos delitos do furto, do roubo e da receptação, é observado um

cenário devastador, principalmente quando o objeto central destes crimes são os

veículos, pois neste campo o crime organizado desafia autoridades e envolve o

Brasil e os seus países limítrofes em uma complexa rede de crimes conexos, criando

embaraços e prejuízos incalculáveis, configurando um tema de extrema relevância

jurídica.

Esta monografia realizará abordagens doutrinárias, estatísticas, sociais e

sistemáticas sobre estes crimes, analisando os tipos penais e a especialidade de

tais normas em detrimento dos veículos automotores, assegurando uma boa

compreensão dentro da ótica do Direito Penal.

Palavras-chave: Direito Penal. Crimes contra o patrimônio. Furto de veículos.

Roubo de veículos. Receptação de veículos. Crime organizado. Criminalidade.

Carros roubados. Carros furtados. Bolivia. Paraguai. Desmanches. Quadrilhas.

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RESUMEN

En la actualidad, los delitos contra la propiedad tienen un gran impacto social

a nivel nacional constituyendo uno de los principales causales de detenciones y

enjuiciamientos en Brasil. Esta perspectiva demuestra la estrecha relación entre este

tipo de delito y el aumento exponencial de la los hechos delictivos especialmente en

las últimas dos décadas.

Con respecto a los delitos de robo, hurto y receptación se observa un

escenario devastador, sobre todo cuando el objeto central de estos delitos son los

vehículos. En esta área el crimen organizado desafía las autoridades de Brasil y

países limítrofes en una compleja red de delitos conexos, creando contratiempos

y perjuicios, configurando una cuestión de suma importancia jurídica.

En esta monografía se realizará un abordaje sobre los aspectos doctrinales,

estadísticos, sociales y sistemáticos sobre estos delitos, analizando los tipos penales

y la especialidad de tales normas en detrimento de los vehículos, garantizando una

buena comprensión dentro de la perspectiva del Derecho Penal.

Palabras-clave: Derecho Penal. Delitos contra la propiedad. Hurto de vehículos.

Robo de vehículos. Receptación de vehículos. Crimen organizado. Criminalidad.

Coches robados. Coches hurtados. Bolivia. Paraguay. Depósito de Chatarra.

Bandas.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe

CF – Constituição Federal

CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito

GPS – Sistema de Posicionamento Global

IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

MP – Ministério Público

MS – Estado do Mato Grosso do Sul

ONU – Organização das Nações Unidas

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PR – Estado do Paraná

RS – Estado do Rio Grande do Sul

SC – Estado de Santa Catarina

SINIAV – Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos

SP – Estado de São Paulo

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TJ – Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

CAPITULO I – ASPECTOS GERAIS DOUTRINÁRIOS

1. Crimes patrimoniais: Uma breve introdução ........................................... 17

1.1. Peculiaridades inerentes aos crimes patrimoniais ....................................... 17

2. O furto e a doutrina .................................................................................... 19

2.1 O conceito de furto ....................................................................................... 19

2.2 Sujeitos do furto ........................................................................................... 20

2.3 Objeto material ............................................................................................. 21

2.4 Elementos do furto ....................................................................................... 22

2.5 Consumação e tentativa ............................................................................... 23

2.5.1 Furto consumado ......................................................................................... 23

2.5.2 Furto tentado ................................................................................................ 25

2.6 Classificação doutrinária .............................................................................. 26

3. Espécies de furto ....................................................................................... 27

3.1 O furto e o concurso de crimes .................................................................... 27

3.2 Furto noturno ................................................................................................ 28

3.3 Furto privilegiado .......................................................................................... 31

3.4 Furto qualificado e suas modalidades .......................................................... 32

3.5 Diferenças básicas entre o furto qualificado e o roubo................................. 39

3.6 Furto de uso ................................................................................................. 40

4. O roubo e a doutrina .................................................................................. 41

4.1 O conceito de roubo ..................................................................................... 41

4.1.1 Roubo Próprio .............................................................................................. 43

4.1.2 Roubo impróprio ........................................................................................... 43

4.2 Os sujeitos do roubo .................................................................................... 45

4.2.1 Arma própria e imprópria .............................................................................. 45

4.2.2 Meios de execução ...................................................................................... 46

4.3 Objetos materiais do roubo .......................................................................... 46

4.4 Elementos do roubo ..................................................................................... 47

4.4.1 Elementos subjetivos do tipo ........................................................................ 47

4.4.2 Elementos objetivos do tipo ......................................................................... 48

4.5 Qualificação doutrinária ................................................................................ 48

5. Espécies de roubo ..................................................................................... 49

5.1 O roubo e o concurso de crimes .................................................................. 49

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5.2 Consumação e tentativa no Roubo .............................................................. 51

5.3 O Roubo qualificado ..................................................................................... 53

5.3.1 O Roubo Circunstanciado ............................................................................ 53

5.3.2 Concurso de causas e aumento de pena ..................................................... 57

5.4 O roubo qualificado por lesões graves ......................................................... 59

5.5 O roubo qualificado pelo resultado: Latrocínio ............................................. 60

5.5.1 Conceito de latrocínio ................................................................................... 60

5.5.2 Enquadramentos do latrocínio ..................................................................... 61

5.5.3 Situações fáticas e consumação do latrocínio ............................................. 62

5.5.4 A figuração do latrocínio nos crimes hediondos ........................................... 66

5.5.5 Latrocínio, culpa e preterdolo ....................................................................... 67

5.5.6 Latrocínio e o concurso de agentes ............................................................. 67

5.6 O roubo de uso ............................................................................................ 69

6. A receptação e a doutrina ......................................................................... 69

6.1 O conceito de receptação ............................................................................ 69

6.2 A objetividade jurídica do tipo penal da receptação ..................................... 70

6.3 Os sujeitos da receptação ............................................................................ 71

6.3.1 A figura autônoma da receptação ................................................................ 72

6.4 Objeto material ............................................................................................. 73

6.5 Receptação tentada e consumada ............................................................... 74

6.6 Os elementos da receptação ....................................................................... 75

6.6.1 Elemento objetivo do tipo ............................................................................. 75

6.6.2 Elemento subjetivo do tipo ........................................................................... 77

6.7 Qualificação doutrinária ................................................................................ 78

7. Espécies de receptação ............................................................................. 78

7.1 Receptação privilegiada ............................................................................... 79

7.2 Receptação dolosa....................................................................................... 80

7.2.1 Receptação própria Dolosa .......................................................................... 80

7.2.2 Receptação imprópria Dolosa ...................................................................... 81

7.3 Receptação culposa ..................................................................................... 82

7.4 Receptação na atividade comercial ............................................................. 84

7.5 Receptação qualificada ................................................................................ 86

7.5.1 Receptação qualificada – bens da união, estados e municípios .................. 87

7.5.2 Receptação da receptação .......................................................................... 89

CAPITULO II – FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS

1. O furto de veículo automotor .................................................................... 90

1.1 Aspectos doutrinários ................................................................................... 90

1.1.2 Divergências doutrinárias sobre a qualificadora do transporte do veículo

para outro estado ou exterior .................................................................................... 91

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1.1.3 Elemento subjetivo ....................................................................................... 94

1.1.4 Concurso de pessoas ................................................................................... 94

1.1.5 Concurso do novo tipo com a tradicional forma do furto qualificado ............ 95

1.1.6 Contrato exclusivo de transporte .................................................................. 96

1.1.7 Furto de veículo durante repouso noturno ................................................... 96

1.1.8 Pena pecuniária ........................................................................................... 96

1.1.9 A irretroatividade da lei penal ....................................................................... 96

1.1.9.1 Aplicação do privilégio no furto qualificado .................................................. 96

2. O roubo de veículo automotor .................................................................. 97

2.1 Aspectos doutrinários ................................................................................... 97

2.2 Consumação e tentativa ............................................................................... 98

2.3 O sequestro-relâmpago no roubo de veículos e a restrição da liberdade da

vítima dentro do art. 157 do CP ................................................................................. 99

3. Os crimes patrimoniais como um fenômeno social .............................. 100

3.1 A eficácia do Direito Penal ......................................................................... 101

3.2 Um panorama sobre a criminalidade.......................................................... 102

3.3 Breve análise social dos crimes patrimoniais em geral .............................. 105

3.4 Breve análise social do furto, roubo e receptação de veículos .................. 106

4. Aspectos técnicos do furto, roubo e receptação de veículos .............. 109

4.1 A organização criminosa no Brasil – Um panorama................................... 109

4.2 A gestão criminosa no roubo, furto e receptação de veículos .................... 110

4.3 A conexão entre crimes .............................................................................. 112

4.4 Os tipos de quadrilhas ................................................................................ 114

4.5 A regularização no Brasil de carros roubados ou furtados ......................... 114

4.6 O papel das seguradoras nestes crimes .................................................... 116

4.6.1 O valor dos seguros em Porto Alegre ........................................................ 118

5. O grande mercado receptador: Bolívia e Paraguai ............................... 119

5.1 Aspectos gerais - Fronteiras do crime ........................................................ 119

5.2 O paraíso dos carros roubados .................................................................. 121

5.2.1 Os veículos no Paraguai e na Bolívia e as moedas de troca ..................... 122

5.3 A regularização de carros roubados ou furtados no exterior ...................... 124

6. O mercado negro dos desmanches e quadrilhas.................................. 124

6.1 Como se formam as quadrilhas no roubo e no furto de veículos ............... 124

6.2 Como se constituem as organizações criminosas ..................................... 125

6.3 Os desmanches e ferros-velhos ................................................................. 127

7. O ciclo do furto de veículos e a receptação .......................................... 128

7.1 O receptador primário ................................................................................ 128

7.2 A conexão entre o receptador primário e as quadrilhas ............................. 129

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7.3 O recorte do veículo furtado ....................................................................... 130

7.4 O receptador final, desmanches e ferros-velhos ........................................ 131

7.5 O consumidor final de peças furtadas ........................................................ 131

8. O ciclo do roubo de veículos e a receptação ........................................ 132

8.1 A encomenda pelo receptador final ............................................................ 132

8.2 O receptador intermediário ......................................................................... 133

8.3 O chefe da quadrilha .................................................................................. 133

8.4 A ação da quadrilha no roubo .................................................................... 134

8.4.1 O momento da ação, passo a passo .......................................................... 134

8.4.2 Horários, métodos de abordagem e roubo de documentos ....................... 135

8.5 A figura do “puxador” .................................................................................. 135

8.6 A saída do veículo do local do crime .......................................................... 136

8.6.1 O destino intermediário .............................................................................. 136

8.6.2 O destino final ............................................................................................ 137

8.6.3 O serviço de batedores .............................................................................. 137

8.6.4 As rotas de fuga ......................................................................................... 138

8.7 A entrega do veículo ao receptador final .................................................... 138

9. Perspectivas de combate aos crimes de roubo e furto de veículo ...... 138

9.1 A resolução 227/2010 do DETRAN – O chip veicular ................................ 139

9.2 A lei gaúcha dos desmanches ................................................................... 140

10. Estatísticas de roubos e furtos de veículos .......................................... 141

10.1 Relação de marcas e modelos em número de furtos e roubos .................. 142

10.2 Número de ocorrências por dia da semana e ranking de ruas e bairros .... 143

10.3 Perfis das vítimas – Idade e sexo .............................................................. 144

10.4 Mapa das ocorrências de roubo e furto no município de Porto Alegre ....... 145

10.5 Dados da Secretaria de Segurança Pública – Comparativo 2011 e 2012.. 146

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 150

ANEXO A: DISPOSIÇÃO LEGAL PERTINENTE – CÓDIGO PENAL ................... 155

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INTRODUÇÃO

As dimensões de crimes como o roubo, o furto e a receptação de veículos

afetam, de maneira direta e indireta, um inimaginável contingente de pessoas na

América do Sul, pois estes crimes financiam e estimulam uma série de outros, como

o próprio tráfico de drogas e os homicídios. Nestes mesmos termos, é inegável a

existência de uma estreita vinculação da sociedade com o uso de veículos, em

especial os automotores, e esta frota de números quase incalculáveis, estimula a

ação do crime organizado nas mais diferentes formas, pois o carro é antes de tudo

um objeto de necessidade e de cobiça.

Para uma melhor compreensão sobre o esquema destes delitos, é necessária

uma rápida construção do amplo quadro de crimes que se iniciam em cidades como

Porto alegre ou São Paulo, onde jovens são aliciados por diversos tipos de

receptadores, principalmente por donos de desmanches, para o ingresso em

quadrilhas especializadas em roubos e furtos de veículos, formando um extenso

“lastro de sangue” que aqui se inicia, até os perdidos confins da Bolívia ou do

Paraguai.

A idéia inicial para a feitura da presente monografia remete ao ano de 2009,

quando tive a oportunidade de conhecer uma região conhecida como “terra de

ninguém”, a fronteira do Brasil com a Bolívia e com o Paraguai, território esquecido,

cerceado pelo crime. No caso específico da Bolívia, ingressar no país via a cidade

brasileira de Corumbá requer alguns cuidados: Os próprios habitantes locais e a

Polícia Federal advertem ao visitante uma extrema cautela ao adentrar em terras

bolivianas, sobretudo se estiver em posse de caminhonetes ou carros importados,

pois há uma frase repetidamente mencionada naquelas terras de que “quando um

dono entra com uma caminhonete de outro país na Bolívia, a única certeza é que o

veículo não retorna ao país de origem, pois o dono pode ou não voltar”. A priori,

realmente parece exagero, mas não é.

Ao percorrer as sujas e caóticas ruas de terra da pequena cidade boliviana de

Puerto Quijarro, é possível vislumbrar, além da evidente pobreza e da informalidade,

uma série de carros com placas adulteradas, onde parece inexistir qualquer controle

ou lei, senão a do narcotráfico e do contrabando. A fragilidade é tamanha que se

observa a existência de veículos com placas bolivianas colocadas de modo

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improvisado sobre a placa original brasileira, sem qualquer restrição ou problema.

Neste sentido, a corrupção é parte integrante deste fenômeno, pois há um evidente

consentimento das autoridades bolivianas (principalmente o exército) com o quadro

de ilicitudes presenciadas, talvez uma consequência de séculos de exploração

daquele povo, cuja maior parte da população é de indígenas marginalizados.

Nas grandes cidades da Bolívia, como em Santa Cruz de La Sierra (mais 600

km da fronteira pela via ferroviária), é também perceptível uma imensa quantidade

de carros roubados ou furtados transitando pelas ruas, com placas de vários países,

seja da Argentina do Chile ou do Brasil. No Paraguai o cenário é quase idêntico,

sobretudo em lugares como Pedro Juan Caballero, onde o crime organizado forma

um cartel que comanda um grande mercado a céu aberto com carros roubados

sendo trocados por drogas, principalmente a cocaína, mercadoria que mais tarde é

revendida e traficada em solo brasileiro, ou destinada ao mercado Europeu.

Não obstante aos efeitos produzidos no exterior, todo este panorama é

refletido nos mais distintos setores públicos e sociais do Brasil, a começar pela

polícia, que invariavelmente encontra grandes dificuldades nas investigações em

razão das “leis” impostas pelas próprias organizações criminosas, onde o silencio é

regra, e se quebrado, resulta em morte. Nesta mesma seara, a própria sociedade

civil termina afetada de múltiplas formas por crimes como o roubo, o furto ou a

receptação de veículos, pois há uma considerável vinculação destes tipos penais

com delitos de extrema gravidade, como a extorsão mediante sequestro e o

latrocínio, sem falar é claro, da taxa de homicídios provocada por disputas de

quadrilhas.

Consoante à extenuada complexidade deste tema, esta monografia será

dividida em dois capítulos, abordando de maneira ordenada o que segue: O capitulo

I fará uma análise conceitual e doutrinária sobre tipos penais do furto, do roubo e da

receptação, realizando um enfoque geral destes delitos no âmbito dos crimes contra

o patrimônio, onde serão estudadas as mais variadas formas e modalidades

delitivas. Já o Capitulo II realizará uma abordagem específica destes mesmos tipos

penais em detrimento dos veículos, com um estudo sobre o crime organizado e o

seu respectivo impacto social, onde serão ressaltadas as vertentes destas

modalidades, como as normas qualificadoras do roubo e do furto de veículos

disciplinadas pelo Código Penal, o fenômeno social dos crimes patrimoniais, os

aspectos técnicos do roubo, furto e receptação de veículos, os grandes mercados

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receptadores, a atuação dos desmanches, o ciclo do crime organizado, onde por fim,

serão enfatizadas algumas perspectivas no combate a estes crimes com a

apresentação de breves dados estatísticos.

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CAPÍTULO I

ASPECTOS GERAIS DOUTRINÁRIOS

1. Crimes patrimoniais: Uma breve introdução

O crime patrimonial nasceu com a própria história da humanidade, surgindo a

partir da própria idéia da subtração de coisa alheia por um indivíduo. Para a imersão

neste tema, é fundamental um prévio conhecimento acerca dos conceitos de

patrimônio e suas variantes.

No direito civilista, o patrimônio pode ser considerado como “o complexo de

relações jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico, ou o conjunto de

direitos e encargos de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro”.1 Já para o Direito

Penal, a valoração do patrimônio é muito mais abrangente, não se limitando tão

somente ao cunho econômico, pois há outros bens envolvidos. Desta forma, para o

Direito Penal o conceito de patrimônio não está restrito aos direitos apreciáveis em

dinheiro, pois irá versar igualmente sobre coisas que tenham valor de acordo com

afeições pessoais individuais, como objetos especiais, recordações, lembranças

familiares, memórias, entre outras coisas. 2

Neste diapasão, fica evidenciada desde já a abrangência da norma jurídica na

defesa dos direitos patrimoniais na esfera penal, pois ainda que o patrimônio possa

ser traduzido em pecúnia (valor em dinheiro), igualmente terá valor patrimonial o

bem que tiver alguma representação à vítima, quer seja um valor sentimental, ou um

valor utilitário, ou tão somente afetivo ou moral. 3

1.1 – Peculiaridades inerentes aos crimes patrimoniais

Há a previsão de certas imunidades concedidas para alguns sujeitos ativos

dentro da esfera dos crimes patrimoniais, que em verdade são tidas como medidas

1 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil, 5ª Ed., 1951 p. 209.

2 ANTOLISEI, Manuale di Diritto Penale, P.E., 1954, Vol.I, p. 189.

3 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, Vol. II, 5ª

ed.p.8.

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de política criminal, pois representam hipóteses onde há um menor impacto social,

seja devido a uma menor periculosidade por parte do agente, ou em virtude da

preservação da paz familiar e da honra. O fato é que nestes casos, uma virtual

punição acaba acarretando em maiores prejuízos a ordem pública do que

benefícios, e por isto foi criado este regramento especial. 4

No âmbito dos crimes patrimoniais, há algumas peculiaridades, como por

exemplo, o artigo 181, que dispõe acerca da isenção da pena caso o sujeito ativo

venha a cometer um crime patrimonial contra ascendente, descendente, cônjuge

(desde que na vigência da sociedade conjugal), não importando se tal parentesco é

decorrente de meio legítimo ou ilegítimo, civil ou natural. 5 No caso referido artigo

181, haverá imunidade absoluta ou relativa ao sujeito, pois na primeira hipótese há a

isenção de pena, ao passo que na segunda, o fato será punível, mas a ação penal

dependerá de prévia representação por parte do ofendido. 6

Já o artigo 182 estabelece como regramento geral que os crimes patrimoniais

estarão sujeitos a uma ação pública incondicionada a representação, excetuando a

hipótese do crime cometido pelo agente em face de cônjuge separado

(consensualmente ou judicialmente), ou cometido contra irmão (legítimo ou não), ou

ainda em detrimento de sobrinho ou tio, caso estes últimos possuam coabitação com

o sujeito.7 Segundo MIRABETE8, No caso da anuência de discordância entre as

vítimas, deverá prevalecer à vontade daquela que deseja a instauração da ação

penal.

O artigo 183 do Código Penal estabelece as últimas exceções dentro da

prática delitiva dos crimes patrimoniais, enumerando as situações onde o sujeito não

estará coberto pelos dispositivos dos artigos antecedentes, como no caso de roubo

ou de extorsão, ou ainda, na anuência de emprego de grave ameaça ou violência à

pessoa, ou quando o crime for praticado contra vítima com idade igual ou superior a

60 anos. Por fim, estabelece este artigo que o terceiro envolvido nas hipóteses dos

4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005.

p. 367 5 SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo

Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, p. 83-84. 6 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005.

p. 367 7 SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo

Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, p. 83-84. 8 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005.

p. 369

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19

artigos 181 e 182 não será beneficiado por seus respectivos dispositivos, como a

isenção de pena ou no que se refere à necessidade de representatividade. 9

2. O furto e a doutrina

2.1 – O conceito de furto

O crime de furto pode ser caracterizado como a subtração de coisa alheia móvel

com a finalidade da posse definitiva, nos moldes do que preconiza o caput do artigo 155

do Código Penal. A legislação penal brasileira é amparada dois objetos jurídicos distintos

dentro deste tipo penal: A posse (abrange igualmente a detenção) e a propriedade.10 No

furto coexistem três correntes distintas no que tange a proteção desta norma

incriminadora: Uma primeira defende que a tutela do tipo penal se dá tão somente em

relação à posse da coisa, ao passo que para uma segunda corrente, há a proteção legal

da propriedade e da posse, e para a terceira corrente, há uma tutela restrita a proteção

da propriedade.11

Na visão de DAMÁSIO12, a legislação penal confere uma proteção imediata à

tutela da posse, e de modo secundário à propriedade. Tal entendimento versa acerca

dos direitos inerentes do uso, gozo e disposição dos bens. Como a posse é considerada

tão simplesmente a exteriorização dos direitos supramencionados, o Código Penal

requer que haja a sua legitimidade, sendo que a incriminação protege de forma

secundária a propriedade.

Para PARIZATTO13, o furto, o ato de subtração de coisa alheia móvel, é uma

violação ao direito de propriedade garantido pela Constituição Federal no seu artigo 5º,

XXII. A tipificação do furto visa à proteção primordial da posse, sendo caracterizada

como uma relação entre a pessoa e a coisa, o que estabelece o direito de uso, gozo e

9 SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo

Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, p. 83-84. 10

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 305. 11

PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte especial (arts. 121 a 234). 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 330. 12

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 305. 13

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 13.

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20

livre disposição do bem. De modo secundário, a norma penal preconizada pelo artigo

155 protege a propriedade.

BITENCOURT14 ensina que a proteção penal no furto não versa tão somente

sobre a propriedade e a posse, mas também com relação à detenção, caracterizando-se

como o simples direito do detentor em fazer uso ou a representação sob determinado

bem.

O furto possui como tema central a subtração mediante a intenção da

transferência da propriedade patrimonial de outrem, desde que a posse ou propriedade

seja legítima. Não ocorrerá furto caso haja mera detenção do objeto por parte da vítima,

uma vez que tal hipótese não se encontra amparada pelo direito penal.15 Na forma do §

3º do artigo 155 do CP, existe a equiparação à energia elétrica ou qualquer outro bem

que tenha valor econômico à coisa móvel, sendo considerado furto o desvio de energia

da sua fonte natural. 16

2.2 – Sujeitos do furto

Destarte, podemos suscitar que qualquer pessoa pode efetivamente ser sujeito

ativo do delito de furto, com exceção do proprietário da coisa, uma vez que não há

qualquer previsão legal dentro do artigo 155 do CP. Igualmente, importante ponderar que

se o sujeito ativo estava tão somente na detenção ou posse da coisa, haverá a

tipificação do crime de apropriação indébita (artigo 168 do Código Penal), o que não se

confunde com o furto, que pressupõe situação fática distinta.17 Contudo, há outra

corrente 18 que defende que o proprietário pode ser sujeito ativo do furto, ainda que tal

entendimento não tenha respaldo na maior parte da doutrina.

Já a figura do sujeito passivo deverá ser sempre o proprietário (direito titular) da

coisa. Assim, caso um ladrão venha a furtar outro ladrão, a vítima do furto será o

proprietário real que teve o bem subtraído anteriormente, e não o ladrão, pois este tinha

14

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. Ed. Saraiva, vol. 3. 2003, p.3. 15

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 653. 16

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 654. 17

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 306. 18

FARIA, Bento. Código Penal Brasileiro Comentado, p. 35; NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, p. 223.

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21

a posse sobre o bem, mas não o direito legítimo de propriedade.19 Contudo, na prática

processual inexiste investigação para efeitos de imputação penal que versem sobre a

legitimidade ou não da posse por parte da pessoa vítima de furto, pois o preceito

primário da norma aqui disciplinada visa reprimir a ação criminosa, e não averiguar os

direitos patrimoniais subjetivos. 20

2.3 – Objeto material

A priori, a prerrogativa para a identificação do objeto material do furto é de

que o bem subtraído não pertença a quem furtou, não importando a identificação do

proprietário ou possuidor da coisa alheia móvel. Neste sentido, fica evidente o

destaque da expressão “coisa alheia” como sendo a mais fundamental e intrínseca

dentro deste conceito. 21

Coisa alheia é o que não pertence ao sujeito, nem mesmo de maneira parcial.

Desta maneira, não irá praticar furto o proprietário que subtrai coisa sua estando em

legítimo poder de outra pessoa, como é o caso, por exemplo, do penhor, pois nestas

condições o agente se sujeitará a norma penal disciplinada pelo art. 346 do CP.22

Sinteticamente, HUNGRIA23 conceitua a coisa alheia como “a coisa de propriedade

atual de outrem estando ou não na posse direta ou imediata do proprietário”.

Assim, o objeto material do furto será sempre a coisa a mercê da subtração

frente a uma conduta criminosa. Uma coisa abandonada não será objeto de furto,

assim como uma coisa perdida. Esta última hipótese possui inclusive uma tipificação

especial, descrita na forma do artigo 169, II do CP, sendo um delito de

apropriação.24 Neste compasso, defende NUCCI 25 que a coisa que tiver valoração

meramente pessoal para a vítima não poderá ser objeto material do furto. Já

19

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 653. 20

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 13. 21

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 14. 22

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 226. 23

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Volume VII. São Paulo: Editora Forense, 1966. p. 17. 24

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 307. 25

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 653.

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22

DAMÁSIO 26, é mais abrangente, alegando serem passíveis de furto os objetos com

valor econômico ou com afeição pessoal, devendo ser atentada a relevância jurídica

do objeto.

Na ótica do direito penal, coisa móvel é todo e qualquer objeto suscetível de

remoção, apreensão, apossamento, deslocamento ou transporte de um local para

outro. Os objetos imóveis, assim como seus acessórios, tão somente poderão ser

objeto de furto caso possam ser mobilizados, não importando o meio utilizado para

tanto.27 Dentro deste tema, interessante citar algumas particularidades deste tipo

penal: Uma delas seria o furto de um cadáver, que genericamente não poderia ser

considerado furto, pois o não há o enquadramento no que diz respeito ao objeto

material (tal delito encontra-se tipificado no artigo 211 do CP, como crime contra o

respeito aos mortos). Porém, sendo o cadáver propriedade, por exemplo, de uma

faculdade de medicina, este poderá ser objeto de furto.28 Caso o objeto subtraído

tenha sido móvel, mas no momento dos fatos tenha passado a ser imóvel (não

importa o motivo), não haverá a tipificação deste crime. 29

Na hipótese do baixo valor do objeto material no crime furto, importante não

haver qualquer confusão entre a norma disciplinada pelo artigo 155, § 2º do CP

(coisas de pequeno valor) e a aplicação do princípio da insignificância a da bagatela

(valor ínfimo), pois enquanto a primeira é uma causa de diminuição de pena, a

segunda inibe a própria tipicidade do crime, o que possui uma grandiosa diferença.

30

2.4 – Elementos do furto

A subtração de coisa alheia móvel será inerente para a caracterização do

crime de furto, sendo este o elemento objetivo in casu. Na hipótese do agente

erroneamente desconhecer que o objeto é alheio (supondo ser seu), haverá erro do

26

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001 p. 307. 27

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. Ed. Saraiva, vol. 3. 2003, p.8. 28

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 307. 29

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 16. 30

SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no Direito Penal.1ª Ed,Curitiba: 2010.p.114.

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23

tipo, com a exclusão de dolo e da tipificação do crime de furto. Outro elemento

essencial para a definição do furto é a intenção de apossamento definitivo. Não há

furto quando a intenção do agente é a utilização do bem por poucos instantes.31

Assim, inexistirá a forma culposa dentro do furto. Já o elemento subjetivo deste

crime é o próprio o dolo, a vontade de subtrair a coisa alheia móvel, pois sendo

ausente a vontade do agente, não haverá furto. 32

Importante suscitar que a conduta “furtar” possui maior amplitude do que

“subtrair”, uma vez que este último verbo significa “tirar”, “fazer desaparecer”. Em

decorrência disto optou-se por utilizar a denominação “furto” dentro da tipificação

penal expressa no artigo 155, ao passo que a subtração perfaz a sua conduta. O

ânimo é preponderante para a caracterização do furto, portanto, o ato de tirar algo

de outrem não significa necessariamente que se trata de um furto. Dentro da

interpretação dos crimes contra o patrimônio, é necessário, para o reconhecimento

do furto, que o objeto em questão tenha algum valor sentimental ou econômico para

o dono. 33

2.5 – Consumação e tentativa

2.5.1 – Furto consumado

O furto é um delito material e consumado no momento exato da retirada do

objeto da esfera possessória da vítima para as mãos ao autor, que passa a ter livre

disponibilidade sobre o bem, ainda que este não tenha a posse tranquila do mesmo.

Para tanto, não será admitido o seu prolongamento temporal, uma vez que tal crime

é instantâneo. O deslocamento material do bem não é necessário para a

configuração do delito de furto.34 A consumação do furto ocorrerá quando o sujeito

detém a posse da coisa, como se fosse de sua propriedade. Ainda neste sentido,

estará caracterizada a consumação mesmo na hipótese do agente que perde ou

31

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 309. 32

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 23. 33

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 653. 34

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 308.

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24

dispõe do objeto subtraído em meio a uma perseguição, sendo irrelevante se tal fato

é motivado pelo livramento de um virtual flagrante ou não. 35 Neste viés:

APELAÇÃO CRIME. FURTO SIMPLES. 1. ÉDITO CONDENATÓRIO.

MANUTENÇÃO. Materialidade e autoria suficientemente demonstradas

pela prova produzida. Relatos da vítima, coerentes e convincentes, no

sentido de que estacionou o veículo na frente do apartamento onde

mora, oportunidade em que se encontrou com o acusado, e, após terem

conversado, entrou para almoçar, sendo que, quando retornou, a porta

do carro estava entreaberta e alguns objetos tinham sido subtraídos,

plenamente confortados pelos dos milicianos que realizaram a prisão em

flagrante daquele, a algumas quadras do local, na posse da "res

furtivae". Tese exculpatória não comprovada "quantum satis". Prova

segura à condenação, que vai mantida. 2. TENTATIVA. NÃO

RECONHECIMENTO. DELITO CONSUMADO. A consumação do delito

de furto, segundo entendimento jurisprudencial dominante, se dá no

momento em que o agente torna-se possuidor da coisa alheia móvel

subtraída, sendo prescindível até mesmo que a res saia da esfera de

vigilância da vítima ou que o agente exerça a posse tranquila daquela.

Teoria da "amotio" ou da "apprehensio". Caso em que houve inversão

da posse. Réu que, após a subtração exitosa, teve a posse tranquila e

desvigiada da coisa, ainda que por curto espaço de tempo, restando

preso a algumas quadras já do local do fato. Impossibilidade do

reconhecimento da tentativa. 3. MULTA. REDUÇÃO. O critério para a

fixação da quantidade de dias-multa é o mesmo adotado para o

arbitramento da pena-base - art. 59 do CP. Pecuniária de 20 dias-multa

que não se revela excessiva, à luz da análise das circunstâncias

judiciais. 4. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. EXCLUSÃO.

INVIABILIDADE. A imposição de 2 penas restritivas de direitos, em

substituição à corporal, decorre de expressa disposição de lei, que

assim preconiza para sanções superiores a 1 ano - segunda parte do §

2º do art. 44 do CP. Eventual pleito de isenção em face da alegação de

miserabilidade deverá ser formulado na sede própria, da execução

penal, não competindo a análise ao juízo do conhecimento. APELO

IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70046395588, Oitava Câmara

35

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). 5.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, volume 2, p. 375.

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25

Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton

Baisch, Julgado em 15/02/2012)

Neste compasso, percebe-se como consolidado o entendimento

jurisprudencial majoritário no sentido de que consumação do delito do furto se dará

no momento em que o agente vier a se tornar possuidor da coisa alheia móvel

subtraída, não sendo imprescindível que a res furtiva saia da esfera de vigilância da

vítima ou que o agente exerça a posse tranquila daquela.

2.5.2 – Furto tentado

O crime tentado encontra-se positivado na forma do artigo 14, inciso II do

Código Penal, sendo conceituado como o crime cuja execução é iniciada não se

consumando por circunstância alheia a vontade do sujeito. O furto, de natureza

material admite tentativa nos moldes referido artigo. Este tipo será percebido quando

há uma desistência à subtração por motivos alheios a vontade do criminoso no curso

da execução do delito, sendo que tal fato independe da apreensão da res furtiva.

Com base nisto, caso o sujeito subtraia um veículo vindo a ser perseguido e preso

na sequência, não haverá furto consumado, pois a posse tranquila não ocorreu para

tanto. 36

Um exemplo de furto tentado ocorre no caso onde o sujeito inicia o furto de

um automóvel e é detido pela autoridade policial no curso da execução, havendo

uma circunstância alheia a sua vontade para a não consumação delitiva. O mesmo

efeito será percebido na hipótese do punguista que tenta subtrair a vítima colocando

a mão no bolso errado. Note que aqui a consumação igualmente não ocorreu por

erro contrário ao seu dolo, sua intenção.37 Igualmente, a tentativa punível ocorrerá,

por exemplo, quando o agente não consegue efetivar a subtração da carteira da

vítima por ter errado um bolso. Já o crime impossível será identificado na situação

36

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 29. 37

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). 5.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, volume 2, p. 375.

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26

onde o sujeito tenta furtar a carteira da vítima, mas na realidade a mesma não porta

nenhuma carteira.38 Sobre o furto tentado, a jurisprudência dispõe o que segue:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO

SIMPLES TENTADO. PROVA SUFICIENTE. CONDENAÇÃO

MANTIDA. INDENIZAÇÃO MÍNIMA AFASTADA DE OFÍCIO.

Materialidade e Autoria. Existem provas suficientes da autoria,

especialmente no depoimento de testemunha presencial, que ouviu o

barulho de vidros quebrando e surpreendeu o réu com metade do corpo

dentro do veículo, tentando subtrair objetos de seu interior; tentou

abordá-lo, mas ele reagiu, fugindo do local, sem nada levar. A detenção

do apelante foi imediata, realizada por policiais militares que receberam

informações acerca das características físicas e vestimentas do

suspeito. Detido, o réu foi conduzido à presença da testemunha, que o

reconheceu como autor da tentativa de subtração. Indenização Mínima.

Deve ser afastada de ofício a indenização mínima fixada em favor da

vítima, pois esta não soube informar o valor gasto para o conserto da

janela quebrada. APELO DA DEFESA IMPROVIDO. DISPOSIÇÃO DE

OFÍCIO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70050047240, Sexta Câmara

Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem

Osório, Julgado em 11/10/2012)

Portanto, vislumbra-se como pacificado o conceito do furto tentado na

hipótese onde o agente é surpreendido no curso da execução delituosa, sendo esta

uma das modalidades mais comuns dentro do universo de condenações penais na

lei penal brasileira (artigo 155 combinado com o art. 14, inciso II, ambos do CP).

2.6 – Classificação doutrinária

O furto é um delito comum, sendo de forma livre e material, instantâneo,

comissivo, unissubjetivo (pode ser praticado por qualquer pessoa) e plurissubistente

(pode ser praticado em vários atos), e igualmente permanente, conforme menciona

o § 3º ao artigo 155 do CP. 39

38

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.227. 39

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 654.

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27

3. Espécies de furto

3.1 – O furto e o concurso de crimes

O delito de furto pode concorrer materialmente ou formalmente com outros

delitos.40 Havendo a participação de duas ou mais pessoas em concorrência para a

produção do furto, fica claro que haverá uma maior facilidade para a produção de tal

resultado. Qualquer forma de auxílio neste sentido evoca a norma qualificadora da

figura deste tipo penal, sendo indiferente a posição de um segundo participante, que

pode ser coautor ou tão simplesmente partícipe. 41

No concurso de crimes, o furto admite do mesmo modo o concurso material

(art. 69 do CP), o concurso formal (art. 70 do CP) e a continuidade (art. 71 do CP). A

primeira modalidade ocorre quando o sujeito mediante mais de uma ação ou

omissão vem a praticar dois ou mais crimes, idênticos ou não. Nesta esteira,

podemos citar o exemplo do agente que furta um veículo e ainda pratica o crime de

dano, lançando-o propositalmente contra uma pilastra. Nesta situação, haverá a

cumulação de ambas as penas. Na segunda modalidade, o criminoso, mediante

uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Neste

diapasão, podemos mencionar um caso onde o agente que utiliza dinamite para

explodir um caixa eletrônico e acaba matando uma pessoa em decorrência do uso

do artefato. Agindo assim, ele estará sujeito à responsabilização por furto qualificado

e homicídio qualificado, praticados em concurso formal de crimes. Por fim, na

terceira hipótese o criminoso mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois

ou mais crimes de mesma espécie com idênticas condições de tempo, lugar e

maneira de execução, de modo que os demais crimes sejam subsequentes ao

primeiro delito. Como exemplo, é possível citar o caso onde o criminoso furta

diversos veículos de maneira subsequente com o intuito de subtrair diversos

estepes. Na continuidade delitiva, igualmente poderá haver a anuência de furto

qualificado em comunhão com o furto simples. 42

40

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 310. 41

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 659. 42

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 34.

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28

Alguns crimes serão absorvidos pelo furto, como por exemplo, a violação de

domicílio e o dano no crime qualificado pelo rompimento de obstáculo. Já ocorreram

decisórios no sentido de suprimir o crime de estelionato pelo do furto em casos onde

o agente pratica fraude mediante cheque furtado, mas igualmente perduram

decisões contrárias, onde o estelionato suprime o furto nestas mesmas condições.

Como os próprios decisórios são extensos neste sentido, há quem defenda a

punição por dois delitos distintos, mediante aplicação do concurso material de

crimes. 43

3.2 – Furto noturno

Existe a previsão legal para esta hipótese na forma do artigo 155, § 1º do CP,

estando somente presente dentro do furto simples, sem previsão para o furto

qualificado. Nesta modalidade há a previsão do aumento de um terço para o crime

praticado durante o curso do repouso noturno, onde a conceituação do termo

“repouso” varia conforme a situação fática, havendo uma clara diferenciação do uso

ou não desta terminologia conforme o caso. Nesta esteira, o período noturno pode

ser compreendido como aquele onde a vida no campo e na cidade “desaparece”,

onde os habitantes se as ruas e estradas ficam despovoadas.44 Não seria

apropriado, para todos os efeitos, o reconhecimento de repouso noturno em uma

área central de uma metrópole por volta das 21 horas. Já o mesmo critério não

poderá ser estabelecido em uma zona rural. Portanto, deve o juiz ater-se aos fatos e

circunstâncias na identificação do repouso. 45

Nas palavras de NUCCI: 46

(...) entendemos como período noturno o momento do pôr-do-sol até

o alvorecer do dia seguinte, onde a luz natural do dia é substituída

pelas luzes artificiais das cidades. Defendemos a não padronização

43

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.227 e 228. 44

NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. 13.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1977, volume 2, p. 242. 45

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 314. 46

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 660.

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29

de horários em específico, pois cada família possui a sua

particularidade, não sendo o objetivo da lei tal estipulação.

Independentemente do horário, a própria particularidade da falta de

luz solar já dificulta a vigilância.

A qualificadora do repouso noturno busca a proteção e a inviolabilidade da

casa, da intimidade e da vida privada, punindo com maior severidade aqueles que

infringem tais direitos, sobretudo com respeito ao período noturno, horário de menor

vigilância das pessoas. 47

Outro fator importante é divergência doutrinária no que diz respeito à

presença de moradores no momento do furto noturno, ainda que parte da doutrina

entenda como necessária a habitação no local dos fatos para a configuração deste

aumento de pena. 48 Sendo assim, impieroso mencionar alguns destes

posicionamentos distintos:

NUCCI entende que o fato do local ser habitado no momento dos fatos é

irrelevante para este aumento de pena, pois durante o repouso noturno as pessoas

como um todo estão menos vigilantes e atentas no cuidado com invasões, havendo

um claro facilitador (o anoitecer) para tanto. 49 Nesta mesma corrente, MIRABETE

conclui defendendo a incidência do aumento de pena no repouso noturno

independentemente da presença ou não de pessoas no local, sendo este o real o

objetivo da lei. 50

Já BITENCOURT sustenta inexistir condição para a aplicabilidade do furto

noturno quando o mesmo é praticado em local desabitado (comércio) ou com

ausência de moradores (residências), pois a norma majorante encontra-se

diretamente ligada a ausência de vigilância, fato que não existe, de qualquer forma,

nestes locais em razão da própria ausência de pessoas.51 Do mesmo modo,

concorda ALVARO MAIRYNK ao afirmar que este aumento de pena só deverá

47

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 40. 48

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 314. 49

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 661. 50

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.229. 51

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 1.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, volume 3, p. 242.

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30

ocorrer quando a casa for habitada e a vítima estiver repousando, não cabendo o

seu reconhecimento em furtos de estabelecimentos comerciais. 52

No que tange ao furto noturno, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul posiciona-se da seguinte forma:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO.

REPOUSO NOTURNO. CRIME CONSUMADO. CIRCUNSTÂNCIAS

JUDICIAIS. MATERIALIDADE E AUTORIA. FRAGILIDADE

PROBATÓRIA NÃO VERIFICADA. Preso em flagrante - na posse do

objeto subtraído -, o réu não logrou comprovar a veracidade de suas

alegações. Arguições defensivas desprovidas de mínimo lastro

probatório. A congruência e o juízo de certeza decorrentes dos

depoimentos da vítima e das testemunhas autoriza a manutenção da

condenação. REPOUSO NOTURNO - ART. 155, §1º, DO CÓDIGO

PENAL. MANUTENÇÃO DA MAJORANTE. Em que pese haver

divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da necessidade ou não

de "ser a casa habitada" ou de "estarem ou não os moradores

repousando", o entendimento do STJ é no sentido de que a

caracterização da majorante se dá com a ocorrência da infração durante

o repouso noturno, interregno de maior vulnerabilidade das pessoas em

geral, das residências, lojas e veículos, mostrando-se irrelevante o fato

de a vítima estar ou não repousando. CRIME CONSUMADO - ART. 14,

I, DO CÓDIGO PENAL. Havendo posse mansa da res furtiva, mesmo

que por um período restrito de tempo, longe da vigilância da vítima, não

há falar em crime tentado. Entendimento do artigo 14, I, do Código

Penal. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - DOSIMETRIA DA PENA.

Enumeradas no art. 59 do Código Penal, as circunstâncias judiciais

representam dados objetivos ou subjetivos que devem ser apreciados,

sendo atribuição do julgador identificar os fatos relevantes a considerar.

Contexto em que não se apresentam relevantes os vetores da

culpabilidade e personalidade, não podendo ser sustentados em

premissas inerentes ao próprio pressuposto da punição ou em fatos já

sopesados noutro vetor. Pena-base reduzida. POR MAIORIA, VENCIDO

O REVISOR, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

(Apelação Crime Nº 70049800782, Sétima Câmara Criminal, Tribunal

52

MAIRYNK, Alvaro da Costa, Direito Penal. Vol. 2. São Paulo: Ed. Revista Forense, 1987, p.357.

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31

de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em

30/08/2012)

Desta feita, coaduna o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com o

entendimento do STJ no sentido da irrelevância de qualquer óbice a identificação da

qualificadora do furto noturno na hipótese dos moradores estarem ou não em

repouso no momento dos fatos, podendo haver a interpretação extensiva desta

norma com relação à ausência de pessoas no local.

3.3 – Furto privilegiado

Esta modalidade encontra a sua disposição legal nos moldes do artigo 155, §

2º do Código Penal, podendo ocorrer na seguinte maneira: Caso o agente venha a

ser primário, e o bem furtado seja de pouco valor, o magistrado poderá substituir a

pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar a pena

de multa. Vale ressaltar que a redução não poderá ser aplicada à pena de multa,

estando ela sujeita na forma do artigo 60 do Código Penal.53 Contudo, verifica-se

uma evidente omissão do Código Penal com relação a conceito de pequeno valor,

ficando tal questão a disposição do íntimo questionamento do juiz no transcorrer da

ação penal, pois o decisório varia consoante cada caso concreto. 54

Esta norma penal integra um dos princípios da política criminal vigente,

beneficiando réus primários e com pouca periculosidade, autores de furtos

inexpressivos muitas vezes realizados com flagrante ingenuidade, inabilidade ou

inexperiência. Contudo, tal benefício não é comumente estendido ao agente que

mesmo primário comete um furto de objeto de valor patrimonial significativo, pois há

a anuência de uma maior cobiça ou audácia na sua conduta. 55

De qualquer forma, é necessária atenção especial ao instituto da reincidência,

sendo exigido o lapso temporal superior a cinco anos a contar da data do

cumprimento ou da extinção da pena até um novo cometimento de crime. Assim,

caso o agente tenha cumprido uma pena anterior e venha a cometer este mesmo

53

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 315. 54

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 46. 55

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 49.

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32

crime cinco anos depois, não haverá reincidência, conforme o regramento

estabelecido pelos artigos 63 e 64 do CP. Neste diapasão, cumpre relatar que a lei

olvidou-se de relacionar bons antecedentes como requisito da diminuição de pena

prevista para o furto privilegiado, primando tão somente pela primariedade. 56

Por fim, como os efeitos da reincidência dentro do direito penal brasileiro

versam sob o pilar inicial de que a primariedade é por si só um conceito negativo,

poderá ocorrer à reincidência ainda que o agente tenha cometido furto no exterior.57

Já na esteira da prática processual penal, ainda que a sentença de crime anterior

cometido pelo agente não tenha sido transitada em julgado no momento do

cometimento do segundo delito, tecnicamente ele não receberá o benefício da

norma do furto privilegiado. 58

3.4 – O furto qualificado e suas modalidades

A norma qualificadora dentro do crime de furto gera uma pena de reclusão de

2 (dois) a 8 (oito) anos e multa.59 O furto qualificado caracteriza-se pela descrição

das circunstâncias legais e especiais deste tipo penal, e não das elementares, vez

que não figura-se como um delito autônomo. Encontra-se positivado nos termos do

artigo 155, § 4º do Código Penal. 60

A qualificação do crime de furto se deve há preocupação do legislador em

razão de uma maior periculosidade do agente na sua conduta delituosa. As

circunstâncias que qualificam o delito de furto são comunicáveis entre os coautores

(art. 30 do CP), pois todas elas são elementares dentro deste tipo penal. Ressalta-se

que estas circunstâncias devem estar expressas na denúncia oferecida pelo

Ministério Público, devendo apresentar todo um bom conteúdo probatório, não

podendo valer-se de meros indícios. 61

56

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 661. 57

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 661. 58

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 230. 59

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 656. 60

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 325. 61

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 55.

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Analisaremos aqui, cada circunstância que qualifica o furto:

A primeira qualificadora (artigo 155, § 4º do CP) refere-se à violência contra

obstáculo à subtração, que tão somente significa o agente desfazer barreira para

efetivar o furto, como ocorre, por exemplo, no caso do rompimento de um cofre com

uma bomba. Para a incidência desta qualificadora, deve haver o emprego da

violência antes da consumação do crime, e nunca depois. Contudo, é necessário

compreender o significado da consumação delitiva, como no exemplo do ladrão que

ingressa em um veículo aberto e ligado, e repentinamente um dispositivo de

segurança trava suas portas, ficando o bandido preso. Deste modo, para evadir-se

do local, o agente rompe os vidros do carro, acrescentando a circunstância

qualificadora até então inexistente, já que inicialmente tínhamos apenas a figura de

um furto simples. 62

O rompimento do obstáculo à própria coisa não enseja no aparecimento da

norma qualificadora, pois para tanto, esta ação deve ser direcionada sobre aquilo

que foi feito para a proteção do bem patrimonial, como é o exemplo da quebra de

um cadeado que protege uma residência. 63

No que concerne ao furto de veículos, há um entendimento jurisprudencial e

doutrinário diverso: Algumas jurisprudências entendem que a simples ligação direta

na ignição não permite o surgimento da norma qualificadora, inclusive há decisórios

que defendem a não aplicação da qualificadora quando ao agente se insurge contra

o próprio sistema de segurança do veículo, como comumente ocorre no caso dos

arrombamentos de veículos, pois subsiste a idéia de que o sujeito neste caso

emprega a violência contra o próprio objeto, e não contra o sistema de segurança.

Contudo perduram muitas decisões no sentido de acrescentar à presença da

qualificadora nas hipóteses de arrombamento de veículos. 64

No furto com rompimento de obstáculo não há a necessidade da efetivação

do delito para a incidência da qualificadora. Desde modo, caso o sujeito quebre os

vidros do carro e venha ser surpreendido pela autoridade policial no momento em

62

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 656. 63

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 58. 64

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 59.

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34

que realizava a ligação direta, responderá pela tentativa de furto qualificado.65

Nestes termos, muitos colegiados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem

entendido o que segue:

EMBARGOS INFRINGENTES. FURTO QUALIFICADO PELO

ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO À SUBTRAÇÃO DA COISA.

SENTENÇA QUE RECONHECE A QUALIFICADORA. ACÓRDÃO

QUE MANTÉM A SENTENÇA, NO PONTO, COM VOTO VENCIDO

QUE AFASTA A QUALIFICADORA, PORQUE O FURTO É DE

ACESSÓRIO DO VEÍCULO, FAZENDO PARTE DO PRINCIPAL. Na

espécie, é de ser reconhecida a qualificadora, porque houve rompimento

de obstáculo para a subtração, independentemente de o furto objetivar o

próprio veículo ou o que seria seu acessório. E o laudo constante do

processo evidencia que foi quebrado o vidro da ventarola da porta do

motorista do veículo, para possibilitar a retirada do rádio AM-FM.

EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS. POR MAIORIA.

(Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70050241710, Quarto

Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Isabel de Borba Lucas, Julgado em 28/09/2012)

Como visto, a jurisprudência mostra que discussão sobre a incidência da

norma qualificadora no rompimento de obstáculo segue os mesmos moldes do

extenuado debate doutrinário, inexistindo um consenso firmado neste sentido.

Na qualificadora do abuso de confiança é indispensável que o autor do delito

esteja consciente quanto ao ato praticado, ou seja, que ele abuse de certa confiança

depositada nele pela vítima, de modo a tirar proveito disto para si. Igualmente deve o

objeto, em razão desta confiança, estar ao alcance do agente, como é o caso de um

guardador de carros que conhece a vítima há anos, e aproveitando-se disto, vem a

furtar seu automóvel. Esta figura qualificadora exige um vínculo de fidelidade entre o

autor e a vítima, de modo que as relações de âmbito empregatício, por exemplo, não

necessariamente possuem este cunho.66 Assim, genericamente o empregado que

vêm a praticar um furto no seu local de trabalho não fica a mercê do furto qualificado

pelo abuso de confiança, mas sim pelo furto simples com o agravante das relações

65

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 657. 66

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 658.

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domésticas (habitação, coabitação, hospitalidade, nos termos do artigo 61, inciso II,

alínea “f” do CP).

WEBER BATISTA67 ensina que:

“O elemento confiança é imprescindível, não há dúvidas, mas tão-

somente na medida em que coloca os bens e valores do sujeito

passivo na esfera disponibilidade do agente, tornando mais

vulnerável a defesa deles pelo dono. Assim, para a qualificadora,

basta que aquele primeiro, em razão de um relacionamento qualquer,

que se consolidou ao longo do tempo, ou simplesmente por

necessidade, deixe suas coisas sob a imediata disposição do

agente”.

Defende PARIZATTO 68 que o dever da lealdade em detrimento da confiança

pré-existente é o que qualifica o crime de furto. Assim, a confiança está lastreada

pela segurança íntima entre as partes, de modo que há maior credibilidade e,

portanto, uma menor vigilância por parte da vítima.

Por fim, desnecessária fazer qualquer confusão entre o furto qualificado pelo

abuso de confiança e a apropriação indébita. No primeiro exemplo o agente subtrai a

coisa. No segundo, a coisa se torna sua (de maneira ilegítima) de que detém a

posse (até então legítima). 69

Já a fraude ocorrerá a partir de uma confiança estabelecida de maneira

instantânea, criada pelo agente através de um meio ardiloso, de modo que tal ação

supere a vigilância da vítima, facilitando o ato criminoso e efetivando o furto.70 A

fraude qualifica o crime de furto, pois há a incidência de uma forma enganosa que

culmina em iludir a vítima, de modo que a facilitar a ação do agente. Não há de

confundir esta modalidade de furto com o estelionato, pois enquanto no furto com

fraude o objeto é retirado das mãos da vítima de maneira involuntária e não sabida,

67

BATISTA, Weber Martins. O Furto e ao Roubo no Direito e no Processo Penal. São Paulo: Editora Forense, 1987 p. 120. 68

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 61. 69

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.233. 70

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 658.

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36

no estelionato a vítima é levada ao erro, pois conscientemente entrega determinado

bem para a posse do autor, que executa o delito. 71

Um exemplo clássico de fraude em furto ocorre quando o sujeito vai a uma

revenda de veículos e solicita ao vendedor uma volta para experimentar um carro

mediante falso interesse (ele ilude a vítima). Deste modo, o agente se aproveita da

boa-fé e do descuido do vendedor para agir e furtar o automóvel, evadindo-se do

local na posse do bem. 72

Neste bojo, salienta-se que a ingenuidade da vítima não elimina a

qualificadora da fraude, como no caso do desconhecido que para a vítima em via

pública e pede para que ela mostre um relógio, furtando o bem na sequência. 73

A escalada constitui outra forma que qualifica o delito de furto e

sinteticamente se trata de um meio anormal para ter acesso a determinado objeto.74

A escalada implica no fato do sujeito alterar o seu caminho normal, galgando ou

subindo em um ponto mais alto para furtar. Um exemplo clássico é o caso do agente

que sobe nos telhados de uma residência, removendo as telhas antes de adentrar

na casa. Caso este mesmo sujeito entre por uma janela desta casa, sendo ela

próxima ao solo, não haverá a incidência desta qualificadora, uma vez que não fez

qualquer esforço incomum. 75

A escalada trata de um ato executório dentro do furto, e não preparatório.

Neste caso, haverá a comunicabilidade das circunstâncias entre os coautores, de

modo que há este entendimento, ainda na anuência de dolo eventual nas condutas

dos agentes (caráter objetivo desta norma).76 A escalada igualmente faz referencia

ao sujeito que utiliza de meios anormais para efetivar a subtração de determinado

bem, seja mediante uso de esforço físico (exemplo, subindo em uma sacada), seja

71

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.233. 72

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 66. 73

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 67 74

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 328. 75

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 658. 76

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 67.

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37

através do uso de equipamentos (uso de cordas), ou de habilidades diversas, que

incluem a própria agilidade do criminoso dentro da sua conduta. 77

A qualificadora da destreza refere-se a uma habilidade especial do agente,

sendo um termo muito utilizado para conceituar a ação punguistas e batedores de

carteira, o exemplo clássico deste tipo de furto. Nesta situação a vítima sequer

percebe a ação do ladrão.78 Contudo, não há como confundir a destreza com o

arrebatamento de bem por parte do criminoso, pois na primeira hipótese, no caso

clássico onde o agente retira a bolsa da vítima sem que ela perceba, há a anuência

da qualificadora da destreza, pois há uma habilidade por parte do agente. 79 Já na

segunda situação, como no exemplo onde o sujeito derruba a vítima e sai com a

bolsa correndo, há o emprego de violência, o que altera o tipo penal de furto para

roubo, na forma do artigo 157 do Código Penal.80 Portanto, a violência utilizada

mediante trombada caracteriza roubo, e isto ocorre, pois a violência é direcionada

efetivamente contra a pessoa, como ocorre, por exemplo, no ato do sujeito que puxa

e arranca a bolsa da vítima, ou uma corrente, ou um relógio. 81

Curiosamente, caso a vítima pressinta a aproximação do agente (exemplo,

um punguista), evitando assim o furto, este responderá por tentativa de furto

simples, uma vez que há o entendimento de inabilidade por parte do ladrão. Todavia

existem divergências doutrinárias e jurisprudenciais neste aspecto, ainda que a

situação apresentada seja de posição dominante, muito devido à pluralidade de

entendimentos que este caso enseja.82 Caso o agente busque ludibriar a vítima

subtraindo-lhe sorrateiramente uma carteira após fingir limpar um líquido das suas

vestes, ainda que haja toque físico, haverá furto, pois o direcionamento da violência

foi contra o objeto, e não contra a pessoa. 83

77

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 68. 78

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.234. 79

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 72. 80

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 329. 81

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 662 82

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 329. 83

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 662.

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38

O emprego de chave falsa constitui mais uma modalidade qualificadora no

delito de furto, podendo se tratar de qualquer objeto ou instrumento que detenha

uma função de chave (com ou sem a sua forma), com a destinação específica de

abrir fechaduras, como é o caso das “chaves falsas” muito usadas no furto de

veículos. Vale suscitar que se a chave é encontrada pelo meliante junto à fechadura

haverá a incidência de furto simples, e não qualificado.84 Caso o agente subtraia

furtivamente a chave original de um automóvel e venha a utilizá-la para furtar o

veículo do proprietário, não haverá a percepção desta qualificadora (mas poderá

haver fraude ou abuso de confiança conforme a situação). Já o uso da chave mixa

(ferro curvo usado para abrir carros) ensejará na anuência da norma qualificadora,

independentemente do formado da mesma, pois o tipo penal ora em análise não faz

qualquer menção sobre este requisito. 85

No emprego de chave falsa, caso o agente venha a romper, destruir ou

danificar a fechadura do veículo com violência, passará a incidir a norma

qualificadora da destruição ou rompimento de obstáculo nos moldes do que

preconiza o art. 155, § 4°, I do CP. Se o sujeito de forma ardilosa conseguir a chave

verdadeira do veículo para subtraí-lo não haverá a anuência da qualificadora do

emprego de chave falsa, mas sim a qualificadora de fraude. 86

Por fim, a qualificadora pelo concurso de duas ou mais pessoas exige a

concorrência à anuência dos entes para a sua perfeita tipificação. O fato dos

agentes estarem ou não presentes no mesmo local da subtração é irrelevante, uma

vez que a caracterização desta modalidade de furto por ocorrer através de um

mando ou até mesmo de uma colaboração (exemplo, um dos ladrões vigia a rua ao

passo que a outra arromba um veículo). Igualmente não há a importância sob a

presença de inimputáveis entre os autores do delito, pois segue existindo a presença

desta qualificadora. 87 De qualquer forma ainda que haja participações menos

relevantes dentro da concorrência delitiva (exemplo, partícipe), existirá esta

qualificadora, eis que se trata de um acordo prévio de desígnio, e o simples auxílio já

84

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.234. 85

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 662. 86

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 73. 87

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 329.

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indica a existência da qualificadora.88 Portanto, esta norma atinge todos os

participantes que concorrem na produção do crime, em face da sua natureza

objetiva. Sem embargo, tal qualificadora tem o condão de proteger a vítima em face

da capacidade de reação naturalmente reduzida frente à ação de dois ou mais

criminoso no delito. 89

Por fim, caso dois agentes sejam julgados com incurso no furto qualificado

unicamente pelo concurso de duas ou mais pessoas e um dos envolvidos reste

absolvido, a qualificadora declinará, obrigando no máximo que o outro seja

condenado por furto simples. 90

3.5 – Diferenças básicas entre o furto qualificado e roubo

Nos delitos de roubo e furto, a diferença básica entre as formas simples e

qualificada está no fato da primeira ser comumente associada a uma conduta

eventual ou oportunista, normalmente direcionada contra idosos, mulheres ou

pessoas frágeis, muitas vezes mediante o uso de drogas e outras substâncias, ao

mero acaso. Já o segundo tipo encontra-se diretamente relacionado ao próprio

crime organizado, ou seja, a uma ação delituosa planejada e executada com

sofisticação e resultado, foco da máxima preocupação das autoridades públicas. 91

A distinção preponderante entre estes dois tipos penais está no

direcionamento principal da violência. 92 No roubo o autor do fato pratica violência

contra a pessoa, de modo que no furto qualificado, contra o patrimônio. Por se tratar

de um crime complexo, a norma descrita no artigo 157 do Código Penal busca a

proteção de quatro elementos diversos: A liberdade individual, a integridade física, a

88

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 659. 89

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 76. 90

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 77. 91

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 92

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 341.

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posse e o patrimônio. No furto qualificado haverá somente a proteção da posse e do

patrimônio. 93

3.6 – Furto de uso

O furto de uso é caracterizado como sendo a subtração de coisa alheia móvel

pelo agente para uso momentâneo, sem que haja emprego de violência ou grave

ameaça à pessoa. Nesta hipótese o sujeito restitui imediatamente o bem ao dono

nas mesmas condições iniciais (inclusive com a mesma quantidade de combustível).

Neste viés inexistirá qualquer intenção de apossamento definitivo,94 assim, caso este

mesmo sujeito venha a subtrair o carro, mas entregue o automóvel com uma porta

batida, haverá furto, pois houve uma perda patrimonial por parte da vítima. A

objetivação do furto uso versa acerca do ânimo do agente, pois o fato de haver uma

subtração do bem, com a posterior colisão do mesmo, provocando dano, indica a

intenção por parte do autor em dispor do bem como se o mesmo não fosse de

propriedade alheia. Ainda, a restituição deve ser imediata, sendo necessário que a

vítima não descubra a subtração efetuada. A partir da realização do boletim de

ocorrência, o furto já estará consumado.95 Contudo, ocorrendo qualquer avaria

durante a execução do furto de uso com a posterior indenização do prejuízo

causado (percebe-se aqui a intenção da devolução do automóvel em condições

perfeitas), restará o fato atípico. 96

Perduram dois entendimentos diversos sobre o furto de uso: Há uma corrente

que defende a tipicidade desta conduta, ao passo que há outro posicionamento que

clama pela atipicidade desta modalidade, sabidamente omissa por uma tipificação

própria na legislação penal. O fato é que este tipo de furto é hoje comum, sendo

considerado pela maioria dos autores como um fato atípico, motivo pelo qual não há

o seu enquadramento nos moldes do Código Penal brasileiro, podendo no máximo

93

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 94. 94

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 79. 95

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 662. 96

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 82.

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ser considerado, para todos os efeitos um ilícito civil.97 No Rio Grande do Sul, o

Tribunal de Justiça limita-se ao furto de uso nestes moldes:

APELAÇÂO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO

QUALIFICADO. AUTORIA. Hipótese em que a integralidade das

declarações prestadas pelas testemunhas indica o cometimento do

delito pelo réu, preso em flagrante. Ausentes elementos probantes

capazes de desconstituir as evidências na imputação. Seguro juízo

condenatório. QUALIFICADORAS DO USO DE CHAVE FALSA E DO

CONCURSO DE AGENTES. INCIDÊNCIA MANTIDA. In casu, o réu foi

preso em flagrante, portando o referido instrumento, motivo pelo qual a

manutenção da respectiva qualificadora é medida que se impõe. Quanto

ao concurso de agentes, não se há lançar qualquer dúvida, posto que

todas as testemunhas, inclusive a vítima, confirmam ter o réu atuado

juntamente com sua comparsa, que, aliás, também foi presa na

oportunidade. Sentença mantida. FURTO DE USO. Para a

caracterização do furto de uso é indispensável a devolução espontânea

do bem subtraído, não sendo suficiente a simples alegação do réu de

que iria fazê-lo posteriormente. NEGARAM PROVIMENTO AO

RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70050277060, Sétima

Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura

Louzada Jaccottet, Julgado em 11/10/2012)

Consoante o exposto, para a identificação do furto de uso é necessária à

devolução espontânea do bem subtraído, sendo absolutamente inócuo o sujeito ter a

pretensão de uma devolução a posteriori, mesmo que tal subjetividade seja

revestida de dolo na sua conduta.

4. O roubo e a doutrina

4.1– O conceito de roubo

O roubo pode ser conceituado como a subtração de coisa alheia móvel

mediante o emprego de violência, grave ameaça ou qualquer outro meio que possa

97

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 79.

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anular a capacidade de resistência da vítima, nos moldes da previsão legal do caput

do artigo 157 do Código Penal.98 Igualmente há a identificação deste tipo legal na

hipótese do sujeito, após a subtração do objeto da vítima, vir a ameaçar ou agredir a

vítima, objetivando a detenção da coisa ou a impunidade, havendo a tipificação

desta conduta no § 1° do artigo 157. 99

No que concerne tão somente à ameaça, ela deverá ser necessariamente

grave, pois caso tal conduta não intimide ou não tenha qualquer eficácia contra a

vítima, não existirá a figura do roubo. Nesta esfera, podemos citar a ameaça de um

bêbado em total descompasso com a realidade, ou até mesmo palavras proferidas

pelo agente que a vítima sequer escuta, entre outros exemplos. Há, inclusive,

entendimentos jurisprudenciais que excluem a grave ameaça na hipótese de uma

superioridade numérica em face da vítima em uma subtração (furto). 100

A tipificação do delito de roubo visa à proteção da liberdade do indivíduo,

protegendo o seu patrimônio e a sua integridade física, sendo este o seu objeto

jurídico principal.101 Aqui há uma preocupação do legislador em garantir uma ampla

proteção na tipificação do artigo 157, visando garantir a propriedade, a integridade

física, a posse, a liberdade individual e a saúde, o que configura a característica de

um crime complexo.102 Um fator interessante do delito de roubo, é que, devido a sua

objetividade jurídica, qualquer pessoa poderá ser vítima de roubo pelo viés da

violência, mas não da subtração. Nesta esfera, podemos citar o exemplo clássico do

empregado que vai ao banco depositar determinada quantia pertencente ao seu

chefe, e, durante o trajeto até o banco, é vítima de um assalto. Ocorrendo tal

hipótese, ambas as partes serão vítimas do crime de roubo. 103

Cumpre suscitar a inexistência da modalidade culposa no roubo, mas tão

somente a dolosa. Já o roubo tentado é perfeitamente possível, havendo o momento

consumativo no instante em que o agressor retira o bem da vigilância e

98

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 239. 99

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 339. 100

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 95. 101

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 665. 102

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 340. 103

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 665.

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disponibilidade da vítima.104 Outra particularidade interessante do roubo, e a

inadmissibilidade do princípio da insignificância ou da bagatela, uma vez que o

roubo é um crime complexo, inexistindo a possibilidade de uma menor relevância

nos bens jurídicos tutelados. 105

Para a incidência de roubo, a violência ou a grave ameaça praticada pelo

sujeito deve ser empregada no momento da subtração, descabendo a hipótese de

tal tipificação no caso da vítima se atemorizar por qualquer outro fato que esteja

atrelado ao furto, como o caso da vítima que inicia um ataque de pânico no

momento em que o bem patrimonial é subtraído da sua esfera de disponibilidade,

sem que haja um efetivo emprego de violência ou grave ameaça direcionada contra

esta mesma pessoa, persistindo aqui tão somente o delito de furto.106 Nesta mesma

seara, caso a vítima do delito se ponha em uma situação de incapacidade para o

oferecimento de qualquer resistência em relação à subtração (exemplo, a mesma cai

no chão e fica imobilizada), não haverá qualquer identificação de violência nos

moldes do indispensável para a incidência de roubo, havendo tão somente o crime

furto na conduta do agente que desta situação tira vantagem para efetuar a

subtração patrimonial.107

4.1.1 – Roubo próprio

O roubo próprio encontra-se disciplinado no caput do artigo 157 do CP, sendo

esta uma forma típica deste delito, onde o sujeito subtrai a coisa alheia móvel da

vítima mediante violência ou grave ameaça, reduzindo a possibilidade da resistência

da mesma. Este é o modo mais usual da prática deste delito. 108

4.1.2 – Roubo impróprio

104

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 666. 105

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 666. 106

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 94. 107

PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial – arts. 121 a 183. 5.ed São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, volume 2, p. 419. 108

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 341.

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Aqui, há o emprego da violência ou da grave ameaça após a consumação da

subtração, visando à manutenção da posse ou a impunidade do delito pelo

sujeito.109 A figura do roubo impróprio, portanto, diferencia-se do próprio, pois neste

segundo exemplo o sujeito inicialmente subtrai a coisa móvel e alheia, e visando

assegurar a impunidade ou preservar a detenção do objeto, posteriormente pratica

violência ou grave ameaça contra a vítima, como bem preconiza os § 1° do artigo

157 do CP. A diferenciação entre as duas formas de roubo é clara, havendo no

roubo próprio o emprego da violência antes e durante o fato, ao passo que no

impróprio há a presença de violência após o início da conduta, o que não indica a

consumação do furto, pois o agente teve que utilizar de outros meios para a garantia

do seu propósito (ficar com o pertence).110 A jurisprudência é farta neste compasso:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO

IMPRÓPRIO MAJORADO. NULIDADE DO RECONHECIMENTO

REJEITADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS.

MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA. INCIDÊNCIA.

CONDENAÇÃO E PENAS MANTIDAS. As formalidades previstas no

artigo 226 do Código de Processo Penal configuram recomendações,

que devem ser seguidas quando a realidade fática permitir. Eventual

inobservância ao referido comando normativo acarreta mera

irregularidade, não passível de ocasionar a nulidade do feito. Os

elementos de convicção acostados durante a instrução demonstram a

materialidade e a autoria do crime de roubo impróprio majorado pelo

emprego de arma e pelo concurso de pessoas, sendo inviável cogitar de

insuficiência probatória. O roubo impróprio atinge a consumação no

instante em que, após o desapossamento do bem, há o emprego de

violência ou de grave ameaça contra a pessoa com o objetivo de

garantir a posse da res ou a impunidade do crime. Dessa forma, não se

afigura possível o reconhecimento da forma tentada da infração. Para

comprovar a incidência da majorante disposta no inciso I do §2º do art.

157 do Código Penal, é desnecessária a apreensão ou a realização de

perícia na arma utilizada no roubo. O potencial lesivo desta pode ser

demonstrado por outros meios de prova, em especial pela palavra da

109

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 242. 110

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 341.

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vítima ou pelo depoimento de testemunha presencial. Penas ratificadas.

PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÕES DESPROVIDAS. (Apelação

Crime Nº 70048859508, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça

do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 13/09/2012)

Ainda, verifica-se a possibilidade de tentativa de roubo impróprio na hipótese

onde finaliza a subtração sendo detido no momento em que tentava empregar

violência ou grave ameaça para assegurar a impunidade do crime ou a posse. 111

4.2 – Os sujeitos do roubo

A norma penal não indica uma especialidade para a prática deste crime,

sendo assim, qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo desta prática, sem

distinções.112 Já o sujeito passivo, na regra geral, é o titular da propriedade ou da

posse. Contudo, como este é um crime complexo que ofende diversos bens

jurídicos, pode um indivíduo praticar roubo contra várias vítimas (constranger,

ameaçar, agredir), todavia subtraindo o patrimônio de somente uma delas, havendo

a existência de vários sujeitos passivos ainda sim. 113

4.2.1 – Arma própria e imprópria

A diferença básica destas terminologias está na natureza utilitária de cada

uma: As armas próprias são originalmente destinadas para ataque e defesa, como

por exemplo, a arma de fogo, a espada, o punhal, a lança, etc. Já as armas

impróprias são aquelas igualmente empregadas como meios de ataque ou defesa,

no entanto, com intuitos primários bem diversos. Nesta esfera, podemos citar os

mais variados objetos, como uma cadeira, um martelo, ou até mesmo uma faca de

cozinha. 114

111

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 243. 112

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 239. 113

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva 2001. p. 341. 114

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 666.

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4.2.2 – Meios de execução

O meio de execução do crime de roubo pode ser subdividido em várias

categorias: No meio próprio, observaremos a utilização do emprego de força física,

seja através de lesão corporal ou das vias de fato. Na forma imprópria haverá a

utilização de qualquer meio para a efetivação do roubo, com exceção do emprego

de força física. A violência na execução do delito poderá ser igualmente imediata

contra o titular da posse ou propriedade, ou mediata, no caso da vítima figurar como

terceiro, ou ainda física, havendo o uso de força física, e moral, com a utilização de

ameaças. 115

No que concerne à execução, o ato do agente arrancar um objeto pessoal da

vítima (arrebatamento) ainda padece de dúvidas na jurisprudência, pois parte dos

decisórios entendem que há neste verbo o emprego da violência, ao passo que

igualmente há posicionamentos no sentido de que a violência é direcionada ao

objeto, o que inibe a tipificação nos moldes do artigo 157 do CP. 116

Ainda, cumpre ressaltar que em razão do princípio da ampla defesa garantido

pela Constituição Federal, o delito de roubo exige a ampla descrição fática, de modo

que esteja clara a existência de violência ou grave ameaça dentro da conduta

criminosa, sob pena da desclassificação deste tipo penal. 117

4.3 – Objetos materiais do roubo

Devido à complexidade deste delito, o roubo terá como objeto central a

própria vítima contra a qual é pratica a violência física ou a grave ameaça.118 Os

objetos materiais do roubo são a coisa alheia móvel e a pessoa humana, sendo

imprescindível a comunhão de ambos. Desta forma, caso o sujeito promova grave

ameaça à vítima, tendo ela esquecido sua carteira, haverá “roubo impossível” uma

vez que irá figurar a atipicidade da conduta descrita no artigo 157 do CP, pois a

115

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva 2001. p. 341. 116

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 99. 117

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 98. 118

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 105.

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elementar da coisa alheia móvel estará ausente.119 A exemplo do furto, não haverá

crime quando a coisa não possuir valor econômico (documentos, por exemplo). A

jurisprudência, inclusive entende, como sendo roubo o caso onde o agente subtrai

violentamente entorpecentes da vítima (como a maconha), pois tais bens possuem

valor patrimonial. Tais coisas possuem donos e possíveis condições legais de uso,

como por exemplo, para fins medicinais. 120

ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR 121 ensina que:

“(...) se o roubo é um crime complexo e se o agente para cometê-lo,

deve, na verdade, realizar dois delitos, crimes esses que, na figura

do art. 157 do Cód. Penal, experimentaram uma fusão, estruturando

uma figura nova, parece-nos possível a aceitação da idéia de que o

objeto da ação do crime-fim. Porém, para que o agente chegue ao

apossamento, deve atuar com violência (física ou moral) contra o

sujeito passivo. Logo, a pessoa aparece como objeto material do

crime-meio”.

4.4 – Elementos do roubo

4.4.1 – Elementos subjetivos do tipo

O delito de roubo somente é punível na forma dolosa e possui um importante

elemento subjetivo dentro da sua conceituação: O desejo por parte do autor do fato

de ter a posse definitiva da coisa móvel alheia, tanto no roubo próprio quanto no

impróprio. Inexistindo este elemento preponderante e caracterizador, o mesmo não

existirá.122 Assim, O roubo será punido através da vontade livre e consciente do

criminoso, ou seja, através do dolo na prática da conduta.123 Aqui, a intenção do

119

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 342. 120

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.240. 121

SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Roubo e Receptação. Editora Jalovi. pp. 27-28. 122

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 342. 123

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.241.

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agente é apoderar-se para si ou para outrem de modo definitivo do objeto subtraído,

de maneira que haverá o emprego de violência, ou grave ameaça para tanto. 124

Finalmente, urge mensurar que o roubo basicamente possui os mesmos

elementos subjetivos do crime de furto, acrescentando a violência, a grave ameaça

e a redução da possibilidade de defesa da vítima. 125

4.4.2 – Elementos objetivos do tipo

O elemento objetivo aqui será a conduta do agente em subtrair a coisa alheia

móvel (mesma do furto) mediante violência, grave ameaça ou qualquer outro meio

que impossibilite ou reduza a resistência da vítima. 126

4.5 – Qualificação doutrinária

A qualificação doutrinária descreve o crime de roubo como um delito material,

pois há a descrição da conduta para a sua identificação. Igualmente trata-se de um

delito complexo, pois vários fatores (agressão, ameaça, bem alheio) deverão estar

integrados para tanto. Também é caracterizado como sendo um crime instantâneo,

pois a consumação ocorre no momento em que o bem sai da disponibilidade da

vítima entrando na esfera do sujeito, com a comunhão anterior, presente ou

posterior da violência ou ameaça, dentro das diversas formas possíveis. O delito de

roubo possui forma livre, havendo qualquer meio imaginado para a sua execução,

com a presença do dano, pois há uma ofensa efetiva a um bem jurídico. Por fim,

cumpre mencionar que o roubo é um crime plurissubsistente, uma vez que não há a

sua consolidação com uma única conduta, pois há a exigência do emprego da

violência e da subtração. 127

O roubo, antes de tudo é um delito pluriofensivo, ou seja, ele provoca a

ofensa a mais de um bem jurídico, de maneira que há a proteção da tutela no

124

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 105. 125

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 665. 126

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 106. 127

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 342.

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sentido de garantir a inviolabilidade patrimonial, da integridade física e igualmente da

liberdade individual,128 consoante já referido anteriormente.

5. Espécies de roubo

5.1 – O roubo e o concurso de crimes

O concurso entre duas ou mais pessoas qualifica o crime de roubo, pois há

uma evidente maior periculosidade dos agentes, unindo seus desígnios para a

prática do delito, o que dificulta as chances de defesa da vítima.129 No concurso de

crimes no roubo, ficam suprimidos por este tipo penal os elementos constitutivos dos

delitos contra a liberdade individual e as lesões corporais. 130

No roubo, não é necessária que tal concorrência necessite que todos os

agentes estejam presentes em um mesmo local no momento da prática. Assim, a

mera concorrência de desígnios (finalidades) de duas ou mais pessoas para a

produção de um resultado “x” já leva a tipificação desta agravante dentro do

roubo.131 Tal entendimento leva a conclusão de que a norma qualificadora será

aplicada sobre todos os sujeitos ativos no roubo com concurso de duas ou mais

pessoas, ainda que somente uma delas pratique de fato a violência ou a grave

ameaça contra a vítima. 132

Ensina NUCCI 133, que na mesma esteira do delito de furto, pode haver a

participação material ou moral dentro da concorrência do crime, incidindo uma maior

gravidade quando o autor do fato atua em comunhão com um ou dois comparsas.

Segundo DAMÁSIO, O concurso de crimes dentro da tipificação do roubo se

encontra mais atrelado ao objetivo do assaltante do que ao resultado, ainda que este

seja mais gravoso. 134

128

PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial (arts. 121 a 234). 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 330. 129

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 245. 130

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 249. 131

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 345. 132

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 128. 133

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 667.

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50

MIRABETE135 defende que na anuência de várias subtrações e várias

ameaças ou violências mediante uma só ação praticada pelo agente (como exemplo

podemos citar o roubo a um restaurante), haverá uma pluralidade de vítimas. Em

casos como estes, a jurisprudência majoritária, inclusive STF, defende a existência

de um concurso formal de delitos. Contudo há decisões que atribuem o fato como

crime único, ou até mesmo continuado. Neste diapasão, haverá crime único na

situação onde o sujeito lesa um patrimônio uno, como é o caso de um roubo

praticado contra marido e mulher, ou contra uma mesma família.

DAMÁSIO136 discorda deste posicionamento, alegando que na multiplicidade

de ações do sujeito haverá quantos crimes forem o número de violações, e que tais

condutas constituem em realidade uma série atos individuais, pois em verdade o

sujeito não age com um único dolo, mas com vários, o que descarta a principal

característica de um concurso formal homogêneo. Por fim, ainda que tal conclusão

seja controversa, deve a pena ser fixada na forma do concurso material (artigo 69 do

CP), com a cumulação de penas, em que pese à tipificação do delito estar associada

ao concurso formal.

O delito de roubo admite o concurso formal (art. 70 do CP), material (art. 69

do CP) e a continuidade delitiva (art. 71 do CP), com a observância das regras de

aumento de pena. Haverá a anuência de concurso material na hipótese onde o

agente pratica dois ou mais crimes mediante mais de uma ação ou omissão,

independendo se tais delitos são idênticos ou não. Nesta esfera podemos citar o

exemplo do sujeito que rouba um veículo e estupra a vítima, havendo a cumulação

de penas nestas condutas. 137

Já o concurso formal ocorre quando o sujeito mediante uma única ação

pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. É o típico caso do sujeito que rouba o

veículo do motorista e furta os pertences do carona, situação onde o entendimento

134

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 345. 135

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 250 e 251. 136

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 349. 137

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 349.

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51

jurisprudencial atribui ao agente à imputação no viés do concurso formal, pois há a

violação de distintos patrimônios dentro de uma única ação. 138

Por fim, haverá a continuidade delitiva sempre que o sujeito mediante mais de

uma ação ou omissão vier a praticar dois ou mais crimes de mesma espécie, em

idênticas condições de tempo, maneira de execução e lugar, de modo que haja uma

sequência de delitos. É o caso do sujeito que pratica dois roubos idênticos em um

curto espaço de tempo e lugar, ainda que o entendimento que difere esta

modalidade do concurso material seja por vezes muito tênue. 139

5.2 – Consumação e tentativa no roubo

Há uma cristalina diferença no que tange ao momento da consumação dentro

do estudo do delito de roubo, pois na sua forma própria, há a consumação no

instante em que a subtração é efetivada, ao passo que na modalidade imprópria

somente ocorrerá à consumação após a violência ou grave ameaça praticada contra

a vítima. Desta feita, percebe-se a possibilidade da forma tentada na figura do roubo

próprio, ao passo que no impróprio isto não é possível.140 A consumação do crime

de roubo exige que a violência ou grave ameaça contra a vítima seja efetivamente

praticada antes, durante ou depois da subtração. Assim, caso o agente venha a ter o

seu objetivo frustrado antes de iniciar o ato, e posteriormente termine agindo com

grave ameaça ou violência contra a vítima, não haverá a configuração do crime de

roubo, existindo a tentativa de furto em concurso material com um crime contra a

pessoa (lesão corporal ou ameaça, por exemplo). Por fim, importante ressaltar que a

relação subtração de objeto e emprego de violência ou ameaça no roubo impróprio

deve ser dar de modo imediato, sob pena da não tipificação nos moldes do §1º do

artigo 157 do CP.141

138

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 112. 139

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 113. 140

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 343. 141

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 343.

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52

Segundo MIRABETE142, o crime de roubo, assim como o de furto, apenas

será consumado no instante que a coisa sair da esfera de vigilância da vítima, tendo

o agente à posse tranquila da coisa, ainda que por pouco tempo. Não merece

sustentação a posição minoritária da doutrina que defende a ocorrência da

consumação somente com o emprego de violência contra a vítima, sendo irrelevante

a subtração do bem para tanto. Caso o agente após o emprego da violência contra a

vítima não puder por qualquer circunstância alheia a sua vontade executar a

subtração, haverá a incidência de roubo tentado. 143

Divergindo no sentido da posse tranquila da coisa, PARIZATTO144 sustenta

que a consumação do roubo ocorrerá no momento da retirada da res furtiva da livre

disponibilidade da vítima para a esfera do agente, ocorrendo uma inversão ilegal da

posse. Para a configuração do roubo, ainda sendo a posse precária ou breve haverá

a plena consumação do tipo penal ora em análise.

Ainda, RÉGIS LUIZ PRADRO145 ensina que a tentativa de roubo é

perfeitamente possível na medida em que o agente não consegue consumar o roubo

em razão de uma circunstância alheia a sua vontade, como no caso onde ele

emprega a violência contra a vítima e é surpreendido antes de conseguir efetivar a

subtração pela autoridade policial. Do mesmo modo, é viável a tentativa de roubo

impróprio, contudo, importante salientar que a tentativa de roubo somente se dará

mediante o emprego de violência, e que a configuração da ameaça na forma tentada

é de difícil constatação na realidade fática.

Sobre o momento da consumação no roubo, há entendimentos

jurisprudenciais neste viés:

APELAÇÃO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO.

CONSUMAÇÃO DELITIVA. DOSIMETRIA DA PENA. 1. CRIME DE

ROUBO. CONSUMAÇÃO. Segundo o entendimento desse órgão

fracionário, a consumação do delito de roubo ocorre no momento em

que o agente se torna possuidor da coisa móvel alheia subtraída

142

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 241. 143

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 241. 144

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 108. 145

PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial – arts. 121 a 183. 5.ed São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, volume 2, p. 420.

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mediante violência ou grave ameaça, sendo desnecessário que o bem

saia da esfera de vigilância da vítima. E sendo assim, tem-se que a

consumação do crime de roubo não se descaracteriza na hipótese de a

coisa subtraída ser retomada em seguida em decorrência de

perseguição e prisão imediata. Teoria da apprehensio, também

denominada de amotio. Jurisprudência do STF e STJ. 2. DOSIMETRIA

DA PENA. Afastada a valoração negativa do vetor conduta social

baseada na dependência química dos acusados. Vetor que deve ser

entendido como o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da

família, do trabalho, da escola e da vizinhança. Mantida a valoração

negativa do vetor motivos do crime. Reduzidas as penas-bases a 04

anos e 06 meses de reclusão. Mantidas as demais disposições, penas

definitivas readequadas a 05 anos e 04 meses de reclusão. Penas de

multa, por reflexo, reduzidas a 20 dias-multa, à razão unitária mínima. 3.

CUSTAS PROCESSUAIS. Concedido ao réu defendido pela Defensoria

Pública o benefício da AJG. Suspensa a exigibilidade da obrigação de

pagar custas processuais. Recursos parcialmente providos. (Apelação

Crime Nº 70045514593, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça

do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 03/10/2012)

Assim, avista-se a desnecessidade da saída do objeto da esfera de vigilância

da vítima para uma perfeita incidência do roubo consumado, havendo a

corroboração jurisprudencial neste sentido.

5.3 – O roubo qualificado

5.3.1 – O roubo circunstanciado

O artigo157, § 2º do Código Penal preconiza o aumento da pena de um terço

até a metade nos casos de:

a) Violência ou ameaça exercida com o emprego de arma;

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O emprego de arma no curso do roubo gera aumento de pena de um terço

até a metade, consoante norma do § 2º do artigo 157 do CP. 146 Para o

enquadramento desta conduta, é necessária que haja uma idoneidade ofensiva do

meio empregado (no caso, a arma). Desta forma, não há a presença do aumento de

pena caso a arma esteja descarregada ou se apresente defeituosa. Não obstante,

ainda que o Superior Tribunal de Justiça tenha cancelado a Súmula 174 na qual o

uso da arma de brinquedo autorizada o aumento de pena no crime de roubo,147

perduram controvérsias sob a tipificação do roubo mediante porte de arma de

brinquedo, pois parte da jurisprudência entende que o emprego de arma não agrava

a pena, pois a lei exige em sentido lato que a arma apresente um caráter ofensivo,

não havendo a identificação do mesmo no caso de um simulacro. Este pensamento

questiona a perfeita eficiência e o real objetivo do agente, pois um instrumento de

brinquedo não pode ser considerado efetivamente uma arma, ainda que de idêntica

semelhança física. 148

Segundo NUCCI 149, não podemos aquiescer na consideração de arma de

brinquedo como se arma fosse, pois ela não é instrumento de ataque ou defesa,

nem próprio, nem impróprio. Logo, nesse caso, não nos parece esteja configurada a

causa de aumento de roubo.

Já a segunda corrente posiciona-se de modo diverso, partindo da tese de que

uma arma de brinquedo fundamentalmente agrava o delito de roubo, pois há o

enquadramento subjetivo do uso do simulacro de brinquedo como um meio real de

ameaça, visto que, de todo o modo, este brinquedo causa temor à vítima, impedindo

qualquer forma de reação e levando a um resultado idêntico àquele percebido na

prática de roubo com o uso de arma real. Outrossim, tal entendimento ressalta que o

Código Penal brasileiro, ao contrário de outros códigos, não exige de fato a

146

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 666. 147

OLIVEIRA, Andrêsa Freita de; SANTOS, Carmen Roberta dos. Arma de brinquedo não qualifica o roubo: é crime autônomo. Análise crítica do cancelamento da Súmula 174 do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2884>. Acesso em: 13 out. 2012. 148

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 345. 149

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 667.

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idoneidade lesiva do instrumento, havendo a percepção da agravante na mera

possibilidade de intimidação da vítima (anulação da capacidade de resistência).150

Neste temos, na visão de PARIZATTO151, o aumento de pena em razão do

uso de arma em um roubo estará presente quando o agente fizer o uso de qualquer

instrumento que intimide ou torne a vítima vulnerável, independentemente do tipo

(branca, de fogo, etc.) No que concerne o uso de uma arma de brinquedo na ação

delitiva, tal conduta deve autorizar o aumento de pena, não em razão da sua

condição ofensiva, mas tão somente pela sua mera intimidação, pois evidentemente

a vítima se apavora diante deste quadro, pois no momento dos fatos não possui

condições para precisar a legitimidade do objeto usado pelo agente.

O uso de arma configura um elemento objetivo dentro do delito de roubo, de

modo que haverá a comunicação entre os agentes em tal circunstância, acarretando

o aumento de pena igualmente ao coautor do crime, ainda que só o autor esteja de

fato portando a arma.152 Ainda, há uma corrente minoritária que se posiciona no

sentido de que caso o agente faça o uso regular do porte de arma, de maneira

ostensiva e com a clara intenção de causar e difundir o medo haverá lugar para esta

majorante, sendo irrelevante o fato da arma ser de brinquedo.153

Noutro viés, há um intenso debate acerca da ausência de materialidade na

tipificação do roubo, onde a jurisprudência colaciona o que segue:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO

MAJORADO. APELO DEFENSIVO E MINISTERIAL. PROVA

SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. PLEITO DE

RECONHECIMENTO DA MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA

ACOLHIDO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO

REJEITADO. CONCURSO FORMAL EVIDENCIADO. APENAMENTO

REDIMENSIONADO. REINCIDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. AJG

CONCEDIDA. Suficiência probatória. O réu foi reconhecido, em ambas

as fases da persecução penal, pelas três vítimas. Ainda, foi preso na

150

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 345. 151

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 124. 152

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 244. 153

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). 5.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, volume 2, p. 295.

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posse de objetos do supermercado-vítima e, na sua residência, foram

apreendidas as vestes usadas quando do roubo. Majorante do emprego

de arma. Dispensável a apreensão e perícia da arma utilizada no delito

para a configuração da majorante prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do

Código Penal, quando o conjunto probatório é seguro ao afirmar o uso

do artefato. Apelo ministerial provido. Concurso de agentes. Prova oral

que deixa clara a participação de três agentes no roubo, tudo

corroborado pelas imagens captadas pelo circuito interno de

monitoramento do estabelecimento vitimado. Crime único não

configurado. Evidenciado que em uma única ação o agente atingiu o

patrimônio de três vítimas distintas, configurado está o concurso formal.

Apenamento. Pena-base corretamente fixada pelo juízo singular, não

havendo motivo para reformas. Aumento na fração mínima pelo

concurso de pessoas e, também, pelo concurso formal de crimes.

APELOS MINISTERIAL E DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDOS.

POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70049750292, Sexta Câmara

Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe

Cezar, Julgado em 11/10/2012)

Neste esteio, a maior parte dos colegiados reitera a dispensabilidade da prova

material da arma utilizada no roubo para fins de incidência do aumento de pena,

havendo uma maior pacificação nos tribunais do que noutros meios, como por

exemplo, na doutrina.

b) A vítima esteja a serviço de transporte de valores

Esta agravante esta associada ao simples transporte de valores,

independendo a natureza deste bem, exigindo-se que a vítima esteja a serviço de

outrem, havendo a clara necessidade do conhecimento prévio do autor do fato sobre

isto.154O objetivo aqui é da uma maior proteção aos funcionários de banco,

cobradores, caixeiros viajantes, e outros profissionais que transportam valores. É

substancial que nesta modalidade os bens desapossados não sejam de propriedade

direta da vítima, mas de terceiros.155 Segundo PARIZATTO156, a natureza desta

154

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 346. 155

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 245.

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norma é a proteção dada pelo Estado às pessoas que em razão do dever de ofício,

transportam valores pertencentes a outras pessoas.

c) Haja o intuito da subtração do veículo automotor para o exterior ou outro

estado (ver página 97)

5.3.2 – Concurso de causas e aumento de pena

Atualmente coaduna um pacífico entendimento jurisprudencial com relação à

pluralidade de causas para o aumento de pena dentro da parte especial do Código

Penal, havendo a previsão da aplicação de somente uma delas, permanecendo as

demais dentro do rol de circunstâncias agravantes genéricas (artigo 61 do CP). 157

No roubo de veículo automotor, geralmente o crime é cometido com o uso de

arma e mediante o concurso de pessoas, o que ocasiona um fraco efeito prático

deste tipo penal, pois diante deste concurso de causas, restará esta norma restrita a

uma mera circunstância judicial, pois não há a previsão legal deste delito como uma

agravante genérica na forma do artigo 61 do CP. Em suma, o legislador pretendeu

algo que fatalmente ficou minimizado frente à própria gravidade do tipo penal do

roubo e suas demais circunstâncias, cumprindo mensurar que esta lei não alcança

os fatos praticados antes do início da sua vigência, sendo a sua projeção irretroativa.

158

d) O agente limite ou restrinja a liberdade da vítima, mantendo a mesma

sob seu poder.

Aqui, a restrição de liberdade deve estar associada somente ao roubo, pois a

privação da liberdade da vítima mediante intenção autônoma cria a figura da

extorsão mediante sequestro (artigo 159 do CP). Deste modo, a privação de

liberdade deverá concorrer com o roubo, havendo a libertação da vítima logo após a

subtração. Nesta esfera, caso perdure a privação mesmo após a subtração

156

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 130. 157

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.350. 158

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.350.

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consumada, haverá um concurso material de crimes (roubo e sequestro) com uma

tipificação diversa. 159

Num passado recente, pairavam divergências jurisprudenciais condizentes,

por exemplo, à privação da liberdade da vítima em um momento posterior à

subtração do objeto desejado. Entretanto, a Lei n° 11.923/09 corrigiu esta omissão,

pois a privação de liberdade nesta conduta alterava a natureza executória do crime

do roubo, cambiando o seu condão objetivo, ou seja, a breve subtração patrimonial.

Desta feita, emergiu a tipificação do delito de “sequestro-relâmpago” mediante

alteração do § 3º do artigo 158 (extorsão) do Código Penal.160 Finalmente,

interessante aludir à individualização de penas nesta seara mesmo diante de um

mesmo liame subjetivo entre os sujeitos do crime de roubo, a citar:

APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO. SUFICIÊNCIA DE PROVAS.

MAJORANTES DO CONCURSO DE AGENTES E DE RESTRIÇÃO DA

LIBERDADE DA VÍTIMA. REINCIDÊNCIA. AFASTAMENTO DA

MULTA. INCABÍVEL. 1. A autoria do roubo na pessoa de ambos os

acusados está plenamente demonstrada pelo caderno probatório,

sobretudo a partir do seguro relato - seguido de reconhecimento em

juízo - feito pela vítima. A corroborar, há o testemunho dos policiais

militares que atenderam a ocorrência, tendo um deles inclusive

reconhecido os réus em juízo. 2. A reincidência prestigia a isonomia,

uma vez que confere tratamento desigual e mais gravoso ao réu que

ostenta anterior condenação transitada em julgado. Agravante da

reincidência mantida. 3. As majorantes do concurso de agentes e da

restrição da liberdade da vítima também decorrem do relato coeso e rico

em detalhes da vítima. A ofendida individualiza a conduta de cada um

dos acusados por ocasião da empreitada criminosa, identificando

manifesto liame subjetivo entre eles. Outrossim, a vítima afirma que

ficou em poder dos acusados, por certo período, no interior do veículo,

com uma arma apontada para a cabeça. 4. Inviável o afastamento da

pena de multa por alegada miserabilidade. Princípio da legalidade.

APELO DEFENSIVO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº

159

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 245. 160

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 346.

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70050494087, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Francesco Conti, Julgado em 10/10/2012)

Não obstante, inexiste no inciso V do § 2º do artigo 157 do Código Penal

qualquer menção ao tempo em que a vítima ficará com o agente para a incidência

desta reprimenda. Na maioria dos casos, a finalidade do sujeito que pratica tal

conduta é assegurar a sua impunidade, mantendo a vítima sob seu poder e

impedindo que ela tome qualquer atitude imediata e mais efetiva, como chamar

prontamente a polícia, por exemplo. 161

5.4 – O roubo qualificado por lesões graves

Caso a violência dentro do crime de roubo resulte em lesão corporal de

natureza grave, o artigo 157, § 3° do CP determina uma pena de reclusão que varia

de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além de multa.162 Dentro da prática do roubo, a lesão

causada à vítima em razão do dolo ou da culpa do agente na sua conduta

subsequente acarretará na incidência da norma qualificadora. Desta forma, caso o

sujeito pratique roubo e lesão grave consumada contra o ofendido (art. 129, §§ 1º e

2º do CP), haverá roubo qualificado pelo resultado lesão grave. O mesmo resultado

será percebido caso o meliante venha a praticar roubo tentado e lesão grave

consumada. Neste norte, tal metodologia é reutilizada no crime de latrocínio (art.

157, § 3º do CP), podendo haver morte consumada com a tentativa de roubo para a

sua perfeita configuração.163 Outrossim, havendo lesão grave, será irrelevante nos

moldes da consumação do crime o fato do sujeito ter ou não realizado a subtração.

Tal preceito é o mesmo utilizado no caso do roubo com resultado morte. 164

Os requisitos da lesão corporal descritos aqui (natureza grave) se encontram

elencados na forma dos parágrafos 1º e 2º do artigo 129 do Código Penal, podendo

haver sanção penal por dolo ou culpa (preterdolo). Importante mencionar que tal

norma será sempre qualificada no crime de roubo em razão do resultado ou da

161

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 134. 162

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 246. 163

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 669. 164

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 246

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60

consequência, não importando a intenção do agente no momento da ação, bastando

unicamente uma mera previsibilidade do resultado por ele.165 Igualmente, a presente

norma penal que qualifica o roubo exige a ocorrência de lesão corporal de natureza

grave, isto, pois a mera incidência de roubo com lesão corporal de natureza leve

acarreta na absorção do delito menos grave pelo mais grave (neste caso haverá

apenas roubo). 166

Sobre o nexo de causalidade entre a ação do agente e o resultado, perduram

divergências doutrinárias:

MIRABETE 167 defende que o resultado “lesão grave” deve uma causa direta

da violência empregada pelo agente na conduta, não estando ele sujeito a este

aumento de pena caso a vítima venha a sofrer uma parada cardíaca em decorrência

do susto causado pelo assalto, ou qualquer outro trauma psíquico, como choques

nervosos, por exemplo.

Já BITENCOURT 168 entende que caso o agente ameace a vitime, de modo

que a mesma consequentemente venha a falecer em decorrência de um infarto

fulminante, por óbvio que há um nexo causal entre a ação empregada e o resultado,

o que leva a aplicação do § 3º do art. 157 nesta hipótese, pois o meio violento

utilizado foi o moral, o que não pode descartar a incidência do latrocínio.

5.5 – O roubo qualificado pelo resultado: Latrocínio

5.5.1 – Conceito de latrocínio

O latrocínio ocorre quando o sujeito mata a vítima para subtrair seus bens,

havendo a previsão de uma pena de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos e

multa.169 O latrocínio é um crime complexo, formado a partir da fusão de dois delitos,

165

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 137. 166

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 137. 167

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 246. 168

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. Ed. Saraiva, vol. 3. 2003, p.111. 169

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 355.

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61

o roubo e o homicídio170. Tal tipificação penal poderá versar tanto no caso de roubo

próprio, quanto impróprio, pois a violência empregada resultante de lesão grave ou

morte pode acontecer antes ou após a subtração do bem.171 Ainda, cumpre ressaltar

que na conduta que concerne o delito de latrocínio, há uma maior preocupação com

a tutela da vida em detrimento do patrimônio. 172

5.5.2 – Enquadramentos do latrocínio

No caso do roubo com morte há uma punição proporcionalmente mais grave

em razão de um crime que clama por uma maior periculosidade do sujeito, que ceifa

a vida da vítima em virtude de uma subtração patrimonial. O enquadramento desde

delito no rol dos crimes hediondos ocorre devido à ojeriza causada por esta conduta,

digna da máxima repulsa e repreenda. 173

Neste tipo penal, a morte deverá ser provocada pela violência, pois sendo ela

uma consequência de uma coação ou grave ameaça, não haverá a figura deste

delito.174 Importante mensurar que todos os coautores do delito de latrocínio

responderão nos moldes deste tipo penal, mesmo que alguns não tenham

empregado qualquer violência na produção do resultado morte. 175

De qualquer forma, no latrocínio far-se-á necessário um exame necroscópico

que evidencie o nexo causal entre a ação do agente no roubo e a morte da vítima.

Na tipificação deste crime, é irrelevante que o resultado morte esteja ou não dentro

dos planos iniciais do agente, contudo, é necessário que o resultado decorra de uma

intenção de subtração patrimonial por parte do sujeito, podendo ocorrer antes, ou

depois do resultado morte. 176

170

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Especial. V.2. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.398. 171

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 136. 172

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 670. 173

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 138. 174

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 139. 175

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 141. 176

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 246 e 247.

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62

5.5.3 – Situações fáticas e consumação do latrocínio

No latrocínio 177 o autor do fato mata a vítima com o intuito de subtrair seus

bens, podendo o mesmo agir dolosamente ou culposamente para a produção do

resultado morte. O latrocínio pode ser aplicado tanto no roubo próprio quando no

impróprio. Neste sentido, sendo ele um delito complexo, a sua consumação

independe da subtração patrimonial, sendo igualmente configurado na hipótese

onde o agente mata a vítima para empreender fuga.178 Ainda neste campo, a

violência empregada na execução pode ocasionar a morte de qualquer pessoa, e

não apenas da vítima. Assim, caso o autor do crime venha a disparar contra o

ofendido, atingindo acidentalmente outra pessoa, haverá latrocínio. Tal

entendimento perdura em qualquer hipótese onde o liame “resultado morte” esteja

ligado a prática do roubo, ocorrendo inclusive, o crime de latrocínio na situação onde

o agente mata um partícipe durante uma troca de tiros com a polícia, no curso da

execução delitiva. 179

O posicionamento doutrinário e jurisprudencial é farto no que concerne a este

delito, com destaque especial para os seguintes casos:

No primeiro, havendo a prática de homicídio com posterior subtração de bem

patrimonial (ambos consumados), existe hoje a compreensão pacífica em prol da

responsabilização do agente por crime de latrocínio consumado, nos moldes do

artigo 157, § 3º, in fine do CP.180 Neste diapasão, impieroso suscitar a existência de

latrocínio consumado na conjuntura onde há uma concorrência de agentes, através

da condição de coautoria entre os membros:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.

LATROCÍNIO CONSUMADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. Ao contrário

do que sustenta a defesa, a condenação dos recorrentes não está

embasada exclusivamente em elementos colhidos na fase policial, mas

sim, na análise conjunta destes subsídios com a prova oral produzida

177

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 356. 178

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 247. 179

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 669. 180

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 247.

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sob o crivo do contraditório. Tal operação permite a manutenção da

decisão operada em sede de primeiro grau de jurisdição.

PARTICIPAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA. AFASTAMENTO. Não há

falar na aplicação do disposto no parágrafo 2º, do art. 29, do Código

Penal, pois, embora um dos réus tenha dirigido o automóvel e conduzido

os co-autores ao local do delito, ali permanecendo para auxiliá-los

quando da fuga, realizou com a sua conduta a figura que, na dicção da

doutrina e da jurisprudência, denomina-se co-autoria funcional. Portanto,

todos os denunciados concorreram para a prática do crime contra o

patrimônio, na medida em que previamente anuíram e convencionaram

a realização da subtração dos bens pertencentes ao ofendido, inclusive

antevendo a possibilidade de acionamento das armas de fogo

empregadas na empreitada criminosa. Precedentes doutrinários e

jurisprudenciais. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO PARA READEQUAÇÃO

DAS PENAS DE MULTA. Sanções pecuniárias fixadas de maneira que

não condiz com a realidade econômica dos réus. Redução, de ofício,

para os patamares mínimos. APELAÇÕES DESPROVIDAS.

DIPOSIÇÕES DE OFÍCIO QUANTO ÀS MULTAS. (Apelação Crime Nº

70047812888, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 11/10/2012)

No segundo, ocorrendo uma dupla tentativa, tanto de homicídio quanto de

subtração, há o entendimento unânime no sentido de atribuir ao agente a

responsabilização por latrocínio tentado (artigo 157, § 3º, in fine, c/c o art. 14, II,

ambos do CP). 181 Dentro desde contexto, PARIZATTO182 consolida este

entendimento, explanando que ante a ocorrência de uma tentativa de homicídio em

comunhão com uma subtração tentada, estaremos diante da figura de um latrocínio

tentado, ocorrência muito comum na realidade fática:

LATROCÍNIO TENTADO. PROVA. DEMONSTRAÇÃO DESTE

DELITO. CONDENAÇÃO NOS TERMOS DA DENÚNCIA. A prova

colhida no processo em exame, ao contrário do decidido no 1º Grau,

não indica que o objetivo dos apelados fosse, unicamente, o de matar a

vítima. Os autos não revelam nenhuma ligação pessoal entre os

181

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 247. 182

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 141.

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atacantes e o ofendido que pudesse justificar a pura ação homicida.

Pelo contrário, os depoimentos são no sentido da existência de um

latrocínio tentado. Os recorridos adentraram no estabelecimento

comercial com o objetivo da subtração de bens. Por algum motivo não

esclarecido atiraram de imediato em seu proprietário, sem conseguir

fazer o roubo. DECISÃO: Apelo ministerial provido. Unânime. (Apelação

Crime Nº 70041360488, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça

do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 24/03/2011)

Assim, vislumbram-se através de decisórios judiciais os requisitos para a

incidência do latrocínio tentado, mensurando-se a distinção desta modalidade em

relação à tentativa de homicídio, como a ausência de ligação pessoal entre as

partes, por exemplo.

No terceiro, caso o sujeito venha a praticar homicídio tentado com subtração

do bem de maneira consumada, haverá dois posicionamentos distintos:183 Uma

corrente defenderá a responsabilização do sujeito por tentativa de latrocínio (artigo

157, § 3°, in fine c/c o artigo 14, II, ambos do CP),184 ao passo que outra alegará a

responsabilização do mesmo por homicídio tentado qualificado pela conexão

consequencial (artigo 121, § 2º, V c/c artigo 14, II, ambos do CP).185 Na esteira

jurisprudencial:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.

LATROCÍNIO TENTADO. Tendo sido ratificado em juízo o auto de

reconhecimento realizado na polícia, não tem relevância ou procedência

a alegação de sua nulidade. Autoria e materialidade comprovadas pelo

conjunto probatório. Confissão de ambos os acusados, corroborada pelo

relato e reconhecimento feito pela vítima. Manutenção da sentença

condenatória. A discussão quanto à necessidade de auto de

constatação de potencialidade de arma de fogo é irrelevante no caso

dos autos, uma vez que, em se tratando de latrocínio, não há incidência

das majorantes previstas no art. 157, § 2º, CP, sendo suficiente o auto

de exame de corpo de delito para comprovar a materialidade do delito.

183

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 359. 184

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 141. 185

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. V. 2. Parte Especial. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 360-361.

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65

Indeferido o pleito de desclassificação da imputação, porquanto

presente o animus necandi. Agente que efetua disparo de arma de fogo

em direção às costas da vítima, no mínimo assume o risco de ceifar-lhe

a vida. Embora tenham os réus negado o animus necandi, admitiram a

subtração e o disparo da arma de fogo, o que se mostra suficiente para

o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea. Não existe

ilegalidade no reconhecimento da agravante da reincidência.

Precedentes do STF. APELO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Crime

Nº 70042455386, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 09/06/2011)

Portanto, há a explanação jurisprudencial sobre as principais características

da tentativa de latrocínio, havendo consonância de entendimentos dos tribunais em

relação à doutrina dominante, estando esta seara caracterizada pela objetivação do

agente em subtrair o patrimônio da vítima através do disparo de arma de fogo.

Por fim, na situação do sujeito consumar o homicídio com a posterior tentativa

de subtração patrimonial, há uma maior variação de posicionamentos doutrinários e

jurisprudenciais, podendo o agente ser responsabilizado por:

a) Tentativa de latrocínio (artigo 157, § 3°, in fine); 186

b) Homicídio qualificado pela conexão consequencial e tentativa de roubo

simples (artigo 121, § 2°, V e 157, caput, c/c artigo 14, II, ambos c/c o artigo

69, CP); 187

c) Latrocínio consumado (artigo 157, § 3°, in fine); 188 189 190

d) Homicídio qualificado pela conexão consequencial (ou teológica), na forma do

artigo 121, § 2°, V do CP.191

Nesta senda, a jurisprudência do Tribunal de Justiça acertadamente se

posiciona:

186

MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. Latrocínio tentado: o lógico X o axiológico. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4086>. Acesso em: 13 out. 2012. 187

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. V. 2. Atualizado por Adalberto G. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 257-265. 188

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Especial. V.2. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.398. 189

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 682. 190

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 357. 191

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. V. 2. Atualizado por Adalberto G. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 257-265.

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CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. LATROCÍNIO. 1. LATROCÍNIO.

HOMICÍDIO CONSUMADO E SUBTRAÇAO FRUSTRADA.

CONSUMAÇÃO. A teor da súmula 610 do STF há crime de latrocínio,

quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a

subtração de bens da vítima. Assim, tendo ocorrido a morte da vítima,

ainda que não tenha o réu logrado subtrair qualquer de seus pertences,

está-se diante de crime consumado e não de tentativa de latrocínio. 2.

REDIMENSIONAMENTO DA PENA. Presente apenas uma

circunstância judicial desfavorável, impõe-se a redução da pena-base,

considerando-se o valor atribuído a cada moduladora do art. 59 do CP.

A pena pecuniária deve guardar simetria com a análise das

circunstâncias judiciais e a pena-base cominada ao réu. Readequação

da multa. 3. PENA DE MULTA. ISENÇÃO. INVIABILIDADE. A pena de

multa, cumulativamente cominada ao delito, não pode deixar de ser

aplicada pelo juiz da sentença, em face do princípio da legalidade, ainda

que o réu seja pobre, mesmo porque pobreza não é causa de imunidade

penal. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação

Crime Nº 70035636968, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça

do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 19/05/2010)

Sendo assim, reafirma o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul o condão

de independência da figura do latrocínio com relação à consumação ou não da

subtração patrimonial, mostrando uma maior preocupação com a tutela da vida.

5.5.4 – A figuração do latrocínio nos crimes hediondos

O latrocínio, por ser um delito de alta gravidade e extremo repúdio, integra o

rol dos crimes hediondos, conforme preconiza o inciso II do artigo 1º da Lei 8.072/90.

Neste esteio, há a expressa previsão legal na forma do artigo 9° da referida Lei que

estipula o aumento da pena na sua metade quando a vítima encontra-se nas

hipóteses do artigo 224 do CP, ou seja, não sendo ela maior de quatorze anos

(vulnerável), ou tendo alguma debilidade ou alienação mental ou vigorando ainda a

impossibilidade de qualquer modo do oferecimento de resistência. Na hipótese da

alienação mental, o prévio conhecimento do agente é imprescindível para tanto. 192

192

JESUS, Damásio E. de Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 357.

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Este aumento de pena, segundo NUCCI: 193

(...) afronta o princípio da individualização da pena, pois a norma do

art. 9º da Lei 8.072/90 estabelece o acréscimo da sanção penal em

até a metade caso a vítima esteja dentro dos parâmetros do art. 244

do CP, que trata especialmente de pessoas vulneráveis, o que pode

ocasionar uma pena mínima fixada no máximo legal da legislação

brasileira, ou seja, de 30 anos de reclusão (coincidirá

obrigatoriamente com a máxima).

Impieroso mencionar que tais aumentos de pena possuem natureza objetiva e

obrigatória, sendo necessário o dolo do agente. Em outras palavras, deve haver o

conhecimento do autor do fato sobre a situação da peculiar da vítima, como por

exemplo, o fato dela ser menor de quatorze anos. Importante ponderar que a idade a

ser lastreada neste viés é a data da conduta, e não da produção do resultado. 194

5.5.5 – Latrocínio, culpa e preterdolo

No instituto da culpa e do preterdolo no crime de latrocínio, importante relatar

alguns posicionamentos esclarecedores sobre o tema:

Ensina o ilustre ZAFFARONI195 que a tentativa ocorrerá apenas mediante

dolo, não admitindo em qualquer hipótese a figura da culpa, ou até mesmo do

preterdolo. Já para MIRABETE196, no caso de roubo tentado e homicídio

preterintencional (caso onde o agente não assume os riscos do resultado, matando

culposamente a vítima e não conseguindo consumar a subtração), haverá a sua

responsabilização nos moldes do art. 157, § 3º na forma tentada de roubo seguido

de morte.

5.5.6 – Latrocínio e o concurso de agentes

193

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 670. 194

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 356. 195

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 665.. 196

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 248.

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No caso do roubo à mão armada, responderão pelo resultado morte todos os

envolvidos na ação delituosa (mesmo os agentes que não participaram diretamente

da execução do homicídio), pois no planejamento e na execução do tipo básico já há

a assunção de riscos por um resultado mais gravoso, que naturalmente pode ocorrer

na ação criminosa, sendo para efeitos punitivos, irrelevante a identificação do autor

do disparo que mata a vítima, pois todos concorrerão dentro do mesmo tipo penal.

197

Nesta esfera, há julgados que percebem uma diferenciação no que concerne

a ação pretendida, a previsibilidade do resultado morte e o concurso de agentes.

Assim, podemos citar o exemplo onde o grupo planeja um furto sem um uso de

armas, permanecendo o partícipe dentro do carro enquanto o bando realiza a

invasão ao local, todavia, inesperadamente surge um vigia, que é morto de

improviso por um dos integrantes do bando com um instrumento encontrado a esmo.

Nesta hipótese, haverá a tipificação de latrocínio aos sujeitos que invadiram e

concorreram diretamente para a produção do resultado, ao passo que o partícipe

que permaneceu no carro ficará restrito a norma incriminadora do furto, pois

evidentemente não havia a previsibilidade de tal acontecimento por parte dele,

estando ausente a sua concorrência direta com o resultado. 198

Nestes termos, interessante colacionar o entendimento jurisprudencial do

TJ/RS:

Latrocínio. Tentativa: consumando-se a lesão ao bem jurídico vida,

o crime de latrocínio é dito consumado (súmula nº 610 do STF).

Participação de menor importância: não configurada quando todos os

agentes atuaram na execução do assalto, ainda que apenas um deles

tenha se encarregado de desferir os disparos contra a vítima fatal.

Delação premiada: defeso o seu reconhecimento, nos lindes do art. 14

da L. 9.807/99, quando os delatores não identificaram todos os corréus

e a vítima não escapou do evento delitivo com vida. Multa: não pode ser

isentada, porque é pena legalmente cominada. Deram parcial

provimento aos apelos. Unânime. (Apelação Crime Nº 70040250334,

Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 27/06/2012)

197

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 248. 198

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 248.

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69

Sem embargo, pontificam vários decisórios judiciais acerca da incidência de

latrocínio mesmo na hipótese onde há uma eventual participação de menor

importância dentro do concurso de agentes, reforçando a importância do liame

subjetivo de desígnios para a identificação do tipo penal abrangente.

5.6 – O roubo de uso

Ao contrário do que ocorre com o furto, não há a possibilidade do roubo de

uso (exemplo, o agente rouba o automóvel com a intenção de devolvê-lo logo a

seguir), pois como se trata de um crime complexo, os bens jurídicos tutelados são

diversos, muito aquém da simples subtração. De qualquer forma, não há como

associar a violência praticada a uma possibilidade de ausência de ânimo definitivo

para o apossamento, pois o delito de roubo é muito mais grave que o de furto, em

todos os aspectos possíveis. 199

6. A receptação e a doutrina

6.1 – O conceito de receptação

A receptação quando praticada dolosamente, implica na sanção de uma pena

de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.200 O crime de receptação encontra-

se descrito na forma do caput do artigo 180 do CP, caracterizado através dos verbos

adquirir, transportar, receber, ocultar ou conduzir, em proveito próprio ou alheio,

coisa que seja do seu conhecimento um produto de crime, ou auxiliar (influir,

instigar) para que terceiro de boa-fé adquira, oculte ou recebe esse produto.201 A

palavra “receptação” refere-se a um tipo de ocultação ou sonegação, havendo vício

no objeto original. A receptação depende necessariamente de um delito sucessivo

para a sua configuração, e mesmo assim se trata de um delito autônomo, pois o

199

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 670. 200

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 491. 201

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 357.

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70

adquirente não será responsabilizado juntamente com o autor do crime anterior.202 O

produto do crime pode ser compreendido como tudo o que for proveniente da sua

prática delitiva, ainda que a coisa tenha sido transformada ou alterada pelo

criminoso. 203

No passado a doutrina entendia que o crime de receptação possuía baixo

potencial lesivo, isto devido à sua analogia junto a outros delitos patrimoniais mais

graves, e igualmente em razão dos costumes na época, uma vez que esta

modalidade delitiva estava muito associada a condutas de fato menos gravosas,

como por exemplo, a receptação clandestina de utensílios furtados e roubados de

ferros-velhos e joalheiros. Porém, na atualidade não perdura mais este

entendimento, pois a receptação encontra-se extremamente ligada ao crime

organizado e as suas mais variadas vertentes, que vão desde o roubo, furto e

desmanche de veículos, até o tráfico de drogas e de armas, o que certamente

movimenta uma extensa cadeia criminal e de difícil controle policial. 204

Não obstante, atualmente a receptação atinge o seio do poder judiciário, uma

vez que há uma clara dificuldade investigatória neste campo, muito em razão do alto

custo social deste crime, que envolve uma rede delicada de crimes. Em função disto,

inteligentemente na Argentina e no Uruguai o delito de receptação está incluso

dentro do rol de Crimes contra a Administração da Justiça, muito em virtude do

imenso empenho necessário por parte do estado no seu campo investigativo e

diligente, pois diversas apreensões são necessárias. 205

6.2 – A objetividade jurídica do tipo penal da receptação

A objetividade jurídica da norma punitiva na tipificação do delito de receptação

é a preservação do patrimônio alheio em detrimento de uma nova transferência do

bem roubado ou furtado (a título exemplificativo), pois há o repasse do bem para

202

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 144. 203

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 153. 204

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 491. 205

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 491.

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outrem, acrescendo mais uma violação e tornando ainda mais remota a

possibilidade de apossamento pelo legítimo dono. 206

6.3 – Os sujeitos da receptação

Com a exceção do autor, coautor e partícipe do crime antecedente ao da

receptação (exemplo, o sujeito que rouba um veículo e entrega ao receptador), na

regra geral, qualquer pessoa poderá figurar como sujeito ativo deste delito, uma vez

que não se trata de crime próprio, inexistindo qualquer alusão à qualidade autoral.207

Dando seguimento a esta seara, o § 1° do artigo 180 do CP faz a descrição de um

delito próprio, pois está previsto o agravamento da pena na hipótese do comerciante

praticar uma séria de condutas descritas, o que evidentemente muda o perfil do

delito, que passa a exigir uma especialidade. Já o sujeito passivo será sempre a

vítima do crime antecedente. 208

Segundo NUCCI209, na receptação, haverá a exclusão da punibilidade para o

partícipe ou coautor do crime antecedente, permanecendo a responsabilização

deste pelos fatos anteriormente praticados. Assim, supondo que o partícipe de um

furto venha a ser encontrado com o produto do crime, este não poderá em hipótese

alguma responder por receptação, mas tão somente por furto. Para DAMÁSIO210, o

proprietário do bem também poderá praticar receptação, pois o tipo penal descrito

na norma do artigo 180 do CP menciona a “coisa”, e não “coisa alheia”, o que inibe a

necessidade do título de propriedade para a consolidação deste crime.

Sem embargo, há o entendimento de que poderá o advogado cometer o crime

de receptação caso receba como pagamento dos seus honorários, coisa que sabe

ser produto de origem de meio criminoso.211 Observando-se o caput do crime de

receptação é possível vislumbrar a necessidade de dolo direto na conduta do agente

206

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 145. 207

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 357. 208

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 494. 209

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 716. 210

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 494. 211

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 357.

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72

para a configuração deste tipo, pois há a anuência da expressão “coisa que sabe

ser” dentro da descrição penal. Do mesmo modo, percebe-se um flagrante erro na

redação da sua norma qualificadora (§ 1°), pois a expressão ali mencionada “deve

saber” remete a idéia de dolo eventual na conduta incriminadora. Contudo, a

interpretação extensiva da norma penal culmina na aceitação dos dois tipos de dolo

dentro da forma qualificada, sendo esta, inclusive, a posição majoritariamente

adotada pelos tribunais. 212

Já o sujeito passivo do delito de receptação será o proprietário da coisa que

tenha passado a ser o objeto do crime anterior213, ou ainda, poderá ser qualquer

pessoa física ou jurídica desapossada de seu bem em um delito anterior, e, portanto,

vítima, cujo objeto tenha passado a ser produto de crime. 214

6.3.1 – A figura autônoma da receptação

Por se tratar de um crime autônomo, não poderá se falar em coautoria ou

participação na conduta praticada pelo agente após a consumação do crime

anterior. Contudo, caso ele tenha conhecimento, tendo concorrido de alguma forma

para a produção do delito antecedente, ele responderá por aquele crime, mas não

por receptação.215 Outrossim, por certo que há a existência de uma acessoriedade

material entre o crime de receptação e um delito anterior, ainda que a identidade

autônoma da receptação não se altere, pois a sua caracterização inicial é a própria

independência do seu tipo penal que é alheio ao crime a quo. Desta feita, em que

pese à existência de um vínculo objetivo entre os delitos, o mesmo não ocorrerá

com relação ao seu processamento ou a imputação penal.216 Sobre a autonomia da

receptação, a jurisprudência é clara:

EMBARGOS DECLARATÓRIOS. DESACOLHIDOS. 1. Admissível o

acolhimento de embargos declaratórios para sanar omissão, contradição

212

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717. 213

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 358. 214

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 154. 215

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 357. 216

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. v. VII (arts. 155 a 196). 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 321.

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73

ou obscuridade existentes no acórdão, importando ou não na

modificação do julgado atacado. 2. Manutenção da pena aplicada pelo

juízo de primeiro grau que restou fundamentada no acórdão fustigado,

não havendo que se falar em omissão ou contradição. 3. Inviabilidade

de reconhecimento do princípio da consunção entre os delitos de

receptação e de adulteração de sinal identificador de veículo automotor.

Crimes autônomos que atingem bens jurídicos diversos.

DESACOLHERAM OS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. UNÂNIME.

(Embargos de Declaração Nº 70038928768, Segundo Grupo de

Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone

Sanguiné, Julgado em 10/12/2010)

Desta feita, visualiza-se à luz da jurisprudência a consolidação da figura

autônoma do crime de receptação, sendo evidenciada a sua independência com

relação aos demais delitos conexos, inviabilizando a uma absorção de crimes

(princípio da consunção delitiva).

Para a tipificação da receptação, é dispensável o conhecimento do receptador

acerca do autor do crime antecedente, podendo ele, inclusive, ser incapaz ou

enfermo mental, que mesmo assim subsistirá a imputação. Caso o agente comissivo

do fato anterior à receptação venha a ser absolvido por ausência de provas, isto não

isentará a responsabilização do receptador, pois para a consolidação da receptação

é necessária tão somente a presença do objeto material, sendo irrelevante a

sentença condenatória do crime anterior. Do mesmo modo, a extinção de

punibilidade do crime antecedente não estenderá seus efeitos à receptação.217A

norma expressa no § 4º do artigo 180 do CP busca tão somente reforçar a

antijuridicidade e a tipicidade do crime de receptação, tornando absolutamente

irrelevante a condição do autor do crime antecedente, podendo ele inclusive ser

inimputável ou desconhecido, sem que tais condições afetem o condão punitivo

preconizado nos moldes do referido tipo penal. 218

6.4 – Objeto material

217

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 509. 218

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 718.

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O objeto material da receptação será coisa produto do crime. No tipo penal do

artigo 180 do CP percebe-se o emprego da palavra “coisa”, inexistindo menção

específica sobre a espécie, móvel ou imóvel. 219 Contudo, perduram discussões

acerca de tal tipificação no caso de aquisição de coisa imóvel, ainda que haja um

entendimento predominante no sentido de que a receptação só será cabível com

relação a coisas móveis, pois a própria conduta imersa no tipo prevê um

deslocamento do objeto, assim como somente coisas móveis poderão provir de um

delito anterior, e por último, em razão do próprio significado da palavra “receptáculo”,

que é o mesmo que “dar abrigo”, “fornecer esconderijo”, e evidentemente somente

bens móveis poderão ser núcleos destas ações.220 Assim, subsistirá o crime de

receptação ainda que o objeto sofra alguma troca ou alteração (exemplo, o ouro

fundido). 221

6.5 – Receptação tentada e consumada

A consumação deste delito ocorrerá no momento em que o dono/possuidor do

objeto material perceber prejuízo em virtude do distanciamento da coisa que lhe foi

tomada.222Para a consumação do delito de receptação, não há a necessidade de

que o crime anterior seja patrimonial, assim como independe o julgamento,

processamento ou a elucidação destes fatos ulteriores. 223

A modalidade de receptação tentada possui cabimento na forma da

receptação própria, uma vez que se trata de um crime material, existindo perfeita

possibilidade de uma circunstância alheia a vontade do agente que culmine na não

consumação da receptação, como no caso onde o sujeito é preso no momento em

que realizada a entrega (transporte) de um automóvel furtado. 224 Já na forma

imprópria, não há como se falar em tentativa, uma vez que os verbos aqui

219

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 146. 220

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 359. 221

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 494. 222

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717. 223

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 144. 224

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 154.

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75

empregados já caracterizam por si só o delito de maneira consumada, o que torna

este crime formal. Neste diapasão, podemos citar o caso do agente surpreendido

pela polícia enquanto influenciava terceiro de boa-fé para que ele recebesse um

carro roubado. 225 Neste compasso, a jurisprudência é objetiva, primando pela

existência incontroversa dos fatos na incidência da receptação tentada:

Tentativa de receptação qualificada de um veículo Parati.

Existência incontroversa do fato. Autoria comprovada no

concernente a apenas um dos acusados. Prova que não permite

concluir tivesse o acusado recebido ou transportado o automóvel

proveniente do crime de roubo anteriormente. Delito que não atingiu a

consumação. Receptação qualificada e adulteração de sinal identificador

de veículo automotor. Autoria positivada. Verificando-se que a alteração

faz parte da execução do delito do artigo 180 do CP, aproveitando-se as

vantagens obtidas com a ação criminosa (auferir vantagem patrimonial

com a venda do automóvel, procedendo a maquiagem do bem, para

esconder sua origem ilícita), considera-se o segundo crime absorvido

pelo primeiro. Receptação qualificada de uma caminhonete Corsa.

Infração comprovada. Prova da autoria suficiente para embasar um juízo

condenatório. Irresignação ministerial desacolhida. Apelos defensivos

parcialmente providos pare reduzir as sanções impostas. Preliminares

rejeitadas. (Apelação Crime Nº 70006907653, Sexta Câmara Criminal,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Moacir Aguiar Vieira,

Julgado em 30/03/2006)

Por fim, no caso da receptação qualificada, haverá a consumação do delito

com a simples conduta de quaisquer dos verbos expressos no tipo penal (§ 1º do

artigo 180 do CP). 226

6.6 – Os elementos da receptação

6.6.1 – Elemento objetivo do tipo

225

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 361. 226

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 162.

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76

O elemento preponderante para a tipificação do crime de receptação é a

prática de um delito anterior. A receptação é um delito parasitário ou acessório,

sendo somente identificado na hipótese da coisa se produto de crime.227O próprio

caput do artigo 180 do Código Penal apresenta dois focos distintos dentro da

tipificação do delito de receptação228, a contar: Na modalidade de receptação

própria, a conduta “adquirir” expõe uma idéia de obter, comprar, ou obter através da

compra. Já a o verbo “receber” sugere uma aceitação, um acolhimento ou uma

admissão. No que concerne a palavra “transportar”, a mesma significa levar a coisa

móvel de um lugar para outro, sendo irrelevante o meio utilizado para tanto. A

conduta “conduzir” faz referência à atitude do agente que leva a coisa móvel para

determinado local, sendo indispensável o conhecimento da origem ilícita. Por fim, o

verbo “ocultar” remete a uma idéia de esconder, encobrir, de modo a evitar uma

sanção penal. 229

No que diz respeito a algumas condutas da receptação própria, como é o

caso do verbo “transportar”, parte da doutrina entende que o simples uso das regras

do concurso de pessoas já seria suficiente como um viés punitivo ao agente que

concorre para a produção de determinado resultado dentro do núcleo do crime de

receptação, havendo a irrelevância do emprego de tantas ações dentro de um único

tipo penal. 230

Na forma de receptação imprópria, os verbos da conduta do tipo são “influir”,

ou seja, aliciar, aconselhar, ou até mesmo mediar uma situação através da sua

influência. Já o verbo “instigar” remete a incitação, ao ato de encorajar outrem a

fazer algo através de palavras de apoio e incentivo. 231

Caso o agente venha a omitir conhecimento sobre a receptação de

determinada res furtiva em uma das hipóteses se vigência de delito de receptação,

não haverá qualquer tipicidade imputável na sua conduta, eis que tal hipótese não

encontra amparo legal. Igualmente não haverá receptação na situação onde o

227

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 358. 228

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 716 229

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 149. 230

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial – Vol. III. 7ª. Edição. Impetus, 2010. p. 533. 231

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 152.

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77

sujeito auxiliar a carregar o produto ilícito, consoante entendimento jurisprudencial.

232

Segundo PIERANGELI233 dentro de um único contexto fático, ao agente

somente poderá ser imputado um único delito de receptação mesmo que ele tenha

praticado receptação de coisas originadas a partir de um, ou de múltiplos crimes.

Ainda, ensina MIRABETE234 que no que concerne ao produto do crime, não haverá

receptação caso o delito anterior seja uma mera contravenção. Nesta esteira, o

armazenamento de aposta do jogo do bicho será tido com um fato impunível.

Contrariando a corrente majoritária de doutrinadores que defendem a

modalidade imprópria como sendo um crime de natureza formal, NUCCI235 e

ROGÉRIO GRECO236 afirmam que a influência exercida pelo agente na conduta de

influir terceiro deve ser de fato determinante para a produção do resultado desejado,

de maneira que caso sobrevenha qualquer circunstância alheia que impeça a

consumação do animus do agente ativo, haverá lugar para a imputação ao mesmo

dentro dos limites da receptação imprópria tentada.

6.6.2 – Elemento subjetivo do tipo

Na receptação, o elemento subjetivo será a intenção do agente na obtenção

de em algum proveito próprio ou alheio (em favor de terceiro), decorrente da sua

conduta, dentro dos verbos descritos no art. 180 do CP. Todavia, inexistirá

receptação caso o sujeito praticar algumas destas condutas visando somente o

proveito do autor do crime anterior, pois nesta hipótese, estaremos diante de um

crime de favorecimento real. 237

No caput do artigo 180 do CP há a previsão de uma punição ao agente

baseada no dolo, ao passo que o parágrafo 3º deste mesmo artigo releva a

232

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 152. 233

PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial (arts. 121 a 234). 1ªed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 613. 234

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 358. 235

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p.819. 236

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial – Vol. III. 7ª. Edição. Impetus, 2010. p.

535.

237 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo,

2005. p. 360.

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possibilidade de uma sanção lastreada na culpa. Importante ressaltar que o tipo

penal da receptação dolosa necessita da anuência de dolo direto na conduta do

sujeito, não admitindo qualquer forma de dolo eventual, pois efetivamente o autor do

fato deve possuir o prévio conhecimento da ilicitude do objeto, agindo

conscientemente com vontade plena, livre e inequívoca, e não quedando seus atos

dentro da restrição de uma assunção de riscos, como de fato ocorre no dolo

eventual. 238

6.7 – Qualificação doutrinária

Expõe DAMÁSIO239, que a receptação não exige qualquer condição especial

para a sua prática, com a exceção do previsto no § 1º do artigo 180 do Código Penal

(comerciante). Trata-se de um delito simples, pois só afeta um bem jurídico,

comissivo, pois não admite a omissão como forma, instantâneo, pois produz o

resultado desde o início da conduta não perdurando no tempo e acessório, pois

fundamentalmente depende de outro delito antecedente para a sua verificação.

7. Espécies de receptação

O delito de receptação é dividido basicamente em três tipos principais: A

forma simples, a qualificada e a privilegiada. A receptação simples está expressa no

caput do artigo 180 do CP, ao passo que o seu § 6º prevê a modalidade qualificada,

e a segunda parte do § 5º a sua forma privilegiada. A receptação simples é

caracterizada através do sujeito que oculta, adquire, ou recebe, em proveito próprio

ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou do mesmo modo este agente

influi para que um terceiro, de boa-fé, recebe, oculte ou adquira o produto do

crime.240 Todavia, outras modalidades de receptação podem ser percebidas, como

por exemplo: A receptação própria (art. 180, caput, 1ª parte do CP), a receptação

imprópria (2ª parte do caput), a receptação no exercício de atividade comercial (§

238

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 146. 239

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 495. 240

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496.

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79

1°), e a receptação culposa (§ 3º), além das previsões do perdão judicial (§ 5º, 1ª

parte). 241

7.1– Receptação privilegiada

Esta modalidade de receptação encontra-se disposta no § 2° do artigo 155 e

na segunda parte do seu § 5°. 242 Ocorrendo à incidência deste crime, e sendo o

agente primário e do mesmo modo, o objeto material receptado de pequeno valor, o

magistrado deverá fazer o uso da receptação privilegiada, substituindo a pena de

reclusão pela de detenção, podendo escolher entre a diminuição da sanção em um a

dois terços ou a aplicação de multa.243 Há decisórios que se posicionam no sentido

de que tal benefício não deverá ser concedido ao agente na hipótese do valor do

bem ser superior a um salário mínimo.244 No tocante ao entendimento jurisprudencial

do TJ/RS encontra-se o que segue:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.

RECEPTAÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. FORMA PRIVILEGIADA

RECONHECIDA. REDUÇÃO DA PENA. PRESCRIÇÃO. Os elementos

de convicção acostados durante a instrução demonstram a

materialidade e a autoria do crime de receptação, não sendo possível

cogitar de insuficiência probatória. Cabível, contudo o reconhecimento

da forma privilegiada do delito, em virtude do atendimento aos requisitos

de ordem objetiva e subjetiva estabelecidos no §5º do art. 180 do

Código Penal. Pena corporal reduzida, atraindo a declaração da

extinção da punibilidade pelo implemento do lapso prescricional entre a

data do fato e a do recebimento da denúncia. APELAÇÃO

PARCIALMENTE PROVIDA. EXTINTA A PUNIBILIDADE PELA

PRESCRIÇÃO. (Apelação Crime Nº 70049927387, Sétima Câmara

Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta,

Julgado em 27/09/2012)

241

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496. 242

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 510. 243

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 719. 244

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 363.

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80

Finalmente, percebe-se objetivamente a sintética aplicação da receptação

privilegiada nas hipóteses previstas no § 5º do artigo 180, mostrando que a lei penal

tem como escopo abrandar a pena do agente primário que comete o delito sob

circunstâncias juridicamente menos relevantes.

7.2 – Receptação dolosa

A receptação poderá ser dolosa ou culposa, sendo que o tipo doloso

encontra-se expresso nos moldes do § 3º do artigo 180 do CP, sendo dividido pela

doutrina em dois tipos: Receptação própria ou imprópria. 245

7.2.1 – Receptação própria dolosa

A receptação própria encontra-se descrita na primeira parte do caput do art.

180 do CP, havendo a sua incidência quando o agente oculta, adquire, ou recebe,

em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime. Na hipótese da

aquisição, ocorrerá uma transferência de propriedade, podendo ela ser gratuita ou

onerosa. Já a ocultação faz referencia ao sujeito que esconde a mercadoria, ao

passo que o recebimento significa o depósito, penhor ou uso. Convém mencionar

que nesta conduta há a admissão de tentativa, e o crime ocorrerá com a simples e

efetiva tradição do objeto até o receptador, o que torna esta modalidade um crime

material. 246

Sem embargo, nesta seara não há a necessidade de qualquer contato, sendo

suficiente, por exemplo, a responsabilização por receptação do agente que se

apropria de coisa ilícita atirada por um desconhecido ladrão em meio a uma

perseguição policial, assim como será incriminado o herdeiro que receber um bem

reconhecidamente ilegal deixado pelo seu sucessor, ou um credor que aceita

receber um objeto de origem sabidamente ilícita deixado como pagamento pelo

devedor. 247

245

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496. 246

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496. 247

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 359.

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81

7.2.2 – Receptação imprópria dolosa

Esta forma se encontra positivada na segunda parte do caput do artigo 180 do

CP, ocorrendo quando o sujeito influi para que um terceiro, de boa-fé, receba, oculte

ou adquira um produto ilícito. Observa-se neste caso a preocupação do legislador no

que se refere à influência do sujeito ativo sobre um terceiro de boa-fé, pois havendo

igualmente má-fé por parte deste último, o sujeito ativo será um receptador próprio,

ao passo que o terceiro será seu partícipe.248 Para tanto, bastará o conhecimento do

terceiro sobre a origem da mercadoria, sendo dispensável qualquer outra ação

(como o recebimento ou ocultação, por exemplo). Nesta mesma modalidade delitiva

ocorrerá um crime formal, sendo suficiente a simples influência do agente sob

terceiro, não sendo admita tentativa, e pouco importando o resultado posterior.249

Nesta mesma esteira, a omissão não irá configurar o crime de receptação, pois o

agente não poderá ser punido nos moldes deste delito por não relevar o paradeiro

do produto de origem ilícita. 250

Na formatação do texto legal da receptação dolosa imprópria não há a

anuência dos verbos “conduzir” e “transportar”, o que pode levantar dúvidas acerca

da tipicidade do fato com o enquadramento de tais condutas dentro da atitude do

sujeito ativo que influencia terceiro.251 Adentrando no viés jurisprudencial,

percebemos tal entendimento:

APELAÇÃO CRIME. RECEPTAÇÃO IMPRÓPRIA. 1. MÉRITO

CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. O dolo de receptação é de difícil

comprovação, justamente por se tratar de elemento subjetivo do tipo, de

difícil percepção. No entanto, se o agente, surpreendido na posse de

bem de procedência ilícita, alegar desconhecimento da origem espúria

daquele, instaura-se a dúvida, que só pode ser dirimida a partir do

exame criterioso de todas as circunstâncias que envolvem os fatos.

Contexto probatório do qual se extrai a certeza da materialidade, através

da prova documental acostada, bem como da autoria e ciência

248

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 359. 249

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 496. 250

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 359. 251

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496.

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82

inequívoca da origem ilícita do televisor apreendido. Réu confesso na

fase policial, que, em juízo, fez-se revel. Segundo seu relato, caminhava

em via pública, quando viu indivíduos que tripulavam um Chevette,

escondendo o aparelho enrolado numa toalha de mesa, apossando-se

do bem, na sequência. Quando tentava vendê-lo, foi surpreendido pela

polícia militar, e, empreendendo fuga, acabou sendo preso em flagrante.

Prova oral incriminatória. Relatos da vítima do crime antecedente, do

indivíduo a quem o acusado pretendia vender a res, bem como do

policial militar que o prendeu em flagrante, que corroboram a confissão

extrajudicial Dirige-se a prova produzida à plena configuração do delito

de receptação imprópria, tipificado no art. 180, caput, 2ª parte do CP. 2.

PENA DE MULTA. REDUÇÃO. Os critérios de fixação do quantitativo

pecuniário são os mesmos para o estabelecimento da pena-base. Art.

59 do CP. Tendo a corporal básica sido determinada no mínimo

legalmente previsto, cumpre a redução da multa para o seu piso legal -

10 dias-multa, mantida a razão unitária mínima. 3. SUSPENSÃO DO

PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. Réu assistido, no curso

do processo, pela Defensoria Pública. Possibilidade de suspensão

imediata do pagamento das custas processuais, porquanto presumível a

falta de recursos financeiros para arcar com tal ônus. APELO

PARCIALMENTE PROVIDO. MULTA REDUZIDA PARA 10 DIAS-

MULTA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO DAS

CUSTAS PROCESSUAIS. MANTIDAS AS DEMAIS DISPOSIÇÕES DA

SENTENÇA. (Apelação Crime Nº 70040418758, Oitava Câmara

Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton

Baisch, Julgado em 01/06/2011)

Neste compasso, pairam severas dificuldades com respeito à identificação de

dolo ou culpa no delito de receptação, fato que subsiste no condizente a sanção

penal por receptação imprópria, sendo somente admitida mediante extenuados

critérios.

7.3 – Receptação culposa

A receptação culposa (art. 180, § 3°) possui previsão legal de pena de

detenção de um mês a um ano ou multa, podendo haver cumulação nesta última

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hipótese. 252 Haverá a possibilidade de uma sanção penal em razão da simples

desatenção do agente em detrimento da origem ilícita de um produto. Assim, caso o

sujeito venha a comprar uma mercadoria onde às condições de preço e origem

indique que a coisa foi obtida via meio criminoso, poderá haver a sua incriminação

nos moldes da receptação culposa.253 Segundo MIRABETE, haverá a culpa no delito

de receptação caso o agente adquira ou receba determinado bem mesmo sob o

revestimento de dúvidas pessoais e indícios sobre a procedência e licitude do

material. Dentro desta sistemática, a própria lei indica três requisitos a serem

observados pelo sujeito como modo de evitar tal tipificação penal: A verificação

prévia da natureza do produto, a desproporção entre o valor da coisa em

comparação ao mercado, e por fim, o próprio preço pelo qual a coisa é ofertada ou

vendida.254 DAMÁSIO255 acrescenta ainda uma quarta condição a ser observado

pelo agente, que é a condição do oferecedor da mercadoria (presunção pessoal de

criminoso). Da mesma maneira, haverá a sanção penal mesmo que o autor da

receptação seja desconhecido ou isento de pena em detrimento de algum fato. 256

Outrossim, ensina NUCCI 257 que na receptação culposa pode ocorrer a hipótese de

perdão judicial, fato onde o juiz deixa de aplicar a sanção penal em face do agente.

Para tanto, há o entendimento jurisprudencial e doutrinário no sentido de avaliar o

valor da coisa objeto da receptação, os antecedentes do agente e a forma culposa

da conduta.

O objetivo desta norma penal é a proteção do patrimônio alheio contra a sua

violação, tal como ocorre na receptação dolosa.258 De qualquer forma, será sempre

exigida à prova da culpabilidade do sujeito para fins de imputabilidade por

receptação dolosa, de maneira que a presunção sobre a origem do produto (meio

criminoso) deverá ser cabal em demonstrar de modo inequívoco e indiscutível a total

252

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 507. 253

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 718. 254

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 364. 255

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 507. 256

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 507. 257

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 719. 258

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 163.

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condição de culpa do agente no que tange a uma antecedente suspeição acerca da

origem ou meio do produto, não cabendo alegações subjetivas sobre valores, preços

ou até mesmo relativizações, sob pena de grande injusto penal. 259

No concernente a receptação dolosa, a jurisprudência entende que:

APELAÇÃO CRIME. RECEPTAÇÃO DOLOSA. CONDENAÇÃO.

INSUFIÊNCIA PROBATÓRIA. FORMA CULPOSA. PRINCÍPIO DA

CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA.

ABSOLVIÇÃO. Em tendo sido denunciado o agente pela forma dolosa

da receptação - art. 180, caput, do CP -, enquanto a prova dos autos

fornece elementos apenas para a constatação da forma culposa de tal

delito - art. 180, §3º, do CP -, cujas elementares não restaram descritas

na denúncia, em sendo vedada a mutatio libelli nesse 2º grau de

jurisdição, bem como diante do Princípio da Correlação entre a denúncia

e a sentença, imperativa a absolvição do acusado. APELAÇÃO

PROVIDA. POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70050415439, Quinta

Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco

Conti, Julgado em 10/10/2012)

Assim, é possível colacionar a distinção entre das modalidades dolosas e

culposas do crime de receptação, sendo escassas as denúncias deste delito na

forma culposa, muito em virtude do seu baixo potencial lesivo e da dificuldade de

uma imputação nestes termos.

7.4 – Receptação na atividade comercial

O tipo especial da receptação praticada no exercício de uma atividade

comercial possui a previsão de uma pena de reclusão de três a oito anos, sendo

descrita na forma da norma penal do parágrafo 2º do artigo 180 do CP. 260 Esta

modalidade de delito foi acrescentada pela lei 9.426/96, modificando na época o

texto legal do § 1º do art. 180 do CP, introduzindo na conduta do agente os verbos

adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,

259

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 168. 260

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496.

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85

vender, expor à venda, ou de qualquer modo utilizar em proveito próprio ou alheio,

no curso de uma atividade industrial ou comercial, coisa que deve saber ser

proveniente. 261

Esta tipificação cuidou para todos os efeitos da equiparação entre a atividade

irregular ou clandestina (inclusive realizada na residência do agente) e a atividade

comercial ou industrial regularmente constituída, garantindo um tratamento

isonômico e prevenindo uma eventual injustiça no tocante ao direcionamento da

sanção penal a apenas uma das atividades. De todas as formas, tal norma visou

atacar com maior amplitude o mercado da receptação, na maioria das vezes

revestido pela informalidade, como no caso da imensa maioria de depósitos e

desmanches de veículos roubados ou furtados. 262

Segundo PARIZATTO, na receptação dentro da atividade comercial ou

equiparada, inexistirá a hipótese da tipificação do crime de receptação nestes

moldes na conduta do agente que influi terceiro de boa fé para que este adquira,

oculte o recebe o produto. 263

Ocorrendo uma pluralidade de condutas dentro da tipificação da receptação,

possuindo todas elas como objeto material a mesma res furtiva, o sujeito deverá

responder apenas por um único crime. Na anuência de uma série de condutas

referentes a objetos (coisas) diversas, há a existência de um crime continuado, ou

concurso material de crimes, dependendo das circunstâncias encontradas.264 Esta

norma penal exige a habitualidade e a continuidade na conduta delituosa para o

aumento de pena prevista, devendo tal prática estar relacionada a uma atividade

comercial ou industrial, isto, pois, tais atividades não se limitam a um único ato

isolado.265 Neste esteio:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.

RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. MATERIALIDADE E AUTORIA

DEMONSTRADAS. A demonstração acerca da prévia ciência da origem

261

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 362. 262

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 156. 263

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 156. 264

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 363. 265

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 362.

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ilícita do objeto, imprescindível à caracterização do delito de receptação,

pode ser obtida mediante a verificação de elementos circunstanciais que

revestem o fato e o comportamento do agente. Admite-se, portanto, a

prova indiciária sobre o conhecimento da origem criminosa da coisa. Os

elementos de convicção constantes dos autos demonstram que o

acusado, no exercício de atividade comercial, recebeu e ocultou, em

proveito próprio, um automóvel que sabia tratar-se de produto de crime.

Não prospera, pois, o pedido de absolvição com base no art. 386, VII, do

Código de Processo Penal. Conservadas as reprimendas nos

quantitativos dosados na sentença. APELAÇÃO DESPROVIDA.

(Apelação Crime Nº 70049168123, Sétima Câmara Criminal, Tribunal

de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em

13/09/2012)

O dispositivo legal deste tipo de receptação não descreve as causas do

aumento de pena ou a sua norma qualificadora, sendo ela uma norma tipicamente

autônoma. Do mesmo modo, o objeto material aqui admite uma forma ampla

(elástica) na execução, havendo um sério prejuízo a segurança jurídica e ao

princípio da reserva legal. 266

7.5 – Receptação qualificada

A Lei 9.426 de 24 de dezembro de 1996 criou a tipificação e o conceito da

receptação na sua forma qualificada.267 Hoje, o § 1º do artigo 180 do CP apresenta a

forma qualificada da receptação com a previsão de pena de reclusão de três a oito

anos para o sujeito que, em proveito próprio ou alheio e dentro de atividade

industrial ou comercial, receber, transportar, ocultar, conduzir, adquirir, desmontar,

ter em depósito, remontar, montar, expor à venda, vender, ou de qualquer modo

utilizar coisa que sabe ser produto de crime (consciência da origem ilícita).268Quando

este texto foi elaborado, o propósito era bem claro: Combater com mais rigor donos

de “desmanches” e “ferros-velhos”, pois grande parte dos crimes deste tipo ocorre

266

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496. 267

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 156. 268

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717.

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nestes locais que tradicionalmente recebem mercadorias furtadas ou roubadas.

Consequentemente, no § 2º há um regramento extensivo que equipara o comércio

clandestino ou irregular ao conceito de atividade comercial regular, visando

combater “desmanches” e “ferros-velhos” caseiros.269 De todos os modos, esta

norma encontra-se sujeita a ação penal pública incondicionada à representação.270

Sobre a receptação qualificada, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul não se dissocia:

APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. FLAGRANTE

PREPARADO. PRELIMINAR AFASTADA. SUFICIÊNCIA DE PROVAS.

CONDENAÇÃO MANTIDA. 1. Não houve induzimento para que os réus

mantivessem em depósito e desmanchassem o veículo produto de

roubo. Flagrante preparado que não se operou. Preliminar afastada. 2.

O contexto probatório dos autos revela o elemento normativo do tipo, na

medida em que o só fato de os acusados terem recebido o veículo na

revenda - sem perquirir dados acerca de sua propriedade/procedência -

já evidencia o dolo eventual necessário para a configuração do delito de

receptação qualificada. Credibilidade da palavra dos policiais no caso

concreto. 3. Prejudicado o pleito de redimensionamento da pena

deduzido por um dos apelantes, tendo em vista que a sua reprimenda já

restou fixada no mínimo legal. APELOS DEFENSIVOS DESPROVIDOS.

(Apelação Crime Nº 70042301424, Quinta Câmara Criminal, Tribunal

de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 01/08/2012)

Portanto, cristaliza-se neste viés uma série de decisórios unindo a figura da

receptação qualificada a atuação de quadrilhas dentro de desmanches e ferros-

velhos, o que reflete a intensa atuação do crime organizado dentro destes

estabelecimentos.

7.5.1 – Receptação qualificada – bens da união, estados e municípios

Outra modalidade qualificadora é a que diz respeito ao aumento de pena em

dobro (reclusão, de dois a oito anos e multa) para o sujeito que praticar a conduta

269

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717. 270

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 510.

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88

descrita no caput do art. 180 do CP envolvendo instalações e bens que sejam

patrimônio da União, Estados e Municípios, sociedades de economia mista ou

empresas concessionárias de serviço público.271 Esta modalidade encontra-se

positivada na forma do § 6º do referido artigo. 272 Nesta forma qualificada, há um

maior rigor em detrimento da própria natureza do bem ofendido, que é de interesse

público. Aqui, a receptação é qualificada pelo próprio objeto material. 273

Há uma punição consideravelmente mais severa para aquele que pratica o

delito de receptação em detrimento de bens móveis pertencentes a entidades

públicas, e tal rigor é percebido em razão de uma maior proteção contra violações

do bem comum, de interesse público e coletivo. 274 Deste modo, impieroso citar a

jurisprudência sobre o tema:

FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO E RECEPTAÇÃO DOLOSA.

PROVA DA AUTORIA DO FURTO. RECEPTAÇÃO DOLOSA. O dolo,

em delitos desta natureza, nem sempre transparece através da

confissão dos agentes, havendo de ser apurado pela análise do

comportamento dos acusados, que vai determinar a ciência que

possuem sobre a origem ilícita da res. Quem se empenha em vender

rapidamente o bem que lhe é entregue, inclusive dizendo ao comprador

que emitiria a nota fiscal, e constando no objeto a marca de

tombamento, referência de propriedade da Administração Pública,

revela ter ciência sobre a ilicitude de sua origem. QUALIFICADORA DO

§ 6º DO ART. 180 CP. A circunstância de ser o objeto da receptação

propriedade da Administração Pública Municipal não constitui causa de

majoração da pena, mas sim forma qualificada do tipo, causando o

aumento das penas mínima e máxima cominadas abstratamente no

caput do mesmo artigo. PENA DE MULTA. EXPUNÇÃO. Inviável

expungir-se a pena de multa porque, expressamente cominada em lei,

seu afastamento significa usurpação, pelo judiciário, das funções

legislativas, devendo quaisquer dificuldades, para honrá-la, ser dirimidas

em sede execucional. Apelo parcialmente provido. (Apelação Crime

271

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717. 272

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 510. 273

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 362. 274

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 180.

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Nº 70012342887, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do

RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em

21/12/2006)

Deste modo, visualiza-se que o artigo 180, § 6º do Código Penal possui a

natureza de norma qualificadora, e não como um mero aumento de pena,

determinação legal atrelada a uma maior gravidade da conduta do agente frente à

lesão de bens públicos.

7.5.2 – Receptação da receptação

Há o entendimento jurisprudencial em admitir a receptação de outra

receptação, como no exemplo do sujeito que adquire um carro roubado e transporta

o mesmo até um desmanche, onde surge a figura de um segundo agente que

recebe o veículo e passa a ocultá-lo ou a mantê-lo em depósito, dentro da sua

atividade comercial. Contudo, é indispensável que o objeto permaneça no meio

criminoso, pois de o adquirente receber o veículo de boa-fé ofertado por um

receptador antecedente, não haverá lugar para uma nova tipificação penal. 275

275

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 181.

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CAPITULO II

O FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS

1. O furto de veículo automotor

1.1 – Aspectos doutrinários

Este tipo de furto surgiu através da lei nº. 9.426, de 24 de Dezembro de 1996,

acrescentando o § 5º ao art. 155 do CP, com a previsão legal de uma pena de

reclusão de três a oito anos no caso da subtração de veículo automotor transportado

para outro estado ou para o exterior.276 Esta norma qualificadora foi o resultado da

imensa pressão exercida principalmente por seguradoras de automóveis, pois as

mesmas estavam sofrendo sérios prejuízos com os constantes furtos de veículos

destinados a outros estados da federação ou para outros países. A frase “venha a

ser transportado” torna este delito material. 277 Igualmente, a criação desta norma

penal se deu em detrimento do crescimento exponencial deste tipo de prática,

sobretudo pela grande dificuldade econômica na recuperação da res furtiva.

Importante ressaltar que esta norma qualificadora terá lugar ainda na hipótese do

transporte do veículo ser feito por terceira pessoa, alheia ao próprio furto. 278

A tipificação do furto de veículo automotor não visa o aumento tão e simples

da pena, mas sim de uma forma típica qualifica, de certa forma parecida com as

demais situações expostas no § 4º do artigo 155 do CP, aplicando inclusive a sua

penalidade (máximas e mínimas). 279

Quando se faz referencia a um veículo automotor, estamos falando

genericamente de aeronaves, automóveis, jet-skis, lanchas, motocicletas,

caminhões e etc. A finalidade material do delito é tão somente o transporte do bem

roubado para outro estado ou para o exterior, sendo que a remessa das peças dos

276

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 330. 277

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 659. 278

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 236. 279

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 330.

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veículos de maneira separada flagrantemente não qualifica o delito, ainda que o

projeto original desta lei conferisse um agravamento de pena para a receptação dos

componentes desde bens, na forma do que preconizava o artigo 180, §1°, I “d” do

CP.280 Na subtração de veículos automotores é irrelevante se o bem furtado é de

propriedade de pessoa física ou jurídica. Igualmente independe se o veículo em tese

está a serviço ou não. 281

Finalmente, na década de noventa, medidas foram tomadas para frear o furto

de veículos. Uma delas foi o Decreto n° 2.132 de 20 de janeiro de 1997,

promulgando um acordo entre o Brasil e o Paraguai para a restituição de veículos

automotores furtados ou roubados e conduzidos entre estes dois países. 282

1.1.2 – Divergências doutrinárias sobre a qualificadora do transporte do

veículo para outro estado ou exterior

Há uma corrente doutrinária minoritária que defende a qualificação deste tipo

penal baseada na materialidade do objeto, onde haverá a identificação da norma

qualificadora independentemente da entrada ou não dos veículos em solo

interestadual ou internacional, bastando tão somente à condução a estes destinos.

Desta feita, um agente que furta um veículo e é preso quando pretendia ingressar na

Argentina, ficará sujeito a esta tipificação penal.

Entretanto, a corrente majoritária entende que a circunstância qualificadora

deve estar atrelada a transposição do bem a outro estado ou país. Na ótica deste

posicionamento, não pode o autor ter a sua pena agravada mesmo que detido na

fronteira entre dois países, em que pese à existência de uma translúcida intenção

neste viés. Acompanhando este raciocínio, NUCCI283 defende que somente ocorrerá

a efetivação da qualificadora no momento em que duas hipóteses venham a ocorrer:

O dolo específico do sujeito (o seu desígnio mental), e a consolidação do seu

objetivo (o carro ultrapassando efetivamente a fronteira). Isto decorre de uma maior

lesão jurídica percebida no momento em que um veículo furtado ultrapassa uma

280

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 330. 281

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 87. 282

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 236. 283

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 660.

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fronteira territorial, pois as possibilidades de recuperação são bem mais remotas,

assim como o custo operacional policial termina sendo bem mais elevado.284

Segundo PARIZATTO285, a reprimenda em face do sujeito que transporta um

veículo furtado por vários estados ou países, ocorrerá apenas uma única vez, de

modo que, caso o criminoso furte um veículo em Porto Alegre, ingressando com o

mesmo no Uruguai, na Argentina e no Paraguai, haverá tão somente o acréscimo de

uma qualificadora, independentemente no número de fronteiras ultrapassadas.

Sob a égide doutrinária de DAMÁSIO286, por orientação expressa do

Ministério da Justiça, haverá norma qualificadora sempre que o objeto material tiver

transposto os limites estaduais, internacionais ou territoriais, ao passo que, tal

qualificadora, em verdade, possui natureza objetiva, não podendo ser confundida a

finalidade do agente com a consumação do crime, inexistido uma condição entre a

consequência e o ato pretenso.

A subtração de veículo automotor para outro estado ou exterior configura a

reprimenda de maior gravidade dentro da tipificação do art. 155 do CP, isto devido à

tutela dos bens envolvidos. Igualmente, o meio utilizado para o transporte é

inoperante dentro da imputação penal, podendo o transporte do veículo furtado ser

feito por meio terrestre, aéreo, ferroviário, fluvial ou marítimo.287 Na hipótese do

agente transportar as peças do veículo para o exterior ou outro estado perduram

duas situações singulares: Caso o criminoso seja flagrado ingressando nestes

territórios com o carro inteiro e desmanchado, haverá a incidência da presente

qualificadora, pois a tipificação não exige o perfeito estado ou funcionamento do

veículo para tanto, mas tão somente a sua identificação. Contudo, o mesmo não

ocorrerá na hipótese do agente ser preso com algumas peças separadas do

automóvel furtado, pois não há a consolidação de uma unidade.288

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul possui

posicionamentos interessantes neste sentido:

284

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 660. 285

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 89. 286

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 331. 287

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 87. 288

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 90.

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FURTO QUALIFICADO. TRANSPORTE DE MOTOCICLETA PARA

OUTRA ENTIDADE FEDERATIVA. ART. 155, §º 5º DO CÓDIGO

PENAL. FURTO DE USO. PROVA. INVIABILIDADE DE

ACOLHIMENTO. PENA. CONFISSÃO. ATENUANTE NÃO-

RECONHECIDA. PROVA. Indiscutível a prática do furto da motocicleta

pelo réu, sua condenação é de rigor. QUALIFICADORA. TRANSPORTE

PARA OUTRA ENTIDADE FEDERATIVA. A interpretação teleológica da

figura pena em apreço indica sua aplicação em razão da maior

dificuldade para recuperação do veículo para outra unidade da

federação, o que não se manifesta quando, ocorrido o furto nas

proximidades das divisas entre os Estados sulistas, o bem não foi

levado para muito distante, passando para o Estado vizinho, mas

também em cidade fronteiriça. Interpretação que permite, ainda,

encontrar-se resposta penal mais condizente com a expressão do

acontecido. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CARCERÁRIA. Exclusão, no

caso, da medida substitutiva de prestação pecuniária, com aplicação,

em seu lugar, de multa, cujos valores mais se ajustam às condições

econômicas do agente. Apelo parcialmente provido para excluir

qualificadora, com redução da pena privativa de liberdade e alteração de

medida substitutiva da pena carcerária. (Apelação Crime Nº

70021835871, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 20/03/2008)

Ainda, na mesma seara, segue decisão abaixo:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO

QUALIFICADO PELO TRANSPORTE DE VEÍCULO AUTOMOTOR

PARA OUTRO ESTADO. CRIME DE FURTO. CONDENAÇÃO

MANTIDA. A materialidade e a autoria estão devidamente comprovadas

nos autos. A autoria, embora negada pelo réu, foi demonstrada pelas

declarações da vítima, ouvida por precatória, que confirmou ter

emprestado o veículo para o réu, que simplesmente desapareceu,

sendo localizado em outro estado, preso por policiais que constataram

que o carro tinha ocorrência de furto em outro estado. PENA.

DOSIMETRIA. MANUTENÇÃO. Bem dosada e proporcional a sentença,

fixando a pena-base do réu seis meses acima do mínimo legal ante a

presença de vetor negativo do artigo 59 do Código Penal. Pena

definitiva assim estabelecida, por não haver qualquer outra moduladora.

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CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO.

ABSOLVIÇÃO. Para a condenação no delito do art.297 do CP não ficou

comprovado que foi o réu quem falsificou o documento, o que resulta na

sua absolvição, com base no art.386, VII, do CPP. ISENÇÃO DE PENA

PECUNIÁRIA. DESCABIMENTO NESTA SEDE. Eventual isenção de

pagamento da multa, por tratar-se de pena, cominada cumulativamente

com a reclusiva no tipo penal, não é de ser postulado nesta sede, mas

em execução penal. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação

Crime Nº 70038943163, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça

do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 17/11/2010)

Deste modo, tais jurisprudências permitem compreender que a forma

qualificada do transporte de um veículo furtado para outro estado ou país encontra-

se associada a uma política criminal preocupada com uma maior dificuldade de

localização ou de recuperação da res furtiva, e não pelo simples transbordo

fronteiriço do veículo, como no caso de um furto ocorrido dentro de uma região de

fronteira, mostrando a influência circunstancial para a aplicação deste regramento.

1.1.3 – Elemento subjetivo

O elemento subjetivo deste tipo é o ânimo do apossamento definitivo (para si

ou para outrem) dentro da figura do furto de veículos.289 Ainda, perdura o

entendimento de que para a configuração deste tipo penal deve o autor do delito

(inclusive coautor e partícipe) ter conhecimento de que o veículo está a caminho de

outro estado ou do exterior. 290

1.1.4 – Concurso de pessoas

No contexto desta norma, todos os agentes envolvidos e que tiverem

conhecimento do delito (autor, partícipe e coautor) serão responsabilizados dentro

dos limites desta qualificadora. De outro lado, aquele que instiga, auxilia ou intervém

no ato no momento posterior a consumação do crime, seja através de apoio material

289

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 654. 290

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 332.

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ou psicológico, responderá pelo crime de receptação, na forma do caput do artigo

180 do CP.291

1.1.5 – Concurso do novo tipo (§ 5º) com a tradicional forma do furto

qualificado (§ 4º)

Há uma maior severidade no que tange a previsão das penas da norma

incriminadora contida no § 5º do artigo 155 do CP em detrimento das tradicionais

qualificadoras do § 4°, pois, enquanto esta última possui pena mínima em abstrato

de dois anos de reclusão, àquela possui pena mínima de três anos, o que em tese,

pode parecer uma quebra de isonomia em um primeiro momento. 292

Na realidade, se o sujeito praticar um furto utilizando-se de todos os artifícios

possíveis nos moldes das descrições do § 4º e incisos, tais como escalada,

rompimento de obstáculo, uso de chave falsa, destreza, entre outras coisas, quedará

meramente sujeito a pena mínima de dois anos, ao passo que, se esse mesmo

sujeito resolver inicialmente furtar um automóvel ligado e aberto (furto simples), e

posteriormente vier a transportá-lo para outro estado, estará à mercê de uma pena

mais rigorosa, com o acréscimo de um ano na pena mínima. 293

Obviamente que o delito descrito com todas as qualificadoras do §4º possui

maior gravidade, mas esta diferenciação da pena mostra uma maior preocupação

com o objeto material em si, assim com em relação às circunstâncias. 294

No caso do furto de veículo para outro estado ou país, haverá a

preponderância da qualificadora mais grave. Desta maneira, caso o agente pratique

furto durante o repouso noturno, ou rompa obstáculo e posteriormente leve o

automóvel para outro estado, haverá a imposição da norma do § 5º do artigo 155 do

CP. 295

291

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 332. 292

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 293

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 294

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 295

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 660.

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1.1.6 – Contrato exclusivo de transporte

Quando um sujeito, sabedor de que se trata de um veículo furtado, é

contratado para efetuar o seu transporte para o exterior, responderá por crime de

receptação, na forma do caput do artigo 180 do CP. 296

1.1.7 – Furto de veículo durante repouso noturno

A norma disciplinada pelo § 5º do artigo 155 exclui a qualificadora do furto

ocorrido durante período noturno. 297 Os requisitos do furto noturno estão na pág. 28.

1.1.8 – Pena pecuniária

O crime de furto de veículo tipificado no § 5º do artigo 155 não possui

qualquer previsão legal para a aplicação de pena pecuniária de multa, contrariando

as demais redações da Lei 9.426/96, que prevêem expressamente a aplicação de

multa (como exemplo, o artigo 180). 298 Isto decorre de uma omissão do legislativo.

1.1.9 – A irretroatividade da lei penal

A modificação instituída pelo § 5º da Lei 9.426/96 possui previsão legal de

pena mais gravosa em detrimento da pena prevista na redação anterior, razão pela

qual, esta norma será irretroativa, não afetando os furtos de veículos ocorridos antes

da vigência desta lei. 299

1.1.9.1 – Aplicação do privilégio no furto qualificado

Ao contrário do que ocorre no crime de homicídio (art. 121 do CP), o delito de

furto não admite, segundo entendimento doutrinário majoritário, a aplicação do

296

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 297

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 298

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 299

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333.

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privilégio (§ 2° do art. 155) nos casos de furto qualificado (§ 4°). Para NUCCI300, tal

posicionamento não deve prosperar, pois não é possível que haja tal quebra de

isonomia dentro do direito penal, havendo um cerceamento legal neste sentido.

2. O roubo de veículo automotor

2.1 – Aspectos doutrinários

Do mesmo modo que a Lei nº. 9.426/96 acrescentou esta mudança

significativa no delito de furto, o mesmo ocorreu em relação ao crime de roubo.

Basicamente, o tipo penal expresso na forma do artigo 157, § 2º, IV do CP possui os

mesmos princípios desta modalidade de furto preconizada no §5º do artigo 155 do

CP. 301 Nesta hipótese, o objeto material será o veículo automotor, movido mediante

mecanismos como o motor de explosão, utilizado para o transporte de pessoas ou

cargas. É o caso dos automóveis, caminhões, ônibus, motocicletas e demais

utilitários. 302

Tal reprimenda foi criada com a função de brecar a criminalidade resultante

do roubo de veículos no Brasil, sobretudo no que diz respeito ao transporte do objeto

roubado para outro estado ou país, de modo que este deslocamento é essencial

para a efetivação desta agravante.303De acordo com esta tipificação penal, caso o

sujeito remeta algumas peças roubadas de um automóvel para outro estado ou país,

não haverá a anuência desta qualificadora. Sem embargo, a mesma sorte não será

percebida na situação onde o agente desmancha o veículo e efetiva o transporte do

mesmo, pois a tipificação expressa no § 4º do art. 157 não exige o veículo inteiro ou

em perfeito estado para tanto. 304

Esta modalidade exige o resultado naturalístico, caracterizando-se assim,

como um delito material. Para o aumento de pena, é necessário que haja o efetivo

300

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 663. 301

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 347. 302

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 245. 303

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 131. 304

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 131.

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ingresso do veículo roubado no exterior ou em outro estado da federação, não

bastando à mera tentativa. Assim, caso o indivíduo venha a ser interceptado pela

autoridade policial enquanto conduzia um veículo roubado para o exterior, este será

indiciado apenas por tentativa de roubo (ou receptação, de acordo com as

circunstâncias), sem a presença do aumento previsto pelo inciso IV do § 2º, ainda

que a sua intenção fosse diversa.305 A seara jurisprudencial é clara neste compasso:

ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES. RECURSOS

DEFENSIVO E MINISTERIAL. RÉU CONFESSO. CONDENAÇÃO

MANTIDA. RECONHECIMENTO DAS MAJORANTES DO EMPREGO

DE ARMA E DO TRANSPORTE DE VEÍCULO PARA OUTRO ESTADO

DA FEDERAÇÃO. AUMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.

DETERMINAÇÃO DE COMUNICAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. ISENÇÃO DA MULTA.

DESCABIMENTO. Recurso defensivo desprovido. Recurso ministerial

parcialmente provido. (Apelação Crime Nº 70014868889, Sexta Câmara

Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques

Tovo, Julgado em 16/08/2007)

Ainda havendo a clara previsão legal do aumento de pena do veículo roubado

transportado para o exterior ou outro estado da federação, há o entendimento

majoritário da doutrina de que o Distrito Federal não pode ser considerado para

tanto, pois a sua natureza jurídica é complexa, não podendo ser considerado como

estado nesta hipótese. 306

2.2– Consumação e tentativa

No que tange ao roubo de veículo, não configura roubo tentado a hipótese

onde o criminoso mantém a vítima sob o seu poder mesmo esta já estando

dominada, pois a conduta da coação aliada à posse (mesmo que não seja de ânimo

305

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 668. 306

MORAES, Sérgio Henrique de Araújo. DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. Clubjus, Brasília-DF: 24 maio 2010. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=18917.30965>. Acesso em: 13 out. 2012.

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definitivo, como no caso onde o sujeito rende a vítima para praticar um novo assalto)

já cria a perfeita tipificação do delito de roubo. 307

Ocorrendo um roubo de veículo automotor e sendo o agente perseguido e

preso pela autoridade policial, estaremos diante de um roubo consumado, e não

tentado, pois houve a retirada do objeto da esfera de disponibilidade da vítima no

momento dos fatos. 308

Igualmente há o entendimento da efetivação de roubo consumado caso o

veículo subtraído pelo agente mediante violência ou coação venha a parar devido a

um dispositivo de segurança, inexistindo a necessidade da retirada do bem da

esfera de vigilância da vítima para a perfeita consolidação desta circunstância. A

própria prisão em flagrante do agente ocorrida casualmente após a subtração já

caracteriza a consumação do delito, o que mostra que a perseguição é irrelevante

para tanto. 309

2.3 – O sequestro-relâmpago no roubo de veículos e a restrição da liberdade

da vítima dentro do art. 157 do CP.

Perdura atualmente a previsão do aumento de pena na forma do artigo 157, §

2°, V do CP para o agente que mantém a vítima sob o seu controle ou poder dentro

do crime de roubo. Nos moldes da alteração da Lei 9.426/96, pairavam dúvidas

acerca da objetiva intenção do legislador em combater a ação delitiva do sujeito que

dentro da sua finalidade, extrapolava os limites do seu desígnio principal,

submetendo a vítima além do necessário.

A modalidade de crime mais combatida e visada dentro do propósito de

criação deste inciso é popularmente conhecida como “sequestro-relâmpago”, ação

muito utilizada no roubo de carros no Brasil, e que até a criação da Lei 11.923/09,

causava um grande furor dentro das mais variadas discussões doutrinárias e

jurisprudenciais em razão do então ineficaz diploma vigente à época. Neste viés, a

jurisprudência é extensa:

307

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 108. 308

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 109. 309

PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 109.

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APELAÇÃO CRIME. ROUBO TRIPLAMENTE MAJORADO E

EXTORSÃO - SEQUESTRO RELÂMPAGO. 1. AUTORIA. Confissão

parcial dos réus, sendo um deles preso em flagrante, confirmando as

vítimas e testemunhas a autoria dos fatos, torna inquestionável a

condenação. 2. RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DAS VÍTIMAS.

AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. Sendo levadas

desnecessariamente as vítimas pelos assaltantes no automóvel e

ficando em poder deles por certo tempo mediante ameaça de morte por

armas de fogo, resta evidente a privação da liberdade. 3. CRIME

ÚNICO. INVIABILIDADE. Se depois de subtraídos os bens as vítimas

foram levadas até um caixa eletrônico, sendo uma delas obrigada a

descer e sacar todo o dinheiro possível, permanecendo as outras no

automóvel acompanhadas por um dos assaltantes, armado, e mediante

ameaças de morte, caracterizado também o delito de extorsão

qualificada. 4. CONCURSO MATERIAL. Em se tratando de delitos de

espécies diferentes, inviável o reconhecimento de concurso formal. 5.

PENA DE MULTA. ISENÇÃO. INVIABILIDADE. A pena de multa,

cumulativamente cominada ao delito, não pode deixar de ser aplicada

pelo juiz da sentença, em face do princípio da legalidade, ainda que o

réu seja pobre, mesmo porque pobreza não é causa de imunidade

penal. 6. CUSTAS PROCESSUAIS. Cabível a suspensão da

exigibilidade também ao outro réu, nos termos do art. 12 da Lei nº

1060/50, diante da afirmação de pobreza e ausência de elementos em

sentido contrário. RECURSO DE UM DOS RÉUS PARCIALMENTE

PROVIDO E DO OUTRO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº

70040594723, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 16/03/2011)

Portanto, fica igualmente explícita a complexidade do crime de sequestro

relâmpago, onde um único tipo penal engloba uma série de delitos em concorrência

material, a exemplo do que ocorre em outras formas de roubo.

3. Os crimes patrimoniais como um fenômeno social

Antes de adentrarmos aos aspectos técnicos que envolvem os delitos

patrimoniais do roubo, do furto e da receptação de veículos, urge ressaltar as

causas do fenômeno social da criminalidade, tema tratado de modo insipiente por

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alguns autores como um simples problema de segurança pública, mas que na

imensa maioria dos casos decorre do aterrador quadro social que vivemos, onde é

questionada a própria atuação do direito penal.

3.1 – A eficácia do Direito Penal

O Direito Penal é por vezes tratado como o “braço armado da Constituição

Federal”,310 cuja natureza encontra-se associada ao “último grau” de intervenção

estatal, justamente onde todas as demais medidas jurídicas se mostram inócuas ou

insuficientes. Dentro desta análise, o atual contexto legal remete a responsabilização

do Direito Penal por respostas enérgicas na resolução de conflitos ou ofensas que

versem sobre bens jurídicos considerados fundamentais, como a própria vida, ou o

patrimônio.

A gerência do controle social é um dever da norma penal, assim como a

manutenção da paz e da ordem jurídica. O problema ocorre quando esta medida é

mal empregada, pois perdura uma concepção coletiva que imputa ao direito penal a

responsabilidade pela ampla proteção dos direitos patrimoniais, ainda que por vezes

existam alternativas mais adequadas e sensatas, principalmente em delitos de

menor potencial ofensivo, como é o caso das transações penais da lei 9.099/95.

Neste campo, ao invés da restrição do uso da norma penal na resolução de

conflitos tal como ocorre nos moldes do consagrado princípio da intervenção mínima

311, há o seu uso indiscriminado, expandindo os preceitos da punição e da justiça

penal na tutela dos mais variados direitos, aumentando desta forma, o número de

processos e de prisões desnecessárias.

Outro problema é a existência de corrupção do mais diferentes níveis político-

estatais, o que fere e limita a atuação da norma penal, permitindo o fortalecimento

de uma sociedade excludente e violenta, onde noções de cidadania, liberdade e

emancipação ficam em segundo plano, e o poder econômico, em primeiro.

310

QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do Direito Penal. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002. p. 57. 311

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª Ed., Rio de Janeiro: Revan, 1999, p.85.

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Na visão de BARATTA, 312 o Direito Penal na atualidade busca a proteção e a

tutela das classes dominantes, ocultando e imunizando transgressões criminosas

praticadas por entes destes meios, ao passo que similar tratamento não é percebido

nas classes menos favorecidas, pois contra estas há a imposição de uma severa

sanção penal que estimula a criminalização social, incentivando esta “quebra” de

isonomia.

Deste modo, em um Estado Democrático de Direito regido pelo preceito

fundamental da dignidade da pessoa humana, a norma penal não poderá ser

utilizada como um meio de exclusão social, com punições em razão de ofensas a

bens jurídicos irrelevantes, como é o caso da maioria dos delitos contra o

patrimônio. Sendo assim, o uso imaturo da sanção penal culminará no desprezo

pelo interesse individual e coletivo, com a punição de classes menos favorecidas em

detrimento da anuência de crimes graves sem qualquer perspectiva de punibilidade,

como é o caso de grande parte dos crimes contra a ordem econômica e tributária 313.

Por fim, no exame dos delitos patrimoniais pluriofensivos314, cuja principal

característica é a existência de múltiplas ofensas jurídicas, deve sempre o direito

penal intervir de modo pleno e concreto, pois nesta modalidade delituosa há graves

violações à liberdade individual e à integridade física da vítima, ao contrário do que

ocorre, por exemplo, nos tipos penais do furto e da apropriação indébita, onde a

norma penal torna indisponível e incondicionado um direito eminentemente individual

e subjetivo. 315

3.2 – Um panorama sobre a criminalidade

Dentro da área de atuação do direito penal, surgem questões pontuais como

a criminalidade e suas origens, temas fundamentais para a compreensão da

formação do crime organizado. Assim, no condizente a esta última modalidade

delituosa, os crimes patrimoniais assumem uma condição claramente “protagonista”,

pois vivemos em um meio social onde o patrimônio possui mais valor que a vida, o

312

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 2

a. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 165.

313 ROXIN, Claus. Iniciación al Derecho Penal de Hoy. Sevilla: Ed. Universidad de Sevilla, 1981, p.

82. 314

Nesta modalidade encontram-se os delitos do art. 157, 158, 159 e 160 do Código Penal. 315

SUCASAS, Willey Lopes. Crimes contra o patrimônio – uma proposta de política criminal. Boletim Ibccrim. São Paulo, 2003. n.125, p.6.

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que mostra uma excedente visão capitalista que leva a esta absurda inversão

valorativa.

Não obstante, a sistemática disciplinada pelo Direito Penal induz e fomenta a

impunidade e a incapacidade para o tratamento dos problemas criminais, pois há o

direcionamento da política criminal de modo meramente fático, desatento às origens

e causas da criminalidade.

Neste sentido, a humanidade assiste ao crescimento da criminalidade de

modo atônito e passivo, onde o crime assume a sofisticação inerente ao próprio

crescimento exponencial da tecnologia, onde a liberdade social é tratada como

utopia, sucumbindo aos interesses econômicos que abastecem o próprio mercado

criminoso e desestimulam qualquer forma de justiça real. 316

ZAFFARONI317 explica as principais causas do aumento da criminalidade na

América Latina, citando características do ele intitula como “o novo poder

planetário”:

“La principal consecuencia social de este fenómeno de poder es la

generación de un amplio y creciente sector excluido. La relación

explotador-explotado ha sido reemplazada por una no relación

incluido-excluido. La bibliografía especializada habla con frecuencia

de la brazileñización como generalización de un modelo con un 20%

de incluidos y un 80% de excluidos (sociedad 20 por 80), que da

lugar a una sociedad con aislados ghetos de ricos en un mar de

pobreza. En semejante modelo prácticamente no hay espacio para

las clases medias. El excluido no es el explotado: el último es

necesario al sistema; el primero está demás, su existencia misma es

innecesaria y molesta, es un descartable social”.

Na mesma obra, ZAFFARONI 318 cria um contexto para explicar a extensão

da criminalidade e o seu intrínseco vínculo social existente:

316

LEÃO, Maria do Carmo. A modernização da criminalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 45, 1set. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/937>. Acesso em: 15 out. 2012. 317

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La globalización y las actuales orientaciones de la política criminal in: Pierangelli, José Enrique (coord.). Direito Criminal, Belo Horizonte: Del Rey, 2000. v.3, p. 15. 318

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La globalización y las actuales orientaciones de la política criminal in: Pierangelli, José Enrique (coord.). Direito Criminal, Belo Horizonte: Del Rey, 2000. v.3, p. 18 – 20.

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104

“Una brevísima consideración criminológica será útil para apreciar la

magnitud y causas del desconcierto de los discursos del sistema

penal actual. (…) Un sencillo ejemplo tan cotidiano y banal que ni

siquiera merecería la mejor consideración periodística, demuestra la

complejidad casi infinita del problema: en cualquier ciudad

latinoamericana, un adolescente amenaza a otro con un arma de

fuego para robarle su calzado deportivo. Basta este echo

insignificante para la comunicación y para el propio sistema penal,

para plantear la inviabilidad falsaria de cualquier simplismo: 1º) El

objeto del robo fue fabricado en Asia por niños esclavizados. 2º) El

motivo del robo no es la necesidad del supervivencia, sino que su

objeto es elevado a símbolo de status entre los adolescentes

conforme a una propaganda mundial. 3º) La producción esclavizada

asiática reemplaza el trabajo del padre o la madre del asaltante,

despedido en el país por la misma empresa o una subsidiaria para

reducir costos productivos. 4º) El padre del asaltado, como persona

de clase media, puede comprar ese calzado a su hijo, porque obtiene

mayores réditos de sus modestos ahorros invertidos. 5º) Se alegrará

cuando esos reducidos ahorros le permitan mejores rentas 6º) Esas

rentas aumentarán porque el capital acumulado de todos los

ahorristas se invertirá en emprendimientos de mayor rendimiento. 7º)

Estos emprendimientos aumentan el rendimiento mediante

reducciones del empleos y en lugares donde haya menores

impuestos. 8º) Cuando mayor se la pequeña renta del padre de la

víctima, menores serán las oportunidades de trabajo futuro de la

propia victima del robo y mayores las chances de que el ahorrista de

clase media tenga nietos que sean hijos de desocupados. 9°) Los

menores impuestos reducirán la inversión social y sus nietos tendrán

aún menos oportunidades de salud y educación que el propio

asaltante. 10º) No es raro que el padre de la víctima reclame pena de

muerte, menores garantías y medidas directas policiales (homicidios)

y que vote a políticos que propugnen tales recursos. 11º) Esos

políticos terminarán desviando la magra inversión social hacia el

sistema penal o hacia sus clientelismo (corrupción) y reduciendo aún

más las chances de los nietos de ahorrista. 12º) Las policías más

arbitrarias serán más corruptas y permitirán mayor contrabando y

mercado negro de armas (mayor violencia). 13º) La mayor corrupción

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del sistema penal determinará que sus propias agencias ejecutivas

se conviertan en engranajes de la organización criminal o en

administradoras de sus zonas de operatividad. 14º) Esto aumentará

las chances de victimización por secuestro del propio ahorrista y la

consiguiente pérdida de su capital. (…) Esta complejidad en el

ámbito de la ciencia social tiene una inmediata consecuencia en el

pensamiento jurídico penal: se hace extremamente difícil referenciar

el derecho penal con objetivos de política criminal, sin tener en

cuenta esta abrumadora complejidad, por lo cual no es extraño que

se opte dejar de lado”

3.3 – Breve análise social dos crimes patrimoniais em geral

Os crimes patrimoniais no Brasil possuem grande relevância, pois afetam os

mais diferentes níveis da sociedade. As discussões sobre este tipo de crime são

extremamente variadas, e nesta esfera, a mídia provoca um imenso impacto, pois

frequentemente divulga informações sobre os delitos patrimoniais, sobretudo sobre

os mais graves, como a extorsão mediante sequestro e o latrocínio, cujos efeitos se

propagam de maneira indiscriminada, gerando os mais diferentes tipos de medo

generalizado e de repúdio. 319

Todavia, ao revés do noticiado na mídia, a grande maioria dos crimes

patrimoniais punidos com penas de reclusão não são tão graves, como é o caso de

pequenos receptadores, estelionatários e ladrões, geralmente praticantes de

pequenos furtos habituais. Neste sentido, quase sempre o valor dos objetos visados

é irrisório, não excedendo a um salário-mínimo. Este temeroso quadro reflete a

péssima condição socioeconômica brasileira, onde a pobreza atinge a imensa

maioria da população. 320

No que tange as estatísticas, a importância dos crimes patrimoniais dentro do

estudo da criminalidade no Brasil é gigantesca. No ano de 2011321 existiam 513.802

presos em todo o país, sendo que deste total, 69% (326.346 presos, ambos os

sexos) respondiam por crimes descritos no Código Penal, e o restante, 31%, por

319

SUCASAS, Willey Lopes. Crimes contra o patrimônio – uma proposta de política criminal. Boletim Ibccrim. São Paulo, 2003. n.125, p.6. 320

FARIA, José Eduardo. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo, Malheiros:2002, p.23. 321

Extraído do site http://www.portal.mj.gov.br/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRNN.htm

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delitos previstos em leis específicas (como o tráfico de drogas, por exemplo). Do

montante de presos tipificados na forma do Código Penal, 70,5% (233.926 presos)

respondiam por crimes patrimoniais, como o roubo, furto e a receptação.

Assim, o absurdo número de processos envolvendo delitos materiais em

detrimento de outros crimes acarreta na demonstração de que o direito penal

brasileiro é desigual e classista, pois este tipo de crime é quase sempre praticado

por pessoas de classes sociais mais baixas. 322

A realidade dos crimes patrimoniais no Brasil é compartilhada por respeitáveis

doutrinadores como BITENCOURT323, segundo o qual, vige no Brasil uma política

criminal capitalista onde os crimes patrimoniais possuem maior importância do que

os crimes contra a vida, e isto se torna visível na preocupação do atual sistema

penal.

Outrossim, é notável que a evolução da sociedade trouxe uma série de

benefícios e inovações ao mundo, onde os criminosos aproveitaram o embalo desta

tendência na criação de um número infindável de crimes contra o patrimônio,

utilizando tecnologia bancária de ponta e a própria internet. Porém, o cerne dos

crimes contra o patrimônio continua sendo pura e simples “obtenção de vantagem

indevida apreciada economicamente com prejuízo para a vítima” 324, ainda que a

legislação penal não consiga acompanhar o vertiginoso crescimento destes crimes.

3.4 – Breve análise social do furto, roubo e receptação de veículos

A título do que ocorre genericamente nos crimes contra o patrimônio, são

estendidas ao roubo, ao furto e receptação de veículos as mesmas características

sociais criminais, onde o aumento exponencial destes delitos se deve a fatores como

a grande desigualdade social do país e o crescimento desordenado das metrópoles,

havendo um estreito enlace entre estes fatores e suas consequências. 325

322

GOMES, Luiz Flávio; BUNDUKY, Mariana Cury. Crimes contra o patrimônio são os principais responsáveis por prisões no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3143, 8fev. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/21037>. Acesso em: 14 out. 2012. 323

BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre o furto, roubo e receptação, segundo a IF-9426 de 1996. Boletim Ibccrim., São Paulo, 1997. n.53, p. 12. 324

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 16 out. 2012. 325

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012.

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Partido da premissa de que estes resultados se constituem a partir dos

modelos anteriormente citados, este evidente nexo causal culmina na criação de um

ambiente propício ao crime organizado, que dentro deste panorama utiliza táticas

empresariais na gestão dos seus negócios ilícitos, o que culmina em uma grande

profissionalização criminosa. 326

Estando o roubo e o furto de veículos entre os principais componentes da

criminalidade em massa que assola o Brasil, estes delitos movimentam uma série de

crimes conexos e por vezes somatórios, eliminando uma idéia inicial de crime

isolado ou até mesmo pontual. 327

Ainda que a raiz do problema que envolve a criminalidade patrimonial seja

social e política, o âmbito penal não pode ter uma visão parcial do direito, devendo

igualmente tutelar pelo interesse da sociedade, onde próprio Supremo Tribunal

Federal328 posiciona-se no sentido de que a lei deve ser interpretada não somente

com relação aos interesses do réu, como também em razão dos interesses da

sociedade, lastreados pelos desejos de paz, tranquilidade e segurança social.

Deste modo, toda pessoa tem o direito primordial à segurança e à

propriedade, imputando-se ao poder público a promoção e a proteção destes

direitos, sobretudo como uma garantia da preservação da tranquilidade, da

intimidade pessoal, do direito de ir e vir, e da integridade física, moral e psicológica

329. Nesta seara, surge à questão da segurança pública, nada mais que um

“remédio” utilizado pelo Estado para a correção das imperfeições criadas a partir da

própria base social.

Tanto o roubo quanto o furto de um veículo trazem a tona uma questão

conjuntural de segurança pública e de Direito Penal, de modo que tais crimes

possuem modus operandi próprios e uma sequência de etapas, que

indubitavelmente desafiam a sociedade como um todo, alarmada com as alarmantes

estatísticas destes delitos. 330

326

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 327

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.5. 328

RHC 63.673-0-SP, DJU 20.06.1986, p.10.929. 329

LEIRIA, Cláudio da Silva. Ligeiras observações sobre a im(p)unidade penal nos crimes contra o patrimônio. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 371, set. 2008, p.101. 330

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.5 .

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108

Nos crimes patrimoniais, a receptação é tida como um “pilar de sustentação“

de uma serie de crimes, como o próprio roubo ou furto. A receptação nada mais é

que um delito decorrente de um crime anterior, cuja natureza parasitária cria a figura

de um delito autônomo.331 Ainda, fundamental mensurar que este crime engloba

uma série de especializações criminosas distintas que vão muito além do

receptáculo de veículos, formando uma indústria com diversos ramos e atividades.

Uma delas é a compra e venda de armas e munições roubadas ou furtadas por

receptadores especializados, artefatos estes, provenientes inclusive das forças

armadas e policiais. O mesmo perdura com relação á peças de valor histórico, onde

a receptação alimenta uma cadeia de ilicitudes que se inicia desde roubos em

museus até furtos em antiquários, chegando às mãos de colecionadores pouco

honestos que vendem tais mercadorias no mercado formal. 332

Importante ressaltar que há a presença de receptadores inclusive em delitos

de menor potencial lesivo, como na ação de punguistas e de pequenos fraudadores

no comércio, que direcionam suas ações e produtos até o mercado intermediário

que revende posteriormente. 333

Por se tratar de um fenômeno marginalizado, a complexidade deste tipo de

crime leva a uma maior dificuldade policial, seja na investigação ou no trabalho

ostensivo e preventivo. Sendo este tipo de delito tratado um empreendimento pelos

criminosos, a lógica leva a crer que haverá sempre uma queda da criminalidade

aonde a assunção dos riscos vier a superar os ganhos. 334

Não obstante, convém ressaltar que a simples ocorrência deste tipo de

conduta alimenta uma extensa cadeia de crimes, pois dão suporte ao tráfico de

drogas e de armas, além da própria lavagem de dinheiro. Igualmente, mister

ressaltar a relação que perdura entre os crimes patrimoniais e a severa taxa de

homicídios, pois dentro do espaço criminoso ocorrem diversas disputas entre

quadrilhas ou por mercados, o que na regra, é resolvido através de mortes.335

331

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 332

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 492. 333

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 492. 334

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.7. 335

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.7.

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Ainda, convém ressaltar o grande número de críticas, sobretudo no universo

policial em face da nova lei de prisões (Lei n° 12.403/11), vigente deste julho de

2011. O fato é que tal lei surgiu para diminuir o número de prisões, excetuando-as

cada vez mais através de regras mais flexíveis com delitos mais brandos, como é o

caso dos delitos com penas máximas não superiores a 4 (quatro) anos. Cumpre

salientar que a prisão preventiva é hoje uma exceção, sendo somente admitida

quando ausente qualquer possibilidade de substituição desta por outra medida

cautelar diversa da prisão, o que em tese cria embaraços na ordem de prisão de

crimes como o furto e a receptação (cujas modalidades simples possuem penas

máximas de quatro anos), sendo este diploma originário a partir de uma nova

política criminal.336

4. Aspectos técnicos do roubo, furto e receptação de veículos

Na medida em que se começa a analisar o crime organizado sobre o aspecto

técnico, algumas mudanças sensíveis passam a ser percebidas. Terminologias

como “agentes” ou “sujeitos” são substituídas por “criminosos” ou “delinquentes”,

havendo uma sobreposição da abordagem policial e jornalística em detrimento do

cunho social e jurídico anteriormente debatido. Por certo que há possibilidade de

associações entre a doutrina jurídica e tais matérias, mas a partir daqui, será dada

uma maior atenção ao aspecto funcional do crime, e não suas causas.

4.1– A organização criminosa no Brasil – Um panorama

Inexiste no Brasil qualquer definição legal sobre o conceito de crime

organizado. A definição mais aproximada é o tipo 'quadrilha ou bando' definido no

artigo 288 de nosso Código Penal. Na doutrina, o termo “organização criminosa”

pode ser conceituado como um organismo ou empresa cujo objetivo principal é a

prática de crimes e de atividades ilegais. 337 Neste mesmo sentido, o crime

organizado por der definido como um método de ações criminosas padronizadas,

conduzidas e dirigidas por um grupo, conjunto ou organização de pessoas, de modo

336

TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.5. 337

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 10.

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que tais atividades ilegais funcionem como um “sindicato do crime”, onde os mais

diversos delitos são praticados em comum acordo entre seus componentes. 338

No Brasil, a Lei n° 9.034/95 trata do diploma legal especializado no combate

ao crime organizado, e para todos os efeitos, ao contrário do que muitas pessoas

pensam, o país não conta com nenhuma organização mafiosa nativa, muito em

razão do Brasil não ter sido submetido a uma grande ruptura política capaz de

desorganizar a sociedade como um todo, fato extremamente propício para a

formação e consolidação de grupos mafiosos, a exemplo de países como a Itália, o

Japão, a China e a Rússia, que no passado foram abalados por crises institucionais

extremas, sucumbindo ao crescimento de redes mafiosas sofisticadas e poderosas,

que até hoje perduram. 339

O crime organizado340, ao contrário das entidades terroristas ou

revolucionárias, não envolve a sua criminalidade em um conflito direcionado contra o

Estado, pois na realidade ele busca justamente o contrário, mantendo o máximo

cuidado possível para não despertar a atenção das autoridades, contando inclusive

com a complacência e a corrupção destes poderes para o seu desenvolvimento e

perfeito funcionamento.

Não obstante, o crime organizado funciona no Brasil como um negócio formal,

regido por diretrizes econômicas tais como a lei da oferta e da demanda. As ações

criminosas são constituídas e organizadas em ciclos, de modo que cada

componente possui uma finalidade específica dentro de um delito.

Para uma melhor compreensão, a organização criminal no Brasil conta com

quatro pilares fundamentais: O tráfico de entorpecentes, a corrupção ativa e passiva

no jogo do bicho, o roubo e o furto de veículos automotores e os desmanches. 341

4.2 – A gestão criminosa no roubo, furto e receptação de veículos

338

FERNANDES, Antônio Scarance. Equilíbrio entre eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, nº 70, 2008, p.74. 339

BILYNSKYJ, Paulo Francisco Muniz. Crime organizado e o tratamento legislativo brasileiro. Jus Navegandi, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 Maio 2012. Disponível em <http://www.jus.com.br/revista/texto/21856>. Acesso em: 16 out. 2012. 340

BILYNSKYJ, Paulo Francisco Muniz. Crime organizado e o tratamento legislativo brasileiro. Jus Navegandi, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 Maio 2012. Disponível em <http://www.jus.com.br/revista/texto/21856>. Acesso em: 16 out. 2012. 341

QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime Organizado no Brasil. São Paulo: Editora Esfera, 2005 p.40.

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Destarte, é fundamental ressaltar a inexistência de uma máfia central nesta

modalidade de delito, pois em que pese o fato das organizações criminosas que

atuam no roubo, no furto e na receptação de veículos automotores serem

constituídas através de um modelo desenvolvido de gestão criminosa, estes tipos de

delitos são praticados por diversas quadrilhas autônomas espalhadas por todo o

país, sem que haja um vínculo central ou específico entre elas.

Sendo assim, a exemplo do que ocorre nas demais atividades ilícitas, a

sobrevivência destes crimes patrimoniais consiste na ocultação dos seus esquemas,

membros e práticas, sobretudo com relação aos líderes de quadrilhas e dos grandes

receptadores. Desta forma, este modelo de organização criminosa trabalha de modo

a evitar o encontro de provas, fontes e vestígios, prevalecendo a “lei do silêncio” 342

entre os seus componentes. Como modelo operacional, as quadrilhas utilizam uma

série de meios de comunicação, como celulares, rádios, (inclusive com frequência

policial), rastreadores, e o uso de dialetos e gírias pouco conhecidas, de modo a

despistar e afastar qualquer indício probatório por parte das autoridades policiais.

No que tange a sistemática de tais atividades ilícitas, coexistem vários modos

de ação utilizados no ciclo do roubo e do furto de veículos. Como exemplo, podemos

citar uma das formas mais comuns e usuais dentro deste ramo, que consiste

basicamente na atuação de determinadas oficinas mecânicas que negociam a

compra e a encomenda de veículos furtados ou roubados junto a quadrilhas. Uma

vez acertado o valor e realizada a compra, essas oficinas armazenam o veículo em

um depósito próprio onde realizam o “corte”, que nada mais é que a sua divisão em

partes. Em um segundo momento, esta oficina receptadora faz o contato com

desmanches ou outras oficinas clandestinas que funcionam como estabelecimentos

comerciais, oferecendo as partes do veículo por um preço em média quatro vezes

superior ao da primeira compra, aquela realizada junto à quadrilha. Acertado o valor,

os desmanches fazem a separação das peças para a venda, cujo objeto central é a

venda ao consumidor final. 343

Cuida-se que por vezes, consumidores flagram dentro de um ferro-velho uma

peça do próprio veículo furtado anteriormente. A própria mídia relata diversos casos

342

FERNANDES, Antônio Scarance. Equilíbrio entre eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, nº 70, 2008, p.245. 343

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.7.

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nestes moldes, não sendo rara tal ocorrência, tamanho é o dinamismo desta cadeia

de crimes. 344

4.3 – A conexão entre crimes

Há uma clara conexão entre as ações de roubos ou furtos de veículos e a

atuação de receptadores, pois estes agem como financiadores e intermediários

deste negócio. Em que pese o fato destes delitos possuírem uma intima relação

entre si, os sujeitos envolvidos nos mais distintos níveis da atividade criminosa

possuem pouco ou nenhum contato entre si, excetuando obviamente as relações

negociais (contratação, serviços, valores), onde a lógica é o lucro fácil auferido pelo

crime. Indubitavelmente a legislação penal no Brasil dá margem para uma maior

segurança e lucratividade destas atividades ilícitas, pois os riscos são pequenos.

Deste modo, há um imenso incentivo à prática criminosa destes delinquentes, pois o

sistema encontra inúmeras dificuldades no condizente a investigação e a punição

dos envolvidos. 345 Nesta esteira, o enlace criminal é muito evidente:

APELAÇÃO CRIMINAL MINISTERIAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA

E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, NO TOCANTE A

TRÊS DOS IMPUTADOS. PROVA INDICIÁRIA NÃO REEDITADA EM

JUÍZO E TAMPOUCO ESCORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE

CONVICÇÃO. PROVA SUFICIENTE APENAS DE RECEPTAÇÃO

DOLOSA SIMPLES E EM RELAÇÃO AO PROPRIETÁRIO DO

ESTACIONAMENTO, ONDE APREENDIDOS CINCO VEÍCULOS DE

ORIGEM ILÍCITA. ATIVIDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS QUE

NÃO CONFIGURA A FORMA QUALIFICADA DA RECEPTAÇÃO. 1. O

crime de formação de quadrilha é infração autônoma, de concurso

necessário e permanente, que exige a presença de vínculo associativo

estável de quatro pessoas com a finalidade de cometer mais de um

crime. 2.Como regra, os integrantes da quadrilha mantêm o mais

absoluto segredo sobre sua existência, organização e realizações,

sendo incomum obter prova direta de sua existência, ainda que possível.

344

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.8. 345

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.9.

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3.Dentre as prova indiretas mais veementes e comuns do tipo em

comento, destaca-se a prática de mais de um crime pelas mesmas

pessoas. Quando isso não ocorre, é incomum reunir prova suficiente

para condenar. 4.A prova do crime de receptação também é indireta o

mais das vezes, sendo inferida da posse injustificada da coisa de origem

ilícita, pois a consciência da ilicitude é fato subjetivo por excelência,

verificável apenas por sua expressão objetiva. 5.Uma vez flagrado na

posse de coisas havidas de modo ilícito, cabe ao réu justificar a posse

ou explicá-la de modo minimamente plausível, de modo a impedir seja

deduzida a consciência da ilicitude. 6.Ainda que em se tratando de

crimes de difícil comprovação, a formação de fundado juízo de certeza

exige a presença de elementos indiciários suficientes a confirmar a

hipótese acusatória. 7.No caso dos autos, pode-se reconhecer que um

dos réus receptou reiteradamente veículos de origem ilícita, mas se o

fez associado a pessoas determinadas, em número suficiente e de

modo permanente é absolutamente incerto. 8.A ocultação de veículos

em estacionamentos para superveniente destinação é prática corrente

no furto e roubo de veículos organizado, constituindo contribuição

decisiva para o ladrão exaurir o crime e tirar proveito da infração. 9.A

escolha de um estacionamento pode ser acidental embora,

costumeiramente, não seja , mas a apreensão de cinco veículos

recentemente roubados no mesmo local indica claramente escolha

deliberada e cumplicidade do responsável pelo serviço de guarda. 10.No

caso concreto, o tipo objetivo estava bem demonstrado, tornando-se

controverso apenas o tipo subjetivo da infração, que veio bem

evidenciado pela circunstância antes referida e pela deficiente

explicação do responsável. 11.A atividade desenvolvida pelo réu era de

prestação de serviços de estacionamento, não comercial nem industrial,

como exige o tipo qualificado. Veja-se que a própria denúncia descreve

a atividade de serviço de estacionamento remunerado. Nesse contexto,

a elementar do tipo qualificado não se faz presente. 12.O standard

estabelecido pela jurisprudência em geral para o aumento pela

continuidade delitiva, que firma pé em uma simplificação de aparência

razoável a evolução das frações com utilização de divisores números

inteiros, até o máximo: 1/6, 1/5, ¼, 1/3, ½ e 2/3 , conduz a um resultado

desproporcional e injustificável. 13.Cada elo da mesma cadeia deve ter

o mesmo peso na fixação da pena privativa de liberdade, pois não há

razão de direito a justificar as diferenças decorrentes da aplicação das

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frações referidas, e esse peso é dado pelo próprio legislador ao balizar o

aumento mínimo. 14. Se a menor fração se aplica ao primeiro elo da

cadeia, temos definido claramente o peso dos demais, ou seja: para

duas infrações, aumento de um sexto (1/6), para três, de um terço (1/3),

para quatro, metade (½) e para cinco ou mais, dois terços (2/3).

RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação

Crime Nº 70030565865, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça

do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 01/10/2009)

Com base nisto, urge relacionar que o crime organizado concebe uma

extensa cadeia de crimes, onde a supramencionada lição jurisprudencial mostra a

conexão e a continência entre a formação de quadrilhas e a receptação, sem,

todavia adentrar na seara de crimes como o roubo e o furto, mesmo que tais tipos

sejam indispensáveis para o fomento deste meio criminoso.

4.4 – Os tipos de quadrilhas

Existem no mercado, basicamente três tipos de quadrilhas: O primeiro tipo

rouba carros novos (último ano), fazendo a venda dos mesmos para o exterior,

utilizando para tanto, documentos falsos. O segundo tipo, visa o roubo de carros

novos e seminovos (um a quatro anos), efetuando a venda dentro do Brasil, com a

legalização de todos os documentos do veículo através de fraudes na identificação e

no registro oficial do mesmo. É nesta modalidade que surgem as figuras dos “carros

clonados”. Já o terceiro tipo visa o furto de carros mais antigos (a partir de cinco

anos em diante), para desmanches e vendas de peças, inclusive vendidas do

mercado lícito, através de notas fiscais com o nome de empresas fantasmas.346

A ação destas quadrilhas é tão variada que os dados estatísticos das duas

últimas décadas revelam que cerca de 70% do total de carros roubados ou furtados

e não recuperados são desmanchados, ao passo que 20% vão para o exterior, e

10% são adulterados. 347

4.5 – A regularização no Brasil de carros roubados ou furtados

346

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10. 347

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10.

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A regularização de carros roubados no Brasil obedece duas espécies de

modus operandi, a contar:

É utilizada uma estratégia baseada em carros clonados (ou carros dublês)

onde o veículo roubado adquire a documentação de um veículo legalmente

registrado e regularizado cuja documentação foi roubada ou furtada anteriormente,

ou através do furto, desvio ou falsificação de espelhos oficiais do documento de

veículo (CRVL). Igualmente há adulteração do chassi, muitas vezes com subornos e

auxílio e suporte de funcionários do DETRAN, sobretudo na identificação e inspeção

do veículo. Outro problema é a falta de comunicação entre os departamentos

estaduais, fato que visivelmente contribui para este tipo de delito. 348

Outro modo de regularização em território nacional é a troca de um veículo

roubado por outro sem condição alguma de uso (por consequência de um acidente

de trânsito, por exemplo), sendo indispensável uma mesma característica una, como

o modelo, o ano, e a cor. Desta maneira, o veículo avariado de maneira irreversível

passa a “existir” novamente, inclusive sendo por vezes utilizada a documentação e a

identificação do mesmo. Outro meio utilizado é um ato conhecido neste meio

criminoso como “montagem”, que nada mais é do que a substituição de um chassi

por outro. 349

Importante destacar que este segundo método é o mais utilizado no país, pois

é muito mais seguro e simples do que o primeiro, razão pela qual, é possível

compreender o fenômeno de veículos totalmente destruídos com um valor de

mercado, inclusive alto, por vezes. Ainda, fica claro que este valor se deve ao preço

de um registro veicular ativo junto ao DETRAN, uma decorrência direta da grande

demanda e procura deste tipo de documentação no meio criminoso para a feitura de

fraudes. Com base nisto, a melhor maneira de reprimir ou evitar este tipo de

ocorrência é o cumprimento da legislação por parte do proprietário do veículo

destruído, com a baixa do registro junto aos órgãos oficiais e a destruição dos

documentos, o que tornará a “sucata” imprópria para estes fins ilícitos. 350

Na receptação de veículos, a ação de quadrilhas especializadas e financiadas

através do crime organizado vai muito aquém do simples desmanche das peças dos

348

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.17. 349

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.17. 350

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.17.

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veículos subtraídos, pois há a confecção de documentos faltos e a adulteração de

chassis, de modo a possibilitar uma rápida venda em países limítrofes, o que gera

uma grande indústria na exportação de carros roubados ou furtados no Brasil. 351

4.6 – O papel das seguradoras nestes crimes

É de conhecimento geral que os contratos de seguros possuem como objeto

fim a obrigação do segurador em garantir os interesses dos seus segurados,

protegendo os mesmos de riscos predeterminados.352 Em suma, o segurado realiza

a “compra” da sua tranquilidade mediante o pagamento de um “prêmio”, o que

acarretará na transferência de obrigações para o segurador na hipótese de uma

eventual lesão sofrida.

Doravante o que foi mencionado sobre contratos de seguros, importante

mensurar que o cálculo do prêmio será baseado não só em razão das coberturas

escolhidas, como também em detrimento uma ampla análise de riscos expostos pelo

segurado, como fato de um automóvel ficar estacionado em via pública durante a

noite, ou do local de domicílio do segurado, entre outros fatores. Neste sentido, o

alarmante índice de furtos e roubos de veículos em grandes cidades culmina na

criação de alíquotas diferenciadas em regiões onde o número de ocorrências é

maior, fato que gera um encargo excessivo aos seus moradores, que acabam

pagando um seguro veicular muito caro.353 Isto decorre da própria natureza mútua

dos contratos de seguro, onde muitos pagam para poucos fazerem uso.

Não obstante ao encarecimento dos seguros em razão da própria

criminalidade, muitas seguradoras concorrem para este fenômeno colocando a

venda as sucatas dos seus veículos inutilizados, os denominados “salvados”, muitas

vezes sem a devida baixa do registro junto ao DETRAN e com a documentação

original inclusa. Este tipo de mercadoria atrai atenção de quadrilhas, pois um dos

principais meios de regularização de veículos roubados e furtados no Brasil é a

351

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 352

O Código Civil brasileiro, no seu artigo 757 dispõe o que segue: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”. 353

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 12 out. 2012.

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legalização destes mediante fraudes que “transformam” sucatas em carros novos

(carros furtados ou roubados), com a venda de registros ativos e dos documentos de

veículos originalmente destruídos em troca de uma determinada quantia em dinheiro

ou drogas. 354

No tocante à responsabilização das seguradoras para o fortalecimento de

crimes patrimoniais, os golpes aplicados possuem uma série de variantes pouco

conhecidas do público em geral. Em um destes golpes, carros não registrados como

subtraídos são segurados dentro de desmanches, onde somente depois é realizado

um registro policial de roubo ou furto. Ainda que tais dados sejam informais,

autoridades policiais dão conta de que ao menos 30% do número total de casos não

são registrados para a efetivação desta modalidade de golpe. Neste mesmo sentido,

há uma premiação paga por corretoras aos policiais que encontram carros roubados

ou furtados (até R$ 5 mil por carro encontrado) e isto fomenta também tais crimes,

pois há policiais desonestos que facilitam este tipo de ação para ganhar este valor

extra. 355

Em contrapartida, as seguradoras também são vitimadas por fraudes

praticadas por clientes, sobretudo na aplicação do clássico “golpe do seguro”, que

basicamente consiste na simulação do roubo ou do furto de um determinado veículo

segurado em troca do pagamento de um prêmio superior ao valor “real” de mercado,

onde o objetivo principal é um maior lucro por parte do golpista nesta troca ilícita. A

jurisprudência é farta neste aspecto:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.

ESTELIONATO. FRAUDE PARA RECEBIMENTO DO VALOR DE

SEGURO. Autoria comprovada. Restou demonstrado o dolo do

acusado, que concorreu para o delito, auxiliando o proprietário do

veículo a levá-lo ao Paraguai. Após, o automóvel foi dado como furtado.

Interceptações telefônicas que comprovam a fraude. Substituição da

pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois o réu não é

reincidente específico. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação

Crime Nº 70027465293, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça

354

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.18. 355

DUARTE, Rachel. Estatísticas de roubos de carro escondem cartel de seguradoras e polícia. Disponível em <http://www.sul21.com.br/jornal/2011/11/estatisticas-de-roubos-de-carros-escondem-cartel-entre-seguradoras-e-policiais/>. Acesso em 7 out. 2012.

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do RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado em

14/12/2011)

Desta maneira, percebe-se a grande incidência destes golpes no âmbito

jurisprudencial, o que denota a imensa quantidade desta modalidade delituosa, onde

por vezes os veículos são carbonizados ou levados para o exterior, sendo a última

alternativa, economicamente mais vantajosa, pois há a possibilidade de um retorno

financeiro ou uma troca do veículo por drogas.

4.6.1 – O valor dos seguros em Porto Alegre

No caso específico da cidade de Porto Alegre, a indústria criminosa do roubo

e do furto de veículos culminou em um imenso sobrepeso no preço do seguro de

automóveis, pois o valor cobrado na cidade é um dos mais altos do país. No que

tange ao custo excessivo, o roubo de veículos continua sendo o fator que mais

pressiona o aumento das seguradoras, pois somente em abril de 2011, as

companhias registraram perda total de 77 veículos para cada grupo de 10 mil, um

patamar que se manteve alto naquele ano, com pequenas alterações mensais, mas

com um acréscimo geral de 18,4% no ano. Em 2012 houve um considerável recuo

de mais de 20% no número de ocorrências, segundo estatísticas da Secretaria de

Segurança Pública. 356

Hoje, praticamente metade da frota de carros emplacados na cidade está

coberta por seguros. A incidência de furtos, de acidentes e roubos, assim como o

modelo, o ano, a marca e o perfil do condutor integram o rol de quesitos analisados

no cálculo do custo de uma apólice. No caso do roubo, em Porto Alegre ele é

responsável pelo incremento de 15% das tarifas, sendo este valor referente à

intensa ação de quadrilhas criminosas que agem da cidade, em especial na zona

norte. 357

356

COSTA, Jorge Luís. Roubo de carro faz disparar preço do seguro em Porto Alegre. Zero Hora, Porto Alegre, 19 de Maio de 2012. Disponível em <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/05/roubo-de-carro-faz-disparar-preco-do-seguro-em-porto-alegre-3764045.html>. Acesso em 12 out. 2012. 357

COSTA, Jorge Luís. Roubo de carro faz disparar preço do seguro em Porto Alegre. Zero Hora, Porto Alegre, 19 de Maio de 2012. Disponível em <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/05/roubo-de-carro-faz-disparar-preco-do-seguro-em-porto-alegre-3764045.html>. Acesso em 12 out. 2012.

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Pessoas que residem em bairros como Sarandi, Rubem Berta, ou Vila

Ipiranga pagam tarifas consideravelmente mais elevadas (até 20% a mais) do que

moradores de bairros da zona sul da capital. Eixos como a Avenida do Forte, que

possui fácil acesso às cidades da região metropolitana, costumam atrair todos os

tipos de quadrilhas. Para se ter uma idéia, o valor médio do seguro de um automóvel

Gol, modelo 2012 é de R$ 2.149 na região, a tarifa mais alta da cidade. No ano de

2012, o bairro Petrópolis, região central da cidade assumiu o topo de um ranking até

então liderado por bairros da zona norte, assumindo a ponta no número de

ocorrências de roubo de veículos. Indubitavelmente, tal fato levará a uma grande

elevação futura no custo das renovações de seguros neste bairro. 358

5. O grande mercado receptador: Bolívia e Paraguai

Grande parte do roubo de carros no Brasil é destinada a países como o

Paraguai e a Bolívia, o que culmina na identificação de um delito de natureza

transnacional 359, cujas características vão desde um alto poder de intimidação e

corrupção, até a formação de uma estrutura criminosa hierárquica, onde há também

a incidência da lavagem de dinheiro na regularização destes negócios, o que cria

diversas amarras legais na recuperação destes veículos e na responsabilização dos

envolvidos.

5.1 – Aspectos gerais - Fronteiras do crime

A América Latina possui uma repleta história de conflitos armados, internos e

regionais, com infindáveis mortes e violações de direitos humanos, além é claro, de

uma série de ditaduras num curso histórico recente, o que mostra a existência de

uma evidente fragilidade social nesta região do planeta, ainda que a maioria dos

países apresente notáveis evoluções sociais e econômicas nas últimas décadas. 360

358

COSTA, Jorge Luís. Roubo de carro faz disparar preço do seguro em Porto Alegre. Zero Hora, Porto Alegre, 19 de Maio de 2012. Disponível em <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/05/roubo-de-carro-faz-disparar-preco-do-seguro-em-porto-alegre-3764045.html>. Acesso em 12 out. 2012. 359

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.11. 360

ARAVENA, Francisco Rojas y MARÍN, Andréa Alvarez. América Latina y el Caribe: Globalización y conocimiento. Repensar las Ciencias Sociales. Oficina geral de Ciência de la UNESCO. Montevideo. 2011. p. 313.

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Neste compasso, a Bolívia e o Paraguai representam uma síntese deste

continente, pois são claros reflexos de um passado de exploração e abandono

institucional generalizado. No caso da Bolívia, a sua situação econômica é

periclitante: Neste país o salário mínimo é de apenas 141 dólares, sendo a

remuneração mais baixa da América do Sul. Igualmente, apenas 20% do total de

trabalhadores possuem um emprego regular ou formal, onde o restante vive na

informalidade,361 com uma remuneração que não acompanha a velocidade

inflacionária da moeda local, o boliviano. Neste sentido cerca de 54% da população

boliviana vive abaixo da linha de pobreza, sobrevivendo com menos de dois dólares

diários, e destes, 31% vivem na situação de indigência362, sendo a mortalidade

infantil no país é uma das mais altas do continente americano, superando a cifra de

49 mortes por 1000 nascimentos. 363

Não distante da realidade boliviana, o Paraguai figura como um dos países

mais pobres da América do Sul, com cerca de 56% da sua população vivendo

abaixo da linha da pobreza, sendo que deste total, 30% vivem na linha da pobreza

extrema, ou seja, em situação de indigência. 364 O Paraguai é hoje um vasto terreno

para a atuação do crime organizado, pois perdura no país uma corrupção gritante

em todos os níveis sociais, possibilitando o livre acesso do tráfico de drogas e de

armas, além da venda dos mais diferentes tipos de contrabando, e é claro, dos

veículos roubados ou furtados no Brasil. Cidades como Pedro Juan Caballero (cerca

de 100 mil habitantes) encontram-se sitiadas por máfias de todos os tipos,

promovendo uma série de atrocidades e execuções365 em toda a região fronteiriça

com o Brasil, sobretudo nas proximidades do estado do Mato Grosso do Sul.

Tendo com base os indicadores visualizados, não é difícil entender o por quê

do aumento dos níveis de criminalidade nas cercanias destes países, onde a

361

CANTELMI, Marcelo. Bolívia: realidades sociales que desmienten las utopías. Diario Clarín, Buenos Aires, 12 de maio de 2012. Disponível em http://www.clarin.com/opinion/Bolivia-realidades-sociales-desmienten-utopias_0_698930245.html. Acesso em 19 out. 2012. 362

Comissión Econômica para América Latina y Caribe – CEPAL / ONU - Panorama social de America Latina. 2010. Disponível em http://www.cepal.cl/publicaciones/xml/9/41799/PSE-panoramasocial2010.pdf Acesso em 19 out. 2012. p.13. 363

PNUD, ONU. Informe sobre Desarrollo Humano 2009, Superando barreras: Movilidad y desarrollo humanos, Programa de Naciones Unidas Para el Desarrollo. Nova York, 2009. p.293 364

Comissión Econômica para América Latina y Caribe – CEPAL / ONU - Panorama social de America Latina. 2010. Disponível em http://www.cepal.cl/publicaciones/xml/9/41799/PSE-panoramasocial2010.pdf Acesso em 19 out. 2012. p.13. 365

CLARÍN, diário. Macabro hallazgo en Paraguay. Diário Clarín, Buenos Aires, 1 de Julho de 2010. Disponível em <http://www.clarin.com/america_latina/Macabro-hallazgo-Paraguay_0_290371028.html> Acesso em 19 out. 2012.

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informalidade promovida pela carência industrial produz além da pobreza um

fenômeno social atrativo às organizações criminosas, tanto no que diz respeito à

produção de drogas, como no contrabando e regularização de mercadorias ilícitas,

inclusive de automóveis roubados e furtados em países mais desenvolvidos, como é

o caso do Brasil.

Toda a região fronteiriça compartilhada pelos países do Brasil, Bolívia e

Paraguai é reconhecida pelas autoridades como “terra de ninguém”, pois se trata de

um perímetro de terras dominadas pelo crime organizado, em meio a uma grande

informalidade e fragilidade social, sendo o acesso muito fácil desde o Brasil,

principalmente entre Ponta Porã-MS e Pedro Juan Caballero, no Paraguai.366

5.2 – O paraíso dos carros roubados

Muitos veículos roubados ou furtados em solo brasileiro podem ser facilmente

localizados em países limítrofes como a Bolívia e o Paraguai. O número é tamanho,

que somente na Bolívia, no ano de 2011, o presidente boliviano Evo Moralez

concedeu mediante decreto a anistia de pelo menos 128 mil veículos que circulavam

livremente pelo país sem qualquer documentação, o que culminou na legalização

(ou nacionalização) dos mesmos. 367 No Paraguai, este processo foi igualmente

realizado no passado, onde carros de procedência ilícita receberam a devida

documentação legal daquele país. 368

Em meio a este cenário, recentemente o governo brasileiro anunciou a

repatriação simbólica de 400 veículos encontrados na Bolívia, todos roubados ou

furtados no Brasil. Este ato foi uma consequência direta dos avanços promovidos

pela Operação Sentinela da Polícia Federal, cujo interesse preponderante é o

combate ao narcotráfico e ao roubo de carros entre as fronteiras do Brasil com estes

366

CORREA, Hudson. Os novos donos do tráfico. Revista Época. 30 de setembro de 2011. Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/09/os-novos-donos-do-trafico.html> Acesso em 19 out. 2012 367

O ESTADO DE SÃO PAULO, jornal. Brasil vai repatriar 400 veículos que estão na Bolívia. UOL notícias, 8 de Junho de 2012. Disponível em http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/06/08/brasil-vai-repatriar-400-veiculos-que-estao-na-bolivia.htm. Acesso em 7 out. 2012. 368

GAIGHER, Cláudia. Número de carros roubados aumenta até 19% em alguns estados. Bom Dia Brasil, 11 de setembro de 2012. Disponível em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/09/numero-de-carros-roubados-aumenta-ate-19-em-alguns-estados-em-2012.html. Acesso em 27 set. 2012.

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países, realizando no ano de 2011, um total de 7.500 prisões em flagrante na região.

369

No caso específico da Bolívia, este país é hoje o maior destinatário de carros

roubados ou furtados na América do Sul, ultrapassando o Paraguai, justamente por

ter um controle ainda mais escasso por parte das autoridades locais. O drama do

país andino se repete em relação aos seus vizinhos, como a Argentina, o próprio

Paraguai, Chile, e Peru, que somados, reclamam ao governo boliviano a devolução

de 8 mil veículos roubados ou furtados nos respectivos países. Parte deste mercado

é motivada pela troca do veículo por cocaína, ainda nas fronteiras. 370

A livre circulação de veículos subtraídos nestes dois países ocorre em razão

da facilidade de acesso existente nas regiões de fronteira do Brasil com a Bolívia e

Paraguai, sobretudo no estado do Mato Grosso do Sul, sendo este o maior

“corredor” de saída destes veículos rumo ao exterior. 371

A grande dificuldade da Polícia Federal na identificação e repatriação destes

veículos está na ausência de resposta das autoridades bolivianas, pois uma vez

dentro destes países, os veículos não são mais considerados como produtos de

crime pelas autoridades locais, o que facilita a ação de criminosos. 372

5.2.1 – Os veículos no Paraguai e na Bolívia e as moedas de troca

Em países como o Paraguai e a Bolívia, inexistem montadoras de veículos,

de modo que a frota nestes locais é inteiramente importada, mediante uma baixa

carga de impostos, sobretudo em comparação ao Brasil ou a Argentina. No tocante

369

O ESTADO DE SÃO PAULO, jornal. Brasil vai repatriar 400 veículos que estão na Bolívia. UOL notícias, 8 de Junho de 2012. Disponível em http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/06/08/brasil-vai-repatriar-400-veiculos-que-estao-na-bolivia.htm. Acesso em 7 out. 2012. 370

CLARÍN, diário. Bolívia devuelve coches robados. Diário Clarín, Buenos Aires, 4 de Fevereiro de 2012. Disponível em <http://www.clarin.com/inseguridad/Bolivia-devuelve-coches-robados_0_640136131.html> Acesso em 19 out. 2012. 371

GAIGHER, Cláudia. Número de carros roubados aumenta até 19% em alguns estados. Bom Dia Brasil, 11 de setembro de 2012. Disponível em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/09/numero-de-carros-roubados-aumenta-ate-19-em-alguns-estados-em-2012.html. Acesso em 27 set. 2012. 372

GAIGHER, Cláudia. Número de carros roubados aumenta até 19% em alguns estados. Bom Dia Brasil, 11 de setembro de 2012. Disponível em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/09/numero-de-carros-roubados-aumenta-ate-19-em-alguns-estados-em-2012.html. Acesso em 27 set. 2012.

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a Bolívia, 373 há a permissão legal da importação de automóveis velhos ou usados,

quase sempre provenientes da Coréia do Sul, China e Japão, havendo o ingresso

dos mesmos em território boliviano pela via de portos chilenos, sendo vendidos e

comercializados a preços muito baixos.

No que diz respeito ao preço de um veículo brasileiro na Bolívia, sendo ele

novo ou usado, custará menos da metade do que no Brasil. Assim, fica evidente que

somente será interessante a venda dos mesmos naquelas terras em decorrência de

quaisquer atividades ilegais, como golpes de seguradoras, carros roubados e

furtados, ou ainda, na hipótese da troca por drogas, sendo cada vez mais usual esta

última prática. 374

Todos estes aspectos encontram um facilitador: A ausência de controle da

circulação e entrada de veículos do Brasil para a Bolívia, pois nos postos de fronteira

inexistem fiscalizações pontuais, onde o exército boliviano exige apenas duas

condições para o ingresso de visitantes: O pagamento de 1 real por veículo e a

carteira de vacinação da Febre Amarela, sendo a entrada a pé gratuita. Somada a

estes fatores, existem infindáveis estradas secundárias que ligam ambos os países

de modo clandestino, onde as autoridades brasileiras visualizam passivamente a

constante saída de drogas e de carros roubados, pois na maioria das vezes, não há

meios de intervenção efetiva (aparato técnico e logístico).

Na Bolívia, parte destes veículos roubos ou furtados no Brasil é utilizada

como moeda de troca por droga, onde há uma clara preferência por caminhonetes,

carretas e automóveis importados. 375 O pagamento na entrega do veículo é

usualmente feito através da troca do veículo por dólares (inclusive falsos) ou

cocaína, unindo os “laços” entre o tráfico de entorpecentes e o roubo de carros, duas

das modalidades mais comuns dos crimes praticados no Brasil. 376

373

REBELLO, Aiuri. Bolívia, a legalização do crime. Revista Veja. Publicado em 13 de novembro de 2011. Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-legalizacao-do-crime Acesso em 20 out. 2012. 374

REBELLO, Aiuri. Bolívia, a legalização do crime. Revista Veja. Publicado em 13 de novembro de 2011. Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-legalizacao-do-crime Acesso em 20 out. 2012. 375

GAIGHER, Cláudia. Número de carros roubados aumenta até 19% em alguns estados. Bom Dia Brasil, 11 de setembro de 2012. Disponível em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/09/numero-de-carros-roubados-aumenta-ate-19-em-alguns-estados-em-2012.html. Acesso em 27 set. 2012. 376

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.16.

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5.3 – A regularização de carros roubados ou furtados no exterior

Além da própria regularização por vezes promovida em massa pelos

governos dos países do Paraguai e da Bolívia, perduram fundamentalmente outros

dois modos de ação diversos deste: 377

Os veículos são entregues com documentos legítimos e dados falsificados

(mediante furtos em órgãos oficiais ou através de corrupções em órgãos de

repartições brasileiras), e através disto, são regularizados para a livre circulação

nestes países.

Em razão da fragilidade, da pobreza e da informalidade de países como a

Bolívia e o Paraguai, os carros roubados são regularizados nestes países através de

um instrumento jurídico denominado “contrato privado”, onde é registrado

formalmente o veículo roubado sem que haja uma averiguação da procedência ou

dos documentos originais, tudo através de um corrupto e caquético sistema de

registro de veículos nestes locais. 378

6. O mercado negro dos desmanches e quadrilhas

Na grande maioria das vezes, o roubo de um automóvel não constitui uma

ação autônoma ou aleatória, pois constitui uma pequena parte dentro de um

processo de crimes extremamente complexos. Para compreender os meios

operacionais deste sistema, é necessário analisar as características das quadrilhas

e dos desmanches, e por fim, dos ciclos dos delitos.

6.1 – Como se formam as quadrilhas no roubo e no furto de veículos

Como todo o negócio, o crime da formação de quadrilhas surge baseado na

demanda por determinado serviço, objeto ou bem ilícito. No caso específico deste

tipo de crime patrimonial, os carros são roubados ou furtados por estas quadrilhas,

que de maneira genérica possuem integrantes que residem em regiões próximas

aos locais onde se praticam os assaltos. Na “chefia” deste esquema estará o chefe

377

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.16. 378

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.16.

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da quadrilha, que é o único ente responsável pelas encomendas solicitadas por

terceiros. Estas quadrilhas possuem grande mobilidade, fazendo a utilização de

táticas baseadas em guerrilha urbana, onde seus membros rapidamente surgem,

atacam e desaparecem logo após o cometimento do crime. 379

No caso específico do crime de roubo, a contratação do grupo que fará o

serviço será feita pelo chefe, que dará as ordens e encaminhará o crime. Na regra

geral, cada grupo é formado por três a quatro criminosos, onde cada sujeito possui

uma função distinta: Um será o motorista condutor, e os outros dois farão o

revezamento na segurança e na própria ação, intimidando a vítima através de todos

os meios possíveis. 380

No crime de furto, igualmente há a presença de um chefe que controla e

coordena a quadrilha de arrombadores, pois logo após a prática delitiva o carro será

entregue a ele, que a partir de então, colocará o veículo nas mãos de um habilidoso

mecânico, que executará os retalhos necessários, armazenando bem móvel no

interior de um depósito ou galpão, onde os números de identificação serão

destruídos antes mesmo da remessa a um segundo receptador, que fará a

condução do automóvel para um desmanche. Importante suscitar que os

arrombadores de carro sempre agem resguardados por um homem que faz a

segurança. 381

6.2 – Como se constituem as organizações criminosas

Formadas a partir de quadrilhas, as organizações criminosas possuem

estabelecimentos específicos para cada fase do roubo ou do furto de um veículo,

como por exemplo, um local destinado para o desmonte de peças, e outro para a

venda de peças e de veículos. Às vezes, alguns serviços são encomendados de

maneira terceirizada, como é o caso das quadrilhas independentes que atuam no

roubo ou no furto de determinados tipos de automóveis, embora esta modalidade

seja uma exceção. Dentro destas organizações, há um vasto intercâmbio comercial

entre os mais diversos estabelecimentos. Alguns tipos se dedicam ao atacado de

379

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10. 380

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10. 381

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10.

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peças, utilizando o varejo como “fachada” para outra atividade ilegal. Outros

trabalham apenas com o próprio varejo, uma atividade menos perigosa e mais

distante dos fatos criminosos originários. 382 Abaixo, segue uma tabela baseada no

modelo clássico de organização de grandes receptadores:

Tabela 01

MEMBRO FUNÇÃO

Chefe Geralmente são os proprietários reais das redes de desmanches ou de estabelecimentos unitários. São estes os principais receptadores

Testas-de-Ferro Atuam como proprietários legais do desmanche, ocultando o nome do verdadeiro dono. Normalmente não possuem antecedentes criminais

Chefes de quadrilha

Estes membros são contratados para comandar e recrutar a quadrilha de ladrões que irá executar a ação criminosa do roubo ou do furto. Planejam a ação.

Gerente de desmanche

Esta é a figura do homem que coordena e gerencia as ações dentro dos desmanches. Cuida do comércio e da organização das peças e das sucatas

Puxadores Estes componentes são os habilidosos motoristas que conduzem os veículos aos seus destinos, às vezes atravessando fronteiras estaduais ou internacionais

Ladrões Contratados pelo chefe de quadrilha são estes os elementos que praticam o roubo ou o furto, quase sempre formando jovens quadrilhas. Executam a ação

Mecânicos Cortadores

Habilidosos mecânicos que fazem o “corte” dos veículos, separando as peças que posteriormente serão vendidas no mercado. Fazem parte do setor de produção

Vendedores Realizam as vendas das peças nos desmanches. São grandes conhecedores de peças e de veículos

Funcionários de escritório

Trabalham no setor de comercialização dos desmanches. Fazem parte do setor administrativo

Contador e advogado

Integram o setor de cobertura e assessoria dos negócios, fazendo orientações para a condução do negócio, cada qual na sua respectiva área

Policiais Agentes corruptos realizam a cobertura e a segurança destes negócios, avisando inclusive sobre eventuais operações e batidas policiais

Dentro destas organizações, há a assessoria de escritórios de advocacia e

contadoria que obviamente conhecem o inteiro teor das atividades desenvolvidas

por elas, prestando os mais diversos auxílios dentro da função preponderante de

382

ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em <http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012>

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“mascarar” a ilicitude das atividades praticadas, de maneira que o grupo criminoso

ganhe um aspecto de empresa ou corporação. 383

Por fim, como meio de sobrevivência e imunidade, estas organizações

associam-se a policiais corruptos oferecendo generosas propinas para não serem

perturbadas ou investigadas. Do mesmo modo, estes policiais auxiliam na

segurança dos estabelecimentos, inclusive prestando informações sobre eventuais

operações policiais. Outro fator surpreendente é a existência de policiais e ex-

policiais que efetivamente comandam redes de desmanches, além de policiais

aposentados384 e de demais pessoas habituadas á prática policial ostensiva, o que

reforça o forte atrativo deste viés mercantil, corroborando com a tese de que não há

crime organizado sem corrupção, seja ela política ou policial.

6.3 – Os desmanches e ferros-velhos

Atualmente, os donos deste tipo de negócio formam o perfil “clássico” dos

receptadores, e isto se deve, muito em virtude do patrocínio que ocorre entre tal

atividade econômica e a prática de roubos e furtos de veículos, sendo a própria

receptação em elo entre tais crimes. Neste sentido, a própria investigação policial dá

maior atenção a este tipo de negócio, pois os desmanches demandam por peças

utilizadas na venda e na clonagem de veículos, havendo inclusive conexões

materiais e teleológicas entre tais crimes e o tráfico de drogas. 385

ARAÚJO386 reafirma uma ideia consolidada há mais de trinta anos no Brasil,

de que desmanches e ferros-velhos são frequentemente utilizados pelo crime

organizado como modo de “esquentar” documentos frios de veículos, pois recebem

383

ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012. 384

ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012. 385

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 386

ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Da necessidade de se punir com maior rigor os crimes de receptação dolosa habitual; da ação anti-social e danosa do receptador que estimula menores penalmente inimputáveis à prática de infrações contra o patrimônio e dos instrumentos legais à disposição do Juiz. Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, São Paulo, 1989. n.4, p.19.

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as mais variadas mercadorias, acarretando em um prejuízo incalculável aos

legítimos proprietários e seguradoras.

De toda sorte, os desmanches seguem sendo o principal mercado clandestino

do roubo e do furto de veículos, até porque esta modalidade de negócio é

abastecida por uma extensa e bem organizada rede de receptadores, quase sempre

bem camuflados ou revestidos mediante regularização de papéis e registros. 387

No que concerne ao crime de receptação promovida por desmanches, às

prisões estão repletas de jovens com idade igual ou pouco superior a dezoito anos,

uma clara decorrência do aliciamento de receptadores, que estão sempre prontos

para receber bens roubados ou furtados, dando estímulo e margem a uma grave

continuidade delitiva. 388

7. O ciclo do furto de veículos e a receptação

Na maior parte dos casos, os veículos furtados são destinados para ferros-

velhos, desmanches e oficinas, onde as peças são vendidas e comercializadas

muitas vezes livremente. Dentro do imenso mercado de peças e carros furtados,

existe um ciclo cuidadosamente organizado por criminosos, onde perduram alguns

regramentos bem claros, como veremos a seguir: 389

O desenvolvimento destes delitos patrimoniais percebe uma cadeia

consequencial de etapas, envolvendo distintos tipos de criminosos, cada qual,

restrito a uma determinada função dentro da organização criminosa.390

7.1– O receptador primário

Destarte, impieroso citar que neste delito é necessária a existência de um

esquema de receptação iniciado a partir da figura de um receptador primário,

387

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.9. 388

ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Da necessidade de se punir com maior rigor os crimes de receptação dolosa habitual; da ação anti-social e danosa do receptador que estimula menores penalmente inimputáveis à prática de infrações contra o patrimônio e dos instrumentos legais à disposição do Juiz. Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, São Paulo, 1989. n.4, p.19. 389

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.18. 390

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.11.

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responsável pelo desmanche das peças de veículos furtados, atuando normalmente

em oficinas clandestinas onde oculta o veículo para realizar os serviços de corte.

Para todos os efeitos, o comércio de peças e de veículos furtados é realizado em

regiões distintas ao local onde ocorreu a subtração, fato que dificulta as ações

policiais repreensivas e contribui para a expansão deste crime.

Neste viés, um ladrão de carros há cerca de dez anos atrás recebia entre 500

a 1.000 reais pelo furto de um automóvel. 391 Hoje, o valor chega a 2.000 reais.

Um clássico receptador primário faz o uso de diversos meios para a

repartição de veículos, de modo que utiliza sofisticadas técnicas que incluem até o

uso de raios laser, dependendo é claro da habilidade e do investimento econômico

feito encima do seu serviço. Desta feita, este receptador executa com rapidez e

agilidade o desmonte dos veículos furtados, adulterando inclusive, os seus meios de

identificação, e realizando, uma média de três a cinco desmanches por dia. As

partes mais rentáveis de um veículo furtado são o motor e a caixa de câmbio, ao

passo a lataria é de fácil retirada, permitindo uma rápida ocultação desta parte.

De qualquer maneira, quando um veículo chega até um receptador se

estabelecem distintos modos de organização no seu trabalho, pois em alguns casos

o veículo subtraído não se destinará a comercialização, sendo tão somente utilizado

para outra ação criminosa (assalto, por exemplo), e logo em seguida abandonado.

392

7.2 – A conexão entre o receptador primário e as quadrilhas

O receptador primário realiza a encomenda de um furto de veículo com base

em características e peculiaridades desejadas, fazendo o contato através da estreita

conexão existente entre ele e algumas quadrilhas especializadas. Essas quadrilhas

possuem um chefe, que é o homem que coordena e gerencia o recrutamento dos

arrombadores (ladrões) que participarão da ação criminosa. 393

391

BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 392

ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012. 393

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.19.

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Realizado este recrutamento pelo chefe da quadrilha, o furto é consumado

com a imediata retirada do veículo das vias públicas, com o posterior

armazenamento no interior de um local fechado, espaço onde o receptador primário

irá trabalhar, fazendo os cortes e ajustes necessários no veículo furtado. 394

Neste esteio, os ladrões de carro levam cerca de 20 segundos para efetuar o

delito, e cerca de duas horas após a encomenda, o carro furtado já está em poder

de um segundo criminoso, já com uma nova placa de um carro regularizado. 395

7.3 – O recorte do veículo furtado

Nesta etapa, o receptador primário em alguns casos é auxiliado por

mecânicos especializados na utilização de maçaricos, instrumento utilizado no corte

de veículos. De modo genérico, este veículo será recortado em doze partes, todos

destinados à venda, e este procedimento é feito em pequenas oficinas espalhadas

por todo o estado. Importante mencionar que os criminosos lucram até doze vezes

mais com a venda de peças separadas do que através da venda do veículo inteiro, o

que mostra o poder deste tipo de crime dentro do mercado de repostos automotivos.

396

Cerca de 24horas após a ocorrência da subtração, já está pronta uma nova

documentação para o veículo furtado no nome de um dos criminosos, assim como já

foi alterado o chassi. A partir deste momento, o veículo será conduzido até o outro

estado ou ao exterior por um agente igualmente conhecido como “cabriteiro”. 397

Dentro do transporte do veículo furtado para outra localidade, o papel do

“cabriteiro” ou do “puxador” é de suma importância, pois independentemente do

destino do veículo subtraído, este elemento será sempre um dos elos fundamentais

para a consolidação de todo o ciclo de crimes. 398

394

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.20. 395

BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 396

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.20. 397

BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 398

ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012.

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7.4 – O receptador final, desmanches e ferros-velhos

Encerrando o processo de recorte do veículo furtado, o receptador primário

fará a venda das peças para donos de desmanches, oficinas e ferros-velhos,

também conhecidos aqui como receptadores finais. A figura desse tipo de

receptador está atrelada a venda destas peças ao público em geral, muitas vezes

sob o revestimento de todas as formalidades legais exigidas. Vale ressaltar que há,

para todos os efeitos uma plena consciência por parte do receptador final sob a

origem ilícita das peças.

O puxador iniciará a viagem rumo ao exterior preferencialmente durante o

período noturno, pois há menos policiais nas rodovias. Caso o veículo furtado venha

ser parado, possivelmente este será liberado em razão de documentos

aparentemente legítimos. 399

O veículo entra no Paraguai através da Ponte da Amizade (Foz do Iguaçu –

Ciudad del Este). No caso de quadrilhas menos sofisticadas, a travessia é

geralmente realizada por balsas clandestinas, atravessando o rio Paraná. 400

Com o intuito de dificultar ações policiais, por vezes o receptador primário

realiza a venda das peças para comerciantes de outras regiões com o uso de notas

fiscais frias (empresas fantasmas), sem qualquer menção sobre procedência da

carga. Na maioria dos casos, a mercadoria furtada é trazida para venda no Rio

Grande do Sul através de carretas provenientes de empresas situadas nos estados

de São Paulo ou do Paraná, conforme constantes relatos de criminosos presos e de

autoridades envolvidas nestas prisões. 401

7.5 – O consumidor final de peças furtadas

O fechamento do ciclo do furto ocorre com a venda das mercadorias aos

consumidores, figura que por vezes torna-se vítima da própria compra, pois

invariavelmente são estes os maiores financiadores e também os maiores lesados

desta extensa rede criminosa, comprando peças que podem ter sido furtadas deles

399

BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 400

BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 401

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.20.

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132

mesmos no passado. Essas vendas são feitas com ou sem notas fiscais,

dependendo da natureza do estabelecimento comercial escolhido. 402

Neste estágio, o receptador já alterou os documentos e as placas do veículo

subtraído, cuja versão estrangeira (quase sempre paraguaia ou boliviana) já estava

finalizada antes mesmo da chegada do veículo a este país. Posteriormente, o

veículo é vendido no exterior com uma grande margem de lucro, venda quase

sempre feita pelo próprio autor da encomenda. 403

8. O ciclo do roubo de veículos e a receptação

Entre os crimes patrimoniais, nenhum delito possui tanta visibilidade social

quanto o roubo, seja pela sensação de insegurança causada, ou pela conjuntura

catastrófica do país nos quesitos educação, saúde, segurança pública e cultura,

fatores que facilitam a criminalidade e tornam este crime um problema muito aquém

de uma questão meramente policial.404

O roubo de veículo cujo objeto central é a posterior comercialização dentro do

território nacional, é formado a partir de uma conjunção de fases, cada qual com a

sua característica peculiar, a citar:

8.1– A encomenda pelo receptador final

Ocorre aqui um primeiro contato, que nasce da encomenda de um veículo

(ano, cor, modelo, etc.) por um comprador, também conhecido como receptador

final. Geralmente este comprador não reside na mesma região onde será realizado o

serviço, aliás, ele sequer realiza um deslocamento até este local, fazendo a

encomenda quase sempre a partir de um estado diverso ao seu. Caso o destino final

do veículo seja um dos muitos países limítrofes ao Brasil, será neste país o local de

domicílio do receptador final. 405

402

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.21. 403

BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 404

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 405

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.11.

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133

Na maioria das vezes o acerto da encomenda é realizado de maneira

antecedente, onde a maior parte do valor deste acordo fica com o ao chefe da

quadrilha, que divide o restante e repassa aos assaltantes (estes recebem a menor

parte). O fato é que neste tipo de ação quase sempre ocorre à preferência pelo

roubo em detrimento do furto, pois obviamente a primeira conduta não danifica o

veículo, ao passo que na segunda há a possibilidade deste “prejuízo”. 406

8.2 – O receptador intermediário

A encomenda do veículo desejado é feita pelo receptador final por meio de

um receptador intermediário, que igualmente na regra geral não reside no local onde

será realizada a ação criminosa. A diferença entre estes receptadores está no fato

de que o intermediário irá se dirigir a região onde será feito o trabalho, realizando a

contratação do serviço via contato com um chefe de quadrilha. O mesmo receptador

intermediário apresentará as armas, o dinheiro e as características da encomenda,

ficando na cidade até o momento da consumação do crime. Após a concretização da

ação, o receptador intermediário receberá das mãos da quadrilha o veículo, para

então removê-lo até a sua região, onde ele irá escondê-lo, fazendo uma revisão

antecedente antes do destino final. A grande maioria dos receptadores

intermediários que agem no Rio Grande do Sul reside no Paraná ou no oeste de

Santa Catarina, realizando, por mês, algumas viagens a Porto Alegre onde

geralmente ficam hospedados entre 48 e 72 horas, na maioria dos casos em finais

de semana, entre quintas e sábados. 407

8.3 – O chefe da quadrilha

Cada receptador intermediário possui uma lista (um catálogo) com nomes de

sujeitos que podem ser contratados para executar determinado tipo de roubo. Aqui é

novamente apresentada a figura do chefe de quadrilha, o agente responsável pela

406

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.12. 407

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.12.

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134

plena execução do crime, pois é ele quem coordena o bando que irá praticar a ação.

408

O chefe fará a ligação direta com o bando (como é chamado no meio),

geralmente composto por duas a quatro pessoas, com idades em torno de vinte

anos. Importante mencionar a grande rotatividade de agentes escolhidos para a

formação de bandos, pois deste modo haverá maiores complicações para fins

investigatórios por parte da polícia. Em razão desta constante alternância, em cada

nova ação, o chefe irá “fechar” com um bando distinto, sendo ele dissolvido na

sequência. 409

8.4 – A ação da quadrilha no roubo

Aqui ocorre a preparação para a ação delitiva, ocorrendo em média 72 horas

antes do crime. É realizado então o planejamento da ação, com ampla discussão de

detalhes, como por exemplo, rotas de fuga, horário escolhido, métodos de ataque,

segurança, e outros acertos. Urge ressaltar que em muitos casos a própria quadrilha

opta furtar um veículo para a ação final do roubo, quase sempre veículos leves,

rápidos, potentes e discretos.

8.4.1 – O momento da ação, passo a passo:

Abaixo, um exemplo do método de organização criminosa em um roubo bem

sucedido. Os passos retratados são resultantes dos depoimentos de chefes de

quadrilha presos.

1 – O chefe da quadrilha reúne o bando e discute a função de cada

agente no momento do assalto;

2 – É realizado um ensaio pelo bando, inclusive com o método de

abordagem da vítima;

3 – Um dia antes da ação, é iniciada a preparação final para o assalto;

4 – A quadrilha realiza o furto de dois carros velozes e pouco

chamativos, a serem usados no crime;

408

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.12. 409

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.12.

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135

5 – Os carros que foram furtados são ocultados no interior de um

depósito ou garagem clandestina, onde as suas placas são alteradas;

6 – Na data marcada, o bando faz uma reunião (na maioria das vezes

no final da tarde) para o acerto dos detalhes finais, assim como para a

confirmação da encomenda;

7 – Após o acerto final, o bando consome drogas e álcool. Depois, saem

rumo à execução pelas ruas;

8 – O roubo é realizado, e após isto, o veículo é entregue na mesma

noite para o receptador intermediário. Os veículos furtados são

abandonados.

9 – Na hipótese do veículo encomendado não ser encontrado, o serviço

é adiado para outra data, desde que a encomenda seja novamente

confirmada. 410

8.4.2 – Horários, métodos de abordagem e roubo de documentos

Na grande maioria dos carros, os roubos são efetuados quando o veículo se

encontra estacionado em via pública. Os dias favoritos são quinta e sexta-feira, de

preferência no horário das 18h às 24h. Outro fator impressionante é que, quase

sempre os documentos e demais pertences da vítima também são roubados, sendo

grande parte destes itens vendidos pelo bando para estelionatários, fomentando

este outro mercado e estendendo as “teias” do crime organizado. 411

8.5 – A figura do “puxador”

Nesta etapa, o veículo roubado é entregue ao receptador intermediário, ou

para outra pessoa responsável pela retirada do veículo do Estado onde foi realizada

a ação criminosa. Caso este intermediário resida no Rio Grande do Sul, a

mercadoria ficará escondida para uma ulterior remoção. Caso contrário (como é na

imensa maioria dos casos), o veículo já sairá do Estado na mesma noite dos fatos,

410

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.13. 411

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14.

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136

conduzido por um habilidoso motorista, figura conhecida no meio como “puxador”,

que é contratado pelo receptador intermediário. 412

8.6 – A saída do veículo do local do crime

Nesta etapa, o veículo poderá ser levado para um destino intermediário ou

diretamente para o seu destino final, como veremos abaixo cada uma das situações:

413

8.6.1 – O destino intermediário

No caso específico desta modalidade, o carro roubado poderá será levado

para outra cidade dentro do mesmo Estado (no caso específico, o Rio Grande do

Sul), geralmente em cidades distantes ou periféricas, dentro da própria Região

Metropolitana de Porto Alegre. A partir de então, receptadores locais irão armazenar

o veículo, executando revisões e vistorias no mesmo, realizando testes da condição

do automóvel. Feito estes ajustes, o veículo poderá ser novamente conduzido por

um puxador rumo ao seu destino final, ou por qualquer outra pessoa, geralmente

escolhida por não despertar suspeitas (há quadrilhas que usam casais com mais de

quarenta anos, e até mesmo crianças e idosos neste momento). 414

Sendo o carro objeto de venda futura dentro do próprio país e em condições

perfeitas (como em feiras de automóveis ou revendas), os criminosos produzem toda

uma prova técnica no sentido de adulterar todas as numerações possíveis, com a

troca das placas, e dos chassis, assim como algumas alterações nas características

básicas do veículo. Este trabalho é geralmente realizado em oficinas mecânicas ou

depósitos ocultos. 415

412

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 413

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 414

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 415

ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012.

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137

Já na hipótese do carro ter como destino qualquer outra ação delituosa, os

criminosos não fazem nada, apenas ocultam o veículo por um determinado tempo e

depois abandonam em qualquer local ermo e longe de testemunhas. 416

8.6.2 – O destino final

Nesta situação, o veículo roubado sai rumo ao destino final na mesma noite

do roubo, especialmente na madrugada, conduzido pelas mesmas figuras

supramencionadas (puxadores ou pessoas que não despertem qualquer tipo de

suspeita). Motoristas presos relatam que em média levam 4 horas para retirar o

veículo do Rio Grande do Sul, e 8 horas para tirá-lo do país, conforme o caso. 417

Com frequência, há o transporte internacional ou interestadual dos veículos

subraídos, pois os destinos finais são geralmente lugares distantes do local onde foi

praticada a ação, sendo uma forma efetiva de dificultar o trabalho investigativo da

polícia. O fato é que o aumento de pena preconizada na forma do artigo 157,

parágrafo 2º, inciso IV do Código Penal não inibe e tão pouco intimida a ação de

quadrilhas. Nesta seara, o uso dos chips como modo de rastrear veículos parece ser

uma solução adequada a este problema endêmico, 418 consoante veremos a seguir.

8.6.3 – O serviço de batedores

Muitas vezes são utilizados batedores no transporte de veículos roubados,

sendo este um meio de segurança para a fuga. De modo geral, os batedores usam

carros legalizados e sem qualquer irregularidade documental, guiando alguns

quilômetros na frente com o intuito de verificar eventuais barreiras policiais e

efetuando uma constante comunicação com o puxador que conduz o carro roubado

atrás, alertando sobre todas as condições da rodovia, para uma fuga segura. Ainda,

importante mencionar que neste tipo de procedimento (uso de batedores), é comum

416

ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012. 417

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 418

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012.

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138

a realização de um comboio, transportando uma série de veículos roubados de uma

só vez. 419

8.6.4 – As rotas de fuga

Os depoimentos de criminosos presos e de policiais levaram a identificação

das principais rotas de fuga de carros roubados a partir da cidade de Porto Alegre, a

contar: 420

Porto Alegre – Carazinho – Iraí – Maravilha (SC) – Foz do Iguaçu

(PR) – Paraguai;

Porto Alegre – Passo Fundo – Erechim - Santa Catarina e Paraná

(localidades não determinadas) – Epitácio Pessoa (SP) – Corumbá

(MS) – Bolívia;

Porto Alegre – Pelotas – Santa Vitória do Palmar – Chuí – Uruguai;

Porto Alegre – Passo Fundo – Santa Ângelo – Santa Rosa – Porto

Xavier – Argentina – Paraguai – Bolívia

Porto Alegre – Torres – SC e PR (via BR-101) – Centro e Norte do

Brasil

Porto Alegre – Caxias do Sul – Vacaria – SC e PR (via BR-116) –

Centro e Norte do Brasil

8.7 – A entrega do veículo ao receptador final

Na última fase deste ciclo do roubo de carros, de maneira genérica o

receptador final irá realizar a legalização do veículo para uma nova venda no

mercado. Na maioria das vezes, assim como ocorre na maior parte do Brasil, o

destino final dos carros roubados em solo gaúcho são a Bolívia e o Paraguai,

utilizando principalmente como via de entrada as cidades de Puerto Iguazú e Ciudad

del Este (Paraguai) e Puerto Quijaro (Bolívia).421

9. Perspectivas de combate aos crimes de roubo e furto de veículos

419

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 420

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.15. 421

GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.16.

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139

Os automóveis estão no centro das ocorrências policiais em razão da sua

utilização como moeda no tráfico de drogas, em execuções promovidas por

quadrilhas, em sequestros, e claro, em roubos dos mais diversos tipos. Por certo

que a revenda de veículos roubados cria uma extensa cadeia de crimes, como por

exemplo, o financiamento de assaltos a banco. 422

Num passado recente, a busca por uma firme adequação da demanda social

pela resolução destes delitos criou uma norma qualificadora visando punir com

maior severidade o agente que envia veículos roubados ou furtados para outros

estados ou para o exterior. Entretanto, naquele momento foram ignoradas quaisquer

mudanças no que tange às modalidades tradicionais de furtos e roubos de

automóveis, que perturbam e afetam em demasia a vida dos cidadãos, pois

evidentemente nem sempre haverá o transporte dos bens subtraídos para estes

locais, e a destinação do produto não altera o nível de periculosidade do sujeito,

mostrando que tal medida possui maior cunho político do que penal. 423

Hoje, a resolução deste tipo de delito parece visualizar alternativas diversas

do aumento de pena, estando mais focadas à própria prevenção, seja através de

operações da Polícia Federal nas fronteiras424 ou do uso de novas tecnologias,

como veremos a seguir:

9.1 – A resolução 227/2010 do DETRAN – O chip veicular

Uma das grandes esperanças no combate ao roubo e ao furto de veículos

está no uso de rastreadores veiculares, cuja obrigatoriedade se estenderá a todos

os caminhões e automóveis que saírem de fábrica no país a partir do ano de 2013.

Nesta tecnologia há possibilidade da localização do veículo por meio de GPS,

possibilitando o pronto bloqueio do carro no caso de eventual subtração. Inclusive, o

proprietário do veículo poderá instalar pontos de ativação de alerta de roubo no

interior do próprio veículo. 425

422

TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4. 423

BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre o furto, roubo e receptação, segundo a IF-9426 de 1996. Boletim Ibccrim., São Paulo, 1997. n.53, p.12. 424

GOSMAN, Eleonora. Gigantesco operativo militar de Brasil en sus fronteras. Diário Clarín, Buenos Aires, 8 de Agosto de 2012. Disponível em <http://www.clarin.com/mundo/Gigantesco-operativo-militar-Brasil-fronteras_0_751724899.html> Acesso em 19 out. 2012. 425

TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4.

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140

Nestes termos, o DETRAN instituiu até o prazo máximo do ano de 2014 a

obrigatoriedade do uso de chips de identificação em todos os veículos do país, ato

realizado na forma da resolução nº. 227 do ano de 2010, que prevê a

implementação do Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos –

SINIAV,426 tecnologia que permitirá a instantânea localização de veículos e em

tempo real, em qualquer local onde se encontrem 427.

Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, 428 este sistema

funcionará baseado na radiofrequência, onde os sinais serão emitidos por antenas

existentes em cidades e rodovias. A partir de então, o sinal será captado por um

pequeno chip instalado no pára-brisa de veículos de passeio, ou em demais locais,

como no caso se caminhões e motos. Este tag eletrônico possibilitará o controle do

trafego dos veículos em tempo real, pois o chip enviará todos os dados do veículo

para as antenas, que enviarão os dados para as centrais de processamento,

permitindo a pronta verificação da situação do veículo e a sua localização.

Por fim, cumpre destacar que apesar de complexa, esta tecnologia constitui

uma solução barata e segura, onde há a plena possibilidade da localização de um

veículo furtado, criando maiores possibilidades de recuperação. Neste compasso,

este mecanismo poderá fiscalizar inclusive a velocidade média dos veículos.

9.2 – A lei gaúcha dos desmanches

As estatísticas dão conta que pelo menos 20% do total de veículos furtados

ou roubados são destinados para desmanches. O Rio Grande do Sul buscou a

regulamentação desta atividade comercial através da criação da Lei Estadual n°

12.745/07, mas até então, apenas um quarto do número total de desmanches

procurou os órgãos do DETRAN/RS para a regulamentação das atividades

comerciais (são cerca de três mil desmanches no estado). Deste total, apenas um

décimo obteve a homologação dos seus documentos junto ao órgão público, mas na

426

DETRAN. Siniav: Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos. Brasília, 7 de abril de 2011. Disponível em <http://www.denatran.gov.br/siniav.htm> Acesso em 18 out. 2012. 427

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 428

PORTAL BRASIL, Sistema de identificação automática de veículos entrará em vigor no início de 2013. Jus Brasil. 3 de outubro de 2012. Disponível em <http://rf-brasil.jusbrasil.com.br/politica/103566659/sistema-de-identificacao-automatica-de-veiculos-entrara-em-vigor-no-inicio-de-2013> Acesso em 18 out. 2012.

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141

prática, nenhum deles ainda está devidamente credenciado, o que mostra o

vagaroso andamento desta lei em solo gaúcho. 429

10. Estatísticas de roubos e furtos de veículos

No caso do Rio Grande do Sul, o ápice do número destes crimes patrimoniais

se deu no ano de 2006, com uma incrível média de 92 carros roubados ou furtados

por dia. Tal tendência foi aparentemente revertida em virtude da realização de

muitas blitze, baixando este número para 69 carros por dia no ano de 2010. 430

Atualmente observa-se um novo aumento do número de crimes de latrocínio

no Rio Grande do Sul, e fundamentalmente este crime encontra-se revestido por

ações de criminosos em roubos a carros. Contrariando anos anteriores, o número de

furtos e roubos de carro voltou a crescer no estado: No ano de 2011 ocorreu uma

média de 70 roubos e furtos de carro por dia no estado. Em 2012 este número subiu

para 74, o que mostra o quão aterrador persiste sendo este quadro. 431

Sobre o roubo de veículos, dispõe a Secretaria de Segurança Pública o que

segue: 432

Neste delito, considerados os meses de setembro de 2011 e 2012,

verificou-se um acréscimo de 5,3%. Analisando-se o cenário nacional

também se percebe um aumento nesta modalidade criminosa. No

Estado de São Paulo houve um crescimento no roubo de veículos de

17,1% nos sete primeiros meses do ano. Já no Estado do Rio de Janeiro

o aumento nos roubos de veículos foi de 28% de janeiro até maio. Em

Minas Gerais esse tipo de crime teve um incremento de 10,5% no

primeiro semestre deste ano. Em Brasília a modalidade apresentou um

crescimento de 57,6% (de 1.929 para 3.040), no comparativo entre os

meses de janeiro a setembro de 2012 e 2011.

429

TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4. 430

TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4. 431

TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4. 432

RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Departamento de Gestão da Estratégia Operacional - Divisão de Estatística Criminal. Porto Alegre. Disponível em: http://www.ssp.rs.gov.br/upload/20121029183330caderno_de_dados_gerenc. 10.12___rs.pdf. Acesso em 02 nov. 2012.

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142

A seguir, seguem gráficos com as estatísticas de roubos e furtos de veículos

no município de Porto Alegre, no período compreendido entre janeiro e junho de

2012 433

10.1 – Relação de marcas e modelos em número de furtos e roubos 434

Figura 01

433

RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012. 434

RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012.

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10.2 – Número de ocorrências por dia da semana e ranking de ruas e bairros 435

Figura 02

435

RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012.

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10.3 – Perfis das vítimas – Idade e sexo 436

Figura 03

436

RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012.

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10.4 – Mapa das ocorrências de roubo e furto no município de Porto Alegre 437

Figura 04

437

RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012.

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10.5 – Dados da Secretaria de Segurança Pública – Comparativo entre 2011 e

2012 438

Indicadores de crimes – Roubo, furto e latrocínio

Secretaria da Segurança Pública - Departamento de Gestão da Estratégia

Operacional - Divisão de Estatística Criminal

Ano de 2011 Ano de 2012 (até Agosto)

Tabela 02

Mês Furtos *Latroc. Roubos Mês Furtos *Latroc. Roubos

Janeiro 1.284 6 886 Janeiro 1.207 4 876

Fevereiro 1.068 8 894 Fevereiro 1.074 6 1.006

Março 1.267 4 1.070 Março 1.239 6 1.010

Abril 1.201 10 966 Abril 1.216 10 967

Maio 1.305 6 928 Maio 1.306 5 1.021

Junho 1.241 5 792 Junho 1.243 7 944

Julho 1.216 10 924 Julho 1.368 5 982

Agosto 1.273 9 980 Agosto 1.400 5 1.068

Setembro 1.286 7 920 Setembro - - -

Outubro 1.223 5 934 Outubro - - -

Novembro 1.147 4 911 Novembro - - -

Dezembro 1.120 8 761 Dezembro - - -

TOTAL 14.631 82 10.966 TOTAL 10.053 48 7.874

* Abreviação de latrocínios

438

RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Departamento de Gestão da Estratégia Operacional - Divisão de Estatística Criminal. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.ssp.rs.gov.br/?model=conteudo&menu=189>. Acesso em 02 out. 2012.

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CONCLUSÃO

Esta monografia teve como objetivo central a fiel exposição de um dos

“principais tentáculos” do crime organizado na nossa sociedade, o roubo, o furto e a

receptação de veículos, promovidos, sobretudo por um contexto socialmente

desequilibrado e ao mesmo tempo dependente destes bens, onde cada vez mais os

números da frota de veículos se acercam ao número total de habitantes, fato antes

de tudo, absurdo.

A escolha do tema se deu em virtude da translúcida importância desta

modalidade de crimes dentro dos quadros sociais e penais vigentes, pois os efeitos

e consequências de tais práticas envolvem e fomentam uma série de outros delitos,

onde o crime organizado detém um poder desafiador, seja pela força corruptível de

grandes receptadores e donos de desmanches, ou devido à série de execuções

promovidas por quadrilhas, principalmente no curso de ações criminosas ou em

disputas territoriais e mercantis.

Na construção deste trabalho, foi realizada uma ampla abordagem dos tipos

penais supracitados, com diferentes enfoques, o que culminou na divisão do mesmo

em dois capítulos, ainda que se tenha pensado na subdivisão em três, razão da

imprevisível extensão dado ao estudo. No que concerne à dispersão de conteúdos,

a monografia foi basicamente pensada para ser feita na forma do uso irrestrito de

citações indiretas, e assim sucedeu, pois esta espécie de análise permite, na minha

particular visão, um maior aprendizado.

O Capítulo I foi basicamente construído e planejado no sentido de fazer uma

apresentação dos tipos penais dos artigos 155, 157 e 180 do Código Penal

brasileiro, o furto, o roubo e a receptação, respectivamente. Desta forma, foram

mencionadas as posições e divergências doutrinárias sob as mais variadas formas e

modalidades delitivas, assim como demais regramentos, como previsões de

aumentos de pena, formas privilegiadas ou qualificadas, objetividade jurídica,

elementos, e conceitos gerais, com a utilização de diversos expoentes da doutrina

penal, como Nucci, Mirabete, Damásio de Jesus, Pierangeli, Parizatto, Bitencourt

entre outros.

No que diz respeito ao Capítulo II, o método de pesquisa foi bastante

complexo, pois ao contrário do capítulo anterior, o panorama fático do roubo, do

furto e da receptação de veículos exigiu um estudo sobre os seus mais variados

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prismas e nuances, como por exemplo, os ciclos destes crimes, o impacto social

causado por eles, os grandes mercados receptadores, dados estatísticos criminais,

entre outros aspectos técnicos que vão deste os métodos de regularização de

veículos roubados até o uso de automóveis como moedas de troca no exterior. Por

fim, foram enfatizadas questões pontuais sobre a eficácia do Direito Penal, com

abordagens analíticas sobre criminalidade, crime organizado e formação de

quadrilhas.

No condizente as pesquisa bibliográficas do Capítulo II, a amplitude de temas

explorados exigiu o estudo de uma extensa gama de fontes, onde foram utilizados

conteúdos de sites jurídicos como o Jus Navegandi e o Jus Brasil, de boletins

informativos da Brigada Militar, de artigos jurídicos do IBCCRIM, da análise de

documentos oficiais de entidades como a ONU, UNESCO e CEPAL (Comissão

Econômica para América Latina e Caribe), de dados das secretarias de segurança

pública dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, de reportagens de

importantes veículos de comunicação como Zero Hora, Clarín, e O Estado de São

Paulo, e de revistas como Veja, e Época, além das lições doutrinárias de grandes

expoentes como Zaffaroni e Roxin.

No tocante ao resultado final desta pesquisa, foi possível perceber que a

legislação penal brasileira segue desatualizada e ultrapassada na tutela e na

punição de crimes como o furto, o roubo e a receptação de veículos, pois

fundamentalmente tais delitos constituem parte integrante de ações comandadas e

gerenciadas pelo crime organizado, devendo perceber um tratamento similar a titulo

do que ocorre com o tráfico de drogas. Neste diapasão, a norma qualificadora

disciplinada pela Lei n° 9.426/96 (roubo e furto de veículos transportados para outro

estado ou exterior) torna-se inócua, pois em muitos casos, os furtos e roubos

promovidos por quadrilhas visam o abastecimento e o financiamento de crimes

dentro de uma mesma região ou localidade, o que denota a lógica limitação desta

lei, mais preocupada com a redução de custos operacionais do Estado do que com o

caráter preventivo e penalmente combatível, sobretudo através do uso de uma lei

mais rigorosa em comunhão com o trabalho dos setores de inteligência das polícias

estaduais e federais.

No concernente as criticas doutrinárias insurgidas contra uma excessiva

proteção patrimonial da norma penal brasileira, entendo como extremamente

pertinente tais apontamentos, pois à própria realidade física dos presídios e dos

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processos penais mostra um número extraordinário de condenações criminais neste

campo, ao passo que tal viés punitivo não é estendido a crimes contra a vida, por

exemplo. Contudo, além do crime organizado e de suas associações, existem dois

tipos de crimes contra o patrimônio que merecem uma máxima sanção penal a titulo

punitivo, pois a gravidade de tais condutas pode facilmente exceder crimes como o

homicídio, como é o caso do latrocínio e da extorsão mediante sequestro, delitos

cuja natureza hedionda encontra-se forjada por atos desumanos e repugnantes,

merecedores de penas severas em qualquer hipótese, não sendo exagero qualquer

vigência excessiva da norma penal aqui.

Outro fator emergido nesta pesquisa diz respeito aos aspectos sociais do

combate a criminalidade, pois de modo geral, os crimes contra o patrimônio são

praticados por classes sociais mais baixas, havendo uma discrepância punitiva

destes delitos em detrimento da escassa punição de condutas praticadas por

classes mais altas, especialmente no que diz respeito aos crimes tributários e nos

crimes contra a ordem financeira. Creio que tal distinção de tratamento incentiva a

criminalidade, inflando o sistema prisional de acordo com questões sociais, étnicas e

até mesmo raciais, o que corrobora com uma idéia de justiça medida pelo status ou

pelo poder econômico, ferindo os preceitos básicos da Carta Magna, pois não há

qualquer isonomia no nosso sistema penal.

Finalmente, insta mencionar a inexistência de qualquer ânimo por parte do

autor desta pesquisa em encerrar a exploração deste tema, pois os crimes aqui

estudados não serão limitados a esta monografia, devendo atender ao pertinente

interesse público. Outrossim, há uma particular pretensão do pesquisador no

aprofundamento dos mais diversos estudos desta área do Direito Penal, de modo

que este mero trabalho acadêmico sirva para futuras pesquisas e aprimoramentos

pessoais, pois a busca por novos conhecimento jamais cessa, e quando o fascínio

supera a comodidade, há um infindável mundo de descobertas.

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ANEXO A – DISPOSIÇÃO LEGAL PERTINENTE – CÓDIGO PENAL439 Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a

pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena

de multa.

§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Furto qualificado

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

III - com emprego de chave falsa;

IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que

venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426 , de

1996)

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou

violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade

de resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra

pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa

para si ou para terceiro.

§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.

IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou

para o exterior; (Incluído pela Lei nº 9.426 , de 1996)

V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. (Incluído pela Lei nº

9.426 , de 1996)

439

BRASIL. Presidência da República. Código Penal – Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 31 out. 2012.

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§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos,

além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

(Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996) Vide Lei nº 8.072 , de 25.7.90

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou

alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a

adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)

Receptação qualificada (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,

remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no

exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

(Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)

§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de

comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. (Redação dada pela Lei nº

9.426 , de 1996)

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o

preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:

(Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. (Redação dada pela Lei

nº 9.426 , de 1996)

§ 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de

que proveio a coisa. (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)

§ 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as

circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do

art. 155. (Incluído pela Lei nº 9.426 , de 1996)

§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa

concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput

deste artigo aplica-se em dobro. (Incluído pela Lei nº 9.426 , de 1996)

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em

prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

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Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é

cometido em prejuízo:

I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;

II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:

I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça

ou violência à pessoa;

II - ao estranho que participa do crime.

III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

(Redação dada pela L-010.741-2003).