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Cidades 6 ATRIBUNA VITÓRIA, ES, DOMINGO, 09 DE MARÇO DE 2014 FALE COM A EDITORA GIOVANA RANGEL E-MAIL: [email protected] CUIDADOS Cabeleireira tem atenção redobrada Jussara Morelatto é mãe do pe- queno Davi, de 2 anos. Dona de um salão de beleza, a cabeleireira re- dobra os cuidados com o filho, prin- cipalmente com relação aos produ- tos químicos com que trabalha. “Como mãe, ficamos preocupa- das e temos de ficar atentas o tempo todo. Não podemos deixar produtos químicos ao alcance deles. Por traba- lhar com um salão de beleza, a aten- ção tem de ser triplicada”, afirmou. Outra preocupação de Jussara é com relação a brinquedos e roupas. Ela observa, por exemplo, se o pro- duto solta tinta. “Mesmo você olhando o tempo to- do, a criança é muito ativa e curiosa. É preciso evitar já na compra esse ti- po de produto. Mas, graças a Deus, nunca tivemos nenhum problema.” LEONE IGLESIAS/AT Perigo em móveis e brinquedos Substâncias como tolueno e chumbo, que estão presentes em objetos do dia a dia das famílias, podem causar problemas neurológicos Keyla Cezini Leonardo Heitor E las são invisíveis, mas podem fazer um estrago. Um estudo recente alerta para uma epi- demia silenciosa de problemas neurológicos em crianças, causa- dos por substâncias presentes em móveis, brinquedos e alimentos. O estudo foi publicado na revista The Lancet Neurology e mostra quais são os 10 produtos químicos que mais podem alterar o compor- tamento dos filhos e acarretar pro- blemas neurológicos graves. De acordo com o estudo, subs- tâncias como o chumbo, tolueno (metilbenzeno), metilmercúrio, fluoreto e arsênico estão presentes no cotidiano das residências e as crianças são as que mais sofrem com esta exposição. Mas, segundo o presidente do Departamento de Neurologia da Sociedade de Pediatria de São Pau- lo, Saul Cypel, os adultos também podem sofrer distúrbios relaciona- dos a esses elementos químicos. “O chumbo, que é o mais conhe- cido, é um metal pesado e é co- mum que ele seja usado em tintas, inclusive de brinquedos. Isso pode trazer problemas de intoxicação inclusive nos neurônios, gerando encefalopatias. As crianças são as maiores vítimas, mas adultos po- dem sofrer com isto também”, ex- plicou. Segundo o médico, no fim do ano passado, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecno- logia (Inmetro) recolheu diversos brinquedos importados que não passaram no teste de chumbo. O neurologista destacou que in- seticidas também são grande ini- migos da saúde das crianças. “Os inseticidas liberam uma enzima chamada colinesterase que provoca alterações da sudo- rese, diminuição do batimento cardíaco, náusea e aceleração dos movimentos intestinais”, relatou Cypel. De acordo com o pediatra Val- min Ramos, os riscos de intoxica- ção por essas substâncias são maiores quando elas estão presen- tes nos alimentos. “Quando elas estão em móveis ou brinquedos, até existe o risco de intoxicação, principalmente para crianças pequenas, que têm o há- bito de colocar os objetos na boca. Mas, para isso acontecer, elas têm que fazer a ingestão muitas e mui- tas vezes”, ponderou. “Dessa forma, intoxicações por mercúrio, por exemplo, que está presente em peixes contaminados são mais comuns”, explicou. AS 10 SUBSTÂNCIAS MAIS PERIGOSAS PARA AS CRIANÇAS 1 Chumbo > AS PRINCIPAIS formas de contami- nação por chumbo se dão na inges- tão de alimentos ou água contami- nados e por inalação. > POR ESTAR presente em muitas tin- tas, também há o risco de contami- nação quando a criança põe um brinquedo na boca, por exemplo. Apesar de haver regras que determi- nam o percentual de chumbo nas tin- tas, é possível encontrar brinquedos fora das normas. A exposição a chumbo está associada na infância ao desempenho escolar reduzido. 2 Tolueno ou metilbenzeno > PRESENTE em colas, como de sapa- teiro e marceneiro, é usada também como solvente, em pinturas, revesti- mentos, borrachas e resinas. Tem si- do associada a problemas cerebrais e déficit de atenção na infância. > PODE estar presente em brinquedos de madeira. Mas, geralmente, eva- pora até que ele chegue à criança. 3 Metilmercúrio > A EXPOSIÇÃO afeta o desenvolvi- mento neurológico do feto e muitas vezes vem pela ingestão materna de peixe com altos níveis de mercúrio. > OS EFEITOS perduram por anos. Pro- blemas apresentados por crianças aos 7 anos podem ser detectados aos 14. > O MERCÚRIO ainda é utilizado no Brasil em regiões de garimpo e, com o contato com a água, pode contami- nar peixes. 4 Bifenilos policlorados – PCBs > ESSES produtos químicos têm sido associados à função cognitiva redu- zida na infância. É utilizado como isolante em equipamentos indus- triais. Mas, devido principalmente ao descarte inadequado desses apare- lhos, a substância é encontrada em alimentos como peixes, carnes e de- rivados do leite. 5 Éteres de difenila polibromados > SÃO MUITO usados como retardado- res de chamas, para proteger móveis, tapetes e roupas, e podem ser neuro- tóxicos. Estudos na Europa e nos EUA têm mostrado déficits de desenvolvi- mento neurológico em crianças com STOCK EXCHANGE CRIANÇA BRINCA COM CARRINHOS: substâncias utilizadas em tintas, plásticos e borrachas de brinquedos podem ser tóxicas aumento da exposição pré-natal. 6 Tetracloroetileno > USADO como desengraxante de pe- ças metálicas, em lavagens a seco, na indústria têxtil e em produtos de lim- peza e de borracha laminada. Pesqui- sa mostrou tendência para deficiên- cias neurológicas em crianças. 7 Bisfenol A ou BPA > O BPA é usado na fabricação de po- licarbonato, base da maioria dos plásticos rígidos e transparentes, como lanternas de carros e óculos. > A AGÊNCIA Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu no Brasil a venda de mamadeiras e utensílios li- gados à alimentação que contenham a substância. O BPA tem sido asso- ciado a diversos tipos de câncer e problemas reprodutivos, além de obesidade, puberdade precoce e doenças cardíacas. 8 DDT (pesticidas) > ESTÃO LIGADOS a anormalidades no desenvolvimento neurológico em crianças. Estudos recentes também o relacionam ao mal de Alzheimer. Cos- tumam estar presentes em inseticidas domésticos. Mas, no Brasil, a Anvisa proibiu a produção e a comercializa- ção dos produtos à base do princípio. 9 Fluoreto > ESTÁ principalmente em cremes dentais e antissépticos bucais. Estu- dos com crianças expostas a níveis elevados de flúor sugerem um de- créscimo de QI de cerca de 7 pontos. > POR ISSO, cremes dentais não po- dem ser ingeridos e, para crianças pequenas, eles não devem conter a substância. 10 Arsênio (arsênico) > É EMPREGADO em processos de fun- dição de metais e na conservação de madeira e couro. > EXPOSIÇÕES no pré-natal e pós-na- tal ao arsênico em água potável con- taminada estão associadas a déficits cognitivos em crianças com idade es- colar, além do risco elevado de doen- ça neurológica durante a vida adulta. Fonte: The Lancet Neurology e professor de Química Mário Broetto. ANÁLISE “O perigo maior está na cozinha de casa” “A solução para estes proble- mas de intoxicação passam por três esferas: residências, cre- ches e escolas e poder público. Em casa e nas escolas, os cui- dados têm de ser diferentes, de acordo com a faixa etária das crianças e com o ambiente. As crianças pequenas, de até 1 ano de idade, por exemplo, têm uma participação quase que passiva nos acidentes. Na maior parte das vezes, eles acontecem porque dão algo tóxico para os filhos ingerirem ou armazenam algo em local inadequado. Já quando o ambiente é a co- zinha, é preciso ter muitos cui- dados. Ela é muito perigosa, por causa dos inseticidas, detergen- tes e produtos de limpeza em ge- ral. Ou seja, não é um bom lugar para crianças de qualquer idade, principalmente sozinhas. Atualmente, existe um receio grande até das próprias indús- trias em usar produtos tóxicos em seus itens, temendo ações judiciais, o que é benéfico para a população.” Celso Murad, chefe do serviço de pediatria do Hospital Santa Rita de Cássia

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Ci d a d e s6 ATRIBUNA VITÓRIA, ES, DOMINGO, 09 DE MARÇO DE 2014

FALE COM A EDITORA GIOVANA RANGEL E-MAIL: [email protected]

C U I DA D O S

Cabeleireira tem atenção redobradaJussara Morelatto é mãe do pe-

queno Davi, de 2 anos. Dona de umsalão de beleza, a cabeleireira re-dobra os cuidados com o filho, prin-cipalmente com relação aos produ-tos químicos com que trabalha.

“Como mãe, ficamos preocupa-

das e temos de ficar atentas o tempotodo. Não podemos deixar produtosquímicos ao alcance deles. Por traba-lhar com um salão de beleza, a aten-ção tem de ser triplicada”, afirmou.

Outra preocupação de Jussara écom relação a brinquedos e roupas.

Ela observa, por exemplo, se o pro-duto solta tinta.

“Mesmo você olhando o tempo to-do, a criança é muito ativa e curiosa.É preciso evitar já na compra esse ti-po de produto. Mas, graças a Deus,nunca tivemos nenhum problema.”

LEONE IGLESIAS/AT

Perigo em móveis e brinquedosSubstâncias comotolueno e chumbo, queestão presentes emobjetos do dia a dia dasfamílias, podem causarproblemas neurológicos

Keyla CeziniLeonardo Heitor

Elas são invisíveis, mas podemfazer um estrago. Um estudorecente alerta para uma epi-

demia silenciosa de problemasneurológicos em crianças, causa-dos por substâncias presentes emmóveis, brinquedos e alimentos.

O estudo foi publicado na revistaThe Lancet Neurology e mostraquais são os 10 produtos químicosque mais podem alterar o compor-tamento dos filhos e acarretar pro-blemas neurológicos graves.

De acordo com o estudo, subs-tâncias como o chumbo, tolueno(metilbenzeno), metilmercúrio,fluoreto e arsênico estão presentesno cotidiano das residências e ascrianças são as que mais sofremcom esta exposição.

Mas, segundo o presidente doDepartamento de Neurologia daSociedade de Pediatria de São Pau-lo, Saul Cypel, os adultos tambémpodem sofrer distúrbios relaciona-dos a esses elementos químicos.

“O chumbo, que é o mais conhe-cido, é um metal pesado e é co-

mum que ele seja usado em tintas,inclusive de brinquedos. Isso podetrazer problemas de intoxicaçãoinclusive nos neurônios, gerandoencefalopatias. As crianças são asmaiores vítimas, mas adultos po-dem sofrer com isto também”, ex-plicou.

Segundo o médico, no fim doano passado, o Instituto Nacionalde Metrologia, Qualidade e Tecno-logia (Inmetro) recolheu diversosbrinquedos importados que nãopassaram no teste de chumbo.

O neurologista destacou que in-seticidas também são grande ini-migos da saúde das crianças.

“Os inseticidas liberam umaenzima chamada colinesteraseque provoca alterações da sudo-rese, diminuição do batimentocardíaco, náusea e aceleração dosmovimentos intestinais”, relatouCy p e l .

De acordo com o pediatra Val-min Ramos, os riscos de intoxica-ção por essas substâncias sãomaiores quando elas estão presen-tes nos alimentos.

“Quando elas estão em móveisou brinquedos, até existe o risco deintoxicação, principalmente paracrianças pequenas, que têm o há-bito de colocar os objetos na boca.Mas, para isso acontecer, elas têmque fazer a ingestão muitas e mui-tas vezes”, ponderou.

“Dessa forma, intoxicações pormercúrio, por exemplo, que estápresente em peixes contaminadossão mais comuns”, explicou.

AS 10 SUBSTÂNCIAS MAIS PERIGOSAS PARA AS CRIANÇAS1 Chumbo> AS PRINCIPAIS formas de contami-

nação por chumbo se dão na inges-tão de alimentos ou água contami-nados e por inalação.

> POR ESTAR presente em muitas tin-tas, também há o risco de contami-nação quando a criança põe umbrinquedo na boca, por exemplo.Apesar de haver regras que determi-nam o percentual de chumbo nas tin-tas, é possível encontrar brinquedosfora das normas. A exposição achumbo está associada na infânciaao desempenho escolar reduzido.

2 Tolueno ou metilbenzeno> PRESENTE em colas, como de sapa-

teiro e marceneiro, é usada tambémcomo solvente, em pinturas, revesti-mentos, borrachas e resinas. Tem si-do associada a problemas cerebrais edéficit de atenção na infância.

> PODE estar presente em brinquedosde madeira. Mas, geralmente, eva-pora até que ele chegue à criança.

3 M e t i l m e rc ú r i o> A EXPOSIÇÃO afeta o desenvolvi-

mento neurológico do feto e muitasvezes vem pela ingestão materna depeixe com altos níveis de mercúrio.

> OS EFEITOS perduram por anos. Pro-blemas apresentados por crianças aos7 anos podem ser detectados aos 14.

> O MERCÚRIO ainda é utilizado noBrasil em regiões de garimpo e, com

o contato com a água, pode contami-nar peixes.

4 Bifenilos policlorados – PCBs> ESSES produtos químicos têm sido

associados à função cognitiva redu-zida na infância. É utilizado comoisolante em equipamentos indus-triais. Mas, devido principalmente aodescarte inadequado desses apare-lhos, a substância é encontrada emalimentos como peixes, carnes e de-rivados do leite.

5 Éteres de difenilap o l i b ro m a d o s> SÃO MUITO usados como retardado-

res de chamas, para proteger móveis,tapetes e roupas, e podem ser neuro-tóxicos. Estudos na Europa e nos EUAtêm mostrado déficits de desenvolvi-mento neurológico em crianças com

STOCK EXCHANGE

C R I A N ÇABRINCA COMCA R R I N H O S :s u b s tâ n c i a sutilizadas emtintas, plásticose borrachas debrinquedospodem sert óx i c a s

aumento da exposição pré-natal.

6 Te t ra c l o ro e t i l e n o> USADO como desengraxante de pe-

ças metálicas, em lavagens a seco, naindústria têxtil e em produtos de lim-peza e de borracha laminada. Pesqui-sa mostrou tendência para deficiên-cias neurológicas em crianças.

7 Bisfenol A ou BPA> O BPA é usado na fabricação de po-

licarbonato, base da maioria dosplásticos rígidos e transparentes,como lanternas de carros e óculos.

> A AGÊNCIA Nacional de VigilânciaSanitária (Anvisa) proibiu no Brasil avenda de mamadeiras e utensílios li-gados à alimentação que contenhama substância. O BPA tem sido asso-ciado a diversos tipos de câncer eproblemas reprodutivos, além de

obesidade, puberdade precoce edoenças cardíacas.

8 DDT (pesticidas)> ESTÃO LIGADOS a anormalidades no

desenvolvimento neurológico emcrianças. Estudos recentes também orelacionam ao mal de Alzheimer. Cos-tumam estar presentes em inseticidasdomésticos. Mas, no Brasil, a Anvisaproibiu a produção e a comercializa-ção dos produtos à base do princípio.

9 F l u o re t o> ESTÁ principalmente em c rem es

dentais e antissépticos bucais. Estu-dos com crianças expostas a níveiselevados de flúor sugerem um de-créscimo de QI de cerca de 7 pontos.

> POR ISSO, cremes dentais não po-dem ser ingeridos e, para criançaspequenas, eles não devem conter as u b s tâ n c i a .

10 Arsênio (arsênico)> É EMPREGADO em processos de fun-

dição de metais e na conservação demadeira e couro.

> EXPOSIÇÕES no pré-natal e pós-na-tal ao arsênico em água potável con-taminada estão associadas a déficitscognitivos em crianças com idade es-colar, além do risco elevado de doen-ça neurológica durante a vida adulta.

Fonte: The Lancet Neurology e professor deQuímica Mário Broetto.

ANÁLISE

“O perigo maior estána cozinha de casa”

“A solução para estes proble-mas de intoxicação passam portrês esferas: residências, cre-ches e escolas e poder público.

Em casa e nas escolas, os cui-dados têm de ser diferentes, deacordo com a faixa etária dascrianças e com o ambiente.

As crianças pequenas, de até 1ano de idade, por exemplo, têmuma participação quase quepassiva nos acidentes. Na maiorparte das vezes, eles acontecemporque dão algo tóxico para osfilhos ingerirem ou armazenamalgo em local inadequado.

Já quando o ambiente é a co-zinha, é preciso ter muitos cui-dados. Ela é muito perigosa, porcausa dos inseticidas, detergen-tes e produtos de limpeza em ge-ral. Ou seja, não é um bom lugarpara crianças de qualquer idade,principalmente sozinhas.

Atualmente, existe um receiogrande até das próprias indús-trias em usar produtos tóxicosem seus itens, temendo açõesjudiciais, o que é benéfico para apopulação.”

Celso Murad,chefe do serviço de

pediatria do HospitalSanta Rita de Cássia