FALTA, FALA E ATO: A PRÁTICA DA ESCUTA NO FAZER ......Falta, fala e ato: A prática da escuta no...
Transcript of FALTA, FALA E ATO: A PRÁTICA DA ESCUTA NO FAZER ......Falta, fala e ato: A prática da escuta no...
1
FALTA, FALA E ATO:
A PRÁTICA DA ESCUTA NO FAZER DO COORDENADOR PEDAGÓGICO
RESUMO
Falta, fala e ato: A prática da escuta no fazer do coordenador pedagógico é marcada pelos três
significantes: falta, fala e ato. É um artigo que visa perceber, através das falas do coordenador
e do professor, se o fazer do coordenador pedagógico inclui a prática da escuta ao professor,
buscando identificar em que momentos ela acontece, e quais teorias embasam essa prática no
interior da escola. O marco teórico trilha pelos autores que discutem psicanálise e educação,
com enfoque na escuta, e os que tratam de questões acerca do trabalho e da relação do
coordenador pedagógico. O método escolhido foi a pesquisa qualitativa e o instrumento
utilizado para a coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada, tendo como lócus uma
escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental da rede particular de ensino de Feira de
Santana. Foram ouvidos onze sujeitos, de ambos os sexos, com idade entre 26 e 37 anos,
sendo três coordenadoras e oito professores, dos diferentes níveis. Depois da categorização
dos dados coletados, percebe-se que os sujeitos pensam na importância da escuta por parte do
coordenador, mas ainda não tem conhecimento teórico sobre psicanálise e educação, o que
deixa evidente que existem muitas controvérsias sobre a diferença entre ouvir e escutar.
Palavras-chave: Psicanálise – Educação – Escuta – Coordenador Pedagógico
ABSTRACT
Lack, speech, and Act: the practice of listening on making pedagogical coordinator is an
article that seeks to understand, through sound bites of Coordinator and teacher if doing
pedagogical coordinator includes the practice of listening to the teacher, seeking to identify
where moments it happens, and what theories embosom this practice within the school. The
theoretical milestone authors trail that discuss psychoanalysis and education with a focus on
listening, and issues about the work and the relationship of pedagogical coordinator. The
method chosen was the qualitative and the instrument used for data collection was the
interview semi structured, having as locus a school Child education and private education
network of Feira de Santana. Were heard eleven subject boys, aged between 26 and 37 years
with three coordinators and eight teachers of different levels. After the categorization of data
collected, that the subject believes in the importance of listening by the Coordinator, but
doesn't yet have theoretical knowledge on psychoanalysis and education, which makes it clear
that there are many controversies about the difference between hearing and listening.
Keywords: Psychoanalysis – Education – Listening – Pedagogical Coordinator
2
No princípio era o verbo
Falta, fala e ato são atos cotidianos no trabalho do coordenador pedagógico. Mas se
analisarmos estes três construtos à luz da psicanálise, veremos que eles dizem muito mais do
que parecem.
A falta é uma busca incessante por aquilo que desejamos. Para a psicanálise, somos
sujeitos da incompletude; O conceito de fala perpassa pelo ato de representar e comunicar
algo que o sujeito faz (FIGUEREDO, 1994 APUD ORNELLAS, 2005), não é apenas a
faculdade de emitir sons, mas de externar pensamentos; O ato é uma ação que emana do
homem, ou do poder dele (ABBAGNANO, 2007). Já a escuta, é confundida, muitas vezes,
com o ouvir, pelo senso comum. Mendes (2009, p. 26) difere ouvir e escutar: “Ouvir vem do
latim audire (ouvido/ audiência), está diretamente ligado ao sentido de audição (...) Escutar
vem do latim a(u)scutare (aplicar o ouvido a)”. Ou seja, escutar é mais que perceber ou
reconhecer sons, é ouvir com atenção, é ver nas entrelinhas. “Pra escutar, o sujeito necessita
de atenção, além de todos os órgãos de sentidos, escuta também a ânima, o corpo, o gesto, o
cheiro, e essencialmente a subjetividade” (ORNELLAS, 2008, p. 137). Dessa forma, podem-
se escutar sinais, olhares e experiências individuais.
Não se trata, neste estudo, de defender uma educação psicanalítica, mesmo porque, são
muitas as discussões sobre essa questão, mas de alertar sobre as contribuições que a
psicanálise pode oferecer à educação. Para Ornellas (2005), não é possível diluir a psicanálise
na educação, mas a prática educativa pode ser inspirada na psicanálise. Uma vez que esta
escuta e percebe a realidade, permite uma possibilidade de aliança com a educação. Cerezer
(2005) aponta que a articulação da psicanálise com a educação é paradoxal. Mas a escuta
pode ser um meio de ligação entre as duas áreas.
Tomando como base que a psicanálise contribui para pensar o afeto, o fazer e o saber
na educação, e que a escuta é, ou pelo menos, poderia ser um instrumento de trabalho na
escola, é que questiono sobre o fazer do coordenador pedagógico. Este fazer inclui a prática
da escuta ao professor, levando em consideração suas subjetividades, na tentativa de lidar
com o mal-estar presente na escola?
O trabalho do coordenador pedagógico envolve questões de liderança, autoridade,
relação, formação, avaliação e articulação. Segundo Clementi (2007, p. 55-56):
Quando o coordenador assume que a sua função é acompanhar o projeto
pedagógico, formar professores, partilhar suas ações, também é importante que
compreenda as reais relações decorrentes dessa posição. Do contrário, uma vez
3
realizada tal prática, ela corre o risco de se tornar limitada e limitante. Limitada
porque não compreendendo as dimensões de sua ação, julga necessário ensinar ao
professor seu fazer, entendendo esse fazer somente como um conjunto de
conhecimentos técnicos. (...) Limitante na medida em que, ao valorizar somente o
aspecto técnico, desconsidera a autoria e o engajamento de ambos – coordenador e
professor (...).
A escuta é um instrumento que valoriza o trabalho dentro da escola, através dela, o
coordenador é levado a perceber o mal e o bem-estar da educação na contemporaneidade, o
que exige uma avaliação dos seus conceitos, da sua formação e da sua prática.
Nesse sentido, esse artigo objetiva perceber, através das falas do professor e do
coordenador, se o fazer do coordenador pedagógico inclui a prática da escuta ao professor,
buscando identificar em que momentos essa prática acontece, e quais teorias embasam a
prática da escuta dentro da escola. Uma vez que, de acordo com Almeida (2007, p.71): “Na
tarefa de coordenador pedagógico, de formação, é importante prestar atenção no outro, em
seus saberes, dificuldades, angustias, em seu momento, enfim”. É dispor de uma escuta que
acolha as diferenças, e um olhar que reflita antes do ato.
Portanto, é certo que as conexões entre psicanálise e educação ainda precisam ser
estabelecidas. Porém, a escuta é um instrumento que pode ajudar a aliviar as tensões no
âmbito escolar, e a coordenação pedagógica pode fomentar esta prática, a começar pelo seu
fazer, pois é um fazer que exige atenção ao outro.
Antes do verbo, o silêncio
O elo entre psicanálise e educação ainda precisa ser (des)construído. Alguns autores
acreditam que é impossível estabelecê-lo. Segundo Kupfer (2000, p. 19), “Do ponto de vista
teórico metodológico, sabemos que a pedagogia e a psicanálise são duas disciplinas que se
opõem em estrutura. São e foram vãs as tentativas de criar ‘pedagogias psicanalíticas’”.
Porque, a pedagogia consiste precisamente na formulação de objetivos sociopolíticos e
educativos na criação de formas de viabilização metodológica da educação, já a psicanálise é
um convite à ruptura dessa massificação. Enquanto a educação nos diz o que devemos fazer, a
psicanálise esclarece aquilo que não devemos fazer (Lajonquiére, 1998).
Mas a psicanálise, ao debruçar-se sobre a educação, provida do seu jeito peculiar de
‘ver’ as coisas sobre um ângulo diferente das demais ciências, verá novas formas de pensar o
sujeito. E poderá transmitir ao educador um novo modo de pensar a sua prática educativa, de
maneira a se perceber e perceber o outro como sujeito da falta, que possui subjetividades,
desejos e necessidades. De acordo com Ornellas (2008, p. 82), a educação contemporânea
4
“(...) precisa se estruturar de modo que o ato educativo se organize nos planos Real,
Simbólico e Imaginário (...) É no exercício da docência que os três elos parecem se escutar de
forma singular, para atender às demandas da escola inserida na sociedade contemporânea”.
Para ilustrar essa fala, a autora traz o nó borromeu, figura trazida por Lacan, em 1972, que
demonstra o entrelaçamento entre o Real, o Simbólico e o Imaginário. Para ele, os três planos
constitutivos do inconsciente do sujeito. O Real representa a impossibilidade, a incompletude;
o Simbólico, a fala, a palavra, o lugar da castração; o Imaginário refere-se à imagem, à
idealização, a fantasia.
Se os três construtos forem levados em consideração, a educação já estará se
estruturando numa nova dimensão orientada pela psicanálise, porque, segundo Kupfer (1995)
visa o sujeito que aprende, e coloca o educador como um “mestre-não-todo”. “O educador
ver-se-á, também por seu turno, levado a conduzir sua ação em outra direção (...) tomará para
si, em outra medida, a responsabilidade por seus atos educativos” (KUPFER, 1995, p. 19).
Dessa forma, se pode conceber o ato educativo de outro modo. Na medida em que os desejos
e as subjetividades dos sujeitos são levados em conta, educação e psicanálise caminham de
mãos dadas.
Assim, embora haja tantas impossibilidades em formar um elo entre psicanálise e
educação, os estudos mostram que elas começam a dar sinais de que podem se enlaçar,
principalmente porque o sujeito é constituído de processos conscientes e inconscientes, que
necessitam ser levados em consideração.
É do silêncio que advêm a escuta
A psicanálise não tem contribuições fundantes para a educação, mesmo porque,
segundo Cerezer (2005), a educação ensina, inibe, proíbe, reprime. E psicanálise não dita
normas, mas reflete sobre a ação da educação. E um dos meios para se chegar à essa reflexão
é a escuta sensível dos sujeitos escolares.
Lacan já afirmara que o inconsciente é o social e se o sujeito emerge no ponto de
articulação entre o seu fantasma e o discurso social, a cuja extensão não está alheio,
então é imprescindível incluir a escuta do discurso social na consideração de
qualquer ação que vise o sujeito (KUPFER, 2000, p. 33).
De acordo com Kupfer, a escuta colabora na construção do sujeito, na medida em que
são levados em consideração suas singularidades e seu papel social. “Trata-se de um
‘escutar/ver’ que toma de empréstimo muito amplamente a abordagem rogeriana em ciências
5
humanas, mas pende para o lado da atitude mediativa no sentido oriental do termo. A escuta
sensível apóia-se na empatia” (BARBIER, 2004, p. 94). Isso não quer dizer que o professor,
o coordenador ou o diretor devam se transformar em psicanalistas. Mas estes podem utilizar a
escuta como instrumento contribuinte para a melhoria do ato educativo, e entender e até
ultrapassar, se possível, o mal-estar vivido dentro da escola.
Segundo Freire (1996, p.135),
Escutar é algo que vai além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no
sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito
que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro.
Essa fala ilustra o entendimento da escuta como instrumento pedagógico, que serve de
base para perceber o que necessita ser ressignificado na prática educativa.
Ornellas (2008, p. 84) afirma que: “É pela escuta cuidadosa dos sintomas presentes no
mal-estar na sala de aula por parte do professor, que penso que algumas fronteiras são
possíveis de serem superadas entre psicanálise e educação”. Esta escuta cuidadosa acolhe o
outro, do seu jeito. Ela compreende sem julgar, sem comparar, o universo pessoal de cada um,
porque aproxima o sujeito, estabelecendo vínculos atenção e respeito entre os pares.
Além disso, escutar e falar faz parte do processo educativo (ORNELLAS, 2008). Estes
dois construtos não estão indissociáveis, uma vez que a escola é espaço de comunicação,
socialização e aprendizagem.
O silêncio faz eco
Grande parte dos autores contemporâneos que tratam do tema psicanálise e educação,
falam da escuta dos professores no seu trabalho em sala de aula, porém, ela se adéqua aos
fazeres do coordenador pedagógico, já que este profissional se relaciona com uma gama
muito grande de outros sujeitos no âmbito da escola.
Iremos nos apegar aqui à sua prática direta com o professor, que além de outras
atividades, o coordenador tem a função de formar. Almeida (2007, p. 74) destaca que:
Observando e ouvindo o professor em sua atuação, é possível diagnosticar suas
necessidades, sentir suas angustias e oferecer a ele a ajuda de que precisa naquele
momento, o que pode ser feito por indicações de ações, de leituras, intermediações
na troca de experiências, encaminhamentos diversos.
Apoiando esta idéia, Souza (2003), cita que o grupo de professores é o foco do
trabalho do coordenador na escola, e lidar com este grupo implica considerar suas
6
especificidades, identificando as suas demandas e promovendo ações para atendê-las. Trata-se
de uma escuta pedagógica.
Ela se constitui em um instrumento metodológico de investigação de questões
relativas ao ato pedagógico como um todo e tem como princípios o acolhimento,
cuidado com o outro, não apenas no sentido de proteção, mas no sentido de estar
vigilante, observando o prazer e o desprazer que ocorrem no cotidiano (MENDES,
2009, p. 25).
Assim, a escuta se mostra como um instrumento indispensável ao fazer do
coordenador, pois possibilita a instalação de um canal de comunicação entre os sujeitos do ato
educativo. Além disso, através dela, o coordenador pedagógico pode perceber o mal-estar que
permeia a prática do professor.
Por outro lado, os relacionamentos também são fortalecidos pela via da escuta.
“Acredito que a tentativa de um ouvir ativo e de uma fala conseqüente tornará mais
confortável o relacionamento do coordenador pedagógico com seus professores” (ALMEIDA,
2007, p.73). É preciso escutar os gestos, os olhares, as subjetividades dos professores,
permitindo, dessa maneira, a constituição do afeto1 no interior da escola.
Embora a tarefa de escutar permita o reconhecimento das singularidades de cada
sujeito, este não é um exercício fácil dentro da escola, justamente porque cada sujeito possui
necessidades, habilidades, limites e subjetividades singulares. Esta fala é paradoxal, mas
encontra-se no campo da possibilidade. A escuta dá sentido ao mundo do sujeito, mas para
isso, é preciso estar aberto para ela. Como cita Rogers (1983 apud Almeida, 2007, p.72):
Quando digo que gosto de ouvir alguém estou me referindo evidentemente a uma
escuta profunda. Quero dizer que ouço as palavras, os pensamentos, a tonalidade dos
pensamentos, o significado pessoal, até mesmo o significado que subjaz as intenções
conscientes do interlocutor.
Dessa maneira, o coordenador pedagógico precisa estar aberto para observar o
professor, escutar as suas falas e os seus silêncios, os seus afetos prazerosos e desprazerosos,
para a partir dessa escuta, desvelar os sintomas presentes nos ditos e nos silêncios, e propor
soluções para o convívio e/ou a superação do mal estar do professor.
O professor não está sendo escutado e não tem a possibilidade de decifrar o que se
passa com ele (CEREZER, 2005). Segundo Torres (2007, p. 48):
É necessário nos remeter ao fato de que, comumente, os coordenadores pedagógicos
apontam que as expectativas em relação ao seu desempenho, a falta de tempo, as
inúmeras demandas do cotidiano e mesmo a falta de clareza em relação ao seu papel
1
__________________ 1 Ornellas cita que o pai da psicanálise assinala o afeto enquanto liberação e ligação que há ente afeto e pulsão. (2008, p. 136)
7
acabam por contribuir para que suas preocupações centrem-se mais na modificação
urgente de situações, na rápida resolução de problemas e na prestação imediata de
serviços.
Esse fazer que apenas atende às urgências do cotidiano preza pela não escuta ao
professor, e este deseja ser visto, ouvido, enfim, considerado. Além disso, a não escuta
acontece por outros motivos, tais como: Postura do coordenador, insegurança, comodismo,
deficiência na formação do mesmo, entre outros fatores. “Conversar com o professor ‘é um
trabalho que dá muito trabalho’. Isto porque o coordenador tem que desalojar práticas
instaladas e se propor dar espaço para o professor falar sobre suas percepções” (CLEMENTI,
2007, p. 58). Dessa forma, o coordenador pedagógico deve experimentar deixar o professor
falar e escutá-lo despido de qualquer preconceito, o que não significa dizer que escutar é
compactuar sempre com a idéia do outro. Para Freire (2000, p.127),
A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de exercer o
direito de discordar, de me opor, de me posicionar. Pelo contrário, é escutando bem
que me preparo para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das
idéias. Como sujeito que se dá ao discurso do outro, sem preconceitos, o bom
escutador fala e diz de sua posição com desenvoltura. Precisamente porque escuta,
sua fala discordante, em sendo afirmativa, porque escuta, jamais é autoritária.
Assim, exercício da escuta fará tanto coordenador como professor compreender que
são sujeitos da falta, da incompletude, e que a parceria entre os dois, formará uma parceria
dialética como: presença e ausência2; dentro e fora; prazer e desprazer. Como uma fita de
Moebius3, que não tem dois lados, mas está em constante transformação, na busca pelo
caminho que vise o ato de ensinar e aprender.
A palavra emerge e faz ato
Para a realização deste estudo, me apoiei na abordagem qualitativa. “A terminologia
pesquisa qualitativa é logicamente distinta de pesquisa quantitativa. O qualitativo aqui faz
toda a diferença” (GALEFFI, 2009, p. 17), pois permite o aprofundamento no universo dos
significados, das ações e das relações do professor e do coordenador pedagógico.
Como instrumento de coleta de dados, foi utilizado a entrevista semi-estruturada por
considerar que é um instrumento flexível que permitiu escutar o sujeito sobre a prática da
escuta na escola.
__________________ 2 Como no processo de fort-da – Conceito psicanalítico introduzido por Freud.
3 Uma fita retangular efetuada meia volta sobre ela mesma. Deve o seu nome a August Ferdinand Moebius, que a estudou
em 1858. (ORNELLAS, 2008, p. 83)
8
A entrevista foi aplicada, com onze sujeitos, sendo três coordenadores e oito
professores de Ed. Infantil e Ensino Fundamental, com idade entre 24 e 43 anos, de ambos os
sexos, de uma escola de Educação Básica da rede particular de ensino de Feira de Santana,
situada no Bairro da Brasília. E foi realizada com base em quatro perguntas: A coordenação
pedagógica tem a prática de escutar o professor; Como a coordenação pedagógica lida com as
subjetividades e com o mal estar exposto pelo professor; Em que momentos a escuta ao
professor acontece; E, se o sujeito tem conhecimento teórico sobre a importância da escuta
como ferramenta de melhoria da educação.
Após a entrevista e a leitura das mesmas, foram construídas as categorias de análise,
que permitiram encontrar as respostas para os questionamentos propostos.
A prática da escuta no fazer do coordenador pedagógico. A maioria dos sujeitos
respondeu que o coordenador costuma escutar o professor. “Me vejo como uma coordenadora
aberta a ouvir, gosto de prestar atenção no meu professor (...) A gente tem que estar atento,
tem que perceber nas entrelinhas” (sujeito 1). A fala dessa coordenadora é apenas um
exemplo, outros sujeitos disseram que a coordenação acolhe, ouve e auxilia no seu trabalho,
como é o caso dessa professora: “Com certeza, leva em conta todos os nossos problemas,
tenta procurar resolver (...)” (Sujeito 3). Porém, alguns professores colocaram que a
coordenação pedagógica ouve, mas nem sempre consegue auxiliar o professor por conta da
discrepância entre as áreas de conhecimento: “(...) É complicado assim, você pegar um
coordenador de uma área e ele fazer interferência no seu planejamento, por conta até do
próprio conhecimento que não tem (...). Minha grande dificuldade é essa, não que não haja
interferência, há interferência de coordenador, e ás vezes a gente necessita, eu necessito
muito. Mas sem o conhecimento da disciplina, a gente acata, mas não é uma interferência e
não é uma contribuição maior que poderia ter tido” (Sujeito 8).
A escuta do mal-estar presente na prática do professor e o respeito às subjetividades. O
exemplo citado acima evidencia um mal-estar vivido pelo professor: A fala do sujeito deixa
claro que coordenador ouve, até tenta fazer interferências, mas muitas vezes, se tornam
interferências irrelevantes para o professor. Outro ponto que parece ser um entrave, eu diria,
‘um ruído’ na escuta é o planejamento e/ ou a entrega do mesmo: “(...) As vezes a gente
acaba, o tempo né, a gente acaba precisando atrasar alguma atividade, um planejamento, e
quando isso acontece ela sempre tenta procurar saber o motivo e entendem apesar do... da
data que é imposta pela direção” (sujeito 3); “A gente tá na escola, o professor é visto
apenas para dar aula, tá o tempo todo cobrando o planejamento. Oh, tem que cumprir o
planejamento, mas em nenhum momento o coordenador ou a escola como um todo procura
9
saber como foi o seu dia” (sujeito 9). Os sujeitos relatam que o coordenador respeita as
individualidades, mas o planejamento é colocado como um mal-estar. Esse ruído pode ter
duas causas: ou o planejamento é visto como uma tarefa burocrática pela escola, ou os
professores não tem consciência de que ele é parte primordial da sua prática. Ainda sobre as
subjetividades, um dos sujeitos verbalizou outro contraponto: que não dá para ser tão flexível
com as situações que se apresentam, pois são muitas singularidades. Isso mostra que em
muitas situações a escuta é confundida com o ouvir pelo ouvir, sem acolher e sem respeitar o
outro.
Em que momentos a prática da escuta ocorre. Os momentos citados pelas
coordenadoras pedagógicas foram: a reunião de grupo, a reunião geral e os atendimentos
individuais, mas elas estão sempre dispostas a escutar o professor como confirma uma
professora: “Eu tenho muito o costume de conversar com a minha coordenadora, seja no
horário de atendimento, ou no próprio corredor da escola, e a gente conversa bastante sobre
os alunos, sobre o desenvolvimento da escola, sobre até coisas da gente mesmo” (sujeito 10).
Por outro lado, alguns sujeitos acham que as reuniões poderiam ter um enfoque diferente: “As
próprias reuniões de grupo, eu vejo muito a necessidade da gente tá trabalhando o indivíduo
e não só questões escolares, questões só de alunos” (sujeito 11). É possível pensar que as
reuniões pedagógicas discutam apenas questões referentes à organização e à administração do
trabalho, deixando de lado as questões vividas pelo professor no âmbito pessoal e
profissional.
A própria designação ‘reuniões pedagógicas’ parece não indicar correspondência
com seus objetivos, concorrendo o pedagógico com o administrativo e com as
demandas do dia-a-dia, em um mesmo conjunto, o que pode contribuir para a sua
descaracterização ou mesmo redução (Torres, 2007, p.47).
Muitas vezes se faz necessário repensar esses objetivos, focalizando a expectativa do
professor, sua necessidade cognitiva e pessoal.
Sobre as bases teóricas da escuta. Apenas um dos sujeitos relatou possuir
embasamento teórico sobre o tema, ainda que superficial: “Quando eu fiz especialização eu
estudei a questão do vínculo afetivo que interfere na aprendizagem (...) Na época eu estudei
wallon, é..., Piaget, vygotsky, Freud, que traz algumas questões, né, na área da escuta(...)”
(Sujeito 1). Os demais falaram que acreditam que está prática é importante para o trabalho na
escola, mas acham isso baseado no empirismo. “Em relação à teoria, pelo menos eu, me
perco toda, sabe?... eu acho muito importante a escuta, não sei em bases teóricas essa
importância, porque infelizmente no nosso curso não foca tanto as relações das disciplinas
10
pedagógicas” (sujeito 5). Essa fala revela a falta de conhecimento teórico sobre o assunto, e
mais, é um conhecimento não relevante para os cursos de formação inicial. Além disso, há um
desconhecimento de que a psicanálise é importante para (re)construir a educação por parte dos
responsáveis pela formação continuada na escola: o coordenador pedagógico.
Diante das falas dos sujeitos, posso supor que, embora grande parte deles diga que o
coordenador pedagógico tem a prática de escutar o professor, ainda há um caminho a ser
percorrido, na busca por desvelar esta prática. Principalmente, porque os sujeitos são de
contextos diferentes, de formações diversas. Para Clementi (2007, p. 55),
Identificar essas ‘vozes’ que se misturam e distingui-las significa entender que,
embora sejam muitas as realidades construídas, em contextos educacionais diversos,
é possível reconhecer o que interfere na atuação profissional do coordenador e,
assim, redimensionar essa questão, partindo para uma reflexão sobre as
possibilidades dessa profissão, sobre as implicações das solicitações feitas, das
teorias defendidas e das ações realizadas.
Muitas vezes, a resistência à escuta não é só por parte do coordenador, mas do
professor, o que não o deixa culpado, pois não tem o conhecimento necessário para entender o
quanto essa prática pode auxiliar o seu trabalho. Por outro lado, o coordenador pedagógico
não pode se acomodar em saber apenas sobre as questões pedagógicas, uma vez que ele lida
com saberes de diferentes disciplinas, precisa aprender um pouco sobre elas para acolher a
necessidade e a dificuldade de seu professor. Almeida (2007) cita que os professores querem
receber uma comunicação autêntica. E isso só é conseguido à medida que são correspondidos,
não apenas com um ouvir, mas com uma leitura e um retorno ao que foi exposto – uma escuta
que vise o acolher, o entender, o fazer, o errar, o rever e o mudar. Mas para isso, se faz
necessário conhecer sobre essa importância, para poder utilizar-se dela e defendê-la com
instrumento de trabalho.
Longe de pretender que os pontos levantados aqui sejam verdades absolutas, espero
que possam levar a perceber que apesar de todas as (in)coerências na junção da psicanálise
com a educação, as duas começam a dar sinais de que essa (des)construção é inevitável e
relevante para a escola, uma vez que a escuta e a fala tornam mais confortável o
relacionamento dentro no seu âmbito, e conseqüentemente traz melhoria do processo de
ensino e aprendizagem. Assim, o coordenador pedagógico precisa se perceber com sujeito
incompleto e assumir a difícil e relevante prática da escuta da falta, da fala e do ato do seu
professor (Ver figura 1).
11
Falta, fala e ato é uma tríade que o sujeito nomeia no seu cotidiano. Nesse sentido,
surge para o coordenador pedagógico uma porta entreaberta para dar passagem ao desejo de
reinventar a coordenação pedagógica.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5° Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ALMEIDA, Laurinda Ramalho. O relacionamento interpessoal na coordenação pedagógica.
IN: O coordenador pedagógico e o espaço da mudança. 6° Ed. São Paulo: Edições Loyola,
2007.
BARBIER, René. A escuta sensível. IN: A pesquisa-ação. Brasília: Liber Livro, 2004, p. 93-
102.
CEREZER, Cleon. Escuta do mal-estar na sala de aula – um ensaio sobre psicanálise e
educação na atualidade. IN: O mal-estar na escola. 2° Ed. Rio de Janeiro: Editora Revinter,
2005. p. 57-63.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000
CLEMENTI, Nilba. A voz dos outros e a nossa voz: Alguns fatores que intervêm na atuação
do coordenador. IN: O coordenador pedagógico e o espaço da mudança. 6° ed. São Paulo:
Edições Loyola, 2007.
GALEFFI, Dante; MACEDO, Roberto; PIMENTEL, Álamo. Um rigor outro: Sobre a
questão da qualidade na pesquisa qualitativa. Salvador: Edufba, 2009.
HOUAISS, Antônio. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 2°ed. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2004.
Figura 1: A ESCUTA DO
COORDENADOR
12
KUPFER, M. L. S. Limites e Alcances de uma aproximação entre psicanálise e educação. IN:
Educação para o futuro. São Paulo: Escuta, 2000.
LAJONQUIÈRE, L. A Psicanálise, A Educação e a Escola de Bonneuil - A (À) Lembrança
de Maud Mannoni. Estilos da Clínica, n- 4, l998, pp. 65 – 79.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da metodologia
científica. 6° Ed. São Paulo: Atlas, 2008.
LUCK, Heloísa. Ação Integrada: Administração, Supervisão e Orientação Educacional.
26 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
MENDES, Flávia Oliveira dos Santos. Hieróglifos e Pergaminhos: uma escuta do saber-
fazer do professor da educação infantil. Dissertação de mestrado – Universidade do Estado da
Bahia: Salvador, 2009.
MICHEL, Maria Helena. Metodologia da pesquisa científica em ciências sociais. 2°ed. São
Paulo: Atlas, 2008.
ORNELLAS, Maria de Lourdes S. O real, o simbólico e o imaginário da docência da
contemporaneidade. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade. Salvador, v.17,
n°. 30, p. 81-88, jul/dez. 2008.
__________, Maria de Lourdes S. Um encontro da psicanálise com a educação. IN: Afetos
Manifestos em sala de aula. São Paulo: Annablume, 2005. P. 46-60
__________, Maria de Lourdes S. Escuta. IN: Ficar na escola: Um furo no afeto. Salvador:
EDUFBA, 2008. p. 136-140
SANTANA, P. M. M. A escuta do fazer do coordenador pedagógico: Um estudo em
Representação Social. Dissertação de mestrado em andamento. Universidade do Estado da
Bahia. Salvador, 2010.
SOUZA, Vera Lúcia Trevisan de. O Coordenador pedagógico e os sentimentos envolvidos no
cotidiano. IN: O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. São Paulo: Edições
Loyola, 2003.
_______, Vera Lúcia Trevisan de. O Coordenador pedagógico e os sentimentos envolvidos no
cotidiano. IN: O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. São Paulo: Edições
Loyola, 2003.
TORRES, Suzana Rodrigues. Reuniões pedagógicas: espaço de encontro entre coordenadores
e professores ou exigência burocrática? IN: O coordenador pedagógico e o espaço da
mudança. 6° Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.