FANATISMO - O OURO DO TOLO

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Fanatismo o ouro do tolo

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Encontra na religião uma nova sensação, no êxtase da emoção tudo que é ruim é esquecido, até a próxima sessão. A dose vai aumentando e com isso a dor e os problemas ficam cada vez mais distantes, a ponto de esquecê-los.

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Fanatismoo ouro do tolo

São Paulo 2013

Taunay Teonácio dos Santos

Fanatismoo ouro do tolo

Copyright © 2013 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa e Projeto GráficoAline Benitez

Revisão Daniel Vinícius

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

--------------------------------------------------------------------------------S239f Santos, Taunay Teonácio dos Fanatismo o ouro do tolo/ Taunay Teonácio dos Santos. — São Paulo: Baraúna, 2012. ISBN 978-85-7923-565-8 1. Romance brasileiro. I. Título. 12-7858. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

25.10.12 01.11.12 040237--------------------------------------------------------------------------------

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Em memória da minha avó paterna, Isaura Laura dos Santos; não tive o prazer de conhecer, mas tenho o orgu-lho de ser neto.

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Sábado, 11h da manhã. Mais uma vez Dona Rosalina bate desesperadamente na porta do quarto de seu filhinho João, que dormia tranquilamente.

João era um jovem rebelde, se achava muito esperto. Apesar da sua família, composta de sua mãe e sua irmã Rose, que eram protestantes, ele vivia em guerra com a Dona Rosa-lina, pois da igreja passava longe. Usava roupas rasgadas, tinha os cabelos compridos e, para piorar, tocava violão. Só que não eram hinos o que ele entoava, era Rock’ n’ Roll. Esse era um dos motivos pelos quais passava a maior parte do dia trancado em seu quarto. Quando chegava o fim da semana e as duas estavam em casa, elas colocavam os hinos de louvor bem alto e isso incomodava o rapaz.

Ele adora Rolling Stones, era fã ardoroso de Mick Jagger. Esse era o mundo de João, onde nos fins de semana vivia um inferno astral de dia e de noite, caía na farra. Apesar de ser ro-queiro convicto não se envolvia com o que via, ouvia e sentia, pois essas festinhas eram regadas de muitas drogas e bebidas.

Nas quartas-feiras, havia um culto na sua casa. Por mais que sua mãe insistisse, ele jamais participava, a não ser quando precisava de uma calça nova ou cordas para o seu violão. Isso mexia com o coração de D. Rosalina, que chegava a chorar de emoção. Mas João, que não tinha compaixão, ficava com um olho no pastor e o outro nas gatinhas. Definitivamente aquela não era a sua praia.

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Apesar de ser muito conhecido e de ter muitos amigos, um era especial: Xuxa. Loiro, alto, olhos azuis, muito ativos e além de bonito, tinha uma intimidade com as garotas de dar inveja embora isso nunca atrapalhasse a amizade dos dois. Seu nome era João Ciclar. Eram amigos desde criança. Xuxa era o cara perfeito, só tinha um defeito: era altamente viciado. Um vivia a contar a sua monótona vida para o outro. Ao som dos Rolling Stones sempre rolava um cigarro de Cannabis Sativa. João não se ligava na fumaça e sim na música, ao contrário do amigo que delirava.

Xuxa tinha os pais separados e assim como seu amigo, viva com sua mãe, sua irmã, que era bem mais velha do que ele, e com o padrasto que o detestava. Como de dia todos trabalhavam, os amigos encontravam-se diariamente sem se incomodar com os vizinhos. Colocavam o som baixo, mas a fumaça e o cheiro eram horríveis. A amizade dos rapazes era tanta que João fazia companhia ao amigo ia comprar a erva e assim, sem ser consumidor, era comprador. Ele era tão bem visto que fazia amizade até com os traficantes, embora não tivesse ao certo a medida do perigo que corria. Essa prática era comum: ir com o amigo aos lugares mais estranhos pos-síveis, por pura amizade. E assim, sem querer, Xuxa acabava ensinando o caminho das pedras, ou melhor, das drogas, para o seu querido amigo.

Estava próximo de acontecer uma grande festa na con-gregação de Dona Rosalina, que via nesse episódio a chance de levar o filho à casa de Deus. Ela pediu ao pastor que interce-desse com ela numa corrente de oração, para que neste dia João abrisse seu coração. Nessas festas costumava ir muita gente que não fazia parte da igreja. Talvez fosse essa a intenção: ganhar adeptos; talvez fosse apenas tradição... Para os amigos de João era a grande oportunidade da boca-livre, pois as mulheres da

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igreja montavam uma grande mesa e no final todos se serviam e, além disso, neste dia em especial, a congregação ficava cheia de gatinhas, um verdadeiro banquete para os jovens rapazes.

Dona Rosalina insistia com seu filho incansavelmente para que ele aceitasse sua religião, enquanto isso, ele só pensa-va na Ana, Luciana, Bruna... Meninas da igreja, amigas de sua irmã Rose. Todas com seus rostinhos santinhos e às vezes olha-res maliciosos. Não havia concentração, sua mente só pensava maldade e se distanciava cada vez mais do caminho planejado por sua mãe, sem lhe pedir permissão.

Se havia algo que incomodava o jovem, eram os hinos; ele não suportava. Mas no decorrer da semana que antecedeu a festa foi criando uma expectativa e todos na rua comentavam. Rolou um clima legal e tanto João quando seus amigos aceita-ram, inclusive Xuxa, na verdade, muitas eram as meninas que vinham de outros bairros só para vê-lo e conhecê-lo. Ele era uma atração à parte.

Os dois amigos mais íntimos, João e Xuxa, resolveram fazer a seguinte aposta: quem ficasse com a mais bela garota da festa, ganharia. Mas não seria fácil pra nenhum dos dois pagar, já que eles viviam duros. Um tinha que se sacrificar assistindo aos cultos quando precisava de dinheiro, aqueles, na sua casa, às quartas-feiras. O outro tinha que roubar a sua mãe e irmã para satisfazer seu vício. Mesmo assim João acei-tou a aposta, não se sabe por que, pois ele não tinha a menor chance. Não contra o amigo.

Finalmente o sábado chegou e com ele, a festa tão aguar-dada por todos. A noite estava linda, a lua cheia, a igreja toda enfeitada, pessoas bem vestidas, rostos felizes e bonitos. João, por sua vez, mesmo ao lado dos amigos se sentia tão só indi-ferente a tudo e a todos. Ele tinha algo dentro de si que não sabia na verdade o que era. Só sentia uma solidão que muitas

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vezes doía a alma, mesmo que estivesse numa festa. Havia um vazio no peito que nem o amor de sua família e do amigo Xuxa poderia preencher.

Jamais se interessou pela igreja. Sentia-se magoado pela insistência de sua mãe em querer impor-lhe uma religião. Sen-tia falta também de alguém, mas não sabia de quem. Deixando as mágoas de lado, foi à festa, não com sua família, com seus amigos, o que é natural para a idade dele. João pôs sua me-lhor roupa, embora não conseguisse largar seu casaco de couro que era sua marca registrada. Mesmo assim, tinha bom gosto. Sabia combinar as roupas de acordo com seu casaco. Assim sendo, não chamava atenção.

Xuxa, ao contrário, chamava toda a atenção, mesmo sem querer. Elegantíssimo, usava uma camisa azul que combinava com seus belos olhos. Ele era alto e muito charmoso, mas nem mesmo naquela noite especial ele conseguiu enfrentar a festa de cara limpa e bonita. Chamou o amigo e foram para os fundos da igreja onde havia um portão com um cadeado. Passando do portão, eles estavam sozinhos e à vontade, pois a igreja era muito grande e aquele lugar raramente era usa-do, portanto um lugar perfeito para uma indelicadeza: fumar Cannabis sativa, dentro da casa de Deus. Mas para um vicia-do, não há pecado. Os dois pularam o muro, andaram por cima do telhado e passaram por um salão muito grande e fo-ram até os fundos. Ali, em pouco tempo, os belos olhos azuis tornaram-se vermelhos enquanto o amigo estava ali apenas por companhia, pura amizade, mas sem nenhuma responsa-bilidade. A fumaça não o incomodava e a emoção da aventura recompensava. Fizeram o trajeto de volta tão sorrateiramente que ninguém percebeu. Eram como gatos nos telhados. Não sujaram nem as roupas. Só tinha um problema: Xuxa ria à toa e João precisava controlá-lo.

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A festa já tinha começado. Havia muitos louvores, a con-gregação estava cheia, todos numa alegria só. Logo, João se lembra da aposta e se separa do amigo, pois sabia que esse não tinha nenhuma dificuldade para encontrar uma namorada, era só se controlar. Apesar de ser um belo rapaz, não podia compe-tir com o amigo, aliás, ninguém podia. Mas João era charmoso e gentil, o que era estranho para um jovem rebelde. Era muito inteligente, sabia exatamente quando falar e quando calar, mas principalmente: o que falar.

Finalmente ele achou uma garota interessante. Seu nome era Gabi, jovem, inteligente, mas principalmente: lin-da! Não era da congregação; na verdade, aparecia pouco e por isso João não tivera chance de investir; essa era à hora! Quan-do chegou perto de Gabi a cumprimentou. Ficaram conver-sando, se conhecendo melhor. Ele sabia como ninguém fazer uma garota sorrir.

Depois de algumas gargalhadas, deixando João cada vez mais animado, chega para se juntar aos dois Carlinhos, o cara mais chato da rua. Ele se considerava o verdadeiro dono do bairro onde eles moravam. Suas características eram bem co-nhecidas: era encrenqueiro e brigão. Suas brigas eram famosas, pois chegava a enfrentar, de igual apara igual, homens feitos. Carlinhos beijou a garota e disse sarcasticamente:

E aí, cabeludo? Gostou da minha namorada?Isso foi um choque para João, vendo aquela menina tão

nova nos braços daquele cara tão mau. Ela parecia tão apaixo-nada, tendo em vista como se beijavam e se abraçavam. João pede licença para procurar o amigo, completamente triste e inconformado. Continuou sua busca incansável, pois essa festa não acontecia todo mês e ele não queria perder a aposta feita com o amigo que resolve procurá-lo e encontra sua mãe Ro-salina, que já estava preocupada com o filho e começa a falar.

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João nem dá atenção, mesmo porque não acredita no que vê: Xuxa estava de mãos dadas com Rose e sorria para o amigo, perguntando-lhe num sussurro em seu ouvido:

Você conseguiria uma garota mais interessante do que essa?A aposta acabou ali. Definitivamente, aquela era uma noi-

te para esquecer. Mas apesar disso, João estava muito feliz por sua irmã. Ele a amava muito, ela era adorável! Jamais brigava com ele, o servia, não o entregava para sua mãe, mesmo saben-do de suas travessuras. Pelo menos alguém da família ganhou. Ganhou, pois Xuxa era, para muitas meninas, um prêmio. Tê-la escolhido deixou João muito feliz. Mas esse era só o começo. Muitas surpresas o aguardavam naquela fatídica noite.

A festa chega ao seu momento crucial: a pregação do pastor que era, para João, o próprio dono da igreja. Era um senhor alto, moreno e muito simpático com uma retórica de impressionar um exímio orador. Mesmo assim, João não con-seguia compreendê-lo, pois falava daquilo que o rapaz, por mais que prestasse atenção, por algum motivo não conseguia entender. Também havia muito barulho, aplausos, gritaria e disso João não gostava. Quem sabe por isso não conseguia en-tender o que o pastor estava falando.

Ao término da pregação houve uma grande movimenta-ção dos obreiros. Eles estavam bem arrumados, com paletós bem passados, gravatas que chamavam atenção e os sapatos de marca brilhavam. Eles seguravam uma vara curta com uma sacola na ponta. Ficava um de cada lado dos bancos e assim alcançavam todos que estavam sentados. Foi então que João ficou admirado, pois todos colocavam dinheiro nas sacolas. Sua mãe fez o mesmo com um sorriso largo, olhando para o obreiro. Talvez esse tenha sido o momento mais demorado. O pastor não tinha nenhuma pressa. Todos estavam em êxtase e com isso faziam barulho de todas as formas, até que os obrei-

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ros entram em uma porta e somem. Enquanto isso, o pastor ouve os membros com alguns testemunhos.

Sobe ao palco, que em relação às cadeiras era bem mais alto, uma senhora que começa a falar de sua filha. Segundo ela, a menina mudou radicalmente seu comportamento para melhor, depois que começou a acompanhar a mãe à igreja. Agradeceu a Deus e a todos, depois desceu sob aplausos.

Em seguida, sobe ao palco um rapaz chamado Jonas, este João conhecia de nome, pois sua mãe vivia a falar bem desse moço. Jonas começou a falar:

Aqui fala um ex-viciado curado por Deus.O povo foi ao delírio. Mais gritos e aplausos. Logo após

ele contou sua história.Tornou-se viciado graças aos amigos. No começo tudo

eram flores, era prazeroso, mas logo se tornou um grande pesa-delo em sua vida, e isso quase o matou. Tornou-se um escravo das drogas e tinha certeza que só havia se libertado pela graça de Deus e as orações dos seus pais que eram crentes, e agora sua vida tinha sentido.

João sentiu uma dor profunda em seu peito. A esse rapaz ele entendeu, pois em pouco tempo, este, narrou seu provável futuro. Essas palavras foram como flechas no seu coração, pois sabia ele que nada o faria se separar do seu querido amigo Xuxa. Embora não querendo admitir, ele sabia que isso pode-ria acontecer com ele também, já que ninguém nasce fumando ou bebendo, é sempre influenciado por alguém. João não iria romper sua amizade com Xuxa porque o amava, mas quem ama se rebaixa ao nível da pessoa amada. Se não fosse isso como poderia se arriscar tanto indo com ele a lugares tão pe-rigosos a ponto de correr risco de vida? Embora isso trouxesse certo fascínio, e se tratando de uma pessoa solitária, isso é um alento. Seria possível fazer o que Jonas fez antes que aconte-

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cesse o pior? Sua mãe teria razão? Conseguiria ele largar, não só a amizade do grande parceiro de perigosas aventuras, mas também o rock e os Rolling Stones?

Para piorar a situação, Xuxa não ouviu uma só palavra do que Jonas falou. Pois estava namorando Rose. João precisava ficar sozinho e pensar.

Já era madrugada e a festa iria demorar um pouco mais, pois costumava ir até de manhã. Foi então que ele viu uma porta aberta. Era uma sala com um sofá convidativo. Como não tinha ninguém, entrou e deitou. Tentou relaxar, pois foi uma noite e tanto. Ele só não sabia que ainda não havia ter-minado o que Deus reservara para ele. Estava quase dormindo quando de repente escuta vozes na sala ao lado e fica o mais quieto possível já que entrou sem pedir licença. Mas devido às gargalhadas vindas daquele cômodo, ele resolveu ver o que era. Foi bem devagar e empurrou a porta sem fazer o menor barulho, e pela fresta da porta entreaberta, viu dois senhores sentados ao redor de uma mesa cheia de dinheiro. Eles esta-vam contando numa felicidade indescritível. João nunca tinha visto tanto dinheiro de uma só vez. Mil coisas passaram por sua cabeça. Aquele dinheiro poderia, em posse dele, comprar o mundo. Foi apenas um devaneio. João jamais roubou sua mãe. Mesmo não sendo cristão, teve uma boa educação e, portanto, não gostava de ladrão. No caso do seu amigo, era compreensível: ele apenas precisava suprir uma necessidade. E era apenas de sua mãe que Xuxa roubava. Como costuma-va dizer “pegava emprestado”. Refazendo-se daquela visão, no mínimo estranha, pois não fazia ideia que a igreja manuseava tanto dinheiro. Fechou bem devagar a porta e foi embora sem ser notado. Voltando para junto de sua família e de Xuxa, que era só sorriso abraçado com a Rose. Disse-lhe baixinho:

Vai pensando na nossa aposta porque hoje eu não consi-

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go nem pensar no que eu vou querer. Ele tinha razão, não ha-via nenhuma outra garota mais interessante e bonita que Rose naquela assembleia. Nesse caso, pesava não só a beleza física, o que não lhe fazia falta, mas também o caráter, a educação e a humildade daquela jovem.

Finalmente amanheceu. A festa acabou. O pastor ficou na porta de entrada para cumprimentar, se possível, a todos. Dona Rosalina fazia questão de apertar sua mão, agradecida. Mas João, Xuxa e Rose saíram por uma porta lateral onde cos-tumavam sair os jovens, pois aqueles apertos de mão pareciam intermináveis. Foi uma noite inesquecível para João que, além de perder a aposta para o amigo, ainda ficou com aquela cena da sala com os dois homens e a montanha de dinheiro. Acres-centa-se a isso, tudo o que ouviu, principalmente a parte do depoimento de Jonas.

O dia passou, a noite chegou, e com ela a vida volta ao normal. João sai para se reunir com os amigos, e de repente encontra Xuxa que estava todo machucado.

Reclamava de uma briga com o Carlinhos, acerto de contas. João ficou irado. Em apenas 24h, aquele sujeito tinha estragado sua noite duas vezes. Daquele dia em diante, ganhou um inimigo, mas não deixou este saber disso. Então levou o amigo para casa, e lá, sua irmã, muito preocupada e apaixonada, ajudou o amado. Limpou-o e lhe fez curativos, isso tudo sem nada perguntar. Logo após, foram namorar na varanda da casa. A mãe, Dona Rosalinda, estava vendo sua novela preferida e nem percebeu o que estava acontecendo, pois os meninos entraram no quarto pela janela e por lá saíram. Enquanto os dois namoravam, João tocava seu vio-lão. Apesar de jovem, era um exímio violonista, um autodidata, pois jamais foi a uma escola de música.

Meia-noite. Por mais que Xuxa insistisse, Rose tinha que entrar. Não que a mãe estivesse incomodada, na verdade, ela