FAPESP. O Poder Dos Partidos

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70 z AGOSTO DE 2014 Estudo investiga o sofisticado mecanismo de conexão entre os diferentes níveis de poder HUMANIDADES CIÊNCIA POLÍTICA y Eduardo Nunomura O poder dos partidos

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Revista da Fapesp sobre a influência de cada partido no Brasil.

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  • 70 z agosto DE 2014

    Estudo investiga o sofisticado mecanismo de

    conexo entre os diferentes nveis de poder

    humanidades CINCIA POLTICA y

    eduardo nunomura

    O poder dos partidos

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    Marcha dos Prefeitos no Congresso Nacional, em maio deste ano: desde a Constituio de 1988, eles so responsveis pela implementao de importantes polticas pblicas, como as de sade e educao

    Os partidos organizam a vida poltica antes e de-pois das eleies e exercem um papel-chave na relao dos municpios com os estados e a Unio. As polticas pblicas so decididas por meio de uma articulao que passa pelas assembleias

    legislativas e pelo Congresso, ou seja, pelos parlamentares. Os deputados, embora possam comear a carreira de forma localizada, progressivamente adotam uma estratgia de dis-persar seus votos em uma determinada regio, o que os obriga a atender a demandas de suas bases municipais e, ao mesmo tempo, a tentar ampli-las. Ao contrrio do que diz o senso comum, no h um jogo de toma l, d c, e sim existe no Brasil um sofisticado mecanismo de conexo entre os dife-rentes nveis de poder.

    Essas concluses resultam da pesquisa Instituies polticas e gastos pblicos: um estudo dos estados brasileiros, conduzida de 2009 a 2013, sob a liderana do cientista poltico George Avelino Filho, professor da Fundao Getulio Vargas (FGV). FO

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    Apoiado pela FAPESP na modalidade Projeto Temtico, o trabalho, que procura elucidar de-terminadas caractersticas do funcionamento do sistema poltico no pas, desdobra-se agora numa segunda etapa sob o ttulo As instituies polticas subnacionais: um estudo comparativo dos estados brasileiros. Foram feitos poucos estudos para entender como a poltica ocorre nos esta-dos. Nossa inteno foi ampliar para a poltica no nvel estadual o que j se sabe para o sistema poltico como um todo, diz Avelino.

    Segundo o pesquisador, h uma discusso na cincia poltica brasileira que gira em torno da fraqueza dos partidos, da possvel existncia de distritos informais, e de como isso se reflete na atuao dos parlamentares. Ao serem elei-tos com votos concentrados em uma regio, nos chamados distritos informais, os deputados privilegiariam polticas pblicas mais fragmen-tadas. O fenmeno, conhecido como pork barrel, implica uma poltica de benefcios econmicos ou servios concentrados em uma rea circuns-crita geograficamente.

    O primeiro passo em seu estudo foi ampliar o olhar tambm para os municpios, uma vez que o federalismo brasileiro, diferen-temente da maioria das federaes no resto do mundo, envolve trs nveis de governo. Desde a redemocratizao e com mais fora desde a Constituio de 1988, os prefeitos so respons-veis pela implementao de importantes polticas pblicas, como as de sade e educao. Quere-mos entender o estado como um agregado de municpios e, mais que isso, tambm como locais de votao, pondera Avelino. E, ao destrinchar o voto tambm no nvel dos locais de votao, o estudo possibilitou a anlise mais detalhada dos resultados eleitorais, aumentando a compreenso de como os deputados vm sendo eleitos.

    Um dos pesquisadores envolvidos, o econo-mista Ciro Biderman, tambm professor da FGV, props a adaptao do ndice G, um indicador que mede o grau de concentrao geogrfica dos setores produtivos, amplamente utilizado em tra-balhos de economia regional, s campanhas dos deputados. Assim, pensando-se em uma eleio no Amap, por exemplo, seria aritmeticamente esperado que um candidato obtivesse 60% dos seus votos em Macap, j que essa a proporo de eleitores da capital relativamente ao estado como um todo. Entretanto, se esse poltico ado-

    Manifestante durante a eleio presidencial de 2006, em so Paulo

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    tar a estratgia de concentrar sua campanha em uma determinada regio, pode-se esperar que os votos ali recebidos sejam proporcionalmente em nmero maior do que a distribuio percentual do eleitorado, elevando o indicador.

    n o estudo coordenado por Avelino o n-dice G foi aplicado inicialmente s elei-es em So Paulo e depois estendido para todos os estados brasileiros, no perodo de 1996 a 2010. O que se descobriu foi que o perfil dos deputados eleitos tende a ser concentrado em termos municipais, mas algo disperso regio-nalmente. No difcil entender por que isso acontece. O deputado precisa buscar apoio para alm dos lugares onde mais conhecido, precisa viajar, mas isso caro e no pode ser aleatrio. O maior cabo eleitoral so os prefeitos, e na organizao partidria que ele encontra maior eficincia para sua campanha, diz Avelino. As-sim, uma liderana local comea se elegendo em sua cidade natal, depois parte para expandir sua atuao regionalmente e, por ltimo, por ter se tornado conhecido como parlamentar pode des-concentrar seus votos.

    A desconcentrao de votos, algo equivalente a uma estadualizao da candidatura, faz par-te de uma estratgia de diversificar os riscos e, em alguns casos, alar voos maiores nas eleies majoritrias estaduais (Senado e governo), mas tambm pode representar o fim de uma carreira poltica. Este um momento de fragilizao, ou seja, os candidatos saem de uma zona de conforto para a diversificao total dos ativos eleitorais, correndo o risco de no serem competitivos em nenhum lugar, o que aumenta muito a probabi-lidade de perderem a eleio, explica Avelino.

    Seu estudo comprovou que existe, de fato, uma articulao interpartidria entre prefeitos e depu-tados federais, e que esta opera dentro da lgica de uma busca de recursos federais para os gover-nos locais e com obteno posterior de dividendos eleitorais. Ao cruzar os dados das ltimas eleies em um universo de 5.221 municpios com menos de 200 mil habitantes, os pesquisadores da FGV descobriram que os prefeitos so responsveis por um acrscimo de cerca de 20% dos votos que so destinados, dois anos depois, para os candidatos de seu partido a deputado federal. Os primeiros precisam de recursos para governar, enquanto, uma vez eleitos, os parlamentares no tero vi-da longa sem apoio local para manter e expandir sua base eleitoral.

    Partidos com alta capilaridade como o PMDB, que nas eleies de 2008 elegeu cerca de 1.200 prefeitos, no universo dos 5.221 municpios es-tudados, preservam sua fora e seu poder de barganha nas eleies municipais. Os prefeitos peemedebistas tm sido os grandes cabos eleito-

    O federalismo brasileiro, diferentemente das federaes do resto do mundo, envolve trs nveis de governo

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    Votao na Assembleia Legislativa do rio de Janeiro, em 2012: segundo o estudo, o perfil dos deputados eleitos tende a ser concentrado em termos municipais, mas algo disperso regionalmente

    rais nas disputas para o Congresso. Queremos ver como as decises de polticas pblicas se relacionam com a questo poltico-partidria, diz Biderman. Uma hiptese a ser testada se a fora dos eleitos, traduzida nos votos de pre-feitos e deputados, traz dividendos concretos para as localidades. As decises das polticas pblicas levam em considerao os votos, e por outro lado o tipo de voto que vai definir a po-ltica pblica a ser adotada, diz.

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    Os dados da pesquisa indicam que a ligao mais forte entre prefeitos e deputados federais do que entre prefeitos e depu-tados estaduais. Essa diferena pode ser explicada pela descen-tralizao dos poderes poltico e administrativo que reforou as transferncias de programas e repasses constitucionais fede-rais para os municpios.

    A literatura da cincia pol-tica revela que a eleio de um presidente americano acaba por influenciar a votao de muitos congressistas do mes-mo partido. Esse efeito, de-nominado de coattail (pegar carona, em traduo livre),

    ocorre de cima para baixo e em uma mesma disputa. Em outras palavras, um presidente bem avaliado tende a aumentar as chances dos can-didatos a deputado federal de seu partido. Ao aplicar esse mtodo para as eleies brasileiras, h duas dcadas, o pesquisador americano Barry Ames verificou que a influncia se dava de bai-xo para cima, isto , ocorria um efeito coattail reverso. Ele justificou os resultados afirmando que havia no Brasil uma espcie de distrito informal.

    A pesquisa de Avelino tomou emprestada a ex-presso coattail reverso, porm chegou a resultados diferentes. So os partidos, e no os deputados, que organizam o desempenho nas eleies nos estados, onde so eleitos todos os legisladores federais. Por que ser que o Congresso se empenhou tanto na queda da verticalizao?, indaga o pesquisador. A resposta que os partidos tm se preocupado, desde a redemocratizao, com a liberdade que tm de costurar apoios diferentes nos planos na-cional e estadual como forma de aumentar suas chances nas eleies legislativas estaduais.

    em parceria com a Associao Brasileira de Cincia Poltica, os pesquisadores obtiveram acesso aos dados brutos do Tribunal Supe-rior Eleitoral (TSE). Isso permitiu obter informa-es de uma eleio no nvel de uma zona eleito-ral. Em termos prticos, resultou da pesquisa a criao da plataforma Cepespdata, um software de consulta pblica aos dados eleitorais (www.fgv.br/cepesp/cepespdata). De livre acesso, ela apresenta uma interface mais simplificada que a do TSE, facilitando a vida dos pesquisadores de qualquer instituio. Tambm com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica possvel agregar os votos no nvel de uma micro ou mesorregio, isto , conjuntos de municpios que identificam nichos mais articulados econ-mica e socialmente dentro de um estado.

    Crianas assistem a comcio na cidade de Tapau (AM), em 1998: descentralizao dos poderes poltico e administrativo reforou os repasses federais para os municpios

    so os partidos, e no os deputados, que organizam o desempenho nas eleies nos estados, onde so eleitos todos os legisladores federais

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    Protesto da populao contra corrupo na Cmara Municipal de dourados (Ms): segundo os pesquisadores, a viso popular de que as regies mais pobres so dominadas por uma poltica mais tradicional no foi confirmada pelos estudos

    A plataforma tem permitido aos pesquisado-res fazer uma srie de cruzamentos inditos, alguns com resultados surpreendentes. Assim, estados como Rondnia, Paran, Esprito Santo e So Paulo apresentaram nveis de concentrao eleitoral acima do esperado na eleio de 2010, ao contrrio de Sergipe, Rio Grande do Norte, Piau, Acre e Amap. Dos nove estados do Nor-deste, apenas Cear e Alagoas tiveram um nvel de concentrao de seus deputados federais maior do que aquele que seria esperando pela fragmen-tao partidria. Esses dados contradizem a vi-so popular de que as regies mais pobres so dominadas por uma poltica mais tradicional, baseada em redutos eleitorais e concentrao de votos sepultando de vez a existncia dos currais eleitorais no pas.

    em outra vertente de investigao do projeto, os pesquisadores mapearam a formao dos secretariados de 14 estados no perodo de 1994 a 2010. O objetivo explorar a diversidade dos estados brasileiros para entender melhor co-mo essas coalizes so compostas e se possvel relacion-las com a coalizo nacional.

    Essas anlises necessitam de uma observao local, e por isso os pesquisadores decidiram for-mar uma rede federativa de pesquisa, compos-ta por cientistas polticos e outros especialistas com experincia em governos subnacionais. Os estudos prosseguiro no segundo projeto tem-tico aprovado em continuidade ao primeiro, e a ideia que essa rede cubra os 27 estados. Prev--se realizar um estudo de caso para cada reali-dade estadual e alimentar o banco de dados do

    ProjetoInstituies polticas e gastos pblicos: um estudo dos estados bra-sileiros (n 2008/03595-7); Modalidade Projeto Temtico; Pesqui-sador responsvel George Avelino Filho (FGVsP); Financiamento r$ 293.504,60 (FAPEsP).

    Artigos cientficosAVELINO, G. et al. Articulaes intrapartidrias e desempenho elei-toral no Brasil. Dados Revista de Cincias Sociais. v. 55, n. 4, p. 987-1.013. 2012.AVELINO, G. et al. A concentrao eleitoral nas eleies paulistas: medidas e aplicaes. Dados Revista de Cincias Sociais. v. 54, n. 2, p. 319-47. 2011.

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    Cepespdata, de forma a permitir comparaes entre os estados.

    Os primeiros achados so promissores por revelar algo que foge do senso comum ou de ideias preconcebidas e, em geral, negativas sobre a poltica no Brasil. Mas, segundo os responsveis pelo estudo, ainda h um longo caminho a percorrer. Avelino sugere reformas pontuais que visem fortalecer as siglas partid-rias como mecanismos de representao, como o fim ou disciplina das coligaes para as eleies legislativas e o fortalecimento da fidelidade par-tidria. No primeiro caso, teramos a reduo do nmero de partidos, tornando a competio eleitoral mais compreensvel para o eleitor. No segundo, aumentaramos os custos de sada mudanas de partidos, o que incentivaria os polticos a investirem em seus partidos atuais. No podemos esquecer que os partidos polticos continuam sendo o melhor meio de representa-o dos setores populares e de sua incluso ao sistema poltico democrtico. Se desejamos uma sociedade mais igualitria temos de reforar esse importante mecanismo de incluso, conclui. n